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CLASSES E MOVIMENTOS SOCIAIS

Unidade II
5 O QUE SÃO MOVIMENTOS SOCIAIS?

Dias (2005, p. 218) afirma que “um movimento social se caracteriza como uma coletividade de indivíduos
envolvida num esforço organizado para promover ou resistir à mudança na sociedade ou grupo de que é parte”.

Na definição de Melucci (1983, p. 57), “movimento social é uma forma de ação coletiva, baseada na
solidariedade”. O fato de determinados indivíduos se sentirem lesados ou ameaçados em seus direitos
leva a uma organização que, pouco a pouco, passa a tomar corpo e presença na sociedade.

A organização dos trabalhadores metalúrgicos do ABC paulista, na década de 1980, por exemplo,
ocorreu tanto em função das péssimas condições de trabalho e dos baixos salários como em razão da
ditadura militar, que se estabeleceu a partir de 1964, negando‑lhes os direitos fundamentais, inclusive
de organização e de greves. A força e a perseverança dos líderes e dos trabalhadores favoreceram o
crescimento das manifestações pela democracia, pela liberdade e por melhores condições de vida.

Frank e Fuentes (1983) entendem que o movimento social tem em comum a mobilização contra as
privações (sindicatos de fábricas), as exclusões, a luta pela sobrevivência e a identidade. A força das lutas
sociais se dá com o reconhecimento coletivo de direitos.

A partir do reconhecimento coletivo de direitos, conforme acentua Sherer‑Warren (1989), esse


direito leva à formação de uma identidade social, porque não é somente um indivíduo que se sente
lesado, mas vários em torno de um mesmo direito. Esses indivíduos, e em função da situação que os
reúne, são chamados, por Bocayuva (2000), de sujeitos coletivos.

5.1 Contextualização histórica dos movimentos sociais

A história da humanidade tem demonstrado a existência de vários movimentos sociais. Alguns se tornaram
conhecidos, até mesmo por terem sido retratados em filmes, como é o caso do movimento dos escravos na
Antiguidade, em Esparta, no século III a.C. O filme Spartacus retrata muito bem esse movimento.

Crouzet (2003, p. 337) expõe que, devido à péssima situação dos escravos, em determinadas localidades,
como em Atenas, por volta de 130 e 103 a.C., ocorreram, esporadicamente, revoltas bem caracterizadas.

[...] Essas “guerras servis”, limitadas a regiões onde fortes massas de escravos
se encontram submetidas a um regime particularmente duro.
[...] Muito mais graves foram os movimentos em que agiram, lado a lado,
homens livres e escravos, unidos pela comunidade da miséria e do ódio
contra os ricos; essa união é uma novidade do período helenístico.
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Saiba mais

Assista ao filme Spartacus, de Stanley Kubrick, que mostra o movimento


dos escravos na Antiguidade, em Esparta, no século III a.C.

Lembrete

A existência de movimentos sociais tem a ver com a própria história da


humanidade, desde o seu princípio, como nos lembra Karl Marx: a história
da humanidade é a história das lutas de classes.

Para que se tenha uma noção sobre a realidade da sociedade da época, é importante lembrar que os
pobres sempre foram maioria, sendo recrutados na classe com vulnerabilidade econômica, o que não é
diferente ainda hoje. Por outro lado, a burguesia e a monarquia, em geral, viviam quase exclusivamente
para a guerra.

As dificuldades vivenciadas pela maioria pobre, e que servem como motivos para a formação de
movimentos sociais, estão relacionadas a problemas praticamente iguais aos que temos na nossa
sociedade: a falta de terra para trabalhar consiste em um dos problemas centrais. Lerner e Meacham
(2003, p. 149) expõem que as lutas de classes em Roma, por volta do século II a.C., tendo a terra como
um dos motivos, são assim descritas:

[...] a primeira fase da luta de classes começou com a revolta dos irmãos
Gracos, que eram líderes do grupo liberal e pró‑grego de Roma, e que
tinham o apoio da classe média e de vários senadores influentes. Conquanto
fossem eles próprios de ascendência aristocrática, pugnavam por um
programa de reformas que aliviassem os males do país. Consideravam‑nos
resultado do declínio do campesinato livre e propunham a solução simples
de dividir as terras do estado entre lavradores sem terras. O primeiro dos
irmãos a abraçar a causa foi Tibério. Eleito tribuno em 133 a.C., propôs
uma lei que limitava a um máximo de 259 hectares as terras dos atuais
rendeiros ou proprietários. O que excedesse disso deveria ser confiscado
pelo governo e dado aos pobres, em pequenas glebas. Os aristocratas
conservadores opuseram‑se violentamente a essa proposta e provocaram
um veto do outro tribuno, Otávio.

A citação é apenas uma demonstração da realidade de Roma, mas podemos perceber um clima
de conflito e tensão. A maioria pobre, especialmente os escravos, não era tão passiva quanto se
possa imaginar.

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Os autores Lerner e Meacham (2003) destacam, entre os vários conflitos, guerras e insurreições,
como ocorreu na Sicília, por volta de 104 a.C., e em Esparta, quando cerca de 70 mil escravos liderados
por Spartacus mantiveram cônsules em xeque.

O Antigo Testamento, que reúne vários livros sobre a Antiguidade, especialmente no tocante
ao povo hebreu, apresenta aspectos da religiosidade e a influência das religiões sobre a política e a
sociedade. O Pentateuco, os cinco livros atribuídos à escrita de Moisés, retrata situações diversas de
luta entre diferentes classes. Os profetas Amós, Isaías e Moqueias já denunciavam a exploração dos
ricos sobre os pobres.

Em uma passagem referente ao profeta Amós, Lerner e Meacham (2003, p. 65) lembram que, “na
prática, as realizações dos profetas iam além dos objetivos originais (da religião antiga), que eram, na
verdade, uma revolução religiosa”.

Essa revolução teve também seus aspectos sociais e políticos. A riqueza concentrava‑se nas mãos de
poucos. Os pequenos lavradores tinham perdido sua liberdade e passado à sujeição de ricos proprietários.
Sobre isso, pairava a ameaça de dominação assíria.

A fim de capacitar a nação para enfrentar essa ameaça, os profetas acreditavam que os abusos
sociais deveriam ser erradicados, e o povo, unido sob uma religião expurgada de corrupções alienígenas,
ao se tratarem de estrangeiros.

Embora a religião, em grande medida, esteja associada a aspectos extraterrenos, mágicos e


sobrenaturais, parte dela também apresentava sua indignação quanto às injustiças sociais, o que levou
à formação de grupos e organizações em torno da fé para a transformação do mundo, visando, assim,
a uma maior justiça social.

Lembrete

As manifestações populares na Antiguidade denunciaram as


péssimas condições de vida em que muitos viviam, enquanto a elite
se beneficiava, subjugando a maioria pobre, formada por escravos e
camponeses.

5.2 Idade Média e os movimentos sociais

A Idade Média apresenta uma configuração de sociedade também marcada pela desigualdade social.
O domínio político e econômico pertencia à nobreza e ao clero. Os camponeses formavam o povo
subjugado à religião e aos interesses da elite. Nesse contexto, cria‑se um ambiente propício para o
surgimento de movimentos sociais de diversas tendências.

Huberman (1986, p. 18‑19) acentua que:

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[...] desde os primeiros tempos realizaram‑se peregrinações à Terra Santa


(houve 34 entre os séculos VIII e X e 117 no século XI). Era sincero o desejo
de resgatar a Terra Santa e apoiado por muitos que nada ganhavam com
isso. Mas a verdadeira força do movimento religioso e a energia com que foi
orientado fundamentavam‑se grandemente nas vantagens que poderiam
ser conquistadas por certos grupos.

É na Baixa Idade Média que se destacam movimentos de camponeses (servo), cuja bandeira de luta
principal pautava‑se na defesa de melhores condições de vida.

Com o surgimento de cidades e o crescimento do comércio, os camponeses percebem a possibilidade


de liberdade e de crescimento. No século XIV, por exemplo, Hubernman (1986, p. 49) conta que:

[...] havia muito que o senhor percebera ser o trabalho livre mais produtivo
que o trabalho escravo. Sabia que o trabalhador que deixava sua terra para
cultivar a terra do senhor o fazia de má vontade, sem produzir o máximo. Era
melhor deixar de lado o trabalho tradicional e alugar o que fosse necessário
mediante o pagamento de salários.

É verdade que nem todos os senhores proprietários de terra e de servos viam com bons olhos sua
libertação, para que se tornassem seus arrendatários ou donos de pequenas parcelas de terra, comerciantes
ou consumidores, no novo perfil de sociedade que surgia, fundada no comércio e no capital.

A Igreja, por sua vez, foi contrária à liberdade dos servos, deixando‑os revoltados, de modo que
passaram a invadir terras e a entrar em confronto com os padres.

Outro elemento que motivou as lutas e a organização dos camponeses foi a peste negra, no século
XIV, que assolou várias cidades da Inglaterra, da França e da Itália. “A peste negra acometeu todos os
países da Europa, entre 1348 e 1350” (HUBERMAN, 1986, p. 49). Com isso, os trabalhadores podiam
pedir mais por seus serviços.

Como a oferta do trabalho ficou reduzida, a procura aumentou em 50% em


relação ao que era antes da peste negra. Uma vez que muitos senhores não
concordavam com tal situação, o choque com camponeses foi inevitável
(HUBERMAN, 1986, p. 49).

Os camponeses utilizavam‑se da escassez da mão de obra como forma de poder. Desse modo, proporcionaram
uma série de levantes em toda a Europa, na tentativa de conquistar o que há tempos lhes era impossível.

5.3 A desagregação da sociedade feudal e os movimentos sociais

Para Tomazi (2000), com a desagregação da sociedade feudal, destacaram‑se os movimentos de


mercadores e religiosos. Os mercadores colocaram‑se em contraposição ao domínio dos senhores
feudais, especialmente em relação à cobrança abusiva de impostos.
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Nas cidades, as pessoas passaram a se organizar para se defender dos ataques de ladrões nas
estradas. Os camponeses, por sua vez, trabalhavam mais para pagar impostos do que para se
alimentar e se vestir.

A religião continuava como pano de fundo para a existência de movimentos sociais. Ainda no
século XVI, temos a Reforma Protestante, liderada por Martinho Lutero. Esse movimento, de forte
caráter político, dividiu o poder da Igreja Católica. Também as questões sociais estavam associadas
às ideias religiosas, por meio de lideranças como Calvino e John Wycliffe. Huberman (1986, p. 80)
descreve que:

[...] os primeiros reformadores religiosos, ao contrário de Lutero, Calvino


e Knox cometeram o erro de tentar reformar mais do que a religião.
Wycliffe fora, na Inglaterra, o líder espiritual da Revolta camponesa, e
Hus, na Boêmia, não só protestara contra Roma, como também inspirara
um movimento camponês de caráter comunista, ameaçando o poder e
os privilégios da nobreza.

Com a Revolução Industrial e o avanço do capitalismo, as contradições sociais tornaram‑se cada vez
mais evidentes, e a burguesia mantinha‑se explorando os trabalhadores. Com isso, surgiriam movimentos
e manifestações, agora da parte dos operários.

Por causa das péssimas condições de vida e de trabalho, no campo e na cidade, a situação tornava‑se
insuportável para a população empobrecida, formada pelos trabalhadores.

No século XIX, cresceram as revoltas contra a exploração, o que levou os trabalhadores a se organizar
e lutar pelos seus direitos. É também nesse contexto que surgiram as ideias socialistas e anarquistas,
como forma de combate ao capitalismo.

No Brasil, o surgimento de movimentos sociais deu‑se a partir do processo de colonização. Os


índios e os negros organizaram‑se para enfrentar os colonizadores, que deixaram marcas profundas de
destruição de culturas e de escravização dos nativos, negros e camponeses que resistiam à exploração
dos senhores que se apropriaram de suas terras.

A história das sociedades, portanto, tem nos movimentos sociais um dos aspectos centrais.
Desde os primeiros anos da civilização, eles se fazem presente, tendo em vista o fato dos indivíduos
ou grupos se sentirem insatisfeitos com alguma situação: a luta dos escravos em Esparta, dos
camponeses da Idade Média, dos trabalhadores urbanos e rurais exigindo políticas sociais que lhes
garantissem a melhoria das condições de vida. Entre os principais fatores que levam à organização
dos movimentos sociais, estão os econômicos, os políticos, os sociais e os culturais. Sem sombra
de dúvidas, a principal luta se dá contra qualquer forma de exploração, que envolve a maioria das
pessoas dos diversos locais.

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5.4 Ideologia, movimentos sociais e o Serviço Social

5.4.1 Conceito de ideologia

O cantor e compositor brasileiro Cazuza, em uma de suas músicas, ressalta a necessidade de uma
ideologia para viver. Pode‑se destacar dessa música um aspecto fundamental percebido pelo artista:
sem ideologia não dá para viver.

Todas as pessoas necessitam de algo que lhes permita orientar sua ação nos diversos momentos e
situações da vida, como em casa, no trabalho, na rua, no lazer, na escola etc. Somos impelidos a agir a
partir de determinadas ideias e concepções de mundo.

Embora algumas pessoas não se deem conta de que não se vive por acaso, é necessário saber o que
fazer e por que fazer algo. Em geral, elas são instadas a tomar determinadas decisões ou a agir em seu
cotidiano com base naquilo que acreditam ou consideram melhor, seja porque aprenderam na convivência
com seus pares, seja por meio da influência de leituras e discussões tidas em diversos momentos da vida,
especialmente na escola, na universidade, por meio do cinema e peças teatrais ou da TV.

A ideologia está relacionada exatamente a essa necessidade de pensar e de agir, a partir de


determinadas ideias ou concepções de vida e de mundo. Tomazi (2000, p. 219) assevera que:

[...] a ideologia corresponde às ideias que os homens fazem da sociedade em


que vivem. Quando elas expressam “corretamente” as relações sociais existentes,
mostrando os interesses que animam as relações, podemos dizer que tais ideias,
ou ideologias, se constituem num instrumento de luta dos grupos sociais. Se, ao
contrário disso, as ideias não corresponderem à realidade das relações de opressão
existentes, poderemos dizer que se trata de uma “falsa consciência”. Nesse sentido,
a ideologia atuaria como uma forma de mascaramento das reais condições de
opressão, atendendo, por conseguinte, aos interesses dos grupos dominantes.

Observe que o autor chama a atenção para o papel da ideologia: conservação ou mudança. Quando
se refere ao capitalismo e suas estratégias para se manter ao longo do tempo, tem‑se o mascaramento
da realidade por meio de propagandas, discursos e ações.

5.4.2 Movimentos sociais e ideologia

A história tem demonstrado como surgiram uma infinidade de movimentos sociais e suas respectivas
ideologias. As diversas formas de movimentos sociais existentes já na Antiguidade, especialmente na
Grécia e em Roma, mostram como a ideologia, aliada à política e à religião, serviu de motivação para a
organização dos indivíduos, no caso, camponeses, escravos e membros da elite.

