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Semana 1 a 15.1
Filosofia
e
Sociologia
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Sumário
Semana 1 - Mito, origem da filosofia e pré - socráticos........................ 3
Semana 3 - Aristóteles.................................................................................45
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FILOSOFIA ANTIGA 1. ORIGEM DA FILOSOFIA
Todos nós sabemos que os primeiros filósofos Na antiguidade a região conhecida como Grécia
da humanidade foram gregos. Isso significa que embora não era um estado unificado, com poder centralizado,
tenhamos referências de grandes homens na China governo único, e suas cidades-estados (póleis)
(Confúcio, Lao Tsé), na Índia (Buda), na Pérsia obedecendo a esse poder. Era na verdade, uma região
(Zaratustra), suas teorias ainda estão por demais que por suas peculiaridades históricas e geográficas
vinculadas à religião para que se possa falar abrigava povos de origem, costumes e crenças comuns,
propriamente em reflexão filosófica. unidos por uma mesma língua.
O que veremos agora é o processo pelo qual se A sua formação se dá pela união das civilizações
tornou possível a passagem da consciência mítica para Cretense e Micênica no período que ficou
a filosófica na civilização grega, constituída por diversas convencionado chamar de pré-homérico (Séc. XX a
regiões politicamente autônomas. XII a. C.), cujo fim ocorre com a invasão dórica que
A história desse povo na antiguidade é dividida ocasionou a primeira diáspora grega, quando eles
em quatro períodos. ocuparam todas as áreas banhadas pelo mar Egeu na
- Civilização micênica - desenvolve-se desde o início forma de pequenos núcleos rurais.
do segundo milênio a.C. e tem esse nome pela Começa a partir de então o período homérico
importância da cidade de Micenas, de onde, no século (Sécs. XII a VIII a. C.), que leva esse nome por causa
XII a.C., partem Agamemnon, Aquiles e Ulisses para das obras costumeiramente atribuídas ao grande poeta
sitiar e conquistar Tróia. Homero, que nos conta, por meio da Ilíada e Odisseia,
como foi essa época.
Os pequenos núcleos rurais deram origem aos
genos que, comandado por um pater, eram formados
por pessoas que acreditavam ser de uma mesma
descendência. Apesar de terem um líder, a terra era de
propriedade de todos.
Nesse período, houve um grande aumento
populacional que não foi acompanhado pela produção
de alimentos, pois haviam poucas terras férteis.
Muitos genos se dividiram, houve disputas e
distribuição desigual de terras que passaram a ser
propriedade privada. Foi um período de turbulência e
muitas pessoas ficaram marginalizadas.
Essa instabilidade gerou a necessidade de alguns
genos se aliarem. Dessas alianças resultaram as fratrias,
e da união destas, as tribos. O poder do pater passou a
- Tempos homéricos (séculos XII a VIII a.C.) - são ser exercido por grupos de latifundiários bem nascidos
assim chamados porque nesse período teria vivido conhecidos como eupátridas. Até que finalmente
Homero (século IX ou VIII). Na fase de transição de foram formados os demos que tinha como líder o
um mundo essencialmente rural, o enriquecimento dos basileu (rei), que era o mais fodão dos eupátridas.
senhores faz surgir a aristocracia proprietária de terras Desse modo, a sociedade, que era
e o desenvolvimento do sistema escravista. essencialmente agrária e patriarcal, ficou estruturada da
- Período arcaico (séculos VIII a VI a.C.) - grandes seguinte forma:
alterações sociais e políticas com o advento da pólis e 1) Eupátridas = os paters e seus parentes mais
desenvolvimento do comércio e consequente próximos que detinham as maiores e melhores
movimento de colonização grega. terras;
- Período clássico (séculos V e IV a.C -) - apogeu da 2) Demiurgos = trabalhadores livres
civilização grega. Na política, expressão da democracia 3) Georgoi = pequenos proprietários de terras;
ateniense; explosão das artes, literatura e filosofia. 4) Thetas = homens livres, mas marginalizados por
Época em que viveram os sofistas, Sócrates, Platão e que sobraram na divisão e disputas por terras;
Aristóteles. 5) Escravos
- Período helenístico (séculos III e II a.C.) - Para sobreviver, muitos gregos tiveram que
decadência política da Grécia, com o domínio buscar terras férteis para o cultivo de alimentos. Eles se
macedônico e conquista pelos romanos. Culturalmente lançaram ao mar à procura dessas regiões e se
se dá a influência das civilizações orientais. estabeleceram, além do Mar Egeu, por quase toda
região europeia banhada pelo Mar Mediterrâneo
(principalmente no sul da península itálica e na região
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da Sicília, que ficou conhecida como Magna Grécia), deixando vários questionamentos em aberto,
adentrando também na região do Mar Negro fundando perpetuando a forma de ver e entender tanto o mundo
apoikias (novos demos - colônias) em todos esses natural quanto o social.
territórios. Essa busca de novas terras foi Segunda
Diáspora grega. Mito e estrutura social
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3. Encontrando as recompensas ou castigos que brotará da terra, a mulher não será fecundada, a árvore
os deuses dão a quem os obedece ou desobedece. não dará frutos, o dia não sucederá à noite.
Como o mito narra, por exemplo, o uso do fogo pelos A forma sobrenatural de descrever a realidade é
homens, essencial para diferenciá-los dos animais? O coerente com a maneira mágica pela qual o homem age
mito conta que um titã, Prometeu, mais amigo dos sobre o mundo, como, por exemplo, com os inúmeros
homens do que dos deuses, roubou uma centelha de ritos de passagem do nascimento, do casamento, da
fogo e a trouxe de presente para os humanos. Prometeu morte, da infância para a idade adulta. Sem os ritos, é
foi castigado, sendo amarrado num rochedo para que como se os fatos naturais descritos não pudessem se
uma ave de rapina devorasse seu fígado eternamente. concretizar de fato.
QUESTÕES
obras, a Ilíada e a Odisséia, ele descreve o A partir do texto, assinale a(s) alternativa(s) correta(s).
comportamento de homens heroicos, em cujas ações os 01) O mythos é uma linguagem que comunica saberes
componentes mitológicos inexistem. e conhecimentos.
C) Os filósofos da escola jônica realizaram uma ruptura 02) As coisas próprias do domínio religioso são
definitiva entre a mitologia e a filosofia e, a partir de inefáveis, ou seja, não podem ser pronunciadas e ditas
então, é impossível encontrar, no pensamento pela linguagem humana.
filosófico, a presença de mitos. 04) O mythos não possui o mesmo poder de
D) O mito é incapaz de instituir uma realidade social, convencimento e de persuasão que o lógos.
pois seu caráter fantasioso não passa qualquer 08) O lógos é, ao mesmo tempo, o exercício da razão e
credibilidade para seus ouvintes. sua enunciação para os seres humanos.
E) O mito consiste em uma história religiosa, revelada 16) O lógos é muito mais do que a palavra, é a expressão
por autoridades supostamente indiscutíveis. das qualidades essenciais do ser, a possibilidade de
conhecer as coisas nos seus fundamentos primeiros.
04. (UNICENTRO 2013) Informe se é verdadeiro (V)
ou falso (F) o que se afirma a seguir e assinale a
alternativa com a sequência correta. 4. A TRAGÉDIA GREGA
( ) Os historiadores da Filosofia dizem que ela possui
data e local de nascimento: final do século VI antes de Uma das características da consciência mítica é
Cristo, nas colônias gregas da Ásia Menor a aceitação do destino: os costumes dos ancestrais têm
(particularmente as que formavam uma região raízes no sobrenatural; as ações humanas são
denominada de Jônia), na cidade de Mileto. E o determinadas pelos deuses; em consequência, não se
primeiro filósofo foi Tales de Mileto. pode falar propriamente em comportamento ético, uma
( ) A Filosofia possui um conteúdo preciso ao nascer: vez que falta a dimensão de subjetividade que
é uma cosmologia, isto é, nasce como conhecimento caracteriza o ato livre e autônomo.
racional da ordem do mundo ou da Natureza. Ao analisarmos a passagem do mito à razão há
( ) A origem oriental (egípcia, persa, caldéia e um período intermediário caracterizado pela
babilônica) da Filosofia ainda é, atualmente, a tese mais consciência trágica que representa o momento em que
aceita entre os historiadores da filosofia. o mito não foi totalmente superado e ainda não se
( ) A tese mais aceita entre os estudiosos da Filosofia firmou a consciência filosófica.
é, ainda hoje, aquela que a concebe como sendo um A tragédia grega floresceu por curto período, e
“milagre grego”, isto é, somente os gregos, povo os autores mais famosos foram Ésquilo (525-456a.C.),
excepcional, poderiam ter sido capazes de criar a Sófocles (496-c.406a.C.) e Eurípedes (c.480-406a.C.).
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O conteúdo das peças é retirado dos mitos, mas famosos são Ésquilo, Sófocles e Eurípedes. Com base
há algo de novo no tratamento que os autores - na afirmação acima, assinale o que for correto.
sobretudo Sófocles – dão ao relato das façanhas dos 01) A tragédia tem por matéria-prima as fábulas de
heróis. Esopo e de La Fontaine, densas de personagens míticos
Tomemos por exemplo a tragédia Édipo-Rei e ação dramática.
de Sófocles. Nela conta-se que Laio, senhor de Tebas, 02) Platão, como se sabe, escreveu tragédias e
soube pelo oráculo que seu filho recém-nascido haveria manifestou, na sua obra mais importante, A República, o
um dia de assassiná-lo, casando-se em seguida com a apreço pelos rapsodos e poetas.
própria mãe. Por isso, Laio antecipa-se ao destino e 04) Ao assassinar Laio e se casar com Jocasta, Édipo,
manda matá-lo, mas suas ordens não são cumpridas, e na trilogia tebana, é acusado de três crimes: regicídio,
a criança cresce em Lugar distante. patricídio e incesto.
08) A tragédia grega exprime um conflito insolúvel,
levado a termo pela morte ou confinamento de suas
partes conflitantes.
16) A tragédia confronta, no personagem do herói, o
destino e a liberdade, recorrendo ao mito e aos esboços
de um ser de vontade.
5. PRÉ-SOCRÁTICOS – OS PRIMEIROS
FILÓSOFOS
Quando adulto, Édipo consulta o oráculo e ao
tomar conhecimento do destino que lhe fora reservado, Tendo Sócrates como a grande referência na
foge da casa dos supostos pais a fim de evitar o filosofia antiga, os historiadores consentiram em
cumprimento daquela sina. No caminho desentende -se chamar esse primeiro período filosófico de pré-
com um desconhecido e o mata. Esse desconhecido era, socrático.
sem que Édipo soubesse, seu verdadeiro pai. Entrando É de se ressaltar que essa convenção tem como
em Tebas, casa com Jocasta, viúva de Laio, ignorando critério não apenas uma ordem cronológica, mas a linha
ser ela sua mãe. E assim se cumpre o destino. de investigação filosófica, pois ao tempo de Sócrates
Mesmo que Sófocles tenha tomado do mito o ainda haviam pré-socráticos.
enredo da história, as figuras lendárias apresentam-se Os principais filósofos pré-socráticos foram:
com a face humanizada, agitam-se e questionam o Os da Escola Jônica: Tales de Mileto,
destino. A todo momento emerge a força nova da Anaxímenes de Mileto, Anaximandro de Mileto
vontade que se recusa a sucumbir aos desígnios divinos e Heráclito de Éfeso;
e tenta transcender o que lhe é dado com um ato de Os da Escola Itálica: Pitágoras de Samos;
liberdade. E, mesmo quando a intuição de Édipo lhe Os da Escola Eleata: Parmênides de Eleia e
indica ser ele próprio o assassino procurado em Tebas, Zenão de Eleia;
leva o inquérito até o fim, como se estivesse em busca Os da Escola da Pluralidade: Empédocles de
da própria identidade (“O dia de hoje te fará nascer e te Agrigento, Anaxágoras, Leucipo de Abdera e
matará”). Demócrito de Abdera.
Mas, se no final vence o irracional, Édipo não
foi um ser passivo. E a tragédia consiste justamente na Esses primeiros filósofos se preocuparam em
contradição entre determinismo e liberdade, na luta tentar explicar a physis (palavra grega que pode ser
contra o destino levada a cabo pelo homem que surge traduzida por natureza) por isso eles serem conhecidos
como um ser de vontade. Quando no final Édipo se também como naturalistas, ou mesmo físicos, pois
cega, diz: “Apolo me culminou com os mais horrorosos estavam tentando entender o mundo físico de uma
sofrimentos. Mas estes olhos vazios não são obra dele, forma racional (cosmologia), dando uma explicação
mas obra minha”. diferente da dos mitos, que recorriam aos deuses.
A tentativa de reflexão retrata o logos nascente. Diferentemente da explicação mítica que dizia
Daí em diante a filosofia representará o esforço da que o universo havia sido criado do nada, para eles o
razão em compreender o mundo e orientar a ação. universo havia sido gerado de um princípio universal.
E descobrir essa arché seria a chave para entender todas
QUESTÕES as coisas.
Os Pré-Socráticos acreditavam que a physis
01. (UEM 2010) A tragédia grega floresceu em um apesar de estar em constante movimento (devir) possuía
período curto (525–406 a.C.). Seus autores mais um elemento de permanência e que este seria o seu
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princípio originador, seu fundamento, e explicaria a O ar sustenta e governa o universo, e gera todas
causa da mudança. as coisas, transformando-se mediante a condensação
O “princípio” é, propriamente, aquilo de que em água e terra, e em fogo pela rarefação.
derivam e em que se resolvem todas as coisas, e aquilo Pitágoras de Samos
que permanece imutável mesmo nas várias formas que (570-490 a. C.) e os
pouco a pouco assume. Pitagóricos deslocam a
Dentre esses filósofos haviam os que problemática do princípio a um
acreditavam que a arché era um único elemento, estes novo e mais elevado plano.
eram os monistas. Mais tardiamente, outros pré- O princípio da realidade
socráticos começaram a defender que eram vários, e é para os pitagóricos não um
ficaram conhecidos como pluralistas. elemento físico, mas o
“número”. Segundo eles,
5.1 MONISTAS todos os fenômenos mais significativos acontecem
Tales de Mileto (640-546 a. segundo regularidade mensurável e exprimível com
C.), que talvez tenha sido o números. O número, portanto, é a causa de cada coisa
primeiro filósofo. Foi ele o e determina a sua essência e a recíproca relação com as
criador, do ponto de vista outras.
conceitual, do problema Para os Pitagóricos, não são os números
concernente ao princípio (arché). enquanto tais o fundamento último da realidade, mas os
Tales identificou o princípio elementos do número, ou seja, o “limite” (princípio
com a água, pois contatou que o elemento líquido está determinado e determinante) e o “ilimitado” (princípio
presente em todo lugar em que há vida. indeterminado).
Anaximandro de Se tudo é número, tudo é “ordem” e o universo
Mileto (610-547 a. C.) foi inteiro aparece como um kósmos (termo que significa
provavelmente discípulo de Tales justamente “ordem”) que deriva dos números, e
e continuou a pesquisa sobre o enquanto tal é perfeitamente cognoscível também nas
princípio. Criticou a solução do suas partes.
problema proposta pelo mestre, Os Pitagóricos derivam do Orfismo o conceito
salientando sua incompletude pela de vida como expiação/purificação para poder retornar
falta de explicações das razões e junto aos deuses, mas atribuem a virtude catártica não a
do modo pelo qual do princípio derivam todas as coisas. ritos e práticas, como queriam os órficos, mas ao
Se o princípio deve poder tornar-se todas as conhecimento e à ciência, isto é, à “vida contemplativa”
coisas que são diversas tanto por quantidade quanto por em grau supremo, chamada “vida pitagórica”, a qual
qualidade, deve em si ser privado de indeterminações eleva o homem e o leva à contemplação da verdade.
qualitativas e quantitativas, deve ser infinito Creditava aos números a origem de tudo, mas
espacialmente e indefinido qualitativamente: conceitos desde que entendidos como harmonia e proporção. Ou
estes que se expressam em grego com o único termo, seja, tudo na natureza é proporcional e harmônico.
ápeiron (indeterminado). Heráclito de Éfeso (535-475 a. C.), um dos
O princípio - que pela primeira vez filósofos mais importantes desse período, dizia que o
Anaximandro designa com o termo técnico de arché – universo está em constante mudança, tudo flui, tudo
é, portanto, o ápeiron . Dele as coisas derivam por uma está em transformação constante. Ele é o autor da
espécie de injustiça originária (o nascimento das coisas famosa frase que caracteriza bem o seu pensamento:
está ligado com o nascimento dos contrários, que “Um homem não pode se banhar duas vezes no mesmo rio, porque
tendem a subjugar um no outro) e a ele retornar por na segunda vez o rio e o homem não serão os mesmos.”
uma espécie de expiação (a morte leva à dissolução e, Para ele, o devir é uma
portanto, à resolução dos contrários um no outro). característica estrutural de toda
Para ele, o princípio criador, o ápeiron, não a realidade. E isso é assim
poderia ser conhecido pelos sentidos, mas somente porque todas as coisas possuem
pelo intelecto. os opostos em constante
Anaxímenis (588-524 a. guerra. O real é a mudança e a
C.), discípulo de Anaximandro, permanência é ilusória.
continua a discussão sobre o Não se trata de um
princípio, mas critica a solução devir caótico, mas de passagem dinâmica ordenada de
proposta pelo mestre: a arché é o um contrário ao outro, é uma guerra de opostos que no
ar infinito, difuso por toda a parte, conjunto se compõe em harmonia de contrários. O
perene em movimento. mundo é, portanto, guerra nos particulares, mas paz e
harmonia no conjunto.
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Nesse contexto, o princípio para Heráclito é o Primeiramente, fora do ser não existe nada e,
fogo, que é perfeita expressão do movimento perene, e portanto, também o pensamento é ser (não é possível
justamente na dinâmica da guerra dos contrários, que para Parmênides pensar o nada). Em segundo lugar, o
tem esse elemento como sua causa. ser é não gerado (porque de outro modo deveria derivar
O fogo está estreitamente ligado ao conceito de do não-ser, mas o não-ser não existe). Em terceiro
racionalidade (logos), razão de ser da harmonia do lugar, é incorruptível (porque de outro modo deveria
cosmo. terminar no não-ser).
Portanto não há ser estático, e o dinamismo Além disso não tem passado nem futuro (de
pode bem ser representado pela metáfora do fogo, outro modo, uma vez passado, não existiria mais, ou na
forma visível da instabilidade, símbolo da eterna espera de ser no futuro, ainda não existiria), e, portanto,
agitação do devir, "o fogo eterno e vivo, que ora se existe em um eterno presente, é imóvel, é homogêneo
acende e ora se apaga". (todo igual a si, porque não pode existir mais ou menos
Para Heráclito o ser é o múltiplo. Não no ser), é perfeito, é limitado e uno.
sentido apenas de que existe a multiplicidade das coisas, Portanto, aquilo que os sentidos atestam em
mas de que o ser é múltiplo por estar constituído de como em devir e múltiplo, e consequentemente tudo
contrários, pois "a guerra é pai de todos, rei de todos". aquilo que eles testemunham, é falso.
E é da luta que nasce a harmonia, como síntese dos A segunda via é a do erro, a qual, confiando nos
contrários. sentidos, admite que existia o devir, e cai, por
Pode-se dizer que Heráclito teve a intuição da conseguinte, no erro de admitir a existência do não-ser.
lógica dialética, a ser elaborada por Hegel e depois A terceira via procura certa medição entre as
Marx, no século XIX. duas primeiras, reconhecendo que também os opostos,
Parmênides (510-470 como a “luz” e a “escuridão”, devam identificar-se no
a. C.) de Eleia, rompe com os ser (a luz “é”, a noite “é”, e, portanto, ambas são, ou
filósofos que o precederam na seja coincidem no ser). Os testemunhos dos sentidos
maneira de pensar o mundo. E devem ser repensados em nível de razão.
por isso não se adequa a Em essência, para Parmênides, a mudança
classificação de monista ou (devir) não existe, é uma ilusão dos sentidos, Heráclito
pluralista. estava errado. “O Ser é e o não ser não é”. O Ser é o
Ele se apresenta como Logos (razão), a permanência, é imutável e sem
inovador radical e, em certo contradições.
sentido, como pensador
revolucionário. Efetivamente com ele a cosmologia O surgimento da ontologia
recebe um profundo e benéfico abalo do ponto de vista
conceitual, transformando-se em uma ontologia (teoria Foi Parmênides o primeiro filósofo a afirmar
do ser). que o mundo percebido por nossos sentidos — o
Segundo esse filósofo, o elemento de cosmo estudado pela cosmologia — é um mundo
permanência, de origem, de fundamento, das ilusório, feito de aparências, sobre as quais formulamos
coisas/mundo (physis) não pode ser encontrado na sua nossas opiniões. Foi ele também o primeiro a contrapor
mutabilidade constante. a esse mundo mutável a ideia de um pensamento e de
Melhor dizendo, não se pode encontrar o um discurso verdadeiros referidos àquilo que é
princípio (arché) imutável do universo na sua própria realmente, ao Ser — tò on, on.
mudança, ainda mais quando a investigação é O Ser é, diz Parmênides. Com isso, pretendeu
conduzida pelos sentidos. dizer que o Ser é sempre idêntico a si mesmo, imutável,
Para ele a mudança seria apenas uma ilusão dos eterno, imperecível, invisível aos nossos sentidos e
sentidos, e o que é essencial nas coisas só pode ser visível apenas para o pensamento. Foi Parmênides o
captado pelo pensamento. Por esse motivo, é que primeiro a dizer que a aparência sensível das coisas da
haviam tantas opiniões contrárias sobre o Ser das natureza não possui realidade, não existe real e
coisas, porque os filósofos estavam trilhando um verdadeiramente, não é. Contrapôs, assim, o Ser (on) ao
caminho errado que só os levava à ilusão. Não-Ser (me on), declarando: “o Não-Ser não é”. A
Parmênides no seu poema Sobre a natureza filosofia é chamada por Parmênides de “a Via da
descreve três vias de pesquisa Verdade” (alétheia), que nega realidade e conhecimento
1) A da verdade absoluta; à “Via de Opinião” (dóxa), pois esta se ocupa com as
2) A das opiniões falazes; aparências, com o Não-Ser.
3) A da opinião plausível Ora, a cosmologia ou física ocupava-se
A primeira via afirma que “o Ser existe e não justamente com o mundo que percebemos e no qual
pode não existir”, e que “o não-ser não existe”, e disso vivemos com as demais coisas naturais. Ocupava-se
tira toda uma série de consequências. com a natureza como um cosmo ou ordem regular e
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constante de surgimento, transformação e QUESTÕES
desaparecimento das coisas.
A cosmologia buscava a explicação para o devir, 01. (UNICENTRO 2012) A primeira escola filosófica
isto é, para a passagem de uma coisa a um outro modo grega é a de Mileto e seus principais representantes são
de existir, contrário ao que possuía. Tales, Anaximandro e Anaxímenes. Esses filósofos são
Parmênides tornou a cosmologia impossível ao considerados monistas, pois propõem
afirmar que o pensamento verdadeiro exige a A) um único elemento como princípio original de tudo.
identidade, a não transformação e a não contradição do B) dois elementos principais como princípio original de
Ser. Considerando a mudança de uma coisa em outra tudo.
contrária como o Não-Ser, Parmênides também C) três elementos como princípio original de tudo.
afirmava que o Ser não muda porque não tem como D) quatro elementos principais como princípio original
nem por que mudar e não tem no que mudar, pois, se de tudo.
mudasse, deixaria de ser o Ser, tornando-se contrário a E) vários elementos como princípio original de tudo.
si mesmo, o Não-Ser. Como consequência, mostrou
que o pensamento verdadeiro não admite a 02. (UNICENTRO 2012) “O número é a essência de todo
multiplicidade ou pluralidade de seres e que o Ser é uno o existente. Toda a harmonia do cosmo é justificada pelos
e único. números”.
Os argumentos da Escola Eleata eram Essa frase está relacionada a
rigorosos: A) Leucipo.
admitamos que o Ser não seja uno, mas B) Sócrates.
múltiplo. Nesse caso, cada ser é ele mesmo e não C) Pitágoras.
é os outros seres; portanto, cada ser é e não é ao D) Aristóteles.
mesmo tempo, o que é impensável ou absurdo. E) Anaxímenes.
O Ser é uno e não pode ser múltiplo;
admitamos que o Ser não seja eterno, mas teve 03. (UEL 2016) A conexão que Pitágoras estabeleceu
um começo e terá um fim. Antes dele, o que entre a Música e a Matemática foi absorvida pelo
havia? Outro Ser? Não, pois o Ser é uno. O espírito grego. Nessa fonte, alimentam-se novos
Não-Ser? Não, pois o Não-Ser é o nada. conhecimentos normativos, que banham todos os
Portanto, o Ser não pode ter tido um começo. domínios da existência entre os gregos. Um momento
Terá um fim? Se tiver, o que virá depois dele? decisivo é a nova concepção da estrutura da música. A
Outro Ser? Não, pois o Ser é uno. O Não-Ser? harmonia exprime a relação das partes com o todo. Está
Não, pois o Não-Ser é o nada. Portanto, o Ser nela implícito o conceito matemático de proporção que
não pode acabar. Sem começo e sem fim, o Ser o pensamento grego figura em forma geométrica e
é eterno; intuitiva. A harmonia do mundo é um conceito
admitamos que o Ser não seja imutável, mas complexo em que estão compreendidas a representação
mutável. No que o Ser mudaria? Noutro Ser? da bela combinação dos sons no sentido musical e a do
Não, pois o Ser é uno. No Não-Ser? Não, pois rigor do número, a regularidade geométrica e a
o Não-Ser é o nada. Portanto, se o Ser mudasse, articulação tectônica. A ideia grega de harmonia
tornar-se-ia Não-Ser e desapareceria. O Ser é abrange a arquitetura, a poesia e a retórica, a religião e a
imutável e o devir é uma ilusão de nossos ética.
sentidos. (Adaptado de: JAEGER, W. Paideia: a formação do homem
O que Parmênides afirmava era a diferença entre grego. 4.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001, p.207.)
pensar e perceber. Percebemos a natureza na Com base no texto e nos conhecimentos sobre o
multiplicidade e na mutabilidade das coisas que se surgimento da filosofia e dos primeiros filósofos,
transformam umas nas outras. Mas pensamos o Ser, assinale a alternativa correta.
isto é, a identidade, a unidade, a imutabilidade e a a) A concepção pitagórica de mundo permitiu que os
eternidade daquilo que é em si mesmo. Perceber é ver gregos formassem a consciência de que, na ação prática
aparências. Pensar é contemplar a realidade como dos cidadãos, existe uma norma do que é proporcional,
idêntica a si mesma. Pensar é contemplar o tò on, o Ser. que deve ser seguida também na esfera do direito.
Multiplicidade, mudança, nascimento e b) A filosofia pitagórica do número corresponde à ideia
perecimento são aparências, ilusões dos sentidos. Ao de que os números exprimem relações concretas entre
abandoná-las, a filosofia passou da cosmologia à as coisas, o que possibilita dizer que os fenômenos
ontologia. naturais são reduzidos a relações quantitativas e
calculáveis.
c) Inspirando-se nos estudos sobre a música e na
observação da natureza, Pitágoras concluiu que há uma
relação de proporção entre cosmos e música, qual seja,
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ambas são disformes e caóticas; essa ideia norteará a debate filosófico posterior, em relação ao modo como
concepção pitagórica de ação humana. conceber o ser.
d) O estudo das proporções em música verifica a Para Parmênides e seus discípulos:
existência de uma relação assimétrica entre o número A) A imobilidade é o princípio do não-ser, na medida em
de vibrações e o comprimento das cordas da lira; a que o movimento está em tudo o que existe.
partir disso, Pitágoras estabeleceu a ideia de assimetria B) O movimento é princípio de mudança e a
geométrica rigorosa do cosmos. pressuposição de um não-ser.
e) Pitágoras compreendeu que a diversidade com que a C) Um Ser que jamais muda não existe e, portanto, é
natureza se manifesta permite inferir que a realidade fruto de imaginação especulativa.
última das coisas assenta-se na matéria sensível e no D) O Ser existe como gerador do mundo físico, por isso
modo como as coisas se apresentam aos sentidos a realidade empírica é puro ser, ainda que em
humanos. movimento.
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Anaxágoras (499-428 elementos compostos: nascimento não é mais do que
a. C.), que foi mestre de um nome usado pelos homens”.
Péricles, defendia que o (EMPÉDOCLES. Apud ARANHA/ MARTINS. Filosofando:
princípio gerador de todas as Introdução à Filosofia. 3ª Ed., São Paulo: Moderna, 2006 - p. 86.).
coisas não é único, que a physis A respeito da relação entre mythos e logos (razão) no início
era formada de várias partículas da filosofia grega, analise as assertivas e assinale a
(sementes – espermatas) que se alternativa que aponta as corretas.
agregam e desagregam sendo I. O fragmento acima denota a “luta de forças” opostas
ordenadas por uma inteligência universal. na massa dos membros humanos, que ora unem-se pelo
Com agregar-se das sementes, nascem todas as amor – no início todos os membros que atingiram a
coisas que existem. E em cada uma das coisas que assim corporeidade da vida florescente –, ora divididos pela
se produzem estão presentes, em diversas proporções, força da discórdia, erram separados nas linhas da vida.
todas as sementes, sendo que as que prevalecem Assim ocorre também com todos os outros seres na
determinam as diferenças específicas. natureza.
Isso acontece de tal forma que em todas as II. A verdade filosófica apresenta-se no pensamento de
coisas estão presentes todas as qualidades (“tudo está Empédocles através de uma estrutura lógica muito
em tudo”), e deste modo se explica a razão pela qual as distante da “verdade” expressa nos relatos míticos dos
coisas podem se transformar uma na outra. gregos arcaicos.
III. Nascimento e morte, no texto de Empédocles, são
Demócrito (460-370 a. C.) e Leucipo (séc. V apresentados por meio de representações míticas que o
a. C) eram contemporâneos de Sócrates, mas como o filósofo retira de uma tradição religiosa presente ainda
objeto de suas investigações ainda era a physis, eles são em seu tempo. Essas imagens, consequentemente, se
considerados pré-socráticos. São os fundadores da transpõem, sem deixarem de ser místicas, em uma
Escola Atomista e procuram dar também uma saída filosofia que quer captar a verdadeira essência da
para o impasse de Parmênides sobre a realidade, o Ser. realidade física.
Segundo eles, o ser IV. O fragmento denota continuidade do pensamento
que não nasce, não morre e mítico no início da filosofia, pois estão presentes ainda
não entra em devir, não se o uso de certas estruturas comuns de explicação.
adapta à realidade sensível, a) Apenas II, III e IV estão corretas.
isto é, aos átomos (partes b) Apenas I, III e IV estão corretas.
indivisíveis da physis). c) Apenas I e II estão corretas.
O átomo é uma d) Apenas I e IV estão corretas.
realidade captável apenas com o intelecto, não tem e) Apenas I, II e IV estão corretas.
qualidade, mas apenas forma geométrica, e é
naturalmente dotado de movimento.
As coisas sensíveis nascem, morrem e sofrem
mutação, apenas em virtude da agregação e 6. RUPTURA ENTRE MITO E FILOSOFIA
desagregação dos átomos e, portanto, toda a realidade
pode ser explicada em sentido mecanicista a partir dos Após estudarmos o mito e o surgimento da
átomos e do vazio. filosofia temos de nos confrontarmos com a seguinte
Os atomistas explicaram o conhecimento questão: a filosofia nasceu realizando uma
recorrendo à teoria dos eflúvios, isto é, admitindo a transformação gradual dos mitos gregos ou produzindo
existência de fluxos de átomos que, destacando-se das uma ruptura radical com eles?
coisas, se imprimem sobre os sentidos. Nesse contato, Vimos que o mito narra a origem das coisas por
os átomos semelhantes que estão fora de nós meio de lutas, alianças e relações sexuais entre forças
impressionam os átomos semelhantes que estão em nó, sobrenaturais que governam o mundo e o destino dos
fundando – de modo não diferente d Empédocles – o homens. E que basicamente temos as cosmogonias e
conhecimento. teogonias.
Ao surgir, a filosofia não é uma cosmogonia, e
QUESTÕES sim uma cosmologia, uma explicação racional sobre a
origem do mundo e sobre as causas das transformações
01. (UNICENTRO 2010) Leia o fragmento de um e repetições das coisas.
texto pré-socrático: Os estudiosos chegaram à conclusão de que as
“Ainda outra coisa te direi. Não há nascimento para contradições e limitações dos mitos para explicar a
nenhuma das coisas mortais, como não há fim na morte realidade natural e humana levaram a filosofia a retomá-
funesta, mas somente composição e dissociação dos los, porém reformulando e racionalizando as narrativas
17
15
míticas, transformando-as numa explicação filosófica, que está direcionada para as questões do
inteiramente nova e diferente. tempo presente.
Assim, podemos apontar as três diferenças mais 08) A finalidade dos concursos trágicos, no século V
importantes entre mito e filosofia: a.C., é a de fazer renascer, nos habitantes da polis,
1. O mito pretendia narrar como as coisas eram aspectos do mito, sob a forma do drama.
no passado imemorial, longínquo e fabuloso, voltando- 16) Segundo a elaboração do mito, Édipo é o primeiro
se para o que era antes que tudo existisse tal como no cidadão que defende o livre arbítrio e uma explicação
presente. A filosofia, ao contrário, se preocupa em racional para a permanência, a mudança e a
explicar como e por que, no passado, no presente e no continuidade das coisas.
futuro, as coisas são como são.
2. O mito narrava a origem por meio de 02. (UNICENTRO 2011) Há [...] algo de
genealogias e rivalidades ou alianças entre forças divinas fundamentalmente novo na maneira como os gregos
sobrenaturais e personificadas. A filosofia, ao contrário, puseram a serviço do seu problema último — da origem
explica a produção natural das coisas por elementos e essência das coisas — as observações empíricas que
naturais primordiais (água ou úmido, fogo ou quente, ar receberam do Oriente e enriqueceram com as suas
ou frio, terra ou seco), por meio de causas naturais e próprias, bem como no modo de submeter ao
impessoais (pela combinação, composição e separação pensamento teórico e casual o reino dos mitos, fundado
entre os quatro elementos primordiais). na observação das realidades aparentes do mundo
Assim, por exemplo, o mito falava nos deuses sensível: os mitos sobre o nascimento do mundo.
Urano, Ponto e Gaia; a filosofia fala em céu, mar e terra. (JAEGER, 1995, p. 197).
O mito narrava a origem dos seres celestes, terrestres e Com base no texto e nos conhecimentos sobre a relação
marinhos pelos casamentos de Gaia (a terra) com entre mito e filosofia na Grécia Antiga, é correto
Urano (o céu) e Ponto (o mar). A filosofia explica o afirmar:
surgimento do céu, do mar e da terra e dos seres que A) A filosofia, em que pese ser considerada como
neles vivem pelos movimentos e ações de composição, criação dos gregos, originou-se no Oriente, sob o
combinação e separação dos quatro elementos – úmido, influxo da religião e, apenas posteriormente, alcançou a
seco, quente e frio. Grécia.
3. O mito não se importava com contradições, B) A filosofia representa uma ruptura radical em relação
com o fabuloso e o incompreensível, não só porque aos mitos, tendo sido uma nova forma de pensamento
esses são traços próprios da narrativa mítica, como plenamente racional, desde a sua origem.
também porque a confiança e a crença no mito vinham C) A filosofia e o mito sempre mantiveram uma relação
da autoridade religiosa do narrador. de interdependência, uma vez que o pensamento
A filosofia, ao contrário, não admite filosófico necessita do mito para se expressar.
contradições, fabulação e coisas incompreensíveis, mas D) A filosofia, apesar de ser pensamento racional,
exige que a explicação seja coerente, lógica e racional. desvinculou-se dos mitos de forma gradual.
Além disso, a autoridade da explicação não vem da E) O mito busca respostas para problemas que são
pessoa do filósofo, mas da razão, que é a mesma em objeto da pesquisa filosófica e, nesse aspecto, é
todos os seres humanos. considerado parte integrante da filosofia.
19
17
GABARITO
QUESTÕES MITO
1. a
2. e
3. d
4. 2/4/8/16
QUESTÕES TRAGÉDIA
1. 4/8/16
QUESTÕES MONISTAS
1. a
2. c
3. a
4. d
5. a
6. b
QUESTÕES PLURALISTAS
1. a
QUESTÕES RUPTURA
1. 1/4/8
2. d
3. b
4. b
5. c
6. c
20
18
FILOSOFIA CLÁSSICA • Criou a boulé, que era um conselho de 400
membros escolhidos pela Eclésia, e que tinha a
A maturação e desenvolvimento da filosofia função de criar projetos de leis para serem
clássica ocorre em Atenas devido a uma série de votados por esta;
acontecimentos que passaremos a analisar a seguir. • Deu cidadania a todo aquele que contribuísse
É importante entendermos o contexto histórico com a pólis.
para que as teorias filosóficas desse período possam Ficou decidido que, o que Sólon fizesse não
fazer sentido, pois a Filosofia como construção humana poderia ser modificado por 10 anos. Então, depois de
está limitada a seu tempo e contexto social, embora fazer essas reformas Sólon deixou Atenas, tanto para
muitos queriam fazer parecer que não. não perder sua vida, quanto para não usar de seu
prestígio e tornar-se um tirano.
1 - ATENAS EM QUESTÃO Apesar de profundas, essas reformas trouxeram
ainda mais tensões. E de toda insatisfação emergiu em
Atenas foi fundada pelos jônios na região da 546 a. C. o primeiro tirano de Atenas, Pisístrato.
Ática. Inicialmente esteve sob o regime monárquico, e Nessa época o termo tirano não tinha toda a
depois oligárquico. Era governada pelos Eupátridas carga negativa que tem hoje, e designava apenas uma
(bem nascidos), que além de possuírem as maiores e forma ilegítima de governo. Não é que o tirano fosse
melhores terras, ainda tinham como escravos outros cruel e mandasse cortar a cabeça de quem olhasse torto
atenienses, que foram pequenos proprietários de terras pra ele, é que ele não chegou ao poder com o apoio dos
que não conseguiram saldar suas dívidas. que detinham o poder.
Sem um solo propício para agricultura, e com Pisístrato foi até um bom governante, manteve
um porto (Pireu) estrategicamente localizado no inalteradas as leis de Sólon, construiu grandes obras,
Mediterrâneo, os Atenienses se lançaram ao mar. patrocinou as artes, os jogos e os festivais, e projetou
Tornaram-se grandes marinheiros e desenvolveram o Atenas como grande centro comercial e cultural da
comércio de forma significativa. Grécia.
O comércio enriqueceu muitos atenienses que Seus sucessores foram uns bocós e não
não tinham o sangue azul dos eupátridas e estavam souberam se manter no poder, abrindo espaço
doidos por participação política. A isso, some a novamente para conflitos internos, quando Clístenes
insatisfação dos escravizados por dívidas, dos toma o poder em 510 a. C.
potencialmente escravos, e ainda, rebeliões provocadas Clístenes governou
por estes. Pronto, o barril de pólvora estava cheio e Atenas de 510 a 507 a. C, e
prestes a explodir. ousou muito ao dividir o
Drácon em 620 a. C., tentou acalmar os ânimos território da Ática em 10 tribos,
tornando públicas por meio da escrita, as leis da pólis, e cada tribo em 03 DEMOS.
que antes eram conhecidas só pelos eupátridas. Não Com isso ele queria acabar
adiantou muita coisa. com a influência das
Agora pasmem, em 594 a. C., os grupos tradicionais famílias nobres
dominantes da época, decidiram eleger um homem aristocráticas.
sábio para fazer reformas que pudessem colocar fim ao É claro que para ocupar cargos públicos ainda
clima de guerra que afligia a sociedade ateniense. era necessário ter uma certa quantidade de riqueza,
Escolheram Sólon, um dos sete sábios da como Sólon havia estipulado. Mas cada vez menos isso
Grécia, que instituiu profundas reformas na sociedade. dependia da família a que se pertencia.
Dentre as quais podemos citar: A boulé (que criava projeto de lei) passou a ter
• Perdoou a dívida dos atenienses escravizados, 500 membros. Cada tribo elegia 50, e cada tribo a
e acabou com a escravidão por dívidas; presidia sucessivamente durante o ano. Perceba o salto
• Limitou o tamanho da propriedade; qualitativo nesse regime de participação política que
• Modificou o critério de classificação social, do mais tarde viária a ser chamado de DEMOCRACIA.
nascimento para a riqueza; A Eclésia (assembleia popular) passou também
• Com isso, modificou o critério para a, além de votar, discutir os projetos de lei.
participação nos cargos públicos Provavelmente a boulé tinha mais poderes que a Eclésia
(magistraturas), permitindo a participação no início do processo de construção desse novo regime,
dos comerciantes na política; mas com o tempo a situação se inverteu.
• Permitiu a participação de todos os atenienses O OSTRACISMO foi uma instituição muito
na Assembleia (Eclésia), mesmo o mais famosa criada também por ele. Não era uma pena, mas
pobre; uma forma de defender o novo regime contra
levantes tirânicos. Se uma pessoa estava se tornando
21
1
demasiadamente famosa, prestigiada, e influente, ela era É inegável que toda a glória alcançada por
banida da pólis por um período de 10 anos e depois Atenas teve como sustentação material a submissão das
retornava como se nada tivesse acontecido. outras póleis. No entanto, deve-se deixar bem claro que
Pense bem. Num regime onde todos devem ser apesar da relação dos atenienses com os outros fosse de
iguais, não deve haver essas grandes personalidades, hostilidade, entre eles, imperava os ideais mais nobres
senão, não haveria isonomia, que era a base do sistema. como igualdade, liberdade e justiça. Em virtude disso, a
As reformas provocadas pela legislação de forma de governo que tem por base esses ideais pôde
Clístenes fundam a pólis sobre uma base nova: a antiga florescer em sua plenitude.
organização tribal é abolida e estabelecem-se novas Em Atenas o exercício da atividade política era
relações, não mais baseadas na consanguinidade, mas básico, algo comum na vida de seus habitantes. A
determinadas por nova organização administrativa. Tais participação na tomada de decisões dos assuntos que
modificações expressam o ideal igualitário que prepara dizem respeito à administração da pólis era a principal e
a democracia nascente, pois a unificação do corpo mais nobre atividade que um homem livre poderia se
social abole a hierarquia fundada no poder aristocrático dedicar.
das famílias. Foi nessa época que surgiu na cena política
Essas reformas de Clístenes no sistema político ateniense um grande orador, de família aristocrática, e
de Atenas acabaram influenciando toda a Grécia, e seu excelente estrategista militar.
governo foi a transição entre o período arcaico e o Péricles (495 – 429 a.C.) liderou Atenas em seu
clássico. esplendor (não é à toa que esse século recebeu seu
No período clássico (Sec. V ao IV a. C.), as nome), quando na assembleia, juntamente com seus
Guerras Médicas (os medos faziam parte do povo concidadãos, aprimorou o regime democrático a ponto
Persa, daí o nome) foram o pano de fundo para um de afirmar o seguinte em seu discurso fúnebre:
maior destaque de Atenas dentre todas as póleis gregas. “Nosso regime político não se
Eles já estavam se sentido os maiorais por terem suas propõe tomar como modelo as leis
instituições como modelo do que de melhor se poderia de outros: antes somos modelos que
ter. Agora, iam colocar os músculos para trabalharem. imitadores. Como tudo nesse
Diante dessas invasões as póleis gregas, regime depende não de poucos, mas
persuadidas por Atenas, fizeram uma aliança militar da maioria, seu nome é
conhecida como Liga de Delos. Claro que isso tinha democracia. Nela, enquanto no
um custo, e que ninguém era obrigado a participar. No tocante às leis todos são iguais
entanto, seria bom contar com uma certa segurança não para a solução de suas divergências
é mesmo? particulares, no que se refere à
Inicialmente os recursos obtidos ficaram na ilha atribuição de honrarias o critério
de Delos (por isso o nome), mas com o tempo foram se baseia no mérito e não na
transferidos para Atenas. Mesmo com o fim das categoria a que se pertence...”
ameaças externas a Liga permaneceu, e ninguém mais O primeiro cidadão ateniense instituiu a
poderia dela se desligar, pois Atenas logo interferia. O mistoforia , que era uma justa quantia em dinheiro para
que antes não era obrigação, tornou-se submissão. que mesmo o mais lascado dos homens livres pudesse
Dessa maneira, portanto, Atenas, sob a participar diretamente da administração da cidade.
liderança de um líder democrático, construiria com as Agora, não precisava mais nem ser de família nobre, e
riquezas dos outros a sua ERA DE OURO. Foi nessa nem ter riqueza suficiente para ocupar determinado
época que a cidade foi embelezada com grandes cargo.
templos e obras públicas. Só para se ter uma ideia, o Tal salário era necessário porque esses gregos
Partenon, um dos maiores feitos de arquitetura da acreditavam que todos os cidadãos eram iguais
humanidade, foi erguido nesta época. (isonomia) e por esta razão, tinham direito de se
expressar (isegoria) na assembleia, e de ter
participação no poder (isocracia). Para eles não havia
outra maneira, a única forma de DEMOCRACIA era
a DIRETA.
Basicamente, a estrutura política estava
arquitetada da seguinte forma:
ASSEMBLÉIA – Conselho de cidadãos que
tomavam as decisões mais importantes da pólis. Eles
se reuniam no monte Pinyx (imagem abaixo). Claro
que não tinham essas cadeiras, mas olhe a vista que eles
tinham da acrópole. Imagine os atenienses tomando as
22
2
decisões da pólis com a vista das maravilhas que eles igualdade de todos os homens adultos livres perante as
foram capazes de fazer. Era mesmo algo grandioso. leis, a garantia de todos participarem diretamente no
governo da pólis, e de exprimir, discutir e defender em
público suas opiniões sobre as decisões que a cidade
deveria tomar, faz surgir a figura política do cidadão.
Mas, para conseguir que sua opinião fosse aceita
nas assembleias, o cidadão precisava ser capaz de
persuadir os demais. Com isso, uma mudança profunda
vai ocorrer na educação grega.
Antes da instituição da democracia, as cidades
eram dominadas pelas famílias aristocráticas, senhoras
das terras e do poder militar. Essas famílias criaram um
padrão de educação pelo qual o homem ideal ou
perfeito era o guerreiro belo e bom, típico dos poemas
BOULÉ – Conselho de 500 cidadãos que homéricos.
propunham as leis. Mas quando a economia agrária foi sendo
ESTRATEGO – 10 generais com mandatos de suplantada pelo artesanato e pelo comércio, surgiu nas
01 ano. cidades (particularmente em Atenas) uma classe social
Para todos os cargo públicos uma pessoa só urbana rica que desejava exercer o poder político, até
podia ser eleita uma única vez na vida, para dar então privilégio da classe aristocrática.
oportunidade para outros participarem do poder. Na É para responder aos anseios dessa nova classe
boulé podia-se eleger duas vezes, e para estrategos social que a democracia é instituída. Com ela, o poder
podia ser indefinidas vezes, isso por que esse cargo vai sendo retirado dos aristocratas e passado para os
exigia habilidades especiais de guerra. cidadãos.
Somente podiam participar desses cargos os Dessa maneira, o antigo ideal educativo ou
homems filhos de pais atenienses maiores de 20 anos, pedagógico também foi sendo substituído por outro. O
pois apenas eles eram considerados Zoôn politikons. ideal da educação do Século de Péricles já não é a
Eram membros de famílias aristocráticas, pequenos formação do jovem guerreiro, belo e bom, e sim a
proprietários de terras, comerciantes e artesãos. formação do bom cidadão.
Mas a sociedade ateniense não era formada Ora, qual é o momento em que o cidadão mais
apenas por eles; haviam também os que eram excluidos aparece e mais exerce sua cidadania? Quando opina,
da cidadania. Nesse grupo temos os metecos, que eram discute, delibera e vota nas assembleias. Assim, a nova
os estrangeiros residentes ou não na pólis; as mulheres, educação estabelece como padrão ideal a formação do
que serviam basicamente para cuidar da casa e bom orador, isto é, aquele que sabe falar em público e
reproduzir; e finalmente os escravos, que eram os persuadir os outros na política.
prisioneiros de guerra. Para dar aos jovens essa educação, substituindo
Não por coincidencia, os escravos começaram a educação antiga dos poetas, surgiram, na Grécia, os
a aumentar quando a democracia estava em seu auge. sofistas.
Ora, para haver tempo livre para os cidadãos se
dedicarem à política alguem tinha que ficar trabalhando. 2 - SOFISTAS
Estimasse que eles fossem ¼ da população, no máximo.
Em Atenas não havia tratamento duro com os Os sofistas eram homens que viviam viajando
escravos, não existiam pessoas acorrentadas andando entre as póleis vendendo seu conhecimento, pois não
pelas ruas, chicotadas e esquartejamentos em praça eram ricos para se manter no ócio intelectual. A
pública. Pelo contrário, era muito comum os escravos sofística constitui radical inovação da
serem libertados. Habitantes de outras póleis problemática filosófica, deslocando o eixo das
estranhavam quando andavam nas ruas de Atenas e pesquisas do cosmo para o homem. Inaugurando o
viam escravos andando na rua como se fossem livres. período “humanista” da filosofia grega que tem sua
Nas fazendas e no mercado eles trabalhavam lado a lado razão de ser na crise da aristocracia e a ascensão da nova
com o seu senhor. Não há nenhum registro de rebeliam classe social dos comerciantes.
de escravos em Atenas. A possibilidade de conquista da O século de Péricles (V a.C.) constitui o período
liberdade que estava no horizonte, abrandava a relação áureo da cultura grega, quando a democrática Atenas
entre senhor e escravo. desenvolve intensa vida cultural e artística. Os
Com o florescimento da democracia a pensadores do período clássico, embora ainda discutam
isonomia, a isegoria e a isocracia são características de questões referentes à natureza, desenvolvem o enfoque
grande importância para o futuro da filosofia. A antropológico, abrangendo a moral e a política.
23
3
A palavra sofista, etimologicamente, vem de homens saídos da classe média, faziam das aulas seu
sophos, que significa “sábio”, ou melhor, “professor de ofício, já que não eram suficientemente ricos para
sabedoria”. Posteriormente adquiriu o sentido filosofarem descompromissadamente. Se alguns
pejorativo de “homem que emprega sofismas”, ou seja, sofistas de menor valor podiam ser chamados de
alguém que usa de raciocínio capcioso, de má-fé, com mercenários do saber, isso não poderia ser estendido a
intenção de enganar. todos.
Os sofistas sempre foram mal interpretados Vimos que os primeiros filósofos pré-socráticos
devido às críticas que sobre eles fizeram Sócrates e preocupam-se sobretudo com a natureza, e as
Platão. explicações cosmológicas se desenvolvem em torno da
procura da arché (princípio) de todas as coisas. Entre os
primeiros filósofos não há textos referentes à política.
São os sofistas que irão proceder a
passagem para a reflexão propriamente
antropológica, centrando suas atenções na questão
moral e política. Elaboram teoricamente e legitimam
o ideal democrático da nova classe em ascensão, a dos
comerciantes enriquecidos.
Os sofistas elaboram o ideal teórico da
A imagem, de certa forma caricatural da democracia, valorizada pelos comerciantes em
sofística, tem sido reelaborada no sentido de procurar ascensão, cujos interesses se contrapõem aos da
resgatar a verdadeira importância do seu pensamento. aristocracia rural. Apesar de suas contradições, o ideal
Desde que os sofistas foram reabilitados por Hegel no democrático devia ser justificado. Coube aos sofistas,
século XIX, o período por eles iniciado passou a ser no século V a.C., a função de elaborar a teorização que
denominado Aujklãrung grega (imitando a expressão interessava à nova classe dos comerciantes.
alemã que designa o iluminismo europeu do século Mas a exigência que os sofistas vêm satisfazer
XVIII). não é apenas de ordem teórica, era também de ordem
São muitos os motivos que levaram à visão essencialmente prática, voltada para a vida. Eles são os
deturpada dos sofistas que a tradição nos oferece. Em mestres da nova areté política, e o instrumento desse
primeiro lugar, há enorme diversidade teórica entre os processo será a retórica, ou seja, a arte de bem falar, de
pensadores reunidos sob a designação de sofista. Talvez utilizar a linguagem em um discurso persuasivo,
o que possa identificá-los é o fato de serem instrumento indispensável para o brilhantismo da
considerados sábios e pedagogos. participação no debate público na assembléia
Vindos de todas as partes do mundo grego, democrática.
desenvolvem um ensino itinerante pelos locais em que Isso era tão importante para as novas classes
passam, mas não se fixam em lugar algum. Deve -se a emergentes porque a capacidade de discursar e
isso o gosto pela crítica, o exercício do pensar resultante convencer, era considerada o melhor meio de ascender
da circulação de ideias diferentes. social e politicamente.
Segundo Jaeger, historiador da filosofia, os À virtude (areté) de uma aristocracia guerreira
sofistas exercem influência muito forte, vinculando-se à opõe-se a virtude do cidadão: a maior das virtudes é a
tradição educativa dos poetas Homero e Hesíodo. Eles justiça, e todos, desde que cidadãos da polis, devem ter
deram importante contribuição para a direito ao exercício do poder.
sistematização do ensino. Formaram um currículo de Enquanto na aristocracia predomina a areté
estudos: gramática (da qual foram os iniciadores), ética, para o cidadão ela é política e mais objetiva que a
retórica e dialética; por influência dos pitagóricos, anterior, pois o critério do justo e do injusto se acha na
desenvolveram a aritmética, a geometria, a astronomia lei escrita.
e a música. Através da Paidéia (conceito complexo que só
Essa divisão será retomada no ensino medieval, de forma inadequada pode ser traduzido como
constituindo o triviam (referente aos três primeiros) e o formação da cultura, tradição e educação gregas), os
quadrivium (referente aos quatro últimos). gregos elaboram a nova educação capaz de satisfazer os
Para escândalo de seus contemporâneos, ideais do homem da pólis, e não mais do aristocrata,
costumavam cobrar pelas aulas e por esse motivo superando, assim, os privilégios da antiga educação,
Sócrates os acusava de prostituição. Cabe aqui um para a qual a areté só era acessível aos que pertenciam a
reparo: na Grécia Antiga, apenas os nobres se uma linhagem de origem divina.
ocupavam com o trabalho intelectual, pois gozavam do É bem verdade que esse movimento não se
ócio, ou seja, da disponibilidade de tempo decorrente dirige ao povo em geral, mas a uma elite, àqueles bons
do fato de que o trabalho manual, de subsistência, era oradores que poderiam, nas assembléias públicas, fazer
ocupação de escravos. Ora, os sofistas, geralmente uso da palavra livre e pronunciar discursos
24
4
convincentes e oportunos. Com o brilhantismo da divino, mas decorre do exercício técnico da razão
participação no debate público, deslumbram os jovens humana.
do seu tempo. Desenvolvem o espírito crítico e a Górgias de Leontine (485 a. C. a 380 a. C.)
facilidade de expressão. herda de Parmênides a temática ontológica (o ser existe,
Com frequência os sofistas são acusados de e o não-ser não existe), mas inverte os termos (o ser não
superficialidade e de pronunciar um discurso vazio, um existe, e o não-ser existe). Os pontos chaves de seu
palavreado oco. Talvez essa fama se deva a excessiva pensamento se exprimem nas três proposições
atenção dada por alguns deles ao aspecto formal da seguintes:
exposição e defesa das ideias, já que se achavam tão 1) “O nada existe” – isto se deduz do fato de
preocupados com a persuasão, instrumento por que do ser (do princípio) os filósofos
excelência do cidadão na cidade democrática. precedentes deram definições diversas e
Os melhores deles, no entanto, buscaram opostas, demonstrando com isso, que ele
aperfeiçoar os instrumentos da razão, ou seja, a não existe.
coerência e o rigor da argumentação, porque não basta 2) “Mesmo que existisse, não seria
dizer o que se considera verdadeiro, é preciso cognoscível” – o pensamento, com efeito
demonstrá-lo pelo raciocínio. Pode-se dizer que aí se não se refere necessariamente ao ser – como
encontra o embrião da lógica, mais tarde desenvolvida queria Parmênides -, mas existem coisas
por Aristóteles. pensadas que são não existentes (como, por
Tal como ocorreu com os pré-socráticos, dos exemplo, a quimera).
sofistas só nos restam fragmentos de suas obras, além 3) “Mesmo que fosse pensável, o ser não seria
das referências – como vimos, tendenciosas - feitas por exprimível” – a palavra, sendo um som,
filósofos posteriores. significa quando muito um som, mas não
Os mais famosos sofistas foram: Protágoras, de deriva dos outros sentidos, como por
Abdera (485-411 a.C.); Górgias, de Leôncio, na Sicília exemplo uma cor ou um odor.
(485 -380 a.C.); Híppias, de Élis, e ainda Trasímaco, Esta doutrina toma o nome de “niilismo”,
Pródico, Hipódamos e outros. enquanto põe o nada como fundamento de tudo.
Vejamos agora alguns dos principais sofistas. A palavra, perdendo qualquer relação com o ser,
Protágoras (480-410 não é mais veículo de verdade, mas torna-se portadora
a. C.) foi o primeiro e mais de persuasão e sugestão: se esta ação tem propósito
ilustre dos sofistas. Nascido em prático (por exemplo, convencer o público em uma
Abdera, mudou-se para Atenas assembleia, os juízes em um processo), temos a retórica
onde se tornou muito famoso e (oratória); se, ao invés, tem propósito puramente
requisitado pelas famílias ricas. estético, temos a arte.
Defendia que não havia O maior crédito que se deve atribuir aos sofistas
um conhecimento e uma foi o de ter voltado o debate filosófico da cosmologia,
verdade absoluta sobre as para a área do humano, da pólis, da ética, da política.
coisas, e que o mundo era relativo ao que os homens Pois foi por se contrapor a eles que Sócrates deu início
percebiam dele. Daí sua famosa frase: “o homem é a ao conhecimento filosófico herdado pelo ocidente.
medida de todas as coisas”.
Para cada tese é possível termos argumentos QUESTÕES
contra e a favor, sendo possível com técnica apropriada,
da qual ele se dizia mestre, tornar mais forte o 03. (UNICENTRO 2011) A questão da verdade é
argumento mais fraco. Essa era a virtude do homem, ou encarada pelos sofistas como
seja, sua habilidade primordial. A) um a priori do espírito.
Para seus críticos, sua doutrina é relativista e B) proveniente da divindade.
impossibilita a construção de um saber objetivo no qual C) expressão de poder absoluto.
se pudesse chegar a critérios que estabelecessem e D) produção técnica da racionalidade.
diferenciassem o verdadeiro do falso, o certo do errado. E) expressão absoluta do conhecimento
Tudo dependia de quem ou que grupo estava falando.
As regras sociais, bem como a própria pólis são 04. (UEM 2012) Os sofistas são conhecidos por serem
convenções, e como tal, mudam de acordo com quem os “antifilósofos”, os adversários preferidos dos
as convencionou, sendo, portanto, relativas. primeiros filósofos gregos. Entre as acusações a eles
Para outros, quando Protágoras, diz que "o endereçadas estava que “aboliram o critério, porque
homem é a medida de todas as coisas", esse fragmento afirmam que todas as aparências e todas as opiniões são
deve ser entendido não como expressão do relativismo verdadeiras e que a verdade é algo relativo, pois que
do conhecimento, mas enquanto exaltação da
capacidade de construir a verdade: o logos não mais é
25
5
tudo o que é aparência ou opinião para um indivíduo IV. O ideal do cidadão era expresso pela sua
existe [deste modo] para ele.” participação nas ações e decisões da pólis, o que incluía
(MARQUES, M. P. Os sofistas: o saber em questão. In: a busca da beleza e do equilíbrio entre as formas.
FIGUEIREDO, V. de (Org.) Filósofos na Sala de Aula. São Paulo: Assinale a alternativa correta.
Berlendis & Vertecchia, 2007, v. 2, p. 31).
a) Somente as afirmativas I e IV são corretas.
Sobre a atitude filosófica dos sofistas, é correto afirmar
b) Somente as afirmativas II e III são corretas.
que
c) Somente as afirmativas III e IV são corretas.
01) os sofistas não desejam a busca da verdade, pois
d) Somente as afirmativas I, II e III são corretas.
essa era uma tarefa dos filósofos.
e) Somente as afirmativas I, II e IV são corretas.
02) os sofistas não negavam a verdade, apenas
apontavam os problemas relativos à sua aquisição.
06. O homem é a medida de todas as coisas. Das coisas
04) os sofistas apresentavam, com suas
que são o que são e das coisas que não são o que não
contraargumentações, problemas relevantes para os
são. A frase acima é atribuída a Protágoras, um dos mais
filósofos.
celébres sofistas. A partir dela deve-se inferir que um
08) filósofos e sofistas perfazem duas personagens
dos traços distintivos de sua filosofia é o
relevantes da filosofia na Grécia antiga.
A) positivismo.
16) os sofistas pretendiam desmascarar os filósofos na
B) relativismo.
sua capacidade de desvirtuar e iludir a juventude.
C) dogmatismo.
D) humanismo.
05. (UEL) Observe a figura e responda à questão.
E) niilismo.
QUESTÕES
O legado de Sócrates
01. (UFU) O método argumentativo de Sócrates (469
Podemos encontrar algumas características – 399 a.C.) consistia em dois momentos distintos: a
gerais do período socrático: ironia e a maiêutica. Sobre a ironia socrática, pode-se
A filosofia se volta para as questões afirmar que:
humanas no plano da ação, dos comportamentos, das I – Torna o interlocutor um mestre na argumentação
ideias, das crenças, dos valores e, portanto, se preocupa
sofística.
com as questões morais e políticas.
A filosofia parte da confiança no II – Leva o interlocutor à consciência de que seu saber
pensamento ou no homem como um ser racional, capaz era baseado em reflexões, cujo conteúdo era repleto de
de conhecer-se a si mesmo e, portanto, capaz de conceitos vagos e imprecisos.
reflexão. III – tinha um caráter purificador, à medida que levava
Como se trata de conhecer a capacidade o interlocutor confessar suas próprias contradições e
de conhecimento do homem, os filósofos procuram ignorâncias.
estabelecer procedimentos que garantam que se
IV – tinha um sentido depreciativo e sarcástico da
encontre a verdade. Isto é, considera-se que o
pensamento deve oferecer a si mesmo caminhos posição do interlocutor.
próprios, critérios próprios e meios próprios para saber Assinale:
a) se apenas a afirmação III é correta.
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10
b) Se as afirmações I e IV são corretas. Na Apologia de Sócrates, a acusação contra o filósofo
c) Se apenas a afirmação IV é correta. é assim enunciada:
d) Se as afirmações II e III são corretas. Sócrates [...] é culpado de corromper os moços e não
acreditar nos deuses que a cidade admite, além de
02. (UFU) O trecho abaixo faz uma referência ao aceitar divindades novas (24b-c).
Ao final do escrito de Platão, Sócrates diz aos juízes:
procedimento investigativo adotado por Sócrates. Mas, está na hora de nos irmos: eu, para morrer; vós,
“O fato é que nunca ensinei pessoa alguma. Se alguém para viver. A quem tocou a melhor parte, é o que
deseja ouvir-me quando falo ou me encontro no nenhum de nós pode saber, exceto a divindade. (42a).
desempenho de minha missão, quer se trate de moço (PLATÃO. Apologia de Sócrates. Trad. Carlos Alberto Nunes.
Belém: EDUFPA, 2001. p. 122-23; 147.)
ou velho (...) me disponho a responder a todos por
Com base no texto e nos conhecimentos sobre a
igual, assim os ricos como os pobres, ou se o disputa entre filosofia e tradição presente na
preferirem, a formular-lhes perguntas, ouvindo eles o condenação de Sócrates, assinale a alternativa correta.
que lhes falo.” a) O desprezo socrático pela vida, implícito na
PLATÃO. Apologia de Sócrates. Belém: EDUFPA, 2001. resignação à sua pena, é reforçado pelo reconhecimento
Marque a alternativa que melhor representa o “método” da soberania do poder dos juízes.
socrático. b) A aceitação do veredito dos juízes que o condenaram
a) Sócrates nada ensina porque apenas transmite aquilo à morte evidencia que Sócrates consentiu com os
argumentos dos acusadores.
que ouve do seu daímon. Seu procedimento consiste em
c) A acusação a Sócrates pauta-se na identificação da
discursar, igualmente para qualquer ouvinte, com insuficiência dos seus argumentos, e a corrupção que
longos discursos demonstrativos retirados da tradição provoca resulta das contradições do seu pensamento.
poética ou com perguntas que levam o interlocutor a d) A crítica de Sócrates à tradição sustenta-se no
fazer o mesmo. A ironia é o expediente utilizado contra repúdio às instituições que devem ser abandonadas em
os adversários, cujo objetivo é somente a disputa verbal. benefício da liberdade de pensamento.
b) A profissão de ignorância e a ironia de Sócrates e) A sentença de morte foi aceita por Sócrates porque
morrer não é um mal em si e o livre pensar permite
fazem parte do seu procedimento geral de refutação por apreender essa verdade.
meio de perguntas e respostas breves (o élenkhos), e
constituem um meio de reverter os argumentos do 04. (UFU 2013) O diálogo socrático de Platão é obra
interlocutor para fazê-lo cair em contradição. A baseada em um sucesso histórico: no fato de Sócrates
refutação socrática revela a presunção de saber do ministrar os seus ensinamentos sob a forma de
adversário, pela insuficiência de suas definições e perguntas e respostas. Sócrates considerava o diálogo
como a forma por excelência do exercício filosófico e o
pela aporia.
único caminho para chegarmos a alguma verdade
c) Sócrates nunca ensina pessoa alguma, porque a legítima.
profissão de ignorância caracteriza o modo pelo qual De acordo com a doutrina socrática,
encoraja seus discípulos a adquirirem sabedoria A) a busca pela essência do bem está vinculada a uma
diretamente do deus do Oráculo de Delfos. A ironia visão antropocêntrica da filosofia.
socrática é uma dissimulação que, pela zombaria, revela B) é a natureza, o cosmos, a base firme da especulação
as verdadeiras disposições do pequeno número dos que filosófica.
C) o exame antropológico deriva da impossibilidade do
se encontram aptos para a Filosofia.
autoconhecimento e é, portanto, de natureza sofística.
d) Sócrates nunca ensina pessoa alguma sem antes D) a impossibilidade de responder (aporia) aos dilemas
testar sua aptidão filosófica por meio de perguntas e humanos é sanada pelo homem, medida de todas as
respostas. Seu procedimento consiste em destruir as coisas.
definições do adversário por meio da ironia. A
ignorância socrática encoraja o adversário a revelar suas 05. (UFU 2012) Leia o trecho abaixo, que se encontra
opiniões verdadeiras que, pela refutação, dão a medida na Apologia de Sócrates de Platão e traz algumas das
concepções filosóficas defendidas pelo seu mestre.
da aptidão para a vida filosófica.
Com efeito, senhores, temer a morte é o mesmo que se
03. (UEL 2018) Sócrates, Giordano Bruno e Galileu supor sábio quem não o é, porque é supor que sabe o
foram pensadores que defenderam a liberdade de que não sabe. Ninguém sabe o que é a morte, nem se,
pensamento frente às restrições impostas pela tradição. porventura, será para o homem o maior dos bens; todos
a temem, como se soubessem ser ela o maior dos males.
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A ignorância mais condenável não é essa de supor saber 07. (UNICENTRO 2010) De acordo com muitos
o que não se sabe? interpretes, Sócrates (470-399 a.C.) é considerado o
Platão, A Apologia de Sócrates, 29 a-b, In. HADOT, P. O que é a Filosofia
Antiga? São Paulo: Ed. Loyola, 1999, p. 61.
primeiro filósofo da ética. Qual das alternativas abaixo
Com base no trecho acima e na filosofia de Sócrates, NÃO caracteriza corretamente seu pensamento.
assinale a alternativa INCORRETA. A) Sócrates transporta a antiga especulação racional
A) Sócrates prefere a morte a ter que renunciar a sua para o terreno ateniense da moralidade, tentando
missão, qual seja: buscar, por meio da filosofia, a superar a crise dos valores de Atenas para dar
verdade, para além da mera aparência do saber. novamente à sua moral um fundamento sólido porque
B) Sócrates leva o seu interlocutor a examinar-se, pessoal (não-Estatal) e racional (não-religioso).
fazendo-o tomar consciência das contradições que traz B) De física, nossa interpretação torna-se moral, de
consigo. meditação solitária, torna-se diálogo. Assim, Sócrates,
C) Para Sócrates, pior do que a morte é admitir aos filósofo urbano, vai onde estão os atenienses: nos
outros que nada se sabe. Deve-se evitar a ignorância a banquetes, no ginásio, sobretudo na ágora, coração da
todo custo, ainda que defendendo uma opinião não cidade e centro de encontros.
devidamente examinada. C) Com Sócrates a moral se torna uma questão de
D) Para Sócrates, o verdadeiro sábio é aquele que, Estado. Vivendo o apogeu da cidade de Atenas, em
colocado diante da própria ignorância, admite que nada pleno século V a.C., Sócrates faz de Atenas a
sabe. Admitir o não-saber, quando não se sabe, define “civilização do discurso político”, lugar onde todo
o sábio, segundo a concepção socrática. projeto, toda decisão importante, passa pela discussão
pública em comum.
06. (UFU 2007) O trecho seguinte, do diálogo D) Para a moral grega – que era outrora uma questão
de crenças, que fazia parte das coisas indiscutíveis –,
platônico Górgias, refere-se ao modo de filosofar de
Sócrates busca um fundamento mais estável do que os
Sócrates. costumes relativos e as normas efêmeras: um
“Assim, Cálicles, desmanchar o nosso convênio e te fundamento racional, baseado na interrogação e
desqualificas para investigar comigo a verdade, se discussão individual.
externares algo com tua maneira de pensar” E) Sócrates domina a arte sutil do diálogo, a dialética,
PLATÃO. Górgias. Trad. Carlos Alberto Nunes. Belém: jogo de espírito e de finura, feito de fintas e de esquivas,
EDUFPA, 2002, p. 198, 495a. torneio de argumentadores pleno de subentendidos e
Marque a alternativa que expressa corretamente o de alusões. Nesse terreno, o da interrogação moral,
procedimento empregado por Sócrates. interessa a Sócrates apenas isto: o que os homens dizem
a) A base da filosofia socrática é a procura da acerca do que fazem e como justificam o que querem.
perfeição da alma, mediante o exame de si mesmo e dos 08. (UNICENTRO 2011) Sócrates foi um dos mais
concidadãos, que é a condição da excelência moral. A importantes filósofos da Antiguidade. Para ele, a
refutação socrática é, sobretudo, um modo de testar a filosofia não era um simples conjunto de teorias, mas
verdade da excelência da vida. uma maneira de viver. Sobre o pensamento e a vida de
b) A base da filosofia socrática é a procura da Sócrates, é correto afirmar:
verdade acerca do conhecimento da Natureza e da A) Sócrates acreditava que passar a vida filosofando,
isto é, a examinar a si mesmo e a conduta moral das
maneira de pensar sobre os princípios racionais que
pessoas, era uma missão divina, na qual um deus pessoal
governam o cosmos a partir do conhecimento o auxiliava.
acumulado pelos filósofos anteriores. B) Nas conversações que mantinha nos lugares
c) A base da filosofia socrática é a refutação, a partir públicos, da Atenas do século V a.C., Sócrates repetia
de um convênio em busca da verdade, de todas as nada saber para, assim, não responder às questões que
proposições de seus interlocutores com o intuito de formulava e motivar seus interlocutores a darem conta
demonstrar que o conhecimento das questões morais é de suas opiniões.
C) Em polêmica com Aristóteles, para quem a cidade
impossível.
nasce de um acordo ou de um contrato social, Sócrates
d) A base da filosofia socrática é a educação escreveu a “República”, na qual demonstra ser o
mediante os discursos políticos e jurídicos encenados homem um animal político.
nos tribunais atenienses. Sócrates parte das proposições D) O exercício da filosofia, para Sócrates, consistia em
dos adversários para encontrar um discurso oposto que questionar e em investigar a natureza dos princípios e
seja retoricamente persuasivo. dos valores que devem governar a vida e, devido a esse
comportamento, contraiu inimizades de homens
poderosos, que o executaram sob a acusação de
impiedade e de corromper a juventude.
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E) A maiêutica socrática é a arte de trazer à luz, por 11. (UNICENTRO 2013) Ao dizer-se “parteiro das
meio de perguntas e de respostas, a verdade ou os almas”, Sócrates queria dizer que
conhecimentos mais importantes à vida que cada A) a verdade não está fora de nós, mas dentro de nós.
pessoa retém em sua alma. B) não existe uma única verdade, mas verdades, no
plural.
09. (UNICENTRO 2012) Sobre o pensamento C) o pensamento deve deslocar-se da contemplação
socrático, analise as afirmativas e marque com V, as interior para a contemplação exterior.
verdadeiras e com F, as falsas. D) devemos contemplar a verdade na natureza.
( ) Sócrates é autor da obra Ética a Nicômaco. E) era o pai das ideias que nasciam da alma de seu
( ) O pensamento socrático está escrito em hebraico. interlocutor, devendo ajudá-lo a realizar seus sonhos.
( ) A ironia e a maiêutica são as bases de sua filosofia.
( ) Sócrates não criticou o saber dogmático, sendo, por
isso, conselheiro dos governantes de Atenas.
4. PLATÃO
( ) Os diálogos platônicos são importantes textos
Platão (427 – 347 a. C.)
filosóficos que relatam, na maioria, o pensamento de
foi o maior discípulo de
Sócrates.
Sócrates, era um homem de
A partir da análise dessas afirmativas, a alternativa que
família aristocrática e influente
indica a sequência correta, de cima para baixo, é a
na política. Como todo jovem
A) F V F V V
ateniense, era um entusiasta do
B) V F V V F
regime democrático até
C) F F V F V
conhecer seu mestre aos vinte
D) V F F F V
anos de idade.
E) F V V V F
Sob influência de
Sócrates passou a ser também
10. (UNICENTRO 2013) Analise as assertivas e
crítico do regime, e depois de
assinale a alternativa que aponta as corretas.
sua morte deixou de acreditar na possibilidade de uma
I. Assim como os sofistas, Sócrates dizia que a verdade
vida justa e feliz. Deixou Atenas para fazer uma longa
existe e podemos conhecê-la. Eis porque suas preleções
viagem, quando voltou e fundou a Academia, onde
eram aulas onde essa verdade era ensinada. Tais
pôde desenvolver suas teorias e repassá-las a seus vários
preleções eram solilóquios, isto é, apenas Sócrates
discípulos.
falava enquanto os outros o escutavam.
Escrevendo, Platão reproduziu o método
II. Tanto para Sócrates quanto para os sofistas, o
dialógico socrático, fundando novo gênero literário:
conhecimento não é um estado (o estado da sabedoria),
deste modo seu filosofar assume uma dinâmica
mas um processo, uma busca, uma procura da verdade.
socrática, na qual o próprio leitor é envolvido na tarefa
Isso não significa que a verdade não exista, e sim que
de extrair maieuticamente a solução dos problemas
deve ser procurada e que sempre será maior do que nós.
suscitados e não explicitamente resolvidos.
III. Como os sofistas, Sócrates se interessa pela virtude.
Platão recupera, além disso, o valor
Todavia, os sofistas, mantendo-se no plano dos
cognoscitivo do mito como complemento do logos: a
costumes estabelecidos, falavam da virtude no plural,
filosofia platônica se torna, na forma do mito, uma
isto é, falavam de virtudes (coragem, temperança,
espécie de fé raciocinada, no sentido de que, quando a
amizade, justiça, piedade, prudência), mas Sócrates fala
razão chega aos limites extremos de suas capacidades,
no singular: a virtude.
deve superar intuitivamente tais limites, desfrutando as
IV. Diferentemente dos sofistas, Sócrates mantém a
possibilidades que se lhe oferecem na dimensão da
separação entre aparência e realidade, entre percepção
imagem e do mito.
sensorial e pensamento. Por isso, sua busca visa
Na busca de um conhecimento verdadeiro,
alcançar algo muito preciso: passar da multiplicidade
buscou um meio de contornar o beco sem saída deixado
das aparências opostas, da multiplicidade das
por Heráclito e Parmênides. Grande parte de suas ideias
percepções divergentes, à unidade da ideia (que é a
estão escritas em sua mais famosa obra, A República.
definição universal e necessária da coisa procurada).
A) Apenas I e III.
4.1 Metafísica
B) Apenas II e III.
C) Apenas IV.
Platão considerou que Parmênides tinha razão
D) Apenas III e IV.
no que se refere ao mundo material e sensível, mundo
E) Apenas II, III e IV.
das imagens e das opiniões. A matéria, diz Platão, é, por
essência e por natureza, algo imperfeito, que não
consegue manter a identidade das coisas, mudando sem
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13
cessar, passando de um estado a outro, contrário ou subsistem em si e por si em um sistema hierárquico bem
oposto. organizado, e que constituem o verdadeiro Ser.
Assim, do mundo material só nos chegam as O mundo sensível é o mundo das coisas. O
aparências das coisas e sobre ele só podemos ter mundo das ideias é o mundo do Ser; o mundo sensível
opiniões contrárias e contraditórias. das coisas é o mundo do Não-Ser. O mundo sensível é
Por esse motivo, diz Platão, Parmênides está uma sombra, uma cópia deformada ou imperfeita do
certo ao exigir que a filosofia abandone esse mundo mundo das ideias. Mas como foi que aconteceu essa
sensível e ocupe-se com o mundo verdadeiro, invisível cópia? Como explicar a gênese das coisas do mundo?
aos sentidos e visível apenas ao puro pensamento. O Geralmente os gregos consideram a matéria
verdadeiro é o Ser, uno, imutável, idêntico a si mesmo, eterna, não-criada. Também Platão atribui a um
eterno, imperecível, puramente inteligível. Demiurgo, enquanto princípio que organiza a matéria
Eis por que a ontologia platônica introduz uma pré-existente, a função de pôr ordem no Caos inicial.
divisão, afirmando a existência de dois mundos
inteiramente diferentes e separados: o mundo sensível
da mudança, da aparência, do devir dos contrários, e o
mundo inteligível (da ideia/das formas) da
identidade, da permanência, da verdade, conhecido pelo
intelecto puro, sem nenhuma interferência dos sentidos
e das opiniões.
Na tradição de Parmênides e Platão, a filosofia
grega estabelece a hierarquia entre razão e sentidos,
indicando que a razão atinge com dificuldade o
verdadeiro conhecimento por causa da deformação que
os sentidos inevitavelmente provocam. Por isso, cabe à
razão depurar os enganos que os sentidos nos levam a
cometer, para que o espírito possa atingir a verdadeira
contemplação das ideias. A teoria cosmológica de Platão se encontra
Para Platão, se o homem permanecesse sobretudo no diálogo Timeu. Em algumas passagens,
dominado pelos sentidos, só poderia ter um pode-se interpretar que esse princípio divino é também
conhecimento imperfeito, restrito ao mundo dos identificado à ideia do Bem e, como tal, é o fim último
fenômenos, das coisas que são meras aparências e que para onde tendem todas as coisas, na busca da
estão em constante fluxo. A esse conhecimento Platão perfeição.
chama de doxa (opinião). Mas existe uma diferença entre a ontologia de
O verdadeiro conhecimento, a episteme Parmênides e a de Platão. Para o primeiro, o mundo
(ciência), é, ao contrário, aquele pelo qual a razão sensível das aparências é o Não-Ser em sentido forte,
ultrapassa o mundo sensível e atinge o mundo das isto é, não existe, não tem realidade nenhuma, é o nada.
ideias, lugar das essências imutáveis de todas as coisas, Para Platão, porém, o Não-Ser não é o puro nada. Ele
dos verdadeiros modelos (arquétipos). é alguma coisa. O que ele é? Ele é o outro do Ser, o que
Esse é o único mundo verdadeiro, e o mundo é diferente do Ser, o que é inferior ao Ser, o que nos
sensível só existe enquanto participa do mundo das engana e nos ilude, a causa dos erros. Em lugar de ser
ideias, do qual é apenas sombra ou cópia. um puro nada, o Não-Ser é um falso ser, uma sombra
Tudo que existe nesse mundo material é porque do Ser verdadeiro, aquilo que Platão chama de
tem sua ideia no mundo superior. Apesar da Pseudosser.
multiplicidade com que ela possa aparecer no mundo Há ainda outra diferença importante entre a
sensível, a ideia é uma só, indestrutível e eterna. ontologia de Parmênides e a de Platão. O primeiro
Segundo afirmava que o Ser, além de imutável, eterno e idêntico
Platão, apesar de a si mesmo, era único ou uno. Havia o Ser. Qual o
existirem diferentes problema dessa afirmação parmenideana?
tipos de cavalo, a ideia Se Parmênides não admitia a multiplicidade
de cavalo é uma só. infinita de seres contrários uns aos outros e a si mesmos
Quando pensamos do devir heraclitiano, visto que o pensamento exige a
em cavalo, pensamos identidade do pensado, o que restava à filosofia ao se
a ideia e não admitir uma identidade una-única? Só lhe restava pensar
determinado cavalo. Um cavalo só é cavalo na medida e dizer três frases: “o Ser é”, “o Não-Ser não é” e “o Ser
em que participa da ideia de “cavalo em si”. é uno, idêntico, eterno e imutável”. Assim, Parmênides
As ideias platônicas não são simples conceitos paralisava a filosofia.
mentais, mas são “entidades” ou “essências” que
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Se a filosofia quisesse prosseguir como Cabe à filosofia passar das cópias imperfeitas
investigação da verdade e se tivesse mais objetos a aos modelos perfeitos, abandonando as imagens pelas
conhecer, era preciso quebrar essa unidade-unicidade essências, as opiniões pelas ideias, as aparências pelas
do Ser. Foi o que fez Platão. O que disse ele? essências.
Em primeiro lugar, seguindo Sócrates e os Mas como fazer isso? Como conhecer esse
sofistas, Platão distinguiu três sentidos para a palavra mundo ideal e verdadeiro para viver de acordo com o
ser: que é bom e justo nesse mundo de erros, se eu estou
1 - o sentido de substantivo, isto é, de nesse segundo e tudo que percebo vem dele?
realidade existente (‘o ser’, ‘um ser’); O pensamento, empregando a dialética, deve
2 - o sentido verbal forte, em que é significa passar da instabilidade contraditória das coisas sensíveis
‘existe’ e ser quer dizer ‘existência’ (“O homem é”, isto à identidade racional das coisas inteligíveis.
é, “existe”); e
3 - o sentido verbal mais fraco, predicativo, 4.2 Dialética
em que o verbo ser é o verbo de ligação, isto é, o verbo
que permite ligar um sujeito e seu predicado (“O Para Platão, conhecimento é anamnese, isto é,
homem é mortal”). recordação de verdades desde sempre conhecidas pela
Em segundo lugar, afirmou que, no sentido alma e que reemergem de vez em quando na experiência
forte de ser (isto é, como substantivo e como verbo concreta. Ele apresenta esta teoria do conhecimento
existencial), existem múltiplos seres e não um só, mas tanto em modo mítico (as almas são imortais e
cada um deles possui os atributos do Ser de Parmênides contemplaram as ideias antes de descer nos corpos –
(identidade, unidade, eternidade, imutabilidade). Esses teoria da reminiscência da alma) quanto em modo
seres são as ideias ou formas inteligíveis, totalmente dialético (todo homem pode aprender por si verdades
imateriais, que constituem o mundo verdadeiro, o antes ignoradas, como por exemplo, os teoremas
mundo inteligível. matemáticos).
Em terceiro lugar, afirmou que, no sentido mais Platão afirma que somente pela dialética é
fraco do verbo ser, isto é, como verbo de ligação, cada possível alcançar gradativamente o que é verdadeiro, e
ideia é um ser real, que possui um conjunto de passar das ilusões ao real, ou seja, da simples opinião
predicados reais ou de propriedades essenciais e que a (em grego doxa) para a ciência (em grego episteme).
fazem ser o que ela é em si mesma. Uma ideia é (existe) Importante deixar claro que a dialética Platônica é o que
e uma ideia é uma essência ou conjunto de qualidades a etimologia da palavra sugere, um diálogo crítico em
essenciais que a fazem ser o que ela é necessariamente. busca da verdade que se passa do senso comum ao
Por exemplo, a justiça é (há a ideia de justiça) e há seres conhecimento verdadeiro.
humanos que são justos (possuem o predicado da Como a própria palavra indica, dialética é um
justiça como parte de sua essência). diálogo, um discurso compartilhado por dois
Dessa maneira, cada ideia, em si mesma, é como interlocutores, ou uma conversa em que cada um possui
o Ser de Parmênides: una, idêntica a si mesma, eterna e opiniões opostas sobre alguma coisa e deve discutir ou
imutável — uma ideia é. Ao mesmo tempo, cada ideia argumentar com o outro de modo a superar essa
difere de todas as outras pelo conjunto de qualidades ou oposição e chegar à unidade de uma ideia que é a mesma
propriedades internas e necessárias pelas quais ela é para ambos e para todos os que buscam a verdade.
uma essência determinada, diferente das demais (a ideia Deve-se passar de imagens contraditórias a
de homem é diferente da ideia de planeta, que é conceitos idênticos para todos os pensantes. Em outras
diferente da ideia de beleza, etc.). palavras, a dialética é um procedimento com o qual
A tarefa da filosofia é dupla: passamos das opiniões contrárias à identidade da ideia,
1. deve conhecer quais ideias existem, isto é, das oposições do devir à unidade da essência.
quais ideias são; A dialética platônica é um procedimento
2. deve conhecer quais são as qualidades ou intelectual e linguístico que parte de alguma coisa que
propriedades essenciais de uma ideia, isto é, o que uma deve ser separada ou dividida em duas partes contrárias
ideia é, sua essência. ou opostas, de modo que se conheça sua contradição e
As ideias ou formas inteligíveis (ou essências se possa determinar qual dos contrários é verdadeiro e
inteligíveis), diz Platão, são seres perfeitos e, por isso, qual é falso. A cada divisão surge um par de contrários,
tornam-se modelos inteligíveis ou paradigmas que devem ser separados e novamente divididos, até
inteligíveis perfeitos que as coisas sensíveis materiais que se chegue a um termo indivisível, isto é, não
tentam imitar imperfeitamente. formado por nenhuma oposição ou contradição: este
O sensível é, pois, uma imitação imperfeita do será a ideia verdadeira ou a essência da coisa investigada.
inteligível: as coisas sensíveis são imagens das ideias, são Partindo de sensações, imagens, opiniões
Não-Seres tentando inutilmente imitar a perfeição dos contraditórias sobre alguma coisa, a dialética vai
seres inteligíveis. separando os opostos em pares, mostrando que um dos
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termos é ilusório e o outro, verdadeiro, até chegar à Depois, ele volta para alertar os outros de sua
essência da coisa. condição, mesmo sabendo que eles podem não
Superar os contraditórios e chegar ao que é acreditar no que ele estava dizendo. Alguns dizem que
sempre idêntico a si mesmo é a tarefa da discussão ele está louco e outros decidem acompanhá-lo.
dialética, que revela o mundo sensível como
heraclitiano (a luta dos contrários, a mudança O Mito da Caverna
incessante) e o mundo inteligível como parmenidiano
(a perene identidade de cada ideia ou de cada essência). Depois disto – prossegui eu – imagina a nossa
Caberá ao sábio, ao filósofo, empreender a natureza, relativamente à educação ou à sua falta, de
caminhada desde o mundo obscuro das sombras da acordo com a seguinte experiência. Suponhamos uns
realidade sensível até a proximidade da luz representada homens numa habitação subterrânea em forma de
pela ideia do Bem. Ou seja, elevar o conhecimento de caverna, com uma entrada aberta para a luz, que se
simples opinião (que é o conhecimento do vir-a-ser) a estende a todo o comprimento dessa gruta. Estão lá
ciência (que é o conhecimento do ser verdadeiro). dentro desde a infância, algemados de pernas e
Para que esse processo do conhecimento seja pescoços, de tal maneira que só lhes é dado permanecer
possível, é necessário o estudo da matemática. Aliás, no no mesmo lugar e olhar em frente; são incapazes de
pórtico da Academia de Platão existia um dístico com voltar a cabeça, por causa dos grilhões; serve-lhes de
os seguintes dizeres: "Não entre aqui quem não souber iluminação um fogo que se queima ao longe, numa
geometria". Isso porque a matemática descreve as eminência, por detrás deles; entre a fogueira e os
realidades não sensíveis e é capaz de se dissociar dos prisioneiros há um caminho ascendente, ao longo do
sentidos e da prática; na geometria, a figura sobre a qual qual se construiu um pequeno muro, no gênero dos
raciocinamos independe da figura sensível que tapumes que os apresentadores de fantoches colocam
representa. diante do público, para mostrarem as suas habilidades
Além disso, os gregos têm uma tradição de por cima deles.
aplicação desinteressada da matemática na astronomia – Estou a ver – disse ele.
e na música. Desde Pitágoras eram estudadas as – Visiona também ao longo deste muro,
relações proporcionais entre os diferentes homens que transportam toda a espécie de objetos, que
comprimentos da corda, bem como as alterações de o ultrapassam: estatuetas de homens e de animais, de
tensão ou espessura que mudam os sons emitidos pela pedra e de madeira, de toda a espécie de lavor; como é
lira. Portanto, a matemática e a geometria são natural, dos que os transportam, uns falam, outros
consideradas como prelúdio da ciência que é a dialética, seguem calados.
graças à qual o filósofo poderá chegar ao conhecimento – Estranho quadro e estranhos prisioneiros são
das essências. esses de que tu falas – observou ele.
Ele ilustra essa passagem do falso – Semelhantes a nós – continuei -. Em primeiro
(opinião/doxa) ao real (ciência/ episteme) pela alegoria lugar, pensas que, nestas condições, eles tenham visto,
do mito da caverna. Aqueles caras deitados no chão de si mesmo e dos outros, algo mais que as sombras
nasceram e cresceram ali, e a única coisa que eles viam projetadas pelo fogo na parede oposta da caverna?
eram aquelas sombras. Por nunca terem visto outra – Como não – respondeu ele – se são forçados
coisa, eles julgavam que aquelas sombras eram os a manter a cabeça imóvel toda a vida?
objetos verdadeiros. – E os objetos transportados? Não se passa o
mesmo com eles?
– Sem dúvida.
– Então, se eles fossem capazes de conversar
uns com os outros, não te parece que eles julgariam
estar a nomear objetos reais, quando designavam o que
viam?
– É forçoso.
– E se a prisão tivesse também um eco na
parede do fundo? Quando algum dos transeuntes
falasse, não te parece que eles não julgariam outra coisa,
senão que era a voz da sombra que passava?
Só que um dia, um deles consegue se soltar e – Por Zeus, que sim!
sair da caverna. Lá fora, ele não consegue enxergar nada – De qualquer modo – afirmei – pessoas nessas
porque é quase cegado pela luz do sol. Aos poucos ele condições não pensavam que a realidade fosse senão a
vai conseguindo ver as coisas e se dá conta que aquilo sombra dos objetos.
que viam na caverna eram apenas as sombras, que eles – É absolutamente forçoso – disse ele.
tomavam por verdadeiro aquilo que era falso.
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– Considera pois – continuei – o que – E as honras e elogios, se alguns tinham então
aconteceria se eles fossem soltos das cadeias e curados entre si, ou prêmios para o que distinguisse com mais
da sua ignorância, a ver se, regressados à sua natureza, agudeza os objetos que passavam e se lembrasse melhor
as coisas se passavam deste modo. Logo que alguém quais os que costumavam passar em primeiro lugar e
soltasse um deles, e o forçasse a endireitar-se de quais em último, ou os que seguiam juntos, e àquele que
repente, a voltar o pescoço, a andar e a olhar para a luz, dentre eles fosse mais hábil em predizer o que ia
ao fazer tudo isso, sentiria dor, e o deslumbramento acontecer – parece-te que ele teria saudades ou inveja
impedi-lo-ia de fixar os objetos cujas sombras via das honrarias e poder que havia entre eles, ou que
outrora. Que julgas tu que ele diria, se alguém lhe experimentaria os mesmos sentimentos que em
afirmasse que até então ele só vira coisas vãs, ao passo Homero, e seria seu intenso desejo “servir junto de um
que agora estava mais perto da realidade e via de homem pobre, como servo da gleba”, e antes sofrer
verdade, voltado para objetos mais reais? E se ainda, tudo do que regressar àquelas ilusões e viver daquele
mostrando-lhe cada um desses objetos que passavam, o modo?
forçassem com perguntas a dizer o que era? Não te – Suponho que seria assim – respondeu – que
parece que ele se veria em dificuldades e suporia que os ele sofreria tudo, de preferência a viver daquela
objetos vistos outrora eram mais reais do que os que maneira.
agora lhe mostravam? – Imagina ainda o seguinte – prossegui eu –. Se
– Muito mais – afirmou. um homem nessas condições descesse de novo para o
– Portanto, se alguém o forçasse a olhar para a seu antigo posto, não teria os olhos cheios de trevas, ao
própria luz, doer-lhe-iam os olhos e voltar-se-ia, para regressar subitamente da luz do Sol?
buscar refúgio junto dos objetos para os quais podia – Com certeza.
olhar, e julgaria ainda que estes eram na verdade mais – E se lhe fosse necessário julgar daquelas
nítidos do que os que lhe mostravam? sombras em competição com os que tinham estado
– Seria assim – disse ele. sempre prisioneiros, no período em que ainda estava
– E se o arrancassem dali à força e o fizessem ofuscado, antes de adaptar a vista – e o tempo de se
subir o caminho rude e íngreme, e não o deixassem habituar não seria pouco – acaso não causaria o riso, e
fugir antes de o arrastarem até à luz do Sol, não seria não diriam dele que, por ter subido ao mundo superior,
natural que ele se doesse e agastasse, por ser assim estragara a vista, e que não valia a pena tentar a
arrastado, e, depois de chegar à luz, com os olhos ascensão? E a quem tentasse soltá-los e conduzí-los até
deslumbrados, nem sequer pudesse ver nada daquilo cima, se pudessem agarrá-lo e matá-lo, não o matariam?
que agora dizemos serem os verdadeiros objetos? – Matariam, sem dúvida – confirmou ele.
– Não poderia, de fato, pelo menos de repente. – Meu caro Gláucon, este quadro – prossegui
– Precisava de se habituar, julgo eu, se quisesse eu – deve agora aplicar-se à tudo quanto dissemos
ver o mundo superior. Em primeiro lugar, olharia mais anteriormente, comparando o mundo visível através
facilmente para as sombras, depois disso, para as dos olhos à caverna da prisão, e a luz da fogueira que lá
imagens dos homens e dos outros objetos, refletidas na existia à força do Sol. Quanto à subida ao mundo
água, e, por último, para os próprios objetos. A partir superior e à visão do que lá se encontra, se a tomares
de então, seria capaz de contemplar o que há no céu, e como a ascensão da alma ao mundo inteligível, não
o próprio céu, durante a noite, olhando para a luz das iludirás a minha expectativa, já que é teu desejo
estrelas e da Lua, mais facilmente do que se fosse o Sol conhecê-la. O Deus sabe se ela é verdadeira. Pois,
e o seu brilho de dia. segundo entendo, no limite do cognoscível é que se
– Pois não! avista, a custo, a idéia do Bem; e, uma vez avistada,
– Finalmente, julgo eu, seria capaz de olhar para compreende-se que ela é para todos a causa de quanto
o Sol e de o contemplar, não já a sua imagem na água há de justo e belo; que, no mundo visível, foi ela que
ou em qualquer sítio, mas a ele mesmo, no seu lugar. criou a luz, da qual é senhora; e que, no mundo
– Necessariamente. inteligível, é ela a senhora da verdade e da inteligência,
– Depois já compreenderia, acerca do Sol, que e que é preciso vê-la para se ser sensato na vida
é ele que causa as estações e os anos e que tudo dirige particular e pública.
no mundo visível, e que é o responsável por tudo aquilo (Platão, A República, livro VII)
de que eles viam um arremedo.
– É evidente que depois chegaria a essas Os diálogos de Platão põem em marcha a
conclusões. dialética, isto é, o caminho seguro (méthodos, em
– E então? Quando ele se lembrasse da sua grego) que nos conduz das sensações, das percepções,
primitiva habitação, e do saber que lá possuía, dos seus das imagens e das opiniões à contemplação intelectual
companheiros de prisão desse tempo, não crês que ele do ser real das coisas, à ideia verdadeira. A dialética
se regozijaria com a mudança e deploraria os outros? permite a passagem da dóxa (opinião) à episteme
– Com certeza. (ciência ou saber).
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O amor festa para os deuses, mas esqueceram-se de convidar a
deusa Penúria (Pênia). Miserável e faminta, Penúria
Tomemos um outro diálogo para esperou o fim da festa, esgueirou-se pelos jardins e
acompanharmos o procedimento platônico. O banquete comeu os restos, enquanto os demais deuses dormiam.
busca a ideia ou a essência do amor. Num canto do jardim, viu Engenho Astuto (Poros) e
Numa festa, oferecida por um poeta premiado, desejou conceber um filho dele, deitando-se ao seu
conversam cinco amigos e Sócrates. Um deles afirma lado. Desse ato sexual nasceu Eros, o amor. Como sua
que todos os deuses recebem hinos e poemas de louvor, mãe, Eros está sempre carente, faminto, miserável;
mas nenhum foi feito ao melhor dos deuses, Eros, o como seu pai, Eros é astuto, sabe criar expedientes
amor. Propõe, então, que cada um faça uma engenhosos para conseguir o que quer.
homenagem a Eros dizendo o que é o amor. Qual o sentido do mito? Nele descobrimos que
Para um deles, o amor é o mais bondoso dos o amor é carência e astúcia, desejo de saciar-se, de
deuses, porque nos leva ao sacrifício pelo ser amado, completar-se e de encontrar a plenitude. Amar é desejar
inspira-nos o desejo de fazer o bem. Para o seguinte, é fundir-se na plenitude do amado e ser um só com ele.
preciso distinguir o amor sexual e grosseiro do amor
espiritual entre as almas, pois o primeiro é breve e logo O que pode completar e dar plenitude a um ser carente?
acaba, enquanto o segundo é eterno. Já o terceiro afirma Somente aquilo que é em si mesmo completo e pleno,
que os que o antecederam tinham limitado muito o isto é, o que é perfeito. O amor é desejo de perfeição.
amor, tomando-o apenas como uma relação entre duas O que é a perfeição?
pessoas. O amor, diz ele, é o que ordena, organiza e A harmonia, a proporção, a integridade ou
orienta o mundo, pois faz os semelhantes se inteireza da forma. Desejamos as formas perfeitas. O
aproximarem e os diferentes se afastarem.
que é uma forma perfeita? A forma acabada, plena,
O quarto prefere retornar ao amor entre as
pessoas e narra um mito. No princípio, os humanos inteiramente realizada, sem falhas, sem necessidade de
eram de três tipos: havia o homem duplo, a mulher transformar-se, isto é, sem necessidade de mudança. A
dupla e o homem-mulher, isto é, o andrógino. Tinham forma perfeita é o que chamamos de beleza.
um só corpo, com duas cabeças, quatro braços e quatro Onde está a beleza nas coisas corporais? Nos
pernas. Como se julgavam seres completos, decidiram corpos belos, cuja união engendra uma beleza: a
habitar no céu. Zeus, rei dos deuses, enfureceu-se, imortalidade dos pais por meio dos filhos. Onde está a
tomou de uma espada e os cortou pela metade.
beleza nas coisas incorporais? Nas almas belas, cuja
Decaídos, separados e desesperados, os
humanos teriam desaparecido se Eros não lhes tivesse beleza está na perfeição de seus pensamentos e ações,
dado órgãos sexuais e os ajudasse a procurar a metade isto é, na inteligência. Que amamos quando amamos
perdida. Os que eram homens duplos e mulheres duplas corpos belos? O que há de imperecível naquilo que é
amam os de mesmo sexo, enquanto os que eram perecível, isto é, amamos a descendência. Que amamos
andróginos amam a pessoa do sexo oposto. Amar é quando amamos almas belas? O que há de imperecível
encontrar a nossa metade e o amor é esse encontro.
na inteligência, isto é, as ideias.
Finalmente, o poeta, anfitrião da festa, toma a
palavra dizendo: “Todos os que me precederam Se o amor é desejo de identificar-se com o
louvaram o amor pelo bem que faz aos humanos, mas amado, então a qualidade ou a natureza do ser amado
nenhum louvou o amor por ele mesmo. É o que farei. determina se um amor é plenamente verdadeiro ou uma
O amor, Eros, é o mais belo, o melhor dos deuses. O aparência de amor. Amar o perecível é tornar-se
mais belo, porque sempre jovem e sutil, porque penetra perecível também. Amar o mutável é tornar-se mutável
imperceptivelmente nas almas; o melhor, porque odeia também. O perecível e o mutável são sombras, cópias
a violência e a desfaz onde existir; inspira os artistas e
imperfeitas do ser verdadeiro, imperecível e imutável.
poetas, trazendo a beleza ao mundo”.
Resta Sócrates, que diz: “Não poderei falar. Não As formas corporais belas são sombras ou imagens da
tenho talento para fazer discursos tão belos”. Os verdadeira beleza imperecível. Abandonando-as pela
outros, porém, não se conformam e o obrigam a falar. verdadeira beleza, amamos não esta ou aquela coisa
“Está bem”, retruca ele. “Mas falarei do meu jeito.” bela, mas a ideia ou a essência da beleza, o belo em si
Com essa pequena frase, o tom do diálogo se mesmo, único, real.
altera, pois “falar do meu jeito” significa que “não vou As almas belas são belas porque nelas há a
fazer elogios e louvores às imagens e aparências do presença de algo imperecível: o intelecto, parte imortal
amor, não vou emitir mais uma opinião sobre o amor, de nossa alma. Que ama o intelecto? Outro intelecto
mas vou buscar a essência do amor, a ideia do amor”. que seja mais belo e mais perfeito do que ele e que, ao
Sócrates também começa com um mito. ser amado, torna perfeito e belo quem o ama. O que é
Quando a deusa Afrodite nasceu, houve uma grande
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um intelecto verdadeiramente belo e perfeito? O que filosófica o leva a conceber uma "sofocracia"
ama a beleza perfeita. Onde se encontra a tal beleza? (etimologicamente, "poder da sabedoria"). Segundo ele,
Nas ideias. os homens comuns são vítimas do conhecimento
O que é a essência ou a ideia do amor? O amor imperfeito, da "opinião", e, portanto, devem ser
é o desejo da perfeição imperecível pelas formas belas, dirigidos por homens que se distinguem pelo saber.
daquilo que permanece sempre idêntico a si mesmo,
daquilo que pode ser contemplado plenamente pelo A pólis ideal e a justiça
intelecto e conhecido plenamente pela inteligência.
Sendo amor intelectual pelo inteligível ou pelas ideias, o Para Platão, os seres humanos e a pólis possuem
amor é o desejo de saber: philosophia, ‘amor a a mesma estrutura.
sabedoria’. Pelo amor, o intelecto humano participa do Platão entendia o homem como sendo corpo e
inteligível, toma parte no mundo das ideias ou das alma. Esta, que antes era livre no mundo das ideias,
essências, conhecendo o ser verdadeiro. agora vive prisioneira no corpo, esquecendo-se de tudo
A ontologia é, assim, a própria filosofia e o que já havia contemplado.
conhecimento do Ser, isto é, das ideias; é a passagem Os humanos são dotados de três almas ou três
das opiniões sobre as coisas sensíveis mutáveis rumo ao princípios de atividade:
pensamento sobre as essências imutáveis. Passar do 1 - a alma apetitiva ou desejante (situada nas
sensível ao inteligível — tarefa da filosofia — é passar entranhas ou no baixo-ventre), representada pelos
da aparência ao real, do Não-Ser ao Ser. desejos carnais de sobrevivência e reprodução, que
A principal novidade da filosofia platônica busca satisfação dos apetites do corpo, tanto os
consiste na descoberta de uma realidade superior, ou necessários à sobrevivência como os que apenas
seja, uma dimensão suprafísica do Ser. causam prazer;
2 - a alma irascível, emotiva ou colérica
1.3 Arte (situada no peito ou no coração), representada pelas
emoções e que defende o corpo contra as agressões do
Em sua filosofia, Platão tem uma visão meio ambiente e de outros humanos, reagindo à dor
negativa da arte. Ele liga o tema da arte à sua para proteger nossa vida; e
metafísica: se o mundo é cópia da Ideia, e a arte é cópia 3 - a alma racional ou intelectual (situada na
do mundo, então, a arte é cópia de uma cópia, imitação cabeça) representada pela inteligência, que se dedica ao
de uma imitação e, portanto, afastamento do conhecimento.
verdadeiro. Se livrar das emoções e desejos carnais era
Para ele a arte não revela, mas esconde o necessário para contemplar o mundo das ideias, porque
verdadeiro, porquanto não constitui uma forma de eles não fazem parte daquele mundo.
conhecimento nem melhora o homem, mas o Também a pólis possui uma estrutura tripartite,
corrompe, porque é mentirosa. Ela não educa o formada por três grupos de pessoas: os produtores,
homem, mas o deseduca, porque se volta para as artesãos e comerciantes, que cuidam da subsistência
faculdades irracionais da alma que constituem as partes e garantem a sobrevivência material da pólis; os
inferiores de nós mesmos. guardiões, responsáveis pela defesa da pólis; e os
governantes, que legislam e administram a pólis.
1.4 Política Para uma pólis ser bem ordenada os seus
habitantes seriam divididos nesses três grupos, de
O pensamento político de Platão está sobretudo acordo com a alma preponderante e suas virtudes. Cada
nas obras A República e Leis. Ele os escreveu em um, ao exercitar suas virtudes, desempenha um papel
diálogos, tendo o seu mestre Sócrates como principal na sociedade, contribuindo como podem para o seu
interlocutor. bom funcionamento.
Sempre foi fascinado pela política, apesar de ter Um homem, diz Platão, é injusto quando a alma
sofrido pesados reveses. Na Sicília, tentou em vão desenjante (os apetites e prazeres) é mais forte do que
convencer Dionísio, o Velho, a respeito de suas teorias as outras duas, dominando-as. Também é injusto
políticas. Inicialmente bem recebido, após sérias quando a alma colérica (a agressividade) é mais
desavenças Platão acabou sendo vendido como escravo poderosa do que a racional, dominando-a.
e só por sorte foi reconhecido e libertado por um rico O que é, pois, o homem justo? Aquele cuja alma
armador. Nem por isso desistiu, retornando outras duas racional é mais forte do que as outras duas almas,
vezes à Sicília, mais cauteloso, porém sem sucesso. A impondo à alma desejante a virtude da temperança (ou
amargura dessas tentativas frustradas transparece nas moderação) e à alma colérica, a virtude da coragem, que
Leis, sua última obra. deve controlar a raiva.
De origem aristocrática, Platão concebe um seu O homem justo é o homem virtuoso; a virtude,
posicionamento teórico de valorização da reflexão domínio racional sobre o desejo e a cólera. A justiça
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ética é a hierarquia das almas, em que a racional domina Esses filósofos não pertenceriam a classe social
as inferiores. alguma. Para ele não deveria haver classes sociais, e
O que é a justiça política? Essa mesma deveria existir um processo de educação em que todos
hierarquia, mas aplicada à comunidade. A realização da participam, independente da classe social e do sexo.
justiça acontece quando a pólis funciona dessa maneira Isso mesmo, Platão defendia que as mulheres poderiam
que ele descreve, com cada pessoa exercendo o seu também serem educadas para participar da vida pública.
papel social, exercitando as virtudes da parte Platão afirma que a pólis, e não a família, deveria
preponderante de sua alma. se incumbir da educação das crianças. Para isso, propõe
Assim, os sábios legisladores devem governar, estabelecer-se uma forma de comunismo em que é
os guardiões, subordinados aos legisladores, devem eliminada a propriedade e a família, a fim de evitar a
defender a cidade, e os membros que cuidam da cobiça e os interesses decorrentes dos laços afetivos,
subsistência, subordinados aos legisladores, devem além da degenerescência das ligações inadequadas.
assegurar a sobrevivência da pólis. A pólis orientaria as formas de eugenia para
A pólis justa é governada pelos filósofos, evitar casamentos entre desiguais, oferecendo melhores
protegida pelos guardiões e mantida pelos produtores. condições de reprodução e, ao mesmo tempo, criando
Cada grupo cumprirá sua função para o bem da pólis, creches para a educação coletiva das crianças.
racionalmente dirigida pelos filósofos. A educação promovida pela pólis deveria,
Em contrapartida, a pólis injusta é aquela na segundo Platão, ser igual para todos até os 20 anos,
qual o governo está nas mãos dos produtores — que quando dar-se-ia o primeiro corte identificando as
não pensam no bem comum da pólis e lutarão por pessoas que, por possuírem "alma de bronze", têm a
interesses econômicos particulares — ou na dos sensibilidade grosseira e por isto devem se dedicar à
guardiões — que mergulharão a cidade em guerras para agricultura, ao artesanato e ao comércio. Estes
satisfazer seus desejos particulares de honra e glória. cuidariam da subsistência da pólis.
Somente os filósofos têm como interesse o bem geral Os outros continuariam os estudos por mais
da pólis e somente eles podem governá-la com justiça. dez anos, até o segundo corte. Aqueles que tivessem a
Mas quais são os critérios usados na escolha das "alma de prata" e a virtude da coragem essencial aos
pessoas que desempenharão os papeis fundamentais guerreiros constituiriam a guarda da pólis, os soldados
para o bom funcionamento da pólis? Como realizar a que cuidariam da defesa da cidade. É importante
cidade justa? ressaltar o papel da música na educação dos guardiões,
A resposta está no livro VII de A República, no servindo para acalmar o espírito e desenvolver
mito da caverna que dá margem a uma interpretação sentimentos nobres para que eles possam desempenhar
epistemológica, pela qual se explica a teoria das ideias, bem sua função.
onde o filósofo, representado por aquele que se liberta Os mais notáveis, que sobrariam desses cortes,
das correntes ao contemplar a verdadeira realidade, por terem a "alma de ouro", seriam instruídos na arte
passa da opinião à ciência e deve retornar ao meio dos de pensar a dois, ou seja, na arte de dialogar. Estudariam
homens para orientá-los. filosofia, que eleva a alma até o conhecimento mais
Daí deriva a segunda interpretação, que resulta puro e é a fonte de toda verdade.
da dimensão política surgida da pergunta: Como Esse processo educacional, serviria para fazer a
influenciar os homens que não veem? alma atingir o mundo das ideias, ou seja, relembrar
Cabe ao sábio ensinar e dirigir. Trata-se da (processo de reminiscência da alma) do lugar de
necessidade da ação política, da transformação dos onde veio. Por isso, só completariam todo o percurso
homens e da sociedade, desde que essa ação seja dirigida educacional aqueles que adquirissem e exercitassem as
pelo modelo ideal contemplado. É nesse sentido que virtudes necessárias a fazer com que a alma racional se
Platão imagina a pólis ideal do mundo inteligível. E sobrepusesse acima das outras (emotiva e apetitiva) que
assim, a pólis deve ser organizada de acordo com ela, o deixam preso nesse mundo de aparências. Somente
para que seus habitantes pudessem viver de acordo com esses seriam filósofos.
o supremo bem e a justiça, partindo do princípio de que Aos cinquenta anos, aqueles que passassem
as pessoas são diferentes e por isso devem ocupar com sucesso pela série de provas estariam aptos a ser
lugares e funções diversas na sociedade, admitidos como governantes. Caberia a eles o governo
Por isso que ele defende que quem deve da cidade, o exercício do poder, pois apenas eles teriam
governar a pólis são os filósofos, aqueles que saíram da a ciência da política. Sua função seria manter a cidade
caverna (mundo sensível) e conheceram a realidade coesa. Por serem os mais sábios, também seriam os
(mundo das ideias). Só eles possuem as virtudes e o mais justos, uma vez que justo é aquele que conhece a
conhecimento necessário (as ideias) para dar à pólis justiça. A justiça constitui a principal virtude, a própria
uma estrutura bem ordenada de forma que o bem e a condição das outras virtudes.
justiça possam reger as relações entre seus habitantes. Se para Platão a política é "a arte de governar os
homens com o seu consentimento" e o político é
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precisamente aquele que conhece essa difícil arte, só Sobre o modo como Platão expressou seu pensamento,
poderá ser chefe quem conhece a ciência política. Por assinale a alternativa correta.
isso a democracia é inadequada, pois desconhece que a A) Platão jamais escreveu textos filosóficos.
igualdade deve se dar apenas na repartição dos bens, B) Platão escreveu textos filosóficos na forma de
mas nunca no igual direito ao poder. Para que a pólis romances.
seja bem governado, é preciso que "os filósofos se C) Platão escreveu textos filosóficos na forma de
tornem reis, ou que os reis se tornem filósofos". poesias.
Platão propõe um modelo aristocrático de D) Platão escreveu textos filosóficos na forma de
poder. No entanto, como já vimos, não se trata de uma diálogos.
aristocracia da riqueza, mas da inteligência, em que o
poder é confiado aos melhores, ou seja, é uma 02. (UFU 2007) O trecho a seguir, do diálogo
sofocracia. platônico Fédon, concerne ao modo de aquisição do
conhecimento.
As formas de governo “É preciso, portanto, que tenhamos conhecido a
igualdade antes do tempo em que, vendo pela primeira
Com a utopia, Platão critica a política do seu vez objetos iguais, observamos que todos eles se
tempo e recusa as formas de poder degeneradas. A esforçavam por alcançá-la, porém lhe eram
aristocracia, por exemplo, pode se corromper em inferiores.”
timocracia, quando o culto da virtude é substituído pela (PLATÃO. Fédon. Trad. de Carlos Alberto Nunes. Belém:
forma guerreira; ou em oligarquia, quando prevalece o EDUFPA, 2002, p. 275, 75a.)
gosto pelas riquezas, e o censo é a medida de capacidade A partir do fragmento apresentado, marque a
para o exercício do poder. alternativa que expressa corretamente o pensamento de
No livro VIII de A República, Platão explica Platão sobre o conhecimento.
como essas formas degeneradas podem fazer surgir a A) Platão distingue uma realidade inteligível de outra
democracia. Como vimos, a democracia não sensível. O conhecimento de todas as coisas só é
corresponde aos ideais platônicos porque, por possível porque as percepções advindas dos sentidos
definição, o povo é incapaz de possuir a ciência política. desencadeiam a reminiscência das Formas inteligíveis,
Quando o poder pertence ao povo, é fácil apreendidas pela razão antes do nascimento.
prevalecer a demagogia, característica do político que B) Platão não distingue a realidade inteligível de outra
manipula e engana o povo (etimologicamente, “o que sensível. O conhecimento é o produto das sensações. O
conduz o povo”). conhecimento nada mais é do que a reminiscência
Platão critica a noção de igualdade na dessas sensações.
democracia, pois para ele a verdadeira igualdade é de C) Platão distingue duas ordens de realidade: o mundo
ordem geométrica, porque se baseia no valor pessoal sensível e a alma. O conhecimento de todas as coisas só
que é sempre desigual (já que uns são melhores do que é possível porque as sensações informam a alma sobre
outros), não considerando todos igualmente cidadãos. o mundo sensível e, a partir disso, formam a
Por fim, a democracia levaria fatalmente à reminiscência.
tirania, a pior forma de governo, exercido pela força por D) Platão distingue duas ordens de realidade: o mundo
um só homem e sem ter como objetivo o bem comum. sensível e o mundo dos deuses. O conhecimento só é
O tirano é a antítese do rei-filósofo. possível porque a alma recebe uma informação divina
Platão não via a democracia como um bom antes que tenha percebido os objetos sensíveis, pois
regime, foi a democracia que matou o mais sábio dos todo conhecimento vem dos deuses.
homens. E foi a democracia que levou Atenas à guerra
e à ruía. Como é que pessoas não instruídas sobre 03. (UEL 2006) Para Platão, havia outra forma de
valores como o bem comum, amizade, virtudes, justiça, conhecer além daquela proveniente da experiência. Em
podem governar? Já imaginou dar poder de governar sua Teoria da reminiscência, a razão é valorizada como
àqueles caras acorrentados na caverna que só veem o meio de acesso ao inteligível. De acordo com a Teoria
sombras? Seria um desastre. Como de fato foi. da Reminiscência de Platão, é correto afirmar que o
conhecimento é:
QUESTÕES a) Estruturado empiricamente como condição para a
realização das atividades da razão.
01. (UFU) Platão (428 347 a.C.), discípulo de Sócrates b) Proveniente da percepção sensível, na qual os
e mestre de Aristóteles, fundador da Academia, é até sentidos retêm informações evidentes sobre o mundo
hoje um dos filósofos mais importantes da história da material.
filosofia. Círculos culturais e intelectuais no mundo c) Originado da ação que os objetos exercem sobre os
inteiro dedicam-se a estudar sua obra. órgãos dos sentidos, produzindo um conhecimento
inquestionável do ponto de vista da razão.
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d) Reconhecido mediante intuição intelectual, ao se d) aristocrático, cujo governo deveria ser confiado aos
referir às ideias adquiridas anteriormente e relembradas melhores em inteligência e em conduta ética.
na vida presente.
e) Fruto da ação divina que, por meio da iluminação 07. (UFU) Sobre a Alegoria da Caverna de Platão
interior, revela ao ser humano verdades eternas. pode-se afirmar que
a) o filósofo deve ter uma vida exclusivamente
04. (UFU 2015) Em Platão, as questões metafísicas contemplativa
mais importantes — e a possibilidade de serem b) a educação do filósofo visa também a atividade
solucionadas — estão vinculadas aos grandes política.
problemas da geração, da corrupção e do ser das coisas. c) os sentidos são fundamentais para o conhecimento
Para Platão, d) qualquer um pode encontrar em si mesmo, pela
A) o dualismo ontológico é uma impossibilidade, intuição, a luz para o conhecimento.
enquanto o mundo sensível traz em si a causa da sua
própria existência. 08. (UFU 2015) Somente uns poucos indivíduos, se
B) a Ideia é um ente puro de razão, uma representação aproximando das imagens através dos órgãos dos
mental: não um ser dotado de realidade ontológica ou sentidos, com dificuldade nelas entreveem a natureza
de potência causal. daquilo que imitam.
C) há inteligibilidade e, então, possibilidade de se PLATÃO. Fedro. Ln: __ . Diálogos socráticos. v. 3. Tradução de
produzir ciência (episteme) no mundo da sensibilidade, Edson Bini. Bauru/SP: Edipro, 2008, P. 64 [250B].
do corpóreo, do múltiplo. Assinale a alternativa que explicita a teoria de Platão
D) as coisas sensíveis não se explicam com apresentada no trecho acima.
elementos físicos (cor, figura, extensão), mas em função A) A teoria materialista que fixa a imagem como o
de uma causa-em-si, verdadeira e não física. reflexo de corpos físicos que constituem a única
realidade existente.
05. Segundo Platão, as opiniões dos seres humanos B) A teoria das ideias que estabelece a distinção entre o
sobre a realidade são quase sempre equivocadas, mundo sensível e o mundo inteligível, sendo que as
ilusórias e, sobretudo, passageiras, já que eles mudam imagens captadas pelos sentidos humanos despertam a
de opinião de acordo com as circunstâncias. Como alma para as ideias que habitam o mundo inteligível.
agem baseados em opiniões, sua conduta resulta quase C) A teoria existencialista que delimita o espaço vital do
sempre em injustiça, desordem e insatisfação, ou seja, homem e lhe impede de transcender para além do
na imperfeição da sociedade. mundo sensível.
Em seu livro A República, ele, então, idealizou uma D) A teoria niilista que admite dois mundos, mas que
sociedade capaz de alcançar a perfeição, desde que seu nega qualquer possibilidade de conhecimento das coisas
governo coubesse exclusivamente e das ideias.
a) aos guerreiros, porque somente eles teriam força para
obrigar todos a agirem corretamente. 09. A opinião (doxa, em grego), no pensamento de
b) aos tiranos, porque somente eles unificariam a Platão (427-347 a.C.) representa um saber sem
sociedade sob a mesma vontade. fundamentação metódica. É um saber que possui sua
c) aos mais ricos, porque somente eles saberiam aplicar origem
bem os recursos da sociedade. A) nos mitos religiosos, lendas e poemas da Grécia
d) aos demagogos, porque somente eles convenceriam arcaica.
a maioria a agir de modo organizado. B) nas impressões ou sensações advindas da experiência
e) aos filósofos, porque somente eles disporiam do sensível.
conhecimento verdadeiro e imutável. C) no discurso dos sofistas na época da democracia
ateniense.
06. (UFU) A Alegoria da Caverna de Platão, além de D) num saber eclético, proveniente de algumas ideias
ser um texto de teoria do conhecimento, é também um dos filósofos pré-socráticos.
texto político. No sentido político, é correto afirmar
que Platão sustentava um modelo. 10. (UEM 2016) “Agora – continuei – representa da
a) monárquico, cujo governo deveria ser exercido por seguinte forma o estado de nossa natureza
um filósofo e cujo poder deveria ser absoluto, relativamente à instrução e à ignorância. Imagina
centralizador e hereditário. homens em morada subterrânea, em forma de caverna,
b) aristocrático, baseado na riqueza e que representava que tenha em toda a largura uma entrada aberta para a
os interesses dos comerciantes e nobres atenienses, por luz; estes homens aí se encontram desde a infância, com
serem os mecenas das artes, das letras e da filosofia. as pernas e o pescoço acorrentados, de sorte que não
c) democrático, baseado, principalmente, na experiência podem mexer-se nem ver alhures exceto diante deles,
política de governo da época de Péricles. pois a corrente os impede de virar a cabeça; a luz lhes
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vem de um fogo que brilha a grande distância, no alto e nítido, puro, simples, e não repleto de carnes, humanas,
por trás deles; entre o fogo e os prisioneiros passa um de cores e outras muitas ninharias mortais, mas o
caminho elevado; imagina que, ao longo deste caminho, próprio divino belo pudesse em sua forma única
ergue-se um pequeno muro [...]. contemplar? Porventura pensas, disse, que é vida vã a
Considera agora o que lhes sobrevirá naturalmente se de um homem olhar naquela direção e aquele objeto,
forem libertos das cadeias e curados da ignorância. Que com aquilo [a alma] com que deve, quando o contempla
se separe um desses prisioneiros, que o forcem a e com ele convive? Ou não consideras, disse ela, que
levantar-se imediatamente, a volver o pescoço, a somente então, quando vir o belo com aquilo com que
caminhar, a erguer os olhos à luz: ao efetuar todos esses este pode ser visto, ocorrer-lhe-á produzir não sombras
movimentos sofrerá, e o ofuscamento o impedirá de de virtude, porque não é em sombras que estará
distinguir os objetos cuja sombra enxergava há pouco”.
PLATÃO, República, l. VII [514a-b; 515d]. Guinsburg (org), São
tocando, mas reais virtudes, porque é no real que estará
Paulo: Perspectiva, 2006, p. 263 e 264. tocando?”
A partir do texto citado, assinale o que for correto. Platão. O Banquete. Trad. José Cavalcante de Souza. São Paulo:
01) A metáfora da busca da luz representa o processo Abril Cultural, 1979, pp.42-43.
de obtenção do conhecimento. A partir do trecho de Platão, analise as assertivas abaixo:
02) Platão faz uma metáfora das sociedades que, I – O belo verdadeiro para Platão encontra-se no
mergulhadas na ignorância, estão como que presas a conhecimento obtido pela observação das coisas
grilhões.
humanas.
04) O conhecimento é fruto de um exercício à
semelhança da ginástica para o corpo; assim como a II – A contemplação do belo puro e simples é atingida
falta de atividade física enrijece o corpo, a falta de por meio da alma.
reflexão enrijece a atividade do conhecimento. III – Cores e sombras são virtudes reais, visto que se
08) Para Platão é impossível conhecer algo, visto que possa, ao tocar nelas, tocar no próprio real.
tudo é uma representação das coisas, donde o ser IV – Há, como na Alegoria da Caverna, uma relação direta
humano estar fadado a ficar acorrentado à ignorância. para Platão entre o conhecimento e a virtude.
16) A luz é identificada com o conhecimento, pois o
Assinale a alternativa que contém as assertivas corretas.
conhecimento gera na alma o reconhecimento das
coisas, à semelhança de um objeto quando iluminado. A) I e II são corretas.
B) II e IV são corretas.
11. (UFU) E que existe o belo em si, e o bom em si, e, C) III e IV são corretas.
do mesmo modo, relativamente a todas as coisas que D) I, II e III são corretas.
então postulamos como múltiplas, e, inversamente,
postulamos que a cada uma corresponde a uma ideia, 13. (UFU 2009) “SÓCRATES: Portanto, como
que é única, e chamamos-lhe que é sua essência (507b poderia ser alguma coisa o que nunca permanece da
– c). mesma maneira? Com efeito, se fica momentaneamente
PLATÃO. República. Trad. De Maria Helena da Rocha Pereira.