Segundo Tomazi (2000, p. 231), “a ideologia contribui para a fundamentação dos projetos e práticas
dos movimentos sociais. A própria forma de organização e direção de um movimento social revela seu
caráter ideológico”.
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A ideologia leva em conta a defesa de determinados interesses. Nesse sentido, os movimentos sociais
em geral nascem a partir de basicamente duas ideologias: a de mudança e a de conservação. Como
entender isso?

Lembre‑se de que a história tem mostrado o surgimento de uma variedade de movimentos sociais.
É importante refletir: por que será que tantos movimentos sociais já surgiram na sociedade? Qual ou
quais os motivos para o surgimento deles?

Em geral, os movimentos sociais surgem preocupados com alguma coisa, seja no sentido de lutar
para garantir o que já possuem, seja para conquistar. São comuns as lutas para conquistar, em razão de
situações estabelecidas no decorrer da história que fazem os indivíduos se juntar para ter mais força e,
assim, garantir o direito.

Na Antiguidade, os escravos se juntaram para garantir melhores condições de vida. A principal


necessidade deles era a liberdade e a terra para poder viver. As lutas religiosas demonstram também
uma estreita relação com a política. As classes sociais mobilizam‑se à sua maneira, em geral, a partir de
lideranças conscientes da realidade e dos interesses do grupo a que pertencem.

A existência de movimentos sociais já denuncia, por si, uma situação de impasse e diferenças de
interesses, consequentemente, diferentes concepções de mundo. Se determinadas pessoas se sentem
prejudicadas perante algo que lhes foi imposto por motivos diversos, evidentemente que isso dá margem
à busca de uma melhor forma de enfrentar a situação.

Para o indivíduo alienado, talvez essa reflexão nem lhe passe pela cabeça, em razão de motivos que,
por vezes, até desconhecemos. Todavia, quando se está bem, geralmente não se reclama. A insatisfação
perante uma realidade conduz a diferentes formas de manifestação.

É comum pessoas da elite serem contrárias a qualquer tipo de movimento social. Isso fica
muito claro quando vemos trabalhadores organizarem‑se para reivindicar aumento de salário ou
melhores condições de trabalho. Eles têm nos movimentos sociais uma ação positiva que pode
validar sua luta.

É evidente que, se a riqueza e o luxo vêm da exploração dos trabalhadores, a elite dominante vai
fazer de tudo para evitar a mudança de situação. A perseguição e a repressão aos índios, aos negros, aos
trabalhadores de diversas categorias demonstram essa realidade conflituosa.

Os que pertencem à classe dominante beneficiam‑se dessa situação, criam diversas maneiras para
impedir qualquer tipo de organização daqueles que estão submetidos ao seu jugo.

As leis, por exemplo, geralmente são criadas a partir dos interesses da classe dominante. Quando há
manifestações contrárias a uma determinada situação, ocasionando a formação de movimentos fortes
para combater a exploração ou o preconceito, por exemplo, é que se cria a possibilidade de mudança e
de surgimento de leis que beneficiem os prejudicados de fato.

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Na Idade Média, quando o feudalismo estava se desmoronando, os senhores feudais não aceitavam
que os servos fossem libertos e pudessem ter suas terras para plantar e viver dignamente. Com isso,
criaram leis para impedir a possibilidade de ascensão do camponês.

A ideologia dos senhores, nesse caso, era para a manutenção do status quo, isto é, garantir a
sociedade desigual. Enquanto isso, os servos mostravam‑se cientes de sua situação naquele contexto,
de modo que se organizaram e enfrentaram a classe dos senhores e até a Igreja Católica.

Observação

O caráter ideológico fica evidente nas ações dos movimentos sociais,


para conservar ou manter uma situação.

Se não fosse a ideologia, os indivíduos não orientariam, planejariam e executariam ações nos
movimentos sociais.

Você, certamente, já ouviu falar ou leu alguma reportagem sobre movimentos sociais. Na imprensa,
por exemplo, há várias reportagens sobre o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), um
dos mais destacados. Seu caráter ideológico baseia‑se nas ideias socialistas e na teoria marxista.

Mundialmente, os movimentos sociais de maior destaque são em defesa da ecologia, como o


Greenpeace, além dos movimentos antiglobalização, de trabalhadores de categorias diversas em defesa
de melhores salários e de trabalho digno.

No período da Guerra do Iraque, provocada pelos Estados Unidos, foram várias as manifestações de
pessoas, em diferentes países, contrárias à política do governo americano. Portanto, pode‑se afirmar
que a ideologia é o que motiva a organização e ação dos movimentos sociais.

5.4.3 Ideologia e Serviço Social

O Serviço Social nasce em uma perspectiva conservadora e conformista, preocupado em adequar os indivíduos
à ordem vigente. Nesse sentido, tem‑se uma ideologia que orienta a ação do Serviço Social. Mas que ideologia
está presente nesse setor? Como o assistente social pode atuar com os movimentos sociais a partir da ideologia?

Faleiros (1997) destaca três ideologias que permeiam o Serviço Social ao longo do tempo: liberal,
desenvolvimentista e revolucionaria. Consideraremos cada uma delas.

a) Ideologia liberal

A ideologia liberal refere‑se à prática do assistente social pautada em uma preocupação com o
ajustamento dos indivíduos à ordem social. Nesse sentido, essa perspectiva supõe “um ator impessoal,
estático, em qualquer parte do mundo, em qualquer meio rural, em qualquer meio industrial para
qualquer infância ou qualquer ensino do Serviço Social” (FALEIROS 1997, p. 33).
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Pode‑se perceber ainda, nessa perspectiva ideológica liberal, que se supõe uma sociedade sem
conflitos, de modo que a preocupação está em atuações pontuais, isoladas e fragmentadas. A
base teórica para a prática do Serviço Social dessa perspectiva é o funcionalismo e o sistemismo,
a partir do Positivismo de Comte e da abordagem funcionalista e sistêmica de Parsons. Para esse
teórico, a sociedade deve ser vista como um todo integrado, de forma que os indivíduos são uma
parte do sistema.

A abordagem teórica clássica dos movimentos sociais serve de base para o mundo moderno e
industrializado, cujos problemas sociais em geral são vistos como frutos dos indivíduos ou grupos
avessos à ordem social.

O Serviço Social, imbuído de uma ideologia liberal, tende a adotar uma postura em relação aos
movimentos sociais, a partir da ação dos assistentes sociais, voltada para que seus líderes e militantes
possam agir em função da ótica da ordem industrial e racional vigente.

Nesse sentido, o papel do assistente social deve se concentrar na cooperação, no intercâmbio, no


fomento, na proteção e na assistência, sem que se perceba o conflito, tendo em vista a pressão e a
exploração do capitalismo.

Em outros termos, problemas sociais, como desemprego, pobreza, exclusão, são vistos como próprios
da natureza, o que justifica, no caso, uma prática assistencialista.

b) Ideologia desenvolvimentista

Quanto à ideologia desenvolvimentista, o próprio nome já indica uma preocupação com o


desenvolvimento da sociedade, de forma que os movimentos sociais devem se ajustar às novas
necessidades da sociedade de massas. Faleiros (1997, p. 39) afirma que:

[...] a ideologia desenvolvimentista é uma manifestação, uma “outra face”


da ideologia dominante, que se apresenta com as ideias de modernização,
de democratização, de melhoria, de desenvolvimento, de técnica e de
planificação.

A partir dessa ideologia, o Serviço Social prioriza uma prática social semelhante à adotada
para ideologia liberal, pois o foco continua sendo o ajustamento dos indivíduos ao sistema
dominante. No caso, a ação do assistente social nos movimentos sociais é fundamentada ainda
no positivismo, na racionalidade para atender à demanda do mercado e a sede do capital. O que se
acrescenta é um discurso moderno, focalizado na perspectiva do progresso, cujos representantes
são o Estado e o indivíduo. O indivíduo é atrelado aos interesses da classe dirigente do Estado e
da sociedade burguesa.

Em outros termos, Faleiros (1997, p. 39) diz que se uma prática do Serviço Social for interessada
na necessidade de “reduzir ou ignorar os conflitos, passará a exercer influências para induzir à
institucionalização, numa mudança positiva e promover atitudes positivas para o desenvolvimento”.
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Para a concepção ideológica desenvolvimentista, os movimentos sociais e suas respectivas lideranças


são vistos como um problema, especialmente quando se opõem ao sistema. Nesse sentido, as atitudes
contrárias ao sistema são consideradas negativas, prejudiciais ao desenvolvimento gradual. O completivo
é visto como se fosse irracional e contrário à colaboração ou ao consenso.

A partir dessa ótica, os movimentos sociais são reduzidos a meros coadjuvantes do sistema. Faleiros
(1997, p. 38) acentua que:

[...] o estado aparece como legítimo guia do desenvolvimento, dentro da


ordem legal estabelecida. O seu caráter de classe e de Estado dependente fica
suplantado pelo apelo à racionalidade, ao crescimento, ao interesse geral, à
reforma, num processo político de cooptação dos movimentos sociais que
se foram desenvolvendo na década dos anos 1960.

Diante dessa realidade apresentada pelo autor, é importante refletir sobre o papel do Serviço
Social e sua relação com os movimentos sociais. Nesse sentido, pode‑se perguntar: como o
assistente social tem atuado nesse processo, seria mais como um agente do Estado, preocupado
com os interesses desenvolvimentistas, conforme foi colocado? Que contribuição à sociedade o
Serviço Social tem dado?

A prática desenvolvimentista tem sido adotada em larga escala para esconder, cada vez mais, os
conflitos e tensões sociais. Por outro lado, a realidade que se apresentava cada vez mais complexa, uma
vez que o modelo desenvolvimentista não atende às necessidades da maioria da população, exige uma
nova postura do Serviço Social, o que dá margem para o surgimento do Movimento de Reconceituação,
baseado em uma ideologia revolucionária.

c) Ideologia revolucionária

A ideologia revolucionária caracteriza‑se pela percepção de uma sociedade de classes e, portanto, de


conflitos, baseia‑se no materialismo histórico e dialético.

Faleiros (1997, p. 41) afirma que, nessa perspectiva,

[...] o trabalho social é situado, diferentemente das formas anteriores, nas


contradições concretas do modo de produção capitalista [...] denuncia a
ordem existente, mostrando o caráter de fetiche da ideologia dominante,
que, a partir das relações interpessoais, das trocas, mascara as contradições
concretas da extração da mais‑valia.

Foi com base nessa percepção que o Movimento de Reconceituação surge com grande força,
combatendo a prática social tecnicista, neutral e conformista, que se vinha adotando anteriormente.
A partir de então, os movimentos sociais passam a ter como parceiros, em diversas localidades, os
assistentes sociais comprometidos com a necessidade de mudança. Apoio às lutas pela moradia, pela
reforma agrária, por melhores condições de vida, entre outros.
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A ideologia está presente nas diversas relações sociais, nos movimentos sociais, instituições, grupos
e organizações. A prática do Serviço Social se dá a partir da ideologia.

Conclui‑se que, ao longo de sua história, o Serviço Social tem se inserido na sociedade a partir de,
pelos menos, três perspectivas ideológicas: liberal, desenvolvimentista e revolucionária.

Encontramos, portanto, uma contradição inerente ao Serviço Social, na medida em que sua razão
de existir se constitui a partir do modelo de sociedade pautado no capitalismo, cujos problemas sociais
mais frequentes tendem a se agravar cada vez mais.

No que tange aos movimentos sociais, o Serviço Social tem se colocado em situação de ambiguidade,
pois enquanto trabalha para atender à maioria pobre, tem se colocado, por vezes, como coadjuvante do
sistema. Com o Movimento de Reconceituação, há um processo de ruptura da prática do Serviço Social
com a prática assistencialista de um lado e, do outro, um olhar crítico da realidade.

Lembrete

Ideologia, no pensamento marxista (materialismo dialético), é um conjunto


de proposições elaborado, na sociedade burguesa, com a finalidade de fazer
aparentar os interesses da classe dominante com o  interesse coletivo, construindo
uma hegemonia daquela classe. A manutenção da ordem social requer, dessa
maneira, menor uso da violência por meio de força explícita. Assim, a ideologia
torna‑se um dos instrumentos da reprodução do status quo e da própria sociedade.

6 OBJETO E OBJETIVOS DO SERVIÇO SOCIAL E OS MOVIMENTOS SOCIAIS

A questão social consiste no objeto central do Serviço Social. Mas o que isso significa? O que tem a
ver o objeto com a prática profissional nos movimentos sociais?

Para Lopes, citado por Faleiros (2002, p. 28), “destacam‑se dois aspectos no que tange a construção
do objeto, sobre os quais se dirigem as práticas do Serviço Social: integração e libertação”.

A partir dessa definição do objeto, têm‑se os objetivos, que, por sua vez, são definidos em função
das ideologias que margeiam as ações no Serviço Social. Nesse contexto, percebe‑se que a questão da
prática profissional do Serviço Social se dá no sentido de manter ou mudar uma situação ou realidade.

Faleiros (2002, p. 31) afirma que

[...] a construção do objeto [...] não se faz, hoje, fora do contexto institucional,
em que se exerce o poder profissional, se enfrentam as estratégias de
sobrevivência/vivência com as exigências da reprodução e as formas
de percepção, representação e manifestação de interesses, identidades,
organizações. É o processo de correlações de forças.
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O autor nos chama a atenção para a questão institucional, que é marcada por situações de tensões,
conflitos e por correlações de forças. O Serviço Social nasce em uma perspectiva institucional, o que
significa que apresenta em sua natureza uma característica já ambígua ou dicotômica, uma vez que no
espaço institucional não se tem total liberdade, daí a correlação de forças, conflitos e tensões.

As práticas do Serviço Social nos movimentos sociais dependem bastante do enfoque dado à realidade
em questão. Ao se colocar a serviço da instituição, é evidente que o assistente vai atuar subordinado aos
interesses daquele que o emprega e, portanto, o dirige. Aí é onde se encontra o X da questão, pois nem
sempre os interesses institucionais são os mesmos do Serviço Social.

A característica central das instituições sociais é a padronização, que se dá por regras, normas e
vigilância. A ideologia é fundamental para garantir a institucionalização. Com isso, quando se pensa
no trabalho do assistente social, em movimentos sociais, é importante saber se ele está a serviço de
uma instituição, especialmente se se tratar de uma pertencente ao Estado. É o que as lideranças dos
movimentos sociais procuram logo detectar, o que não é muito difícil. Em geral, quando se tem algum
conflito em que se confrontam movimentos populares e representantes do Estado, logo já se sabe que
a tendência do assistente social é atender aos objetivos institucionais, não dos movimentos sociais
populares, como reforma agrária, melhores condições de trabalho, entre outros.

Nesse caso, percebemos uma situação que se configura como, no mínimo, desconfortável ou, em
outro sentido, contraditória. É, sem dúvida, uma demonstração da ideologia liberal e conservadora,
quando imbuída da ideologia dominante.