8ª Ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1996.
da mesma maneira, é evidente que, ao menos nesse
Marque a alternativa que expressa corretamente o tempo, não vai embora; e se permanece sempre da
pensamento de Platão. mesma maneira e é ‘em si mesma’, como poderia mudar
a) Somente por meio dos sentidos, em especial da visão, e mover-se, não se afastando nunca da própria Ideia?
pode o filósofo obter o conhecimento das ideias. CRÁTILO: Jamais poderia fazê-lo.
b) No pensamento platônico, o conhecimento das SÓCRATES: Mas também de outro modo não poderia
ideias permite ao filósofo discernir a unidade inteligível ser conhecida por ninguém. De fato, no próprio
em face da multiplicidade sensível. momento em que quem quer conhecê-la chega perto
c) Para que a alma humana alcance o conhecimento das dela, ela se torna outra e de outra espécie; e assim não
ideias, ela deve elevar-se às alturas do inteligível, o que se poderia mais conhecer que coisa seja ela nem como
somente é possível após a morte ou por meio do seja. E certamente nenhum conhecimento conhece o
contato com os deuses gregos. objeto que conhece se este não permanece de nenhum
d) Tanto a dialética quanto a matemática elevam o modo estável.
conhecimento ao inteligível; mas, somente a CRÁTILO: Assim é como dizes.”
PLATÃO, Crátilo, 439e-440a
matemática, por seu caráter abstrato, conduz a alma ao Assinale a alternativa correta, de acordo com o
princípio supremo: a ideia de Bem. pensamento de Platão.
A) Para Platão, o que é “em si” e permanece sempre da
12. “(…) Que pensamentos então que aconteceria, disse mesma forma, propiciando o conhecimento, é a Ideia,
ela, se a alguém ocorresse contemplar o próprio belo, o ser verdadeiro e inteligível.
43
23
B) Platão afirma que o mundo das coisas sensíveis é o GABARITO
único que pode ser conhecido, na medida em que é o
único ao qual o homem realmente tem acesso. QUESTÕES - SOFISTAS
C) As Ideias, diz Platão, estão submetidas a uma
transformação contínua. Conhecê-las só é possível 1. d
porque são representações mentais, sem existência 2. 2/4/8
objetiva.
D) Platão sustenta que há uma realidade que sempre é 3. a
da mesma maneira, que não nasce nem perece e que não 4. b
pode ser captada pelos sentidos e que, por isso mesmo,
cabe apenas aos deuses contemplá-la. 5. 1/2/4/16
QUESTÕES SÓCRATES
1. d
2. b
3. e
4. a
5. c
6. a
7. c
8. e
9. c
10. d
11. a
QUESTÕES PLATÃO
1. d
2. a
3. d
4. d
5. e
6. d
7. b
8. b
9. b
10. 1/2/4/16
11. b
12. b
13. a
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24
ARISTÓTELES Ciências práticas: ciências que estudam as
práticas humanas que têm seu fim nelas mesmas. Em
Juntamente com outras palavras, aquelas em que a finalidade da ação é
Platão, Aristóteles (384 – ela mesma, e não há distinção entre o agente e o ato que
322 a. C.) é a grande ele realiza. São elas: ética, em que a vontade guiada pela
referência da filosofia grega razão leva à ação conforme as virtudes morais
antiga que vai influenciar na (coragem, generosidade, fidelidade, lealdade, clemência,
construção do mundo prudência, amizade, justiça, modéstia, honradez, etc.),
ocidental. Dante Alighieri tendo como finalidade o bem do indivíduo; e política,
dizia que ele foi o mestre em que a ação racional voluntária tem como fim o bem
dos mestres, e São Tomaz da comunidade ou o bem comum.
de Aquino se referia a ele Ciências teoréticas ou contemplativas: são
como “o” filósofo. aquelas que estudam coisas que existem
Ele foi o pensador que analisou todo o independentemente dos homens e de suas ações e que,
pensamento grego e o melhorou; escreveu sobre quase não tendo sido feitas pelos homens, podem apenas ser
tudo, de metafísica à biologia. Em resumo, ele foi “o contempladas por eles. O que são as coisas que existem
cara”. Por isso, devemos estudar Aristóteles como o por si mesmas e em si mesmas, independentemente de
porta-voz dos gregos instruídos, pois era assim que ele nossa ação técnica e de nossa ação moral e política?
se considerava. São as coisas da natureza e as coisas divinas.
Apesar de ter sido um dos maiores pensadores Aristóteles, aqui, classifica as ciências teoréticas por
que Atenas produziu, ele era um meteco, e como tal, graus de superioridade, indo da mais inferior à superior:
sem direitos políticos. De Estagira, na Macedônia, 1. ciência das coisas naturais submetidas à
Aristóteles sai aos 18 anos para estudar na Academia de mudança ou ao devir: física, biologia, meteorologia,
Platão em Atenas. Isso, provavelmente, uns 10 anos psicologia (a alma – em grego, psyché – é um ser natural
antes do domínio macedônico sobre a Grécia. Com que existe de formas variadas em todos os seres vivos,
uma mente notável, permanece por lá durante 20 anos plantas, animais e seres humanos);
até a morte de Platão. 2. ciência das coisas naturais que não estão
Após a morte do mestre, a quem Aristóteles era submetidas à mudança ou ao devir: as matemáticas e a
muito amigo e admirador, não vê mais motivos de astronomia (os gregos julgavam que os astros eram
continuar na academia e sai de Atenas para viajar por eternos e imutáveis);
um bom tempo. 3. ciência da realidade pura, que estuda o que
Em 335 a. c., o rei Felipe II o chama para morar Aristóteles chama de Ser ou substância de tudo o que
em Pela, capital do império macedônico, e ser professor existe. Ou seja, trata-se daquilo que deve haver em toda
de seu filho Alexandre, condição na qual permaneceu e qualquer realidade – natural, matemática, ética,
até este assumir o poder. Essa proximidade com a corte política ou técnica – para ser realidade. A ciência
macedônica se dava pelo fato de Nicômaco, seu pai, ter teorética que estuda o puro Ser foi chamada Filosofia
sido o médico do rei Amintas, pai de Felipe. Primeira por Aristóteles. Alguns séculos depois, como
Aristóteles se diferenciava de Platão em três os livros que a expunham estavam localizados nas
aspectos gerais: bibliotecas depois dos livros que expunham a física, ela
1) O abandono do componente mítico; passou a ser chamada metafísica (em grego, meta
2) O escasso interesse pelas ciências significa ‘o que vem depois, o que está além’; ou seja,
matemáticas e, ao contrário, a viva atenção no caso, os livros que vinham depois da física e que
pelas ciências naturais; tratavam da realidade para além da física);
3) O método sistemático em vez do dialético- 4. ciência das coisas divinas que são a causa e a
dialógico; finalidade de tudo o que existe na natureza e no homem.
Aristóteles foi um grande pensador sistemático,
que dividiu os saberes em: 1. O CONHECIMENTO
Ciências produtivas/poéticas: ciências que
estudam as práticas produtivas ou as técnicas, isto é, as
Vimos que Heráclito considerava a natureza (o
ações humanas que visam à produção de um objeto, de
kosmos) um “fluxo perpétuo”, o escoamento contínuo
uma obra. São elas: arquitetura, economia, medicina,
dos seres em mudança perpétua.
pintura, escultura, poesia, teatro, oratória, arte da
Ele comparava o mundo à chama de uma vela
guerra, da caça, da navegação, etc. Em suma, são objeto
que queima sem cessar e transforma a cera em fogo, o
das ciências produtivas todas as atividades humanas
fogo em fumaça e a fumaça em ar. O verão se torna
técnicas e artísticas que resultam num produto ou numa
outono, o novo fica velho, o quente esfria, o úmido
obra distintos do produtor.
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seca; cada ser é um movimento em direção ao seu O pensamento parece seguir certas leis para
contrário. conhecer as coisas e há uma diferença entre perceber e
A realidade, para Heráclito, é a harmonia dos pensar. Pensamos com base no que percebemos ou
contrários, que não cessam de se transformar uns nos negando o que percebemos? O pensamento continua,
outros. Se assim for, como explicar que nossa nega ou corrige a percepção? O modo como os seres
percepção nos ofereça as coisas como se fossem nos aparecem é o modo como eles realmente são?
estáveis, duradouras e permanentes? Com essa O problema sobre o conhecimento estava posto
pergunta, ele indicava a diferença entre o conhecimento e preocupações como essas levaram a duas atitudes
que nossos sentidos nos oferecem e o conhecimento filosóficas: a dos sofistas e a de Sócrates. Com eles, os
que nosso pensamento alcança: o primeiro nos oferece problemas do conhecimento tornaram-se centrais.
a permanência ilusória, enquanto o segundo conhece a Diante da pluralidade das ontologias anteriores,
mudança como verdadeira realidade. os sofistas concluíram que não podemos conhecer o
Parmênides, porém, opunha-se a Heráclito, ser, pois, se pudéssemos, pensaríamos da mesma
afirmando que só podemos pensar sobre aquilo que maneira e haveria uma única filosofia.
permanece sempre idêntico a si mesmo. Para ele, se Consequentemente, só podemos ter opiniões subjetivas
nada permanece, então nada pode ser pensado. sobre a realidade.
Conhecer é alcançar o idêntico, o imutável. Por isso, os homens devem valer-se de um
Nossos sentidos nos oferecem a imagem de um mundo instrumento – a linguagem – para persuadir os outros
em incessante mudança, no qual tudo se torna o de suas próprias ideias e opiniões. A verdade é uma
contrário de si mesmo: o dia vira noite, o inverno vira questão de opinião e de persuasão, e a linguagem é mais
primavera, o doce se torna amargo, o líquido se importante do que a percepção e o pensamento.
transforma em vapor ou em sólido. Opondo-se aos sofistas, Sócrates afirmava que
Como pensar o que é e não é ao mesmo tempo? a verdade pode ser conhecida quando compreendemos
Como pensar o instável? Não é possível, dizia que precisamos começar afastando as ilusões dos
Parmênides. sentidos, as imposições das palavras e a multiplicidade
Pensar é apreender um ser em sua identidade das opiniões.
profunda e permanente. Com isso, afirmava o mesmo Os órgãos dos sentidos, diz Sócrates, dão-nos
que Heráclito – perceber e pensar são diferentes –, mas somente as aparências das coisas, e as palavras, meras
dizia isso em sentido oposto: nossos sentidos percebem opiniões sobre elas. A aparência e a opinião variam de
mudanças impensáveis, mas o pensamento conhece a pessoa para pessoa e em um mesmo indivíduo. Mas não
realidade, isto é, a identidade e a imutabilidade. só variam: também se contradizem.
A distinção entre perceber e pensar é mantida Conhecer é começar a examinar as contradições
também pela filosofia atomista ou o atomismo das aparências e das opiniões para poder abandoná-las
proposto por Demócrito de Abdera. Para ele, os seres e passar da aparência à essência, da opinião ao conceito.
surgem por composição dos átomos, transformam-se O exame das opiniões é aquele procedimento que
por novos arranjos e desaparecem pela separação deles. Sócrates chamava ironia, com o qual o filósofo
Os átomos possuem formas e consistências conseguia que seus interlocutores reconhecessem que
diferentes, de cuja combinação surge a variedade de não sabiam o que imaginavam saber.
seres, suas mudanças e desaparições. Por meio de Sócrates fez a filosofia voltar-se para nossa
nossos órgãos dos sentidos, percebemos o quente e o capacidade de conhecer e indagar as causas das ilusões,
frio, o grande e o pequeno, o duro e o mole, sabores, dos erros, do falso e da mentira.
odores, texturas, o agradável e o desagradável, sentimos Platão e Aristóteles herdaram de Sócrates o
prazer e dor, porque percebemos os efeitos das procedimento filosófico de começar a abordar uma
combinações dos átomos que, em si mesmos, não questão pela discussão e pelo debate das opiniões
possuem tais qualidades. contrárias sobre ela a fim de superá-las num saber
Somente o pensamento pode conhecer os verdadeiro. Além disso, passaram a definir as formas de
átomos, que são invisíveis para nossa percepção conhecer e as diferenças entre o conhecimento
sensorial. Dessa maneira, Demócrito concordava com verdadeiro e a ilusão, introduzindo na filosofia a ideia
Heráclito e Parmênides que há uma diferença entre o de que existem diferentes maneiras de conhecer.
que conhecemos por meio de nossa percepção e o que Platão distingue quatro formas ou graus de
conhecemos apenas pelo pensamento. Porém, conhecimento, que vão do grau inferior ao superior:
divergindo deles, Demócrito não considerava a crença, opinião, raciocínio e intuição intelectual. Os
percepção ilusória, mas sim um efeito da realidade dois primeiros formam o que ele chama conhecimento
sobre nós. O conhecimento sensorial é verdadeiro, sensível; os dois últimos, o conhecimento inteligível.
embora seja de uma verdade diferente e menos A crença é nossa confiança no conhecimento
profunda ou menos relevante do que aquela alcançada sensorial: cremos que as coisas são tal como as
pelo puro pensamento. percebemos. A opinião é nossa aceitação do que nos
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2
ensinaram sobre as coisas ou o que delas pensamos como ser corporal e psíquico individual. Sensações,
conforme nossas sensações e lembranças. Esses dois lembranças, imagens, sentimentos, desejos e
primeiros graus nos oferecem apenas a aparência das percepções variam de pessoa para pessoa e numa
coisas ou suas imagens e correspondem à situação dos mesma pessoa em decorrência de mudanças em seu
prisioneiros do Mito da Caverna. Por serem ilusórios, corpo, em sua mente ou nas circunstâncias em que o
devem ser afastados por quem busca o conhecimento conhecimento ocorre.
verdadeiro; portanto, somente os dois últimos graus Assim, a marca da intuição empírica é sua
devem ser considerados válidos. singularidade; por um lado, está ligada à singularidade
O raciocínio exercita nosso pensamento, do objeto intuído (ao “isto” oferecido à sensação e à
purifica-o das sensações e opiniões e o prepara para a percepção) e, por outro, à singularidade do sujeito que
intuição intelectual, que conhece a essência das coisas, intui (aos meus estados psíquicos, às minhas
o que Platão denomina ideia. As ideias são a realidade experiências). A intuição empírica não capta o objeto
verdadeira e conhecê-las é ter o conhecimento em sua universalidade, e a experiência intuitiva não é
verdadeiro. A ironia e a maiêutica socráticas são transferível para outro objeto.
transformadas por Platão no procedimento da dialética. A intuição intelectual difere da sensível
A finalidade do percurso dialético é chegar à intuição justamente por sua universalidade e necessidade.
intelectual de uma essência ou ideia. Quando penso: “Uma coisa não pode ser e não ser ao
Aqui precisamos deixar claro que uma intuição mesmo tempo”, sei, sem necessidade de
é uma compreensão completa e imediata de um objeto, demonstrações, que isto é verdade e que é necessário
de um fato. Nela, de uma só vez, a razão capta todas as que seja sempre assim, ou que é impossível que não seja
relações que constituem a realidade e a verdade da coisa sempre assim. Em outras palavras, tenho conhecimento
intuída. É um ato intelectual de discernimento e intuitivo do princípio da contradição.
compreensão, sem necessidade de provas ou Quando afirmo: “O todo é maior do que as
demonstrações para saber o que conhece. partes”, sei, sem necessidade de provas e
Ela pode depender de conhecimentos demonstrações, que isto é verdade porque intuo uma
anteriores e ela ocorre quando esses conhecimentos são forma necessária de relação entre as coisas.
percebidos de uma só vez, numa síntese em que Diante de todos esses posicionamentos sobre o
aparecem articulados e organizados num todo (sua conhecimento e a forma que conhecemos, Aristóteles
forma, seu conteúdo, suas causas, suas propriedades, distingue sete formas ou graus de conhecimento:
seus efeitos, suas relações com outros, seu sentido).
Isso significa que a intuição pode ser o 1 - sensação,
momento final de um processo de conhecimento. E 2 - percepção,
justamente por ser o momento de conclusão de um 3 - imaginação,
percurso, ela pode ser o ponto inicial de um novo 4 - memória,
percurso de conhecimento em cujo ponto final haverá 5 - linguagem,
uma nova intuição. 6 – raciocínio,
A intuição racional pode ser de dois tipos: 7 - intuição.
intuição sensível ou empírica e intuição intelectual.
A primeira é o conhecimento que temos a todo Enquanto Platão concebia o conhecimento
momento de nossa vida. Assim, com um só olhar ou como abandono de um grau inferior por um superior,
num só ato de visão percebemos uma casa, um homem, Aristóteles o considerava continuamente formado e
uma mulher, uma flor, uma mesa. enriquecido por acúmulo das informações trazidas por
Num só ato, por exemplo, capto que isto é uma todos os graus. Desse modo, em lugar de uma ruptura
flor: vejo sua cor e suas pétalas, sinto a maciez de sua entre o conhecimento sensível e o intelectual, há uma
textura, aspiro seu perfume, tenho-a por inteiro e de continuidade entre eles.
uma só vez diante de mim. As informações trazidas pelas sensações se
A intuição empírica é o conhecimento direto e organizam e permitem a percepção. As percepções, por
imediato das qualidades do objeto externo sua vez, organizam-se e permitem a imaginação. Juntas,
denominadas qualidades sensíveis: cor, sabor, odor, conduzem à memória, à linguagem e ao raciocínio.
paladar, som, textura. É a percepção direta de formas, Aristóteles concebe, porém, uma separação
dimensões, distâncias das coisas percebidas. É também entre os seis primeiros graus e a intuição intelectual, que
o conhecimento direto e imediato de nossos estados é um ato do pensamento puro e não depende dos graus
internos ou mentais que dependem ou dependeram de anteriores.
nosso contato sensorial com as coisas: lembranças, A intuição intelectual é o conhecimento direto
desejos, sentimentos, imagens. e imediato dos princípios da razão, os quais, por serem
A intuição sensível ou empírica é psicológica, princípios, não podem ser demonstrados (para
isto é, refere-se aos estados do sujeito do conhecimento demonstrá-los, precisaríamos de outros princípios e,
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para demonstrar estes outros princípios, precisaríamos que a mudança se realiza sob a forma da contradição,
de outros, num processo interminável). isto é, que as coisas se transformam nos seus opostos.
Essa separação não significa que os outros graus A mudança ou transformação é a maneira pela
ofereçam conhecimentos ilusórios ou falsos, e sim que qual as coisas realizam todas as potencialidades contidas
oferecem tipos de conhecimentos diferentes, que vão em sua essência, e esta não é contraditória, mas uma
de um grau menor a um grau maior de verdade. identidade que o pensamento pode conhecer.
Em cada um deles temos acesso a um aspecto Assim, por exemplo, quando a criança se torna
do ser ou da realidade; na intuição intelectual, temos o adulta ou quando a semente se torna árvore, nenhuma
conhecimento dos princípios universais e necessários delas tornou-se contrária a si mesma, mas desenvolveu
do pensamento (identidade, não contradição, terceiro uma potencialidade definida pela identidade própria de
excluído) e dos primeiros princípios e causas da sua essência.
realidade ou do ser. Cabe à filosofia conhecer como e por que as
A diferença entre os seis primeiros graus e o coisas, sem mudarem de essência, transformam-se,
último decorre da diferença do objeto do assim como cabe à filosofia conhecer como e por que
conhecimento: os seis primeiros graus conhecem há seres imutáveis (como as entidades matemáticas e as
objetos que se oferecem a nós na sensação, na divinas).
imaginação, no raciocínio, enquanto o sétimo lida com Parmênides tem razão: o pensamento e a
princípios e causas primeiras da realidade em si. linguagem exigem a identidade. Heráclito tem razão: as
Em outras palavras, nos outros graus, o coisas mudam. Ambos se enganaram ao supor que deve
conhecimento é obtido por indução ou por dedução, haver somente identidade ou somente mudança.
mas no último grau conhecemos o que é Ambas existem sem que seja preciso dividir a realidade
indemonstrável (princípios e causas primeiras) porque é em dois mundos, à maneira platônica.
condição para todas as demonstrações e raciocínios. Aristóteles considera que a dialética não é um
procedimento seguro para o pensamento e a linguagem
2. A LÓGICA da filosofia e da ciência, pois parte de opiniões
contrárias dos debatedores, e a escolha de uma opinião
Vimos que Aristóteles propôs a primeira em vez de outra não garante que se possa chegar à
classificação geral dos conhecimentos ou das ciências essência da coisa investigada. A dialética, diz
dividindo-as em três tipos: teoréticas (ou Aristóteles, é boa para as disputas oratórias da política
contemplativas), práticas (ou da ação humana) e e do teatro, para a retórica, para os assuntos sobre os
produtivas (ou relativas à fabricação e às técnicas). quais só existem opiniões e nos quais só cabe a
Todos os saberes referentes a todos os seres, persuasão. Não é o caso da filosofia e da ciência, porque
todas as ações e produções humanas encontravam-se a estas interessa a demonstração ou a prova de uma
distribuídos nessa classificação que ia da ciência mais verdade.
alta — a Filosofia Primeira — até o conhecimento das Substituindo a dialética por um conjunto de
técnicas criadas pelos homens para a fabricação de procedimentos de demonstração e prova, Aristóteles
objetos. criou a lógica propriamente dita, que ele chamava de
Mas nessa classificação não encontramos a analítica.
lógica. Isso por que a lógica não era nem uma ciência Qual a diferença entre a dialética platônica e a
teorética, nem prática, nem produtiva, mas um lógica (ou analítica) aristotélica?
instrumento para as ciências, ordenado por um Em primeiro lugar, a dialética platônica é o
conjunto de regras. É a maneira certa de raciocinarmos exercício direto do pensamento e da linguagem, um
para podermos produzir um conhecimento certo e modo de pensar que opera com os conteúdos do
seguro. Desse modo, depois de definir como pensar, ele pensamento e do discurso. A lógica aristotélica é um
se volta para as questões centrais da Filosofia de seu instrumento para o exercício do pensamento e da
tempo. linguagem: ela oferece os meios para realizar o
Assim, à oposição entre contradição-mudança conhecimento e o discurso.
(Heráclito) e identidade-permanência (Parmênides) dos Para Platão, a dialética é um modo de conhecer.
seres, Aristóteles apresenta uma terceira via diferente da Para Aristóteles, a lógica (ou analítica) é um
escolhida por Platão e radicalmente nova. instrumento para o conhecer.
Considera desnecessário separar a realidade e a Em segundo lugar, a dialética platônica é uma
aparência em dois mundos (há um único mundo no atividade intelectual destinada a trabalhar contrários e
qual existem essências e aparência) e não aceita que a contradições para superá-los, chegando à identidade da
mudança ou o devir seja mera aparência ilusória. essência ou da ideia imutável. Depurando e purificando
Há seres cuja essência é mutável e há seres cuja as opiniões contrárias, a dialética platônica chega ao que
essência é imutável. Porém, Heráclito errou ao supor é verdadeiro para todas as inteligências.
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4
Já a lógica aristotélica oferece procedimentos a Aristóteles define os termos ou categorias como
serem empregados naqueles raciocínios que se referem “aquilo que serve para designar uma coisa”. São
a todas as coisas das quais possamos ter um palavras que aparecem em tudo quanto pensamos e
conhecimento universal e necessário. Seu ponto de dizemos.
partida não são opiniões contrárias, mas princípios, Há dez categorias ou termos:
regras e leis necessários e universais do pensamento. 1. substância (por exemplo, homem, Sócrates, animal);
2. quantidade (por exemplo, dois metros de
Principais características comprimento);
3. qualidade (por exemplo, branco, grego, agradável);
A palavra grega Órganon (‘instrumento’), nome 4. relação (por exemplo, o dobro, a metade, maior que);
dado por estudiosos ao conjunto das obras sobre lógica 5. lugar (por exemplo, em casa, na rua, no alto);
escritas por Aristóteles, condiz com a própria 6. tempo (por exemplo, ontem, hoje, agora);
concepção que ele tinha do uso desse conhecimento, 7. posição (por exemplo, sentado, deitado, de pé);
caracterizado por ser: 8. posse (por exemplo, armado, isto é, na posse de uma
Instrumental: é o instrumento do pensamento arma);
e da linguagem para pensar e dizer corretamente a fim 9. ação (por exemplo, corta, fere, derrama);
de verificar a correção do que está sendo pensado e 10. paixão ou passividade (por exemplo, está cortado,
dito; está ferido).
Formal: não se ocupa com os conteúdos As categorias ou termos indicam o que uma
pensados ou com os objetos referidos pelo coisa é ou faz, ou como está. São aquilo que nossa
pensamento, mas apenas com a forma pura e geral dos percepção e nosso pensamento captam imediata e
pensamentos, expressos por meio da linguagem; diretamente numa coisa, sem precisar de nenhuma
Propedêutica ou preliminar: é o que devemos demonstração, pois nos dão a apreensão direta de uma
conhecer antes de iniciar uma investigação científica ou entidade simples. Possuem duas propriedades lógicas: a
filosófica, pois somente ela pode indicar os extensão e a compreensão.
procedimentos (métodos, raciocínios, demonstrações) Extensão é o conjunto de objetos designados
que devemos empregar para cada modalidade de por um termo ou uma categoria. Compreensão é o
conhecimento; conjunto de propriedades que esse mesmo termo ou
Normativa: fornece princípios, leis, regras e essa categoria designa.
normas que todo pensamento deve seguir se quiser ser Por exemplo: uso a palavra homem para
verdadeiro; designar Pedro, Paulo, Sócrates, e uso a palavra metal
Doutrina da prova: estabelece as condições e para designar ouro, ferro, prata, cobre. A extensão do
os fundamentos necessários de todas as demonstrações. termo homem será o conjunto de todos os seres que
Dada uma hipótese, permite verificar as consequências podem ser designados por ele e que podem ser
necessárias que dela decorrem; dada uma conclusão, chamados de homens; a extensão do termo metal será
permite verificar se é verdadeira ou falsa; o conjunto de todos os seres que podem ser designados
Geral e atemporal: as formas do pensamento, como metais. Se, no entanto, tomarmos o termo
seus princípios e suas leis não dependem do tempo e do homem e dissermos que é um animal, vertebrado,
lugar, nem das pessoas e circunstâncias, mas são mamífero, bípede, mortal e racional, essas qualidades
universais, necessárias e imutáveis. formam sua compreensão. Se tomarmos o termo metal
O objeto da lógica é a proposição, que exprime, e dissermos que é um bom condutor de calor, reflete a
por meio da linguagem, os juízos formulados pelo luz, etc., teremos a compreensão desse termo.
pensamento. Quanto maior a extensão de um termo, menor
A proposição é a atribuição de um predicado a sua compreensão, e quanto maior a compreensão,
um sujeito: S é P. O encadeamento dos juízos constitui menor a extensão. Tomemos, por exemplo, o termo
o raciocínio e este se exprime logicamente por meio da Sócrates: sua extensão é a menor possível, pois se refere
conexão de proposições; essa conexão chama-se a um único ser; no entanto, sua compreensão é a maior
silogismo. A lógica estuda os elementos que constituem possível, pois possui todas as propriedades do termo
uma proposição, os tipos de proposições e de homem e mais suas propriedades específicas na
silogismos e os princípios necessários a que toda qualidade de uma pessoa determinada. Essa distinção
proposição e todo silogismo devem obedecer para permite classificar os termos ou categorias em três
serem verdadeiros. tipos:
1. gênero: extensão maior, compreensão
A proposição menor. Exemplo: animal;
2. espécie: extensão média e compreensão
Uma proposição é constituída por elementos média. Exemplo: homem;
que são seus termos.
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5
3. indivíduo: extensão menor, compreensão “Todo triângulo é uma figura de três lados”, “Todo
maior. Exemplo: Sócrates. homem é mortal”;
Na proposição, a categoria da substância é o Impossíveis: quando o predicado não pode, de
sujeito (S) e as demais categorias são os predicados (P) modo algum, ser atribuído ao sujeito. Por exemplo:
atribuídos ao sujeito. A atribuição ou predicação se faz “Nenhum triângulo é figura de quatro lados”,
por meio do verbo de ligação ser. Exemplo: Pedro é “Nenhum planeta é um astro com luz própria”;
alto. Possíveis: quando o predicado pode ser ou
A proposição reúne ou separa verbalmente o deixar de ser atribuído ao sujeito. Por exemplo: “Alguns
que o juízo reuniu ou separou mentalmente. A reunião triângulos são dotados de lados iguais”, “Alguns
de termos se faz pela afirmação: S é P. A separação se homens são justos”.
faz pela negação: S não é P. A reunião ou separação dos Como todo pensamento e todo juízo, a
termos é considerada verdadeira ou recebe a proposição está submetida aos três princípios lógicos
denominação de verdade quando o que foi reunido ou fundamentais, condições de toda verdade: os princípios
separado em pensamento e na linguagem está de identidade, de não contradição e de terceiro excluído.
efetivamente reunido ou separado na realidade. Em Princípio da identidade cujo enunciado pode
contrapartida, a reunião ou separação dos termos é parecer surpreendente: “A é A” ou “O que é, é”. O
considerada falsa ou recebe a denominação de falsidade princípio da identidade é a condição do pensamento e
quando o que foi reunido ou separado em pensamento sem ele não podemos pensar. Ele afirma que uma coisa,
e na linguagem não está efetivamente reunido ou seja ela qual for, só pode ser conhecida e pensada se for
separado na realidade. percebida e conservada com sua identidade. Esse
Do ponto de vista do sujeito, há dois tipos de princípio, cujo enunciado parece absurdo (achamos
proposições: óbvio que uma coisa seja idêntica a si mesma), é usado
1. proposição existencial: declara a existência, por nossa sociedade sem que percebamos. Onde é
posição, ação ou paixão do sujeito. Por exemplo: “Um usado? Na chamada “carteira de identidade” (o nosso
homem é (existe)”, “Um homem anda”, “Um homem RG), por exemplo, com a qual se afirma e se garante
está ferido”. E suas negativas: “Um homem não é (não que “A é A”.
existe)”, “Um homem não anda”, “Um homem não O princípio da identidade é a condição para
está ferido”; definirmos as coisas e podermos conhecê-las com base
2. proposição predicativa: declara a atribuição em suas definições. Por exemplo, depois que a
de alguma coisa a um sujeito por meio do verbo de matemática determinou a identidade do triângulo como
ligação é. Por exemplo: “Um homem é justo”, “Um figura de três lados e de três ângulos internos cuja soma
homem não é justo”. é igual à soma de dois ângulos retos, nenhuma outra
As proposições se classificam segundo a figura a não ser esta poderá ser denominada triângulo.
qualidade e a quantidade. Do ponto de vista da Princípio da não contradição (também
qualidade, as proposições se dividem em: conhecido como princípio da contradição), cujo
Afirmativas: as que atribuem alguma coisa a enunciado é “A é A e é impossível que seja, ao mesmo
um sujeito: S é P. tempo e na mesma relação, não A”.
Negativas: as que separam o sujeito de alguma Assim, é impossível que a árvore que está diante
coisa: S não é P. de mim seja e não seja, ao mesmo tempo, uma árvore;
Do ponto de vista da quantidade, as que o homem seja e não seja, ao mesmo tempo, mortal;
proposições se dividem em: que o vermelho seja e não seja, ao mesmo tempo,
Universais: quando o predicado se refere à vermelho, etc.
extensão total do sujeito, afirmativamente (Todos os S Sem o princípio da não contradição, o princípio
são P) ou negativamente (Nenhum S é P); da identidade não poderia funcionar. Se uma coisa ou
Particulares: quando o predicado é atribuído a uma ideia se negarem a si mesmas, elas se autodestroem.
uma parte da extensão do sujeito, afirmativamente Eis por que o princípio enuncia que as coisas e
(Alguns S são P) ou negativamente (Alguns S não são as ideias contraditórias são impensáveis e impossíveis.
P); Devemos, porém, estar atentos às duas condições no
Singulares: quando o predicado é atribuído a enunciado desse princípio nas quais há contradição.
um único indivíduo, afirmativamente (Este S é P) ou De fato, o princípio enuncia que é impossível
negativamente (Este S não é P). afirmar e negar a mesma coisa a respeito de algo ao
Além da distinção pela qualidade e pela mesmo tempo e na mesma relação. Por que essas duas
quantidade, as proposições se distinguem pela condições? Porque há coisas que podem mudar no
modalidade, sendo classificadas como: correr de suas existências ou no correr do tempo, de tal
Necessárias: quando o predicado está incluído maneira que poderão tornar-se diferentes do que eram
na essência do sujeito, fazendo parte dela. Por exemplo: e até mesmo opostas ao que eram sem que isso
signifique contradição. Por exemplo, é contraditório
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6
que, aqui e agora (nesta relação e neste tempo), uma sujeito e predicado. Por exemplo: “Todos os seres
criança seja e não seja criança; porém, não será humanos são bípedes” e “Os gregos são bípedes”.
contraditório dizer que esta criança é, agora, uma
criança e não será uma criança, quando crescer. Ou seja, O silogismo
num outro tempo e sob outra relação, a mudança de
alguém ou de alguma coisa não é contraditória. Aristóteles elaborou uma teoria do raciocínio
As duas condições para que haja contradição como inferência. Inferir é obter uma proposição como
indicam também que as coisas que não estão conclusão de uma ou de várias outras proposições que
submetidas ao tempo ou que não são temporais, a antecedem e são sua explicação ou sua causa. O
justamente porque não mudam ou não se transformam, raciocínio realiza inferências.
são aquelas para as quais o princípio de não contradição O raciocínio é uma operação do pensamento
opera sempre da mesma maneira. Assim, será sempre realizada por meio de juízos. Quando o raciocínio é
contraditório dizer que a figura geométrica triângulo é, enunciado por meio de proposições encadeadas, forma-
ao mesmo tempo e na mesma relação, triângulo e não se um silogismo.
triângulo, embora uma caixa de papelão triangular possa Inferir significa conhecer alguma coisa (a
perder essa forma com o correr do tempo ou com uma conclusão) pela mediação de outras coisas. Portanto, o
intervenção humana. O triângulo geométrico não raciocínio e o silogismo diferem da intuição, que, é um
muda; uma caixa triangular de papelão pode mudar de conhecimento direto ou imediato de alguma coisa ou de
forma (por exemplo, se ficar sob a água, vira uma pasta). alguma verdade.
Princípio do terceiro excluído, cujo A teoria aristotélica do silogismo é o coração da
enunciado é: “Ou A é x ou não é x, e não há terceira lógica. Ela constitui a teoria das demonstrações ou das
possibilidade”. Por exemplo: “Ou este homem é provas, da qual depende o pensamento científico e
Sócrates ou não é Sócrates”; “Ou faremos a guerra ou filosófico.
faremos a paz”. Este princípio define a decisão de um O silogismo possui três características
dilema – “ou isto ou aquilo” –, no qual as duas principais:
alternativas são possíveis, e a solução exige que apenas 1. é mediato: exige um percurso de
uma delas seja verdadeira. Mesmo quando temos um pensamento e de linguagem para que se chegue a uma
teste de múltipla escolha, escolhemos na verdade conclusão;
apenas entre duas opções – “ou está certo ou está 2. é demonstrativo (dedutivo ou indutivo): é
errado” –, e não há terceira possibilidade. um movimento de pensamento e de linguagem que
Graças a esses princípios, obtemos a última parte de certas afirmações verdadeiras para chegar a
maneira pela qual as proposições se distinguem. outras também verdadeiras e que dependem
Trata-se da classificação das proposições necessariamente das primeiras;
segundo a relação: 3. é necessário: porque é demonstrativo (as
Contraditórias: quando, tendo o mesmo consequências a que se chega na conclusão resultam
sujeito e o mesmo predicado, uma das proposições é necessariamente da verdade do ponto de partida).
universal afirmativa (Todos os S são P) e a outra é Por isso, Aristóteles considera o silogismo que
particular negativa (Alguns S não são P); ou quando se parte de proposições apodíticas superior ao que parte
tem uma universal negativa (Nenhum S é P) e uma de proposições hipotéticas ou possíveis, designando-o
particular afirmativa (Alguns S são P). Por exemplo: ostensivo, pois mostra claramente a relação necessária
“Todos os homens são mortais” e “Alguns homens não e verdadeira entre o ponto de partida e a conclusão. O
são mortais”. Ou então: “Nenhum homem é imortal” e exemplo mais famoso de silogismo ostensivo é:
“Alguns homens são imortais”;
Contrárias: quando, tendo o mesmo sujeito e o “Todos os homens são mortais.
mesmo predicado, uma das proposições é universal Sócrates é homem.
afirmativa (Todo S é P) e a outra é universal negativa Logo, Sócrates é mortal.”
(Nenhum S é P); ou quando uma das proposições é
particular afirmativa (Alguns S são P) e a outra é Um silogismo é constituído por três
particular negativa (Alguns S não são P). Por exemplo: proposições. A primeira é chamada premissa maior (no
“Todas as estrelas são astros com luz própria” e nosso exemplo, “Todos os homens são mortais”); a
“Nenhuma estrela é um astro com luz própria”. Ou segunda, premissa menor (no nosso exemplo, “Sócrates
então: “Alguns homens são justos” e “Alguns homens é homem”); e a terceira, conclusão (no nosso exemplo,
não são justos”; “Sócrates é mortal”).
Subalternas: quando uma proposição universal A conclusão é inferida das premissas pela
afirmativa subordina uma particular afirmativa de mediação do chamado termo médio (no nosso
mesmo sujeito e predicado, ou quando uma universal exemplo, o termo médio é “homem”). As premissas
negativa subordina uma particular negativa de mesmo possuem termos denominados extremos; há um
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extremo maior (no nosso exemplo, “mortais”) e um brasileiros” e “Os sulistas são brasileiros”, não poderei
extremo menor (no nosso exemplo, “Sócrates”), e a tirar conclusão alguma, pois o termo médio
função do termo médio é liga-los. “brasileiros” não foi tomado nenhuma vez no todo de
Essa ligação é a inferência, e sem ela não há sua extensão.
raciocínio nem demonstração. Por isso, a arte do 3. Nenhum termo pode ser mais extenso na
silogismo consiste em saber encontrar o termo médio conclusão do que nas premissas, pois, nesse caso,
que ligará os extremos e permitirá chegar à conclusão. concluiremos mais do que seria permitido. Isso significa
Aristóteles dizia que em toda ciência, afora o que uma das premissas sempre deverá ser universal
conhecimento intuitivo de seus princípios necessários, (afirmativa ou negativa).
o ponto mais importante era o conhecimento dos 4. A conclusão não pode conter o termo médio,
termos médios, porque eram estes que permitiam pois a função deste se esgota na ligação entre o maior e
encadear as premissas à conclusão, isto é, articular uma o menor.
afirmação ou negação particular às suas condições 5. De duas premissas negativas nada pode ser
universais. concluído, pois o médio não terá ligado os extremos.
Para que se chegue a uma conclusão verdadeira, 6. De duas premissas particulares nada poderá
o silogismo deve obedecer a um conjunto complexo de ser concluído, pois o médio não terá sido tomado em
regras. Dessas regras, apresentaremos as mais toda a sua extensão pelo menos uma vez e não poderá
importantes, tomando como referência o silogismo ligar o maior e o menor.
clássico que oferecemos anteriormente: 7. Duas premissas afirmativas devem ter a
A premissa maior deve conter o termo conclusão afirmativa, o que é evidente por si mesmo.
extremo maior (no caso, “mortais”) e o termo médio 8. A conclusão sempre acompanha a parte mais
(no caso, “homens”); fraca. Isto é, se houver uma premissa negativa, a
A premissa menor deve conter o termo conclusão será negativa; se houver uma premissa
extremo menor (no caso, “Sócrates”) e o termo médio particular, a conclusão será particular; se houver uma
(no caso, “homem”); premissa particular negativa, a conclusão será uma
A conclusão deve conter o maior e o menor e particular negativa. Essas regras dão origem às figuras e
jamais deve conter o termo médio (no caso, deve conter aos modos do silogismo.
“Sócrates” e “mortal” e jamais deve conter “homem”).
Como a função do médio é ligar os extremos, ele deve O silogismo científico
estar nas duas premissas, mas nunca na conclusão.
A proposição é uma predicação ou atribuição. Aristóteles distingue dois grandes tipos de
As premissas fazem a atribuição afirmativa ou negativa silogismos: os dialéticos e os científicos.
do predicado ao sujeito, estabelecendo a inclusão ou Nos primeiros, as premissas se referem ao que
exclusão do médio no maior e a inclusão ou exclusão é apenas possível ou provável, ao que pode ser de uma
do menor no médio. Graças a essa dupla inclusão ou maneira ou de outra, contrária e oposta. Suas premissas
exclusão, o menor estará incluído no maior ou excluído são hipotéticas e por isso sua conclusão também é
dele. hipotética.
Por ser um sistema de inclusões (ou exclusões) O silogismo dialético comporta argumentações
entre sujeitos e predicados, o silogismo declara a contrárias, porque suas premissas são meras opiniões
inerência do predicado ao sujeito. Ou seja, quando há sobre coisas ou fatos possíveis ou prováveis. As
uma inerência afirmativa, o predicado está opiniões não são objeto de ciência, mas de persuasão.
necessariamente incluído no sujeito; quando há uma A dialética é uma discussão entre opiniões contrárias
inerência negativa, o predicado está necessariamente que oferecem argumentos contrários, vencendo aquele
excluído do sujeito. A ciência é a investigação dessas cuja conclusão for mais persuasiva. O silogismo
inerências, por meio das quais se alcança a essência do dialético é próprio da retórica, ou arte da persuasão, na
objeto investigado. qual aquele que fala procura tocar as emoções e paixões
A inferência silogística deve obedecer a oito dos ouvintes e não o raciocínio ou a inteligência deles.
regras, sem as quais não terá validade, não sendo Já o silogismo científico se refere ao que é
possível dizer se a conclusão é verdadeira ou falsa: universal e necessário, ao que é de uma maneira e não
1. Um silogismo deve ter um termo maior, um pode deixar de ser tal como é, ao que acontece sempre,
menor e um médio e somente três termos, nem mais, e sempre acontece da mesma maneira. Suas premissas
nem menos. são apodíticas e sua conclusão também é apodítica.
2. O termo médio deve aparecer nas duas O silogismo científico não admite premissas
premissas. Além disso, deve ser tomado em toda a sua contraditórias. Suas premissas são universais
extensão (isto é, como um universal) pelo menos uma necessárias e sua conclusão não admite discussão ou
vez, pois, do contrário, não se poderá ligar o maior e o refutação, mas exige demonstração. Por esse motivo, o
menor. Por exemplo, se eu disser “Os cearenses são
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silogismo científico deve obedecer a quatro regras, sem silogismo científico não lida com os predicados ou
as quais sua demonstração não tem valor: atributos acidentais.
1. as premissas devem ser verdadeiras (não A ciência é um conhecimento que vai do gênero
podem ser possíveis ou prováveis, nem falsas); mais alto de um ser às suas espécies mais singulares. A
2. as premissas devem ser primárias ou passagem do gênero à espécie singular se faz por uma
primeiras, isto é, indemonstráveis, pois, se tivermos de cadeia dedutiva ou silogística, na qual cada espécie
demonstrar as premissas, teremos de ir de regressão em funciona como gênero para suas subordinadas e cada
regressão, indefinidamente, e nada demonstraremos; uma delas se distingue das outras por uma diferença
3. as premissas devem ser mais inteligíveis do específica. Definir é encontrar a diferença específica
que a conclusão, pois a verdade desta depende entre seres do mesmo gênero.
inteiramente da absoluta clareza e compreensão que A tarefa da definição é delimitar o gênero e a
tenhamos das suas condições, isto é, das premissas; diferença específica essencial que distingue uma espécie
4. as premissas devem ser causa da conclusão, da outra. A demonstração (o silogismo) partirá do
isto é, devem estabelecer as coisas ou os fatos que gênero, oferecerá a definição da espécie e incluirá o
causam a conclusão e que a explicam, de tal maneira indivíduo na espécie e no gênero, de sorte que a
que, ao conhecê-las, estamos obedecendo às causas da essência ou o conceito do indivíduo nada mais é do que
conclusão. Esta regra é da maior importância porque, sua inclusão ou sua inerência à espécie e ao gênero. A
para Aristóteles, conhecer é conhecer as causas ou pelas demonstração parte da definição do gênero e dos
causas. O que são as premissas de um silogismo axiomas e postulados referentes a ele; deve provar que
científico? o gênero possui realmente os atributos ou predicados
São verdades indemonstráveis, evidentes e que a definição, os axiomas e postulados afirmam que
causais. Há três tipos de premissa: ele possui. O que é essa prova? É a prova de que as
1. axiomas, isto é, verdades indemonstráveis que espécies são os atributos ou predicados do gênero e são
servem de base para todas as demonstrações de uma elas o objeto da conclusão do silogismo.
ciência. Por exemplo, os três princípios lógicos, ou Com isso, percebe-se que uma ciência possui
afirmações como “O todo é maior do que as partes”; três objetos: os axiomas e postulados, que
2. postulados, isto é, os pressupostos de que se fundamentam a demonstração; a definição do gênero,
vale uma ciência para iniciar o estudo de seus objetos. cuja existência não precisa nem deve ser demonstrada;
Por exemplo, o espaço plano, na geometria; o e os atributos essenciais ou predicados essenciais do
movimento e o repouso, na física; gênero, que são suas espécies – às quais chega a
3. definições do objeto da ciência investigada ou conclusão.
do gênero de objetos que ela investiga. A definição deve Numa etapa seguinte, a espécie a que se chegou
dizer o que a coisa estudada (o sujeito da proposição) é, na conclusão de um silogismo torna-se gênero, do qual
como é, por que é, sob quais condições ela é. Para parte uma nova demonstração, e assim sucessivamente.
Aristóteles, as definições são as premissas mais Para que o silogismo científico cumpra sua
importantes de uma ciência. função, ele deve respeitar as regras gerais e suas
A definição refere-se ao termo médio, pois é ele premissas devem ser:
que pode preencher as quatro exigências (quê, como, 1. verdadeiras para todos os casos de seu
por quê, se) e é por seu intermédio que o silogismo sujeito;
alcança o conceito da coisa investigada. A definição 2. essenciais, isto é, a relação entre o sujeito e
oferece o conceito da coisa por meio das categorias o predicado deve ser sempre necessária. Isso ocorre
(substância, quantidade, qualidade, lugar, tempo, quando o predicado está contido na essência do sujeito
relação, posse, ação, paixão, posição) e da inclusão (por exemplo, o predicado “linha” está contido na
necessária do indivíduo na espécie e no gênero. essência do sujeito “triângulo”), quando o predicado é
O conceito nos oferece a essência da coisa uma propriedade essencial do sujeito (por exemplo, o
investigada (suas propriedades necessárias ou predicado “curva” tem de necessariamente referir-se ao
essenciais), e o termo médio é o atributo essencial para sujeito “linha”) ou quando existe uma relação causal
chegar à definição. Por isso, a definição consiste em entre o predicado e o sujeito (por exemplo, o predicado
encontrar para um sujeito (uma substância) seus “equidistantes do centro” é a causa do sujeito
atributos essenciais (seus predicados). “circunferência”, uma vez que esta é a figura geométrica
Um atributo é essencial quando faz uma coisa que tem todos os pontos equidistantes do centro). Em
ser o que ela é ou quando, por estar ausente, impede a resumo, as premissas devem estabelecer a inerência do
coisa de ser tal como é (“mortal” é um atributo essencial predicado à essência do sujeito;
de Sócrates). Um atributo é acidental quando sua 3. próprias, isto é, devem referir-se
presença ou sua ausência não afetam a essência da coisa exclusivamente ao sujeito daquela ciência e de nenhuma
(“gordo” é um atributo acidental de Sócrates). O outra. Por isso, não posso buscar premissas da
geometria (cujo sujeito são as figuras) na aritmética
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(cujo sujeito são os números), nem as da biologia (cujo C) o argumento é válido, pois a conclusão é uma
sujeito são os seres vivos) na astronomia (cujo sujeito consequência lógica das premissas.
são os astros). D) o argumento é inválido, pois a conclusão é falsa.
Em outras palavras, o termo médio do
silogismo científico se refere aos atributos essenciais 3. (UFU 2010) Conforme o Dicionário de Filosofia de
dos sujeitos de uma ciência determinada e de nenhuma Nicola Abbagnano, Platão emprega a palavra silogismo
outra; para definir o raciocínio em geral. Aristóteles, por sua
4. gerais, isto é, nunca devem referir-se aos vez, o define como o tipo perfeito de raciocínio
indivíduos, mas aos gêneros e às espécies, pois o dedutivo, “um discurso em que, postas algumas coisas,
indivíduo define-se por eles e não o contrário. outras se seguem necessariamente.” Considere que a
Bom, agora que Aristóteles definiu como premissa “Todo atleta treina”, sentença universal e
proceder com o pensamento para que possamos afirmativa, é a premissa maior de um silogismo, cuja
conhecer as coisas e chegar a verdade, é hora de conclusão é: “Logo, Maria treina”.
começar a teorizar. E o início se dará pelo que ele (ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia. Trad. Alfredo
chamava de Filosofia Primeira, pelo estudo do Ser Bosi e Ivone C. Benedetti. São Paulo: Martins Fontes, 2003.)
(ontologia) que mais tarde fica conhecida como De acordo com tal definição, assinale a alternativa que
metafísica. indica, corretamente, a premissa menor:
A) Maria não é atleta.
B) Maria não treina.
QUESTÕES
C) Maria é atleta.
D) Maria é atleta, mas não treina.
1. (UNICENTRO 2011) A lógica formal aristotélica
pode ser definida como 4. (UFU 2014) Em relação ao silogismo categórico de
A) o estudo dos métodos e princípios usados para Aristóteles é INCORRETO afirmar que
distinguir o raciocínio correto do incorreto. A) o termo médio aparece na conclusão do silogismo e
B) o corpo de proposições que tem por finalidade nunca nas premissas.
garantir o estatuto do que é legítimo ou razoável. B) a primeira proposição é chamada premissa maior; a
C) o estudo da arte de convencer, que tem como segunda, premissa menor, e a terceira conclusão.
objetivo demonstrar que qualquer raciocínio é lógico. C) o termo médio é aquele que produz a ligação entre
D) a arte de convencer, pautada na mobilização de os termos das premissas, produz a conclusão e, assim,
emoções, como o medo, a hostilidade ou a reverência. ele se faz presente nas premissas maior e menor.
E) a estruturação simbólica do real, que tem por D) sendo as premissas verdadeiras, a conclusão também
objetivo demonstrar as origens religiosas e metafísicas será, necessariamente, verdadeira.
do homem.
5. (UEM 2008) Uma proposição pode ser descrita
2. (UFU 2009) Na escola, Joana se queixava a uma como um discurso declarativo que expressa
amiga sobre um namorado que a abandonara para ficar verbalmente a operação mental em que se afirma ou
com outra colega da turma. Tentando consolá-la, a nega a inerência ou a relação entre dois ou mais termos;
amiga lhe disse que ela deveria se acostumar com isso, um enunciado suscetível de verdade ou de falsidade.
ou então, nunca mais tentar namorar, pois, disse ela, “os Conforme essa descrição, assinale o que for uma
garotos são todos interesseiros”. Deixando a dor de proposição.
Joana de lado, poderíamos sistematizar o argumento da 01) O homem é um animal político.
amiga na forma de um silogismo tal como definido pelo 02) Vá embora!
filósofo Aristóteles, da seguinte maneira: 04) caneta, lápis, caderno...
08) Por que somente o homem está sujeito a se tornar
Todo garoto é interesseiro. (Premissa maior) imbecil?
Ora, o namorado de Joana é um garoto. (Premissa 16) As transformações naturais sempre levam a um
menor) aumento na entropia do Universo.
Logo, o namorado de Joana é interesseiro. (Conclusão).
6. (UEM 2008) Do ponto de vista da qualidade, as
A respeito desse argumento, e de acordo com as regras proposições dividem-se em afirmativas e negativas. De
da lógica aristotélica, é correto afirmar que acordo com a quantidade, as proposições podem ser
A) o argumento é inválido, pois a premissa maior é universais, quando o sujeito se refere a toda uma classe;
falsa. particulares, quando o sujeito se refere à parte de uma
B) o argumento é válido, pois a intenção da amiga era classe; singulares, quando o sujeito se refere a um
ajudar Joana. indivíduo.
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Dentre as proposições abaixo, identifique a(s) que 3. ONTOLOGIA
for(em) universal afirmativa, universal negativa,
particular afirmativa. Com Parmênides, vimos que o Ser verdadeiro,
01) Todos os homens são racionais. imutável, único e eterno, que constitui a realidade
02) Nenhum homem é alado. última do mundo, se opõe ao Não-Ser, ao aparente, ao
04) Alguns peixes vivem em rios. mutável, ao múltiplo e diverso na natureza. Segundo
08) O homem não é quadrúpede. Platão, deve-se buscar no mundo das ideias a realidade
16) Sócrates é filósofo. verdadeira e inteligível dos seres, e não se ater ao mundo
sensível, uma realidade inferior, composta de imagens
7. (UEM 2008) Considere o argumento a seguir: contraditórias e ilusórias – cópias das ideias verdadeiras.
Discordando de Parmênides e de Platão (seu
“Alguns homens são inteligentes; mestre), Aristóteles conduz a metafísica em uma
ora, alguns homens são professores; direção oposta.
logo, os professores são inteligentes.” Embora mantenha a indagação ontológica “O
que é?”, ele não acredita que o caminho do Ser passa ao
Sabendo que o argumento é inválido, identifique largo do mundo sensível. Para Aristóteles, é refletindo
qual(is), dentre as regras do silogismo abaixo, ele falha sobre a própria natureza em nossa volta que o Ser é
em observar. alcançado.
01) De duas premissas particulares nada resulta.
02) O termo médio nunca entra na conclusão. Diferença entre Aristóteles e seus predecessores
04) Nenhum termo pode ser total na conclusão sem ser
total nas premissas. Embora a ontologia tenha começado com
08) De duas premissas afirmativas não se conclui uma Parmênides e Platão, costuma-se atribuir seu
negativa. nascimento a Aristóteles quando este explicitamente
16) De duas premissas negativas nada pode ser formula a ideia de uma ciência ou disciplina que tem
concluído. como finalidade própria o estudo do Ser,
denominando-a Filosofia Primeira.
8. (UEM 2009) Na lógica clássica, três princípios Além disso, três outros motivos levam a atribuir
lógicos (as três leis do pensamento), a saber, os a Aristóteles o início da metafísica:
princípios de identidade, de não contradição e do 1. diferentemente de seus predecessores,
terceiro excluído, condicionam o valor de verdade de Aristóteles não julga o mundo das coisas sensíveis – ou
todo pensamento e de todo discurso. a natureza – um mundo aparente e ilusório. Pelo
Assinale o que for correto. contrário, é um mundo real e verdadeiro cuja essência
01) O princípio de identidade afirma que cada coisa é é, justamente, a multiplicidade de seres e a mudança
aquilo que é; uma proposição verdadeira é então incessante.
verdadeira. Em lugar de afastar a multiplicidade e o devir
02) O princípio de não contradição estabelece que não como ilusões ou sombras do verdadeiro Ser, Aristóteles
se pode afirmar e negar o mesmo predicado do mesmo afirma que o ser da natureza existe, é real, que seu modo
sujeito, ao mesmo tempo e na mesma relação. próprio de existir é a mudança e que esta não é uma
04) De acordo com o princípio de não contradição, é contradição impensável. É possível uma ciência
possível que proposições contraditórias possam ser teorética verdadeira sobre a natureza e a mudança: a
ambas verdadeiras, mas jamais falsas. física. Mas é preciso, primeiro, demonstrar que o objeto
08) O princípio do terceiro excluído afirma que uma da física é um ser real e verdadeiro, e isso é tarefa da
proposição é verdadeira ou é falsa, vale dizer, que é Filosofia Primeira ou “meta-física”.
verdadeira a disjunção p ou não-p. 2. diferentemente de seus predecessores,
16) De acordo com o princípio do terceiro excluído, há Aristóteles considera que a essência verdadeira das
casos em que uma proposição é parcialmente coisas naturais e dos seres humanos e de suas ações não
verdadeira ou incompletamente falsa. está no mundo inteligível, separado do mundo sensível.
As essências estão nas próprias coisas, nos próprios
homens, nas próprias ações, e é tarefa da filosofia
conhecê-las ali mesmo onde existem e acontecem.
Como conhecê-las?
Partindo da sensação até alcançar a intelecção.
A essência de um ser ou de uma ação é conhecida pelo
pensamento, que capta as propriedades internas e
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necessárias desse ser ou dessa ação, sem as quais ele ou diferencia os seres conforme estejam ou não em
ela não seriam o que são. movimento.
A metafísica não precisa abandonar este Existe a essência dos seres que são e estão em
mundo, mas, ao contrário, é o conhecimento da movimento, isto é, os seres físicos ou naturais (minerais,
essência do que existe em nosso mundo. vegetais, animais, humanos), cujo modo de ser se
3. ao se dedicar à Filosofia Primeira ou caracteriza por nascer, viver, mudar, reproduzir-se e
metafísica, a filosofia descobre que há diferentes tipos desaparecer. São seres em devir e que existem no devir.
de seres ou entes que se diferenciam justamente por Existe a essência dos seres matemáticos, que
suas essências. não existem em si mesmos, mas existem como formas
Em outras palavras, para Parmênides havia das coisas naturais, podendo, porém, ser separados
apenas o Ser único, uno e imutável; para Platão, havia delas pelo pensamento e ter suas essências conhecidas;
as coisas materiais ou sensíveis, sujeitas à mudança, e são seres que, por essência, são imóveis, isto é, não
que eram cópias imperfeitas ou sombras do ser nascem, não mudam, não se transformam nem
verdadeiro ou da realidade, as Ideias. Podemos perceber perecem, não estando em devir nem no devir.
que o critério de Parmênides e de Platão para distinguir Existem seres cuja essência é imutável ou
realidade verdadeira e aparência é a ausência ou a imóvel — não nascem, não se transformam e nem
presença de mudança. Aristóteles também usará a perecem —, mas que realizam um movimento local
mudança como critério de diferenciação dos seres, perfeito, eterno, sem começo e sem fim: os astros, que
porém o fará de maneira completamente nova. realizam o movimento circular.
E, finalmente, existe a essência de um ser
O movimento eterno, imutável, imperecível, sempre idêntico a si
mesmo, perfeito, imaterial, do qual o movimento está
“Mudança”, em grego, se diz “movimento”. A inteiramente excluído, conhecido apenas pelo intelecto,
palavra grega para movimento é kinésis (de onde vêm os que o conhece como separado de nosso mundo,
termos cinético, cinema, cinemática, em português). superior a tudo o que existe, e que é o ser por
Movimento não significa, porém, simplesmente excelência: o ser divino.
mudança de lugar ou locomoção. Significa toda e Para cada um desses tipos de ser e suas essências
qualquer mudança que um ser sofra ou realize. É existe uma ciência teorética própria (física, biologia,
movimento: psicologia, matemática, astronomia, teologia). Mas
toda mudança qualitativa de um ser qualquer também deve haver uma ciência geral, mais ampla, mais
(por exemplo, uma semente que se torna universal, anterior a todas essas, cujo objeto não seja
árvore, um objeto branco que amarelece, um esse ou aquele tipo de Ser, essa ou aquela modalidade
animal que adoece, algo quente que esfria, algo de essência, mas o Ser em geral, a essência em geral.
frio que esquenta, o duro que amolece, o mole Trata-se de uma ciência que investiga o que é a essência
que endurece, etc.); e aquilo que faz com que haja essências particulares e
toda mudança ou alteração quantitativa (por diferenciadas. Em outras palavras, deve haver uma
exemplo, um corpo que aumente ou diminua, ciência que estude o Ser enquanto Ser, sem considerar
que se divida em outros menores, que as diferenciações dos seres.
encompride ou encurte, alargue ou estreite, Essa ciência mais alta, mais ampla, mais
etc.); universal é a Filosofia Primeira, escreve Aristóteles no
toda mudança de lugar ou locomoção (subir, primeiro livro da obra conhecida como Metafísica.
descer, cair, a trajetória de uma flecha, o
deslocamento de um barco, a queda de uma
pedra, o levitar de uma pluma, etc.); Na Metafísica, Aristóteles afirma que a Filosofia
toda alteração em que um ser passe da ação à Primeira estuda os primeiros princípios e as causas
paixão ou passividade (por exemplo, ser primeiras de todas as coisas e investiga “o Ser enquanto
cortado, amado, desejado), ou da passividade à Ser”. A Filosofia Primeira estuda as essências sem
atividade (por exemplo, cortar, amar, desejar); diferenciá-las em essências físicas, astronômicas,
toda geração ou nascimento e toda corrupção humanas, etc., pois cabe às diferentes ciências estudá-
ou morte dos seres; nascer, viver e morrer são las como diferentes entre si. À metafísica cabem três
movimentos. estudos:
Numa palavra: o devir, em todos os seus aspectos, 1. o estudo do ser divino, a realidade
é o movimento. Parmênides e Platão excluíram o primeira e suprema da qual todo o restante procura
movimento da essência do Ser. aproximar-se, imitando sua perfeição imutável. As
Que faz Aristóteles? Nega que movimento ou coisas se transformam incessantemente, diz Aristóteles,
mudança e Não-Ser ou irrealidade sejam o mesmo. E porque desejam encontrar sua essência total e perfeita,
imutável como a essência divina. Por isso, o ser divino
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12
é o Primeiro Motor Imóvel do mundo, isto é, aquilo si mesmo ou aquilo que o define em sua identidade e
que, sem agir diretamente sobre as coisas, ficando a diferença com relação a todos os outros;
distância delas, as atrai, é desejado por elas. Tal desejo 3. causa eficiente ou motriz, isto é, aquilo que
as faz mudar para, um dia, não mais mudar (esse desejo, explica como uma matéria recebeu uma forma para
diz Aristóteles, explica por que há o devir e por que o constituir uma essência (por exemplo, o ato sexual é a
devir é eterno, pois as coisas naturais nunca poderão causa eficiente que faz a matéria do óvulo, ao receber o
alcançar a perfeição imutável). esperma, adquirir a forma de um novo animal ou de
A mudança ou o devir são a maneira pela qual a uma criança; o carpinteiro é a causa eficiente que faz a
natureza, ao seu modo, se aperfeiçoa e busca imitar a madeira receber a forma da mesa; etc.);
perfeição do imutável divino. O ser divino chama-se 4. a causa final, isto é, a causa que dá o motivo, a
Primeiro Motor Imóvel porque é o princípio que move razão ou a finalidade para alguma coisa existir e ser tal
toda a realidade ao mesmo tempo que não se move e como ela é (por exemplo, o bem comum é a causa final
não é movido por nenhum outro ente. Como já vimos, da política; a flor é a causa final da transformação da
movimento significa ‘mudança’, ‘alterações qualitativas semente em árvore; o Primeiro Motor Imóvel é a causa
e quantitativas sofridas’; nascer é perecer, e o ser divino, final do movimento dos seres naturais, etc.);
perfeito, não foi gerado; por isso, nunca muda; matéria: é o elemento de que as coisas da
2. o estudo dos primeiros princípios e natureza, os animais, os homens, os artefatos
causas primeiras de todos os seres ou essências são feitos; sua principal característica é possuir
existentes; virtualidades ou conter em si mesma
3. o estudo das propriedades ou atributos possibilidades de transformação, isto é, de
gerais de todos os seres, graças aos quais podemos mudança;
determinar a essência particular de um ser particular forma: é o que individualiza e determina uma
existente. A essência ou ousía é a realidade primeira e matéria, fazendo existir as coisas ou os seres
última de um ser, aquilo sem o qual um ser não poderá particulares; sua principal característica é ser
existir ou deixará de ser o que é. À essência, entendida aquilo que uma essência é;
dessa perspectiva universal, Aristóteles dá o nome de potência: é a virtualidade que está contida
substância, e a metafísica estuda a substância em geral. numa matéria e pode vir a existir, se for
atualizada por alguma causa; por exemplo, a
Principais conceitos criança é um adulto em potência ou em
potencial; a semente é a árvore em potência ou
De maneira muito breve e simplificada, os em potencial;
principais conceitos da metafísica aristotélica (e que se ato: é a atualização de uma matéria por uma
tornarão as bases de toda a metafísica ocidental) podem forma e numa forma; o ato é a forma que
ser assim resumidos: atualizou uma potência contida na matéria. Por
primeiros princípios: são os três princípios exemplo, a árvore é o ato da semente, o adulto
que estudamos na lógica, isto é, identidade, não é o ato da criança, a mesa é o ato da madeira,
contradição e terceiro excluído. Os princípios etc.
lógicos são ontológicos porque definem as Potência e matéria são idênticas, assim como forma
condições sem as quais um ser não pode existir e ato são idênticos. A matéria ou potência é uma
nem ser pensado; os primeiros princípios realidade passiva que precisa do ato e da forma, isto é,
garantem, simultaneamente, a realidade e a da atividade que cria os seres determinados. Graças aos
racionalidade das coisas; conceitos de potência e ato, a metafísica aristotélica
causas primeiras: são aquelas que explicam o pode explicar a causa e a racionalidade de todos os
que a essência é e também a origem e o motivo movimentos naturais ou dos seres físicos, isto é, de
da sua existência. Causa (para os gregos) todos os seres dotados de matéria e forma. O devir não
significa não só o porquê de alguma coisa, mas é aparência nem ilusão, ele é o movimento pelo qual a
também o quê e o como uma coisa é o que ela potência se atualiza, a matéria recebe a forma e muda
é. As causas primeiras nos dizem o que é, como de forma.
é, por que é e para que é uma coisa. São quatro essência: é a unidade interna e indissolúvel
as causas primeiras: entre uma matéria e uma forma. Essa unidade
1. causa material, isto é, aquilo de que um ser é lhe dá um conjunto de propriedades ou
feito, sua matéria (por exemplo, água, fogo, ar, terra); atributos que a fazem ser necessariamente
2. causa formal, isto é, aquilo que explica a forma aquilo que ela é. Assim, por exemplo, um ser
que um ser possui (por exemplo, o rio ou o mar são humano é por essência um animal mortal
formas da água; a mesa é a forma assumida pela matéria racional dotado de vontade, gerado por outros
madeira com a ação do carpinteiro). A forma é
propriamente a essência de um ser, aquilo que ele é em
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13
semelhantes a ele e capaz de gerar outros sua essência, pois toda realidade pode ser
semelhantes a ele, etc.; conhecida porque: possui qualidades (mortal,
acidente: é uma propriedade ou atributo que imortal, finito, infinito, bom, mau, etc.);
uma essência pode ter ou deixar de ter sem quantidades (um, muitos, alguns, pouco, muito,
perder seu ser próprio. Por exemplo, um ser grande, pequeno); relaciona-se com outros
humano mortal por essência, mas é baixo ou (igual, diferente, semelhante, maior, menor,
alto, gordo ou magro, negro ou branco, por superior, inferior); está em algum lugar (aqui, ali,
acidente. A humanidade é a essência primordial perto, longe, embaixo, atrás, etc.); está no
(animal, mortal, racional, voluntário), enquanto tempo (antes, depois, agora, ontem, hoje,
o acidente é o que, existindo ou não, nunca afeta amanhã, de dia, de noite, sempre, nunca); realiza
o ser da essência (magro, gordo, alto, baixo, ações ou faz alguma coisa (anda, pensa, dorme,
negro, branco). A essência é o universal; o corta, cai, prende, cresce, floresce, etc.) e sofre
acidente, o particular; ações de outros seres (é cortado, é preso, é
substância: é aquilo em que se encontram a puxado, é atraído, é curado, é envenenado, etc.).
matéria-potência, a forma-ato, onde estão os As categorias ou predicados podem ser essenciais
atributos essenciais e acidentais, sobre o qual ou acidentais, isto é, podem ser necessários e
agem as quatro causas; em suma, é o Ser indispensáveis à natureza própria de um ser ou podem
propriamente dito. ser algo que um ser possui por acaso ou que lhe
Aristóteles usa o conceito de substância em dois acontece por acaso, sem afetar sua natureza.
sentidos: num primeiro sentido, substância é o ser Tomemos um exemplo. Se eu disser “Sócrates é
individual; num segundo sentido, é o gênero ou a homem”, necessariamente terei de lhe dar os seguintes
espécie a que um ser individual pertence. No primeiro predicados: mortal, racional, finito, animal, pensa,
sentido, a substância é um ser individual existente; no sente, anda, reproduz, fala, adoece, é menor que uma
segundo, é o conjunto das características gerais que os montanha e maior que um gato, ama, odeia.
indivíduos de um gênero e de uma espécie possuem. Acidentalmente, ele poderá ter outros predicados: é
Aristóteles fala em substância primeira para referir- feio, é baixo, é diferente da maioria dos atenienses, é
se aos seres individuais realmente existentes, com sua casado, conversou com Laques, esteve no banquete de
essência e seus acidentes (por exemplo, Sócrates); e em Agáton, foi forçado a envenenar-se pelo tribunal de
substância segunda para referir-se aos sujeitos Atenas.
universais, isto é, gêneros e espécies que não existem Se nosso exemplo, porém, fosse uma substância
em si e por si mesmos, mas só existem encarnados nos genérica ou específica, todos os predicados teriam de
indivíduos, podendo, porém, ser conhecidos pelo ser essenciais, pois o acidente acontece somente para o
pensamento (por exemplo, ser humano). indivíduo existente, e o gênero e a espécie são universais
O gênero é um universal formado por um conjunto que só existem no pensamento e encarnados nas
de propriedades da matéria e da forma que caracterizam essências individuais.
o que há de comum nos seres de uma mesma espécie. Com esse conjunto de conceitos forma-se o quadro
A espécie também é um universal, formado por um da ontologia ou metafísica aristotélica como explicação
conjunto de propriedades da matéria e da forma que geral, universal e necessária do Ser, isto é, da realidade.
caracterizam o que há de comum nos indivíduos Esse quadro conceitual será herdado pelos filósofos
semelhantes. Assim, o gênero é formado por um posteriores, que problematizarão alguns de seus
conjunto de espécies semelhantes e as espécies, por um aspectos, estabelecerão novos conceitos, suprimirão
conjunto de indivíduos semelhantes. Os indivíduos ou alguns outros, desenvolvendo o que conhecemos como
substâncias primeiras são seres realmente existentes; os metafísica ocidental.
gêneros e as espécies ou substâncias segundas são A metafísica aristotélica inaugura, portanto, o
universalidades que o pensamento conhece por meio estudo da estrutura geral de todos os seres ou as
dos indivíduos. condições universais e necessárias que fazem com que
predicados: são categorias lógicas e também exista um ser e que ele possa ser conhecido pelo
ontológicas, porque se referem à estrutura e ao pensamento. Afirma que a realidade no seu todo é
modo de ser da substância ou da essência inteligível ou conhecível e apresenta-se como
(quantidade, qualidade, relação, lugar, tempo, conhecimento teorético da realidade em todos os seus
posse, ação, paixão). Na lógica, a substância é a aspectos gerais ou universais, devendo preceder as
primeira categoria. Aristóteles explica que, investigações que cada ciência realiza sobre um tipo
enquanto todas as categorias são predicados determinado de ser.
atribuídos a um sujeito, a substância não é A metafísica investiga:
atribuída a ninguém porque ela é, justamente, o aquilo sem o que não há seres nem
sujeito que recebe os predicados. Os predicados conhecimento dos seres: os três princípios
atribuídos a uma substância são constitutivos de lógico-ontológicos e as quatro causas;
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aquilo que faz um ser ser necessariamente o que 3. (UFU 2013) [...] após ter distinguido em quantos
ele é: matéria, potência, forma e ato; sentidos se diz cada um [destes objetos], deve-se
aquilo que faz um ser ser necessariamente como mostrar, em relação ao primeiro, como em cada
ele é: essência e predicados ou categorias; predicação [o objeto] se diz em relação àquele.
Aristóteles, Metafísica. Tradução de Marcelo Perine. São Paulo: Edições Loyola,
aquilo que faz um ser existir como algo 2002.
determinado: a substância individual De acordo com a ontologia aristotélica,
(substância primeira) e a substância como A) a metafísica é ―filosofia primeira‖ porque é ciência
gênero ou espécie (substância segunda). É isto do particular, do que não é nem princípio, nem causa
estudar “o Ser enquanto Ser”. de nada.
B) o primeiro entre os modos de ser, ontologicamente,
QUESTÕES é o ― por acidente‖, isto é, diz respeito ao que não é
essencial.
1. (UEM) Elaborando a teoria das quatro causas e a C) a substância é princípio e causa de todas as
distinção entre ato e potência, Aristóteles busca explicar categorias, ou seja, do ser enquanto ser.
a realidade do devir e da mudança a que estão D) a substância é princípio metafísico, tal como exposto
submetidas as coisas causadas. Assinale o que por Platão em sua doutrina.
for correto.
01) Para Aristóteles, a mudança implica uma passagem 4. (UFU 2011) Aristóteles (384 a.C. – 322 a.C), apesar
de ter sido discípulo de Platão, criou sua própria
da potência ao ato; o ato é o estado de plena realização
filosofia. Uma das diferenças marcantes entre os dois é
de uma coisa; a potência, a capacidade que algo tem para a importância dada aos fenômenos naturais do
assumir uma determinação. chamado mundo sensível. No mundo sensível, a mudança
02) Segundo Aristóteles, tudo que acontece tem suas é constante, característica que Aristóteles procura
causas, essas são a explicação ou o porque de certa coisa explicar a partir das concepções de matéria, forma,
ser o que é. potência e ato.
04) Causa material, causa formal, causa eficiente e causa Com base nos seus conhecimentos e no texto acima,
assinale a alternativa que define corretamente a
final são os quatro sentidos que Aristóteles distinque no concepção aristotélica de ato e potência.
termo causa A) A potência e o ato são conceitos que não se referem,
08) Segundo Aristóteles, a causa material e a causa de fato, às coisas materiais sujeitas à transformação.
formal de uma coisa são, respectivamente, aquilo de que B) A potência é o momento presente, atual da matéria;
a coisa é feita e aquilo que ela essencialmente é. ato é o que ela poderá vir a fazer.
16) Segundo Aristóteles, a causa eficiente e a causa final C) A potência e o ato não se relacionam com a matéria.
D) A potência é o que a matéria virá a ser, seu devir, o
de uma coisa são, respectivamente, o agente que atua
princípio do movimento; ato é aquilo que ela é no
sobre essa coisa e o fim que ela se destina. presente.
2. (UFU) A filosofia de Aristóteles representou uma 5. (UFU 2011) “Segundo Aristóteles, tudo tende a
nova interpretação sobre o problema do ser. Nesse passar da potência ao ato; tudo se move de uma para
sentido, Aristóteles define a ciência como outra condição. Essa passagem se daria pela ação de
A) conhecimento verdadeiro, isto é, conhecimento que forças que se originam de diferentes motores, isto é,
coisas ou seres que promoveriam esta mudança. No
se fundamenta apenas na compreensão do mundo
entanto, se todo o Universo sofre transformações, o
inteligível porque as idéias, enquanto entidades estagirita afirmava que deveria haver um primeiro
metafísicas, não mudam. motor [...]”.
B) conhecimento verdadeiro, isto é, conhecimento CHALITA, Gabriel. Vivendo a filosofia. São Paulo: Ed. Ática, 2006, p. 58.
Com base em seus conhecimentos e no texto acima,
pelas causas, capaz de compreender a natureza do devir
assinale a alternativa que contenha duas características
e superar os enganos da opinião. do primeiro motor.
C) conhecimento relativo porque o ser é mobilidade, A) O primeiro motor é imóvel, caso contrário, alguma
eterno fluxo e a verdade não pode, portanto, ser causa deveria movê-lo e ele não seria mais o primeiro
absoluta. motor; é imutável, porque é ato puro.
D) conhecimento relativo porque a ciência, enquanto B) O primeiro motor é imóvel, mas não imutável, pois
produção do homem é determinada pelo pode ocorrer de se transformar algum dia, como tudo
no Universo.
desenvolvimento histórico.
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C) O primeiro motor é imutável, mas não imóvel, pois para o ato, é preciso examinar os tipos de causa que
do seu movimento ele gera os demais movimentos do ocasionam o devir.
Universo. Para explicar esse processo, lembremos o
D) O primeiro motor não é imóvel, nem imutável, pois exemplo do artesão esculpindo uma estátua, atividade
isto seria um absurdo teórico. Para Aristóteles, o em que podemos distinguir quatro causas: a causa
primeiro motor é móvel e mutável, como tudo. material é o mármore; a causa eficiente é o escultor; a
causa formal é a forma que a estátua adquire; e a causa
6. (UEM 2008) Elaborando a teoria das quatro causas final é o motivo ou a razão pela qual a matéria passa a
e a distinção entre ato e potência, Aristóteles busca ter determinada forma, ou, dito de outra maneira, é a
explicar a realidade do devir e da mudança a que estão finalidade para a qual a estátua foi feita.
submetidas as coisas causadas. Assinale o que for Ou seja: a causa material é aquilo de que uma
correto. coisa é feita; a eficiente é aquilo com que a coisa é feita;
01) Para Aristóteles, a mudança implica uma passagem a formal é aquilo que a coisa vai ser; a final é aquilo para
da potência ao ato; o ato é o estado de plena realização o qual a coisa é feita.
de uma coisa; a potência, a capacidade que algo tem para Convém lembrar que nem sempre é fácil
assumir uma determinação. distinguir (mesmo para Aristóteles) as diferenças entre
02) Segundo Aristóteles, tudo o que acontece tem suas a causa formal e a final.
causas, essas são a explicação ou o porquê de certa coisa
ser o que é. A física aristotélica
04) Causa material, causa formal, causa eficiente e causa
final são os quatros sentidos que Aristóteles distingue A física geral é a ciência que trata do ser em
no termo causa. movimento. Já explicitamos os pressupostos
08) Segundo Aristóteles, a causa material e a causa metafísicos da teoria do devir e das quatro causas,
formal de uma coisa são, respectivamente, aquilo de que elaborados com a finalidade de superar as ilusões dos
essa coisa é feita e aquilo que ela essencialmente é. sentidos.
16) Segundo Aristóteles, a causa eficiente e a causa final Para Aristóteles, os corpos são classificados a
de uma coisa são, respectivamente, o agente que atua partir da teoria dos quatro elementos, elaborada pelo
sobre essa coisa e o fim a que ela se destina. pré-socrático Empédocles, segundo a qual os elementos
constitutivos de todos os seres são: terra, água, ar e
fogo. Essa teoria foi aceita até o século XVIII, quando
4. A FÍSICA Lavoisier demonstrou que não se tratava de elementos,
mas de substâncias compostas.
Recusando o idealismo do mundo das ideias, No universo aristotélico, todos os corpos estão
admite que só o homem concreto existe. Quanto ao dispostos de modo bem determinado, possuindo um
movimento, parte da constatação da sua existência, lugar natural conforme sua essência. Segundo a teoria
explicando-lhe a origem e a natureza. Vejamos que tipo da queda dos corpos, o peso e a leveza são qualidades
de ciência surge daí. dos corpos e determinam formas diferentes do
movimento. Então, a terra e a água, por serem corpos
Pressupostos metafísicos pesados, têm o lugar natural embaixo; o ar e o fogo,
sendo leves, têm o lugar natural em cima.
Por trás das afirmações da ciência aristotélica há Consequentemente, o movimento natural é
uma série de noções metafísicas, quanto à natureza dos aquele em que as coisas retornam ao seu lugar natural,
corpos e do movimento. na ordem estática do cosmos. Uma vez no seu lugar
O movimento é, pois, a passagem da potência natural, o ser estará realizado e permanecerá em
para o ato. O movimento é "o ato de um ser em repouso.
potência enquanto tal", é a potência se atualizando. Para os gregos, portanto, não há necessidade de
Aristóteles não se refere apenas ao conceito de explicar o repouso, pois a própria natureza do corpo o
movimento local. Movimento também pode ser explica. O que precisa ser compreendido é o
compreendido como movimento qualitativo, pelo qual movimento: a ordem natural pode ser alterada por um
o corpo tem uma qualidade alterada, por exemplo, movimento violento causado pela aplicação de uma
quando o analfabeto aprende a ler. Ou, ainda, como força exterior.
movimento quantitativo da planta que cresce, pois há Enquanto o movimento natural é o da pedra
alteração de tamanho. que cai, do fogo que sobe, o movimento violento é o da
Há também a mudança substancial, pela qual pedra lançada para cima, da flecha arremessada pelo
um ser começa a existir (geração) ou deixa de existir arco. Esse movimento necessita, durante toda sua
(destruição das essências). Ainda mais: se Aristóteles duração, de um motor unido ao móvel, de modo que,
considera que o movimento é a passagem da potência suprimido o motor, cessará o movimento. Isso é fácil
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de explicar no caso do cavalo que puxa carroça, mas o Todos os modelos propostos pelos gregos eram
exemplo do arremesso de projétil requer de Aristóteles geocêntricos, e a única exceção é a de Aristarco de
alguns artifícios: ao lançar a pedra, a mão comunica o Samos (310 -230 a.C.), que propôs um revolucionário
seu próprio poder ao ar próximo a ela, provocando um modelo heliocêntrico (hélios: “Sol”), nunca aceito e até
turbilhão que mantém a pedra em movimento; esse considerado subversivo.
poder comunica-se por contiguidade e, porque a
intensidade diminui a cada transmissão, o movimento A hierarquização do cosmos
acaba cessando, pelo movimento natural o corpo
retorna ao lugar natural. Outra característica importante na cosmologia
Mais adiante veremos como a física qualitativa aristotélica se encontra na hierarquização pela qual a
de Aristóteles, baseada na análise da essência dos natureza do Céu é considerada superior à natureza da
corpos pesados e leves, será alterada pelas inovações Terra.
introduzidas por Galileu, no século XVII. O universo está dividido em: mundo
supralunar, constituído pelos Céus, que incluem, na
A astronomia aristotélica ordem: Lua, Mercúrio, Vênus, Sol, Marte, Júpiter,
Saturno e, finalmente, a esfera das estrelas fixas.
A preocupação com o movimento dos astros é São corpos constituídos por uma substância
muito antiga. Povos como os babilônios já tinham desconhecida por nós, o éter (não confundir com a
conhecimento de astronomia há dois ou três mil anos substância química), que é cristalino, inalterável,
antes de Cristo, e com frequência esses conhecimentos imperecível, transparente e imponderável. O éter é
misturavam-se a analogias com o destino dos homens, também conhecido como quinta-essência, em
comandado pela junção dos astros. contraposição aos quatro elementos.
São os gregos que, pela primeira vez, tentam Por esse motivo os corpos celestes são
explicar racionalmente o movimento dos astros, incorruptíveis, perfeitos, não-sujeitos a transformações.
procurando entender a natureza do cosmos (palavra O movimento das esferas é circular, considerado o
que, em grego, significa "ordem", "beleza", e se opõe a movimento perfeito.
caos, "desordem"). O mundo sublunar, correspondente à região
Persiste, no entanto, certa mística nessas da Terra, que, embora imóvel ela mesma, é o local dos
explicações, decorrente do privilégio dado a algumas corpos em constante mudança, portanto perecíveis,
formas e noções tais como perfeição, eternidade, corruptíveis, sujeitos a movimentos imperfeitos: aí não
repouso e o círculo como forma perfeita. Daí o mais acontece o movimento circular das esferas, mas o
movimento uniforme ser considerado o movimento movimento retilíneo para baixo e para cima. Os
perfeito, sempre idêntico a si mesmo, e por isso mesmo elementos constitutivos são os já referidos quatro
imutável e eterno. O movimento circular não tem início elementos (terra, água, ar e fogo).
nem fim; volta sobre si mesmo e continua sempre; é As ideias de Aristóteles referentes ao universo
movimento sem mudança. serão retomadas pelo matemático e geômetra Cláudio
Acrescente-se a isso a concepção do universo Ptolomeu, no século II da era cristã, na obra conhecida
finito, limitado pela esfera do Céu, fora do qual não há como Almagesto, cuja influência se exerce durante a
lugar, nem vácuo, nem tempo... Idade Média até ser contestada por Copérnico e Galileu.
3. (UNICENTRO 2014) Livre, para Aristóteles, é o 5. (UEL 2006) “Aristóteles foi o primeiro filósofo a
que vive para si e não para outro, mas a liberdade não elaborar tratados sistemáticos de Ética. O mais
tem sua existência na vida do indivíduo isolado, mas na
influente desses tratados, a Ética a Nicômaco, continua a
vida inserida nas instituições éticas da pólis.
(OLIVEIRA, M. A. Ética e sociabilidade. São Paulo: Loyola, ser reconhecido como uma das obras-primas da
1993. p.61.) filosofia moral. Ali nosso autor apresenta a questão que,
Com base no texto e nos conhecimentos sobre de seu ponto de vista, constitui a chave de toda
Aristóteles, assinale a alternativa correta.
investigação ética: Qual é o fim último de todas as
a) A ética é entendida como ciência neutra, uma vez que
aquele que reflete filosoficamente com objetivos ético- atividades humanas?”
práticos comporta-se como um observador. CORTINA, Adela; MARTÍNEZ, Emilio. Ética. Trad. Silvana
Cobucci Leite. São Paulo: Loyola, 2005. p. 57.
b) A filosofia prática pretende refletir sobre a ação
humana em que o indivíduo é entendido enquanto Com base no texto e nos conhecimentos sobre a ética
pertencente a uma comunidade de cidadãos. aristotélica, é correto afirmar:
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a) É uma ética que desconsidera os valores culturais e a num meio-termo (meio-termo relativo a nos)
participação discursiva dos envolvidos na escolha da determinado pela razão (a razão graças a qual um
concepção de bem a ser perseguida. homem de discernimento o determinaria)”.
Assinale a alternativa que NAO faz parte da definição
b) É uma ética do dever que, ao impor normas de ação
aristotélica de excelência (virtude).
universais, transcende a concepção de vida boa de uma A) A excelência moral consiste numa mediania entre
comunidade e exige o cumprimento categórico das dois extremos.
mesmas. B) A excelência moral tem como princípio o exercício
c) É uma ética compreendida teleologicamente, pois o ativo da razão que determina, na escolha, o meio-termo
bem supremo, vinculado à busca e à realização plena da entre dois extremos.
felicidade, orienta as ações humanas. C) A excelência moral é uma disposição que tem como
alvo a escolha de um meio-termo relativo a nós.
d) É uma ética que orienta as ações por meio da bem-
D) A excelência moral se realiza do modo inconsciente,
aventurança proveniente da vontade de Deus, porém por depender exclusivamente das paixões e apetites
sinalizando para a irrealização plena do bem supremo humanos.
nesta vida. E) O ser humano dotado de discernimento é o mais
e) É uma ética que compreende o indivíduo virtuoso capacitado para determinar o meio-termo entre dois
como aquele que já nasce com certas qualidades físicas extremos.
e morais, em função de seus laços sanguíneos.
QUESTÕES ONTOLOGIA
1. 01/02/04/08/16
2. b
3. c
4. d
5. a
6. 1/2/4/8/16
QUESTÕES ÉTICA
1. a
2. a
3. b
4. a
5. c
6. 1/2/4/8
7. d
QUESTÕES POLÍTICA
1. a
2. b
3. 1/2/8
4. 1/2
69
25
FILOSOFIA HELENÍSTICA a partir do momento que na dimensão política (isto é,
na vida dentro da pólis) se reconheciam todos os
1. TRANSFORMAÇÕES CULTURAIS grandes filósofos gregos, os quais justamente sobre este
fundamento construíram seus sistemas e sua
Enfraquecidos pela Guerra do Peloponeso, os antropologia.
gregos não resistiram ao ataque macedônico na Alexandre com sua expansão promove
BATALHA DE QUERONEIA (338 a. C.) e gradualmente a queda da pólis. Ele dá início ao primeiro
sucumbiram diante do rei Filipe II. projeto de globalização, com a convivência de povos de
O domínio macedônico não ficou só na Grécia. diferentes costumes vivendo sob um mesmo território
Com a morte do rei Felipe II, seu filho Alexandre (336 e domínio.
– 323 a. C.) de apenas 18 anos, assume o poder e O ideal da pólis, portanto, é substituído pelo
conquista os grandes domínios do Império Persa, ideal “cosmopolita” (o mundo inteiro é uma pólis), e o
expandindo o poderio macedônico até a Índia. homem-político é substituído pelo homem-indivíduo; a
Alexandre foi contraposição grego-bárbaro em larga medida é
educado nos costumes superada pela concepção do homem em uma dimensão
gregos, teve Aristóteles de igualitarismo universal.
como seu professor, e Esse novo mundo que Alexandre estava
espalhou a cultura grega por criando requeria um novo homem, que deixaria de ser
um vastíssimo território. A um cidadão da pólis para ser um cidadão do mundo, da
expansão e mistura da cosmo-pólis, ou seja, um cosmopolita.
cultura grega com a dos Dessa maneira, todo aquele corpo teórico
povos orientais originou o sustentado pelos filósofos gregos, que concebia a pólis
que foi conhecido de como sendo o único lugar onde o homem poderia
Helenismo. exercitar suas virtudes e fazer florescer suas
Seu império não resistiu à sua morte, foi potencialidades, foi perdendo sentido, pois a pólis
dividido entre seus generais, e foi conquistado pelos estava deixando de existir em seu formato original.
romanos. No entanto, as cidades fundadas por ele Compreendemos então por que as filosofias até
continuaram transmitindo a cultura grega para diversos então elaboradas (com exceção da socrática) arriscaram
povos ao longo de séculos. Como exemplo, podemos tornar-se desatualizadas e superadas pelos tempos.
citar Alexandria no Egito, Pérgamo na Ásia Menor, e a Surgiu assim fortemente a exigência de novas filosofias
Ilha de Rodes no Mar Egeu. mais eficazes do ponto de vista prático, que ajudassem
Abaixo, mapa indicando o tamanho da a enfrentar os novos acontecimentos e a inversão dos
expansão do Império Macedônico. antigos valores aos quais estavam estreitamente ligadas.
De tal modo, a cultura helênica, difundiu-se em
vários lugares, tornou-se cultura helenística, e o centro
da cultura passou de Atenas para Alexandria, cidade que
mais se destacou ao possuir a maior biblioteca do
mundo de sua época, e por ter formado uma escola com
grandes pensadores.
É nesse contexto que surgem novas correntes
de pensamento filosóficas, como respostas às novas
questões postas por essas transformações.
Como expressões das novas exigências
impuseram-se de modo particular a filosofia cínica, a
epicurista, a estoica, e a cética, enquanto o Platonismo
e o Aristotelismo caíram em grande medida no
esquecimento. Essas mudanças na forma de ver o
mundo colocavam novas questões que não podiam ser
respondidas pelos escritos filosóficos já existentes.
4. EPICURISMO
9. FIM DA FILSOFIA PAGÃ 2. Quais das correntes filosóficas abaixo podem ser
consideradas do período helenístico:
O fim da filosofia pagã antiga tem data oficial, a) modismo, marxismo e capitalismo
ou seja, 529 d.C., ano em que Justiniano proibiu aos b) estoicismo, epicurismo e modismo
pagãos qualquer oficio público e, portanto, também a c) epicurismo, cinismo, estoicismo e pirronismo
possibilidade de manter escolas e ensinar. (ceticismo)
Eis um trecho significativo do Códex de d) platonismo e neoplatonismo
Justiniano: “Nós proibimos que seja ensinada qualquer e) epicurismo, platonismo, estoicismo e pirronismo
doutrina por parte daqueles que estão afetados pela (ceticismo)
loucura dos ímpios pagãos. Por isso, que nenhum pagão
simule estar instruindo aqueles que, 3. Quais dos filósofos fizeram parte da escola
desventuradamente, frequentam sua casa enquanto, na helenística dos cínicos?
realidade, nada mais está fazendo do que corromper as a) Aristóteles e Diógenes de Sínope.
almas dos discípulos. Ademais, que não receba b) Antístenes e Diógenes de Sínope.
subvenções públicas, já que não tem nenhum direito c) Platão e Diógenes de Sínope.
derivado de escrituras divinas ou de éditos estatais para d) Tales e Diógenes de Sínope.
obter licença para coisas desse gênero. Se alguém, aqui e) Demócrito e Diógenes de Sínope.
(em Constantinopla) ou nas províncias, resultar culpado
desse crime e não se apressar a retornar ao seio de nossa 4. (UEM 2008) O Período Helenístico inicia-se com a
santa Igreja, juntamente com sua família, ou seja, conquista macedônica das cidades-Estado gregas. As
juntamente com a mulher e os filhos, recairá sob as correntes filosóficas desse período surgem como
referidas sanções, suas propriedades serão confiscadas tentativas de remediar os sofrimentos da condição
e ele próprio será enviado ao exílio.” humana individual: o epicurismo ensinando que o
Esse édito é sem dúvida muito importante para prazer é o sentido da vida; o estoicismo instruindo a
o destino da filosofia greco-pagã, bem como a data em suportar com a mesma firmeza de caráter os
que foi promulgado. acontecimentos bons ou maus; o ceticismo de Pirro
Entretanto, devemos destacar que o ano de 529 orientando a suspender os julgamentos sobre os
d.C., como todas as datas que abrem ou encerram uma fenômenos.
época, nada mais faz do que sancionar com um Sobre essas correntes filosóficas, assinale o que for
acontecimento de repercussão aquilo que já era correto.
realidade produzida por toda uma série de 01) Os estóicos, acreditando na idéia de um cosmo
acontecimentos anteriores. harmonioso governado por uma razão universal,
O édito de 529 d.C., portanto, nada mais fez do afirmaram que virtuoso e feliz é o homem que vive de
que acelerar e estabelecer de direito aquele fim ao qual, acordo com a natureza e a razão.
de fato e por si mesma, a filosofia pagã antiga estava 02) Conforme a moral estóica, nossos juízos e paixões
destinada inexoravelmente. dependem de nós, e a importância das coisas provém
da opinião que delas temos.
QUESTÕES 04) Para o epicurismo, a felicidade é o prazer, mas o
verdadeiro prazer é aquele proporcionado pela ausência
1. O helenismo é um período da história da filosofia que de sofrimentos do corpo e de perturbações da alma.
se caracteriza pela 08) Para Epicuro, não se deve temer a morte, porque
A) exclusividade que dá à dimensão prática da filosofia, nada é para nós enquanto vivemos e, quando ela nos
em contraposição à dimensão investigativa das sobrevém, somos nós que deixamos de ser.
filosofias platônica e aristotélica.
79
10
16) O ceticismo de Pirro sustentou que, porque todas 04) comer uma refeição nutritiva e saborosa em demasia
as opiniões são igualmente válidas e nossas sensações é ruim porque as consequências são danosas ao bem-
não são verdadeiras nem falsas, nada se deve afirmar estar do corpo.
com certeza absoluta, e da suspensão do juízo advém a 08) a beleza corporal é uma finalidade da vida humana
paz e a tranqüilidade da alma. porque o prazer de ser admirado é a maior felicidade
para o ser humano.
5. (UEM 2009) A filosofia de Epicuro (341 a 240 a.c.) 16) o prazer não é necessariamente felicidade porque
pode ser caracterizada por uma filosofia da natureza e ele pode gerar o seu contrário, a dor.
uma antropologia materialista; por uma ética
7. (UEM 2013) “Acostuma-te à ideia de que a morte
fundamentada na amizade e a busca da felicidade nos para nós não é nada, visto que todo bem e todo mal
princípios de autarquia (autonomia e independência do residem nas sensações, e a morte é justamente a
sujeito) e de ataraxía (serenidade, ausência de privação das sensações. A consciência clara de que a
perturbação, de inquietação da mente). morte não significa nada para nós proporciona a fruição
Sobre a filosofia de Epicuro, assinale o que for correto. da vida efêmera, sem querer acrescentar-lhe tempo
01) A filosofia de Epicuro fundamenta-se no atomismo infinito e eliminando o desejo de imortalidade. Não
de Demócrito. Epicuro acredita que a alma humana é existe nada de terrível na vida para quem está
formada de um agrupamento de átomos que se perfeitamente convencido de que não há nada de
desagregam depois da morte, mas que não se terrível em deixar de viver. É tolo, portanto, quem diz
extinguem, pois são eternos, podendo reagrupar-se ter medo da morte, não porque a chegada desta lhe trará
infinitamente. sofrimento, mas porque o aflige a própria espera.”
02) Para Epicuro, a amizade se expressa, sobretudo, por (Epicuro, Carta sobre a felicidade [a Meneceu]. São Paulo: ed.
Unesp, 2002, p. 27. In: COTRIM, G. Fundamentos da Filosofia. SP:
meio do engajamento político como forma de amar Saraiva, 2006, p. 97).
todos os homens representados pela pátria. A partir do trecho citado, é correto afirmar que
04) Epicuro, como seu mestre Demócrito, foi ateu, 01) a morte, por ser um estado de ausência de sensação,
considera que a crença nos deuses é o resultado da não é nem boa, nem má.
fantasia humana produzida pelo medo da morte. 02) a vida deve ser considerada em função da morte
08) Epicuro critica os filósofos que ficavam reclusos no certa.
jardim das suas academias e ensinavam apenas para um 04) o tolo não espera a morte, mas vive apoiado nas
grupo restrito de discípulos. Acredita que a filosofia suas sensações e nos seus prazeres.
deve ser ensinada nas praças públicas. 08) a certeza da morte torna a vida terrível.
16) Para Epicuro, não devemos temer a morte, pois, 16) a espera da morte é um sofrimento tolo para aquele
enquanto vivemos, a morte está ausente e quando ela que a espera.
for presente nós não seremos mais; portanto, a vida e a
morte não podem encontrar-se. Devemos exorcizar
8. (UEM 2013) “O prazer é o início e o fim de uma
todo temor da morte e sermos capazes de gozar a
vida feliz. Com efeito, nós o identificamos com o bem
finitude da nossa vida.
primeiro e inerente ao ser humano, em razão dele
praticamos toda escolha e toda recusa e a ele chegamos
6. (UEM 2012) Afirma o filósofo Epicuro (séc. III escolhendo todo bem de acordo com a distinção entre
a.C.), conhecido pela defesa de uma filosofia hedonista: prazer e dor. Embora o prazer seja nosso bem primeiro
“(...) o prazer é o começo e o fim da vida feliz. É ele que e inato, nem por isso escolhemos qualquer prazer: há
reconhecemos como o bem primitivo e natural e é a ocasiões em que evitamos muitos prazeres, quando
partir dele que se determinam toda escolha e toda deles nos advêm efeitos o mais das vezes desagradáveis;
recusa e é a ele que retornamos sempre, medindo todos ao passo que consideramos muitos sofrimentos
os bens pelo cânon do sentimento. Exatamente porque preferíveis aos prazeres, se um prazer maior advier
o prazer é o bem primitivo e natural, não escolhemos depois de suportarmos essas dores por muito tempo”
todo e qualquer prazer; podemos mesmo deixar de lado EPICURO. Carta sobre a felicidade. In: ARANHA, M. Filosofar
muitos prazeres quando é maior o incômodo que os com textos: temas e história da filosofia. São Paulo: Moderna, 2012,
segue.” p. 330.
(EPICURO, A vida feliz. In: ARANHA, M. L.; MARTINS, M. P. A partir do trecho citado, assinale o que for correto.
Temas de filosofia. 3.ª ed. rev. São Paulo: Moderna, 2005, p. 228.) 01) Todos os seres humanos buscam prazer sempre e
Considerando os conceitos de Epicuro, é correto em tudo, evitando toda e qualquer dor.
afirmar que 02) Os prazeres imediatos anulam as dores que podem
01) estudar todo dia não é bom porque a falta de prazer decorrer desses.
anula todo conhecimento adquirido.
02) todas as escolhas são prazerosas porque
naturalmente os seres humanos rejeitam toda dor.
80
11
04) Dor e prazer não são contraditórios, pois de atos 02) Pitágoras de Samos considera que a arché de todos
dolorosos podem advir situações prazerosas e vice- as coisas, princípios de onde deriva a harmonia da
versa. natureza, é feita à imagem da harmonia do número.
08) A noção de prazer não está ligada somente à 04) Os gregos deram uma grande contribuição para o
sensação imediata, mas aos efeitos que uma ação pode avanço da ciência matemática quando introduziram o
gerar no ser humano. número cardinal zero como expressão da ausência de
16) A busca da felicidade na vida não se restringe a quantidade.
escolhas prazerosas, mas a ações que geram prazer, 08) Na Academia de Platão, só eram aceitas a álgebra e
apesar de essas conterem, às vezes, algumas doses de a aritmética; a geometria era excluída, pois representava
sacrifício. os objetos do mundo sensível.
16) A matemática na Grécia clássica concebeu o
9. (UEM 2015) “O prazer é o início e o fim de uma número da mesma maneira como é conceituado pela
vida feliz. Com efeito, nós o identificamos com o bem matemática moderna. Por essa razão, a matemática
pode ser considerada uma ciência que nunca mudou, no
primeiro e inerente ao ser humano, em razão dele
decorrer da história, seus paradigmas.
praticamos toda escolha e toda recusa, e a ele chegamos
escolhendo todo bem de acordo com a distinção entre
prazer e dor. Embora o prazer seja nosso bem primeiro
e inato, nem por isso escolhemos qualquer prazer: há
ocasiões em que evitamos muitos prazeres, quando
deles nos advêm efeitos o mais das vezes desagradáveis;
ao passo que consideramos muitos sofrimentos
preferíveis aos prazeres, se um prazer maior advier
depois de suportarmos essas dores por muito tempo.”
EPICURO. Carta sobre a felicidade. In ARANHA, M. L. de A.;
MARTINS, M. H. P. Filosofando. São Paulo: Moderna, 2009, p.
251.
A partir desta citação de Epicuro, assinale o que for
correto.
01) Felicidade e infelicidade são estabelecidas pelos
efeitos do prazer e da dor.
02) O sentimento de prazer é inato à natureza humana.
04) Epicuro defende o prazer sem medidas.
08) O prazer corporal é um mal causado pelo pecado
original.
16) O hedonismo de Epicuro não é imediatista, mas
moderado.
QUESTÕES HELENISMO
1. c
2. c
3. b
4. 1/2/4/8/16
5. 1/16
6. 4/16
7. 1/16
8. 4/8/16
9. 1/2/16
10. 1/2
85
16
FILOSOFIA MEDIEVAL que ela para dizer como Deus queria que a sociedade
(agora baseada nas relações de suserania e vassalagem
1. INTRODUÇÃO estabelecida entre o senhor feudal e os seus servos)
fosse organizada, legitimando assim, uma sociedade
A Idade Média abarca um período tão extenso hierarquizada, desigual e sem mobilidade social.
que é difícil caracterizá-la sem incorrer no risco da Definida pelo critério de sangue, quem nascia nobre
simplificação. Afinal, são mil anos (de 416 a 1455), entre morria nobre, quem nascia servo, morria servo.
a queda do Império Romano do Ocidente e a tomada Nesse contexto, a Igreja exerce enorme
de Constantinopla pelos turcos. influência, na medida em que mantém o monopólio do
A Alta Idade Média, período que se sucedeu à saber, pois são os monges os únicos letrados em um
queda do Império, é caracterizada por um estado de mundo onde nem os servos nem os nobres sabem ler.
desagregação da antiga ordem e pela divisão do Império Desde a invasão dos bárbaros, a cultura greco-
em diversos reinos bárbaros. latina permanecera por muito tempo confinada aos
mosteiros, ressurgindo lentamente após o século VIII,
no período conhecido como renascimento carolíngio,
ocasião em que Carlos Magno mandou fundar inúmeras
escolas junto às igrejas e mosteiros.
Dessa forma, os intelectuais pertencem às
ordens religiosas e, consequentemente, as principais
questões filosóficas referem-se às relações entre fé e
razão, sendo que esta se encontra sempre subordinada
àquela.
Se a fé é o conhecimento mais elevado e o
critério mais adequado da verdade, a filosofia não é a
busca da verdade, pois esta já foi encontrada, mas a ela
cabe apenas o trabalho de demonstração racional dessa
Mas, antes da queda, numa tentativa verdade.
desesperada de salvar o Império Romano, em 380 o No entanto, não devemos considerar todo o
imperador Teodósio torna o cristianismo, que já era a período medieval (sécs. V a XV, portanto mil anos)
seita religiosa com o maior número de seguidores, a como sendo de obscuridade. Em vários momentos, há
religião oficial. Desse modo, estabelece-se a ligação expressões diversas de produção cultural às vezes tão
entre Estado e Igreja, pois esta legitima o poder do heterogênea que se torna difícil reduzir o período àquilo
Estado, atribuindo-lhe uma origem divina. que se poderia chamar pensamento medieval.
Não deu muito certo! O Império caiu, mas a Uma constante se faz notar no pano de fundo
Igreja Católica (do grego καθολικος /katholikos = desse pensamento: a tentativa de conciliar a razão e a fé.
universal) Apostólica, e agora, Romana, emergiu e se A temática religiosa predomina a preocupação
tornou a maior instituição do mundo (até hoje). O apologética, isto é, na defesa da fé cristã e no trabalho
desejo de unidade de poder, de restauração da antiga de conversão dos não-cristãos.
unidade perdida, se expressa na difusão do cristianismo
que representa, na Idade Média, o ideal de Estado
universal.
Nesse cenário de fragmentação, a Igreja surgia
como um elemento de união, crescendo no vácuo que
foi deixado pelo desaparecimento do império. Assim, a
religião surge lentamente como elemento agregador dos
inúmeros reinos bárbaros formados após sucessivas
invasões; seus chefes são pouco a pouco convertidos ao
cristianismo, e a Igreja se transforma em soberana
absoluta da vida espiritual do mundo ocidental.
Ponte entre o homem e Deus, ela teria a última
palavra (a única) sobre como deveria ser a vida de seu
rebanho e sobre o que era o bem e o mal, o certo e o
errado, o justo e o injusto. Seria, portanto, a dona da A máxima predominante é "Crer para
mente e, por conseguinte, dos corpos das pessoas. compreender, e compreender para crer". A filosofia,
Poderosa não apenas do ponto de vista embora se distinguindo da teologia, é instrumento
espiritual, mas também político, ninguém melhor do desta, é serva da teologia.
86
1
De início os religiosos têm receios quanto à 2. os que julgavam fé e razão conciliáveis, mas
produção dos gregos, por serem eles pagãos, mas com subordinavam a razão à fé (diziam: “Creio para
as devidas interpretações e adaptações segundo a fé compreender”);
cristã, o pensamento medieval é fertilizado inicialmente 3. os que julgavam razão e fé irreconciliáveis,
pelo pensamento de Platão (nas obras da patrística, mas afirmavam que cada uma delas tem seu campo
sobretudo de Santo Agostinho) e depois pelo de próprio de conhecimento e não devem se misturar (a
Aristóteles (no pensamento de Santo Tomás). razão se refere a tudo o que concerne à vida temporal
Apesar do risco de simplificação, divide-se a dos homens no mundo; a fé, a tudo o que se refere à
Idade Média em duas tendências fundamentais: a salvação da alma e à vida eterna futura).
filosofia patrística e a escolástica.
4.1 SANTO AGOSTINHO
4. A PATRÍSTICA (Séc. II ao VII)
O principal nome da
Na decadência do Império Romano, surge a patrística é Santo Agostinho (354 -
partir do século II a filosofia dos Padres da Igreja, 430), bispo de Hipona, cidade do
conhecida também como patrística, isto é, dos norte da África. Viveu no final da
primeiros dirigentes espirituais e políticos do Antiguidade; logo depois Roma cai
cristianismo, após a morte dos apóstolos. nas mãos dos bárbaros, tendo
A patrística resultou do esforço para conciliar a início o longo período da Idade
nova religião com o pensamento filosófico dos gregos Média.
e romanos, pois somente assim seria possível combater O primeiro grande doutor da igreja foi o cara
as heresias e justificar a fé para convencer os pagãos da mais cachaceiro e raparigueiro que existia na cidade de
nova verdade e convertê-los a ela. Tagaste, uma província romana no norte da África.
A filosofia patrística liga-se, portanto, à Depois de passar por uma grande crise existencial na
evangelização e à defesa da religião cristã contra os qual se perguntava pelo sentido da vida, Agostinho (354
ataques teóricos e morais que recebia dos antigos. – 430) se converteu ao cristianismo e passou a ser um
A patrística introduziu ideias desconhecidas grande pregador. Essa crise está descrita em sua obra
para os filósofos greco-romanos: a ideia de criação do autobiográfica As Confissões .
mundo a partir do nada, de pecado original do homem, Não via como antagônicas fé e razão, mas
de Deus como trindade una, de encarnação e morte de afirmava que para se compreender era necessário crer,
Deus, de juízo final ou de fim dos tempos e ressurreição subordinando, portanto, a razão à fé. Apropriou-se de
dos mortos, etc. muitos elementos da filosofia platônica para
Precisou também explicar como o mal pode fundamentar sua explicação da doutrina cristã. Ele
existir no mundo, uma vez que tudo foi criado por retoma a dicotomia platônica referente ao mundo
Deus, que é pura perfeição e bondade. sensível e ao mundo das ideias e substitui esse último
Introduziu, sobretudo com Santo Agostinho, a pelas ideias divinas. Muitos autores afirmam que Santo
ideia de “homem interior”, isto é, da consciência moral Agostinho cristianizou Platão.
e do livre-arbítrio da vontade, pelo qual o homem, por Assim como Platão julgava o intelecto superior
ser dotado de liberdade para escolher entre o bem e o à matéria, Santo Agostinho pregava a superioridade da
mal, é o responsável pela existência do mal no mundo. alma ante o corpo, e sendo a alma um presente de Deus,
Para impor as ideias cristãs, os padres da Igreja devíamos nos voltar inteiramente à Ele.
católica as transformaram em verdades reveladas por
Deus (por meio da Bíblia e dos santos) que, por serem O caminho até Cristo
decretos divinos, seriam dogmas, isto é, verdades
irrefutáveis e inquestionáveis. Todas as fases de sua vida e os acontecimentos
Com isso, criou-se uma distinção entre verdades a elas relacionados, em muitos aspectos, mostraram-se
reveladas ou da fé e verdades da razão ou humanas, ou decisivas para a formação espiritual e a evolução do
seja, entre verdades sobrenaturais e verdades naturais, pensamento filosófico e teológico de Agostinho.
as primeiras introduzindo a noção de conhecimento A primeira personalidade que incidiu
recebido por uma graça divina, superior ao simples profundamente sobre a alma de Agostinho, sem dúvida,
conhecimento racional. Dessa forma, o grande tema da foi a de sua mãe, Mônica. Foi ela quem, com sua firme
filosofia patrística é o da possibilidade ou fé e seu coerente testemunho cristão, lançou em certo
impossibilidade de conciliar a razão com a fé. sentido as bases e construiu as premissas da futura
A esse respeito, havia três posições principais: conversão do filho, sobre o qual, depois, exerceu
1. os que julgavam fé e razão irreconciliáveis e a estímulo muito tenaz.
fé superior à razão (diziam eles: “Creio porque
absurdo”);
87
2
Mônica tinha cultura modesta, mas possuía a certo de nada. Mas, outra vez, não se sentiu em
força daquela fé que, na religião pregada por Cristo, condições de seguir os céticos porque em seus escritos
mostra aos humildes as verdades que oculta aos doutos não encontrava o nome de Cristo.
e sábios. Entretanto, do maniqueísmo ainda guardava o
Assim, as verdades de Cristo vistas através da materialismo, que lhe parecia o único modo possível de
forte fé de sua mãe constituíram o ponto de partida da entender a realidade, e o dualismo, que lhe parecia
evolução de Agostinho, embora por diversos anos ele explicar os fortes conflitos entre bem e mal que sentia
não aceitasse a religião cristã católica e continuasse a em seu espirito.
procurar sua identidade em outras partes. Um encontro decisivo para Agostinho foi com
O segundo encontro fundamental foi com a o bispo Ambrósio, com quem aprendeu o modo
obra Ortênsio, de Cicero, que converteu Agostinho à correto de abordar a Bíblia.
filosofia quando estudava em Cartago. Nesse escrito, O contato com os neoplatônicos revelou-lhe a
Cicero defendia um conceito de filosofia entendida e realidade do imaterial e a não realidade do mal; Plotino
modo tipicamente helenístico, como sabedoria e arte de e Porfirio, sugeriram-lhe finalmente a solução das
viver que traz a felicidade. dificuldades ontológico-metafisicas em que se
O ardor despertado pelo Ortênsio, entretanto, encontrava envolvido.
era atenuado pelo fato de que nele Agostinho não Além da concepção do incorpóreo e da
encontrava o nome de Cristo. demonstração de que o mal não é substância, mas
Agostinho voltou-se então para a Bíblia, mas simples privação, Agostinho também encontrou nos
não a entendeu. O estilo com o qual estava redigida, tão Platônicos muitos pontos comuns com as Escrituras,
diverso do estilo rico em refinamento da prosa mas, ainda outra vez, neles não encontrou um ponto
ciceroniana, e o modo antropológico com que parecia essencial, ou seja, que Cristo morreu para a remissão
falar de Deus, dificultaram sua compreensão, dos pecados dos homens.
constituindo bloqueio insuperável. Agostinho não podia encontrar em nenhum dos
Aos dezenove anos (373), Agostinho abraçou o filósofos a verdade do Cristo crucificado para a
maniqueísmo, que parecia oferecer-lhe ao mesmo remissão dos pecados dos homens porque, segundo a
tempo urna doutrina de salvação em nível racional e um doutrina cristã, Deus quis mantê-la oculta aos sábios
espaço também para Cristo. O maniqueísmo, uma para revela-la aos humildes, sendo, portanto, uma
religião herética fundada pelo persa Mani no século III, verdade que, para ser adquirida, requer uma revolução
implicava um vivo racionalismo; um marcado interior, não de razão, mas de fé. E Cristo crucificado é
materialismo; um dualismo radical na concepção do precisamente o caminho para operar essa revolução
bem e do mal, entendidos não apenas como princípios interior. É sobretudo com Paulo que Agostinho
morais, mas também como princípios ontológicos e aprende isso.
cósmicos.
Em seu dualismo extremo, os maniqueístas Filosofar na fé
chegavam até mesmo a não atribuir o pecado ao livre-
arbítrio do homem, mas sim ao princípio universal do Plotino mudou o modo de pensar de
mal que atua também em nós. Agostinho, oferecendo-lhe as novas categorias que
Mani era oriental e, como tal, abria amplo iriam romper os esquemas do seu materialismo e de sua
espaço para a fantasia e a imaginação. Assim, sua concepção maniqueísta da realidade substancial do mal.
doutrina revela-se mais próxima das teosofias do Então, todo o universo e o homem apareceram-
Oriente do que da filosofia dos gregos. lhe sob nova luz. Mas a conversão e a fé em Cristo e em
O “racionalismo” dessa religião, considerada sua Igreja mudaram também o modo de viver de
mais tarde herética por Agostinho, estava na eliminação Agostinho, abrindo-lhe novos horizontes para seu
da necessidade da fé, muito mais do que na explicação próprio pensar.
de toda a realidade pela pura razão. A fé tornou-se substância de vida e pensamento
Agostinho, consequentemente, logo foi colhido e, assim, tornou-se não só o horizonte de sua vida, mas
por muitas dúvidas. Um encontro com o bispo também de seu pensamento. E, estimulado e
maniqueu, Fausto, convenceu-o da insustentabilidade comprovado pela fé, seu pensamento adquiriu nova
da doutrina maniqueísta. Ele, que era considerado estatura e nova essência.
como a maior autoridade da seita naquele momento, Nascia o filosofar-na-fé, nascia a “filosofia
não conseguiu resolver nenhuma das dúvidas de cristã”, amplamente preparada pelos Padres gregos,
Agostinho, inclusive admitindo-o sinceramente. mas que só iria chegar ao perfeito amadurecimento com
Agostinho se afastava inteiramente do Agostinho.
maniqueísmo, sendo tentado a abraçar a filosofia da A conversão, com a consequente conquista da
Academia cética, segundo a qual o homem deve fé, foi, com efeito, o eixo em torno do qual passou a
duvidar de tudo, porque não pode ter conhecimento
88
3
girar todo o pensamento de Agostinho, e, portanto, Na verdade, Agostinho vale-se ainda também
constitui o caminho de acesso para a sua compreensão. de formulas gregas para definir o homem,
Será que se trata de urna forma de fideísmo? particularmente a formula de gênese socrática que se
Não, Agostinho está bem distante do fideísmo, que não tornou famosa com o Alcibíades de Platão, segundo a
deixa de ser urna forma de irracionalismo. A fé não qual o homem "É uma alma que se serve de um corpo".
substitui nem elimina a inteligência; pelo contrário, a fé Nele, porém, tanto o conceito de alma como o
estimula e promove a inteligência. de corpo assumem novo significado em virtude do
A fé é um modo de pensar assentindo; por isso, conceito de criação (de que falaremos adiante), do
sem pensamento não haveria fé. E analogamente, por dogma da "ressurreição e, sobretudo, do dogma da
seu turno, a inteligência não elimina a fé, mas a fortalece encarnação de Cristo. O corpo torna-se algo bem mais
e, de certo modo, a clarifica. Em suma pode-se afirmar importante do que o "vão simulacro" de que os
que fé e razão são complementares. platônicos falavam.
Desse modo, nasce aquela posição que, mais Mas a novidade está sobretudo no fato de que,
tarde, seria resumida nas formulas “credo ut intelligam” e para Agostinho, o homem interior é imagem de Deus e da
“intelligo ut credam”, formulas que, de resto, o próprio Trindade. E a problemática da Trindade, centrada
Agostinho antecipou na substância e em parte na precisamente nas três pessoas e em sua unidade
forma. A marca mais autentica do seu filosofar está na substancial e, portanto, na temática especifica da
concepção de que o homem olha para o que é pessoa, mudaria radicalmente a concepção do eu, que,
verdadeiro tanto com a fé como com a inteligência. à medida que reflete as três pessoas da Trindade e sua
unidade, torna-se ele próprio pessoa. E Agostinho
O homem concreto e sua interioridade encontra no homem toda uma série de tríades, que
refletem de vários modos a Trindade, tendo no vértice
Para Agostinho, o verdadeiro grande problema a tríade ser, conhecer e amar, que espelha as três pessoas
não é o do cosmo, mas o do homem. O verdadeiro mistério da Trindade e sua estrutura uno-trina.
não é o mundo, mas nós para nós mesmos. Assim, Deus se espelha na alma. E “alma” e
Mas Agostinho não propõe o problema do “Deus” são os pilares da "filosofia cristã" agostiniana.
homem em abstrato, ou seja, o problema da essência do Não é indagando o mundo, mas escavando a alma que
homem em geral: o que ele propõe é o problema mais se encontra Deus.
concreto do eu, do homem como individuo irrepetível,
como pessoa, como individuo, poder-se-ia dizer com A doutrina da iluminação divina
terminologia posterior.
Nesse sentido, o problema de seu eu e o de sua Para se compreender a doutrina agostiniana da
pessoa tornam-se significativos. Como pessoa, Agostinho iluminação divina, é importante perceber que, para
torna-se protagonista de sua filosofia; ao mesmo tempo Agostinho, existem dois tipos inteiramente diferentes
observante e observado. Uma comparação com o de conhecimento.
filósofo grego a ele mais próximo pode nos mostrar a O primeiro, limitado aos sentidos e referente
grande novidade dessa atitude. aos objetos exteriores ou suas imagens, não é
Embora pregue a necessidade de nos retirarmos necessário, nem imutável e nem eterno; o segundo,
das coisas exteriores para o interior de nós mesmos, na encontrado na matemática e nos princípios
alma, para encontrar a verdade, Plotino fala da alma e fundamentais da sabedoria, constitui a verdade.
da interioridade do homem em abstrato, ou melhor, em Essa distinção permite que se indague: Será o
geral, despojando rigorosamente a alma de sua próprio homem a fonte dos conhecimentos perfeitos? Contra a
individualidade e ignorando a questão concreta da resposta afirmativa depõe o fato de ser o homem tão
personalidade. Plotino não apenas nunca falou de si mutável quanto as coisas dadas à percepção. Assim, só
mesmo em sua própria obra, mas também não queria haveria uma resposta possível: a aceitação de que
falar nem aos amigos. alguma coisa transcende a alma individual e dá
Agostinho, ao contrário, fala continuamente de fundamento à verdade. Seria Deus.
si mesmo. E sua obra-prima são exatamente as Para explicar como é possível ao homem
Confissões, nas quais não só fala amplamente dos seus receber de Deus o conhecimento das verdades eternas,
pais, de sua terra, das pessoas que lhe eram caras, mas Agostinho elabora a doutrina da iluminação divina.
também põe a nu seu espírito em todos os seus mais Trata-se de uma metáfora recebida de Platão, que na
recônditos cantos e em todas as tensões intimas de sua célebre alegoria da caverna mostra ser o conhecimento,
“vontade”. em última instância, o resultado do bem, considerado
Estamos aqui bem distantes do intelectualismo como um sol que ilumina o mundo inteligível.
grego, que só havia deixado um escasso espaço para a Agostinho louva os platônicos por ensinarem
“vontade”. que o princípio espiritual de todas as coisas é, ao mesmo
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4
tempo, causa de sua própria existência, luz de seu aquilo que ele já sabia, sem ter consciência de que sabia,
conhecimento e regra de sua vida. e que o leva à redenção divina.
Por conseguinte, todas as proposições que se Nesse tipo de conhecimento a própria luz
percebem como verdadeiras seriam tais porque divina não é vista, mas serve apenas para iluminar as
previamente iluminadas a extrair da alma sua própria ideias. Um outro tipo seria aquele no qual o homem
inteligibilidade e nada se poderia conhecer contempla a luz divina, olhando o próprio sol: a
intelectualmente que já não se possuísse antes, de modo experiência mística.
infuso.
Ao afirmar esse saber prévio, Agostinho Deus
aproxima-se da doutrina platônica segundo a qual todo
conhecimento é reminiscência. Não obstante as Alcançando a Verdade, o homem também
evidentes ligações entre os dois pensadores, Agostinho alcança Deus, ou estará Ele ainda acima da Verdade?
afasta-se, porém, de Platão ao entender a percepção do Agostinho entende "Verdade" em muitos significados.
inteligível na alma não como descoberta de um Quando a entende em seu significado mais forte, ou
conteúdo passado, mas como irradiação divina no seja, como Verdade suprema, ela coincide com Deus.
presente. Por conseguinte, a demonstração da
Assim, nenhum conhecimento verdadeiro pode existência da certeza e da Verdade coincide com a
ser introduzido na mente de um indivíduo vindo de demonstração da existência de Deus.
fora, por meio do ensino, da reflexão ou da observação Como os estudiosos já observaram há tempo,
do mundo. todas as provas que Agostinho fornece da existência de
O saber sobre as formas dos seres e objetos, Deus reduzem-se, em última análise, ao esquema das
sobre a matéria em geral, os conceitos geométricos e argumentações acima expostas. Primeiro passa-se da
matemáticos, as virtudes, as emoções encontram-se na exterioridade das coisas à interioridade do espirito
alma, porque ela se origina da substância divina. Os humano, depois da Verdade que está presente no
conhecimentos de que temos consciência são os que já espirito ao Princípio de toda verdade, que é
encontramos em nossa alma, como que ativados em precisamente Deus.
nossa memória. Agostinho não demonstra Deus como, por
A alma não passaria por uma existência anterior, exemplo, o demonstra Aristóteles, ou seja, com
na qual contempla as ideias, ao contrário, existiria uma intenções puramente intelectuais e a fim de explicar o
luz eterna da razão que procede de Deus e atuaria a todo cosmo, mas sim para "fruir a Deus", e, portanto, para
momento, possibilitando o conhecimento das verdades amá-lo, para preencher o vazio do seu espírito, para pôr
eternas. Assim como os objetos exteriores só podem ser fim à inquietude do seu coração, para ser feliz.
vistos quando iluminados pela luz do Sol, também as Ser, Verdade, Bem (e Amor) são os atributos
verdades da sabedoria precisariam ser iluminadas pela essenciais de Deus para Agostinho. Ele se exprime com
luz divina para se tornarem inteligíveis. clareza, unindo a ontologia grega com a revelação
A iluminação divina, contudo, não dispensa o bíblica. Os gregos tinham dito que Deus é o ser
homem de ter um intelecto próprio; ao contrário, supõe supremo (a substância primeira), na Bíblia Deus diz de
sua existência. Deus não substitui o intelecto quando o si mesmo: "Eu sou o que sou". Justamente enquanto ser
homem pensa o verdadeiro; a iluminação teria apenas a supremo, Deus, criando as coisas, participa com eles o
função de tornar o intelecto capaz de pensar ser, mas não o Ser sumo como ele é, e sim um ser com
corretamente em virtude de uma ordem natural diferentes graus em escala hierárquica.
estabelecida por Deus. Apesar de todas estas noções, permanece claro
Essa ordem é a que existe entre as coisas do para Agostinho que é impossível para o homem uma
mundo e as realidades inteligíveis correspondentes, definição da natureza de Deus e que, em certo sentido,
denominadas por Agostinho com diferentes palavras: é mais fácil saber aquilo que ele não é do que aquilo que
ideia, forma, espécie, razão ou regra. ele é. No entanto, Deus é todo o positivo que se
A teoria agostiniana estabelece, assim, que todo encontra na criação, sem os limites que nela existem.
conhecimento verdadeiro é o resultado de um processo
de iluminação divina, que possibilita ao homem A Trindade
contemplar as ideias, arquétipos eternos de toda a
realidade. Todavia, este Deus, que é "Aquele que é", para
Aquilo que ignoramos também está na alma, e Agostinho é essencialmente Trindade. A esse tema ele
simplesmente precisa ser desperto pela memória por dedica um de seus livros mais profundos, que, sob
meio da pesquisa em nosso mundo interior. Santo vários aspectos, se impôs como sua obra-prima
Agostinho afirmava ainda que as maiores verdades são doutrinaria.
atingidas quando a alma é conduzida por Jesus Cristo, Devemos salientar três núcleos particularmente
o mestre interior que faz o homem enxergar claramente importantes dessa obra.