Não se esqueça de que o Estado é o principal empregador do assistente social, o que significa que
vai cobrar dele uma postura, que se coloque a serviço dos interesses dominantes.

Nessa situação, o assistente social está na posição de mediador do conflito, tendo, de um lado, o
movimento popular e, do outro, o Estado. Assim, a quem serve de fato o Serviço Social? Que posição
deve tomar o assistente social que está em uma situação dessas, isto é, no fogo cruzado?

Se forem considerados os objetivos alinhados à ideologia conservadora (liberal ou desenvolvimentista),


é evidente que os objetivos estão mais para atender aos interesses do empregador do que qualquer
outros.

Souza (1995, p. 11‑12) enumera alguns pontos fundamentais acerca da formação do assistente
social. Em se tratando das dificuldades decorrentes de ação pedagógica dos que atuam mais diretamente
nas formulações teóricas da profissão e na formação profissional, destaca que:

• O ensino pouco se preocupa com os problemas da realidade concreta em que atua o assistente
social.

• Os próprios profissionais do ensino não possuem um claro discernimento quanto à especificidade


da profissão e, com isso, eles próprios predispõem o futuro profissional a acomodar‑se às
exigências burocráticas da instituição como tarefa definidora daquilo que é o Serviço Social.
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• O profissional do ensino, cada vez mais, se distancia das implicações da prática do Serviço
Social. Com isso, seus ensinamentos pouco atinam para os problemas fundamentais dela.

• O assistente social desenvolve sua prática sempre por meio de uma instituição, no entanto
pouco entende dos aspectos sociais, das demandas sociais dessa instituição.

• As teorias do Serviço Social ou são individualizadas e setorizadas, ou se perdem em generalidades,


não ajudando a perceber e entender a significação da realidade trabalhada pelo assistente social.

• Os valores fundamentais de filantropia continuam presentes na prática do Serviço Social. Com


isso, o Serviço Social se torna não mais que um meio de racionalização das ações filantrópicas.

Os pontos levantados pela autora contribuem, sem dúvida, para a reflexão em torno do papel do
assistente social e suas demandas nos movimentos populares.

É importante considerar que, em vista das contradições provocadas pelas relações de produção
capitalista, cada vez mais surgem demandas para o Serviço Social, solicitado a resolver ou mediar os
conflitos e atender às necessidades da população carente.

Ciente dessa situação, a formação profissional deve contribuir para favorecer o surgimento de
profissionais comprometidos com o trabalho que se configure em uma perspectiva crítica, e não
reprodutora do status quo. Não é tarefa simples, até mesmo porque a base da formação profissional, em
geral, é comprometida com os interesses dominantes, isto é, com o que é considerado ou medido a partir
das necessidades do mercado. Tal situação tem gerado discussões infindas, tanto no meio acadêmico
quanto no campo profissional do assistente social.

Já os objetivos do Serviço Social referentes aos movimentos sociais têm sua razão de ser a partir dos
interesses que permeiam a prática profissional, em função da concepção de mundo e de sociedade. Essa
concepção de mundo diz respeito à ideologia.

Se o mundo é pautado na institucionalização, a partir das relações sociais de produção do capitalismo,


dá para perceber que há uma forte tendência à reprodutividade das relações sociais, sob o jugo do
sistema que se acredita ser o mais coerente com as necessidades do progresso e do desenvolvimento.

Nessa perspectiva, a lógica positivista‑funcionalista é a que mais atende às necessidades da prática


profissional vinculada à sociedade das organizações. Souza (1995, p. 97) afirma que, segundo essa linha
de raciocínio, “o foco profissional específico do funcionamento social está naquilo que diz respeito ao
funcionamento das organizações. O objeto e objetivo profissional se confundem com objeto e objetivo
das organizações”.

À medida que os movimentos sociais existem e, a partir de vários objetos, portanto, o Serviço Social,
seguindo uma linha ou metodologia funcionalista, procura atuar para favorecer uma mediação para o
consenso ou a integração, ignorando os problemas que afligem, de fato, a sociedade como um todo.
Como exemplo dessa prática profissional, você pode considerar o contexto dos anos 1950 a 1960,
55
Unidade II

período em que se desenvolveram as indústrias, que, por sua vez, garantiram o desenvolvimento do
capitalismo.

Nesse contexto, os problemas relacionados ao mundo do trabalho — desemprego, carga horária


excessiva, pressão para uma produção cada vez maior, problemas de saúde, como estresse, esgotamento
físico, depressão, entre outros, são tidos como problemas isolados, vistos a partir da ótica do indivíduo
com o problema, sem se considerar que advêm de uma estrutura socioeconômica injusta e contrária a
liberdade do ser humano como sujeito.

Diante disso, o Serviço Social constitui‑se ferramenta a serviço do sistema, o que se traduz em
uma prática institucionalizante. Os objetivos se dão no sentido de encaminhamentos técnicos para a
solução de problemas referentes à eficácia das organizações ou “o encaminhamento técnico‑científico
de soluções com vistas ao problema de participação social ou desenvolvimento social da população”
(SOUZA, 1995, p. 98).

6.1 O Movimento de Reconceituação

Por causa da insatisfação com o próprio campo do Serviço Social, no que diz respeito à maneira como o
assistente social vinha, de modo geral, servindo apenas como uma ferramenta a serviço do sistema, surgiu
o Movimento de Reconceituação, a partir do final da década 1960, na América Latina, especificamente
no Brasil. A crítica central de parte dos profissionais referia‑se ao modelo positivista‑funcionalista,
adotado em larga escala nas práticas do Serviço Social em relação às demandas da sociedade.

O contexto histórico social era marcado pelas ditaduras militares, instituídas nos diversos países
da América Latina, cujo objetivo central era garantir a ordem social e econômica vigente, baseada nos
interesses capitalistas.

No Brasil, o que marcou o processo de reconceituação foi o Encontro de Araxá, realizado em 1967,
que apresentou várias preocupações já deflagradas nos movimentos de estudo da profissão nos Estados
Unidos.

Souza (1995, p. 72) assevera que:

[...] no Documento de Araxá as discussões se dirigem fundamentalmente


para como fazer. É exatamente essa a questão fundamental que se levanta
nas organizações ante as novas demandas que chegam até o Serviço Social.
No como fazer, o documento não se atém simplesmente às estratégias de
ação do Serviço Social de Casos, Grupo e Comunidade. Ele vai bem mais
além, quando aponta como níveis de atuação do profissional:

– a atuação na política social;

– a atuação na administração de Serviços Sociais;

56
CLASSES E MOVIMENTOS SOCIAIS

– a atuação nos serviços de atendimento direto, corretivo, preventivo e


promocional destinados a indivíduos, grupos e comunidades.

As discussões que deram base ao documento de Araxá mostram‑se atentas às novas demandas da
sociedade e, principalmente, ao contexto político. A maneira de percepção da sociedade e a prática
profissional constituíam preocupações básicas. Nota‑se a ânsia pela mudança. Vê‑se, portanto, a
inclinação para a busca de novos métodos.

A base teórica que fundamenta o Movimento de Reconceituação é marxista e gramsciana, o que


já demonstra forte inclinação para a crítica social. É nesse contexto que o Serviço Social mostra‑se
favorável a atuar com os movimentos sociais, sem ser, necessariamente, refém das instituições
dominantes.

No contexto do processo de reconceituação, destaca‑se também o documento de Belo Horizonte.


Souza (1995, p. 76) expõe que esse documento:

[...] detalha o como fazer profissional em estratégias de ação como parte de


um corpo teórico sobre o objeto da ação que é a realidade social naquilo que
diz respeito à população trabalhada pelo Serviço Social e sobre o objetivo da
ação que é a transformação social requerida por essa realidade.

No que se refere à metodologia, o documento de Belo Horizonte alinha‑se ao Movimento de


Reconceituação na América Latina. Assim, Souza (1995, p. 76) assevera que,

[...] nesta tendência, a questão metodológica coloca‑se como dependente


da realidade a ser trabalhada e dos objetivos a serem alcançados. A realidade
social é considerada em sua dinâmica sócio‑histórica global, mas, sobretudo,
pelos aspectos concretos que se apreendem a partir de suas determinações
sócio‑históricas.

Sem dúvida, o Movimento de Reconceituação preocupa‑se com a transformação da realidade, negando,


dessa forma, o conformismo, o assistencialismo e o tecnicismo, que predominou desde a sua criação.

No que se refere à atuação em movimentos sociais, o assistente social que está alinhado com a
proposta de reconceituação tende a adotar uma prática crítica e reflexiva, tem a realidade em que atua
como uma construção, e não como algo pronto.

É importante perceber nesse processo a possibilidade do diálogo, quando o Serviço Social se apresenta
disposto a ouvir os sujeitos envolvidos em uma determinada realidade social, e esse ouvir não significa
adotar uma postura assistencialista, mas de parceria, de apoio às camadas populares e às suas lutas.

A prática profissional, vinculada às necessidades das camadas populares da sociedade, ao se colocar


em uma perspectiva crítica, tem na relação com os movimentos populares uma postura de servir, e não
de conduzir conforme os interesses institucionais.
57
Unidade II

Ao atuar em uma perspectiva de condutor, o assistente social nega a capacidade de organização e das
lutas das camadas populares por respeito, justiça e melhoria das condições de vida. Em um movimento
de luta pela moradia, por exemplo, os militantes e a população esperam do profissional assistente social
uma postura de colaboração, no sentido de favorecer o atendimento de suas necessidades.

O profissional que atua vinculado a uma instituição, como o Estado, ou a uma empresa privada,
é cobrado para que seja imparcial e atue conforme as orientações de seus superiores. Isso significa
que o assistente social deve trabalhar alheio às necessidades da população e afinado com as diretrizes
institucionais, as quais utilizam de diversos mecanismos e estratégias para esconder, negar ou pulverizar
o conflito social gerado pelas condições colocadas pelo sistema.

Essa realidade exige do profissional uma bagagem de conhecimentos teóricos e metodológicos que
favoreça uma atuação consciente e questionadora, voltada aos interesses da maioria da população,
especialmente às vítimas do modelo institucional dominante.

Faleiros (2002, p. 86) afirma que “boa parte dos assistentes sociais não sabem quem são, o que fazem
e nem o que devem fazer, ficando, assim, ao sabor das estratégias definidas de fora da profissão, pelas
instituições”, o que tem favorecido a manutenção da estrutura social vigente.

O autor aponta também a dicotomia existente na prática do Serviço Social, que se evidenciou nas
décadas de 1970 e 1980. Com o Movimento de Reconceituação, há claramente uma divisão quanto à
percepção do Serviço Social. De um lado, há aqueles que defendem a adaptação à ordem e do outro, os
revolucionários. Essa dicotomia, de certa forma, prejudicou o Serviço Social, tendo em vista o radicalismo
de ambos os lados.

Faleiros (2002, p. 86) menciona que,

[...] para sermos coerentes com a revolução, tínhamos que jogar fora o
trabalho social com o indivíduo, que era visto como forma de ajustamento, e
fazer o trabalho com movimentos sociais, que era visto como transformação.
Esse entendimento, em vez de ser dialético, era dicotômico, separando
o indivíduo da sociedade e mesmo negando‑o, para considerar apenas a
estrutura, a produção, o coletivo, a totalidade abstrata.

A preocupação do autor é importante para se buscar uma nova prática do assistente social, que se
desvincule do radicalismo e foque sua ação nas necessidades de solução dos problemas sociais forjados
ao longo do tempo.

Na sua concepção, é preciso considerar as particularidades e a complexidade da sociedade, de modo


que não adianta o reducionismo ou o radicalismo, que imprimem uma prática social conturbada, isolada,
e só favorecem a reprodução da sociedade de conflitos. Faleiros (2002, p. 87) assevera que “revalorizar a
diversidade de visões, a tolerância, sem confundi‑las com ecletismo, considerando‑se a diversidade e a
pluralidade num processo interativo e conflituoso”, é uma forma prudente de prática do Serviço Social
nos últimos tempos.
58
CLASSES E MOVIMENTOS SOCIAIS

Pensar no objeto e nos objetivos do Serviço Social significa buscar, antes de tudo, conhecer as
ideologias que permeiam a profissão desde a sua criação.

Nesse sentido, a prática do assistente social, em geral, está vinculada a, pelo menos, uma ideologia
ou orientação teórica. Na relação entre Serviço Social e Movimentos Sociais, não se pode perder de
vista essa percepção, uma vez que, nas diversas situações em que se possa encontrar esse profissional,
sua conduta mostra‑se a partir das concepções de mundo que o orientam. As práticas do Serviço
Social têm se configurado a partir de basicamente duas formas: atrelada às necessidades do sistema
ou contrária àquele. Essa realidade tem desencadeado várias discussões quanto aos aspectos teóricos e
metodológicos da área. O Movimento de Reconceituação favoreceu um espaço para novas discussões e,
consequentemente, para a prática do Serviço Social.

A questão do objeto e dos objetivos do Serviço Social, portanto, constitui elemento


indispensável para uma prática consciente dos movimentos sociais. A discussão surgida no
interior do Serviço Social tem sua base na compreensão quanto ao objeto e aos objetivos. É
a partir da concepção do objeto e dos objetivos do Serviço Social que os assistentes sociais
colocam‑nos em prática junto aos movimentos sociais, o que pode ser no sentido da adaptação
às normas institucionais ou à mudança.

6.2 O processo de conhecimento e intervenção do Serviço Social e sua


relação com os movimentos sociais

6.2.1 O assistente social e as demandas sociais

Pensar no papel do assistente social a partir das demandas da sociedade é pensar nos vários fatores
e problemas enfrentados pela população carente de recursos básicos (alimentação, saúde, educação e
moradia, por exemplo).

Os movimentos sociais justificam‑se em razão das necessidades de intervenção nas ações do


Estado, quando esse não cumpre seu papel. Essa intervenção, somada ao trabalho dos grupos e
das organizações, constitui‑se em uma tentativa de contribuir para o acesso de bens e serviços
aos cidadãos.

Com isso, minimizam‑se as necessidades básicas deles, por meio de políticas públicas ou prestação de
serviços com caráter público e/ou privado (ONG). O assistente social não pode deixar de perceber quais
os principais aspectos sociais, políticos, econômicos, culturais, ideológicos que conduzem a formação de
um tipo de sociedade.

Nesse sentido, esse profissional precisa de uma visão crítica e reflexiva que lhe ofereça condições de
atuar com competência, habilidade e clareza sobre as demandas da sociedade.

Ao considerar as demandas sociais, você, indubitavelmente, deve perceber a estruturação da sociedade


a partir das relações estabelecidas em função do trabalho, pois entendemos que as desigualdades sociais
são fruto da relação capital e trabalho.
59
Unidade II

Nesse sentido, a abordagem marxista coloca‑se como uma possibilidade de percepção dos problemas
sociais ocasionados a partir dos interesses de uma classe que se sobrepõe à outra: a classe dominante,
formada pelos detentores dos meios de produção, como industriais, latifúndios, banqueiros etc.

A atuação do profissional do Serviço Social, portanto, exige conhecimentos teórico‑metodológicos.


Evidentemente, que ele não vai resolver todos os problemas gerados na sociedade.

Existem várias estratégias de atuação desse profissional a partir das necessidades dos indivíduos, das
organizações, dos grupos, das instituições e dos movimentos sociais.

6.2.2 A atuação do Serviço Social

O Serviço Social tem se baseado nas teorias positivistas e funcionalistas, cuja preocupação está em
adequar o homem à sociedade capitalista. Essa forma de abordagem tem levado a uma prática dos
assistentes sociais puramente técnica e assistencialista.

Somente a partir dos anos 1970, essa área passou a ter uma postura crítica, com base nos
fundamentos teóricos e metodológicos marxistas e gramicistas. Essa perspectiva teórica tem contribuído
significativamente para uma prática do Serviço Social voltada para as questões populares e denúncia
contra todo tipo de exploração.

O conjunto de problemas sociais, políticos e econômicos levou a uma infinidade de questionamentos


e de reivindicações por melhores condições, nas áreas de saúde, educação, trabalho, habitação,
segurança, entre outras. Em função das demandas nos diversos setores da sociedade, os movimentos
sociais constituem importante instrumento de luta em favor da população.

É também por causa das necessidades de atuação profissional capacitada e competente para os
serviços, nas diversas áreas, que o assistente social passou a ser bastante solicitado para atuar em
empresas, estatais ou não. No Estado, geralmente esse profissional é contratado para cumprir as regras
e normas das organizações estatais, o que, muitas vezes, o torna um mero cumpridor de tarefas a favor
do modelo de sociedade baseada no mercado.

A questão dos direitos humanos, a violência no campo, o trabalho escravo, o trabalho infantil, a
violência contra mulheres, o preconceito, a discriminação, os problemas do meio ambiente, as péssimas
condições de trabalho no campo e na cidade, a questão da moradia, entre outras, são demandas para o
assistente social, que deve atuar com competência teórica e metodológica.

Desse modo, nota‑se a importância desse profissional para contribuir com o trabalho relacionado às
questões sociais. Mas qual deve ser a forma de participação do assistente social quanto às necessidade e
às áreas apresentadas? Qual é o seu papel junto aos movimentos sociais e ao Estado? Como tem atuado?

Pode‑se afirmar que esse profissional está realizando, de fato, seu papel de agente de transformação,
e não de manutenção do status quo, quando é munido de um capital cultural e de conhecimentos
voltados para as necessidades básicas da população e quando se coloca junto aos movimentos sociais
60
CLASSES E MOVIMENTOS SOCIAIS

não como um mero técnico, mas como um agente político e social, com vistas a resolver de fato os
problemas como a fome, a violência, a prostituição, o desemprego, entre outros.

É exatamente isso que cobram os líderes dos movimentos sociais. Dessa forma, o assistente social,
em determinadas situações, tem se colocado como mediador. Atua na reflexão, no questionamento da
ordem social, oferecendo, assim, oportunidades para que o povo possa participar, opinar e encontrar
soluções em conjunto para os problemas que o afligem.

Tem sido importante a atuação do assistente social nas organizações governamentais e


não governamentais, nos centros de apoio à mulher, em movimentos pela moradia e junto aos
trabalhadores em geral. Por meio de conselhos, de fóruns de debate e de visitas, ele tem marcado
sua presença.

A luta dos trabalhadores destituídos de terra para trabalhar, além das lutas dos ribeirinhos, dos
atingidos pelas construções de barragens, da luta pela moradia, entre outras, tem, por meio de
profissionais capacitados na área de Serviço Social, um canal de discussão para cobrar do Estado maior
posicionamento a favor das causas sociais.

O trabalho do assistente social exige uma postura teórica que lhe favoreça condições básicas para
uma ação consciente de transformação da estrutura da sociedade.

Silva e Silva (2006, p. 160) afirmam que:

a literatura do Serviço Social [...] permitiu identificar que a categoria


teórica de transformação social constitui‑se em elemento central nas
formulações dos autores que defendem uma prática comprometida com os
interesses populares. Representa a mediação privilegiada de aproximação
do Serviço Social com o Marxismo, sendo fundamental, também, para o
desenvolvimento da dimensão política da profissão.

Não é apenas a teoria que oferece condições suficientes para garantir uma forma de ação concreta
do Serviço Social. O Marxismo constitui uma importante abordagem nesse sentido, por questionar a
ordem social vigente. Todavia, é necessário evitar o economicismo, a fim de que não prescinda dos
fatores culturais, ideológicos e subjetivos, os quais poderão oferecer uma visão ampla da realidade social.

Silva e Silva (2006, p. 160), comentando sobre a visão clássica de classes sociais, afirmam que,

embora se identifiquem referenciais à visão clássica do conceito que


situa a transformação social no âmbito econômico‑modo de produção, é
evidente a influência maior de Gramsci, que lança novas luzes para pensar a
transformação social em todos os planos (econômico e político‑ideológico),
na literatura do Serviço Social. Assim, é que essa categoria é construída, a
partir de outras como práxis, hegemonia, ideologia e intelectual orgânico,
e remete a outros conceitos como participação, organização e mobilização.
61
Unidade II

Em teorias sociológicas, a abordagem gramisciana, de fato, surge como uma importante forma de
orientação à ação do assistente social, por oferecer uma visão mais ampla quanto às questões sociais.
Suas ideias, como a de Estado ampliado, remete‑nos a uma leitura da sociedade civil e do Estado,
diferentemente da proposta marxiana de classes sociais e de Estado como instrumento de repressão e
de interesses da classe dominante.

Uma vez que o profissional de Serviço Social atua frequentemente como mediador entre Estado e
sociedade, a proposta de Gramsci oferece uma visão maior para a sua atuação nas demandas sociais e
o papel do Estado.

Outros conceitos desenvolvidos por Gramsci nas análises sociais são hegemonia e intelectual
orgânico. O conceito de hegemonia possibilita uma leitura da realidade social, considerando a cultura e
a ideologia, no sentido de permitir a uma determinada classe sua dominação sobre a maioria.

Observe que esse conceito gramsciano não deixa de lado a ideia de classes sociais, bastante enfatizada
por Marx; todavia, Gramsci prefere a questão da cultura e da ideologia, por acreditar que é por meio
da superestrutura que a sociedade se estabelece e se dá o embate entre as classes sociais na busca
pela hegemonia. Para uma maior compreensão acerca desse teórico, reveja o livro‑texto de Teorias
Sociológicas, na qual as ideias gramcianas estão mais detalhadas.

Souza, citado por Silva e Silva (2006, p. 161), afirma que a ideia de transformação social deve ser
considerada a partir do conceito de intelectual orgânico.

O autor afirma que:

[...] a transformação das atuais relações sociais e a construção/consolidação


de outras só são possíveis através da práxis dos explorados/oprimidos, seus
aliados, seus intelectuais orgânicos e intelectuais comprometidos com a
hegemonia, com autênticas lideranças.

A tarefa do assistente social insere‑se em uma das importantes formas de mediação, a fim de criar
condições para a construção de uma sociedade justa e de igualdade.

Com isso, o Serviço Social, juntamente com os movimentos sociais preocupados com essa causa,
deverá se pautar em uma linguagem similar, uníssona, no sentido de que não seja simplesmente um
técnico a serviço de uma instituição, mas atuante como um intelectual orgânico.

As desigualdades sociais, a pobreza e a miséria denunciam as contradições do modelo capitalista


de sociedade. É nesse contexto que o assistente social torna‑se importante para a sociedade, mais
especificamente para as classes populares, em que a demanda é maior.

Conclui‑se que o Serviço Social vincula‑se aos movimentos sociais a partir do Movimento de
Reconceituação, quando a categoria questiona a prática tradicional e conservadora no âmbito das
instituições públicas. O conhecimento, nessa área, está relacionado à forma como se percebe o mundo,
62
CLASSES E MOVIMENTOS SOCIAIS

seus problemas e perspectivas. Para isso é que as teorias que fundamentam a profissão e a ação do
assistente social estão presentes nas diversas situações das sociedades, mais especificamente no que diz
respeito às questões sociais, como pobreza, violência, desemprego etc.

A grande discussão presente até hoje, tratando‑se da prática profissional e sua inserção nas diversas
realidades, é quanto à questão da conservação da sociedade ou de mudança do status quo. É com essa
preocupação que os debates têm ocorrido e fizeram surgir o Movimento de Reconceituação no Serviço Social.

7 MOVIMENTOS SOCIAIS NO BRASIL

No Brasil, os principais movimentos sociais surgem contra a situação precária provocada pela colonização.
Índios e negros são as principais vítimas do domínio português em nossas terras. Comerciantes, camponeses,
entre outros, marcaram a história dos movimentos sociais no período da colônia, como A Revolta de Backman
(1864‑1886) no Maranhão, a Guerra dos Mascates (1710‑1711), em Pernambuco, entre outros.

Saiba mais

Para mais informações sobre a Guerra dos Mascates, leia:


ALENCAR, J. Guerra dos mascates. [s. d.]. Disponível em: <objdigital.bn.br/Acervo_
Digital/Livros_eletronicos/guerradosmascates.pdf>. Acesso em: 29 ago. 2013.

Tomazi (2000, p. 249) afirma que

[...] a ideia de emancipação só ganhou força no fim do século XVIII, como


influência da Revolução Francesa e da Independência dos Estados Unidos.
Para alguns, como os senhores de terra, a emancipação política do Brasil seria
bem vinda, desde que significasse a manutenção de seus privilégios, o que
representava, sobretudo, a manutenção do sistema escravocrata. Para outros,
como a classe “média” letrada e segmentos da “classe baixa”, a emancipação
implicava autodeterminação de organizar uma sociedade de homens livres.

É importante lembrar também, nesse contexto, os movimentos pela abolição, liderados por
intelectuais da época, de um lado, e, do outro, pela organização dos escravos, sob a liderança de Zumbi,
no Quilombo dos Palmares. Registra‑se, ainda, a Inconfidência Mineira, liderada por Tiradentes (1789),
em Minas Gerais, a Conjuração dos Alfaiates (1798), na Bahia, e, conjuntamente, a Revolução de 1817,
em Pernambuco (TOMAZI, 2000).

Quanto aos movimentos populares, especialmente no período da República, Canudos (1893‑1897)


foi um movimento messiânico, no sertão da Bahia, liderado por Antônio Conselheiro. Outro semelhante
foi o do Contestado (1912‑1916), na divisa do Paraná com Santa Catarina, que surgiu em contraposição
à construção de uma estrada de ferro por um grupo americano.

63
Unidade II

Tomazi (2000, p. 252) afirma que “os caboclos da região resistiram construindo vilas, onde se vivia
em igualdade e onde se lutava pela terra”.

O período dos governos de Getúlio Vargas, conhecido historicamente por Era Vargas, teve início
com a  Revolução de 1930,  e expulsou do poder a oligarquia cafeeira. Foi marcado por três momentos:
o Governo Provisório (1930‑1934), o Governo Constitucional (1934‑1937) e o Estado Novo (1937‑1945).
Durante o Governo Provisório, Vargas  deu início ao processo de centralização do poder, eliminou os órgãos
legislativos (federal, estadual e municipal), designando representantes do governo para assumir o controle
dos estados, e obstruiu o conjunto de leis que regiam a nação. Por esse motivo, surgiram duas situações
que demandaram variadas formas de organizações e mobilizações populares. Na primeira fase, a ditadura,
tivemos o processo de industrialização, que ocorreu com bases liberais. Nesse período, o Estado passa a
organizar e a interferir na economia e na sociedade com mais vigor. Mesmo que as elites conservadoras
tenham mantido suas influências no poder público, em decorrência da redefinição das alianças políticas
que se estabelecem no cenário do país, o caráter da luta social adquire novos contornos.

As classes populares começam a manifestar‑se como atores históricos, sob novos prismas. Aos poucos,
esses protagonistas dos movimentos populares vão se transformando em cidadãos com alguns direitos, como
os trabalhistas. Mesmo que essas mudanças tenham ocorrido no papel, são marcos históricos significativos. Tais
avanços simbolizam o coroamento de etapas de lutas de trabalhadores e, embora tenham sido promulgadas
como dádivas governamentais, foram conquistas das classes subordinadas em geral (GOHN, 1995).

As lutas no período pós‑revolução foram reivindicadas pelas classes populares. E, mesmo antes desse
intento, essa categoria já lutava por seus direitos; porém, de forma mais tímida e pouco vista pelo
Estado, que, aproveitando o ensejo, promulgou algumas medidas sociais, beneficiando os trabalhadores
e consolidando‑se como Estado popular.

As lutas e os movimentos sociais desse período podem ser resumidos a partir das principais
manifestações efetuadas pelos atores sociais, como:

a) Movimento dos pioneiros da educação nova – ocorreu entre as décadas de 1920 a 1960. Teve
como principais articuladores Anísio Teixeira e Fernando de Azevedo. Eles propunham, entre outras
demandas, a criação de um sistema nacional para a administração de políticas educacionais,
ensino público gratuito e universalizante.

b) Movimentos e agitações de rua – ocorreram em São Paulo e no Recife, entre 1933‑35.

c) Revolta do Caldeirão – ocorreu no Ceará, em 1935. Foi um movimento liderado pelo beato
Lourenço, que passou a estimular as pessoas a ocupar terras. Foi dizimado em 1938, pelo Exército.

Saiba mais

Para saber mais sobre a Revolta do Caldeirão, leia: GOVERNO do Estado


do Ceará. História do Ceará. 2013. Disponível em: <http://www.ceara.gov.br/
historia‑do‑ceara>. Acesso em: 29 ago. 2013.

64
CLASSES E MOVIMENTOS SOCIAIS

d) Movimento Pau de Colher – ocorreu na Bahia em 1935. Formado pela comunidade rural,
defendia a invasão de terras. Esse movimento foi massacrado pelas forças policiais.

Além desses movimentos, muitas lutas ocorreram nesse período, desde fundações de entidades
beneficentes, associações de bairros e públicas, como as de funcionários estaduais e municipais.
O Estado também procurou se redimir de suas faltas, promulgando novas leis trabalhistas, como a
jornada de oito horas, férias remuneradas, estabilidade no emprego, entre outras. Com isso, objetivava
complementar a modernização das relações entre o capital e o trabalho. Essas leis passaram a ser direitos
dos trabalhadores, que as reivindicaram durante décadas.