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5
a) O conceito básico sobre o qual ele alicerça como em um espelho, de modo admirável, realizando
sua interpretação é a identidade substancial das três Pessoas. perfeitamente o projeto do filosofar agostiniano,
Os gregos, precisa Agostinho, para exprimir conhecer Deus e a própria alma, Deus através da alma,
conceitualmente a Trindade falaram de “uma essência, a alma através de Deus.
e três substâncias”; os latinos, porém, falam de "uma
essência ou substância, e três Pessoas", porque, para os A criação
latinos, essência e substância são considerados sinônimos.
Todavia, mesmo com essa diferença O problema metafisico que mais preocupara os
terminológica, uns e outros pretenderam dizer a mesma antigos era o da derivação do múltiplo a partir do Uno.
coisa. Isto implica que Pai, Filho e Espirito Santo Por que e como os múltiplos derivaram do Uno (ou de
tenham justamente uma substancial igualdade e não algumas realidades originarias)? Por que e como, do Ser
sejam hierarquicamente distinguíveis. Deus, portanto, que não pode não-ser, nasceu também o devir, que
em sentido absoluto, é tanto o Pai, como o Filho e como o implica a passagem de ser a não-ser e vice-versa?
Espirito Santo, eles são inseparáveis no Ser e operam Ao tentar resolver esses problemas, nenhum
inseparavelmente. dos antigos filósofos chegou ao conceito de criação,
Portanto, não havendo diferença ontológica e que, como sabemos, é de origem bíblica.
hierárquica nem diferença de funções, a igualdade Os Platônicos foram os filósofos que chegaram
absoluta das três Pessoas implica que a Trindade seja “o às posições menos distantes do criacionismo.
único verdadeiro Deus”. Entretanto, mesmo assim, ainda permaneceu
b) Agostinho realiza a distinção entre as Pessoas significativa a distância entre suas posições e o
com base no conceito de relação. Isto significa que, para criacionismo bíblico.
Agostinho, cada uma das três Pessoas é distinta das
outras, mas não ontologicamente diversa. O Pai tem o
Filho mas não é o Filho, e o Filho tem o Pai, mas não é
o Pai; e o mesmo se diga do Espirito Santo.
Tais atributos, portanto, não pertencem à
dimensão do ser e da substância, e sim, justamente, da
relação. Mas nem por isso se reduzem ao nível de meros
acidentes. Os acidentes são atributos mutáveis, enquanto
o tipo de relação que distingue as três Pessoas da
Trindade não é mutável e se coloca na dimensão da
eternidade.
c) Um terceiro ponto fundamental da doutrina No Timeu, Platão havia introduzido a figura do
trinitária agostiniana consiste nas analogias triádicas que demiurgo. Entretanto, embora sendo racional, livre e
ele descobre no criado, as quais, de simples vestigios da motivada pela causa do bem, a atividade do demiurgo é
Trindade nas coisas e no homem exterior, tornam-se, gravemente limitada, tanto acima como abaixo dele.
na alma humana, verdadeira imagem da própria Acima do demiurgo está o mundo das Ideias, que o
Trindade, como já vimos. transcende e no qual ele se inspira como em um
Entre as muitas analogias, recordemos duas. modelo; abaixo, ao contrário, está a chora ou matéria
Todas as coisas criadas apresentam unidade, forma e informe, também eterna como as Ideias e como o
ordem, tanto as coisas corpóreas como as almas próprio demiurgo.
incorpóreas. Ora, assim como das obras remontamos A obra do demiurgo, portanto, é obra de
ao Criador, que é Deus uno e trino, podemos considerar fabricação e não de criação, porque pressupõe como
essas três características como vestígios de si deixados preexistente e independente aquilo de que se vale para
pela Trindade em sua obra. construir o mundo.
Analogamente, em um nível mais alto, a mente Plotino, no entanto, deduziu as Ideias e a
humana é imagem da Trindade, porque também é una- própria matéria do Uno, muito engenhosamente, do
e-trina, no sentido que é mente e, como tal, conhece-se a modo como vimos. Todavia, seu impulso o levou aos
si mesma e ama-se a si mesma. Portanto, a "mente", o limites de um verdadeiro acosmismo e, oportunamente
seu "conhecimento" e o "amor" são três coisas e ao reformadas, suas categorias poderiam servir para
mesmo tempo não são mais que uma, e, quando são interpretar a dialética da trindade, mas não para
perfeitas, coincidem. interpretar a criação do mundo.
Na investigação das analogias trinitárias do A solução criacionista, que, para Agostinho, é
espirito humano está uma das maiores novidades de ao mesmo tempo verdade de fé e de razão, revela-se de
Agostinho em relação a esse tema. uma clareza exemplar. A criação das coisas se dá do nada
Conhecimento do homem e conhecimento de (ex nihilo), ou seja, não da substância de Deus nem de algo
Deus Uno-Trino iluminam-se mutuamente, quase que que preexistia.
91
6
Com efeito, explica Agostinho, que uma “razões seminais” e, portanto, um prolongamento da
realidade pode derivar de outra de três modos: ação criadora de Deus.
a) por geração, caso em que deriva da própria
substância do gerador como o filho deriva do pai, O tempo
constituindo algo de idêntico ao gerador;
b) por fabricação, caso em que a coisa que é “O que fazia Deus antes de criar o céu e a
fabricada deriva de algo preexistente fora do fabricante terra?”. Essa foi a pergunta que levou Agostinho a uma
(de uma matéria), como ocorre com todas as coisas que análise do tempo e o conduziu a soluções geniais, que
o homem produz; se tornaram muito famosas.
C) por criação a partir do nada absoluto, ou seja, não Antes de Deus criar o céu e a terra não havia
da própria substância nem de uma substância externa. tempo e, portanto, como já indicamos, não se pode falar
O homem sabe "gerar" (os filhos) e sabe de um "antes" anterior à criação do tempo. O tempo é
"produzir" (os artefatos), mas não sabe "criar", porque é criação de Deus e, por isso, a pergunta proposta não
um ser finito. Deus "gera" de sua própria substância o tem sentido, pois põe para Deus uma categoria que vale
Filho, que, como tal, é idêntico ao Pai, ao passo que só para a criatura, cometendo-se assim um erro
"cria" o cosmo do nada. Portanto, há diferença enorme estrutural.
entre "criação" e "geração”, porque, diferentemente da “Tempo” e “eternidade” são duas dimensões
primeira, esta última pressupõe o vir (a ser) por outorga incomensuráveis; muitos dos erros cometidos pelos
de ser por parte do criador para "aquilo que homens, quando falam de Deus, como na pergunta
absolutamente não existia". E tal ação é "dom divino" proposta acima, nascem da aplicação indevida do
gratuito, devido a livre vontade e à bondade de Deus, conceito de tempo ao eterno, que é coisa totalmente
além de sua infinita potência. diferente de tempo.
Mas o que é o tempo? O tempo implica
A doutrina das Ideias e as razões seminais passado, presente e futuro. Mas o passado não é mais e
o futuro não é ainda. E o presente, “se existisse sempre
As Ideias têm um papel essencial na criação. e não transcorresse no passado, não seria mais tempo,
Mas, de paradigmas absolutos fora e acima da mente do mas eternidade”. Na realidade, o ser do presente é um
demiurgo, como eram em Platão, elas se transformam, contínuo deixar de ser, um tender continuamente ao
como já dissemos, em “pensamentos de Deus” ou não-ser.
também como “Verbo de Deus”. Agostinho destaca que, na realidade, o tempo
Agostinho declara a teoria das Ideias como um existe no espirito do homem, porque é no espirito do homem
pilar absolutamente fundamental e irrenunciável, que se mantêm presentes tanto o passado como o
porque está intrinsecamente vinculada à doutrina da presente e o futuro. Mais propriamente, deveríamos
criação. dizer que “os tempos são três: o presente do passado, o
Deus, com efeito, criou o mundo conforme a presente do presente e o presente do futuro. E, de
razão e, portanto, criou cada coisa conforme um qualquer forma, é em nosso espírito que se encontram
modelo que ele próprio produziu como seu esses três tempos, que não são vistos em outra parte: o
pensamento, e as Ideias são justamente estes presente do passado, vale dizer, a memória; o presente do
pensamentos-modelo de Deus, e como tais são a presente, isto é, a intuição; o presente do futuro, ou seja,
verdadeira realidade, ou seja, eternas e imutáveis, e por a espera”. Assim, embora tendo urna ligação com o
participação delas existem todas as coisas. movimento, o tempo não está no movimento e nas
Mas Agostinho utiliza, para explicar a criação, coisas em movimento, mas sim na alma. Mais
além da teoria das Ideias, também a teoria das “razões precisamente, conforme se revela estruturalmente
seminais”, criada pelos Estóicos e posteriormente ligado à memória, à intuição e à espera, o tempo pertence à
retomada e reelaborada em bases metafisicas por alma, sendo predominantemente “uma extensão da
Plotino. A criação do mundo ocorre de modo alma”, precisamente urna extensão entre “memoria”,
simultâneo. Mas Deus não cria a totalidade das coisas “intuição” e “espera”.
possíveis como já concretizadas, ele insere no criado as
“sementes” ou “germes” de todas as coisas possíveis, as O problema do mal
quais, posteriormente, ao longo do tempo,
desenvolvem-se pouco a pouco, de vários modos e com Ao problema da criação está ligado o grande
o concurso de várias circunstâncias. problema do mal, para o qual Agostinho conseguiu
Em suma, juntamente com a matéria, Deus criou apresentar urna explicação que constituiu ponto de
virtualmente todas as possibilidades de sua concretização, referência durante séculos e ainda guarda a sua validade
infundindo nela, precisamente, as raízes seminais de cada coisa. Se tudo provém de Deus, que é Bem, de onde provém
A evolução do mundo ao longo do tempo outra coisa o mal?
não é do que a concretização e a realização de tais
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7
Depois de ter sido vítima da explicação dualista desconhecido para os gregos, permitiram-lhe entender
maniqueísta, como vimos, Agostinho encontrou em a mensagem bíblica precisamente em sentido
Plotino a chave para resolver a questão: o mal não é um "voluntarista", fora dos esquemas intelectualistas do
ser, mas deficiência e privação de ser. mundo grego. De resto, Agostinho foi o primeiro
Mas Agostinho aprofunda ainda mais a questão. escritor a nos apresentar os conflitos da vontade em termos
O problema do mal pode ser examinado em três planos: precisos.
a) Do ponto de vista metafísico-ontológico, A liberdade é própria da vontade e não da razão,
não existe mal no cosmo, mas apenas graus inferiores de no sentido em que a entendiam os gregos. E assim se
ser em relação a Deus, que dependem da finitude da coisa resolve o antigo paradoxo socrático de que é impossível
criada e dos diferentes níveis dessa finitude. conhecer o bem e fazer o mal.
Mas, mesmo aquilo que, numa consideração A razão pode conhecer o bem e a vontade pode
superficial, parece um "defeito" (e, portanto, poderia rejeita-lo, porque, embora pertencendo ao espirito
parecer um mal), na realidade, na ótica do universo visto humano, a vontade é uma faculdade diferente da razão, tendo
em seu conjunto, desaparece. De fato, os graus urna autonomia própria em relação à razão, embora seja
inferiores do ser e as coisas finitas, mesmo as mais a ela ligada. A razão conhece e a vontade escolhe,
ínfimas, revelam-se momentos articulados de um podendo escolher até o irracional, ou seja, aquilo que
grande conjunto harmônico. Quando, por exemplo, não está em conformidade com a reta razão. E desse
julgamos que a existência de certos animais nocivos seja modo se explica a possibilidade da aversão a Deus e a
um "mal", na realidade nós estamos medindo com o escolha de um ser inferior ao invés do ser supremo.
metro da nossa utilidade e da nossa vantagem O pecado original foi um pecado de soberba,
contingente e, portanto, numa ótica errada. sendo o primeiro desvio da vontade. O arbítrio da
Medida com o metro do todo, cada coisa, vontade é verdadeiramente livre, em sentido pleno, quando não
mesmo aquela aparentemente mais insignificante, tem faz o mal. Esta é, precisamente, a sua condição natural:
seu sentido e sua razão de ser e, portanto, constitui algo assim ele foi dado ao homem originalmente. Mas,
positivo. depois do pecado original, a verdade se corrompeu e se
b) Já o mal moral é o pecado. E o pecado enfraqueceu, tornando-se necessitada da graça divina.
depende da má vontade. E a má vontade depende de que? Consequentemente, o homem não pode ser
A resposta de Agostinho é bastante engenhosa. “autárquico” em sua vida moral, ele necessita de tal
A má vontade não tem uma "causa eficiente", ajuda divina. Portanto, quando o homem procura viver
mas, muito mais, uma "causa deficiente". Por sua retamente valendo-se unicamente de suas próprias forças, sem
natureza, a vontade deveria tender ao Bem supremo. ajuda da graça divina libertadora, então ele é vencido
Mas, como existem muitos bens criados e finitos, a pelo pecado; liberta-se do mal com o poder de crer na
vontade pode tender a eles e, subvertendo a ordem graça que o salva, e com a livre escolha dessa graça.
hierárquica, pode preferir a criatura a Deus, preferindo
os bens inferiores aos bens superiores. Sendo assim, o As duas cidades
mal deriva do fato de que não há um único Bem, mas muitos
bens, consistindo, precisamente, em urna escolha Contemporâneo do declínio do Império
incorreta entre esses bens. Romano, Agostinho respondeu à acusação de que fora
O mal moral, portanto, é urna aversão a Deus e o cristianismo o culpado pela queda, e pôs a culpa no
uma escolha de um ser inferior ao invés do ser supremo. paganismo. Sua resposta veio na obra Cidade de Deus ,
O fato de ter recebido de Deus uma vontade livre é um onde, segundo ele, há a cidade espiritual de Deus e a
grande bem. O mal é o mau uso desse grande bem, que cidade material dos homens. Elas não coexistem
se dá do modo que vimos. Por isso, Agostinho pode separadamente, mas no plano de nossa existência a
dizer: “O bem que está em mim é obra tua, é teu dom; depender de nossa vontade de viver uma vida de
o mal em mim é meu pecado”. pecado na cidade terrena dos homens, ou se voltar para
C) O mal físico, como as doenças, os deus e viver em sua graça como um de seus servos.
sofrimentos, os tormentos do espirito e a morte, tem O mal é amor a si mesmo (soberba), o bem é
significado bem preciso para quem filosofa na fé: é a amor a Deus. Isso vale tanto para o homem como
consequência do pecado original, ou seja, é uma consequência individuo quanto para o homem que vive em
do mal moral. Na história da salvação, porém, também comunidade com os outros.
ele tem um significado positivo. O conjunto dos homens que vivem para Deus
constitui a Cidade celeste. Escreve Agostinho:
A vontade, liberdade e a graça “Dois amores diversos geram as duas cidades: o
amor a si mesmo, levado até o desprezo por Deus,
A atormentada vida interior de santo Agostinho gerou a Cidade terrena. O amor a Deus, levado até o
e sua formação espiritual, realizada inteiramente na desprezo por si, gerou a Cidade celeste. Aquela gloria-
cultura latina, que dava à voluntas um relevo
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se de si mesma, esta de Deus. Aquela procura a gloria O saber e a iluminação divina
dos homens, esta tem por máxima glória a Deus”.
E ainda: “A Cidade terrena é a cidade daqueles Nosso saber consta de coisas que vemos e
que vivem segundo o homem; a divina é a daqueles que coisas em que acreditamos; das primeiras, somos
vivem segundo Deus”. testemunhas diretas, das segundas, temos o testemunho
As duas Cidades têm um correspondente no idôneo de outros que nos fazem crer porque, por meio
céu, mais precisamente nas fileiras dos anjos rebeldes e de palavras e escritos, nos oferecem sinais dessas coisas
dos que permaneceram fiéis a Deus. Na terra, essa que não vemos. Podemos com razão dizer que há saber
correspondência revelou-se em Caim e Abel; as duas quando cremos em algo com certeza e dizemos que
personagens bíblicas assumem assim o valor de vemos com a mente essas coisas nas quais cremos,
símbolos das duas Cidades. ainda que não estejam presentes aos nossos órgãos dos
Nesta terra, o cidadão da Cidade terrena parece sentidos [...] Realmente, a fé se vê com a mente [...] Por
ser o dominador, enquanto o cidadão da Cidade celeste isso o apóstolo Pedro diz: “Aquele em quem agora crês,
é peregrino. Mas o primeiro está destinado a eterna não o vês”; e disse o Senhor: “Bem-aventurados os que
danação, enquanto o segundo está destinado eterna não viram e creram”. [...] Terás, assim, reconhecido a
salvação. diferença entre ver com os olhos do corpo e com os
Ou seja, todos têm uma dimensão terrena que olhos da mente [...] Crer se realiza com a mente e se vê
se refere à sua história natural, à moral, às necessidades com a mente e as coisas em que com essa fé cremos
materiais e que diz respeito a tudo que é perecível e distam do olhar de nossos olhos. Por isso vejo a minha
temporal. Outra dimensão é a celeste, que corresponde fé, mas não posso ver a tua, assim como tu vês a tua fé
à comunidade dos cristãos, inspirada no amor a Deus e e não podes ver a minha, pois ninguém sabe o que se
que vive da fé. passa no espírito que está em cada homem até que
A história se concluirá com o Dia do Senhor, venha o Senhor e ilumine os segredos das trevas e
que será como que o oitavo dia consagrado com a manifeste os pensamentos do coração para que cada um
ressurreição de Cristo e no qual se realizará, em sentido possa ver não somente os seus, mas também os alheios.
global, o repouso eterno. SANTO AGOSTINHO. Carta a Paulina. In: FERNÁNDEZ,
Assim, a história adquire um sentido totalmente Clemente (Org.). Los filósofos medievales. Selección de textos.
Madrid: Editorial Católica, 1979.p. 493-494. Texto traduzido.
desconhecido para os gregos, pois ela tem um princípio,
com a criação, e um termo, com o fim do mundo, ou
seja, com o juízo final e com a ressurreição. E tem três
QUESTÕES
momentos essenciais, que marcam o seu decurso: o
pecado original com suas consequências, a espera da
1. (UEM 2008) A Patrística foi a Filosofia Cristã dos
vinda do Salvador e a encarnação e paixão do Filho de
primeiros séculos de nossa era. Consistia na elaboração
Deus, com a constituição de sua Igreja.
doutrinal das crenças religiosas do cristianismo e na sua
Para Santo Agostinho, a relação entre as duas
defesa contra os ataques dos pagãos e contra as
dimensões é de ligação e não de oposição, mas a
heresias. Dado o encontro entre a nova religião e o
repercussão do seu pensamento, à revelia do autor,
pensamento filosófico greco-romano, o grande tema da
desemboca na doutrina chamada agostinismo político,
Filosofia Patrística foi o da possibilidade ou
que marca toda a Idade Média e significa o confronto
impossibilidade de conciliar fé e razão. Santo
entre o poder do Estado e o da Igreja, considerando a
Agostinho, expoente dessa filosofia, sobre a relação fé
superioridade do poder espiritual sobre o temporal.
e razão, defendia a tese que se pode resumir nesta frase:
Percebam que a boa vida não é mais aquela
“Credo ut intelligam” (Creio para entender).
voltada para o desenvolvimento da racionalidade
A esse respeito, assinale o que for correto.
humana dentro de uma comunidade política, cujo Bem
01) Santo Agostinho retoma a célebre teoria platônica
era encontrado por meio da razão e ensinado por meio
das Idéias à luz do cristianismo e formula a teoria da
de um processo educacional virtuoso, como teorizaram
iluminação segundo a qual o homem recebe de Deus o
os gregos.
conhecimento das verdades eternas: à semelhança do
Agora, o conhecimento do bem não dependia
sol, Deus ilumina a razão e torna possível o pensar
mais de uma instrução racional, mas apenas da vontade
correto.
individual de cada um, por meio do livre-arbítrio, de
02) De acordo com Santo Agostinho, a razão é superior
viver uma vida voltada para Deus. E a compreensão de
e precede a fé; pois, se o homem, ser racional, for
como vivê-la é obra da graça divina que ilumina o
incapaz de entender os ensinamentos religiosos, não
coração de quem estiver aberto para isso.
poderá acreditar neles.
Mas quem dizia o que era ter uma vida voltada
04) Segundo Santo Agostinho, a fé não conflita com a
para Deus? E ainda, quais pessoas viviam dessa
razão, esta última seria auxiliar da fé e estaria a ela
maneira? A Igreja. Aí meu amigo, deu no que deu.
subordinada.
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08) Para Santo Agostinho, fé e razão são inconciliáveis, 08) Um dos principais temas da Filosofia patrística é o
pois os mistérios da fé são insondáveis e manifestam-se da possibilidade ou impossibilidade de conciliar razão e
como uma loucura para a razão humana. fé. Santo Agostinho considerava que a razão e a fé são
16) A fé, para Santo Agostinho, não oprime a razão, conciliáveis, mas subordinava a razão à fé.
mas, ao contrário, abre-lhe os olhos que a falta de fé 16) A Filosofia medieval conserva e discute problemas
mantinha fechados. A partir dos princípios da fé, a da patrística e acrescenta outros, como o problema dos
razão, por suas próprias forças, deduzirá conseqüências universais. A partir do séc. XII, a Filosofia medieval
e tentará resolver os problemas que Deus deixou para passa a ser chamada de escolástica.
nossas livres discussões.
4. (UFU 2014) Segundo Chauí (2000),
2. (UEM 2009) A patrística surge no séc. II d.c. e
estende-se por todo o período medieval conhecido [...] na Idade Média o pensamento estava subordinado
como alta Idade Média. É considerada a filosofia dos ao princípio da autoridade, isto é, uma ideia é
Padres da Igreja. Entre seus objetivos encontramos a considerada verdadeira se for baseada nos argumentos
conversão dos pagãos, o combate às heresias e a de uma autoridade reconhecida [...]
consolidação da doutrina cristã. CHAUI, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ática, 2000, p. 45.
Sobre a patrística, assinale o que for correto. Sobre a filosofia da Idade Média é INCORRETO
01) A patrística deixa de ser predominante como afirmar que
doutrina do cristianismo quando, a partir do séc. IX, A) A filosofia se tornou serva do cristianismo e, com
surge uma nova corrente filosófica denominada isso, rejeitou a filosofia pagã, Platão e Aristóteles.
escolástica, que atinge o apogeu no séc XIII. B) O tema principal de que se ocupou a filosofia na
02) Fundador da patrística, o apóstolo São Paulo Idade Média foi o das relações entre a razão e a fé.
escreveu o livro Confissões, razão pela qual é considerado C) Para essa filosofia, a fé na revelação proporciona o
o primeiro filósofo cristão. conhecimento mais elevado, superior àquele da razão.
04) Vários pensadores da patrística, entre eles Santo D) A doutrina da iluminação divina explica como a
Agostinho, tomam ideias da filosofia clássica grega, filosofia pagã provém das mesmas fontes das verdades
particularmente de Platão, que são adaptadas às cristãs.
necessidades das verdades expressas pela teologia cristã.
08) A aliança que a patrística estabelece entre fé e razão 5. (UFU 2012) Na medida em que o Cristianismo se
caracteriza-se por um predomínio da fé sobre a razão; consolidava, a partir do século II, vários pensadores,
em Santo Agostinho, a razão é auxiliar da fé e a ela convertidos à nova fé e, aproveitando-se de elementos
subordinada. da filosofia greco-romana que eles conheciam bem,
16) A leitura dos filósofos árabes, entre eles Averróis, começaram a elaborar textos sobre a fé e a revelação
ajudou Santo Agostinho a compreender os princípios cristãs, tentando uma síntese com elementos da
da filosofia de Aristóteles, sem a qual Santo Agostinho filosofia grega ou utilizando-se de técnicas e conceitos
não poderia construir seu próprio sistema filosófico. da filosofia grega para melhor expor as verdades
reveladas do Cristianismo. Esses pensadores ficaram
3. (UEM 2010) A Filosofia patrística, representada conhecidos como os Padres da Igreja, dos quais o mais
principalmente por Santo Agostinho, inicia no séc. I importante a escrever na língua latina foi santo
d.C. e termina no séc. VIII d.C., quando teve início a Agostinho.
COTRIM, Gilberto. Fundamentos de Filosofia: Ser, Saber e
Filosofia medieval. Fazer. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 128. (Adaptado)
Com base na afirmação acima, assinale o que for Esse primeiro período da filosofia medieval, que durou
correto. do século II ao século X, ficou conhecido como
01) Um dos motivos pelo qual Santo Agostinho escreve A) Escolástica.
A cidade de Deus foi para eximir o cristianismo, depois B) Epicurismo
da tomada de Roma por Alarico, das acusações de ser a C) Neoplatonismo.
causa da decadência do Império Romano. D) Antiguidade tardia.
02) A patrística introduziu, no pensamento filosófico, E) Patrística.
ideias desconhecidas pelos filósofos greco-romanos,
como a ideia de criação do mundo a partir do nada, a 6. (UFU 2010) A filosofia de Agostinho (354 – 430) é
escatologia do fim dos tempos e a ressurreição dos estreitamente devedora do platonismo cristão milanês:
mortos. foi nas traduções de Mário Vitorino que leu os textos
04) A patrística é um esforço para conciliar o de Plotino e de Porfírio, cujo espiritualismo devia
cristianismo com o pensamento filosófico dos gregos e aproximá-lo do cristianismo. Ouvindo sermões de
romanos, pois acreditava que somente com tal Ambrósio, influenciados por Plotino, que Agostinho
conciliação seria possível a conversão dos pagãos. venceu suas últimas resistências (de tornar-se cristão).
95
10
PEPIN, Jean. Santo Agostinho e a patrística ocidental. In: 9. A teoria da iluminação divina, contribuição original
CHÂTELET, François (org.) A Filosofia medieval. Rio de de Agostinho à filosofia da cristandade, foi influenciada
Janeiro Zahar Editores: 1983, p. 77.
pela filosofia de Platão, porém, diferencia-se dela em
Apesar de ter sido influenciado pela filosofia de Platão,
seu aspecto central.
por meio dos escritos de Plotino, o pensamento de
Assinale a alternativa abaixo que explicita esta diferença.
Agostinho apresenta muitas diferenças se comparado
A) A filosofa agostiniana compartilha com a filosofia
ao pensamento de Platão.
platônica do dualismo, tal como este foi definido por
Assinale a alternativa que apresenta, corretamente, uma
Agostinho na Cidade de Deus. Assim, a luz da teoria da
dessas diferenças.
iluminação está situada no plano suprasensivel e só é
A) Para Agostinho, é possível ao ser humano obter o
alcançada na transcendência da existência terrena para
conhecimento verdadeiro, enquanto, para Platão, a
a vida eterna.
verdade a respeito do mundo é inacessível ao ser
B) A teoria da Iluminação, tal como sugere o nome, está
humano.
fundamentada na luz de Deus, luz interior dada ao
B) Para Platão, a verdadeira realidade encontra-se no
homem interior na busca da verdade das coisas que não
mundo das Ideias, enquanto para Agostinho não existe
são conhecidas pelos sentidos; esta luz é Cristo, que
nenhuma realidade além do mundo natural em que
ensina e habita no homem interior.
vivemos.
C) Agostinho foi contemporâneo da Terceira
C) Para Agostinho, a alma é imortal, enquanto para
Academia, recebendo os ensinamentos de Arcesilau e
Platão a alma não é imortal, já que é apenas a forma do
Carnéades, o que resultou na posição dogmática do
corpo.
filósofo cristão quanto à impossibilidade do
D) Para Platão, o conhecimento é, na verdade,
conhecimento da verdade, sendo o conhecimento
reminiscência, a alma reconhece as Ideias que ela
humano apenas verossímil.
contemplou antes de nascer; Agostinho diz que o
D) A alma é a morada da verdade, todo conhecimento
conhecimento é resultado da Iluminação divina, a
nela repousa. Assim, a posição de Agostinho afasta-se
centelha de Deus que existe em cada um.
da filosofia platônica, ao admitir que a alma possui uma
existência anterior, na qual ela contemplou as ideias, de
7. (UFU 2011) Segundo o texto abaixo, de Agostinho
modo que o conhecimento de Deus é anterior à
de Hipona (354-430 d. C.), Deus cria todas as coisas a
existência.
partir de modelos imutáveis e eternos, que são as ideias
divinas. Essas ideias ou razões seminais, como também
10. Sobre a doutrina da iluminação divina de Santo
são chamadas, não existem em um mundo à parte,
Agostinho, considere o conteúdo das assertivas abaixo:
independentes de Deus, mas residem na própria mente
I) A iluminação divina dispensa o homem de ter
do Criador, [...] a mesma sabedoria divina, por quem
intelecto próprio.
foram criadas todas as coisas, conhecia aquelas
II) A iluminação divina capacita o intelecto humano
primeiras, divinas, imutáveis e eternas razões de todas
para entender que há determinada ordem entre o
as coisas, antes de serem criadas [...]. Sobre o Gênese,
mundo criado e as realidades inteligíveis.
V
III) Agostinho nomeia as realidades inteligíveis de
Considerando as informações acima, é correto afirmar
forma pouco precisa como, por exemplo, idéia, forma,
que se pode perceber:
espécie, regra ou razão e afirma, platonicamente, que
A) que Agostinho modifica certas ideias do cristianismo
essas realidades já foram contempladas pela alma.
a fim de que este seja concordante com a filosofia de
IV) A iluminação divina exige que o homem tenha
Platão, que ele considerava a verdadeira.
intelecto próprio, a fim de pensar corretamente os
B) uma crítica radical à filosofia platônica, pois esta é
conteúdos da fé postos pela revelação.
contraditória com a fé cristã.
Assinale a alternativa que contém somente as
C) a influência da filosofia platônica sobre Agostinho,
afirmações corretas:
mas esta é modificada a fim de concordar com a
A) II e III
doutrina cristã.
B) I e III
D) uma crítica violenta de Agostinho contra a filosofia
C) II e IV
em geral.
D) III e IV
8. Para Santo Agostinho, o homem chega a verdade:
11. Nos Solilóquios, Agostinho escreveu: “A luz
A) Apenas pela fé em Deus,
comum, à medida que pode, nos indica como é aquela
B) Pelo método alegórico aplicado à interpretação da
luz. Pois há alguns olhos tão sãos e vivos que, ao se
Bíblia,
abrirem, fixam-se no próprio sol sem nenhuma
C) Pela iluminação divina,
perturbação. Para esses a própria luz é, de algum modo,
D) Pela recordação da alma que estava junto a Deus,
saúde, sem necessidade de alguém que lhes ensine,
E) Pelos sentidos e pelo intelecto.
96
11
senão talvez apenas de alguma exortação. Para eles é Durante esse período surge propriamente a
suficiente crer, esperar, amar”. filosofia cristã, que é, na verdade, uma teologia fundada
Agostinho, Solilóquio e Vida feliz. São Paulo: Paulus, 1998, p.23. na nova fé dominante no Ocidente.
Em conformidade com a Teoria da Iluminação, analise Alguns de seus grandes temas são:
as assertivas abaixo. 1) a diferença e separação entre infinito (Deus)
I – A luz comum é o conhecimento humano, obtido e finito (homem, mundo);
por intermédio das demonstrações da lógica e da 2) a diferença entre razão e fé (a primeira deve
matemática, porém, ainda resta saber como tal subordinar-se à segunda);
conhecimento é possível. 3) a diferença e separação entre corpo (matéria)
II – A luz, que é superior à luz comum, é o intelecto e alma (espírito);
humano, que, servindo-se unicamente de si mesmo, 4) o Universo como uma hierarquia de seres,
encontra em si toda a certeza e o fundamento da pela qual os superiores (Deus, serafins, querubins,
verdade. arcanjos, anjos, alma) dominam e governam os
III – O intelecto humano, pela sua natureza perecível, inferiores (corpo, animais, vegetais, minerais);
não pode se colocar como a certeza do conhecimento, 5) a subordinação do poder temporal dos reis e
pois a verdade é eterna. Aquela luz, então, acima da luz nobres ao poder espiritual de papas e bispos.
comum, é Deus. Outra característica marcante da escolástica foi
IV – A saúde é alcançada por todos, uma vez que a o método por ela inventado para expor as ideias
salvação e a felicidade são unicamente o resultado do filosóficas, conhecido como disputa. Apresentava-se
esforço do homem nesta vida terrena. uma tese e esta devia ser ou refutada ou defendida com
Assinale a ÚNICA alternativa que contém as assertivas argumentos tirados da Bíblia, de Aristóteles, de Platão
verdadeiras. ou de padres da Igreja, particularmente Pedro
A) II e IV Lombardo.
B) II, III e IV Assim, uma ideia era considerada uma tese
C) I, II e IV verdadeira ou falsa dependendo da força e da qualidade
D) I e III dos argumentos encontrados nos vários autores. Por
causa desse método de disputa, costuma-se dizer que,
na Idade Média, o pensamento estava subordinado ao
princípio da autoridade, isto é, uma ideia é
considerada verdadeira se tiver respaldo nos
argumentos de uma autoridade reconhecida – Bíblia,
5. A ESCOLÁSTICA (Séc. VIII ao XIV) Platão, Aristóteles, um papa, um santo.
A partir do século XI, com o renascimento
Abrange pensadores europeus, muçulmanos e urbano, começam a surgir ameaças de ruptura da
judeus. É o período em que a Igreja Romana dominava unidade da Igreja, e as heresias anunciam o novo tempo
a Europa, ungia e coroava reis, organizava Cruzadas à de contestação e debates em que a razão busca sua
chamada Terra Santa e criava, à volta das catedrais, as autonomia. Inúmeras universidades aparecem por toda
primeiras universidades ou escolas. A partir do século a Europa (de Paris, Bologna, Oxford etc.), tornando-se
XII, por ter sido ensinada nas escolas, a filosofia locais de fecunda reflexão filosófica, e são indicativas
medieval também é conhecida com o nome de do gosto pelo racional, focos por excelência de
escolástica. fermentação intelectual.
A escolástica é a filosofia cristã que se No século XII, aparecem traduções de obras de
desenvolve desde o século VIII, tem o seu apogeu no Arquimedes, Euclides, Aristóteles e Ptolomeu. Muitas
século XIII e começo do século XIV, quando entra em vezes o pensamento desses autores chegava deformado
decadência. Tem esse nome por ter sido dominante nas à Europa, pois era traduzido do grego para o sírio, do
escolas que começaram a surgir durante o sírio para o árabe, do árabe para o hebraico e do
Renascimento carolíngio. hebraico para o latim medieval. Por isso, a Igreja
Carlos Magno (séc. VIII), preocupado em condenou de início o pensamento aristotélico, que na
incrementar a cultura, funda as escolas monacais e tradução árabe adquirira contornos panteístas.
catedrais (junto aos mosteiros e igrejas), contratando A partir do século XIII, consultando na
diversos sábios, como o inglês Alcuíno. O ensino aí tradução feita diretamente do grego, Santo Tomás de
desenvolvido baseia-se sobretudo no trivium Aquino recuperou o pensamento original de Aristóteles
(gramática, retórica e dialética) e no quadrivium e faz a síntese mais fecunda da escolástica. Mais que
(aritmética, música, geometria e astronomia). isso, fez as devidas adaptações à visão cristã e escreveu
Conservando e discutindo os mesmos uma obra monumental, a Suma teológica, onde, uma vez
problemas que a patrística, a filosofia escolástica mais, as questões de fé são abordadas pela "luz da
acrescentou outros. razão" e a filosofia é o instrumento que auxilia o
97
12
trabalho da teologia. É com um Aristóteles exemplo, constituem a existência, ao passo que a
cristianizado que surge então a filosofia aristotélico- humanidade constitui a essência.
tomista. Os primeiros existem de fato, mas a segunda
Daí para frente a influência de Aristóteles se prescinde da existência, pois representa a definição, que
fará sentir de maneira forte, sobretudo pela ação dos em si mesma não denota a existência nem a não-
padres dominicanos e mais tarde dos jesuítas, que desde existência, a necessidade ou a contingência. Portanto,
o Renascimento, e por vários séculos, mostraram-se uma coisa é a essência e outra a existência. E a primeira,
empenhados na formação dos jovens. em si mesma, não denota a segunda.
Se por um momento a recuperação do Ademais, no que se refere à existência, é preciso
aristotelismo constitui um recurso fecundo para Santo distinguir entre o ser necessário e o ser possível. O que existe
Tomás, já no período final da escolástica torna-se um de fato, mas que, em si mesmo, poderia também não
entrave para o desenvolvimento da ciência. existir é chamado por Avicena ser possível, trata-se do ser
que não tem em si mesmo a razão de sua própria
existência, encontrando-a em uma causa que o fez ser.
5.1 O ARISTOTELISMO Diferente dele é o ser necessário, isto é, o ser que
O aristotelismo chegou ao ocidente por meio não pode deixar de ser, porque possui em si mesmo a
por meio dos árabes, particularmente Avicena e razão do seu existir.
Averróis. Essa distinção é fundamental, porque separa o
mundo de Deus.
5.1.1 AVICENA Um é apenas possível, pois sua existência atual
A primeira forma sistemática é contingente, não postulada por sua essência, ao passo
pela qual o aristotelismo se que o outro é necessário; o primeiro é dependente, o
apresentou aos pensadores segundo é independente.
medievais foi mediada pelo
filosofo persa Avicena (980 – A geração
1037) que era também médico,
além de filósofo. Mas qual é a relação entre o mundo e Deus?
A obra de Avicena Trata-se de relação de necessidade ou de liberdade, de
constitui a primeira grande emanação ou de criação?
síntese especulativa que tem Avicena responde a essas questões,
raízes na cultura clássica e que constituiu um ponto de fundamentais para os pensadores medievais, fundindo
referência essencial para a cultura ocidental e a orientou Aristóteles e o neoplatonismo.
de modo decisivo. Com efeito, em sua opinião, o mundo é ao mesmo
Sua filosofia é profundamente permeada de tempo contingente e necessário. É contingente enquanto a
Neoplatonismo e de elementos extraídos da religião existência atual não lhe cabe em virtude de sua essência,
islâmica que completaram suas perspectivas sendo então apenas possível; no entanto, é necessário
aristotélicas (sobretudo no que se refere à teologia e à enquanto Deus, de quem recebe a existência, não pode
cosmologia), o que permitiu entusiástica acolhida por deixar de agir segundo sua natureza.
muitos pensadores cristãos. Concebido aristotelicamente como pensamento do
O Neoplatonismo era um velho conhecido dos pensamento, Deus produz necessariamente a primeira
latinos e já assimilado pelo pensamento cristão desde a Inteligência e esta a segunda, dando início a um
época patrística; a religião islâmica apresentava não processo descendente necessário e não livre, de índole
poucas verdades em comum com o cristianismo. E, claramente neoplatônica. A partir da primeira, cada
desse modo, muitas teses aristotélicas, filtradas através Inteligência cria a imediatamente inferior, até a décima,
de elementos neoplatônicos e islâmicos, não ao mesmo tempo que cria os céus respectivos, dos quais
encontraram dificuldades para se impor no ambiente são forças motrizes.
medieval. Diferentemente das outras, a décima
Na sua monumental obra “Suma Teológica”, Inteligência não gera nova realidade, mas atua
Tomás de Aquino cita Avicena mais de 250 vezes, tanto diretamente sobre o mundo terreno, posto sob o nono
para aceitar como para reelaborar o pensamento deste. céu, o da lua, tanto no plano ontológico como no plano
gnosiológico.
O ser possível e o ser necessário No primeiro plano, estruturando o mundo
terreno em matéria e forma, onde a matéria corruptível,
Do pensamento filosófico de Avicena devemos ao contrário da matéria incorruptível dos céus, é
destacar a distinção entre existência e essência, o primeiro princípio de mutação e multiplicidade e, portanto, de
concreto e a segunda abstrata. Os homens, por individualidade.
98
13
Como se vê claramente. Estamos diante da distinção real entre essência e existência, ou melhor,
concepção hilemórfica de Aristóteles, mas repensada entre essência e ser).
conforme as categorias neoplatônicas. Com efeito, as Porém, mais do que as teses em particular, o que
formas se irradiam da décima Inteligência, que é determinou a sorte do seu pensamento foi a tentativa
"doadora de formas", no sentido de que é ela que irradia de harmonizar a filosofia aristotélica com a religião
as formas na matéria-prima do mundo sublunar. E islâmica e, portanto, para os cristãos, com algumas teses
entre essas formas estão também as almas fundamentais do cristianismo, coisa que,
incorruptíveis e imortais infundidas nos corpos. aprioristicamente, não parecia possível.
No plano gnosiológico a décima Inteligência Com efeito, era essa a medida de avaliação de
opera a passagem da potência ao ato do intelecto qualquer proposta filosófica e também o objetivo de
possível ou passivo, ou seja, do intelecto humano e muitos repensamentos e retificações subsequentes.
individual. E isso por meio da irradiação tanto dos
princípios primeiros (com o que temos o intelecto 5.1.2 AVERRÓIS
habitual) como dos conceitos universais que No fim das contas, o
apreendemos por meio da abstração (com o que temos aristotelismo de Avicena não
o intelecto em ato), e mediante a elevação do nosso provocou grande perplexidade
intelecto individual ao supremo intelecto agente nos filósofos cristãos, por
(empresa difícil e reservada a poucos, apenas dos quais causa de sua constante
se pode falar de intelecto santo). tentativa de harmonizar as
Em todas essas formas de contato com o teses de Aristóteles com as
intelecto agente único, permanecem intactas a verdades da religião islâmica.
individualidade e a personalidade singular do homem. Mas o mesmo não ocorreu com o aristotelismo
O homem, animal munido de razão, tem o
de Averróis (1126-1198), que escreveu um Tratado
poder de conhecer, através da alma racional, as formas
decisivo sobre a concordância entre filosofia e religião, obra que
inteligíveis. Essas formas inteligíveis constroem a alma
permaneceu desconhecida na Idade Média.
racional de três formas: primeiro através de uma
Ele diz querer delimitar os âmbitos respectivos
emanação, de um prolongamento da substância e
do saber e da fé corânica, mas a confiança que tem na
natureza divina, através da qual o homem pode
razão é total e ilimitada. E a razão o leva a afirmar, com
conhecer os primeiros princípios; segundo através do
Aristóteles, a eternidade do mundo, negando a
raciocínio e da demonstração é possível conhecer as
imortalidade da alma singular. Obviamente, construída
coisas inteligíveis do mundo utilizando para isso a
sobre essas bases, a filosofia de Averróis logo se
lógica; e terceiro através dos sentidos.
transformou em fonte de preocupação para a
Sobre as causas do mal no mundo, Avicena
autoridade eclesiástica e de acesos debates para os
afirmou que ele é disseminado por acidente e que ele
mestres parisienses.
surge por causa da imperfeição da natureza. Além disso
o filósofo acreditava que o bem deve deixar espaço
O primado da filosofia e a eternidade do mundo
também ao seu contrário.
O propósito da filosofia é de esclarecer e
Persuadido de que a verdadeira filosofia é a de
demonstrar através da razão as verdades reveladas por
Aristóteles, Averróis procurou captar o seu pensamento
Deus. Aos filósofos cabe fazer considerações e
autêntico por meio de comentário escrupuloso,
elucidações sobre as partes obscuras e ocultas das
apresentando assim a exposição de uma filosofia que
doutrinas divinas reveladas.
fosse não apenas independente da teologia e da religião,
Nos estudos de Avicena podemos encontrar
mas também sede privilegiada da verdade. Escrevia
também elementos da filosofia da ciência. Ele
Averróis: "A doutrina de Aristóteles coincide com a
descreve um método de investigação científica e se
suprema verdade”.
pergunta como é possível alcançar hipóteses,
Esta é a razão pela qual Averróis considera justo
afirmações que não necessitam de prova para que sejam
pensar que Aristóteles "foi criado e nos foi dado pela
consideradas verdadeiras ou deduções iniciais sem que
divina providência, para que pudéssemos conhecer
elas sejam inferidas das premissas. Para ele a solução é
tudo o que é cognoscível".
a combinação do antigo método indutivo aristotélico Defendendo-se da acusação de ser incrédulo,
com um método que utiliza a experimentação e a destaca com vivacidade que as divergências de opinião
observação atenta do que se quer conhecer. dos filósofos e teólogos devem ser creditadas mais a
diferenças de interpretação do que a uma efetiva
Influência de Avicena diversidade de princípios essenciais, que fossem
negados por uns e defendidos por outros.
Essas são algumas teses do filosofo persa, que
terão grande influência sobre Tomás de Aquino (a
99
14
E, nessas divergências, é preciso estar ao lado intelecto ativo ou inteligência divina, que, sendo em ato,
dos filósofos, pois estes, servindo-se da razão, nada pode desenvolver tal ação.
mais fazem do que se ater ao direito tutelado pela Escreve Averróis: "Assim como a luz faz com
própria religião. Se é verdade que filosofia e religião que a cor em potência passe a ser cor em ato, de modo
ensinam a verdade, então não pode haver desacordo que possa mover nossa vista, do mesmo modo o
substancial entre elas. Em caso de contrastes, é preciso intelecto agente faz com que os conceitos inteligíveis
interpretar o texto religioso no sentido exigido pela em potência passem a ser conceitos em ato, de modo
razão, porque a verdade é uma só, a da filosofia. Não que o intelecto material os receba".
existe, portanto, dupla verdade. Existe apenas a verdade O intelecto agente, porém, não atua diretamente
da razão; as verdades religiosas expostas no Corão são sobre o intelecto possível, mas sim sobre a fantasia ou
símbolos imperfeitos, que devem ser interpretados e imaginação, que, sendo sensível, contém os universais
propostos à mentalidade dos simples e ignorantes, da somente em forma potencial. E essa imaginação
verdade única que a filosofia sistematiza. sensível, sobre a qual atua o intelecto divino, que, sendo
Além dessa tese fundamental, em claro individual, dá a sensação de que o conhecimento seja
contraste com o concordismo de Avicena, Averróis individual.
destaca, com Aristóteles, que o motor supremo e os Na realidade, ela é apenas um continente
motores dos céus, sendo inteligências que refletem potencial dos universais, que, porém, transformados em
sobre si mesmas, pensando-se, movem necessariamente ato pela luz do intelecto divino, só podem ser recebidos
não como causas eficientes, mas sim como causas pelo intelecto possível que se torna atual e que, em si
finais, isto é, como aquele bem ou perfeição ao qual mesmo, é espiritual e, portanto, separado, único, não
cada céu aspira com seu movimento. misturado à matéria e, desse modo, supra-individual.
Assim, a relação entre o motor supremo e os Assim, além do intelecto divino, que é único,
motores intermediários não é relação de eficiência, também o intelecto possível é único para todos os
como queria Avicena, mas sim de finalidade. O homens, que a ele se ligam provisoriamente por meio
movimento que assegura a unidade para todo o da fantasia ou da imaginação, onde os universais estão
universo é o movimento do primeiro motor, sendo, contidos em forma potencial. Desse modo, o ato de
portanto, eterno e de natureza final, não eficiente. entender é do homem individual, uma vez que está
A tese da eternidade do mundo e do caráter ligado à fantasia ou imaginação sensível, mas ao mesmo
necessário do movimento do primeiro motor inscreve- tempo é supra-individual, visto que o universal em ato
se na própria concepção aristotélica de Deus como não pode ser contido pelo individuo em particular, por
“pensamento de pensamento” e, portanto, como sua natureza desproporcional ao caráter supra-
atividade necessária e eterna. individual do universal.
No fundo, com essa tese, Averróis pretende
Unicidade do intelecto salvaguardar o saber, que não perece com o indivíduo
porque é patrimônio de toda a humanidade. E o arquivo
Além do primado da filosofia e da eternidade do onde esses resultados se conservam, em benefício de
mundo, a terceira tese de Averróis discutida pelos toda a humanidade, é o chamado "intelecto possível",
medievais foi a relativa a unicidade do intelecto superior à capacidade do indivíduo e, portanto,
possível, o único do qual é predicável a imortalidade, independente.
tanto que Averróis nega a imortalidade individual. É uma espécie de mundo feito de Ideias, de
Com efeito, o intelecto possível, pelo qual criações humanas que transcendem o indivíduo e a ele
conhecemos e formulamos noções e princípios sobrevivem, tendo em vista outras conquistas, com as
universais, não pode ser individual, isto é, não pode ser quais cresce a concretização do intelecto possível, até
forma do corpo, porque nesse caso não poderia estar sua completa concretização, com a qual se concluirá a
disponível às formas inteligíveis de caráter universal. história da humanidade.
Por isso, falando do intelecto, Aristóteles diz que ele é Alcançada essa meta, realizar-se-á então a
separado, simples, impassível e inalterável. Se fosse perfeita união do intelecto possível, atualizado pelo
individual, o intelecto seria individualizado pela matéria saber, com o intelecto divino, que está sempre em ato.
- a qual é o princípio da individualização - e, então, seria
A atualização penosamente amadurecida do intelecto
incapaz de alcançar o universal e, portanto, o saber. O possível se fundira então com a atualidade permanente
intelecto, portanto, é único para toda a humanidade e do intelecto divino. É esse o epílogo ou união mística
não misturado com a matéria. de que falam as religiões.
Mas, então, como é que o homem individual
conhece? E em que sentido o conhecimento pode ser Consequências da unicidade do intelecto
considerado individual?
O intelecto possível, enquanto tal, conhece Enquanto as teses relativas ao papel da filosofia
passando da potência ao ato. Para tanto, necessita do no âmbito do saber e eternidade do mundo seriam
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diversamente repensadas, a tese que mais agitou os confirmou a proibição de 1215, mas só até que os
medievais foi a da unicidade do intelecto possível, porque se escritos de Aristóteles não fossem corrigidos.
encontrava em claro contraste com a fé na imortalidade Nomeada por Gregório IX e composta por
pessoal, um dos dados de fundo da religião cristã, e não homens que deram provas de abertura para as novas
apenas desta. correntes filosóficas, a comissão não concluiu o
Se o intelecto possível não é parte da alma trabalho de revisão dos escritos aristotélicos por causa
humana, mas está apenas temporariamente ligado a ela, da complexidade dos problemas e, talvez, também por
então a imortalidade não cabe ao homem em particular, causa da imperícia dos membros. Mas aquilo que não
mas sim a essa realidade supra-individual. foi feito por autoridade realizar-se-ia espontânea e
Ora, essa doutrina se prestava a duas progressivamente por meio da reflexão crítica e dos
interpretações: uma de caráter ascético; outra de caráter acesos debates dos pensadores cristãos.
materialista e hedonista. Os caminhos seguidos foram substancialmente
É verdade que a atividade vegetativo-sensitiva é dois: um de maior adesão às indicações de Aristóteles,
típica da alma, forma do corpo, mas esta no homem repensadas e corrigidas no contexto de teses
tende a elevar-se e unir-se à inteligência. Todavia, se propriamente cristãs; outro, de maior adesão às
essa interpretação ascético-mística era possível e talvez indicações agostinianas, integradas por elementos de
até fundada, a interpretação que se difundiu, em origem aristotélica.
consonância com o despertar da vida econômica e com O primeiro foi seguido por santo Tomás de
a redescoberta da positividade terrena, foi a Aquino, o segundo por São Boaventura, ambos
interpretação de cunho hedonista. empenhados na obra de harmonização da razão com a
Se tudo o que é individual se dissolve com a fé.
morte e se o homem não é, em última instância,
responsável por sua atividade espiritual, que é supra- 5.2 A QUESTÃO DOS UNIVERSAIS
individual, então a pregação sobre a morte e suas
consequências, relativas sobretudo à inutilidade do Aristóteles não será conhecido na Idade Média
mundo, perde o seu vigor, revelando-se pura ficção. a não ser a partir do século XIII, quando suas obras são
Não é difícil perceber aí os germes primordiais traduzidas para o latim. No entanto, no século VI
e inequívocos da concepção materialista ou apenas Boécio traduzira a lógica aristotélica, tecendo um
naturalista da vida e do homem, que a redescoberta de comentário a respeito da questão da existência real ou
alguns clássicos do pensamento antigo alimentavam. não dos universais.
Na matéria, tudo se transforma e se move Chamam-se universais os termos que designam
eternamente, nascendo em outro lugar e em outro todos os seres de determinada espécie. Assim, o termo
tempo, em ciclo perene, em relação ao qual o indivíduo boi designa todos os bois que possam existir, qualquer
é apenas presença transitória. que seja sua raça e características. Do mesmo modo, o
termo “homem alto e moreno”, que servem para
Primeiras reações ao aristotelismo qualificar alguém são nomes comuns usados para
nomear não uma entidade singular, mas um modo
Foram particularmente essas consequências que universal. “Homem”, “alto”, “moreno” são nomes
animaram o debate entre os Escolásticos, decididos a chamados “universais”.
combater suas premissas, seja por meio de uma leitura Tradicionalmente, os universais (universalia)
mais atenta de Aristóteles, seja redescobrindo o sentido foram chamados de "noções genéricas", "ideias" e
mais genuíno de algumas verdades da religião cristã. "entidades abstratas". Outros exemplos de universais
É esse o contexto no qual deve ser lida a são 'o leão', 'o triângulo','4' (o número quatro, escrito
interdição posta por Roberto de Courçon nos primeiros mediante a cifra 'quatro').
estatutos universitários de 1215: O universal é o conceito, a ideia, a essência
“Nos fundamentos da Leitura devem estar os comum a todas as coisas (por exemplo, o conceito de
livros de Aristóteles sobre a dialética, tanto da antiga homem). Em outras palavras, perguntava-se se os
como da nova lógica, nos cursos institucionais, mas não gêneros e espécies tinham existência separada dos
nos extraordinários (...). Entretanto, não devem ser objetos sensíveis: as espécies (como o cão) e os gêneros
lidos a Metafisica ou os livros naturales de Aristóteles ou (como os animais) teriam existência real"? Ou seja,
sínteses deles (comentários de Averróis)”. seriam realidades, ideias ou apenas palavras?”.
Na mesma linha está a decisão de Gregório IX, Os universais contrapõem-se aos “particulares”
que, em 1231 (por ocasião da greve dos estudantes, que e estes últimos tem sido equiparados com entidades
durou dezoito meses e a qual não era estranho o concretas ou singulares.
problema do aristotelismo, defendido pela faculdade de Um problema central relativo aos chamados
artes e combatido pela faculdade de teologia), “universais” é o de seu status ontológico. Trata-se de
determinar que classe de entidades são os universais, ou
101
16
seja, qual é a sua forma peculiar de existência. Ainda que Já os nominalistas, como Roscelino e
se trate primordialmente, como dissemos, de uma Guilherme de Ockham acreditavam que as ideias gerais
questão ontológica, vem tendo importantes implicações ou universais não passam de simples nomes, sem
e ramificações em outras disciplinas como a lógica, a realidade fora do espírito ou da mente. A única
teoria do conhecimento e até a teologia. realidade são os indivíduos e os objetos individualmente
A questão foi posta com frequência na história considerados.
da filosofia, especialmente desde Platão e Aristóteles, Para eles, além das substâncias singulares, só
mas como foi discutida muito intensamente na Idade existem os nomes puros, o que descarta a realidade das
Média, virou praxe colocá-la no início da chamada coisas abstratas e universais. O universal não existe por
querela dos universais. si, resume-se a um vocábulo com significado geral, mas
A “querela dos universais”, já desde Platão, mas sem conteúdo concreto, que só se apresenta no
sobretudo da Idade Média, ofereceu uma multiplicidade individual e no particular.
de temas e questões, tais como:
1) A questão do conceito (natureza e funções do 5.3 PEDRO ABELARDO
conceito, natureza do indivíduo e suas relações com o
geral); Pedro Abelardo (1079-
2) A questão da verdade (critério ou critérios da 1142) foi um filósofo escolástico
verdade e da correspondência do enunciado com a francês, considerado um dos
coisa); maiores pensadores do século XII.
3) A questão da linguagem (natureza dos signos Destinado por família a seguir
e suas relações com as entidades significadas). carreira militar, escolheu o
Todas essas questões foram levantadas, e em caminho da filosofia e das letras.
grande parte resolvidas, em função de vários problemas Aprendeu o Trivium, conjunto de
teológicos. disciplinas ligadas à linguagem na
Em princípio, o problema dos universais parece Idade Média.
abarcar todas as questões básicas filosóficas,
ontológicas, gnosiológicas e lógicas. Além disso, no fim A teologia passou a ser logo o centro das
da Idade Média e no Renascimento, o problema dos preocupações de Abelardo. Sua obra principal,
universais incluiu a questão da natureza e do indivíduo ”Dialética”, inspirada em Boécio, foi muito usada e
como ser pensante. bastante difundida nas escolas medievais, junto aos
A questão dos universais pode ser assim primeiros estudos contidos no Trivium. A obra
formulada: qual a relação entre as palavras e as ensinava aos estudantes como debater questões
coisas? Por exemplo, Rosa é o nome de uma flor. teológicas e metafísicas. Seu método de ensino foi
Quando a flor morre, a palavra ou o conceito universal considerado revolucionário na época, pois estimulava
“rosa” continua existindo. Nesse caso, a palavra ou os debates e as contradições entre as questões
conceito fala de uma coisa inexistente; tal palavra ou estabelecidas.
conceito geral existe independentemente da coisa (no A frase “a dúvida nos leva à pesquisa e através
caso, o ser concreto que morreu)? Que relação existe dessa conhecemos a verdade” é um dos princípios de
entre as coisas concretas (as espécies, por exemplo) e os Abelardo que direciona tanto seus pensamentos
seus conceitos? Essa questão é retomada nos séculos XI filosóficos como teológicos. O filósofo parte dessa ideia
e XII, alimentando longa polêmica, cujas soluções inicial para formar e fundamentar o seu raciocínio
principais são o realismo, o conceitualismo e o nominalismo. crítico. A dúvida é onde começa o caminho para a
Os realistas, como Santo Anselmo e pesquisa, é uma frequente interrogação que nos leva a
Guilherme de Champeaux, de tendência platônica, um exame mais aprofundado das questões que nos
sustentavam que as ideias gerais, ou os universais, interessam. Através da dúvida o filósofo Abelardo
deviam possuir existência independente, uma existência emprega um caráter científico às suas investigações.
ante res (antes das coisas reais), na mente divina ou em A dialética é para Abelardo muito mais do que
outro lugar. Esta solução, de matriz platônica, afirmava um discurso feito de forma habilidosa, ela é o
que o universal existe realmente no mundo das ideias. instrumento que ajuda a distinguir com clareza o
Existiriam, em um mundo ideal, desprovidas verdadeiro do falso. Seguindo regras lógicas ela vai
totalmente de matéria, as puras ideias. Lá existiriam o conseguir determinar se o discurso científico é
boi ideal, a rosa ideal, o homem ideal, etc. Esse mundo verdadeiro ou é falso.
das ideias, segundo Platão, seria um mundo puramente Abelardo pretende utilizar o vigor da dialética
espiritual, perfeito e divino. É a solução denominada nos estudos e nas argumentações teológicas para
realista, porque considera o universal realmente descobrir quais são os argumentos legítimos e quais são
existente. os argumentos não autênticos e através dela fazer
prevalecer as verdadeiras doutrinas cristãs.
102
17
Não é a razão que vai assimilar a fé, mas a fé que Para ele os universais teriam uma existência
vai apropriar-se da razão, pois o discurso filosófico não simbólica na mente, e outra, concreta, nas coisas. Em
vai tornar sem efeito o conjunto de sentenças da outras palavras, Abelardo sustenta que existem apenas
teologia, mas vai auxiliar no seu entendimento e torná- indivíduos, nenhum dos quais é, em si, espécie nem
lo mais fácil de compreender. gênero, e que os gêneros e as espécies são concepções
A filosofia vai ser a mediadora entre as verdades ou conceitos. Segundo ele, as coisas se parecem, e essas
reveladas e o pensamento humano. Segundo a filosofia semelhanças, que por si só não são coisas, produzem os
de Abelardo, não é possível crer nas coisas que não se universais.
compreende.
O método lógico de análise utilizado por QUESTÕES
Abelardo consistia em estudar a questão filosófica
fazendo um exame das partes que a constituem, 1. A Escolástica é o período da filosofia cristã da Idade
percebendo assim os diversos pontos de vista Média, que vai do século IX ao século XIV. Sobre a
incoerentes e contrários. Escolástica é correto afirmar, EXCETO
É necessário a realização de uma investigação A) No século XIII, servindo-se das traduções das obras
completa que vai determinar as diferenças entre as de Aristóteles, que foram feitas diretamente do grego,
argumentações de um tema. A razão vai prevalecer Tómas de Aquino realizou a síntese magistral entre a
sobre a opinião de quem tem grande entendimento teologia crista e a filosofia aristotélica.
sobre determinado assunto. Abelardo não vai contra a B) A fundação das universidades, já no século XI,
utilidade do pensamento de uma autoridade enquanto permitiu a expansão da cultura letrada, secularmente
não houver meios ou conhecimentos suficientes para se guardada nos mosteiros e a fermentação de idéias que
colocar em prática a razão. A partir do momento que a culminaram nos grandes sistemas filosóficos e
razão encontrar condições de por si mesmo encontrar teológicos do século XIII.
a verdade, a autoridade passa a ser inútil. C) No século XII a Igreja condenou o pensamento
Abelardo busca fazer uma conciliação, um platônico, principalmente na sua versão árabe, porque
entendimento, um acordo ou ao menos um diálogo ente os teólogos perceberam um ateísmo intrínseco na
os primeiros filósofos, em especial Platão, e as teorias forma de argumentação dialética da personagem
teológicas do cristianismo. Pedro Abelardo acreditava Sócrates.
que os primeiros filósofos, mesmo estando fora do D) No século XIV surgiram pensadores, tais como
cristianismo, buscavam também a verdade através da Guilherme de Ockam, que criticaram a filosofia tomista
investigação lógica. Os primeiros filósofos e os pelo seu caráter substancialista; isto abriu perspectivas
filósofos cristãos estão unidos pela razão. fecundas para o advento da ciência moderna.