7.1 Os movimentos sociais e o advento do populismo

A partir de 1945, logo após o Estado Novo, uma nova fase instalava‑se no país –denominada como
populista ou nacional‑desenvolvimentista (GOHN, 2003). Ocorria no país um tempo fértil em formas
de participação social, ou seja, prevalecia o processo de redemocratização instaurado após 1945. Em
relação a esse processo, Gohn (2003, p. 90) comenta que:

[...] ele trouxe de volta a disputa político‑partidária, quando tivemos a


existência de quase cinquenta agremiações partidárias no país; os sindicatos
multiplicaram‑se e se subdividiram em oficiais e “paralelos”; os movimentos
sociais a partir da sociedade civil emergiram em diferentes partes da nação
reivindicando múltiplas questões, das quais destacamos as reformas de base,
políticas nacionalistas [...].

Além dessas características, favorecidas pelo processo de redemocratização no período, outras se


destacaram no tocante à política, como fase de intervenção do Estado na economia, com o objetivo de
criar as condições básicas para a nova etapa de acumulação do capital. Teve como base a indústria de
bens de capital; o surgimento e aprofundamento de obras importantes, como as grandes rodovias, as
usinas, as siderúrgicas, entre outras.

Outro fato relevante é que o Estado passa a intervir também na sociedade, por meio de políticas
sociais de cunho clientelístico, com o objetivo de integrar as massas recém‑deslocadas do campo para
ganhar a simpatia por meio do voto (GOHN, 2003).

Externamente, havia outros acontecimentos, como a Guerra Fria, que representou a oposição entre
o comunismo russo e a capitalismo norte‑americano. Aqui, os intelectuais brasileiros de posições
progressistas decidiram embarcar na polêmica da política externa das lutas entre as nações e os setores
da burguesia. Defendiam o modelo de desenvolvimento autônomo, com foco no apoio à agricultura e na
necessidade da reforma agrária. Já os líderes governamentais faziam acordos com indústrias americanas
e europeias para a instalação de suas filiais no país.

Dessa forma, o país dava passos para sua reinserção na nova ordem econômica que o pós‑guerra
produzira, fundamentada no desenvolvimento de algumas nações periféricas, aproveitando não só suas
riquezas naturais, mas também sua mão de obra.
65
Unidade II

Essas questões mostram‑nos a realidade econômica e política que o país vivia no período populista.
Mas, paralelamente a essa realidade, os movimentos sociais retornavam do ostracismo da fase do
Estado Novo. Agora, com a redemocratização, os espaços e as oportunidades eram amplos para que as
mobilizações fossem realizadas.

Nessa nova fase pela qual o país passava, houve muitos movimentos. Entre eles, Gohn (2003) destaca:

a) Movimento o petróleo é nosso.

b) Movimentos nacionalistas pela cultura – no campo, a Revolta de Porecatu, Passeatas da panela


vazia, ocorrida em São Paulo.

c) Movimento contra a carestia da vida – foi um importante organizador das massas urbanas que
surgiu a partir das comissões contra a carestia, criadas no Rio de Janeiro e em São Paulo, em 1951.
Expandiu‑se por várias regiões.

Outros movimentos e lutas também se destacaram após a morte de Getúlio Vargas, em 1954:

a) Os movimentos sindicais paralelos – são movimentos paralelos aos sindicatos oficiais. O sindicalismo
paralelo foi a solução engendrada para fugir do controle da política do Ministério do Trabalho e para
abrigar a atuação das siglas clandestinas no país, como o Partido Comunista Brasileiro (PCB).

b) No campo, conflitos agrários em Goiás – ocorreram na Região de Trombas e Formoso.


Esse movimento aglutinou migrantes vindos de várias regiões do país, que ocuparam a área,
organizaram‑se em conselhos para resistir ao despejo.

c) Movimento dos Agricultores Sem‑Terra (Master) – foi criado no Rio Grande do Sul em 1960.

d) Movimento de Educação de Base (MEB) – voltou‑se para a educação popular de adultos.


Trata‑se de um processo educacional desenvolvido por escolas. Usou o rádio, em uma abordagem
que relacionasse o processo de aprendizagem ao cotidiano vivenciado pelas pessoas.

Esses movimentos, entre outros, nessa fase da história do Brasil, tiveram seus fluxos e refluxos no
ambiente de manifestações que o país vivia com a fase populista.

Até o golpe de 1964, os trabalhadores urbanos e rurais tiveram espaço para reivindicar seus direitos,
para lutar pela cidadania, que há muitos séculos foi e é bandeira de luta de muitas categorias. No
entanto, com o golpe militar, a situação reverteu‑se, o que era condição de realizações — ao realizar
manifestação — passou a ser símbolo de repressão, torturas e perseguições.

Para compreender como o Serviço Social fez‑se presente a partir da década de 1940, é importante
verificar que a ideologia predominante foi a liberal. “As ações do Serviço Social centravam‑se em
campos isolados e fragmentados, como associações, infância, indústria, meio rural, assistência jurídica,
instituições médicas, entre outras”, conforme aponta Faleiros (1997, p. 33).
66
CLASSES E MOVIMENTOS SOCIAIS

Lembrete

Populismo  é basicamente um modo de exercer o poder. Ou seja, dá‑se


uma importância ao povo, às camadas em vulnerabilidade econômica e
social, cuida‑se delas e, assim, conquista‑se sua confiança, o que permite
que se exerça um autoritarismo consentido, uma dominação que não é
percebida por quem é dominado.

7.2 Os movimentos sociais em tempos adversos

Logo após a fase populista, que compreende os anos 1945 a 1964, a sociedade civil e os movimentos
sociais tiveram momentos de adversidade em suas lutas. Isso se deu devido ao golpe militar de 1964.
Nesse período, todas as manifestações sociais que estavam em atividade no país começaram a ser
rigorosamente abolidas.

Em relação a essa fase, Tomazi (2000, p. 256) comenta que o golpe militar de 1964, a pretexto de livrar
o país do “perigo comunista” e respaldando‑se no binômio ideológico “segurança e desenvolvimento”,
restringiu a participação popular por meio da criação do bipartidarismo (Arena e MDB) e proibiu toda
manifestação popular que viesse atentar contra a “ordem pública”.

A cidadania no Brasil, nesse período, tornou‑se ainda mais precária, por causa do não atendimento
das necessidades sociais elementares — demonstrada pelos índices de analfabetismo, pela falta de
habitação, pelas doenças endêmicas, pela falta de saneamento etc. —, associado ao impedimento do
livre exercício dos direitos políticos.

Aliado a essas deficiências, o caráter subalterno do desenvolvimento brasileiro mostrava‑se bastante


visível em relação às economias desenvolvidas.

A sociedade, habituada às mobilizações e manifestações da fase populista, teve de construir, aos


poucos, a compreensão de seu lugar “subalternizado” ao Estado e aos limites institucionais impostos
pelas circunstâncias históricas às suas reivindicações.

Gohn (2003, p. 103) assinala que “o período de 1964‑74 corresponde à fase de grande repressão
na sociedade brasileira imposta pelo regime militar”. Mas, a despeito do grande controle social e
político das prisões, torturas e perseguições, ocorreram várias lutas de resistência e movimentos de
protestos no país.

O movimento da esquerda foi de grande efervescência nesse período. O motivo disso foi
a resistência ao avanço das forças capitalistas no país, formadas a partir da aliança entre os
militares, o capital estrangeiro, a classe empresarial urbana e a nova tecnocracia que começava
a se formar.

67
Unidade II

Os partidos de esquerda nesse período organizaram‑se em três frentes: Partido Comunista Brasileiro
(PCB), Partido Comunista do Brasil (PC do B) e Ação Popular (AP). Eles se fragmentaram em inúmeros
novos grupos, como é o caso do PCB, que se dividiu ainda mais, dando origem à Ação Libertadora
Nacional (ALN), sob a coordenação de Carlos Marighela; Partido Comunista Brasileiro (PCBR); e
Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR8), entre outros.

Esse período correspondeu a uma intensa articulação de forças políticas no Brasil. Elas operavam na
clandestinidade, em ações violentas respaldadas na ilusão da necessidade da luta armada como única
forma de instalar uma nova sociedade no país. Esse modelo foi inspirado nas revoluções russa, cubana
e chinesa.

Além disso, a fase do milagre econômico – 1968 a 1973 – foi o momento em que as massas
populares, em geral, sofreram violento arrocho salarial. Havia emprego, mas era extremamente perigoso
se manifestar publicamente. Não havia a vida político‑sindical nesse período, apenas em caráter
assistencialista.

Todo esse contexto histórico é relevante para termos uma ideia de como se estruturou o regime
militar no país. É fundamental que conheçamos alguns movimentos sociais e lutas de trabalhadores,
que, mesmo com a ditadura, encontravam arestas para organizar‑se.

a) Movimento Estudantil (ME) – após 1964, sofreu um refluxo, dada a sua desarticulação. Em
1966, começou a se recompor, até chegar a seu apogeu, em 1968. Nesse período, o ME passou a
representar não apenas os estudantes, mas todo o povo brasileiro.

b) Guerrilha do Araguaia (Goiás) – o movimento durou até 1974. Inicialmente foi uma associação
entre posseiros, pequenos lavradores, militantes do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) com
movimentos políticos de guerrilhas, em zonas rurais e urbanas.

c) Movimento das Comunidades Eclesiais de Base da Igreja Católica – o surgimento das CEBs
ocorreu inicialmente nas zonas rurais, especialmente no Nordeste. Essas comunidades fizeram
parte da nova política das pastorais da Igreja Católica no Brasil.

Observação

Os movimentos desse período sofreram um refluxo pelo fato de terem


seus direitos cassados por meio de atos institucionais outorgados pelos
militares, restringindo toda e qualquer manifestação popular. Mesmo com
essa restrição, havia uma sociedade civil capaz de se organizar e lutar
contra a repressão.

A Igreja Católica desempenhou, por meio de seu segmento progressista, vinculado à Teologia da
Libertação, importante papel em movimentos sociais nesse período. Garantiu um espaço de organização
aos movimentos, sem o qual seu desenvolvimento seria quase impossível.
68
CLASSES E MOVIMENTOS SOCIAIS

Outro fato importante foi que os movimentos dessa fase se diferenciaram da fase anterior ao
golpe de 1964 por se desenvolverem sem a tutela dos partidos e sindicatos. De fato, pautando‑se por
uma organização horizontalizada, que permitia e estimulava a participação mais efetiva de um maior
número de pessoas, esses movimentos indicavam que algo novo estava ocorrendo. A autonomia em
relação às instituições existentes, como Estado, partidos e sindicatos, apontava para novos valores,
novas representações que a sociedade, por meio dos movimentos, começava a fazer de si mesma
(SILVEIRA, 2000).

7.3 Novos movimentos sociais e a luta pela cidadania

No final da década de 1980 e começo dos anos 1990, ressurgem atores sociais por meio dos novos
movimentos, que aos poucos iam se expandindo nos espaços públicos com mais liberdade.

Scherer‑Warren (1989, p. 12) afirma que os novos movimentos sociais referem‑se a um

[...] grupo mais ou menos organizado sob uma liderança determinada ou


não, possuindo um programa, objetivos ou plano comum, baseando‑se em
uma mesma doutrina, princípio valorativo ou ideologia, visando a um fim
específico ou a uma mudança social.

Nos anos 1990, os movimentos sociais, agora revestidos de novas caraterísticas de lutas e
ideais, decorrente da diferente caracterização histórico‑politico de sua época, dão origem a outras
formas de organizações populares, mais institucionalizadas, como os fóruns nacionais de luta pela
moradia popular, o Fórum da Participação Popular; os de caráter pluriclassista e conjunturais,
como o Movimento Ética na Política, o Movimento Ação da Cidadania contra a Fome e a Miséria,
entre outros.

Merecem destaque os movimentos ecológicos, com suas correntes ambientalista e conservacionista.


A primeira, volta‑se para um desenvolvimento controlado e equilibrado da utilização dos recursos
naturais; a segunda, mais radical, nega a utilização de tecnologias que ponham em perigo o meio
ambiente, optando por soluções alternativas. Os ecologistas cresceram muito após a ECO 92, que ocorreu
no Rio de Janeiro em 1992.

Os movimentos sociais, ao se insurgirem contra a indústria que despeja poluentes químicos nos rios,
contra a construção de usinas nucleares, contra a construção de barragem de usina hidrelétrica, entre
outras situações, estão não apenas contrariando interesses de grupos econômicos e/ou de um modelo
de desenvolvimento, lutam por um direito que é de todos: uma vida saudável – o que só pode ser
assegurado por uma natureza saudável (SILVEIRA, 2000).

A maioria dos movimentos identitários e culturais atua em conjunto com organizações não
governamentais (ONGs). Eles têm tido bastante destaque na mídia, e são reportados como ações
coletivas, frutos de projetos focalizados, coordenados por indivíduos empreendedores, agrupados
segundo categorias de gênero, faixa etária, origem étnica e religião.

69
Unidade II

Silveira (2000) ainda assinala que os novos movimentos sociais têm em comum o fato de denunciarem
as contradições da sociedade capitalista em seus diversos níveis de relações. Também apontam para a
incompatibilidade das formas de organização do poder político (autoritário e tecnocrático), em uma
sociedade mais complexa e em intenso processo de transformação social.

A organização popular dos movimentos sociais rurais cresceu bastante nos anos 1990. Entre os
inúmeros criados, o mais expressivo foi o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que se
destaca em termos nacional e internacional por um eficiente trabalho de mídia e marketing político de
suas demandas pela reforma agrária.

Em relação aos novos movimentos sociais, Silveira (2000, p. 245) afirma

[...] que eles se diferenciam dos tradicionais por apresentarem [...] projetos
voltados para a organização autônoma dos diversos segmentos sociais, o que
evidencia uma visão de mundo que respeita a diversidade entre os grupos e
as classes, mas sem negar o direito a todos de conviver em um mesmo espaço
social, econômico e político, em igualdade de condições e com justiça social.

Fernandes (1996, p. 65) assinala que o movimento dos sem terra (MST) nasceu

[...] em um processo de enfrentamento e resistência contra a política de


desenvolvimento agropecuário, instaurado durante o regime militar. Esse
processo é entendido, no seu caráter mais geral, na luta contra a exploração
de desenvolvimento do capitalismo.

O surgimento do MST dá‑se, então, com a luta dos trabalhadores rurais contra essas forças adversas. Elas
foram a principal causa que levou os trabalhadores a continuar a luta pela terra durante a ditadura militar. As
lutas nos estados, sobretudo no sul do país, começaram com as ocupações das glebas Macali e Brilhante, no
município de Ronda Alta. São lutas que marcaram o início da história desse movimento (FERNANDES, 1996).

Ao longo da década de 1990 e nestes primeiros anos do novo milênio, o movimento defendeu
alguns lemas, por uma sociedade mais justa, realidade que há vinte anos o MST busca por meio de suas
mobilizações ou mesmo formas – como assinala Stédile (1997), como:

• terra para quem nela trabalha;

• ocupar, resistir e produzir;

• a reforma agrária é uma luta de todos.

Ocorrem assembleias massivas, caminhadas, marchas, audiências, ocupações de terras, de prédios


públicos, para dar continuidade às lutas e, em especial, conclamar a sociedade para a necessidade e
a importância de realização da reforma agrária, bem como da contínua luta pela terra e por uma
sociedade mais igualitária.
70
CLASSES E MOVIMENTOS SOCIAIS

Silveira (2000), afirma que o MST, ousando a desafiar a estrutura secular do latifúndio no país,
mostra‑nos que a população trabalhadora não é apenas capaz de organizar‑se, mas, especialmente, que
é eficiente na luta para ocupar a terra e para fazê‑la produzir.

Para concluir, é importante que você tenha apreendido todas as informações sobre os movimentos
sociais do período mencionado e feito também uma reflexão sobre as temáticas desconhecidas, como
as práticas sociais utilizadas pelo MST. Reflita sobre as ações trabalhadas pelas ONGs, as quais são as
demandas mais comuns da sociedade, como educação e saúde.

Observe que, se considerarmos cada movimento social em particular, poderemos verificar que suas
práticas estão voltadas mais para construir uma sociedade nova. Para esses movimentos, esse tema
é objeto de ação futura, mesmo que as ações para tomada de poder do Estado fiquem em segundo
plano. Eles primam também por uma organização mais horizontalizada, não hierárquica e igualitária.
Como resultado, suas práticas não significam apenas a negação de valores tradicionais, mas a própria
afirmação de novas formas de vida, de uma nova cultura, de uma nova sociedade.

7.4 O Serviço Social e os movimentos sociais

No contexto da ditadura militar, como atuou o Serviço Social no Brasil? Iniciou uma perspectiva
crítica ao tradicionalismo, praticado desde o seu início. Em relação a essa época, Silva e Silva (2006,
p. 27) afirma que

[...] é quando setores da categoria profissional dos assistentes sociais


esboçam algumas tentativas de novas experiências de vinculação da ação
profissional aos processos de lutas por mudanças. Esses setores profissionais
são impulsionados por uma profunda agitação política que ganha força no
Brasil e em toda a América Latina, ante a crise do modelo desenvolvimentista,
gerando frustrações em amplos setores sociais.

A situação não foi fácil, pois, de forma geral, a ditadura mantinha forte repressão aos setores populares
organizados e a toda perspectiva de ação que se colocasse contrária ao regime político instituído. Nesse
contexto, o Serviço Social, por meio da sua linha ideológica tradicional, colocava‑se a serviço da ordem
vigente, o que gerou discussões entre os assistentes sociais; de um lado, um segmento apoiava uma prática
alheia ao que ocorria na sociedade e, por outro, exigia‑se uma posição crítica ao regime ditatorial. Silva
e Silva (2006, p. 40) afirma que “as transformações no Serviço Social cada vez mais se fazem presentes. A
profissão passa a ter uma característica totalmente diferente da que apresentava anteriormente”.

Silva e Silva (2006, p. 42) assevera que:

A década de 1980 representa um marco importante para a organização


e lutas sociais populares, especialmente com a luta pelas Diretas,
desencadeada pelos diversos setores da sociedade: intelectuais,
sindicalistas, partidos políticos de esquerda, trabalhadores do campo e
da cidade.
71
Unidade II

Na década de 1980, o Serviço Social, baseado na ideologia crítica e de mudança, continua sua
história com perspectivas de avançar no apoio às lutas e organizações sociais populares; mas há um
constante embate entre as forças conservadora e revolucionária.

A partir da década de 1990, a profissão acumula bastante experiência, em função dos diversos aspectos
vivenciados nas décadas de 1980. O embate entre conservação e mudança não deixa de existir ainda hoje.

A experiência do Serviço Social entre os anos 1945 e 1990 tem apresentado avanços significativos
para a profissão. Todavia, a ambiguidade continua presente até os dias atuais. Os anos 1960 apresentam
o marco das primeiras discussões no sentido de mudança das concepções teóricas e da prática do
Serviço Social. A partir da década de 1990, temos uma realidade profissional mais madura, apesar das
dificuldades apresentadas.

[...] as transformações no interior do Serviço Social são identificadas exatamente


quando a sociedade civil brasileira intensifica seu processo de rearticulação,
referenciado pelo movimento grevista sindical a partir de 1978, principalmente
pelas greves do ABC paulista, que têm influência marcante em relação aos
posicionamentos da categoria dos assistentes sociais (GHON, 2001, 78).

[...] o percurso do Serviço Social no Brasil, no período 1974‑1985, configura uma


intensa movimentação dos assistentes sociais que repercute profundamente
nas três dimensões constitutivas da profissão, representadas pela dimensão
político‑organizativa, pela dimensão acadêmica e, talvez, com menor intensidade,
pela dimensão da intervenção profissional, no nível dos organismos da política
social, das empresas privadas e dos movimentos sociais (GHON, 2001, 78‑79).

7.5 Movimentos sociais, globalização e neoliberalismo

7.5.1 Globalização e neoliberalismo: o que é isso?

A globalização diz respeito à aproximação dos mundos, facilitada principalmente pela tecnologia.
Giddens (1990) aponta a globalização como a intensificação das relações sociais em uma escala que
ultrapassa as barreiras nacionais, pois liga diversas localidades distantes de maneira que acontecimentos
locais têm importância estratégica e causam repercussão no mundo inteiro.

Bastos (2004, p. 303) expõe que:

[...] a globalização pode ser conceituada tendo em vista o modo como está
sendo implantada atualmente, como um conjunto de medidas adotadas pelos
Estados no que concerne à facilitação do trâmite de pessoas, mercadorias,
capitais tecnologias e informação. Busca‑se, então, a liberalização das
barreiras que impedem esse intercâmbio entre os Estados. Trata‑se de um
fenômeno integral que abrange todas as áreas do Estado, tais como a
econômica, a financeira, a tributária, a jurídica e até mesmo a política.
72
CLASSES E MOVIMENTOS SOCIAIS

Como percebemos, a forma com que a globalização se apresenta, bem como a participação dos
Estados nesse processo, tem sido bastante questionada por setores da sociedade preocupados com
as condições de vida da população. Intelectuais, políticos, militantes de organizações, movimentos e
partidos criticam a concentração de riquezas, as altas taxas de juros, o enriquecimento de poucos,
enquanto a maioria está em situação extrema de pobreza e de miséria.

Santos (2005, p. 65) menciona que:

[...] a globalização marca um momento de ruptura no processo de evolução social


e moral que se vinha fazendo nos séculos precedentes. É irônico recordar que
o progresso técnico aparecia, desde os séculos anteriores, como uma condição
para realizar a sonhada globalização com a mais completa humanização da
vida do planeta. Finalmente, quando esse progresso técnico alcança um nível
superior, a globalização se realiza, mas não a serviço da humanidade.

Santos (2005) afirma ainda que, a princípio, a globalização seria uma forma de aproximar os povos
não só do ponto de vista econômico, mas político, social e cultural. Todavia, o que ocorre na prática é
uma ditadura do mercado, instituída pelos grandes grupos econômicos, os quais impõem à maioria dos
países pobres condições políticas e econômicas que só fazem aumentar a pobreza.

Como a tecnologia concentra‑se nos países mais desenvolvidos economicamente, muitas vezes os
países subdesenvolvidos ficam apenas com a mão de obra barata a serviço dos mais ricos. A educação,
que deveria ser prioridade, deixa a desejar nos países pobres, não acompanha sequer a necessidade
de uma formação de mão de obra para o mercado, isto é, uma formação técnica e profissionalizante.
Fica cada vez mais difícil os países pobres, mesmo os considerados em desenvolvimento, como o Brasil,
competir no mercado globalizado.

As políticas adotadas nos diversos Estados não contemplam maior participação da população na
distribuição de renda. O modelo socioeconômico instituído pelos vários Estados capitalistas baseia‑se
nas orientações do mercado.

Os países mais ricos, como Estados Unidos, Inglaterra, França, Alemanha, Canadá, entre outros,
formam o bloco cujas relações com os países subdesenvolvidos se dão a partir do Fundo Monetário
Internacional (FMI). Com isso, as políticas instituídas nos países pobres não contemplam as reais
necessidades de investimento na área social, como moradia, educação, saúde, cultura, entre outras
necessidades fundamentais para seu desenvolvimento.

O que se observa é a adoção de políticas assistencialistas, o que alimenta muito mais um modelo
de sociedade fundada na desigualdade. Os programas governamentais, instituídos a partir da ideologia
neoliberal, têm no social uma visão e uma postura totalmente distorcidas da realidade da população
carente. Isso fica muito claro na forma como as organizações governamentais atuam nas áreas carentes.
Fazem apenas visitas técnicas para preenchimento de formulário socioeconômico, ao invés de promover
uma discussão ampla com os diversos setores e lideranças para, juntos, construírem uma verdadeira
solução para problemas graves, como desemprego, violência, falta de moradia, saúde e educação.
73
Unidade II

7.5.2 Os movimentos sociais e a globalização

Na sociedade, claramente dividida entre ricos e pobres, a grande maioria, é notória a formação
de grupos e de movimentos sociais com diferentes interesses e ações. A maioria defende causas
populares, voltadas a uma ideologia política de esquerda. Mas notam‑se movimentos que se
colocam em condições de meio termo, porque suas lideranças, muitas vezes, não têm uma
percepção crítica da realidade em que foram colocadas pelo sistema, o que leva a uma posição
política de comodismo.

A preocupação apenas com aumento de salário, por exemplo, constitui‑se em uma prática política
incipiente, que não percebe ainda outros aspectos, como a valorização do ser humano, as condições de
trabalho, a desvalorização do homem e da mulher, o respeito, a dignidade, entre outros.

Na esfera do trabalho, as pessoas não são tidas como sujeitos de ação, mas como uma extensão da
máquina. A divisão do trabalho instituída nas empresas leva em consideração apenas a necessidade de
produzir mais, de possibilitar maior lucro para os empresários. Por causa do grau de alienação de muitos,
a situação mostra‑se tão dramática que a única razão de existir parece ser por um trabalho e um salário
para poder consumir.

A educação, em geral, mostra‑se instituída e disposta a preparar uma mão de obra ordeira e passiva,
a fim de manter o sistema. Os treinamentos e as capacitações técnicas são as formas mais visadas pela
clientela estudantil, para garantir um lugar no mercado de trabalho. Alguns profissionais são, cada
vez mais, formados com uma visão estreita da realidade, pela falta de visão crítica, sendo ensinados a
realizar seu trabalho de forma alienada, apenas para aumentar os lucros e as necessidades do mercado,
isto é, para o consumo.

Santos (2005, p. 65) afirma que:

o período atual tem como uma das bases o casamento entre ciência e
técnica, essa tecnociência, cujo uso é condicionado pelo mercado [...]
a ciência passa a produzir aquilo que interessa ao mercado, e não à
humanidade em geral, o progresso técnico e científico não é sempre um
progresso moral.

Nota‑se que o período atual de globalização tem apresentado sinais de que o mercado
continua ditando as regras aos Estados e aos movimentos sociais. A posição destes últimos passa
a ser de crítica ao modelo vigente de sociedade, cujas consequências são bastante prejudiciais
à grande maioria das populações pobres. Mas nem sempre os movimentos sociais têm atingido
seus objetivos.

Destaca‑se, em nível internacional, o Fórum Social Mundial, formado a partir de iniciativas


de militantes e organizações de esquerda, em contraposição à política monetária, uma das
principais formas de combate à política de globalização capitalista da política do Fundo Monetário
Internacional (FMI).
74
CLASSES E MOVIMENTOS SOCIAIS

7.5.3 Neoliberalismo

O termo neoliberalismo significa uma nova forma de liberalismo adotada nos países capitalistas. O
Estado neoliberal é o nome que se dá à forma de Estado contemporâneo, a partir da década de 1990. O
surgimento dessa forma de Estado deu‑se em razão das crises do Estado capitalista liberal. Os problemas
sociais e econômicos agravavam‑se cada vez mais. Um dos principais tem sido o desemprego, que leva a
grandes problemas sociais, como aumento da pobreza, miséria, fome, falta de moradia, violência, entre
outros. Conforme Bastos (2004, p. 218), “o Estado neoliberal surgiu em razão da crise, tanto fiscal como
de legitimação e de governabilidade por que passava o Estado do bem‑estar social”.

Esse tipo de Estado surgiu por causa de problemas como a queda da bolsa de valores de Nova
Iorque, em 1929, conhecida como o cash global, tendo levado os países capitalistas a sérios
problemas econômicos e sociais. O desemprego e as precárias condições de vida das populações
foram a marca desse fenômeno, que ficou também conhecido nos Estados Unidos como a
depressão econômica.

No neoliberalismo, o Estado assume novas responsabilidades perante a sociedade, passando a adotar


políticas compensatórias que possibilitem certo equilíbrio social e, consequentemente, garantam o
sistema capitalista.

Bastos (2004, p. 219) menciona que “o estado neoliberal se caracteriza por buscar uma economia de
mercado sem limites, por dedicar especial atenção à atividade econômica em detrimento da atividade
social e política”.

Um dos fatores mais criticados do Estado neoliberal é a política do Estado mínimo, por meio de
privatizações de empresas. Esse tipo de política traz problemas para a maioria da população, que passa
a ficar submetida aos serviços das empresas privadas, muitas vezes estrangeiras, acarretando conflitos
diversos, como baixo salário dos trabalhadores, aumento de impostos etc.

7.5.4 Os movimentos sociais em ação em função das políticas neoliberais

As políticas neoliberais não agradam vários segmentos da sociedade. Problemas como saúde precária,
educação, transporte, energia, entre outros, levam os movimentos sociais a se organizar e reivindicar
uma posição do Estado que considere as dificuldades dos pobres. Assim, os movimentos sociais lutam
por melhores condições de saúde, educação, moradia, emprego, salário.

No caso do Brasil, os problemas agravam‑se no campo e na cidade. A principal bandeira


de luta dos trabalhadores rurais é a uma reforma agrária que garanta a fixação do homem no
campo, o que não significa apenas a distribuição de terras, e sim mais condições para plantar e
comercializar.

Em função da organização e das lutas dos trabalhadores sem‑terra, a repressão aos movimentos
sociais no campo torna‑se evidente. A violência marca o confronto entre latifundiários e trabalhadores,
que não possuem sequer um pedaço de terra para trabalhar e viver com dignidade.
75
Unidade II

Diante de tal situação, muitas vezes o Estado é conivente com os latifundiários, atuando como
agente de repressão às lutas e reivindicações dos menos favorecidos.

Na cidade, a situação não é muito diferente em relação à participação do Estado como agente voltado
aos interesses dos grupos capitalistas. As greves, de metalúrgicos, bancários, comerciários, professores,
agentes de saúde, são a demonstração concreta da insatisfação por parte da classe trabalhadora em
relação às políticas adotadas pelo Estado neoliberal. E os movimentos sociais nem sempre têm sido
vitoriosos nas suas reivindicações.