A essência de Deus é impossível de ser definida,
pois ela não pode ser expressa. E não pode ser expressa 2. Uma das tendências fundamentais de pensamento da
porque para isso Deus teria que ser uma substância, e Idade Média é a Escolástica. A Escolástica caracteriza-
Deus está fora de todas as coisas que conhecemos e que se por vários elementos, tais, como:
possamos vir a conhecer. A) A filosofia aristotélico – tomista, o pensamento de
Para tentar explicar a trindade da pessoa divina Descartes, o ensino trivium e quadrivium e o pensamento
Abelardo usa como metáfora a gramática que diferencia de Santo Agostinho.
quem fala, para quem se fala e o que se fala. Na unidade B) O pensamento de Patrística, a valorização da
divina as três pessoas podem ser uma só, pois é possível indagação empírica, as universidades e a filosofia
falar de si a si mesmo. A primeira pessoa é também o platônica.
fundamento das outras duas, pois se não existir quem C) O ensino do trivium e quadrivium, filosofia platônica,
fala não existirá também o que se fala e a quem se fala. o pensamento de Descartes e as universidades.
Sobre as questões éticas Abelardo afirma que o D) A influencia da filosofia grega, o ensino do trivium e
pecado não é em si a ação física, mas o elemento quadrivium, as universidades e a filosofia aristotélico-
psicológico dessa ação, ou seja, o pecado é a intenção tomista.
de pecar e não a ação.
A posição de Pedro Abelardo com relação aos 3. Os árabes, entre os Séculos VII e XI, ampliaram suas
universais ficou conhecida por conceitualismo, conquistas e forjaram importante civilização. Sob a ação
diferenciando-se do realismo, pois nega que os catalisadora do Islã, foi mantida a unidade política,
universais sejam entidades metafísicas, e do enquanto que o comércio destacou-se como elo do
nominalismo, pois para ele, os universais existem como relacionamento tolerante com muitos povos. Além
entidades mentais, que fazem a mediação entre o disso, argumenta-se que os valores culturais da
mundo do pensamento e o mundo do ser, portanto, não Antiguidade Clássica chegaram ao conhecimento do
podem ser apenas palavras. Mundo Moderno Ocidental porque os árabes
103
18
A) traduziram e difundiram entre os europeus nem são meros nomes; eles são o significado dos nomes
importantes obras sobre o saber grego. e podem subsistir mesmo na falta de particulares a que
B) propagaram a obra Mil e uma Noites, mostrando que se apliquem.
ela se baseia em lendas chinesas. 16) O nominalismo asseverou que os universais nada
C) introduziram na Europa novas técnicas de cultivo e têm de real; são meros nomes, pois o que realmente
a habilidade na representação de figuras humanas. existe são os particulares.
D) profetizavam o destino do homem através das
estrelas. 6. (UEM 2013) “Com efeito, não seremos capazes de
E) desenvolveram uma ciência não submetida aos rebater as investidas dos hereges ou de quaisquer infiéis,
ensinamentos religiosos. se não soubermos refutar suas argumentações e
invalidar seus sofismas com argumentos verdadeiros,
4. (UEM 2009) A questão dos universais é introduzida para que o erro ceda à verdade e os sofismas recuem
na Filosofia Medieval pelos comentários de Boécio à perante os dialéticos: sempre prontos, segundo a
sua tradução da lógica de Aristóteles no século VI. exortação de São Pedro, a satisfazer a quem nos peça,
Todavia a polêmica acerca da existência real dos razões da esperança ou da fé que nos anima. Se no curso
universais assume forma e importância maior a partir dessas disputações conseguirmos vencer aqueles
do século XI. Sobre a questão dos universais, assinale o sofistas, apareceremos como verdadeiros dialéticos; e
que for correto. como bons discípulos, tanto mais nos lembraremos de
01) Para os realistas, os particulares são as coisas mais Cristo, que é a própria verdade, quanto mais fortes nos
reais; para os nominalistas, o mais real é o abstrato. mostrarmos na verdade das argumentações”
02) As coisas abrangidas por um universal, embora (ABELARDO, P. Epístola 13. In: CHALITA, G. Vivendo a
diversas e múltiplas, são semelhantes em alguns filosofia: ensino médio. 4.ª ed. São Paulo: Ática, 2011, p. 146).
aspectos. A partir do trecho citado, assinale o que for correto.
04) Santo Anselmo foi um realista em sua concepção 01) O filósofo mostra a necessidade de argumentos
dos universais, ou seja, acreditou que os universais têm racionais (dialéticos) para a defesa da doutrina cristã.
realidade objetiva. 02) Nos debates, não basta apenas invocar a palavra de
08) Para os nominalistas, como Roscelino, os universais Cristo, é preciso elaborar argumentos racionais contra
são simples palavras que expressam os conteúdos os infiéis.
mentais. 04) A dialética é um instrumento argumentativo contra
16) Por universal entende-se conceito, ideia, gênero, os sofismas, inserindo o debate no campo filosófico e
espécie ou propriedade predicada de vários indivíduos. não no campo doutrinal da fé.
08) A fraqueza da argumentação dos infiéis está na sua
5. (UEM 2008) A questão dos universais foi um dos inconsistência lógica e racional.
grandes problemas debatidos na Filosofia Medieval. A 16) Os hereges e os infiéis serão convencidos somente
dificuldade era determinar o modo de ser das idéias com argumentos oriundos da Bíblia.
gerais, gêneros ou espécies, tais como homem, animal
etc.; ou seja, saber se os universais correspondem a uma 7. (UEM 2014) “Dizemos: cada pessoa é, por exemplo,
realidade fora de nós ou se são puras abstrações do um ser humano, porém, há coisas que não lhe
espírito e sem realidade. Realismo e nominalismo foram pertencem como ser humano. Contudo, não se isenta
as duas soluções típicas do problema, surgindo o delas na existência como, por exemplo, a definição de
conceitualismo como solução intermediária. Em suas medidas, sua cor, sua aparência e aquilo que é
relação à questão dos universais, assinale o que for
correto. notório nele e outras coisas deste tipo. Todas estas
01) O realismo, de inspiração platônica, afirmava que os coisas, mesmo sendo humanas, não são condições para
universais existiam na realidade, independentemente que ele seja humano, caso contrário, todas as pessoas
das coisas individuais. seriam iguais neste âmbito. Apesar disso, inteligimos
02) Os realistas foram os primeiros filósofos a que há algo, ou seja: o ser humano. Que pobre é o
acreditarem na realidade virtual; foram, assim, discurso daquele que afirma o seguinte: o ser humano é
precursores da inteligência artificial.
esta totalidade percebida (pelos sentidos)!”
04) Uma forma moderada de realismo foi defendida por
(AVICENA. A filosofia e sua divisão, in MARÇAL, J., Antologia
Santo Tomás de Aquino, o qual, sob influência de
de textos filosóficos. Curitiba: SEED-PR, 2009, p. 90-91).
Aristóteles, supôs que o universal estaria na coisa, como
Com base nesta afirmação de Avicena, assinale o que
sua forma ou substância; depois da coisa, como
conceito no intelecto; e antes da coisa, na mente divina, for correto:
como modelo das coisas criadas. 01) A definição do ser humano depende de suas
08) No conceitualismo de Pedro Abelardo, os atribuições sensíveis.
universais são conceitos que não existem na realidade,
104
19
02) A classe social de um indivíduo compõe um dos GABARITO
elementos da definição do ser humano.
04) A identidade racial distingue os seres humanos de QUESTÕES PATRÍSTICA
outros seres vivos. 1. 1/4/16
08) O conceito de ser humano é inteligível. 2. 1/4/8
16) Qualificações como peso, altura e aparência física
distinguem um ser humano de outro ser humano. 3. 1/2/4/8/16
4. a
8. (UEM 2012) Um texto de um filósofo anônimo da
5. e
Idade Média apresenta de modo claro um problema
central para a filosofia e a ciência do seu tempo. Ele 6. d
afirma: “Boécio divide em três as partes da ciência
7. c
especulativa: natural, matemática e teológica. Da
mesma forma, o Filósofo [isto é, Aristóteles] divide-a 8. c
em natural, matemática e metafísica. Assim, isto que
9. b
Boécio chama teologia, o Filósofo chama metafísica.
Elas são, portanto, idênticas. Mas a metafísica não é 10. c
acerca de Cristo. Logo, a teologia também não o é”
(Quaestio de divina scientia. In: FIGUEIREDO, V. Filósofos na sala de
11. d
aula. Vol. 3. São Paulo: Berlendis & Vertecchia, 2008, p. 68).
A partir do trecho citado, assinale a(s) alternativa(s)
correta(s). QUESTÕES ESCOLÁSTICA
01) A teologia apresenta-se na Idade Média como a 1. c
ciência principal.
02) A teologia é objeto da filosofia de Aristóteles, apesar 2. d
de ela não ter esse nome para ele. 3. a
04) A teologia é uma ciência que não diz respeito à
investigação da natureza de Cristo. 4. 2/4/8/16
08) A teologia é, para esses filósofos, tão científica 5. 1/4/8/16
quanto a matemática.
16) A teologia e a metafísica são conhecimentos 6. 1/2/4/8
adquiridos por meio da ciência especulativa. 7. 8/16
8. 2/4/8/16
105
20
FILOSOFIA MEDIEVAL – PARTE 2 Dessa maneira, teologia (fé) e filosofia (razão
natural) são conciliáveis, desde que a razão ampare o
5.4 SÃO TOMÁS DE AQUINO caminho até a verdade revelada, isto é, um bom uso da
Natural de Nápoles na razão faz com que possamos acessar a verdade de Deus.
Itália, Tomás de Aquino (1225 – Portanto, não deve haver conflito entre fé e razão. O
1274) foi ordenado monge saber teológico não suplanta o saber filosófico nem a fé
dominicano e estudou na substitui a razão, até porque, e este é o último motivo,
universidade de sua cidade natal a fonte da verdade é única.
e na de Bolonha. Mais tarde É preciso partir das verdades "racionais",
tornou-se professor da maior porque é a razão que nos une. É sobre essa base que se
universidade europeia daquela podem obter os primeiros resultados universais, porque
época, a de Paris. racionais, com base nos quais se pode depois construir
Se Santo Agostinho um discurso de aprofundamento de caráter teológico.
cristianizou Platão, Tomaz de Aquino cristianizou Discutindo com os judeus, pode-se assumir
Aristóteles ao usar sua teoria filosófica para explicar a como pressuposto o Antigo Testamento; discutindo
fé e até mesmo a existência de Deus. A influência de com os heréticos, pode-se assumir toda a Bíblia. Mas
seu pensamento penetrou toda a Europa a ponto de ele que pressuposto pode tornar possível a discussão com
ser considerado o conselheiro dos conselheiros dos reis. os pagãos ou gentios senão aquilo que nos assemelha,
Ou seja, o mestre dos mestres. Sua obra principal foi a isto é, a razão?
Suma Teológica . A esse motivo, de índole apologética, devem-se
Se em Santo Agostinho o lema era “crer para acrescentar duas considerações de caráter mais geral,
entender”, aqui é “entender para crer”. Apesar de dar isto é, no sentido de que a razão constitui nossa
uma valorizada na razão, ele também a entendia como característica. Deixar de utilizar essa força, mesmo que
a serviço da fé. em nome de uma luz superior, seria deixar de lado uma
exigência primordial e natural. Ademais, existe um
A teologia não substitui a filosofia - Razão e fé corpus filosófico que é fruto de tal exercício racional,
como a filosofia grega, cujos resultados foram
O objeto primário das reflexões de Tomás é apreciados e utilizados por toda a tradição cristã.
Deus, não o homem ou o mundo, porque somente no Por fim, Tomás tinha a convicção de que,
contexto da revelação é que se torna possível raciocinar apesar de sua radical dependência de Deus no ser e no
sobre o homem e o mundo. agir, o homem e o mundo gozam de relativa autonomia,
Muito se tem discutido sobre se existe ou não sobre a qual deve-se refletir com os instrumentos da
uma razão autônoma da fé em Tomás, ou seja, uma razão pura, fazendo frutificar todo o potencial
filosofia distinta da teologia. cognoscitivo para responder a vocação original de
A verdade é que em Tomas há uma razão e uma “conhecer e dominar o mundo”.
filosofia como preparação para a fé. A filosofia tem sua
configuração e sua autonomia, mas não exaure tudo o Teoria do conhecimento
que se pode dizer ou conhecer. Assim, é preciso integrá-
la a tudo o que está contido na sagrada escritura em De acordo com a sua teoria do conhecimento,
relação a Deus, ao homem e ao mundo. o homem é um ser duplo, composto por um corpo
A diferença entre a filosofia e a teologia não está material e por uma alma inteligível. O homem conhece
no fato de que uma trata de certas coisas e a outra de porque é alma, mas não tem acesso direto a Deus
outras coisas, porque ambas falam de Deus, do homem porque também é corpo.
e do mundo. Nosso conhecimento sempre parte dos
A diferença está no fato de que a primeira sentidos, mas atinge o inteligível por meio da abstração.
oferece um conhecimento imperfeito daquelas mesmas Desse modo, a teoria tomista do conhecimento é a do
coisas que a teologia está em condições de esclarecer realismo, ou seja, considera que os conceitos que
em seus aspectos e conotações específicos relativos à apreendemos pelo conhecimento possuem uma
salvação eterna. realidade autônoma e objetiva. O que a faculdade do
A fé, portanto, melhora a razão assim como a conhecimento recebe do objeto é uma impressão deste.
teologia melhora a filosofia. A graça não suplanta, mas O que primeiro conhecemos são essas impressões,
aperfeiçoa a natureza. E isso significa duas coisas: porque elas remetem de forma intencional ao objeto
a) a teologia retifica a filosofia, não a substitui, observado.
assim como a fé orienta a razão, não a elimina; Tomás fixou-se num realismo moderado,
b) a filosofia, como preparação para a fé, tem tomando como ponto de partida o ser captado pela
sua autonomia, porque é formulada com instrumentos inteligência no âmbito do conhecimento sensível, de
e métodos não assimiláveis aos da teologia. onde o abstrai, para em seguida buscar novos resultados
106
1
da especulação sem nunca ultrapassar o âmbito limitado Todo ente compreende em si o uno, o
do ser sensível. verdadeiro e o bom (os assim chamados
transcendentais do ser), motivo pelo qual se pode dizer
A ontologia que o ser é uno, verdadeiro e bom.
Dizer que o ser é uno significa afirmar que ele é
A metafisica de Tomás distingue o ente intrinsecamente não contraditório; mas também neste
(existente) da essência e privilegia o primeiro em relação caso a unidade se predica de Deus e do homem apenas
a segunda. O ente pode ser lógico (conceitual) e real por analogia. Deus com efeito, é verdadeiramente
(extramental). simples; o homem, ao contrário, é uma unidade por
O ente lógico tem a função de unir mais composição (essência + actus essendi).
conceitos, mas isso não significa que para cada ente O verdadeiro é um transcendental do ente no
lógico corresponda um ente real (por exemplo, ao sentido de que todo ente é inteligível. Mas isso pode ser
conceito de cegueira não corresponde nenhum ente dito em dois sentidos: de um lado, para afirmar que
real). É esta posição do "realismo moderado" que existe uma verdade ontológica (todo ente é
recorre ao poder de abstração do intelecto para explicar verdadeiro porque se adapta ao intelecto divino que o
os universais. pensa), e por outro lado para afirmar que existe uma
Tudo o que existe é ente e, portanto, também verdade lógica, que é a adequação da nossa mente
Deus e o mundo. Todavia, Deus e o mundo são entes humana ao objeto. A verdade de um ente depende do
de modo diverso; o ser se predica deles por analogia; grau de ser que possui; neste sentido, Deus, que é sumo
Deus é o ser, o mundo tem o ser. ente, e também suma verdade.
A essência é o “o que é” de uma coisa, mas é Por fim, tudo o que é, é também bom porque é
apenas potência de ser, apenas em Deus potência e fruto da bondade difusiva de Deus. Nessa concepção,
Deus se apresenta como Sumo bem.
Dado que Deus é causa do criado, o próprio
criado apresenta algumas semelhanças com Deus. Por
outro lado, a transcendência de Deus implica também
uma insuperável dessemelhança entre o Criador e o
criado, a ponto de nosso conhecimento de Deus (pelo
fato de que Deus não tem nenhuma essência especifica)
tornar-se impossível, e exprimível apenas por via
negativa. Essa contemporânea semelhança e
dessemelhança do mundo com Deus constitui a relação
de analogia.
117
12
GABARITO
QUESTÕES ESCOLÁSTICA
1. 1/2/16
2. 1/4/8/16
3. c
4. d
5. d
6. 1/4/8/16
7. 1/2/8/16
8. 2/4/16
9. 1/4/16
118
13
FILOSOFIA MODERNA O homem passaria a olhar o mundo desde
então, não mais a partir de Deus, mas a partir de si
1. RENASCIMENTO – ROMPIMENTO COM O mesmo. O centro das coisas agora era o homem
ANTIGO E O NASCIMENTO DO (MUNDO) (antropocentrismo). Por isso que os pensadores desse
MODERNO tempo ficaram conhecidos como humanistas.
Eles estavam no século XIII, onde poderiam
A ruptura com o sistema feudal não aconteceu encontrar fundamentos para essas suas ideias? Isso
da noite para o dia. Foi um processo lento e gradual de mesmo, eles tiveram que recuar mais de 1.000 anos para
transformações no mundo e no pensamento que encontrar nos gregos antigos algo parecido com o que
aconteciam ainda na (baixa) Idade Média. Se ainda hoje estava acontecendo com eles. E não foi muito difícil
existem resquícios desse tempo, imagine durante essa fazer isso, já que eles estavam, onde mesmo?
passagem. Exatamente, no centro do que fora o maior império do
A ponte entre esses dois mundos foi o mundo, o mesmo que conquistou os gregos e mesclou
Renascimento, que começou ainda no século XIV e se a cultura deles com a sua, preservando vários de seus
estendeu até o século XVI. Foi ele o combustível escritos.
intelectual que justificou o abandono de uma forma Os homens do renascimento foram buscar nos
(ultra)passada de ver a si mesmo e ao mundo, e deu gregos e romanos antigos inspiração para louvarem o
novas cores, formas e respostas ao que já estava ser humano. Isso mesmo, “inspiração”. Eles não
acontecendo e ao que ainda estava por vir. Por isso, é estavam querendo simplesmente copiá-los, prova disso
ele que passaremos a estudar agora. é que diferentemente dos antigos que contemplavam a
Enquanto os grandes reinos estavam sendo natureza, os renascentistas queriam conhecê-la para
criados, porque a situação estava um caos e precisava- dominá-la.
se de um poder forte para controlá-la, na Península Não bastava um pensamento contemplativo,
Itálica, onde se encontravam as principais rotas eles queriam um saber ativo que lhes permitissem criar
comerciais, cidades muito ricas ficavam cada vez mais coisas. O homem renascentista que rompeu com as
ricas devido ao intenso comércio com o oriente. imposições da sociedade feudal, agora queria romper
As mais ricas cidades foram Gênova, Veneza e também com as imposições que a natureza lhe
Florença, comandadas por ricas famílias de impunha. Descobrir seus mistérios para usá-los a seu
comerciantes e banqueiros, e onde um grande número favor era algo muito rentável e promissor.
de pessoas de todos os lugares passavam por lá e, além Pergunte aos navegadores que tinham que
de comerciarem, trocavam ideias e experiências de vida, desbravar os mares, aos mineradores que tinham que
ampliando os horizontes de seus habitantes. encontrar metais preciosos para cunhar moedas.
Nessas cidades, uma nova ordem social era Pergunte aos estudantes de medicina que queriam
criada. Lá os homens faziam seus destinos por conta conhecer melhor o corpo humano para trata-lo melhor,
própria, eram senhores de si, construtores de seu novo e aos engenheiros que queriam descobrir novas formas
mundo. Este, era muito diferente daquele existente no de construir armas para guerrear com mais facilidade.
campo, onde imperavam as regras sociais feudais Essa vontade de obter um conhecimento que os
sustentadas pela visão teocêntrica (Deus no centro de ajudassem em questões práticas (o embrião do
tudo) imposta pela Igreja. conhecimento científico), se refletiu em todos os ramos
Esses homens não aceitavam a imobilidade da cultura, desde a política até as artes. Mas havia algo
social, em que um servo morreria servo, quando que os impedia em progredir, e que infelizmente
homens pobres podiam ficar ricos e melhorar de via. também estava lá junto deles na Península Itálica.
Eles não aceitavam ter uma vida de penitências quando Era a Igreja com seus ensinamentos
se poderia aproveitar os prazeres que a vida tem a escolásticos, principalmente Santo Tomas de Aquino e
oferecer. Eles não aceitavam que a busca pelo lucro Aristóteles, que ensinavam um conhecimento baseado
fosse um pecado mortal, enquanto que esse lucro lhes na pura contemplação e que vinha sendo transmitido às
proporcionava mudar para uma vida melhor, na medida gerações pela tradição, que era indiscutível.
de seu próprio esforço pessoal. Para a Igreja, esses desgraçados que já haviam
Percebam que nessas ricas cidades a visão de rompido com a organização social que ela havia dito
mundo feudal (teocêntrica) fundamentada pela Igreja que era a única correta, pois reflexo da vontade de
não tinha muito espaço. Não é que todo mundo ficou Deus, agora querem descobrir os segredos do corpo
ateu nas cidades, mas é que a interpretação de mundo humano, da natureza, e do universo. Mas ela já havia
passa a se dar a partir do homem, já que ele, realmente dito tudo que tinha para ser dito.
era um pecador, mas também fora feito à imagem e Essa vontade de conhecer era uma blasfêmia
semelhança de Deus, do criador. E por ter algo de tamanha que só poderia ser purificada pelo fogo da
divino, a criatura mais perfeita criada por Deus, ele Inquisição do Santo Ofício. “Ousem questionar o que
poderia também criar maravilhas.
119
1
dissemos e sofrerão as consequências”, era o aviso que Rafael Sanzio (1483 – 1520) – o “pintor da
a Igreja havia dado. madonas”. Veja só uma de suas obras mais famosas. A
Mas as famílias ricas ousaram, e, conhecidos Escola de Atenas representa os maiores pensadores da
como mecenas, financiaram vários artistas e cientistas, grécia antiga, tendo Platão e Aristótels ao centro.
que com sua arte e invenções iam firmando os valores
burgueses na nova sociedade.
Nas artes eram usados conhecimentos
científicos e matemáticos, e nelas se destacaram grandes
nomes na Península Itálica, tais como:
Leonardo da Vince (1452 – 1519) – grande
gênio da época interessou-se por tudo, engenharia,
astronomia, pintura, escultura, filosofia, física, música,
etc. Seus traços sempre valorizaram as formas humanas
e suas invenções militares ajudaram os homens daquela
época a se matarem com mais eficiência. Ele também
120
2
QUESTÕES adquirem um caráter laico. É possível constatar isso,
inclusive, na nova concepção que o corpo adquire
1. Durante o Renascimento, houve uma revolução durante o Renascimento.
tecnológica fundamental, em máquinas e Sobre o Renascimento e a Idade Moderna, assinale o
equipamentos, cujo impacto para o progresso das que for correto.
01) Os estudos de anatomia, praticados pelo médico
ciências equipara-se ao advento da internet no final do
belga Vesalius (1514 – 1564) e por Leonardo da Vinci
século XX. Essa revolução se deveu (1452 – 1519), não só alteram várias concepções
A) à imprensa dos tipos móveis que agilizou a troca de inadequadas da anatomia tradicional, baseadas nas
ideias e a divulgação de inventos. obras de Galeno (séc. II), como também alteram a
B) às Reformas religiosas, a partir das quais as pessoas representação religiosa do corpo humano e lhe dão uma
deixaram de ser crentes e místicas. conotação física, naturalista e biológica.
C) à expansão marítima, cujos lucros contribuíram para 02) Por considerar o corpo humano apenas matéria, a
Igreja da Idade Média não se importava com a
o desenvolvimento científico e comercial autônomo das
exumação de cadáveres para a prática de experiências
colônias. científicas.
D) ao Moderno Estado Europeu, que priorizou as áreas 04) A Idade Moderna desenvolve uma concepção
exatas e tecnológicas nas universidades. mecanicista do corpo que pode, inclusive, ser
E) ao intercâmbio de informações entre as civilizações encontrada na obra de René Descartes.
europeia, chinesa e islâmica. 08) A secularização da concepção do corpo apresenta-
se durante o Renascimento na expressão artística,
2. Observe as duas imagens a seguir. A primeira é a foto como, por exemplo, na arte pictórica de Rembrandt,
de uma estátua grega do século V a.C., a segunda é da que reproduz a experiência de Vesalius no seu quadro
estátua de Davi, feita por Michelangelo, no século XVI. A lição de anatomia.
16) A exumação dos cadáveres, sua dissecação e as
experiências neles exercidas eram, no início da Idade
Moderna, rigorosamente submetidas aos princípios da
bioética e fiscalizadas por um conselho composto por
membros da Igreja e magistrados.
O infinito se torna, a marca emblemática da sua Bruno é certamente um dos filósofos mais
filosofia. Com efeito, para Bruno, se a Causa ou o difíceis de entender. E, no âmbito da filosofia
Principio primeiro é infinito, também o efeito deve ser renascentista, certamente é o mais complexo. Daí as
infinito. exegeses tão diversas que sobre ele foram propostas.
124
6
No estado atual dos estudos, porém, muitas A mesma noticia lhe é confirmada por seu ex-
conclusões a que se chegara no passado devem ser discípulo Jacques Badouere. Justamente com base
revistas. nestas notícias Galileu construiu a luneta. E a coisa
Não parece possível fazer dele um precursor da realmente interessante é que ele a tenha levado para
revolução do pensamento moderno, no sentido em que dentro da ciência, como instrumento científico a ser
operara a revolução científica, porque seus interesses utilizado como potencialização de nossos sentidos.
eram de natureza completamente diferente, ou seja, Esse foi o grande passo para o conhecimento
mágico-religiosos e metafísicos. experimental. Veja que um indivíduo, por meios dos
A defesa que ele fez da revolução copernicana sentidos, pôde sozinho desafiar os conhecimentos
fundamenta-se em bases totalmente diferentes daquelas contemplativos sustentados por todo o clero da Igreja.
em que se baseara Copérnico, tanto que alguns Além de desbancar Aristóteles com relação à
chegaram até a levantar dúvidas de que Bruno queda dos corpos, por meio de seus cálculos
realmente tenha entendido o sentido cientifico daquela matemáticos e suas experiencias na torre de Pisa, ele
doutrina. também provou que as esferas celestes não eram
Em seu conjunto, a obra de Bruno marca um perfeitas como o filosofo grego sustentava.
dos pontos culminantes da Renascença e, ao mesmo Esse foi o grande passo para o conhecimento
tempo, um dos resultados conclusivos mais experimental. Veja que um indivíduo, por meios dos
significativos desse período irrepetível do pensamento sentidos, pôde sozinho desafiar os conhecimentos
ocidental. contemplativos sustentados por todo o clero da Igreja.
Ele viu com seu telescópio as crateras lunares, e
4. GALILEU GALILEI E O INÍCIO DA o extraordinário era que não se tratava apenas de uma
CIÊNCIA EXPERIMENTAL disputa de opiniões, a palavra de Galileu contra a de
Aristóteles. Qualquer pessoa podeira ver isso pelo
Na Itália, Galileu telescópio e atestar que Galileu estava com a razão.
Galilei (1564 – 1642) Mediante a luneta, se podem ver, além das
conseguiu se impor como estrelas fixas, "outras inumeráveis estrelas jamais
um grande matemático e divisadas antes de agora"; o universo, em suma, torna-
inventor. Ele era se maior; constata-se que a lua não é um corpo
estudante de medicina e perfeitamente esférico, como até então se acreditava,
abandonou o curso, para mas é escabrosa e desigual como a terra (este é um
desgosto da família, no resultado que destrói uma coluna da cosmologia
intuito de se aprofundar aristotélico-ptolomaica, isto é, a ideia da clara distinção
nos estudos de matemática, que era sua grande paixão. entre a terra e os outros corpos celestes); vê-se que a
Galileu, contrariando os ensinamentos formais Galáxia não é “nada mais que um monte de inumeráveis
da Igreja predominantes nas escolas e universidades de estrelas, disseminadas em amontoados"; observa-se que
seu tempo, acreditava que era possível explicar o as nebulosas são "rebanhos de pequenas estrelas";
universo através da matemática, e dedicou sua vida a veem-se os satélites de Júpiter (e esta descoberta
provar que estava certo. oferecia a Galileu a inesperada visão no céu de um
Não fosse por Galileu, talvez você não teria que modelo menor do que o modelo copernicano).
responder 45 questões de matemática, um quarto da
prova. Mas também se não fosse por ele, talvez você Confirmando Copérnico
não estivesse lendo esse mateiral agora, pois
provavelmente não haveria a tecnologia necessária por Dia 12 de março de 1610 Galileu publica em
fazer ele chegar até você. Veneza o Sidereus Nuncius, obra que inicia com estas
palavras:
A fé na luneta "Grandes na verdade são as coisas que neste breve
tratado proponho a visão e contemplação dos estudiosos da
Na primavera de 1609 natureza. Grandes, digo, tanto pela excelência da matéria em si
Galileu vem a saber que um mesma, como pela novidade delas jamais ouvida em todos os
certo flamengo havia fabricado tempos passados, como também pelo instrumento em virtude do
uma lente mediante a qual os qual as próprias coisas se tornaram manifestas a nosso sentido".
objetos visíveis, por mais Nessa obra ele corrobora o sistema copernicano
distantes que estivessem dos e desmente o sistema defendido pela Igreja, que era o
olhos do observador, eram geocentrismo. Atraves de seus estudos de astronomia
vistos distintamente como se ele chegou às mesmas conclusões de Copérnico sobre a
estivessem próximos. posição da terra no sistema solar, sustentano um
125
7
sistema heliocentrico (sol no centro), contrariando a
posição geocentrica (terra no centro) da Igreja.
Daqui as raízes do desencontro entre Galileu e
a Igreja. Copérnico afirmara que "todas as esferas giram
em torno do sol como seu ponto central e, portanto, o
centro do universo está dentro do sol". E ele pensava
que sua própria teoria fosse uma representação
verdadeira do pressuposto universo. Deste parecer era
também Galileu. Para ele, a teoria copernicana descreve
o sistema do mundo.
Tal tese realista devia necessariamente aparecer
perigosa a todos - católicos e protestantes - pois
pensavam que a Bíblia em sua versão literal não podia
errar. No Eclesiastes (1,4-5) lemos que "a terra
permanece sempre em seu lugar" e que "o sol surge e se
põe voltando ao lugar de onde surgiu"; e por Josué No dia 19 de fevereiro de 1616 o Santo Oficio
(10,13) somos informados de que Josué ordena ao sol passou a seus teólogos as duas proposições não aceitas
que pare. Com base nestas passagens da Escritura pela Igreja e que resumiam o núcleo da questão:
Lutero e Calvino se opuseram ferrenhamente à teoria a) “Que o sol esteja no centro do mundo, e por
copernicana. conseguinte imóvel de movimento local”.
Nesse ano, também, obtém da parte do grão- b) “Que a terra não está no centro do mundo
duque Cosme II o rendoso posto de "matemático nem imóvel, mas se move segundo si mesma inteira,
extraordinário do estúdio de Pisa". Era como se fosse o também com movimento diurno”.
título de “o” filósofo-cientista da sua época, o pensador Cinco dias depois, dia 24 de fevereiro, todos os
mais notável e respeitado da Europa e, por conseguinte, teólogos do Santo Oficio condenaram as duas
do mundo. proposições. A sentença do Santo Oficio é transmitida
à Congregação do Índex, que no dia 3 de março de 1616
Ciência e fé emana a condenação do Copernicanismo.
No dia 26 de fevereiro, o papa tinha alertado
Entre 1613 e 1615 Galileu escreve as famosas Galileu a abandonar a ideia copernicana e lhe ordenava,
quatro cartas copernicanas sobre as relações entre sob pena de prisão, “não ensiná-la e não defendê-la de
ciência e fé. Uma a seu discípulo, o beneditino nenhum modo, nem com as palavras nem com os
Benedetto Castelli, duas a dom Piero Dini; e uma a escritos”. Galileu concordou e prometeu obedecer.
senhora Cristina de Lorena, grã-duquesa de Toscana. Em 1623 sobe ao trono pontifício, com o nome
Galileu teoriza a incomensurabilidade entre de Urbano VIII, o cardeal Maffeo Barberini, amigo e
saber cientifico e fé religiosa, os conhecimentos admirador de Galileu. Encorajado por este evento,
científicos são autônomos em relação à fé, pois Galileu retoma sua batalha cultural; e em 1632 publica
pretendem descrever o mundo; os dogmas da fé, as a obra Dialogo de Galileu Galilei Linceu, onde se discorre
proposições religiosas, de sua parte, não são e não sobre os dois máximos sistemas do mundo ptolomaico
querem ser um tratado de astronomia, mas uma e copernicano, fazendo uma defesa cerrada do sistema
mensagem de salvação. copernicano. O Diálogo sobre os dois máximos sistemas do
Galileu fixa o princípio da distinção entre mundo aparece em 1632.
ciência e fé, segundo o qual “a intenção do Espirito Urbano VIII foi convencido pelos adversários
Santo seria ensinar-nos como se vai ao céu e não como de Galileu de que o Dialogo constituía um descrédito
vai o céu”. da autoridade e talvez também do prestigio do papa, o
Para Galileu, portanto, ciência e fé são qual estaria sendo ridicularizado.
compatíveis porque incomensuráveis, não se trata de Foi assim que iniciou o segundo processo
um “ou-ou”, e sim de um “e-e”; o discurso cientifico é contra Galileu em 1633, que o condenou a negar o que
um discurso factualmente controlável, destinado a havia dito. A prisão perpetua lhe é logo comutada em
fazer-nos ver como funciona o mundo; o discurso confinamento, em sua casa.
religioso é um discurso de “salvação” que não se ocupa Na prisão domiciliar escreve os Discursos e
de descrever o mundo, e sim do "sentido" do universo, demonstrações matemáticas sobre duas novas ciências, que
da vida dos indivíduos e de toda a humanidade. aparecerão em 1638.
Denunciado ao Santo Oficio, Galileu é Essas ciências são a estática e a dinâmica. Tais
processado em Roma em 1616, ele é proibido de discursos são propostos em forma de diálogo onde
ensinar ou defender com palavra ou com os escritos a discute-se sobre a resistência dos materiais, sobre
teoria copernicana. sistemas de alavanca, e está presente a celebre
126
8
experiência sobre planos inclinados. Nesta obra A experiência cientifica de Galileu e o experimento, que
apresenta-se a contribuição mais original de Galileu à se faz para ver se uma suposição corresponde ou não à
história das ideias cientificas. realidade.
Assistido por seus discípulos Vicente Viviani e Óbivio que a Igreja não ficou parada de braços
Evangelista Torricelli, Galileu morre no dia 8 de janeiro cruzados. A inquisição caiu em cima de Galileu e ele
de 1642. teve de dizer que suas teorias eram apenas suposições
(hipóteses).
A nova ciência Apesar de tudo, a Igreja não conseguiu conter a
Revolução Científica que Galileu havia começado, e
Explicitando mais detalhadamente a imagem muitos foram os estudiosos que deram prosseguimento
galileana da ciência é preciso salientar que, para Galileu, a seus estudos, sendo Isaac Newton quem aperfeiçou o
a ciência não e mais um saber a serviço da fé, não sistema.
depende da fé, tem um escopo diferente do da fé,
aceita-se e encontra fundamentos diferentes dos da fé. E as mudanças continuaram
Autônoma em relação à fé, a ciência está desvinculada
também do autoritarismo da tradição aristotélica que E o movimento renascentista não ficou só na
bloqueia a pesquisa cientifica. Peninsula Itálica, ele se espalhou por toda a Europa. Na
E contra os aristotélicos dogmáticos e livrescos, França tivemos também Rabelais (1490 – 1553), na
Galileu recorre justamente a Aristóteles, o qual Inglaterra, Willian Sheakespeare (1564 – 1616), na
“antepõe [...] as experiências sensatas a todos os Espanha, Miguel de Cervantes (1547 – 1616), nos
discursos”; de modo que “não duvido nada de que se Paises Baixos, Erasmo de Rotterdam (1466 – 1536).
Aristóteles vive-se em nosso tempo, mudaria de É importante destacar que talvez a principal
opinião”. Com isso Galileu faz "o funeral [...] da invenção dessa época, sem a qual nada disso poderia ter
pseudofilosofia", mas não o funeral da tradição acontecido, tenha sido a imprensa (1454) do alemão
enquanto tal. Gutemberg. Ela possibilitou a reprodução rápida e
Com as devidas cautelas se pode dizer que barata dos livros já produzidos e dos que estavam sendo
Galileu é platônico em filosofia (o livro da natureza está escritos.
escrito em linguagem matemática) e aristotélico no
método (Aristóteles "teria [...] anteposto, como
convém, a sensata experiência ao discurso natural").
A ciência de Galileu é a ciência de um realista,
ou seja, a ciência de um cientista convicto de que as
teorias cientificas alcancem e descrevam a realidade; a
ciência e descrição verdadeira da realidade, e nos diz
“como vai o céu”; e é objetiva porque descreve as
qualidades objetivas e mensuráveis (qualidades
primarias) e não as qualidades subjetivas (qualidades
secundarias) dos corpos.
E esta ciência, descritiva de realidades objetivas
e mensuráveis, é possível porque é o próprio livro da
natureza que "está escrito em linguagem matemática".
A ciência, portanto, é objetiva porque não se embrenha
nas qualidades subjetivas e secundarias nem se propõe Ela foi também um importante instrumento
à busca das “essências”. contra a centralização do saber com o clero, já que antes
Do que foi dito segue-se que a pesquisa dela os livros eram copiados pelos monges de capa a
qualitativa é suplantada pela quantitativa, e são capa. Imagine quanto tempo levaria para copiar a
eliminadas as causas finais em favor total das mecânicas. quantidade de livros que circulou pela Europa nesse
O universo de Galileu é um universo tempo.
determinista e mecanicista; não é mais o universo Essas foram grandes realizações dos homens,
antropocêntrico de Aristóteles e da tradição, não é mais que ainda continuaram no campo da política com a
hierarquizado, ordenado e finalizado em função do criação dos Estados Nacionais. Diferentemente dos reis
homem. feudais, esses novos Reis teriam tanto poder que alguns
E perdem todo valor os discursos vazios e os deles desafiaram até o representante de deus na terra, o
ensinamentos de certa tradição filosófica privada de Papa.
contato com a experiência. Enquanto sobre o mundo
nos dão informações as teorias construídas sobre
“sensatas experiências” e “necessárias demonstrações”.
127
9
QUESTÕES a) I e III.
b) II e III.
1. (UFU) Certos pensadores foram capazes de c) III e IV.
sintetizar grande parte do pensamento de um período d) I, II e IV.
em uma única frase. A época de Galileu Galilei foi e) II, III e IV.
marcada por inúmeras diatribes com a Igreja Católica e
pelo surgimento de uma nova maneira de pensar. A 3. (UEM 2009) O Santo Ofício, também conhecido
frase “o livro da natureza está escrito em linguagem como Inquisição, foi instaurado em 1223. Sua função
matemática” sintetiza era reprimir qualquer manifestação do pensamento,
A) o desprezo de Galileu por Deus e por qualquer qualquer doutrina que contrariasse os valores e dogmas
preconizados pela Igreja.
explicação de caráter metafísico embasada em entidades Sobre a Inquisição, assinale o que for correto.
supranaturais. 01) A instauração da Inquisição acontece no período
B) a defesa do heliocentrismo, tese introduzida por histórico entre o séc. XII e XIV, período em que são
Nicolau Copérnico. fundadas algumas das mais importantes universidades
C) a superação da filosofia platônica com seu apreço europeias.
excessivo pela construção lógica. 02) Roger Bacon, considerado um dos maiores
filósofos e cientistas do séc XIII, defensor do método
D) a inversão entre religião e ciência com relação à
experimental e pesquisador no campo da ótica, foi
prioridade sobre a enunciação da verdade. condenado à morte pela Inquisição.
04) Galileu Galilei contestou o aristotelismo, defendeu
2. A filosofia está escrita neste imenso livro que a substituição do modelo ptolomaico do universo e
continuamente está aberto diante de nossos olhos defendeu o modelo heliocêntrico de Copérnico,
(estou falando do universo), mas que não se pode revolucionando a física e a astronomia. Suas teorias
entender se primeiro não se aprende a entender sua científicas foram consideradas heréticas pela Inquisição
e, para evitar a pena de morte, foi obrigado a negá-las.
língua e conhecer os caracteres em que está escrito. Ele
08) A Inquisição não tinha uma finalidade política, não
está escrito em linguagem matemática e seus caracteres pretendia defender a supremacia do poder espiritual da
são círculos, triângulos e outras figuras geométricas, Igreja sobre o poder temporal da sociedade laica.
meios sem os quais é impossível entender 16) A Igreja Católica, desde a criação da Inquisição,
humanamente suas palavras: sem tais meios, vagamos demorou nove séculos para reconhecer os erros
inutilmente por um escuro labirinto. cometidos contra a ciência e retratar-se das sentenças
(GALILEI, G. Il saggiatore. Apud REALE, G. & ANTISERI, D. injustas proferidas contra os cientistas que ousaram
História da filosofia. São Paulo: Paulinas, 1990, v. 2, p. 281.) revolucionar a ciência.
Tendo em mente o texto acima e os conhecimentos
4. (UEM 2008) Uma das características do
sobre o pensamento de Galileu acerca do método
Renascimento e da Modernidade que lhe é associada é
científico, considere as seguintes afirmativas. um processo de secularização da ciência que se expressa
I. Galileu defende o desenvolvimento de uma ciência por uma dissociação entre a teologia e a filosofia da
voltada para os aspectos objetivos e mensuráveis da natureza. A secularização da ciência realiza-se na
natureza, em oposição à física qualitativa de Aristóteles. separação entre razão e fé, as verdades científicas
II. Para Galileu, é possível obter conhecimento tornam-se independentes das verdades reveladas.
científico sobre objetos matemáticos, tais como círculos Assinale o que for correto.
01) O processo de secularização na Modernidade
e triângulos, mas não sobre objetos do mundo sensível. modifica o caráter da ciência; essa deixa de ser
III. Galileu pensa que uma ciência quantitativa da essencialmente contemplativa para transformar-se em
natureza é possível graças ao fato de que a própria uma ciência instrumental, cujo objetivo é conhecer a
natureza está configurada de modo a exibir ordem e natureza para intervir nela, controlá-la e apropriar-se da
simetrias matemáticas. mesma para fins úteis.
IV. Galileu considera que a observação não faz parte do 02) O mecanicismo constitui-se em um aspecto
importante da ciência moderna. A natureza e o próprio
método científico proposto por ele, uma vez que todo
ser humano são comparados a uma máquina, isto é, a
o conhecimento científico pode ser obtido por meio de um conjunto de mecanismos cujas leis precisam ser
demonstrações matemáticas. descobertas.
Assinale a alternativa que contém todas as afirmativas
corretas, mencionadas anteriormente.
128
10
04) Copérnico encontra em Aristóteles os fundamentos 5. MAQUIAVEL E O DILEMA DO PRÍNCIPE
teóricos para combater a concepção heliocêntrica do
universo defendida por Ptolomeu e pela Igreja. “Como é meu intento
08) Vesalius contribui para o conhecimento da escrever coisa útil para os
anatomia humana, ao desafiar a proibição religiosa de que se interessarem, pareceu-
dissecação de cadáveres. Suas observações corrigem me mais conveniente
muitos erros contidos na medicina de Galeno. procurar a verdade pelo
16) Com Galileu Galilei, o experimento torna-se parte efeito das coisas, do que pelo
do método científico; torna-se um marco do novo que delas se possa imaginar.
espírito da ciência. É com seus experimentos que ele E muita gente imaginou
refuta as teses aristotélicas de que o peso de um corpo repúblicas e principados que
depende de seu tamanho. nunca se viram nem jamais
foram reconhecidos como
5. (UEM 2012) Afirma o filósofo Galileu Galilei (1564- verdadeiros. ” (Maquiavel)
1642): “A Filosofia encontra-se escrita neste grande As transformações sofridas pelo poder político
livro que continuamente se abre perante nossos olhos não passaram despercebidas pelos renascentistas, e a
(isto é, o Universo), que não se pode compreender antes principal, e mais significativa personalidade nesse
de entender a língua e conhecer os caracteres com os campo foi o florentino Nicolau Maquiavel (1469 –
quais está escrito. Ele está escrito em língua matemática, 1527).
os caracteres são triângulos, circunferências e outras Ele assumiu um cargo importante no governo
figuras geométricas, sem cujos meios é impossível de Florença depois que a família Médici foi afastada do
entender humanamente as palavras: sem eles nós controle da cidade. Trabalhava como diplomata
vagamos perdidos dentro de um obscuro labirinto”. fazendo várias viagens aos grandes reinos que haviam
(GALILEI, Galileu. O ensaiador. São Paulo: Abril Cultural, 1973, se unificado, e não se conformava com o estado de
p. 119 - Coleção Os pensadores). guerra que se encontrava a Península Itálica.
Segundo esse fragmento, é correto afirmar: Maquiavel é considerado o pai da ciência
01) Conhecer algo natural implica poder traduzir as política moderna porque não escreveu um tratado
informações em conceitos matemáticos. teórico de como deveria ser o governo ideal. Desde os
02) A matemática restringe-se ao estudo do Universo. gregos até sua época, todos fizeram isso.
04) A matemática é uma língua não escrita. Sua preocupação não era como deveria ser a
08) A filosofia é o primeiro momento da investigação, política, mas sim em como ela é realmente praticada.
que precede a matemática. Com isso em mente, tendo como fundamento
16) O estudo da filosofia identifica-se com o estudo da empírico as lições que a história havia dado e como se
natureza. comportavam os grandes políticos de sua época, ele
escreveu um manual de como construir um estado
forte e como se manter no poder para governá-lo.
Escrito em 1515 e
dedicado a Lourenço de Médici,
O príncipe tem provocado
inúmeras interpretações e
controvérsias.
Uma primeira leitura nos
dá uma visão da defesa do
absolutismo e do mais completo
Enquanto as demais nações europeias imoralismo: "É necessário a um
conseguem a centralização do poder, a região onde príncipe, para se manter, que
futuramente será a Alemanha e a Itália se acham aprenda a poder ser mau e que se
fragmentadas em inúmeros Estados sujeitos a disputas valha ou deixe de valer-se disso segundo a necessidade".
internas e a hostilidades entre cidades vizinhas. Essa primeira leitura apressada da obra levou à
No caso da Itália, a ausência de unificação a criação do mito do maquiavelismo, que tem atravessado
expõe à ganância de outros países como Espanha e os séculos. Esse mito não só representa a figura do
França, que reivindicam territórios e assolam a político maquiavélico, mas se estende até à avaliação das
península com ocupações intermináveis. atividades corriqueiras de qualquer pessoa.
É nessa Itália dividida que vive Nicolau Na linguagem comum, chamamos
Maquiavel (1469-1527) na república de Florença. pejorativamente de maquiavélica a pessoa sem
Observa com apreensão a falta de estabilidade política escrúpulos, traiçoeira, astuciosa que, para atingir seus
da Itália, dividida em principados e repúblicas onde fins, usa da mentira e da má-fé, sendo capaz de enganar
cada um possui sua própria milícia, geralmente formada tão sutilmente que pode nos fazer pensar que agimos
por mercenários. Nem mesmo os Estados Pontifícios livremente quando na verdade somos por ela
deixavam de formar os seus exércitos. manipulados.
Maquiavel não foi apenas um intelectual que Como expressão dessa amoralidade, costuma-se
refletiu a respeito de política, pois viveu intensamente a vulgarmente atribuir a Maquiavel a famosa máxima:
luta de poder no período em que Florença, "Os fins justificam os meios". Ora, essa interpretação
tradicionalmente sob a influência da família Médici, se mostra excessivamente simplista e deformadora do
pensamento maquiaveliano e, para superá-la, é preciso
130
12
analisar com mais atenção o impacto das inovações do esperto o suficiente para conseguir o que deseja. Desse
seu pensamento político. modo, para conseguir o poder ele tem que possuir a
Contrapondo-se à análise pejorativa do virtú , ou seja, qualidades especiais que o diferencie dos
maquiavelismo, Rousseau, no século XVIII, defende o outros homens. É ela que vai possibilitá-lo a reconhecer
florentino afirmando que O príncipe era na verdade uma as circunstâncias certas (fortuna ) para agir como se
sátira, e a intenção verdadeira de Maquiavel seria o deve no momento certo. A fortuna é o que muitos
desmascaramento das práticas despóticas, ensinando, chamam de sorte, mas só a aproveita quem estiver
portanto, o povo a se defender dos tiranos. Tal hipótese preparado.
se sustentaria a partir da leitura dos Comentários sobre a Esse é o elemento característico do pensamento
primeira década de Tito Lívio, onde são desenvolvidas as renascentista nos seus ensinamentos. Maquiavel sabe
ideias do Maquiavel republicano. que existem forças independentes da vontade do
Modernamente, no entanto, rejeita-se a visão homem agindo sobre ele. Mas o homem como um ser
romântica de Rousseau, e a aparente contradição entre racional, dotado de inteligência, não é uma simples
as duas obras é interpretada como fruto de dois marionete jogada de um lado a outro ao sabor do acaso.
momentos diferentes da ação política. Em um primeiro Ele pode usar sua racionalidade para decidir os rumos
estágio, representado pela ação do príncipe, o poder de sua vida.
deve ser conquistado e mantido, e para tanto justifica- Chegado ao poder, é preciso saber como se
se o poder absoluto. Posteriormente, alcançada a manter nele. Para isso, é melhor ser temido do que
estabilidade, é possível e desejável a instalação do amado. Maquiavel tinha uma visão pessimista sobre o
governo republicano. homem, acreditava que ele é um bicho escroto, que
Além disso, as ideias democráticas aparecem quando tá tudo bem, todo mundo é seu amigo, mas “na
veladamente também no capítulo IX de O príncipe, hora do vamos ver” todo mundo lhe vira as costas.
quando Maquiavel se refere à necessidade de o Não existe essa de bem comum. Os indivíduos
governante ter o apoio do povo, sempre melhor do que vivem em constante conflito em sociedade, e não dá
o apoio dos grandes, que podem ser traiçoeiros. O que para agradar todo mundo. Para manter a lealdade de
está sendo timidamente esboçado é a ideia de consenso, todos é melhor que eles o temam, pois assim é mais fácil
que terá importância fundamental nos séculos de obedecerem e se manterem fiéis. É até bom de vez
seguintes. em quando esfolar um infeliz para que todos vejam que
o príncipe não está para brincadeira.
O príncipe virtuoso Maquiavel escreveu essa obra, quando os
Médici retornaram ao poder e ele foi posto para fora da
Para descrever a ação do príncipe, Maquiavel cena política. Ele a dedicou a Lorenzo de Médici, o
usa as expressões italianas virtú e fortuna. Virtú significa único homem que poderia, aos olhos dele, unificar a
virtude, no sentido grego de força, valor, qualidade de Itália e lhe trazer de volta o brilho e esplendor da Roma
lutador e guerreiro viril. Homens de virtú são homens republicana anterior à ditadura de Júlio César. É
especiais, capazes de realizar grandes obras e provocar necessário a um príncipe, para se manter, que aprenda
mudanças na história. a poder ser mau e que se valha ou deixe de valer-se disso
Não se trata do príncipe virtuoso no sentido segundo a necessidade.
medieval, enquanto bom e justo segundo os preceitos
da moral cristã, mas sim daquele que tem a capacidade Ética e política
de perceber o jogo de forças que caracteriza a política
para agir com energia a fim de conquistar e manter o A novidade do pensamento maquiaveliano,
poder. justamente a que causou maior escândalo e críticas, está
O príncipe de virtú não deve se valer das normas na reavaliação das relações entre ética e política. Por um
preestabelecidas da moral cristã, pois isso geralmente lado, Maquiavel apresenta uma moral laica, secular, de
pode significar a sua ruina. base naturalista, diferente da moral cristã; por outro,
Implícita nessa afirmação se acha a noção de estabelece a autonomia da política, negando a
fortuna, aqui entendida como ocasião, acaso. O príncipe anterioridade das questões morais na avaliação da ação
não deve deixar escapar a fortuna, isto é, a ocasião. política.
De nada adiantaria um príncipe virtuoso, se não Para a moral cristã, predominante na Idade
souber ser precavido ou ousado, aguardando a ocasião Média, há valores espirituais superiores aos políticos,
propícia, aproveitando o acaso ou a sorte das além de que o bem comum da cidade deve se
circunstâncias, como observador atento do curso da subordinar ao bem supremo da salvação da alma.
história. No entanto, a fortuna não deve existir sem a A moral cristã se apoia em uma concepção do
virtú, sob pena de se transformar em mero oportunismo. bem e do mal; do justo e do injusto, que ao mesmo
O príncipe deve usar de todas as artimanhas tempo preexiste e transcende a autoridade do Estado,
possíveis, mentir, ludibriar, enganar. É o homem astuto, cuja organização político-jurídica não deve contradizer
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ou violar as formas éticas fundamentais, implícitas no Por isso Maquiavel não pode ser considerado
direito natural. um cínico apologista da violência. O que ele enfatiza é
O indivíduo está subordinado ao Estado, mas a que os critérios da ética política precisam ser revistos
ação deste último se acha limitada pela lei natural ou conforme as circunstâncias e sempre tendo em vista os
moral que constitui uma instância superior à qual todo fins coletivos.
membro da comunidade pode recorrer sempre que o No entanto, é bom lembrar que o pensamento
poder temporal atentar contra seus direitos essenciais de Maquiavel tem um sentido próprio, na medida em
inalienáveis. que ele expressa a tendência fundamental da sua época,
A nova ética analisa as ações não mais em ou seja, a defesa do Estado absoluto e a valorização da
função de uma hierarquia de valores dada a priori, mas política secular, não atrelada à religião. Talvez por isso
sim em vista das consequências, dos resultados da ação o extremo politicismo, ou seja, a hipertrofia do valor
política. político, de cujas consequências últimas talvez nem ele
Não se trata de um amoralismo, mas de uma próprio pudesse suspeitar.
nova moral centrada nos critérios da avaliação do que é Embora Maquiavel não tivesse usado o
útil à comunidade. O critério para definir o que é moral conceito de razão de Estado, é considerado o pensador
é o bem da comunidade, e nesse sentido às vezes é que começa a esboçar a doutrina que vigorará no século
legítimo o recurso ao mal (o emprego da força seguinte, quando o governante absoluto, em
coercitiva do Estado, a guerra, a prática da espionagem, circunstâncias críticas e extremamente graves, a ela
o emprego da violência). Estamos diante de uma moral recorre permitindo-se violar normas jurídicas, morais,
imanente, mundana, que vive do relacionamento entre políticas e econômicas.
os homens. E se há a possibilidade de os homens serem Sintetizando, podemos dizer que ele entendia
corruptos, constitui dever do príncipe manter-se no que o príncipe deveria ser guiado pelos resultados a
poder a qualquer custo. serem alcançados, podendo tudo fazer. Não deveria
Maquiavel distingue entre o bom governante, ficar preocupado com questões morais, o importante
que é forçado pela necessidade a usar da violência era conseguir o poder e mantê-lo. Para Maquiavel,
visando o bem coletivo, e o tirano, que age por capricho portanto, a política não é atrelada à moral, pois os
ou interesse próprio. “fins justificam os meios”.
O pensamento de Maquiavel nos leva à reflexão A experiência pessoal de Maquiavel se baseava
sobre a situação dramática e ambivalente do homem de nas pequenas tiranias italianas do século XVI, que não
ação: se o indivíduo aplicar de forma inflexível o código podem ser comparadas às monarquias absolutas do
moral que rege sua vida pessoal à vida política, sem século XVII nem as nossas ditaduras modernas, o que
dúvida colherá fracassos sucessivos, tornando-se um nos faz ver hoje o maquiavelismo através de uma lente
político incompetente. de aumento.
Tal afirmação pode levar as pessoas a considerar
que Maquiavel estaria defendendo o político imoral, os A autonomia da política
corruptos e os tiranos. Não se trata disso. A leitura
maquiaveliana sugere a superação dos escrúpulos Maquiavel subverte a abordagem tradicional da
imobilistas da moral individual, mas não rejeita a moral teoria política feita pelos gregos e medievais e é
própria da ação política: considerado o fundador da ciência política, ao
"Se o indivíduo, na sua existência privada, tem o direito enveredar por novos caminhos "ainda não trilhados".
de sacrificar o seu bem pessoal imediato e até sua própria vida a Pode-se dizer que a política de Maquiavel é
um valor moral superior, ditado pela sua consciência, pois em tal realista, pois procura a verdade efetiva, ou seja, "como
hipótese estará empenhando apenas seu destino particular, o o homem age de fato". As observações das ações dos
mesmo não acontece com o homem de Estado, sobre o qual pesam homens do seu tempo e dos estudos dos antigos,
a pressão e a responsabilidade dos interesses coletivos; este, de fato, sobretudo da Roma Antiga, levam-nos à constatação de
não terá o direito de tomar uma decisão que envolva o bem-estar que os homens sempre agiram pelas vias da corrupção
ou a segurança da comunidade, levando em conta tão somente as e da violência.
exigências da moral privada; casos haverá em que terá o dever de Partindo do pressuposto da natureza humana
violá-la para defender as instituições que representa ou garantir a capaz do mal e do erro, analisa a ação política sem se
própria sobrevivência da nação". preocupar em ocultar “o que se faz e não se costuma dizer”.
Isso significa que a avaliação moral não deve ser A esse realismo alia-se a tendência utilitarista,
feita antes da ação política, segundo normas gerais e pela qual Maquiavel pretende desenvolver uma teoria
abstratas, mas a partir de uma situação específica que é voltada para a ação eficaz e imediata. A ciência política
avaliada em função do resultado dela, já que toda ação só tem sentido se propiciar o melhor exercício da arte
política visa a sobrevivência do grupo e não apenas de política. Trata-se do começo da ciência política: da
indivíduos isolados. teoria e da técnica da política, entendida como disciplina
autônoma.
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Maquiavel torna a política autônoma porque a No entanto, alcançada a estabilidade, um regime
desvincula da ética e da religião, procurando examiná-la republicano deveria ser instalado para que o interesse
na sua especificidade própria. coletivo pudesse guiar o destino de todos, e os rumos
Em relação ao pensamento medieval, do Estado.
Maquiavel procede à secularização da política, É claro que não encontramos isso em O Príncipe,
rejeitando o legado ético-cristão. Além da que, como já dissemos, é um manual de como conseguir
desvinculação, da religião, a ética política se distingue da o poder e se manter nele. Esse perfil republicano de
moral privada, uma vez que a ação política deve ser Maquiavel é percebido em outra obra sua, qual seja,
julgada a partir das circunstâncias vividas, tendo em Comentários sobre a primeira década de Tito Lívio.
vista os resultados alcançados na busca do bem comum. Vejamos um trecho dessa obra em que isso fica
Com isso, Maquiavel se distancia da política bem evidente:
normativa dos gregos e medievais, pois não mais busca “Percebe-se facilmente de onde nasce o amor à liberdade
as normas que definem o bom regime, nem explicita dos povos; a experiência nos mostra que as cidades crescem em
quais devem ser as virtudes do bom governante. Em poder e em riqueza enquanto são livres. É maravilhoso, por
alguns casos, como o de Platão, a preocupação em exemplo, como cresceu a grandeza de Atenas durante os cem anos
definir como deve ser o bom governo leva à construção que sucederam à ditadura de Pisístrato. Contudo, mais admirável
de utopias, o que mereceu a crítica de Maquiavel. ainda é a grandeza alcançada pela república romana depois que
Talvez alguém inadvertidamente se pergunte se foi liberta dos seus reis. Compreende-se a razão disto: não é o
o próprio Maquiavel não estaria à procura do príncipe interesse particular que faz a grandeza dos
ideal, indicando as normas para conquistar e não perder Estados, mas o interesse coletivo. E é evidente que o
o poder. interesse comum só é respeitado nas repúblicas: tudo que pode
No entanto, há, de fato, diferenças trazer vantagem geral é nelas conseguido sem obstáculos. Se uma
fundamentais entre o "dever ser" da política clássica e certa medida prejudica um ou outro indivíduo, são tantos o que
aquele a que se refere Maquiavel. Na nova perspectiva, ela favorece, que se chega sempre a fazê-la prevalecer, a despeito
para fazer política é preciso compreender o sistema de das resistências, devido ao pequeno número de pessoas
forças existentes e calcular a alteração do equilíbrio prejudicadas”
provocada pela interferência de sua própria ação nesse Essas palavras não parecem ser de um homem
sistema. que defenda um governo absolutista, que deseja ver um
rei governar por toda a eternidade. Parecem mais o
Maquiavel republicano alerta de alguém que sabe a importância da liberdade
para a grandeza e prosperidade de um povo.
Quando estava no ostracismo político,
Maquiavel se ocupa com a elaboração dos Comentários Textos complementares
sobre a primeira década de Tito Lívio, interrompendo esse
trabalho por alguns meses para escrever O príncipe. O príncipe
À medida que escreve os Comentários, lê
trechos nas reuniões realizadas por jovens republicanos, 1 - Segundo Claude Lefort, como "em definitivo, em
a quem dedica a obra. Aí desenvolve ideias nenhum lugar está traçada a via real da política", cabe
democráticas, admitindo que o conflito é inerente à ao homem de ação descobrir, na paciente exploração
atividade política e que esta se faz a partir da conciliação dos possíveis, os sinais da criação histórica e assim
de interesses divergentes. inscrever sua ação no tempo.
Defende a proposta do governo misto: “Se o Os príncipes prudentes repeliram sempre tais
príncipe, os aristocratas e o povo governam em forças (as mercenárias e as auxiliares), para valer-se das
conjunto o Estado, podem com facilidade controlar-se suas próprias, preferindo antes perder com estas a
mutuamente”. vencer com auxílio das outras, considerando falsa a
Considera importante que as monarquias ou vitória conquistada com forças alheias.
repúblicas sejam governadas pelas leis e acusa aqueles (...) Se se considerar o começo da decadência do
que, no uso da violência, abusaram da crueldade, ou a Império Romano, achar-se-á que foi motivada somente
usaram para interesses menores. por ter começado a ter a soldo mercenários godos.
Maquiavel era um republicano, e não escreveu
uma obra para um governante que quisesse se perpetuar 2 - Um príncipe deve, pois, não deixar nunca de se
no poder de forma absoluta e despótica. Ele tinha um preocupar com a arte da guerra e praticá-la na paz ainda
sonho, mas não era um ingênuo. Sabia que teria de mais mesmo que na guerra, e isto pode ser conseguido
haver derramamento de sangue para que um grande por duas formas: pela ação ou apenas pelo pensamento.
Estado fosse criado, e que isso teria de ocorrer sob a Quanto à ação, além de manter os soldados
liderança de um único homem. disciplinados e constantemente em exercício, deve estar
sempre em grandes caçadas, onde deverá habituar o
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corpo aos incômodos naturais da vida em campanha e Se os homens todos fossem bons, este preceito seria
aprender a natureza dos lugares, saber como surgem os mau. Mas, dado que são pérfidos e que não a
montes, como afundam os vales, como jazem as observariam a teu respeito, também não és obrigado a
planícies, e saber da natureza dos rios e dos pântanos, cumpri-la para com eles.
empregando nesse trabalho os melhores cuidados. (...).
Agora, quanto ao exercício do pensamento, o príncipe 7 - (...) Quem se toma senhor de uma cidade
deve ler histórias de países e considerar as ações dos tradicionalmente livre e não a destrói, será destruído
grandes homens, observar como se conduziram nas por ela. Tais cidades têm sempre por bandeira, nas
guerras, examinar as razões de suas vitórias e derrotas, rebeliões, a liberdade e suas antigas leis, que não
para poder fugir destas e imitar aquelas. esquecem nunca, nem com o correr do tempo, nem por
influência dos benefícios recebidos. (...). Assim, para
3 - Destarte todos os profetas armados venceram e os conservar uma república conquistada, o caminho mais
desarmados fracassaram. Porque, além do que já se seguro é destruí-la ou habitá-la pessoalmente.
disse, a natureza dos povos é vária, sendo fácil persuadi-
los de uma coisa, mas sendo difícil firmá-los na 8 - Como e meu intento escrever coisa útil para os que
persuasão. Convém, pois, providenciar para que, se interessarem, pareceu-me mais conveniente procurar
quando não acreditarem mais, se possa fazê-Los crer à a verdade pelo efeito das coisas, do que pelo que delas
força. Moisés, Ciro, Teseu e Rômulo não teriam se possa imaginar. E muita gente imaginou repúblicas e
conseguido fazer observar por muito tempo suas principados que nunca se viram nem jamais foram
constituições se estivessem desarmados. reconhecidos como verdadeiros. Vai tanta diferença
É o que, nos tempos que correm, aconteceu a entre o como se vive e o modo por que se deveria viver,
frei Girolamo Savonarola, o qual fracassou na sua que quem se preocupar com o que se deveria fazer em
tentativa de reforma quando o povo começou a não lhe vez do que se faz aprende antes a ruína própria, do que
dar crédito. E ele não tinha meios para manter firmes o modo de se preservar; e um homem que quiser fazer
aqueles que haviam acreditado, nem para fazer com que profissão de bondade é natural que se arruine entre
os incrédulos acreditassem. tantos que são maus.
Assim é necessário a um príncipe, para se
4 - Cada príncipe deve desejar ser tido como piedoso e manter, que aprenda a poder ser mau e que se valha ou
não como cruel: apesar disso, deve cuidar de empregar deixe de valer-se disso segundo a necessidade.
convenientemente essa piedade. César Bórgia era (Maquiavel, O príncipe, trad. Lívio Xavier. Os
considerado cruel, e, contudo, sua crueldade havia pensadores, São Paulo, Abril cultural, 1973 p.62-63,
reerguido a Romanha e conseguido uni-la e conduzi-la 65-66, 31, 75, 76, 79. 28, 69.)
à paz e à fé. O que, bem considerado, mostrará que ele
foi muito mais piedoso do que o povo florentino, o
qual, para evitar a pecha de cruel, deixou que Pistóia Comentários sobre a primeira
fosse destruída. Não deve, portanto, importar ao década de Tito Lívio
príncipe a qualificação de cruel para manter os seus
súditos unidos e com fé, porque, com raras exceções, é 9 - Percebe-se facilmente de onde nasce o amor à
ele mais piedoso do que aqueles que por muita liberdade dos povos; a experiência nos mostra que as
demência deixam acontecer desordens, das quais cidades crescem em poder e em riqueza enquanto são
podem nascer assassínios ou rapinagem. É que estas livres. É maravilhoso, por exemplo, como cresceu a
consequências prejudicam todo um povo, e as grandeza de Atenas durante os cem anos que se
execuções que provêm do príncipe ofendem apenas um sucederam à ditadura de Pisístrato.
indivíduo. E, entre todos os príncipes, os novos são os Contudo, mais admirável ainda é a grandeza
que menos podem fugir à fama de cruéis, pois os alcançada pela república romana depois que foi
Estados novos são cheios de perigos. libertada dos seus reis.
Compreende-se a razão disto: não é o interesse
5 - Nasce daí esta questão debatida: se será melhor ser particular que faz a grandeza dos Estados, mas o
amado que temido ou vice-versa. Responder-se-á que interesse coletivo. E é evidente que o interesse comum
se desejaria ser uma e outra coisa; mas como é difícil só é respeitado nas repúblicas: tudo o que pode trazer
reunir ao mesmo tempo as qualidades que dão aqueles vantagem geral é nelas conseguido sem obstáculos. Se
resultados, é muito mais seguro ser temido que amado, uma certa medida prejudica um ou outro individuo, são
quando se tenha que falhar numa das duas. tantos os que ela favorece, que se chega sempre a fazê-
la prevalecer, a despeito das resistências, devido ao
6 - Um príncipe prudente não pode nem deve guardar pequeno número de pessoas prejudicadas.
a palavra dada quando isso s e lhe torne prejudicial e
quando as causas que o determinaram cessem de existir.
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10 - Não observar uma lei é dar mau exemplo, c) Dependente da religião, devendo ser conduzido por
sobretudo quando quem a desrespeita é o seu autor; é parâmetros ditados pela igreja.
muito perigoso para os governantes repetir a cada dia d) Independente da moral e da religião, devendo ser
novas ofensas à ordem pública. conduzido por critérios restritos ao âmbito político.
11 - se as monarquias têm durado muitos séculos, o
mesmo acontece com as repúblicas; mas umas e outras e) Independente das pretensões dos governantes de
precisam ser governadas pelas leis: o príncipe que se realizar os interesses do Estado.
pode conceder todos os caprichos é geralmente um
insensato; e um povo que pode fazer tudo o que quer 03. (UFU) Antônio Gramsci, filósofo político do
comete com frequência erros imprudentes. Se se trata século passado, proferiu o seguinte comentário a
de um príncipe e de um povo submetido às leis, o povo respeito de Maquiavel:
demonstrará virtudes superiores às do príncipe. Se,
“Maquiavel não é um mero cientista; ele é um homem
neste paralelo, os considerarmos igualmente livres de
qualquer restrição, ver-se-á que os erros cometidos pelo de participação, de paixões poderosas, um político
povo são menos frequentes, menos graves e mais fáceis prático, que pretende criar novas relações de força e que
de corrigir. por isso mesmo não pode deixar de se ocupar com o
(Maquiavel, Comentários sobre a primeira década de `deve ser', que não deve ser entendido em sentido
Tito Lívio, 2. ed. rev. Trad. Sérgio Bath, Brasília, Ed. moralista. Assim, a questão não deve ser colocada
Universidade de Brasília, 1982, p. 98. 145. 182.) nestes termos, é mais complexa: trata-se de considerar
se o `dever ser' é um ato arbitrário ou necessário, é
QUESTÕES vontade concreta, ou veleidade, desejo, sonho. O
político em ação é um criador, um suscitador; mas não
01. É comum considerarmos a obra de Maquiavel como cria do nada, nem se move no vazio túrbido dos seus
uma ruptura em relação à tradição do pensamento desejos e sonhos. Baseia-se na realidade factual.”
político greco-romano e cristão. É correto afirmar (GRAMSCI, A. Maquiavel. A política e o Estado moderno. 5. ed.
como características dessa ruptura: Trad. de Luiz Mário Gazzaneo. Rio de Janeiro: Civilização
A) o recurso à experimentação científica e o abandono Brasileira, 1984. p. 42/43.)
da ética. Considerando o texto de Gramsci, marque a alternativa
B) a secularização da política e o distanciamento de correta.
ideais normativos ético-religiosos.
A) A realidade factual não deve ser vista como o
C) o distanciamento de ideais normativos
éticoreligiosos e o recurso à experimentação científica. conjunto das forças históricas. Elas podem ser
D) o abandono da ética e a secularização da política. desprezadas porque o príncipe é dotado de sabedoria
E) o recurso à experimentação científica e a suficiente para prescindir delas e agir motivado apenas
secularização da política. pelos seus desejos.
B) O poder da paixão do político prático é visto por
02. “O maquiavelismo é uma interpretação de O Maquiavel como o único caminho para o poder, isto
Príncipe de Maquiavel, em particular a interpretação significa que o príncipe deve agir guiado pelas suas
segundo a qual a ação política, ou seja, a ação voltada veleidades e desejos que alimentam o seu sonho de
para a conquista e conservação do Estado, é uma ação poder.
que não possui um fim próprio de utilidade e não deve C) Maquiavel não trata o “deve ser” na perspectiva
ser julgada por meio de critérios diferentes dos de ontológica da filosofia clássica. O juízo moral se
conveniência e oportunidade.” submete às condições concretas que se apresentam para
(BOBBIO, Norberto. Direito Estado e Estado no pensamento de a conquista e a conservação do poder do Estado pelo
Emanuel Kant. Trad. De Alfredo Fait. 3. Ed. Brasília: Editora da
UNB, 1984, p. 14.)
príncipe moderno.
Com base no texto e nos conhecimentos sobre o tema, D) O príncipe é um homem de criação, que dá forma
para Maquiavel o poder político é: ao “dever ser” e rompe a distância que separa o sonho
a) Dependente da ética, devendo ser orientado por da realidade, porque tudo aquilo que ele quer, ele faz
princípios morais validos universal e necessariamente. independente da realidade factual em que se insere a
b) Independente da conveniência e oportunidade, pois ação política.
estas dizem respeito à esfera privada da vida em
sociedade. 04. Certamente, a brusca mudança de direção que
encontramos nas reflexões de Maquiavel, em
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comparação com os humanistas anteriores, explica-se (MAQUIAVEL. O Príncipe. Trad. de Lívio Teixeira. Coleção Os
em larga medida pela nova realidade política que se Pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1987, p. 41.)
criara em Florença e na Itália, mas também pressupõe Para Maquiavel, esta máxima deve ser observada para a
uma grande crise de valores morais que começava a manutenção do poder e a estabilidade do Estado.
grassar. Ela não apenas constatava a divisão entre “ser” Assinale a alternativa que apresenta, corretamente, a
e “dever ser”, mas também elevava essa divisão a posição de Maquiavel para atingir este preceito.
princípio e a colocava como base da nova visão dos A) O príncipe moderno deverá contar com o apoio dos
fatos políticos. magistrados para conduzir as suas ações até a obtenção
(REALE, G.; ANTISERI, D. História da Filosofia. São Paulo: do governo absoluto sobre os súditos.
Paulinas, 1990. V. II, p. 127.) B) Não há uma regra certa para alcançar a confiança do
Dentre as contribuições de Maquiavel à Filosofia povo, porque as regras mudam conforme as
Política, é correto afirmar: circunstâncias, portanto, o príncipe deve ser homem de
a) Inaugurou a reflexão sobre a constituição do Estado virtù.
ideal. C) O povo, assim como os grandes de uma cidade ou
b) Estabeleceu critérios para a consolidação de um de um reino, quer receber favores. Assim, a satisfação
governo tirânico e despótico. de suas vontades garante a vida do príncipe no poder.
c) Consolidou a tábua de virtudes necessárias a um bom D) O príncipe deve usar a sua fortuna e formar bons
homem. exércitos que lhe devotem fidelidade e sejam capazes de
d) Fundou os procedimentos de verificação da correção manter a ordem social.
das normas.
e) Rompeu o vínculo de dependência entre o poder civil 07. (UFU) “Eu sei que cada qual reconhecerá que seria
e a autoridade religiosa. muito de louvar que um príncipe possuísse, entre todas
as qualidades referidas, as que são tidas como boas; mas
05. (UFU) Deixando de lado as discussões sobre
a condição humana é tal, que não consente a posse
governos e governantes ideais, Maquiavel se
completa de todas elas, nem ao menos a sua prática
preocuparia em saber como os homens governam de
consistente; é necessário que o príncipe seja tão
fato, quais os limites do uso da violência para conquistar
prudente que saiba evitar os defeitos que lhe
e conservar o poder, como instaurar um governo
arrebatariam o governo e praticar qualidades próprias
estável, etc.
para lhe assegurar a posse deste, se lhe é possível; mas,
(CHALITA, Gabriel. Vivendo a Filosofia. São Paulo: Ática,
2006. p. 200.)
não podendo, com menor preocupação, pode-se deixar
Marque a alternativa que descreve corretamente o que as coisas sigam seu curso natural.”
(MAQUIAVEL, N. O príncipe. Trad. de Lívio Xavier. São Paulo:
objetivo de Maquiavel.
Nova Cultural, 1987, p. 64.)
A) De acordo com Chalita, Maquiavel examina a
Assinale a alternativa correta.
política de forma a dar continuidade às análises da
A) O príncipe é um homem de virtú, que deve voltar o
tradição filosófica.
seu ânimo para a direção que a fortuna o impelir, pois a
B) Conforme Chalita, o pensador florentino tem por
conquista e a conservação do Estado podem implicar
objetivo demonstrar como um Príncipe deve conquistar
ações más.
e manter o poder, tratando-o como uma realidade
B) O príncipe é um estadista sem princípios, cujas ações
concreta.
são destituídas de qualquer valor de conduta, dando
C) Como observamos no texto, a obra de Maquiavel é
vazão às suas paixões sem levar em conta o bem-estar
inovadora por definir o que é o governo e quem são os
do povo.
governantes ideais.
C) O príncipe pode fazer aquilo que bem entender, pois
D) De acordo com o texto, pode-se observar que
a maior virtude do governante é a capacidade de
Maquiavel não admite o uso da violência para
provocar o ódio dos súditos, que são violentamente
conquistar e conservar o poder.
reprimidos pela força das armas.
D) O príncipe não precisa praticar a piedade, a
06. (UFU) Maquiavel escreveu: “é necessário a um
fidelidade, a humanidade, pode até desprezar a devoção
príncipe que o povo lhe vote amizade; do contrário,
religiosa, não precisando nem mesmo aparentá-las em
fracassará nas adversidades”.
suas ações.
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08. (UFU) No entendimento de Maquiavel, o 10. (UFU 2009) Maquiavel esteve empenhado na
fundamental não é possuir todas as qualidades que são renovação da política em um período ainda dominado
atribuídas ao bom governante, o mais importante para pela teologia cristã com os seus valores que atribuíam
ao poder divino a responsabilidade sobre os propósitos
o novo príncipe é aparentar possuí-las todas. "E há de
humanos. Em sua obra mestra, O príncipe, escreveu:
se entender o seguinte: que um príncipe, e
especialmente um príncipe novo, não pode observar “Deus não quer fazer tudo, para não nos tolher o livre
todas as coisas a que são obrigados os homens arbítrio e parte da glória que nos cabe”.
MAQUIAVEL, N. O príncipe. Tradução Lívio Xavier. São Paulo: Nova Cultural,
considerados bons, sendo freqüentemente forçado, 1987. Coleção Os Pensadores. p. 108.
para manter o governo, a agir contra a caridade, a fé, a
humanidade, a religião." Assinale a alternativa que fundamenta essa afirmação de
(MAQUIAVEL, N. O príncipe. Trad. de Lívio Xavier. São Paulo: Maquiavel.
Nova Cultural, 1987. p. 74.) A) Deus faz o mais importante, conduz o príncipe até
Assinale a alternativa abaixo que justifica a afirmação de o trono, garantindo-lhe a conquista e a posse. Depois,
Maquiavel. cabe ao soberano fazer um bom governo submetendo-
A) O príncipe é um homem de virtú, isto é, ele sabe se se aos dogmas da fé.
B) A conquista e a posse do poder político não é uma
submeter aos caprichos do destino e cede ao fluxo dos
dádiva de Deus. É preciso que o príncipe saiba agir,
acontecimentos com a esperança de alcançar os seus valendo-se das oportunidades que lhe são favoráveis, e
intentos políticos. com firmeza alcance a sua finalidade.
B) O príncipe é maquiavélico, o que importa é o poder C) Os milagres de Deus sempre socorreram os homens
e a fortuna do governante. Para isso, tudo é justificado piedosos. Para ser digno do auxílio divino e alcançar a
mediante a força e a fraude, porque o que dá poder e glória terrena é preciso ser obediente à fé cristã e
fortuna é a exploração e a miséria do povo. submeter-se à autoridade do papa.
D) Nem Deus, nem o soberano são capazes de
C) O príncipe deve ter o ânimo voltado para a direção conquistar o Estado. Tudo que ocorre na História é
apontada pelos sinais da sorte. Procedendo assim, ele obra do capricho, do acaso cego, que não distingue nem
saberá aproveitar as ocasiões que se apresentam para a o cristão nem o gentio.
tomada e a conservação do poder.
D) A imoralidade do príncipe é a sua virtude. Somente 11. (UFU 2010) A finalidade da política não é, como
um homem destituído de todos os valores torna-se diziam os pensadores gregos, romanos e cristãos, a
justiça e o bem comum, mas, como sempre souberam
capaz de governar de maneira insensível o corpo
os políticos, a tomada e manutenção do poder. O
político tendo por finalidade o próprio poder. verdadeiro príncipe é aquele que sabe tomar e conservar
o poder [...].
09. (UFU 2013) Em seus estudos sobre o Estado, (CHAUÍ, M. Convite à filosofia. São Paulo: Ática, 2000, p. 396.)
Maquiavel busca decifrar o que diz ser uma verità A respeito das qualidades necessárias ao príncipe
effettuale, a ―verdade efetiva‖ das coisas que permeiam maquiaveliano, é correto afirmar:
os movimentos da multifacetada história A) O príncipe precisa ter fé, ser solidário e caridoso,
humana/política através dos tempos. Segundo ele, há almejando a realização da virtude cristã.
certos traços humanos comuns e imutáveis no decorrer B) O príncipe deve ser flexível às circunstâncias,
daquela história. Afirma, por exemplo, que os homens mudando com elas para dominar a sorte ou fortuna.
são ―ingratos, volúveis, simuladores, covardes ante os C) O príncipe precisa unificar, em todas as suas ações,
perigos, ávidos de lucro‖. as virtudes clássicas, como a moderação, a temperança
(O Príncipe, cap. XVII) e a justiça.
Para Maquiavel: D) O príncipe deve ser bondoso e gentil, angariando
A) A “verdade efetiva” das coisas encontra-se em plano exclusivamente o amor e, jamais, o temor do seu povo.
especulativo e, portanto, no “dever-ser”.
B) Fazer política só é possível por meio de um 12. (UNICENTRO 2013) Assinale a alternativa
moralismo piedoso, que redime o homem em âmbito INCORRETA.
estatal. A) Maquiavel não admite um fundamento anterior e
C) A Virtù possibilita o domínio sobre a Fortuna. Esta é exterior à política (Deus, Natureza ou razão). Toda
atraída pela coragem do homem que possui Virtù. Cidade, diz ele em O Príncipe, está originalmente dividida
D) Fortuna é poder cego, inabalável, fechado a qualquer em dois desejos opostos: o desejo dos grandes de
influência, que distribui bens de forma indiscriminada. oprimir e comandar e o desejo do povo de não ser
oprimido nem comandado.
137
19
B) A finalidade da política não é, como diziam os 16) Para Maquiavel, a sociedade é dividida entre os
pensadores gregos, romanos e cristãos, a justiça e o bem grandes, isto é, os que possuem o poder político e
comum, mas, como sempre souberam os políticos, a econômico, e o povo oprimido. A sociedade é cindida
tomada e a manutenção do poder. por lutas sociais, não pode, portanto, ser vista como
C) Maquiavel não aceita a divisão clássica dos três uma comunidade homogênea voltada para o bem
regimes políticos (monarquia, aristocracia, democracia) comum.
e suas formas corruptas ou ilegítimas (tirania, oligarquia,
demagogia/ anarquia), como não aceita que o regime 15. (UEM 2012) “Resta agora ver quais devem ser os
legítimo seja o hereditário e o ilegítimo, o usurpado por modos e os atos de governo de um príncipe para com
conquista. os súditos ou para com os amigos. E porque sei que
D) Para Maquiavel, o poder do príncipe deve ser muitos escreveram sobre isso, temo, escrevendo eu
superior ao dos grandes e estar a serviço do povo. também, ser considerado presunçoso, sobretudo
E) Maquiavel admite a figura do bom governo porque, ao debater esta matéria, afasto-me do modo de
encarnada no príncipe virtuoso, portador das virtudes raciocinar dos outros. Mas, sendo a minha intenção
morais e cristãs. O príncipe precisa ter virtu, isto é, escrever coisa útil a quem a escute, pareceu-me mais
convincente ir direto à verdade efetiva da coisa do que
precisa ser amado e respeitado pelos governados.
à imaginação dessa. E muitos imaginaram repúblicas e
principados que nunca foram vistos, nem conhecidos
13. (UNICENTRO 2014) Com base nos de verdade.”
conhecimentos sobre Maquiavel, assinale a alternativa MAQUIAVEL, N. O Príncipe. SP: Hedra, 2009, p. 159.
que apresenta, corretamente, os principais fundamentos A partir do texto citado assinale o que for correto.
do Estado. 01) Maquiavel defende uma teoria imaginária de
a) Boas leis e boas armas, desde que sejam próprias. governo, e não uma proposta real e factível.
b) Armas mercenárias e bons soldos aos combatentes. 02) Maquiavel afirma que as repúblicas e os principados
c) Exércitos auxiliares e súditos desarmados nos nunca foram conhecidos de verdade.
Estados novos. 04) Maquiavel se considera presunçoso por conhecer
d) Culto dos refinamentos e governante com as demais o tema.
qualidades consideradas boas. 08) Maquiavel propõe um discurso político que trate de
e) Príncipe clemente e apoio exclusivo na fortuna. coisas reais e possíveis no mundo da política.
16) Maquiavel propõe um discurso político que se volte
14. (UEM 2008) Maquiavel inaugura o pensamento para o comportamento do governante, para sua atuação
político moderno. Seculariza a política, rejeitando o e para o modo como ele deve se comportar no governo.
legado ético-cristão. Maquiavel tem uma visão do
homem e da política como elas são e não como 16. (UEM 2012) O filósofo italiano Nicolau Maquiavel
deveriam ser. A política deve ater-se ao real, deve (1469-1527) afirma: “Porque em toda cidade se
preocupar-se com a eficiência da ação e não teorizar, encontram estes dois humores diversos: e nasce, disto,
como fazia Platão, sobre a forma ideal de governo. que o povo deseja não ser nem comandado nem
Assinale o que for correto. oprimido pelos grandes e os grandes desejam comandar
01) Para Maquiavel, o príncipe virtuoso é aquele que e oprimir o povo; e desses dois apetites diversos nasce
governa com justiça, estabelecendo, entre seus súditos, na cidade de um desses três efeitos: ou o principado, ou
a igualdade social e uma participação político- a liberdade, ou a licença”
democrática. MAQUIAVEL, O Príncipe. São Paulo: Hedra, 2009, p.109.
02) Maquiavel redefine as relações entre ética e política, A partir do trecho citado, assinale a(s) alternativa(s)
não julga mais as ações políticas em função de uma correta(s).
hierarquia de valores dada de antemão, mas em função 01) O povo, ao não querer ser comandado, deseja
da necessidade dos resultados que as ações políticas comandar.
devem alcançar. 02) É da natureza dos grandes, no caso os ricos, o
04) Maquiavel faz a apologia da tirania, pois considera desejo de dominar o povo, no caso os pobres.
ser a forma mais eficiente de o príncipe manter-se no 04) Povo e grandes formam dois grupos políticos
poder e garantir a segurança da ordem social e política distintos e antagônicos em toda cidade.
para seus súditos. 08) Os grandes se unem politicamente para se
08) Na concepção política de Maquiavel, não há uma defenderem do desejo de dominação do povo.
exclusão entre ética e política, todavia a primeira deve 16) O fenômeno descrito era restrito às cidades italianas
ser entendida a partir da segunda. Para ele, as exigências do período histórico do filósofo.
da ação política implicam uma ética cujo caráter é
diferente da ética praticada pelos indivíduos na vida
privada.
138
20
GABARITO
QUESTÕES RENASCIMENTO
1. a
2. d
3. 1/8
QUESTÕES MONTAIGNE
1. 1/8/16
QUESTÕES GALILEU
1. d
2. a
3. 1/2/4/16
4. 1/2/8/16
5. 1/16
QUESTÕES MAQUIAVEL
1. b
2. d
3. c
4. e
5. b
6. b
7. a
8. c
9. c
10. b
11. b
12. e
13. a
14. 2/8/16
15. 8/16
16. 2/4
139
21
FORMAÇÃO E CONSOLIDAÇÃO DO ESTADO Distante tanto dos
excessos do realismo de
O Estado foi o artifício criado pela nobreza e Maquiavel como do utopismo
burguesia para a manutenção de seus interesses e de Morus, surgiu também Jean
privilégios, respectivamente. No momento de seu Bodin (1530-96), defendendo
nascimento ele tinha que vir ao mundo como uma o direito absoluto do
Monarquia Absolutista, pois era preciso a governante, que para ele tinha
concentração de poder nas mãos de alguém que que ser um rei. A monarquia
personalizasse essa transformação que ocorria para seria a melhor forma de
fazer nascer uma nova ordem social. governo, pois estaria em
Os burgueses, pagavam impostos, mas conformidade com a natureza
ganhavam com: das coisas e dos homens. Só existe um Deus, um Sol, e
Leis unificadas; um chefe de família, por isso apenas um deve governar.
Sistemas de medidas e pesos unificados; Suas ideias foram expostas em sua obra Os seis
Moeda única que facilitava o comércio; Livros da República, publicada em 1576, e é nela que
Segurança pública e jurídica; encontramos a formulação moderna do conceito de
Os nobres também ganhavam porque os reis soberania como sendo o poder supremo de governar,
eram nobres, e todo o corpo burocrático necessário ou seja, é o poder que está acima de todos os outros
para o funcionamento do estado era composto de poderes, não se sujeitando a nada. “Por soberania se entende
nobres. Além disso, eles tinham leis diferenciadas que o poder absoluto e perpétuo que é próprio do Estado” (Livro I,
os beneficiavam de diversas formas, como por capitulo III).
exemplo, a isenção do pagamento de tributos. Ou seja, Um poder tão grande como esse só poderia vir
seu status estava garantido. de Deus, cujo poder seria o único acima do poder
Algumas medidas foram tomadas pelos Reis soberano do rei. O rei possui um direito divino de
para que centralizassem o poder. Dentre elas podemos governar. É por essa razão que Bodin não entende o
citar: poder soberano como absoluto no sentido de ilimitado,
Somente o Rei poderia ter um exército; tirânico, porque ele não deve confrontar os direitos
A resolução dos conflitos e aplicação da justiça naturais divinos, dentre eles o direito à liberdade e
seria tarefa real. Acabaram-se os tribunais propriedade dos súditos.
feudais e a Igreja passa a julgar casos que Para existir o Estado, é preciso uma forte
envolvam somente questões de fé; soberania, que mantenha unidos os vários membros
O rei poderia criar leis que valeriam para todo o sociais, ligando-os como em um só corpo. Mas essa
reino, sempre objetivando o bem comum; forte soberania não se obtém com os métodos
As características que marcaram o sistema recomendados por Maquiavel, que pecam por
absolutista foram: imoralismo e por ateísmo, e sim instaurando a justiça
Centralização de poderes nas mãos do Rei; recorrendo à razão.
Construção de um idioma nacional que pudesse Eis a célebre definição de Estado dada por
dar unidade e identidade ao povo; Bodin: "Por Estado se entende o governo justo, que se
Unificação de moedas e de sistemas de pesos e exerce com poder soberano sobre diversas famílias e
medidas; em tudo aquilo que elas têm em comum entre si; "[...] o
Demarcação do território do reino; Estado já não seria tal sem aquele poder soberano que
Ordenamento jurídico único que valesse para mantém unidos todos os membros e partes dele,
todo o território. fazendo de todas as famílias e de todos os círculos um
Os ibéricos saíram na frente na formação dos só corpo. [...] Em suma, a soberania é o verdadeiro
grandes reinos, enquanto Inglaterra e França ainda se fundamento, o ponto cardeal sobre o qual se apoia toda
matavam na guerra dos cem anos. a estrutura do Estado e do qual dependem todas as
Somente depois, quando Portugal e Espanha já magistraturas, leis e normas.
haviam até começado o processo de exploração de suas Ela é o único laço e o único vinculo que faz de
colônias americanas, é que aqueles dois países famílias, corporações, colegiados e indivíduos um único
começavam a se fortalecer e emergir como monarquias corpo perfeito, que é precisamente o Estado".
absolutistas. Como já dissemos, o absolutismo de Bodin tem
Na França, os conflitos religiosos entre a limites objetivos precisos nas normas Éticas (a justiça),
nobreza católica e a burguesia calvinista (huguenote) nas leis da natureza e nas leis divinas - e esses limites
formaram, juntamente com a Guerra dos Cem Anos, o constituem também sua força. A soberania que não
cenário que propiciou a formação e consolidação do respeitasse essas leis não seria soberania, e sim tirania.
absolutismo francês. Também se destaca o escrito de Bodin
intitulado Colóquio entre sete pessoas, que tem por tema a
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1
tolerância religiosa e é imaginado desenvolver-se em Fortalecimento da marinha para entrar na
Veneza entre sete seguidores de religiões diferentes: disputa por colônias;
1) um católico, Luiz XIV governou com o consentimento da
2) um seguidor de Lutero, aristocracia e o apoio da Igreja. Os primeiros, apesar de
3) um seguidor de Calvino, terem reduzida influência política, mantinham seu
4) um judeu, status de “amiguinhos” do rei, e detinham uma série de
5) um maometano, privilégios, como não pagar impostos. Já a Igreja,
6) um pagão e adorou ver o rei abolir o Édito de Nantes e tornar o
7) um defensor da religião natural. catolicismo a única religião a ser praticada em território
A tese da obra é a de que (como sustentara o francês.
humanismo florentino) existe um fundamento natural Além desse apoio, um grande marketing
que é comum a todas as religiões. Com essa base político contribuiu para associar a imagem do rei à do
comum, seria possível um acordo religioso geral, sem próprio Estado, fazendo com que ele mesmo afirmasse:
sacrificar as diferenças (ou seja, aquele plus) próprias “O Estado sou eu”. A sensação que ele passa de ser o
das religiões positivas. todo-poderoso, um homem perfeito que simboliza o
Havendo, portanto, esse fundamento natural próprio estado francês em sua grandeza.
implícito nas diferentes religiões, aquilo que as une
revela-se mais forte do que aquilo que as separa.
A consolidação do absolutismo na França se dá
com o cardeal Richelieu, que foi primeiro ministro de
Luís XIII. Esse cardeal enfraqueceu o poder dos
nobres, e atribuiu grande autoridade aos funcionários
do rei. Para ele, as necessidades do Estado estavam
acima de tudo e de todos, podendo o mesmo fazer tudo
para alcançar seus objetivos.
E realmente fez. Para desbancar a Espanha
como potência mundial, a França, num ato
contraditório, apoiou os protestantes, a quem sempre
perseguiu, no conflito que ficou conhecido como
Guerra dos Trinta Anos (1618-48). Na metade do
século XVII a França se tornou o Estado mais
poderoso da Europa.
Foi essa potência que Luiz XIV governou de
1643 a 1715. Ele aprendeu direitinho com o Richelieu,
e se tornou o todo poderoso Rei-Sol. O ápice do
absolutismo monárquico se dá no seu reinado.
No plano teórico, depois de Bodin, e ao tempo Sua imagem foi cuidadosamente construída
de Luiz XIV, apareceu outro pensador francês para para representar a magnificência, a perfeição e o caráter
justificar o direito do rei de governar absolutamente. O divino do reino francês.
bispo católico Jacques Bossuet (1627–1704) escreveu Ele ia morar em qualquer lugar? Claro que não.
a obra Política tirada da Sagrada Escritura, onde também Teria que ser um palácio digno se um rei Sol. Luiz XIV,
defendeu o direito divino de governar do rei. Este então, manda construir um palácio que represente sua
deve obediência somente a Deus, que legitima o seu realeza. E claro, tinha que ser o maior da Europa. Nesse
poder, e todos devem obediência ao rei. sentido, o Palácio de Versalhes foi construído para
Para fortalecer seu poder, Luiz XIV diminuiu
influência política da aristocracia, enquanto fortalecia
economicamente o Estado com as ações de seu
ministro das finanças Jean-Baptiste Colbert, cujas
medidas mercantilistas ficaram conhecidas como
colbertismo.
Tais medidas foram basicamente:
O aperfeiçoamento do sistema de cobrança de
impostos;
Incentivo às manufaturas;
Estímulo ao comércio internacional de seus
artigos de luxo e produtos bélicos.
141
2
mandar uma mensagem ao mundo: “Aqui é a casa/sede chama-se Ademo (formado por um alfa privativo e demos,
do homem/estado mais poderoso do mundo”. que significa "povo"), que significa o chefe que não tem
Mas Versalhes, e todo luxo em que viviam o rei povo.
e sua corte, além de guerras constantes em que o estado Todo esse jogo linguístico utilizado pelo autor é
estava envolvido, tiveram um custo, que certamente para demonstrar a tensão entre o ideal e o real, como os
não era pago com o trabalho suado do rei. A bomba homens deveriam se comportar em contraposição ao
estava se armando, e ela ia explodir na forma de uma que estava realmente acontecendo na Inglaterra. O
das maiores revoluções do mundo ocidental. enorme sucesso do termo mostra o quanto o espírito
Na Inglaterra, Henrique VIII ganhou amplo humano dele necessitava.
apoio da burguesia e de setores da nobreza ao romper A fonte em que Morus bebeu foi, naturalmente,
com a Igreja Católica e fundar, como seu chefe, a Platão, com amplas infiltrações de doutrinas estóicas,
religião anglicana (essencialmente calvinista, mas tomistas e erasmianas.
católico na forma), governando esse país de 1509 a Na contraluz está a Inglaterra, com sua história,
1547. suas tradições e seus dramas sociais de então (a
É nessa época e nesse contexto social de lutas reestruturação do sistema agrícola, que privava de terra
religiosas e início de implementação do capitalismo na e trabalho grande quantidade de camponeses; as lutas
Inglaterra que Tomás Morus (1478-1535), amigo e religiosas e a intolerância; a insaciável sede de riquezas)
conselheiro do Rei, publicou a UTOPIA, obra que lhe Essa obra é dividida em duas partes onde na
deu fama imortal. primeira o autor faz uma severa crítica à Inglaterra que
Tomas Morus nasceu em se formara como uma nação de intolerância religiosa,
Londres em 1478. Foi amigo e que expulsa os seus cidadãos de seus lares no campo
discípulo de Erasmo e humanista para dar lugar a grandes propriedades que beneficiam
de estilo elegante. Participou apenas poucas pessoas, tornando-a assim uma nação
ativamente da vida política, avarenta que coloca a busca pelo lucro acima da justiça
exercendo altos cargos. Firme em e bem-estar de seus súditos.
sua fé católica, recusou-se a Na segunda parte o filósofo formula um modo
reconhecer Henrique VIII como de vida ideal em que todos são iguais, não existe
chefe da Igreja, sendo por isso propriedade privada, todos contribuem para o bem
condenado a morte em 1535. Somente em 1935 foi comum com o seu trabalho, mas não de forma
proclamado santo por Pio IX. exploradora, apenas com uma jornada diária de seis
A Utopia além de ser um marco na literatura e horas, o suficiente para que todos pudessem trabalhar e
filosofia ocidental, influenciou com suas ideias os também ter tempo para o lazer e estudos.
socialistas do século XIX devido a radicalidade de sua Além disso, nessa Utopia haveria algo, na visão
crítica à sociedade que valorizava mais o dinheiro do do autor, fundamental para toda e qualquer nação
que o humano. civilizada que é a tolerância religiosa. Coisa que há
A obra que levou fama imortal a Morus foi muito havia se perdido na Inglaterra.
Utopia, título elevado a denominação de um gênero E como crítica ao espírito burguês em que a
literário antiguíssimo, muito usado antes e depois de avareza e a falta de compaixão ao próximo tomaram o
Morus, representando uma dimensão do espírito lugar nos corações dos ingleses, Tomás Morus descreve
humano que, através da representação mais ou menos a sociedade que vive na Utopia como uma sociedade
imaginária daquilo que não existe, apresenta aquilo que que abolira o dinheiro.
deveria ser ou como o homem gostaria que a realidade
fosse. Princípios morais
O temo “utopia” (do grego ou = não e topos =
lugar) indica um lugar que não existe em nenhum lugar. Os princípios basilares que regem o relato (que
Platão já se aproximara muito dessa indicação, é imaginado como narrado por Rafael Itlodeo, que,
escrevendo que a cidade perfeita por ele descrita na tendo participado de uma das viagens de Américo
República não existe em nenhuma parte sobre a terra. Vespúcio, teria visto a ilha de Utopia) são muito
Mas foi necessária a criação semântica de Morus para simples. Morus estava profundamente convencido
preencher essa lacuna linguística. (influenciado nisso pelo otimismo humanista) de que
Deve-se notar como Morus reafirma essa bastaria seguir a sã razão e as mais elementares leis da
dimensão do “não existir em nenhum lugar”. A capital natureza, que estão em perfeita harmonia com a razão,
de Utopia chama-se Amauroto (do grego amaurós = para acabar com os males que afligem a sociedade.
evanecente), que quer dizer “cidade que se esvanece Utopia não apresentava um programa social a
como miragem"; o rio de Utopia chama-se Anidro (do ser realizado, e sim princípios destinados a terem
grego anydros = privado de água), ou seja, um rio que função normativa que, com hábeis jogos de alusões,
não é rio de água, mas rio sem água; já o príncipe
142
3
apresentavam os males da época e indicavam os Foi nessa época que começou a ocupação da
critérios com os quais deveriam ser curados. américa inglesa, que não dava muito lucro porque não
Além disso, em Utopia todos os cidadãos são havia muito o que explorar, pois as terras que
iguais entre si. Desaparecem as diferenças de renda, produziam especiarias e tinham metais preciosos já
desaparecendo então as diferenças de status social. E estavam há muito tempo ocupadas pelos espanhóis.
mais, os habitantes de Utopia se substituem de modo Diante disso, esses navios serviam também para
equilibrado nos trabalhos da agricultura e do artesanato, saquear outros, de preferência os espanhóis, que
de modo que não renasçam, em virtude da divisão do vinham abarrotados de metais preciosos.
trabalho, também as divisões sociais. Não tardou muito para os espanhóis
O trabalho não é massacrante e não dura toda a responderem, e a Invencível Armada (a maior frota de
jornada (como durava naquela época), e sim seis horas navios do planeta) do rei Felipe II atacou os ingleses,
diárias, para deixar espago ao lazer e a outras atividades. mas estes saíram vitoriosos. A partir de então, os mares
Em Utopia também existem sacerdotes dedicados ao passaram a ter outros donos.
culto e um lugar especial é garantido aos "literatos", ou Mas as transformações econômicas ocorridas
seja, àqueles que, nascendo com dotes e inclinações na terra da rainha não ocorreram só nos mares, o modo
especiais, pretendem dedicar-se ao estudo. de produzir na terra também se modificou. As
Os habitantes de Utopia são pacifistas, seguem propriedades rurais que antes eram usadas em proveito
prazeres sadios, admitem cultos diferentes, honram a coletivo, passaram a ser exploradas por um único dono,
Deus de diferentes modos e sabem se compreender e principalmente na criação de ovelhas que forneciam a
se aceitar reciprocamente nessas diversidades. lã que impulsionava a nascente manufatura de tecidos
Por fim, os habitantes de Utopia eliminam, com nas cidades. Esse processo contribuiu para a criação de
a abolição do dinheiro e de seu uso, todas as uma classe aristocrática aburguesada, e mais forte
calamidades que a avidez do mesmo produz entre os economicamente, os gentry.
homens. E em uma das páginas conclusivas Morus põe Nesse processo houve a intensificação do que
em primeiro plano este belíssimo pensamento em ficou conhecido como cercamentos, onde os
forma de paradoxo: camponeses foram praticamente expulsos do campo
“seria tão mais fácil procurar-se o de que viver, caso não para viver uma vida miserável na cidade. Isso forçou um
o impedisse justamente a busca do dinheiro, que nas intenções de descontrolado êxodo rural para as cidades que não
quem o inventou teria devido servir-nos precisamente para o fim estavam preparadas para receber todo esse contingente
de agilizar a vida, quando na realidade ocorre exatamente o populacional que se tornou mão de obra barata e
contrário.” fortaleceu o mercado consumidor interno. Esse
Na Inglaterra do mundo real, apesar das processo contribuiu para a consolidação do capitalismo
modificações implementadas pelo rei Henrique VIII, na Inglaterra.
tanto no campo social como no econômico, foi sua filha A “rainha virgem” morreu sem deixar
Elizabeth I que tornou a Inglaterra uma potência ao herdeiros, sendo sucedida pelo seu primo escocês, e
governá-la de 1558 a 1603. católico, Jaime. Este uniu Inglaterra e Escócia e
Atrasados na corrida para exploração das governou de 1603 a 1625, iniciando a dinastia dos
américas, Elizabeth quis recuperar o tempo perdido a Stuart como Jaime I.
todo custo. Ela incentivou a construção de navios para O cara mal chegou e já queria ter seus poderes
a formação de uma poderosa frota que pudesse invadir reais aumentados. E quem dava a fundamentação para
e explorar territórios, fossem eles já dominados por a legitimidade do poder ser ilimitado? Exatamente, o
outros países, ou não. catolicismo. Então ele começou a enfatizar o caráter
católico do anglicanismo. Mas não colou muito não. O
parlamento, composto pela aristocracia rural
aburguesada (gentry) e pelos burgueses fiéis aos
ensinamentos calvinistas (puritanos), se manifestou
contrário a essa jogada do rei, aumentando as tensões
entre os poderes.
Já no reinado do sucessor de Jaime, Carlos I, o
parlamento apresentou em 1628 uma Petição de
Direitos limitando os poderes reais. O rei ficou doido,
mandou fechar o parlamento e prender todo mundo. A
situação só piorou, e em 1640 desencadeou-se uma
guerra civil (1642-48) entre os “cavaleiros”
(bajuladores do rei) e os “cabeças redondas” partidários
do parlamento. Tem-se início a Revolução Puritana.
143
4
A fim de tirar um rei absolutista do poder, melhor, e deve obedecer-se-lhe sem murmurar, pois o
Oliver Cromwell lidera as tropas do parlamento, corta murmúrio é uma disposição para a sedição.
a cabeça do rei e assume como ditador com o apoio do (Jacques Bossuet (1627-1704), Política tirada da Sagrada Escritura)
exército, instaurando uma republica ditatorial Com base no texto, assinale a alternativa correta.
conhecida como protetorado, e governa de 1649 a 1658. a) O autor critica o absolutismo do rei e afirma que seu
Forma em 1651 a Comunidade Britânica com a união poder e autoridade tem limites em relação aos homens.
da Inglaterra, Irlanda e Escócia. b) Para Bossuet, o poder real é um poder divino e não
admite nenhum tipo de oposição dos homens. Rebelar-
QUESTÕES se contra o Rei é rebelar-se contra Deus.
c) Os princípios de Bossuet defendem que os homens
1. [...] O rei fora um aliado forte das cidades na luta tem mais poderes divinos do que o próprio Rei.
contra os senhores. Tudo o que reduzisse a força dos e) O autor reconhece o direito humano de revolta
contra o Rei que não se mostre digno de sua função.
barões fortalecia o poder real. Em recompensa pela sua
ajuda, os cidadãos estavam prontos a auxiliá-lo com 3. “...o príncipe, que trabalha para o seu Estado,
empréstimos em dinheiro. Isso era importante, porque trabalha para os seus filhos, e o amor que tem pelo seu
com o dinheiro o rei podia dispensar a ajuda militar de reino, confundindo com o que tem pela sua família,
seus vassalos. Podia contratar e pagar um exército torna-se-lhe natural... O rei vê de mais longe e de mais
pronto, sempre a seu serviço, sem depender da lealdade alto; deve acreditar-se que ele vê melhor...”
de um senhor. Seria também um exército melhor, (BOSSUET, Jacques de. Política tirada da sagrada escritura. Livro
porque tinha uma única ocupação: lutar. Os soldados II, 10ª proposição e Livro VI, artigo 1º)
feudais não tinham preparo, nem organização regular O trecho anterior se refere ao absolutismo monárquico,
que lhes permitisse atuar em conjunto, com harmonia. que se constituiu no próprio modelo dos regimes
Por isso, um exército pago para combater, bem treinado políticos dos Estados europeus do antigo regime.
e disciplinado, e sempre pronto quando dele se Apresentou variáveis locais conforme se expandia na
necessitava, constituía um grande avanço. Europa, entre os séculos XVI e XVIII. Entretanto,
(HUBERMAN, L. História da riqueza do homem. Rio de Janeiro: podemos identificar no absolutismo monárquico
Zahar, 1977. p. 80-81.) características comuns que o distinguiam, dentre as
Com base no texto e nos conhecimentos sobre o quais destacamos corretamente a (s)
período da formação dos Estados Nacionais, é correto A) unificações de diversas atribuições de Estado e de
afirmar que governo na figura dos monarcas, tais como a
A) a organização de exércitos sob o comando do rei não prerrogativa de legislar e a administração da justiça real.
contribuiu para o processo de formação dos Estados B) substituição de um tipo de administração baseada na
Nacionais. distribuição de privilégios e concessões régias por uma
B) a decadência da burguesia possibilitou o organização burocrática profissional que atuava em
fortalecimento do poder real e a constituição dos atividades desvinculadas do Estado.
Estados Nacionais europeus. C) implementação de práticas econômicas liberais
C) a teoria política do período sacralizou a figura do como forma de consolidar a aliança política e
monarca, já que afirmava serem os reis escolhidos por econômica dos reis absolutos com as burguesias
Deus para exercer o governo. nacionais.
D) com os Estados Nacionais constituídos, a Igreja D) submissão política dos governos reais absolutistas à
continuou a ocupar um espaço importante dentro dos hierarquia eclesiástica, conforme definido pela doutrina
reinados, baseada na autoridade suprema do Papa. do Direito Divino dos Reis.
E) a política econômica das monarquias europeias E) definição da autoridade dos monarcas absolutos e
estava apoiada no capitalismo monopolista financeiro, seus limites de poder, através da atuação dos
que possibilitou lucros vultosos bem como um parlamentos nacionais constitucionalistas, controlados
processo neocolonialista de conquista. por segmentos burgueses.
2. (...) O trono real não é o trono de um homem, mas o
trono do próprio Deus. Os reis são deuses e participam
de alguma maneira da independência divina. O rei vê de
mais longe e de mais alto; deve-se acreditar que ele vê
144
5
THOMAS HOBBES E A MECÂNICA DO para se aproximar de poetas e historiadores e não para
ESTADO revisitar e meditar os filósofos antigos.
Thomas Hobbes Tinha decidida aversão por Aristóteles e mais
(1588-1679), inglês de ainda pela filosofia escolástica (que então era
família pobre, conviveu interpretada de modo inteiramente inadequado).
com a nobreza, de quem Entretanto, ficou entusiasmado pelos Elementos
recebeu apoio e condições de Euclides, com sua rigorosíssima construção
para estudar, e defendeu dedutiva, que ele considerou modelo de método para o
ferrenhamente o poder filosofar.
absoluto, ameaçado pelas Também exerceram notável influência sobre
novas tendências liberais. Hobbes o racionalismo cartesiano, com suas instâncias
Teve contato com derivadas da revolução cientifica, e Bacon, com sua
Descartes, Francis Bacon concepção utilitarista do saber.
e Galileu. Mas talvez a influência mais poderosa tenha
Preocupou-se, entre outras coisas, com o sido exercida por Galileu com sua física, tanto que, em
problema do conhecimento, tema básico das reflexões várias partes da obra de Hobbes, fica evidente a intenção
do século XVII, representando a tendência empirista. de ser o Galileu da filosofia, em especial o Galileu da ciência
Também escreveu sobre política: as obras De Cive (Do política. Entendida como estudo do movimento a física
Cidadão) e Leviatã. não remonta a antes de Galileu, diz expressamente
O que acontece no século XVII, época em que Hobbes, ao passo que a filosofia civil não remonta a
Hobbes viveu? O absolutismo, atingindo o apogeu, antes de sua própria obra Do cidadão (1642).
encontra -se em vias de ser ultrapassado, e enfrenta No De corpore, Hobbes
inúmeros movimentos de oposição baseados em ideias expressa muito eficazmente a
liberais. nova tempera espiritual e (como
Hobbes nasceu na era de ouro elisabetana, mas já haviam feito muitas páginas
sua vida adulta foi marcada por esses conflitos entre reis de Descartes e de Bacon)
e o parlamento. Ele era crítico da democracia e por sanciona o fim de uma época do
conseguinte, da monarquia parlamentar inglesa. filosofar e o início de urna nova,
Quando estourou a guerra entre rei e que fecha as portas ao
parlamento ele se manteve a favor do rei, e teve que se pensamento antigo e medieval,
exilar na França em 1640. Um país onde todo aquele sem possibilidades de apelo por
que quisesse defender o absolutismo era bem-vindo. muito tempo.
Hobbes encarou a questão da legitimidade do Em particular, Hobbes destaca o seguinte:
poder absoluto e da fundamentação da criação do a) o grande mérito de Galileu;
estado em sua grande obra Leviatã, que publicou na b) a necessidade de fundar urna nova ciência do
França em 1651, dois anos depois da vitória de Estado com base no modelo galileano;
Cromwell, e quando seu governo ditatorial começava a c) a vacuidade e inconsistência da filosofia
se consolidar. grega;
Por que deve existir o Estado e de onde vem o d) a perniciosidade da mistura operada pela
seu poder absoluto? Essa é a pergunta central da obra filosofia veteromedieval cristã entre a Bíblia e a filosofia
magna de Hobbes. Na França, havia a teoria do direito platônica e especialmente a aristotélica, que Hobbes
divino dos reis de governar, mas nosso filósofo era um considera uma traição da fé cristã;
homem racional demais para abraçar tal teoria. e) a necessidade de expulsar o monstro
Hobbes inova no pensamento político da época metafísico e de distinguir a filosofia da religião e das
ao defender que a organização social deve ser entendida Escrituras.
e explicada não como uma teia de jogo de interesses Falávamos, acima, das influencias de Bacon.
entre classes sociais diferentes, mas do mesmo modo Com efeito, também Hobbes afirma que “o fim da
como a ciência explica o movimento dos corpos através ciência é a potência”. E precisa que a filosofia é da
de suas relações de causa e efeito, tendo como princípio máxima “utilidade”, uma vez que, aplicando as normas
básico o entendimento do movimento como um cientificas à moral e à política, ela poderá evitar as
fenômeno natural. Filosofia, para ele, era física dos guerras civis e as calamidades e, portanto, poderá
corpos. garantir a paz.
Trata-se, portanto, de ideias que representam
A nova filosofia uma clara antítese das que foram tornadas clássicas
sobretudo por Aristóteles, que, na Metafísica, escrevia
Hobbes tinha um notável conhecimento de que a filosofia “não tende a realizar alguma coisa”, e que
línguas clássicas. Entretanto, essas línguas serviram-lhe nós não a procuramos “por nenhuma vantagem que
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seja estranha a ela”, mas por puro amor ao saber, isto é, Eis as afirmações significativas do nosso
por objetivos “contemplativos”. filósofo: “O nome é um som humano usado por
arbítrio do homem para ser sinal com o qua1 se possa
A tripartição da filosofia suscitar na mente um pensamento semelhante a um
pensamento passado e que, disposto no discurso e
Com essas premissas, fica clara a nova definição proferido a outros, seja para eles sinal daquele
de filosofia: ela tem por objeto os “corpos” as suas pensamento que tenha ou não ocorrido antes na própria
causas e suas propriedades. Não se ocupa de Deus e da pessoa que fala.” O fato de que os nomes nasçam do
teologia, que cabem à fé, nem daquilo que implica arbítrio está provado pelo continuo surgimento de
inspiração ou revelação divina, nem se ocupa da novas palavras e pela abolição das velhas.
história, nem de tudo aquilo que não seja bem fundado Hobbes fala de nomes “positivos”, como, por
ou conjuntural. exemplo, “homem” e “planta”, e de nomes
Ora, como os corpos são a) naturais “negativos”, como, por exemplo, “não-homem” e
inanimados, b) naturais animados (como o homem) ou “não-planta”. Os nomes positivos e os correspondentes
então c) artificiais (como o Estado), a filosofia, negativos não podem ser atribuídos à mesma coisa
consequentemente, deve ser tripartida. pensada em um mesmo tempo e a propósito do mesmo
Ela deve tratar: dado. Essa é uma transformação significativa do
a) do corpo em geral, princípio da não-contradição em termos nominalistas.
b) do homem e Os nomes comuns não indicam conceitos
c) do cidadão e do Estado. universais, porque só existem indivíduos e conceitos
Foi com base nessa tripartição que Hobbes (que, para Hobbes, nada mais são que imagens) de
concebeu e elaborou sua célebre trilogia De corpore, De indivíduos, mas trata-se apenas de nomes de nomes, não
homine e De cive. tendo, portanto, referência a realidade e não
A divisão da filosofia também pode se articular significando a natureza das coisas, mas somente aquilo
do seguinte modo: que nós pensamos dela.
1) ciência dos corpos naturais;
2) ciência do corpo artificial, com o primeiro As definições, as proposições e o raciocínio como
ramo subdividido como mostra o esquema a seguir. cálculo
Tudo aquilo que é essência espiritual ou que não é
corpóreo está excluído da filosofia. Hobbes, inclusive, A definição não expressa (como queriam
afirma drasticamente que aquele que deseja outra forma Aristóteles e toda a 1ógica clássica e medieval) a
de filosofia que não esteja ligada à dimensão do “essência” da coisa, mas simplesmente “o significado
corpóreo deverá procurá-la em outros livros, não nos dos vocábulos”. Dar uma definição nada mais é do que
seus. “fornecer o significado do termo usado”. Portanto, as
definições são arbitrarias, assim como o são os
Os “nomes”, sua gênese e seu significado vocábulos.
Da conexão de nomes nasce a proposição,
Hobbes precede a abordagem dos corpos de normalmente constituída por um nome concreto que
uma “logica” (em surpreendente analogia com o tem função de sujeito e por um nome abstrato que tem
esquema das filosofias helenísticas, que faziam a lógica função de predicado, ambos ligados pela copulativa.
preceder a física e a ética, corno, por exemplo, a Assim como os nomes, também as proposições
filosofia epicurista). Essa lógica retoma a tradição primeiras e os axiomas (que são as proposições
nominalista da filosofia inglesa tardio-escolástica, fundamentais) são fruto do arbítrio daqueles que foram
assumindo, porém, também alguns elementos de os primeiros a estabelecer os nomes ou a acolhê-los:
origem cartesiana. “[...] por exemplo, é verdade que o homem é animal, já que
A lógica elabora as regras do modo correto de se decidiu impor esses dois nomes à mesma coisa”; as
pensar. Mas, em um contexto nominalista como o de proposições primeiras [...] nada mais são que definições,
Hobbes, o interesse volta-se mais para o “nome” do ou partes de definição e somente elas são princípios de
que para o pensamento como tal. demonstração, isto é, verdades estabelecidas pelo
Com efeito, Hobbes diz que os pensamentos arbítrio daqueles que falam e daqueles que escutam
são fluidos e, sendo assim, devem ser fixados com [...].”
“sinais” sensíveis, capazes de reconduzir à mente Raciocinar é conectar (ou desconectar) nomes,
pensamentos passados, bem como “registrá-los” e definições e proposições em conformidade com as
“sistematizá-los” e, posteriormente, transmiti-los aos regras, fixadas por convenção.
outros. Diz Hobbes que raciocinar é “calcular” e
Foi assim que nasceram os “nomes”, que foram “computar”, aliás, mais propriamente, é um somar e
forjados pelo arbítrio humano. subtrair. “Por raciocínio entendo o cálculo. Calcular é
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7
colher a soma de mais coisas, uma ligada a outra, ou conhecer Corpo e movimento
o restante, subtraída uma coisa à outra".
Por exemplo: Dissemos que, para Hobbes, a filosofia é
ciência/física dos “corpos” e, podemos acrescentar,
homem = animal + racional mais precisamente, ciência das causas dos corpos.
animal = homem - racional Os modelos dessa ciência (como também já
vimos) são a geometria de Euclides e a física de Galileu.
Hobbes não exclui que o raciocinar seja Mas a diferença entre geometria e física é notável.
também um multiplicar e dividir; entretanto, a As premissas da geometria são postulados
multiplicação é redutível à soma, ao passo que a divisão fixados por nós (postulados que nós estabelecemos) e a
é redutível à subtração. geração das figuras é produzida por nós mediante as
Essa concepção do raciocínio, entendido como linhas que traçamos, de modo que elas “dependem do
“compor”, “decompor” e “recompor” é baseado em nosso arbítrio”. Hobbes precisa: “Exatamente pelo fato
semantemas ou sinais linguísticos, bem como o de que somos nós mesmos a criar as figuras é que há uma
respectivo pano de fundo convencionalístico, geometria e que ela é demonstrável”.
surpreendem pela modernidade e pela ousadia Conhecemos perfeitamente aquilo que nós
extraordinária, já que contém pressentimentos da mesmos estabelecemos, fazemos e construímos. Mas já
cibernética contemporânea (pressentimentos, note-se não podemos com tanta certeza conhecer as coisas
bem, mais do que antecipações). naturais, porque não somos nós que as construímos.
Essa concepção do raciocinar como calcular, E conclui Hobbes: “Entretanto, a partir das
como decompor e recompor, inspira-se além do mais próprias propriedades que vemos, deduzindo as
também em Descartes, mas com notáveis diferenças. consequências até onde nos é dado fazê-lo, podemos
Com efeito, Descartes partia de verdades primeiras, demonstrar que suas causas podem ter sido estas ou
que, em virtude de sua evidencia intuitiva, tinham aquelas.” E, como as coisas naturais nascem do
precisa garantia de objetividade, ao passo que Hobbes movimento, fica assim identificada a sua causa principal.
se desloca para o plano do convencionalismo, Naturalmente, não se trata do movimento
esvaziando dessa forma o discurso sobre a objetividade. concebido aristotelicamente, mas sim do movimento
quantitativamente determinado, ou seja, medido
O empirismo hobbesiano matemática e geometricamente (o movimento
galileano).
Entretanto, para concluir este tema, devemos Assim, Hobbes tenta explicar toda a realidade
destacar que o nominalismo de Hobbes não se funda com base em apenas dois elementos:
em bases céticas, mas muito mais empíricas, sensistas e
fenomênicas. 1) do corpo entendido como aquilo que não
Com efeito, por um lado, ele admite que os depende de nosso pensamento e que “coincide e se co-
nossos pensamentos (que são designados e expressos estende com uma parte do espaço”;
por nomes) são “representações ou aparências” dos 2) do movimento entendido do modo que
objetos que estão fora de nós, sendo em nós produzidos indicamos.
através da experiência dos sentidos. É esse o seu materialismo, ou melhor, seu
Hobbes diz textualmente: “A origem de todos corporeísmo mecanicista, que tantas polêmicas suscitou
[os pensamentos] é aquilo que nós chamamos sentido em sua época.
(pois não há nenhuma concepção da mente humana
que não tenha sido inicialmente, no todo ou em parte, A qualidades das coisas são movimentos variados
gerada pelos 6rgiios do sentido). O resto é derivado
daquela origem”. Aliás, é verdade que, por vezes, Hobbes parece
Ele chega a dizer que a causa do sentido é “O apresentar seu “corporeísmo” quase que como uma
corpo externo ou objeto”. “hipótese” e não como um dogma. Mas também é
Além disso, quando Hobbes diz que a definição verdade que, na maior parte dos seus textos, ele
não expressa a essência da coisa, as “aquilo que nós desenvolve essa sua concepção como tese sem reservas,
concebemos da essência da coisa”, não enuncia uma tanto que tende a entender até Deus em termos
negação cética, e sim opera uma redução fenomênica corporeístas. O que não deixou de suscitar fortes
(só conhecemos da essência aquilo que dela nos objeções e acusações, das quais se defendeu.
aparece). Assim, corpo e movimento local explicam todas
Em suma, ele caminha sobre uma linha que é as coisas.
típica do pensamento inglês e que se imporia de modo As qualidades são “fantasmas do sensível”, ou
sempre mais acentuado. seja, efeitos dos corpos e do movimento. Todas as
chamadas qualidades sensíveis nada mais são que
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8
movimentos variados. E as alterações qualitativas e os As duas obras-primas de Hobbes, o Do cidadão
próprios processos de geração e corrupção são e o Leviatã, são dedicadas precisamente à resposta a
reduzidos a movimento (local). esses problemas.
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12
ciência (geometria e física) como modelo a ser imitado entre si como proprietários de suas próprias
em filosofia. capacidades e do que adquiriram mediante a prática
Acontece que os métodos das ciências dessas capacidades. A sociedade consiste de relações de
matemáticas e naturais não podem ser transferidos para troca entre proprietários. A sociedade política torna -se
a filosofia sem provocar drásticas reduções, que geram um artifício calculado para a proteção dessa
uma série de aporias indesejáveis, como, em parte, já propriedade e para a manutenção de um ordeiro
havia ocorrido com Descartes, e como acontecerá com relacionamento de trocas
Kant de modo paradigmático. Como vemos, mesmo que Hobbes defenda o
Contudo, é precisamente essa a marca que Estado absoluto, já são perceptíveis em seu discurso
caracteriza grande parte da filosofia moderna, por alguns dos elementos que marcarão o pensamento
influência da revolução cientifica galileana. burguês e liberal daí em diante: o individualismo, a
garantia da propriedade e a preservação da paz e
Uma interpretação segurança indispensáveis para os negócios.
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devem ser objeto de reflexão dirigida pelas instituições C) O direito dos homens a todas as coisas não tem
religiosas. como consequência necessária a guerra de todos contra
todos.
7. Referindo-se à liberdade dos súditos, Thomas D) A origem do poder nada tem a ver com as noções
Hobbes diz que a Liberdade é de estado de guerra e estado de natureza.
a) vivenciar a Política no espaço público, respeitando as
10. (UFU 2012) [...] a condição dos homens fora da
diversas espécies de governo por Instituição e da
sociedade civil (condição esta que podemos
sucessão do poder soberano. adequadamente chamar de estado de natureza) nada
b) fazer tudo o que nos apraz, sem considerar o mais é do que uma simples guerra de todos contra todos
domínio paterno e despótico. na qual todos os homens têm igual direito a todas as
c) em sentido próprio, a ausência de oposição, coisas; [...].