Nota‑se, inclusive, certa apatia dos movimentos. Determinadas lideranças são cooptadas pelo Estado,
acatando a política, muitas vezes, paliativa, que não resolve nada para os trabalhadores.

A fragilidade dos sindicatos em relação às políticas neoliberais tem levado essas entidades a cair em
descrédito com os trabalhadores, pois pouco vêm se mobilizando pela classe. Por causa do desemprego
crescente, a situação da maioria não tem sido das melhores. As pessoas são obrigadas a viver nas favelas,
em condições precárias de saúde e educação.

As greves e as manifestações em geral, especialmente nas cidades, têm seguido uma pauta de
reivindicação que se ajusta perfeitamente às políticas neoliberais, uma vez que se preocupam com o
mínimo, como o aumento de salário e as condições de trabalho.

Nesse sentido, as necessidades da classe trabalhadora em geral não passam de fisiológicas, quando
suas lideranças se voltam apenas para uma política de resultados imediatos.

Atualmente, temos presenciado, na mídia televisiva e nas redes sociais, as diversas manifestações
supostamente desencadeadas pelo Movimento Passe Livre. Iniciadas com o protesto das tarifas de
ônibus, essas manifestações tomaram grandes proporções de reivindicações político‑sociais, pois se
trata de questões que surgem hoje na prática e no debate contemporâneo, tendo como significado o
desenvolvimento da consciência da cidadania e de organização autônoma do povo brasileiro para a
transformação da sociedade.

Os movimentos sociais urbanos são originados das contradições urbanas e como forma de resistência
e de luta das classes populares, no sentido de verem reconhecidos seus direitos como cidadãos, de
participar social e politicamente da sociedade.

Nota‑se que os diversos movimentos sociais brasileiros uniram‑se e convocaram as classes


populares a assumir uma presença autonôma na sociedade, em vez de permanecerem passivas e
inoperantes em relação ao governo. Isso ocorre porque esses movimentos sociais têm sua explicação
nas contradições das classes populares em relação à política imposta, dando origem a movimentos
específicos — conforme ocorreu no mês de junho de 2013, com a manifestação do Passe Livre, fazendo
com que o povo brasileiro começasse a questionar não somente as tarifas de ônibus, como também a
falta de política na área da saúde e da educação, os gastos com eventos como a Copa do Mundo de
Futebol e as Olimpíadas.

76
CLASSES E MOVIMENTOS SOCIAIS

Para Touraine (1994, p. 99) “a força libertadora da modernidade enfraquece à medida que ela mesmo
triunfa”; portanto, é somente contestando a racionalidade do pensamento da ciência higienista que se
torna possível encontrar uma pulsão comum que permita com que a população se una, em uma única
dimensão temporal, com levantes espontâneos.

Saiba mais

Dica de leitura sobre a onda de protestos que vem ocorrendo no país:

Cientistas sociais procuram modelo para onda de protestos no


Brasil, de Cassiano Elek Machado e Graciliano Ramos. Disponível em:
<http://www1.folha.uol.com.br/ustrissima/2013/06/1299979‑cientistas
‑sociais‑procuram‑modelo‑para‑onda‑de‑protestos‑no‑brasil.
shtml&gt>

7.5.5 O Serviço Social, a globalização e o neoliberalismo

Com o processo de globalização e o neoliberalismo, o Serviço Social passa a se inserir em uma


perspectiva crítica e, ao mesmo tempo, conservadora. Isto é, mesmo que o Serviço Social esteja
pautado na leitura crítica marxista, o Estado — por meio da gestão com olhar partidário, e não com
o olhar da política pública — procura sempre manter no trabalho do assistente social o suporte
para garantir os objetivos institucionais a partir da ótica do mercado, prendendo esse profissional
na linha conservadora.

Na perspectiva da globalização e do neoliberalismo, o Estado utiliza‑se dos diversos meios possíveis


para atender aos interesses dos grupos hegemônicos sob a ótica capitalista. Silva e Silva (2006, p. 64)
expõe que:

o Estado, enquanto expressão de relações sociais, impõe ao Serviço Social


um conjunto de demandas que expressam a dinâmica das relações sociais,
impõe ao Serviço Social um conjunto de demandas que expressam a dinâmica
das correlações de forças configurativas das diferentes conjunturas. Nessas
demandas, ao mesmo tempo em que têm subordinado as políticas sociais
aos interesses do desenvolvimento econômico, têm também representado,
junto ao Serviço Social, principalmente os interesses dos setores dominantes
da sociedade.

Conforme destaca a autora, o Serviço Social coloca‑se em uma situação bastante complexa, uma vez
que, tendo o Estado como principal empregador dos assistentes sociais, exige uma prática que atenda
às necessidades do desenvolvimento.

Silva e Silva (2006, p. 64‑65) afirma que o Estado conta com o Serviço Social para propiciar:
77
Unidade II

• repasse de programas assistenciais ao público como forma compensatória das desigualdades


sociais, produzidas pelo processo de desenvolvimento concentrador implantado no país e como
forma de atendimento de necessidades sociais básicas, de modo a permitir um clima de relativa
paz social;

• desenvolvimento de ações educativas de socialização das massas e de preparação de mão de obra


para atendimento das necessidades do mercado de trabalho;

• ação profissional eficiente e competente, capaz de atuar na burocracia estatal e junto às


comunidades, com vistas a integrar as populações aos programas de desenvolvimento;

• operacionalização indireta de programas sociais por meio de administração de convênios junto a


entidades populares e a grupos;

• prestação de serviços assistenciais diretamente aos indivíduos, por meio de processos marcados
pela seletividade e elegibilidade;

• cadastramento e estudo socioeconômico para caracterização descritiva das populações e indivíduos


a serem atendidos pelos programas oficiais e para controle político de ações coletivas, embora
este último aspecto não seja explicitado.

Diante da realidade apresentada é que, conscientes da necessidade de mudanças na prática do


Serviço Social, de modo que não se limitasse a atender aos interesses da classe dominante, os
reconceituacionistas estabelecem ações concretas nos diversos segmentos da sociedade para conter as
estratégias institucionais do Estado. Silva e Silva (2006, 68‑69) compreende que:

[...] dá‑se todo esforço de construção de alternativas de prática profissional


a partir de demanda dos setores organizados, no contexto de rearticulação
da sociedade civil e na perspectiva de ampliação dos direitos sociais e
construção da cidadania, na busca do estabelecimento de alianças da
categoria dos assistentes sociais com as classes populares organizadas,
tendo como horizonte a transformação social.

É nesse contexto que o Serviço Social passa a atuar de forma mais crítica nos movimentos sociais
populares, além de promover mudanças no ensino, priorizando a abordagem teórica do materialismo
histórico e dialético.

O contexto da globalização e do neoliberalismo, portanto, apresenta‑se voltado às políticas de


modernização, aliadas aos interesses do capital e ao controle das lutas populares. Nesse contexto, os
movimentos sociais articulam‑se, chamando a atenção da sociedade para problemas cada vez mais
agravantes, como a pobreza, a exclusão social e a fragmentação do trabalho. O Serviço Social, por
sua vez, atua com o Movimento de Reconceituação, fortalecendo as discussões internas e buscando
aproximar‑se mais das organizações populares.

78
CLASSES E MOVIMENTOS SOCIAIS

8 PRÁTICAS SOCIAIS, SUJEITOS COLETIVOS E REDES DE MOVIMENTOS


SOCIAIS

8.1 As práticas sociais dos sujeitos coletivos

Você sabe o que significa práticas sociais? Iamamoto (2005, p. 15) afirma que as práticas sociais têm como

[...] fundamento o trabalho social, atividade criadora, produtiva por


excelência, condição da existência do homem e das formas de sociedade,
mediatizando o intercâmbio entre o homem e a natureza, através do qual o
homem realiza seus próprios fins.

As práticas sociais, como vimos, estão relacionadas à realidade de mobilização dos movimentos
sociais. Araújo (1999, p. 15) assinala que as práticas sociais são “ações desenvolvidas por um indivíduo
ou grupo de indivíduos localizados em determinada formação social”. Por sua vez, Bocayuva (2000, p.
93) aponta que:

[...] campo das práticas sociais é um conjunto de lugares de lutas, até mesmo
sobre os princípios que unificam cada campo próprio das forças em disputa
[...]. As práticas sociais que os agentes sociais (sujeitos coletivos) desenvolvem
estão diretamente relacionadas tanto com as formas de mobilização como
com as caminhadas, marchas, passeatas, ocupações de terras, entre outras,
e da mesma forma, com os lugares onde se organizam as ações coletivas:
na via urbana, nos espaços públicos, como instituições governamentais,
bancárias; e na zona rural, nas ocupações de terras privadas e públicas.
Por meio desses lugares, os sujeitos coletivos realizam as mobilizações para
reivindicar suas lutas.

Para Agnes Heller, citado por Bocayuva (2000), um movimento social articula‑se por forças de
interesse, crescimentos e necessidades que permitem a emergência de sujeitos coletivos. Essa questão
está ligada a uma ideia de fazer a história por meio dos movimentos da sociedade e, hoje, ao problema
da construção de formas de organização social e de poder, sendo traduzidas por alguma perspectiva
ideal de utopia racional nos termos marxistas.

Quando tratamos das práticas sociais nos movimentos sociais, estamos também falando dos sujeitos
coletivos, ou seja, das ações desenvolvidas por eles, uma vez que esses atores — sendo fonte da atividade
criadora — são agentes intermediários das lutas organizadas nos movimentos e, na maioria, são lideranças.
Participaram das ações coletivas, bem como de luta contínua para construir uma cidadania na prática
que rearticule os elos de uma cadeia histórica, exigindo a transformação da necessidade em direitos.

8.2 Conceituação e contexto histórico das redes sociais

A ideia de redes sociais está relacionada a trabalho em conjunto, independentemente do lugar em


que indivíduos e grupos sociais se encontrem. Nesse sentido, se você pensar na luta pela moradia, a rede
79
Unidade II

em torno dessa luta forma‑se naturalmente, tendo em vista os objetivos e as metas similares que fazem
com que os movimentos sociais organizem‑se e orientem suas lutas em conjunto.

Hoje, com a tecnologia da informação, em especial a internet, é possível os diversos movimentos


sociais organizarem suas ações rapidamente, em diversos lugares ao mesmo tempo.

Redes sociais é um tema relativamente novo dentro das Ciências Sociais, embora já seja bastante
debatido nos meios acadêmicos. Entre as inúmeras discussões acerca desse tema, destacamos a
pesquisadora Scherer‑Warren. Em um de seus trabalhos, Redes de Movimentos Sociais (1989), ela
discute a ideia de rede como um conceito propositivo, refere‑se a uma estratégia de ação coletiva, a
uma nova forma de organização e de ação (como rede).

Em outro trabalho, Scherer‑Warren (2005, p. 10) assinala que:

[...] a análise em termos de redes de movimentos implica buscar as formas


de articulação entre o local e o global, entre o particular e o universal,
entre o uno e o diverso, nas interconexões das identidades dos atores com
o pluralismo. Enfim, trata‑se de buscar os significados dos movimentos
sociais num mundo que se apresenta cada vez mais interdependente,
intercomunicativo, no qual surge um número cada vez maior de movimentos
de caráter transnacional, como os de direitos humanos, pela paz, ecologistas,
feministas, étnicos e outros.

As palavras da autora são pertinentes para compreender a dinâmica da sociedade atual, a qual se
apresenta marcada por vários aspectos, em especial, pela necessidade de os movimentos sociais estarem
interligados, isto é, em redes, tendo em vista a percepção de que as demandas, em geral, são comuns nos
diversos lugares. Com a globalização, os problemas também se apresentam globais e, ao mesmo tempo,
não se deve esquecer das particularidades locais.

É importante ressaltar, na questão das redes, a dualidade nas formas de articulação, isto é, o local e
o global. Viana (2000, p. 46) diz que:

[...] “local” passa a ser enfatizado como lócus privilegiado do exercício do


poder decisório, como espaço do acontecer social e da ação direta, como
o lugar onde as coisas e as pessoas acontecem, onde se pode encontrar o
faminto, o indigente.

Essa autora ainda afirma que o pensar globalmente e o agir localmente pode carregar um forte
apelo à adesão do projeto político governamental, que, seguramente, vem transferindo para o indivíduo
em suas relações locais muito do que outrora lhe cabia como obrigação.

Para contextualizar redes sociais, vamos delimitar o período a partir dos anos 1980, quando temos a
efervescência dos movimentos sociais no país no clima da redemocratização política.

80
CLASSES E MOVIMENTOS SOCIAIS

Nesse contexto, os movimentos sociais, apoiados por outras categorias da sociedade civil, ampliam
as mobilizações, contemplados que estavam com o momento político que o país vivia.

Além dessa euforia de abertura política, concomitante com as lutas sociais, outras peças da
engrenagem surgiam no campo econômico; por exemplo, o mercado estava cada vez mais próximo de
quem podia comprar e cada vez mais longe dos destituídos de renda.

Outro enfoque tratado foi a transnacionalização do capital, com suas implicações sociais, políticas
e culturais, associadas ao avanço no campo da tecnologia das comunicações que contribuíram para
alterar as formas de luta e organização de movimentos sociais (VIANA, 2000).

Os novos movimentos sociais dos anos 1990 centram‑se mais em questões éticas ou de revalorização da vida
humana, diferente dos movimentos dos anos 1970 e 1980. Alguns fatores influenciaram no campo da moral,
como a violência generalizada, a corrupção, as várias modalidades de clientelismo e de corporativismos. Gohn
(2003, p. 34) assinala que, “nesse período, criam‑se movimentos nacionais a partir de instituições e organizações
de espectro plural, ou de figuras carismáticas, como o caso de Betinho na Ação da Cidadania contra a Fome”.

Nesse período, estruturam‑se ainda movimentos nacionais, a partir de questões sociais dadas pela
problemática geracional, de idade, como o Movimento de Nacional de Meninos e Meninas de Rua ou o
Movimento dos Aposentados.

Gohn (2003, p. 34) ainda afirma que “o novo dos movimentos sociais se redefine novamente na
década de 1990, eles dão lugar às lutas cívicas, verdadeiras cruzadas nacionais em que há articulações
difusas em termos de classes sociais, interesses locais e nacionais, espaços públicos e privados”.

Outra autora que também trabalha com redes sociais é Marteleto (2001). Em sua pesquisa sobre análise
de redes, ela afirma que, nas redes sociais, há valorização dos elos informais e das relações, em detrimento
das estruturas hierárquicas. Hoje, o trabalho informal em rede é uma forma de organização humana
presente em nossa vida cotidiana e nos mais diferentes níveis de estrutura das instituições modernas.

O estudo das redes coloca em evidência um dado da realidade social contemporânea que ainda está
sendo pouco explorado, os indivíduos dotados de recursos e capacidades propositivas organizam suas
ações nos próprios espaços políticos, em função de socializações e mobilizações suscitadas pelo próprio
desenvolvimento das redes (MARTELETO, 2001).

Nos anos 1990, alguns movimentos sociais destacaram‑se, principalmente pelo momento de
aglutinação tanto pelas estratégias das lutas como pela iniciativa dos próprios atores sociais, que
recebiam o apoio da sociedade civil. Merecem destaque: a campanha da Ação da Cidadania contra a
Fome e pela Vida, liderada por Betinho; organizações como a Anistia Internacional, Viva Rio, Projeto Axé,
Fundação Abrinq, Sociedade Viva Cazuza, Fundação Ayrton Senna, entre outras.

A formação de redes sociais e redes de movimentos ocorreu mais pela necessidade da população e,
somado a isso, a ineficiência do Estado. Mas os atores sociais souberam construir suas estratégias de
luta e buscaram espaços para suas mobilizações na luta pela cidadania.
81
Unidade II

8.3 O Serviço Social no contexto das redes sociais

A realidade do século XXI apresenta‑se em um cenário da globalização e do neoliberalismo. A


sociedade, por sua vez, tem sido vista pelos grupos hegemônicos como um espaço para a efetivação de
políticas que garantam a manutenção da ordem capitalista.

Os diversos problemas sociais, como fome, pobreza, miséria, prostituição, corrupção, violência,
degradação do meio ambiente, entre outros, denunciam as contradições da globalização atrelada ao
capitalismo. Com isso, a sociedade civil tem mostrado sinais de contestação às políticas neoliberais e se
organizado de variadas formas para a solução dos problemas e para a garantia da cidadania.

Os movimentos sociais apresentam‑se em toda parte, a partir das diversas necessidades: como moradia
digna, emprego, salários justos, contra a violência, em defesa do meio ambiente, contra o preconceito e a
discriminação, entre outras. Essa luta demonstra a resistência ao modelo concentrador de riqueza adotado.

Nesse contexto, o Serviço Social, a partir da perspectiva ideológica crítica, que levou ao Movimento
de Reconceituação, tem direcionado suas ações cada vez mais no sentido de apoiar os diversos sujeitos
coletivos, reforçando a luta pela cidadania.

Rico, citado por Silva e Silva (2006, p. 186), afirma que:

[...] a prática profissional desenvolvida na perspectiva da assessoria coloca


como objetivos fundamentais, para o Serviço Social, contribuir efetivamente
no processo de conscientização, mobilização e organização da população
explorada, a fim de capacitá‑la para que ela se converta em agente de seu
próprio desenvolvimento e sujeito da transformação social.

Considerando as palavras da autora, percebe‑se uma preocupação, de fato, do Serviço Social com as
camadas populares e suas reivindicações. O trabalho do assistente social não é somente assistencialista,
dependente do Estado, volta‑se aos diversos setores da sociedade, por meio da assessoria às organizações
não governamentais, que atuam com os movimentos populares, nas associações e lutas dos trabalhadores.

As práticas sociais, por meio dos diversos sujeitos e movimentos sociais, tem se pautado nos últimos
tempos nas lutas por melhores condições de vida, que implicam uma infinidade de demandas: moradia,
paz, terra para plantar e viver, contra o preconceito e a discriminação, entre outros.

As redes de movimentos sociais formam‑se em função do contexto da globalização e das necessidades


sociais comuns. Temos a preocupação com a organização dos movimentos populares, que se fazem cada
vez mais presentes e denunciam a falta de políticas que garantam a diminuição das desigualdades e da
exclusão social.

Em relação a essa realidade, o Serviço Social tem promovido discussões e ações que demonstram
um processo de ruptura com as ideias e práticas tradicionais, que somente garantiam os interesses
institucionais a serviço de um modelo de sociedade cada vez mais excludente.
82
CLASSES E MOVIMENTOS SOCIAIS

A realidade do Serviço Social, hoje, insere‑se em uma perspectiva de luta e de resistência, no que diz
respeito à prática nos movimentos sociais. Percebe‑se, portanto, um avanço quanto a uma preocupação
cada vez maior no sentido de se ter uma prática transformadora. A existência de redes de movimentos
sociais exige uma postura crítica e consciente por parte dos assistentes sociais. Muito embora se perceba
ainda a existência de prática conservacionista, por meio de técnicas e de preocupação com mensuração,
é perceptível também uma prática consciente e preocupada com a transformação da sociedade.

RESUMO

Nesta unidade, você estudou o conceito e o contexto histórico dos


movimentos sociais. Abordamos os diversos fatores econômicos, políticos,
sociais, culturais e religiosos que contribuíram para a formação de
movimentos sociais da Antiguidade, enfatizando os conflitos do período
medieval, do feudalismo.

Destacamos, ainda, os movimentos sociais da Idade Moderna, a partir


do desenvolvimento dos mercadores e capitalista. Da contemporaneidade,
mencionamos os operários e suas organizações por melhores condições de
vida, como também a relação entre ideologia, Serviço Social e movimentos
sociais. Num primeiro momento, foi destacada a questão da ideologia e
sua influência nos movimentos sociais; em seguida, trabalhou‑se como
se coloca o Serviço Social a partir das ideologias que orientam seus
profissionais para a ação junto aos movimentos sociais.

Outro tópico importante foi o objeto e os objetivos do Serviço Social


e dos movimentos sociais, destacando‑se as questões do objeto e dos
objetivos, a importância do Movimento de Reconceituação e a relação
com os movimentos sociais. Você viu que o assistente social enfrenta, na
sua profissão, várias dificuldades, especialmente se não tem a consciência
clara quanto ao papel do Serviço Social e as teorias e os conceitos que
estão presentes no cotidiano do seu trabalho. Outro aspecto abordado foi
o caráter complexo da prática profissional, uma vez que a perspectiva de
ação na sociedade se dá com base em duas ideologias: de conservação e
de mudança.

Vimos sobre o processo de conhecimento e intervenção do Serviço


Social nos diferentes enfoques e sua relação com os movimentos sociais.
Você pôde perceber aspectos importantes quanto à ação do assistente social
nas demandas da sociedade, mais precisamente em relação aos problemas
que a maioria da população pobre enfrenta, em razão de um modelo de
sociedade baseado no mercado. Foi enfatizada, ainda, a importância do
conhecimento, especialmente das teorias que mais se ajustam à análise dos
problemas sociais.
83
Unidade II

Vimos também o histórico dos movimentos sociais no Brasil. Inicialmente,


o processo de colonização e suas primeiras lutas e organizações. Em seguida,
falamos sobre os principais movimentos do período getulista, a ditadura e
suas consequências, bem como sobre o processo de redemocratização da
sociedade brasileira até os anos 1990. Finalmente, analisamos o Serviço
Social em relação à realidade apresentada a partir dos anos 1945, até os
anos 1990. E sobre globalização, neoliberalismo e o papel do Serviço Social,
os principais aspectos desenvolvidos foram: o conceito de globalização e
de neoliberalismo, as políticas do Estado nesse contexto, as discussões e
contradições no âmbito do Serviço Social e sua inclinação para o apoio às
lutas e organizações populares para a solução dos problemas sociais.

E, por fim, estudamos a questão das práticas sociais, dos sujeitos coletivos
e das redes sociais. Foram desenvolvidos os conceitos, o histórico das redes
sociais e o papel do Serviço Social nessa realidade. A partir dos temas
desenvolvidos, especialmente em relação às redes de movimentos sociais,
você pôde perceber as diversas transformações pelas quais o Serviço Social
tem passado. Hoje, a área tem perspectivas de crescimento, no sentido de ter
uma prática comprometida com as transformações da sociedade.

exercícios

Questão 1. (Tribunal de Justiça do Estado do Pernambuco, 2012) Na abordagem clássica, a ideia é a


de que os movimentos sociais existem quando há:

I. Um princípio de identidade construído coletivamente ou de identificação em torno de interesses e


valores comuns no campo da cidadania.

II. Definição coletiva de um campo de conflitos e dos adversários centrais nesse campo.

III. A construção de projeto de transformação ou de utopias de mudança social nos campos societário,
cultural ou sistêmico.

Está correto o que se afirma em:

A) I, apenas.

B) II, apenas.

C) III, apenas.

D) I e II, apenas.

E) I, II e III.
84
CLASSES E MOVIMENTOS SOCIAIS

Reposta correta: alternativa E.

Análise das afirmativas

I) Afirmativa correta.

Justificativa: todo movimento social demanda a construção de uma identidade de classe coletiva,
para que possa organizar‑se pela reivindicação dos seus direitos. Os membros envolvidos em um grupo
devem possuir interesses, valores e metas em comum. Atualmente, há organizações sociais que atuam
tanto em prol da atenção aos direitos humanos quanto em prol do exercício dos deveres, em favor da
cidadania.

II) Afirmativa correta.

Justificativa: todo movimento social encontra grupos ou indivíduos que se posicionam de forma
contrária a sua organização. Assim, é importante que um movimento social organizado defina e
contemple os modos de lidar com seus adversários nas lutas sociais travadas por ele.

III) Afirmativa correta.

Justificativa: todo movimento social organiza‑se para tentar alterar uma determinada situação,
pois, para a manutenção do status quo, não haveria a necessidade de uma mobilização coletiva.
Ao contrário, o movimento social deve buscar romper com situações já consolidadas ou que
venham a existir sempre que firam os direitos dos seres humanos. Assim, é orientado a alterar
questões relacionadas não apenas à ordem econômica, mas também a outras ordens, como a
cultural e a política.

Questão 2. (UEP, 2010) Os movimentos sociais se constituem em uma das principais alavancas de
desenvolvimento social no mundo. No Brasil, sua contribuição para a superação dos “anos de chumbo”
da ditadura militar constituiu‑se em um marco para a abertura dos caminhos para a democratização do
país. Sobre esses movimentos e sua evolução histórica, é correto afirmar que:

I. Os movimentos sociais estruturalmente se situam na iniciativa privada da sociedade, na sociedade


civil, estando vinculados às reivindicações trabalhistas, necessariamente.

II. São considerados movimentos sociais tradicionais o movimento sindical e os movimentos de


bairro, porque estão ligados às demandas de garantias da reprodução do trabalho.

III. São considerados novos movimentos sociais os movimentos de igualdade racial e igualdade de
gênero, porque são demandas provenientes da dimensão sociocultural.

IV. Para o empoderamento dos movimentos sociais contestatórios, faz‑se necessário construir fortes
alianças partidárias.

85
Unidade II

De acordo com as afirmativas, a alternativa correta é:

A) I e II.

B) III e IV.

C) I e IV.

D) II e III.

E) III.

Resposta correta: alternativa D.

Análise das alternativas

I) Afirmativa incorreta.

Justificativa: os movimentos sociais, geralmente, estão vinculados a esferas da iniciativa privada e da


sociedade civil. Contudo, isso não é uma regra, já que muitas de suas manifestações provêm da esfera
pública. Por exemplo, o Movimento de Reforma Sanitária figurou como um dos mais organizados da
década de 1970 e reivindicou saúde pública de qualidade para toda a população brasileira, contando
com a participação tanto de pessoas da sociedade civil quanto de funcionários públicos. Além disso, os
movimentos sociais não estão restritos às questões trabalhistas e há uma série de reivindicações sociais
que embalam a organização da sociedade.

II) Afirmativa correta.

Justificativa: as primeiras organizações sociais destinadas ao auxílio mútuo provieram de entidades


trabalhistas que, com o tempo, foram constituindo-se em movimentos sindicais. Essas organizações
buscavam contemplar demandas relacionadas à questão laboral, alcançando assim muitos direitos
trabalhistas. Os movimentos de bairro, por sua vez, eram voltados para a atenção de demandas
emergentes que afetavam pessoas em uma determinada região e se tornaram hegemônicos no Brasil
nas décadas de 1940 e 1950. Assim, são movimentos sociais tradicionais, que nos remetem à história da
organização popular em nosso país.

III) Afirmativa correta.

Justificativa: a dimensão sociocultural faz menção às normas e às condutas que vão sendo
constituídas pela sociedade durante o seu desenvolvimento. Nesse processo, a organização social sofre
alterações. As mudanças culturais que são apropriadas pela sociedade tendem a gerar novas formas de
organização social e coletiva, como os movimentos sociais contemporâneos vinculados à questão racial
e à questão de gênero. Graças aos movimentos sociais, atualmente, temos a possibilidade de debater
essas questões, o que não era possível em outros momentos da nossa organização social e cultural.
86
CLASSES E MOVIMENTOS SOCIAIS

IV) Afirmativa incorreta.

Justificativa: a construção de fortes alianças partidárias ou políticas não é necessária para que o
movimento social se consolide na perspectiva do empoderamento. Para que isso ocorra, é necessária
uma grande identificação entre os pares do grupo. É fundamental existir consciência de classe social,
ou seja, das semelhanças entre os membros de uma determinada classe. Este é o primeiro passo para o
fortalecimento de organizações que atuam em movimentos sociais.

87
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TOURAINE, A. Críticas da modernidade. 1. ed. São Paulo: Instituto Piaget, 1994.

THOMPSON, E. P. A formação da classe operária inglesa: a árvore da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1977.

THOMPSON, E. P. A formação da classe operária inglesa: a maldição de Adão. v. 2. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 2001.

VIANA, M. C. Lutas sociais e redes de movimentos no final do século XX. Revista Quadrimestral de
Serviço Social, v. 21, n. 64, nov. 2000.

WRIGHT, E. O. Classe, crise e o Estado. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.

Exercícios

Unidade I – Questão 1: FUNDAÇÃO SOUSÂNDRADE. Concurso público para preenchimento de vagas de


empregos de assistente administrativo, assistente técnico e analista técnico da Agência Goiana De Habitação
S/A – AGEHAB 2010. Questão 32. Disponível em: <http://www.questoesdeconcursos.com.br/prova/arquivo_
prova/5426/fundacao‑sousandrade‑2010‑agehab‑analista‑tecnico‑sociologo‑tipo‑c‑prova.pdf>. Acesso em:
14 mar. 2013.

Unidade I – Questão 2: UNICENTRO. Prova da área de Sociologia para vestibular 2012. Questão 6.
Disponível em: <http://www.questoesdeconcursos.com.br/prova/arquivo_prova/27571/unicentro‑2012‑
unicentro‑vestibular‑sociologia‑prova.pdf>. Acesso em: 15 mar. 2013.

Unidade II – Questão 1: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE PERNAMBUCO. Assistente Social, 2012,


Modelo 1. Questão 32. Disponível em: <http://www.questoesdeconcursos.com.br/prova/arquivo_
prova/25290/fcc‑2012‑tj‑pe‑analista‑judiciario‑assistencia‑social‑prova.pdf>. Acesso em: 15 mar. 2013.
91
Unidade II – Questão 2: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO PARÁ. Assistente Social, 2010. Questão 18.
Disponível em: <http://www.prodepa.psi.br/uepa/saomigueldocs/provas/NS_Assi_Social.pdf>. Acesso
em: 15 mar. 2013.

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Informações:
www.sepi.unip.br ou 0800 010 9000

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