HOBBES, Thomas. Do Cidadão. Campinas: Martins Fontes, 1992.
entendendo por oposição os impedimentos externos do
De acordo com o trecho acima e com o pensamento de
movimento. Hobbes, assinale a alternativa correta.
d) vivenciar as potencialidades da existência humana, A) Segundo Hobbes, o estado de natureza se confunde
estendendo-a para o campo da Política. com o estado de guerra, pois ambos são uma condição
original da existência humana.
8. A origem do poder foi sempre explicada de maneira B) Para Hobbes, o direito dos homens a todas as coisas
superficial e religiosa, no entanto, nos tempos está desvinculado da guerra de todos contra todos.
modernos, passou a ser explicada de uma forma C) Segundo Hobbes, é necessário que a condição
racional e laica. humana seja analisada sempre como se os homens
Entre as justificativas do Estado, a teoria do contrato vivessem em sociedade.
social, vista por Thomas Hobbes, sugere: D) Segundo Hobbes, não há vínculo entre o estado de
a) um consenso entre os indivíduos, transfere natureza e a sociedade civil.
autoridade máxima ao rei para que ele se torne forte o
suficiente para proteger a todos. 11. “Dado que todo súdito é por instituição autor de
b) um acordo entre nobres, sem a participação dos todos os atos e decisões do soberano instituído, segue-
indivíduos, para fortalecer o poder real. se que nada do que este faça pode ser considerado
c) uma aliança entre as classes sociais, sem limites, para injúria para com qualquer de seus súditos, e que
a democratização das instituições.
nenhum deles pode acusá-lo de injustiça”.
d) a formação de um regime político decorrente da
HOBBES, T. Leviatã, ou, Matéria, forma e poder de um estado
vontade da maioria dos indivíduos através do voto.
eclesiástico e civil. Tradução de João Paulo Monteiro e Maria
e) a eliminação de intermediários entre os indivíduos e Beatriz Nizza da Silva. São Paulo: Nova Cultural, 1988, p. 109.
a formação do poder legislativo na chamada democracia Com base no texto e nos conhecimentos sobre o
direta. contratualismo de Hobbes, é correto afirmar:
a) O soberano tem deveres contratuais com os seus
9. (UFU 2011) Com base em seus conhecimentos e no
súditos.
texto abaixo, assinale a alternativa correta, segundo
Hobbes. b) O poder político tem como objetivo principal
[...] a condição dos homens fora da sociedade civil garantir a liberdade dos indivíduos.
(condição esta que podemos adequadamente chamar de c) Antes da instituição do poder soberano, os homens
estado de natureza) nada mais é do que uma simples viviam em paz.
guerra de todos contra todos na qual todos os homens d) O poder soberano não deve obediência às lei da
têm igual direito a todas as coisas; [...] e que todos os natureza.
homens, tão cedo chegam a compreender essa odiosa
e) Acusar o soberano de injustiça seria como acusar a si
condição, desejam [...] libertar-se de tal miséria.
HOBBES, Thomas, Do Cidadão, Ed. Martins Fontes, 1992. mesmo de injustiça.
A) O estado de natureza não se confunde com o estado
de guerra, pois este é apenas circunstancial ao passo que 12. É correto afirmar, em relação ao absolutismo:
o estado de natureza é uma condição da existência a) As liberdades individuais e a preservação dos direitos
humana. alcançados pelos servos foram características do
B) A condição de miséria a que se refere o texto é o período absolutista.
estado de natureza ou, tal como se pode compreender, b) A primeira revolução de caráter burguês e contra o
o estado de guerra. absolutismo ocorreu na França.
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c) As disputas religiosas e entre igrejas não se concordaram em transferir seu direito de governarem a
relacionavam de forma alguma com as práticas si mesmos à pessoa ou à assembleia de pessoas que os
absolutistas. represente e que possa assegurar a paz e o bem comum.
d) Na França os filósofos absolutistas defendiam 08) Na obra Leviatã, para caracterizar o Estado, Thomas
práticas que ajudavam os Reis a aumentarem ainda mais Hobbes utiliza a figura do Novo Testamento, o Leviatã,
seus poderes. cuja função é salvar os homens do poder despótico dos
reis.
13. (UEM 2013) “Designar um homem ou uma 16) Segundo Thomas Hobbes, o Estado não dispõe de
assembleia de homens como portador de suas pessoas, poder absoluto algum. É ilegítimo o uso da força pelo
admitindo-se e reconhecendo-se cada um como autor soberano para constranger os súditos, pois o controle
de todos os atos que aquele que assim é portador de sua do poder instituído, como o próprio poder, deve
pessoa praticar ou levar a praticar, em tudo o que disser assentar-se no acordo e no convencimento.
respeito à paz e à segurança comuns; todos submetendo
desse modo as suas vontades à vontade dele, e as suas 15. (UFSJ 2013) Thomas Hobbes afirma que “Lei
decisões à sua decisão. Isto é mais do que Civil”, para todo súdito, é
consentimento ou concórdia, é uma verdadeira unidade a) “construída por aquelas regras que o Estado lhe
de todos eles, numa só e mesma pessoa, realizada por impõe, oralmente ou por escrito, ou por outro sinal
um pacto de cada homem com todos os homens, de um
modo que é como se cada homem dissesse a cada suficiente de sua vontade, para usar como critério de
homem: Autorizo e transfiro o meu direito de me governar a distinção entre o bem e o mal”.
mim mesmo a este homem, ou a esta assembleia de homens, com b) “a lei que o deixa livre para caminhar para qualquer
a condição de transferires para ele o teu direito, autorizando de direção, pois há um conjunto de leis naturais que
uma maneira semelhante todas as suas ações. Feito isso, a estabelece os limites para uma vida em sociedade”.
multidão assim unida numa só pessoa chama-se c) “reguladora e protetora dos direitos humanos, e faz
República, em latim Civitas”
(HOBBES, T. Leviatã In: Antologia de textos filosóficos, Curitiba:
intervenção na ordem social para legitimar as relações
SEED-PR, 2009, p. 364-365). externas da vida do homem em sociedade”.
A partir do trecho citado, assinale o que for correto. d) “calcada na arbitrariedade individual, em que as
01) A República proposta pressupõe a renúncia à pessoas buscam entrar num Estado Civil, em
liberdade política dos homens. consonância com o direito natural, no qual ele – o
02) O consentimento que funda a República não é mera súdito – tem direito sobre a sua vida, a sua liberdade e
passividade, mas exige aceitação e participação na os seus bens”.
comunidade política.
04) A República é como um indivíduo que governa o 16. Que seja portanto ele a considerar-se a si mesmo,
conjunto ou a assembleia dos contratantes. que quando empreende uma viagem se arma e procura
08) Essa noção de República funda-se na transferência
do direito de autogoverno em nome da assembleia, que ir bem acompanhado; que quando vai dormir fecha suas
terá por missão preservar a união de todos. portas; que mesmo quando está em casa tranca seus
16) O pacto social que funda a República não se faz cofres; e isso mesmo sabendo que existem leis e
entre indivíduos, mas de cada indivíduo com o restante funcionários públicos armados, prontos a vingar
do corpo político. qualquer injúria que lhe possa ser feita.
(HOBBES. Leviatã. Trad. J. P. Monteiro e M. B. N. da Silva. São
14. (UEM 2008) Thomas Hobbes explica a origem da Paulo: Abril Cultural, 1974. p. 80.)
sociedade e do Estado mediante a ideia de um pacto ou O texto de Hobbes diverge de uma ideia central da
acordo entre os indivíduos para regulamentar o filosofia política de Aristóteles. Assinale a alternativa
convívio social e garantir a paz e a segurança de todos.
que identifica essa ideia aristotélica.
Sobre a teoria política de Thomas Hobbes, assinale o
que for correto. a) É inerente à condição humana viver segundo as
01) Segundo Thomas Hobbes, no estado de natureza, o condições adversas do estado de natureza.
comportamento dos homens é pacífico, o que é b) A sociabilidade se configura como natural aos seres
condição para instauração do pacto de respeito mútuo humanos.
às liberdades individuais. c) Os homens, no estado civil, perdem a bondade
02) Segundo Thomas Hobbes, no estado de natureza, o originária do homem natural.
homem dispõe de toda liberdade e poder para realizar
tudo quanto sua força ou astúcia lhe permitir. d) A insociável sociabilidade é característica imanente
04) Segundo Thomas Hobbes, o Estado é a unidade às ações humanas.
formada por uma multidão de indivíduos que
158
19
e) O Estado é incapaz de prover a segurança dos GABARITO
súditos.
QUESTÕES
17. (UEM 2016) “Este poder soberano pode ser 1. c
adquirido de duas maneiras. Uma delas é a força natural,
como quando um homem obriga os seus filhos a 2. b
submeterem-se e a submeterem os seus próprios filhos 3. a
à sua autoridade, na medida em que é capaz de os
destruir em caso de recusa. Ou como quando um
homem sujeita através da guerra os seus inimigos à sua QUESTÕES HOBBES
vontade, concedendo-lhes a vida com essa condição. A
outra é quando os homens concordam entre si em se 1. e
submeterem a um homem, ou a uma assembleia de 2. e
homens, voluntariamente, confiando que serão
protegidos por ele contra os outros. Esta última pode 3. d
ser chamada uma república política, ou por instituição. À 4. d
primeira pode chamar-se uma república por aquisição”.
HOBBES, T. “Leviatã” in MARÇAL, J. Antologia de textos 5. c
filosóficos. Curitiba: SEED, 2009, p. 366).
A partir do texto citado, assinale o que for correto. 6. a
01) O poder soberano aqui é tão somente o do monarca 7. c
absoluto que detém os poderes de vida e de morte dos
seus súditos. 8. a
02) República política é a instituição fundada pelo 9. b
acordo dos homens em assembleia, gerando a confiança
de que eles serão protegidos por esta instituição. 10. a
04) O poder soberano se contrapõe ao poder paterno, 11. e
visto que este ocupa a autoridade perante os
descendentes de uma família, tanto filhos quanto netos. 12. d
08) O poder também teria uma natureza política 13. 02/04/08/16
quando fundado sobre o consentimento dos membros
de uma comunidade, que fazem um pacto e delegam 14. 02/04
esse poder a um homem que irá protegê-los dos seus 15. a
inimigos.
16) República por aquisição é a instituição conquistada 16. b
por meio de guerra, sujeitando os inimigos ao poder 17. 2/8/16
soberano.
159
20
RACIONALISMO E EMPIRISMO 1.1 O espírito mecanicista
A dúvida metódica
167
8
D) o cartesianismo tem aspirações modestas e recusa a 16) O princípio primeiro da filosofia de Descartes está
possibilidade de fundar um conhecimento certo e no pensamento individual que fundamenta a existência
indubitável. humana.
E) a filosofia de Descartes pretende passar todo
12. (UEM 2016) “Há já algum tempo eu me apercebi
conhecimento pelo crivo da dúvida apenas para de que, desde meus primeiros anos, recebera muitas
assegurar a veracidade da tradição metafísica que a falsas opiniões como verdadeiras, e de que aquilo que
precedeu. depois eu fundamentei em princípios tão mal
assegurados não podia ser senão muito duvidoso e
10. (UEM 2013) “Há já algum tempo dei-me conta de incerto; de modo que me era necessário tentar
que, desde meus primeiros anos, recebera muitas falsas seriamente, uma vez em minha vida, desfazer-me de
opiniões por verdadeiras e de que aquilo que depois eu todas as opiniões a que até então dera crédito, e
fundei sobre princípios tão mal assegurados devia ser começar tudo novamente desde os fundamentos, se
apenas muito duvidoso e incerto; de modo que era quisesse estabelecer algo de firme e de constante nas
preciso tentar seriamente, uma vez em minha vida, ciências. [...] Agora, pois, que meu espírito está livre de
desfazer-me de todas as opiniões que recebera até então todos os cuidados, e que consegui um repouso
em minha crença e começar tudo novamente desde os assegurado numa pacífica solidão, aplicar-me-ei
fundamentos, se eu quisesse estabelecer alguma coisa seriamente e com liberdade em destruir em geral todas
de firme e de constante nas ciências.” as minhas antigas opiniões”.
(DESCARTES, R. Meditações sobre a filosofia primeira. In: DESCARTES, R. Meditações metafísicas in MARCONDES, D.
MARÇAL, J. Antologia de textos filosóficos. Curitiba: SEED, 2009, p. Textos básicos de filosofia. Rio de Janeiro: Zahar, 2007, p. 74.
153). Com base no texto citado, assinale o que for correto.
A partir do texto citado, assinale o que for correto. 01) Para Descartes, muitas opiniões que recebeu são
01) A verdadeira ciência ou conhecimento verdadeiro falsas visto que não foram elaboradas pelo método que
deve refutar toda e qualquer crença ou religião. está propondo, mas a partir de pressupostos duvidosos
02) O início do processo filosófico de descoberta da e incertos.
verdade começa com a instauração da dúvida. 02) Para Descartes, o primeiro momento do processo
04) O espírito de investigação filosófica busca alicerces de obtenção da verdade é o questionamento das
firmes, que não foram dados pelo modo como se opiniões que se tem.
adquiria o conhecimento até então. 04) Para Descartes, é necessário libertar o espírito das
08) A dúvida sobre o conhecimento que se tem decorre ideias falsas, para que elas não atrapalhem a obtenção
das opiniões e dos saberes mal apreendidos na escola. da verdade.
16) Os alicerces firmes do conhecimento devem estar 08) Descartes está fazendo uma crítica à sua formação
além das opiniões das autoridades acadêmicas. escolar, que era muito ruim na França do século XVII,
pois estudou em colégios de religiosos.
11. (UEM 2015) “Porém, logo em seguida, percebi que, 16) Para Descartes, nunca haverá tranquilidade no
ao mesmo tempo que eu queria pensar que tudo era espírito, pois sempre se estará questionando o
falso, fazia-se necessário que eu, que pensava, fosse conhecimento que se tem.
alguma coisa. E, ao notar que esta verdade: eu penso,
logo existo, era tão sólida e tão correta que as mais
extravagantes suposições dos céticos não seriam
capazes de lhe causar abalo, julguei que podia
considerá-la, sem escrúpulo algum, o primeiro princípio
da filosofia que eu procurava.”
(DESCARTES, René. Discurso do método. São Paulo: Nova
Cultural, 2004, p. 62).
A partir do texto citado, assinale o que for correto.
01) A intenção primeira da filosofia de Descartes era a
refutação dos céticos.
02) Descartes buscava um fundamento seguro
racionalmente para elaborar sua filosofia.
04) “Eu penso, logo existo” era uma afirmação
extravagante dos céticos.
08) Descartes sempre pensou que tudo era falso,
inclusive a ideia “eu penso, logo existo”.
168
9
2. BARUCH SPINOSA 2.1 Deus como eixo fundamental
A ordem geométrica
O primeiro trabalho
escrito por Spinoza (1632- A obra-prima spinoziana, a Ethica, como diz o
1677) foi o Breve tratado sobre próprio subtítulo "ordine geometrico demonstrata",
Deus, sobre o homem e sua tem um esquema de exposição calcado no dos
felicidade, elaborado talvez Elementos de Euclides, ou seja, segue um
em torno de 1660. procedimento que se desenvolve segundo definições,
Sua obra-prima é a axiomas, proposições, demonstrações e explicações.
Éthica, iniciada em torno de Trata-se do método indutivo-geométrico, em parte já
1661 (que constituiu o utilizado por Descartes e bastante apreciado por
trabalho de toda a vida do Hobbes, mas que Spinoza leva às últimas
filosofo) e publicada consequências.
postumamente em 1677, Por que nosso filosofo escolheu esse método,
juntamente com o Tratado sobre a emenda do intelecto, um precisamente ao tratar da realidade suprema de Deus e
Tratado politico e as Cartas. do homem, que são objetos para os quais os
A única obra publicada com o próprio nome procedimentos matematizantes pareceriam
por Spinoza foi uma exposição em forma geométrica demasiadamente restritos e inadequados?
dos Princípios de filosofia de Descartes, à qual foram É a pergunta que se colocam todos os
agregados Pensamentos metafísicos. intérpretes, dado que esse método, em sua translúcida
Já o Tratado teológico-político, que suscitou grande clareza formal, muitas vezes não revela, mas até oculta
celeuma e acesas polêmicas, foi publicado as motivações do pensamento spinoziano, a ponto de
anonimamente (em 1670) e com falsa indicação do local alguns terem acreditado resolver o problema pela raiz,
de impressão. tentando dissolver a ordem geométrica de sua rigidez
A cultura de Spinoza era notável e as fontes de formal e estendê-la em um discurso continuado. Uma
sua inspiração muito variadas: a filosofia tardio-antiga, solução absurda, porque a escolha de Spinoza não teve
a Escolástica (especialmente a judaica medieval de uma motivação única, mas razões múltiplas.
Maimônides e de Avicebron), a Escolástica dos séculos Procuremos identificar as principais. Esta claro,
XVI-XVII, o pensamento renascentista (Giordano entretanto, contra o que Spinoza pretendeu reagir ao
Bruno e Leio Hebreu) e, entre os modernos, sobretudo adotar o método geométrico. Ele queria rejeitar:
Descartes e Hobbes. a) o procedimento silogístico abstrato e
Mas essas fontes foram fundidas em urna extenuante, próprio de muitos escolásticos;
poderosa e nova síntese, que assinala uma das etapas b) os procedimentos inspirados nas regras
mais significativas do pensamento ocidental moderno. retóricas próprias do Renascimento;
Os antigos gregos consideravam a coerência entre a c) o método rabínico da exposição
doutrina e a vida de um filósofo como a mais excessivamente prolixa.
significativa prova de credibilidade de urna mensagem O estilo de Descartes e, em geral, o gosto pelo
espiritual. procedimento científico próprio do século 17
E os filosofos gregos deram os mais admiraveis influenciaram grandemente Spinoza em sentido
exemplos dessa coerência. Ora, Spinoza alcançou positivo.
plenamente o paradigma dos antigos: sua metafisica está Todavia, o método e o procedimento adotados
em perfeita consonância com sua vida (em muitos por Spinoza na Ethica não constituem um simples
aspectos, como teremos oportunidade de ver mais revestimento extrínseco (ou seja, formal), não sendo
adiante, ele pode ser considerado como estóico também explicáveis como simples concessão à um
moderno). modismo intelectual. Corn efeito, os nexos que
Como veremos, ele pregou como meta suprema do explicam a realidade, como a entende Spinoza (como
itinerario filosofico a visão das coisas sub specie aeternitatis, que logo veremos), são expressão de uma necessidade
é urna visão capaz de libertar o homem das paixões e racional absoluta. Posto Deus (ou a Substância), tudo
dar-lhe um estado superior de paz e tranquilidade. E, daí "procede" com o mesmo rigor com que, posta a
como nos dizem unanimemente os contemporâneos de natureza do triângulo tal como se expressa em sua
Spinoza, a paz, a tranquilidade e a serenidade foram a definição, todos os teoremas relativos ao triângulo daí
marca de toda a sua existência. "procedem" rigorosamente, não podendo deixar de
O sentido de sua filosofia está na compreensão proceder. Assim, se, suposto Deus, tudo é "dedutível"
pura e distanciada do entender, despojado de toda corn esse mesmo rigor absoluto, então, segundo
perturbação e de toda paixão. Spinoza, o método euclidiano mostra-se o mais
adequado.
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Além disso, esse método oferece a vantagem de Descartes, todas as coisas criadas so podem existir
possibilitar o distanciamento emocional do objeto à medida que são sustentadas pela potência de Deus.
tratado e, portanto, uma objetividade desapaixonada, Descartes, porém, procurou sair dessa aporia,
isenta de perturbações alógicas e arracionais. E isso introduzindo um segundo conceito de substância,
favorecia grandemente a realização daquele ideal que segundo a qual também as realidades criadas (tanto as
nosso filósofo se propusera: ver e fazer ver todas as pensantes como as corporeas) podem ser consideradas
coisas acima do riso, do pranto e das paixões, à luz do substâncias "enquanto são realidades que, para existir,
puro intelecto. necessitam somente do concurso de Deus ".
É evidente a ambiguidade da solução cartesiana,
O Deus de Espinosa - A centralidade do problema porque não se pode dizer coerentemente
da substância a) que substiincia é aquilo que, para existir, não
necessita de mais nada a não ser de si mesmo e
As definições com as quais a Ethica inicia, b) que também são substâncias as criaturas que,
contem quase que inteiramente os fundamentos de sua para existir, necessitam apenas do concurso de Deus.
filosofia, centrados na nova concepção da "substância", Com efeito, as duas definições formalmente se chocam.
que determina o sentido de todo o sistema.
A questão relacionada com a substância é, Unicidade da substancia
fundamentalmente, uma questão relacionada com o ser
(que é a questão metafísica por excelência). Portanto, retomando essa linha, Spinoza extrai
Aristóteles já escrevia que a eterna pergunta “o as consequências extremas: só existe uma única
que é o ser?” equivale à questão “o que é a substância?”, substância, que é precisamente Deus.
e que, portanto, a resposta para a questão da substância É evidente que o originário (o absoluto, como
é a resposta ao máximo dos problemas metafísicos. diriam os românticos), o fundamento primeiro e
A concepção de Spinosa sobre a substância é a supremo, precisamente por ser tal, é aquilo que não
mais radical que já se propôs em campo filosofico. Com remete a nada mais além de si, sendo, portanto,
efeito, dizia Aristoteles, tudo aquilo que existe é autofundamento, causa de si, "causa sui". E tal realidade
substância ou afecções da substância. Também Spinoza não pode ser concebida senão como necessariamente
repete: “Nada é dado na natureza além da substância e existente.
de suas mudanças”. Todavia, para a metafísica antiga, as E se a substância é "aquilo que é em si e é
substâncias eram múltiplas e hierarquicamente concebida por si mesma", ou seja, aquilo que não
ordenadas. Mesmo apresentando teorias sobre a necessita de nada mais além de si mesma para existir e
substância completamente diferentes das clássicas e ser concebida, então a substância coincide com a causa
escolásticas, o próprio Descartes pronunciou-se a favor sui (a substiincia é aquilo que não necessita de nada mais
da existência de uma multiplicidade de substâncias. além de si mesma, precisamente porque é causa ou
Spinoza prossegue nessa linha, mas dela tira as razão de si mesma).
consequencias extremas. A substância é "aquilo que Aquilo que para Descartes eram substâncias em
existe em si e existe concebido por si mesmo" e, uma sentido secundário e derivado, ou seja, res cogitans e res
vez que “todas as coisas ou existem em si ou existem extensa em geral, tornam-se para Spinoza dois dos infinitos
em outro”, então além de Deus não pode haver nem se "atributos" da substância, ao passo que os simples
conceber nenhuma substincia. pensamentos, as simples coisas extensas e todas as
Tudo aquilo que existe, com efeito, existe em manifestações empíricas tornam-se afecções da
Deus, e nada pode existir nem ser concebido sem Deus. substância, "modos", ou seja, coisas que estão na
substância e que só podem ser concebidas por meio da
As ambiguidades do conceito cartesiano de substância.
substância Devemos destacar ainda em que sentido ela
coincide com Deus: "Entendo por Deus um ser
Descartes entrara flagrantemente em absolutamente infinito, isto é, uma substância
contradição. Com efeito, de um lado, insistiu em constituida de uma infinidade de atributos, cada qual
considerar a res cogitans e a res extensa como substâncias deles expressando uma essência eterna e infinita".
(e, portanto, tanto as almas como os corpos), mas a Essa substância-Deus é livre, no sentido de que
definição geral de substância por ele apresentada não existe e age por necessidade de sua natureza; e é eterna,
podia concordar com essa admissão. porque sua essência envolve necessariamente sua
Com efeito, nos Principios de filosofia, havia existência.
definido a substância como aquilo que, para existir, não Tudo isso está contido nas oito definições
necessita de mais nada senão de si mesma. Entretanto, supremas da Ethica de Spinoza (a que acenamos antes).
assim entendida, só a realidade suprema pode ser E a visão da realidade em que se baseia é a de que Deus
substância, ou seja, Deus, porque, como diz o próprio é precisamente a única substância existente, e de que
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"tudo o que existe, existe em Deus, pois sem Deus nada esquemas geométricos - como observam certos
pode existir nem ser concebido" e de que "tudo aquilo intérpretes -, mais do que revelar, ocultam, ou seja,
que acontece, acontece unicamente pelas leis da exatamente aquele Deus bíblico que tinha nele
natureza infinita de Deus e decorre da necessidade de profundas raízes ancestrais.
sua essência". Mas isso nos levaria a um terreno de pura
É evidente que, com essa impostação, as investigação teorética. Contudo, esse é um ponto
demonstrações da existência de Deus não podem ser fundamental a considerar para se compreender
outra coisa senão variações da prova ontológica. Com Spinoza: a "necessidade" é apresentada como a solução
efeito, não é possível pensar Deus (ou a substância) de todos os problemas.
como causa sui, sem pensá-lo como necessariamente Efetivamente, depois dos estóicos, Spinoza foi
existente. Alias, nessa perspectiva, Deus é aquilo de cuja o pensador que mais acentuadamente apontou a
existência estamos mais certos do que da existência de compreensão da necessidade como o segredo que dá
qualquer outra coisa. sentido à vida. E Nietzsche, com sua doutrina do amor
fati, levara esse pensamento às extremas consequtncias.
Deus e a “necessidade”
Os atributos
O Deus de que fala Spinoza é o Deus bíblico
sobre o qual ele havia concentrado seu interesse desde Já acenamos acima para os “atributos” e os
a juventude, mas profundamente contraído nos “modos” da substância. Agora, devemos explicar do
esquemas da metafísica racionalista e de certas que se trata.
perspectivas cartesianas. Não é um Deus dotado de A substância (Deus), que é infinita, manifesta e
"personalidade", ou seja, de vontade e de intelecto. exprime sua própria essência em infinitas formas e
Conceber Deus como pessoa, diz Spinoza, significaria maneiras, que constituem os “atributos”.
reduzi-lo a esquemas antropomórficos. À medida que, todos e cada um, expressam a
Analogamente, o Deus spinoziano não "cria" infinitude da substincia divina, os "atributos" devem ser
por livre escolha algo que é diferente de si e que, concebidos “em si mesmos”, ou seja, cada um
precisamente como tal, poderia também não criar. Não separadamente, sem a ajuda do outro, mas não como
é "causa transitiva", mas sim "causa imanente", sendo, entidades estanques (são diferentes, mas não
portanto, inseparavel das coisas que dele procedem. separados), pois só a substância é entidade em si e para
Deus não somente não é Providência, no si.
sentido tradicional, mas é a necessidade absoluta, Portanto, é evidente que todos e cada um desses
totalmente impessoal. Dada a sua natureza (que atributos são eternos e imutáveis, tanto em sua essência
coincide com a liberdade no sentido spinoziano que como em sua existência, enquanto expressões da
explicamos, ou seja, no sentido de que sé é dependente realidade eterna da substância.
de si mesmo), Deus é necessidade absoluta de ser. E é Nós, homens, conhecemos apenas dois desses
necessidade absoluta no sentido de que, colocando-se atributos infinitos: o "pensamento" e a "extensão".
esse Deus-substância como causa sui, dele procedem Spinoza não apresentou uma explicação
necessaria e intemporalmente, ou seja, eternamente adequada dessa limitação. Mas a razão é evidente, e é de
(analogamente ao que acontece na processão carater histórico-cultural: são essas as duas substâncias
neoplatônica), os infinitos atributos e os infinitos criadas (res cogitans e res extensa) reconhecidas por
modos que constituem o mundo. As coisas derivam Descartes e que, pelas razões que explicamos, Spinoza
necessariamente da essência de Deus (como já reduz a atributos.
dissemos), assim como os teoremas procedem
necessariamente da essência das figuras geométricas. A O atributo é "aquilo que o intelecto
diferença entre Deus e as figuras geométricas está no percebe na substdncia como constitutivo
fato de que estas últimas não são causa sui e, portanto, a de sua essência" e que deve ser concebido
derivação geométrico-matemática permanece uma por si. A substância divina tem infinitos
"analogia" que ilustra algo que, em si mesmo, é mais atributos, e todo atributo é por si infinito,
complexo. mas a mente humana conhece apenas
Foi nessa necessidade de Deus que Spinoza encontrou dois: o pensamento e a extensao.
aquilo que procurava: a raiz de toda certeza, a razão de
tudo, a fonte de uma tranquilidade suprema e de uma Além disso, Spinoza proclamou teoricamente a
paz total. igual dignidade dos atributos. Mas, enquanto capaz de
Naturalmente, tratar-se-ia de ver se o Deus que pensar a si mesmo e o diferente de si, o atributo
lhe deu verdadeiramente aquela imensa paz é "pensamento" deveria ser distinto de todos os outros
precisamente aquele que se expressa nos esquemas atributos, precisamente pelo fato de que tal caráter
geométricos da Éthica, ou então se é um Deus que os
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constitui privilégio. Mas ele não se propôs esse Spinoza sustenta que aquilo que segue a
problema, que teria levantado numerosas dificuldades natureza de um atributo de Deus, que é infinito, só pode
internas e o teria obrigado a introduzir uma hierarquia ser um modo também infinito e que, portanto, aquilo
e, portanto, uma ordem vertical, ao passo que ele visava que é finito só pode ser determinado por "um atributo,
a uma ordem horizontal, ou seja, total igualdade dos enquanto é modificado por uma modificação que é
atributos, pelo motivo que logo veremos. finita e tem existência determinada". O infinito só gera
Ao invés de privilegiar o pensamento, Spinoza o infinito e o finito é gerado pelo finito.
estava preocupado em elevar a extensão e "divinizá-la". Mas uma coisa fica inexplicada: o modo como
Com efeito, se a extensão é atributo de Deus e expressa nasceu um finito, no âmbito da infinitude da substância
(como cada um dos outros atributos) a natureza divina, divina, que se explicita em atributos infinitos,
Deus é e pode ser considerado uma realidade extensa. modificados por modificações infinitas.
O que não significa em absoluto que Deus seja Com efeito, para Spinoza, toda determinação é
"corpo" (como dizia Hobbes, por exemplo), mas negação, e a substincia absoluta, que é ser absoluto, ou
apenas que é "espacialidade": com efeito, o corpo não é seja, o absolutamente positivo e afirmativo, é tal que
um atributo, mas um modo finito do atributo da não se deixa "determinar", ou seja, "negar", de modo
espacialidade. nenhum.
Isso implica a elevação do mundo e sua Essa é a maxima aporia do sistema spinoziano,
colocação em posição teórica nova, pois, longe de ser da qual deriva toda uma série de dificuldades, mas que
algo contraposto a Deus, é algo que se prende (corno é necessário enfocar bem, precisamente para
veremos melhor mais adiante) de modo estrutural a um compreender de maneira adequada o resto do sistema.
atributo divino.
Deus e o mundo
Os modos
Com base no que explicamos, o que Spinoza
Além da substância e dos atributos, há também os entende por Deus é a "substância" com seus atributos
"modos", como já assinalamos. Deles Spinoza (infinitos); já o mundo é dado pelos "modos", por todos
apresenta a seguinte definição: "Entendo por modo os modos, infinitos e finitos. Mas estes não existem sem
impressões da substância, ou seja, aquilo que existe em aqueles; portanto, tudo é necessariamente determinado
outra coisa, por meio da qual também é concebido". pela natureza de Deus e não existe nada contingente
Sem a substância e seus atributos, o "modo" não (como já vimos).
existiria e nós não poderiamos concebê-lo: com efeito, O mundo é a "consequência" necessária de
ele só existe e só é conhecido em função daquilo de que Deus. Spinoza também chama Deus de natura naturans,
é modo. o mundo de natura naturata. Natura naturans é a causa,
Mais propriamente, dever-se-ia dizer que os ao passo que natura naturata é o efeito daquela causa,
"modos" procedem dos "atributos", e que são que, porém, não está fora da causa, mas é tal que
determinações dos atributos. Mas Spinoza não passa mantém a causa dentro de si. Pode-se dizer que a causa
imediatamente dos "atributos" infinitos aos "modos" é imanente ao objeto e também, vice-versa, que o
finitos, mas admite "modos" também infinitos, que objeto é imanente à sua causa, com base no princípio
estão entre os atributos (por sua natureza infinitos) e os de que "tudo está em Deus".
modos finitos. Agora, estamos em condições de entender por
O "intelecto infinito" e a "vontade infinita", por que Spinoza não atribui a Deus o intelecto, a vontade e
exemplo, são "modos infinitos" do atributo infinito do o amor. Com efeito, Deus é a substância, ao passo que
pensamento, ao passo que o "movimento" e a intelecto, vontade e amor são "modos " do pensamento
"quietude" são "modos infinitos" do atributo infinito da absoluto (que é um "atributo"). Tanto entendidos como
extensão. Outro modo infinito é também o mundo "modos infinitos" quanto como "modos finitos", eles
como totalidade ou, como diz Spinoza, "a face de todo pertencem A natura naturata, isto é, ao mundo.
o universo, que permanece sempre a mesma, apesar de Portanto, não se pode dizer que Deus projete o
variar em infinitos modos". mundo com o intelecto, que o queira com um ato de
Chegando a esse ponto, poderíamos esperar de livre escolha ou que o crie por amor, porque essas coisas
Spinoza uma explicação sobre a origem dos "modos são "posteriores" a Deus, dele procedendo: não são o
finitos", ou seja, a explicação de como ocorre a originário, mas o consequente. Atribuir essas coisas a
passagem do infinito ao finito. Deus significa trocar o plano da natureza naturante pelo
Isso, porém, não ocorre; Spinoza introduz de da natureza naturada.
repente a série dos finitos, dos modos e das Deus (e, portanto, a Natura naturans) é causa
modificações particulares, dizendo simplesmente que imanente e não transcendente, e como nada mais existe
eles derivam uns dos outros. além de Deus, pois tudo está nele, então está fora de
dúvida que a concepção spinoziana pode ser chamada
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“panteísta” (= tudo é Deus ou manifestação necessária Deus é realidade pensante; analogamente, os corpos
de Deus nos modos explicados). derivam de Deus, enquanto Deus é realidade extensa.
O que significa que Deus gera os pensamentos só como
2.2 A doutrina do paralelismo – relação mente e pensamento e gera os modos relativos à extensão só
corpo como realidade extensa. Em suma, um atributo de Deus
(e tudo aquilo que se encontra na dimensão desse
Como vimos, nós conhecemos apenas dois dos atributo) não atua sobre outro atributo de Deus (sobre
atributos infinitos de Deus: a) a extensio; b) o aquilo que se encontra na dimensão deste outro
pensamento. atributo).
Assim, nosso mundo é um mundo constituído Spinoza tem agora a possibilidade de resolver o
pelos "modos" desses dois atributos: grande problema do dualismo cartesiano de modo
a) pela série dos "modos" relativos a extensão; brilhantíssimo. Visto que cada atributo, como sabemos,
b) pela série dos "modos" relativos ao expressa a essência divina de igual modo, então a série
pensamento. dos modos de cada atributo deverá necessaria e
a) Os corpos são "modos" determinados do perfeitamente corresponder à série dos modos de cada um
"atributo" divino da extensão (e, portanto, expressão dos outros atributos. Em particular, a ordem e a série
determinada da essência de Deus como realidade das ideias deverão corresponder necessaria e perfeitamente
extensa). à ordem dos modos e das coisas corpóreas, porque
b) Os pensamentos singulares, por seu turno, são tanto em um como em outro caso se expressa
"modos" determinados do "atributo" do pensamento inteiramente a essência de Deus vista sob diversos
divino (expressão determinada da essência de Deus aspectos.
como realidade pensante). Existe, portanto, perfeito paralelismo, que consiste
Recordemos que, para Spinoza, "pensar" e em perfeita coincidência, enquanto trata da mesma
"pensamento" têm significado muito amplo, não indicam realidade vista sob dois diferentes aspectos: "ordem e
uma simples atividade intelectual, e incluem o desejar e o conexão das ideias é o mesmo que ordem e conexão das
amar, bem como todos os varios movimentos da alma e coisas".
do espirito. Em função desse paralelismo, Spinoza
O intelecto e a mente constituem o "modo" interpreta o homem como união de alma e corpo. O
mais importante, ou seja, o "modo" que condiciona os homem não é uma substância e muito menos um
outros "modos" de pensar. atributo, mas é constituído "por certas modificações dos
Assim, também a ideia (que, para Spinoza, é atributos de Deus", ou seja, "por modos do pensar",
conceito ou atividade da mente) tem lugar privilegiado com a proeminência do modo que é a ideia, e "por
no contexto da atividade geral do pensamento. modos da extensão", ou seja, pelo corpo, que constitui
Mas, devido à estrutura da ontologia spinoziana, o objeto da mente. A alma ou mente humana é a ideia ou
longe de ser uma prerrogativa apenas de mente humana, conhecimento do corpo. A relação entre mente e corpo
a idéia tem (como o "atributo" de que é "modo") as é constituida por um paralelismo perfeito.
raízes na essência de Deus, que, aliás, deve ter não só a
ideia de si mesmo mas também a ideia de todas as coisas 2.3 O conhecimento
que dele procedem necessariamente: "Em Deus, dá-se
necessariamente a ideia tanto de sua essência quanto de Toda ideia é objetiva no sentido de que tem uma
todas as coisas que procedem necessariamente de sua correspondência na ordem das coisas (dos corpos). Não
essência. " existem, portanto, ideias falsas e ideias verdadeiras em
A antiga concepção do "mundo das ideias" absoluto, mas apenas ideias e conhecimentos mais ou
(que, criada por Platão, foi retomada e reapresentada de menos adequados. Ora, Spinoza individua três graus de
vários modos na Antiguidade, na Idade Média e no conhecimento:
Renascimento) adquire aqui significado inteiramente 1) a opinião e a imaginação, ligadas às
novo e insólito, destinado a permanecer único. Com percepções sensoriais e às imagens, sempre confusas e
efeito, as "ideias" e os "ideados", ou seja, as "ideias e as vagas, mas utilíssimas no plano prático;
"coisas correspondentes", não têm entre si relações de 2) o conhecimento racional, próprio da ciência,
paradigma-cópia ou de causa-efeito. Deus não cria as que encontra sua expressão típica na matemática, na
coisas segundo o paradigma de suas próprias ideias, porque geometria e na física;
não cria de modo algum o mundo no significado tradicional, dado 3) o conhecimento intuitivo, que consiste na
que este "procede" necessariarnente dele. Por outro visão das coisas em seu proceder de Deus e, mais
lado, nossas ideias não são produzidas em nós pelos exatamente, procede da ideia adequada dos atributos de
corpos. Deus para a ideia adequada da essencia das coisas.
A ordem das ideias corre paralela à ordem dos Os três gêneros de conhecimento são
corpos: todas as ideias derivam de Deus, enquanto conhecimentos das mesmas coisas, e o que os diferencia
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é apenas o nivel de clareza e distinção (mínimo no à inadequação da ideia. E, considerando-se o fato de que,
primeiro grau, notavel no segundo, máximo no para Spinoza, mente e corpo são a mesma coisa vista
terceiro). sob duas faces diversas, as duas definições de paixão
A consideração das coisas como "contingentes" acima examinadas concordam entre si. Por isso, é
é uma espécie de ilusão da imaginação, enquanto é explicável a definição conclusiva: "[...] o afeto, chamado
próprio da razão considerar as coisas como aflição do espirito, é uma ideia confusa através da qual
"necessárias" sob certa especie de eternidade; o terceiro a mente afirma uma força de existir do seu corpo, ou de
grau de conhecimento, por fim, capta a necessidade das parte dele, maior ou menor do que aquela que afirmava
coisas em Deus sob a mais perfeita especie de Tudo existe antes e, dada a qual, a própria mente é determinada a
eternidade. pensar mais isto do que aquilo".
Nesse contexto, não há lugar para uma vontade Como força da natureza (se permanecermos em
livre: a mente não é causa livre das próprias ações, mas seu plano), as paixões são irrefreáveis e uma gera a outra
é determinada a querer isto ou aquilo por uma causa que com lógica matemática.
por sua vez é determinada por outra, e assim ao infinito. Dessa análise, que poderia parecer impiedosa,
Experiência e razão mostram que os homens crêem que Spinoza extrai uma conclusão eticamente positiva. Se
são livres apenas porque são conscientes das próprias imaginarmos que são livres as ações dos outros homens
ações, e ignorantes das causas pelas quais são que consideramos nocivas, então somos levados a odiá-
determinadas. los; mas, se sabemos que elas não são livres, então não
os odiaremos ou os odiaremos muito menos (pois
2.4 A ética consideraremos as ações deles no mesmo nivel da pedra
Análise geométrica das paixões que cai ou de qualquer outro acontecimento natural
necessário).
As paixões, os vicios e as loucuras humanas são Além disso, Spinoza chega inclusive a ponto de
interpretadas por Spinoza segundo um procedimento dizer que "o ódio se acresce pelo ódio recíproco", mas,
geométrico, ou seja, do mesmo modo pelo qual dos ao contrário, pode "ser destruído pelo amor". É
pontos, das linhas e dos planos se formam os sólidos, e perfeitamente compreensivel que o ódio gere o ódio e
destes derivam necessariamente os teoremas relativos. o amor o extinga. Mas, se é verdadeira a inexorável
No seu modo de viver, o homem não é uma concatenação das causas, de que fala Spinoza, como
exceção na ordem da natureza, mas apenas a confirma. pode um homem responder ao ódio com o amor? Ele
As paixões não se devem à "fraquezas" e "fragilidades" só poderia admití-lo (e isso foi bem destacado pelos
do homem, a "inconstência" ou "impotência" de seu estudiosos) se admitisse um componente de liberdade
espirito. Ao contrário, devem-se à potencia da natureza que, embora seja firmemente negado, na verdade,
e, como tais, não devem ser detestadas e censuradas, contra as intenções do autor, está presente em várias
mas sim explicadas e compreendidas, como todas as partes da Ethica.
outras realidades da natureza. Com efeito, por toda
parte a natureza é una e idêntica em sua ação e, A tentativa de pôr-se “além do bem e do mal”
portanto, também único deve ser o modo de estudá-la
em todas as suas manifestações. O jogo das paixões e dos comportamentos
Spinoza entende as paixões como resultantes da humanos aparece sob luz totalmente diversa, segundo
tendência a perseverar no próprio ser por duração Spinoza, se percebermos que não existem na natureza
indefinida, tendência que é acompanhada pela "perfeição" e "imperfeição", "bem" ou "mal" (ou seja,
consciência, ou seja, pela respectiva ideia. Quando a valor e desvalor), assim como não existem fins, dado que
tendência se refere apenas à mente, chama-se vontade; tudo acontece sob o signo da necessidade mais rigorosa.
quando se refere também ao corpo, chama-se apetite. "Perfeito" e "imperfeito" são visões, ou seja, modos
Aquilo que favorece positivamente a tendência (finitos) do pensamento humano que nascem da
a perseverar no próprio ser e a incrementa chama-se comparação que o homem institui entre os objetos que
alegria; o contrário chama-se dor. E dessas duas paixões ele produz e as realidades que são próprias da natureza.
basilares brotam todas as outras. Em particular, Com efeito, "perfeição" e "realidade" são a mesma coisa.
chamamos de "amor" a sensação de alegria Assim, não devemos dizer de nenhuma
acompanhada da ideia de uma causa externa suposta realidade natural que ela seja "imperfeita". Nada daquilo
como razão para essa alegria, e chamamos de "ódio" a que existe carece de algo: é aquilo que deve ser, segundo
sensação de dor acompanhada da ideia de uma causa a série de causas necessirias.
externa considerada como causa dela. O “bem” e o “mal” também não indicam nada
É de modo análogo que Spinoza deduz todas as que existe ontologicamente nas coisas consideradas em
paixões do espirito humano. Todavia, nosso filosofo si, objetivamente, mas também são "modos de pensar"
também fala de "paixão" como de uma ideia confusa e e noções que o homem forma, comparando as coisas
inadequada. A passividade da mente devese precisamente entre si e referindo-as a ele mesmo.
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Em suma: toda consideração de caráter mesmo, não enquanto infinito, mas enquanto pode ser explicado
finalístico e axiológico é banida da ontologia de mediante a essência da mente humana, considerada sob a espécie
Spinoza, que, alias, considera que alcança a "libertação" da eternidade. Ou seja, o amor intelectual da mente por Deus é
e a consecução do objetivo a que se propunha uma parte do amor infinito com o qual Deus ama a si mesmo. "
precisamente por meio de tal eliminação. Mais uma vez, encontramos Sócrates e a Estoá
Com base na concepção das "paixões" acima no pensamento de Spinoza, quando ele nos diz que a
expostas e na visão do homem essencialmente radicada bem-aventurança que experimentamos nesse supremo
na conservação e no incremento do seu próprio ser, só conhecimento intelectivo é não só a virtude, mas
resta a Spinoza concluir que aquilo que se pode chamar também é o único e supremo prêmio da virtude. Em outros
corretamente de bem é somente o útil, e mal é o seu termos: para Spinoza, a virtude tem seu prêmio em si mesma.
contrário: “Entendo por bom aquilo que sabemos com O amor intelectual por Deus é a visão de todas as coisas
certeza que é útil para nós. Já por mau entendemos aquilo sob o signo da necessidade (divina) e a aceitação alegre
que sabemos com certeza que nos impede de possuir o bem (ou de tudo aquilo que acontece, precisamente porque tudo
seja, o útil)”. Consequentemente, a “virtude” torna-se o que acontece depende da necessidade divina.
tãosomente a consecução do útil, e “vício” é o contririo.
Portanto, quando os homens seguem a razão, não 2.5 A religião
só alcançam seu próprio útil, mas também o útil de
todos: o homem que se comporta segundo a razão é o As ideias filosóficas de Spinosa não deixavam
que há de mais útil para os outros homens. Spinoza espaço para a religião a não ser em plano claramente
chega até a dizer que o homem que vive segundo a diferente do plano da filosofia (ou seja, da verdade), que
razão "é um Deus para o homem". se desdobra exclusivamente aos níveis do segundo e do
terceiro gêneros do conhecimento (ou seja, ao nível de
O conhecimento como libertação das paixões razão e de intelecto).
Ao contrário, segundo Spinosa, a religião
Sócrates já havia dito que vício é ignorância e permanece no nível do primeiro gênero de
virtude é conhecimento. Essa tese, nos modos mais conhecimento, em que predomina a imaginação. Os
variados, havia sido reafirmada ao longo de toda a profetas, autores dos textos biblicos, não se destacam
filosofia greco-pagã. Spinoza a repropõe em termos pelo vigor do intelecto, mas pelo poder da fantasia e da
racionalistas. imaginação, ao passo que o conteúdo de seus escritos
Eis um dos textos mais eloquentes dentre os não é feito de conceitos racionais, mas de imagens
muitos que podemos ler na Éthica, no qual revelam-se vividas.
particularmente evidentes os ecos socráticos e estóicos: Além disso, a religião visa a obter a obediência,
"Não sabemos com certeza que alguma coisa é boa ou má senão ao passo que a filosofia (e somente ela) visa à verdade.
enquanto leva realmente ao conhecimento ou pode impedir o nosso Tanto isso é verdade que os regimes tirânicos valem-se
conhecimento. " abundantemente da religião para atingir seus objetivos.
Mas a retomada dessas antigas teses clássicas Do modo como é professada na maioria dos
assume novo sentido no contexto spinoziano. Com casos, a religião é alimentada pelo temor e pela
efeito, para nosso filósofo a paixão é uma ideia confusa. superstição. E a maioria dos homens resumem seu
Portanto, a paixão deixa de ser paixão "tão logo credo religioso nas práticas de culto, tanto é verdade
formemos dela uma ideia clara e distinta". que, se formos atentar para a vida que a maioria leva,
Diz Spinoza: clarifica tuas ideias e deixarás de não saberemos identificar de que credo religioso são
ser escravo das paixões. O verdadeiro poder que liberta seguidores.
e eleva o homem é a mente, e, portanto, o Na realidade, diz Spinoza, os seguidores das
conhecimento. Esta é a verdadeira salvação. varias religiões vivem aproximadamente do mesmo
modo.
Deus como a causa de tudo O objetivo da religião, portanto, é o de levar o
povo a obedecer à Deus, honrá-lo e serví-lo.
A terceira forma de conhecimento, a da intuição
intelectiva, que consiste em entender todas as coisas 2.6 Estado como garantia de liberdade
como procedentes de Deus (ou seja, como modos de
seus atributos). Essa forma de conhecimento é saber as Spinoza foi um incansavel defensor do Estado
coisas em Deus e, portanto, um saber a si mesmo em de direito. O Estado de direito que Spinoza reconstruiu
Deus. E quando nós compreendemos que Deus é causa teoricamente parte de pressupostos muito próximos
de tudo, tudo nos dá alegria e tudo produz amor a Deus. aos de Hobbes. Com efeito, ele fala de “direito” e de
Eis a célebre proposição em que Spinoza define “leis” naturais, no sentido de que, por sua natureza, todo
o amor intelectual a Deus: "O amor intelectual da mente por Indivíduo é determinado a existir e operar de certo
Deus é o proprio amor de Deus, com o qual Deus ama a si modo, e que esse comportamento é necessário.
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16
Analogamente, devido à sua constituição, os 2. Leia com atenção o texto a seguir.
homens, sujeitos a paixões e iras, são “inimigos por A virtude é a própria potência do homem, que se define
natureza”. exclusivamente pela essência dele [...], isto é [...], que se
Mas, em virtude do seu desejo de viver e de ficar define exclusivamente pelo esforço que o homem faz
o mais possivel ao abrigo de contínuos conflitos, os
homens estipulam um pacto social. Ainda mais que, para perseverar em seu ser. Logo, quanto mais alguém
sem a ajuda mutua, eles não poderiam viver se empenha em conservar seu ser e tem poder para tal,
confortavelmente nem cultivar seu espírito. mais é dotado de virtude. O contrário acontece [...], na
O pacto social, portanto, origina-se da utilidade medida em que alguém desdenha conservar seu ser, e
que dele deriva, e nela se fundamenta. Entretanto, o por isso é impotente.
Estado para o qual são transferidos os direitos na (ESPINOSA, B. Ética. In: MARCONDES, D. (org.). Textos
constituicão do pacto social não pode ser o Estado básicos de ética: de Platão a Foucault. Rio de Janeiro: Jorge
absolutista de que fala Hobbes. Alguns direitos do Zahar, 2007, p. 75)
homem são inalienaveis, porque, renunciando a eles, o É INCORRETO dizer que, para Espinosa,
homem renuncia a ser homem. A) o ser humano que é virtuoso age conforme a
O fim do Estado não é a tirania, e sim a natureza.
liberdade. O fato de o filósofo da "absoluta B) o conceito de virtude liga-se ao de autoconservação.
necessidade" metafísica se apresentar como o teórico da C) os homens, para alcançar a virtude, devem superar a
liberdade política e religiosa constitui uma aporia que muitos sua tendência natural por meio do hábito.
já observaram. D) os homens são virtuosos por essência.
Mas a defesa da liberdade religiosa e do Estado E) um ser humano age contra a própria utilidade
liberal tem raízes existenciais em Spinoza: banido da somente sob a influência de causas externas que o
comunidade dos judeus e privado de vínculos de todo corrompem.
tipo, nada mais restava a ele se não o Estado que lhe
deixou a liberdade de viver e de pensar. 3. (UEM 2013) Diz Spinoza: “Proposição XXX:
E foi precisamente tal Estado que ele quis Nenhuma coisa pode ser má pelo que tem de comum
teorizar. Pode-se dizer até que, paradoxalmente, só com nossa natureza, mas é má para nós na medida em
mesmo naquele Estado que garantia plena liberdade ele que nos é contrária. Demonstração: Chamamos mau o
pôde pensar o sistema da absoluta necessidade. que é causa de Tristeza, isto é, o que diminui ou reduz
nossa potência de agir. Se portanto uma coisa, pelo que
tem de comum conosco, fosse má para nós, essa coisa
QUESTÕES poderia diminuir ou reduzir o que tem de comum
conosco, o que é absurdo. Coisa alguma portanto pode
1. Em Espinosa o jogo das paixões, dos ser má para nós pelo que tem de comum conosco, mas,
comportamentos humano, bem como a questão do ao contrário, na medida em que é má, isto é, na medida
Bem e do Mal, se nos aparece sob luz inteiramente em que pode diminuir ou reduzir nossa potência de agir,
diversa do que comumente poderíamos deduzir. ela nos é contrária.”
(Giovanni Reale) (Spinoza, in MARCONDES, Danilo. Textos básicos de Filosofia.
Rio de Janeiro: Zahar, 2007, p. 93).
Quando o autor diz que Espinosa trata o problema do A partir do texto é correto afirmar:
Bem e do Mal de maneira inteiramente diversa, 01) Segundo o filósofo, é absurdo que uma coisa má
podemos entender que: tenha algo de comum conosco.
a) Adotando o cristianismo afasta-se do judaísmo, seu 02) As coisas são consideradas más em função de sua
berço teológico e moral. própria natureza.
b) A justa concepções religiosas e laicas de moralidade, 04) As coisas más não reduzem a nossa potência de agir.
08) A tristeza é causada pelos efeitos das coisas más.
criando algo novo e inusitado.
16) O filósofo demonstra a contrariedade entre
c) Trata-se de uma questão de imoralidade radical. natureza humana e maldade.
d) O Bem o e o Mal não existem, o que existe são as
inclinações humanas baseadas em suas paixões, que são
naturais.
e) O Bem existe e o Mal não passa de um artifício psico-
religioso para intimidar o ser humano, fazendo com o
mesmo renuncie aos aspectos dionisíacos da existência.
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3. BLAISE PASCAL Pascal, isso não é válido para as matérias que são objeto
de experiência e de raciocínio: "aqui a autoridade é
Blaise Pascal nasceu inútil; so a razão tem condições de conhecê-las. Elas
na França em 1623 e foi um têm os seus direitos separados; lá, a autoridade tinha a
gênio muito precoce, supremacia; aqui, por seu turno, domina a razão".
inclinado à matematica e à E onde dominam a experiência e a razão deve
ciência. Com apenas 16 anos haver progresso: a inteligêcia "tem toda a liberdade para
escreveu um Tratado das se expandir: sua inexaurível fecundidade produz
cônicas, muito apreciado, mas continuamente, e suas invenções podem ser ao mesmo
que se perdeu; com 18 anos tempo infinitas e ininterruptas".
inventou a “máquina aritmética”, a primeira máquina Afirma Pascal que, assim, a geometria, a
calculadora, e com 23 inventou a experiência do vazio, aritmética, a música, a física, a medicina, a arquitetura e
demonstrando que todos os fenômenos até então todas as ciências que dependem da experiência e do
atribuídos ao vazio são, ao contrario, causados pelo raciocinio devem se desenvolver: "Os antigos as
peso do ar. encontraram apenas esboçadas por aqueles que os
Em 1646, em um periodo de convalescência do precederam, e nós as deixaremos para os que vierem
pai, Pascal entrou em contato com dois médicos que o depois de nós em um estado mais avançado do que as
fizeram conhecer as obras do abade de Saint-Cyran, tivermos recebido."
pelas quais ele se converteu e “foi conduzido a Deus” As verdades teológicas e as verdades que
junto com toda a sua familia: é a “primeira conversão” obtemos com o raciocinio e a experiência são, portanto,
de Pascal, e seu primeiro contato com Port-Royal. diferentes: eternas as primeiras, progressivas as
Em 1651 morreu o pai, seu único verdadeiro segundas; dom de Deus as primeiras, fruto da atividade
mestre. Depois de breve “período mundano”, atingido humana as segundas; encontráveis nos textos sagrados
entre outras coisas por uma cefaleia quase insuportável, as primeiras, resultados da engenhosidade humana, de
Pascal foi atingido na noite de 23 de novembro de 1654 provas racionais e de experimentos as segundas.
por uma profunda iluminação religiosa, e escreveu um É preciso deixar intactas as verdades reveladas
famoso Memorial, esta foi a “segunda conversão”, e fazer progredir continuamente as verdades humanas.
seguida pela decisão de deixar toda atividade mundana.
Morreu em 19 de agosto de 1662.
3.1 Demarcação entre ciência e fé O método ideal
As verdades
O saber científico, portanto, é autônomo e
No fragmento do prefácio ao projetado Tratado diverso das verdades de fé: estas, além do mais, são
sobre o vácuo, Pascal traça com impressionante lucidez a imutáveis, ao passo que as verdades científicas estão e
demarcação entre ciências empíricas e teologia, devem estar em expansão.
especificando os respectivos métodos de base e Escreve Pascal nos Pensamentos: “A fé é diferente
delineando as respectivas características do discurso da demonstração; esta é humana, a outra é dom de
científico e do teológico. Deus. [...], mas essa fé está no coração e não nos faz
Antes de mais nada, Pascal ataca o princípio de dizer sei, e sim creio.”
autoridade na pesquisa racioanl. Dar valor unicamente E o ideal do saber, é exposto por Pascal no
à autoridade dos livros antigos é, sem dúvida, um escrito Sobre o espírito geometrico e sobre a arte do persuadir. O
defeito. Ele, porém, não pretende pôr de lado tal defeito que é preciso fazer para tornar convincentes nossas
apenas para introduzir outro em seu lugar, isto é, o de demonstrações?
achar que o raciocinio é sempre e em toda parte o único Pois bem, Pascal responde a essa interrogação
valor. Com efeito, há âmbitos nos quais é obrigatorio o afirmando que nossas demonstrações só poderão ser
recurso ao texto, como, por exemplo, na atestação de convincentes sob a condição de respeitarmos o método
fatos historicos e geográficos, e sobretudo para aquilo da geometria. Para dizer a verdade, mesmo esse
que se refere a religião. método, como logo veremos, também encontra limites.
A realidade é que os princípios da fé "estão Por essa razão, um método ainda mais eminente e
acima da natureza e da razão. E a mente humana, como perfeito - mas que, no entanto, é impossivel praticar –
é muito fraca para nos fazer chegar até lá apenas com deveria consistir em duas coisas principais: “Uma seria
seus esforços, só pode alcançar essas sublimes verdades não usar nenhum termo cujo sentido não se tenha
quando levada a elas por uma força onipotente e explicado claramente antes. A outra seria nunca
sobrenatural ". enunciar qualquer proposição que não seja
Na teologia, portanto, o princípio de autoridade demonstrada com verdades já conhecidas. Em suma,
(a referência ao texto em que estão contidas as verdades isso significa definir todos os termos e provar todas as
de fé reveladas) é legítimo e necessário. Mas, precisa proposições.”
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Ora, como comenta Pascal, esse método seria alcançar as primeiras verdades conhecidas, a geometria
belo, mas é impossível: “Com efeito, é evidente que os se detêm e pede que elas sejam aceitas, pela razão de
primeiros termos que se quisesse definir pressuporiam que ela não tem nada de mais claro para prová-las: desse
termos anteriores que servissem para sua explicação e, modo, “tudo aquilo que a geometria propõe é
da mesma forma, as primeiras proposições que se perfeitamente demonstrado, por luz natural ou por
quisesse demonstrar pressuporiam outras precedentes. prova”. E a luz natural dá certezas.
Desse modo, fica claro que nunca se chegaria aos Existem, portanto, "verdades que estão ao
primeiros termos e proposições. Assim, levando as nosso alcance", verdades naturais sabidas por todos,
pesquisas sempre mais adiante, chega-se como, por exemplo, a de que "o todo é maior do que
necessariamente a palavras primitivas que não podem uma sua parte", a partir das quais, uma vez
mais ser definidas, e a principios tão claros que não se reconhecidas, podemos ter infalivelmente conclusões
encontram outros que sejam mais claros para servir de persuasivas.
prova deles.” E, pelo que foi dito, o método ideal que reallza a
Com isso, fica claro que “Os homens são “arte do persuadir” consiste em três partes essenciais:
naturalmente e imutavelmente impotentes para tratar 1) definir, por meio de definições claras, os
de qualquer ciência com ordem absolutamente termos dos quais devemos nos servir;
completa”. 2) propor princípios ou axiomas evidentes
Entretanto, essa impotência para definir todos os como fundamento da prova;
termos e para demonstrar todas as proposições não deve 3) na demonstração, sempre substituir
nos fazer desesperar, pois, embora não seja possível um mentalmente os termos definidos pelas definições.
método perfeito e completo, é possível outro, "inferior" Na opinão de Pascal, essas três partes essenciais
ao idealizado; é "menos convincente, mas não porque são explicitadas por um conjunto de regras que,
seja menos certo". respectivamente, dizem respeito às definições, aos axiomas
Trata-se do método da geometria: “Ele não e às demonstrações.E as regras essenciais entre todas são
define tudo e não prova tudo, e nisso é inferior ao outro as seguintes:
método; entretanto, supõe somente coisas claras e "Regras necessárias para as definições. Não admitir
constantes pela luz natural, sendo por isso nenhum termo um pouco obscuro ou equívoco sem
perfeitamente verdadeiro, já que é sustentado pela definição. Nas definições, usar somente termos
natureza, na falta de demonstração”. perfeitamente conhecidos ou já explicados.
Portanto, trata-se de fazer com que nossas Regras necessárias para os axiomas. Nos axiomas,
demonstrações - se elas quiserem ser convincentes - enunciar somente coisas evidentes.
tenham como premissas verdades evidentes para todos, Regras necessárias para as demonstrações. Provar
como fala Descartes na sua filosofia. todas as proposições, usando somente os axiomas
Assim, a ordem ou método geométrico, "o mais evidentíssimos em si mesmos ou proposições já
perfeito para todos os homens, não consiste em definir demonstradas ou admitidas. Nunca abusar da
ou demonstrar tudo, e nem consiste em não definir ambiguidade dos termos, deixando de substituir
nada ou não demonstrar nada, mas sim em manter-se mentalmente as definições que os restrinjam ou
na justa medida de não definir as coisas claras e expliquem o sentido".
compreendidas por todos os homens e definir todas as
outras, e de não provar as coisas já conhecidas dos O “espírito intuitivo”
homens e provar todas as outras. Contra tal ordem
pecam igualmente aqueles que pretendem tudo definir Portanto, é esse o ideal do saber para Pascal. Mas
e tudo provar, e aqueles que deixam de fazê-lo nas não devemos de modo algum passar por alto o fato de
coisas que não são evidentes por si mesmas". que ele é precisamente um ideal. A argumentação é
E esse, precisamente, é o procedimento convincente se, de premissas evidentes em si mesmas,
indicado pelo método geométrico, que não define deduzimos corretamente as consequências.
coisas como o espaqo, o tempo, o movimento, o Naturalmente, Pascal é de opinião que uma
número, a igualdade, a maioria, a diminuição e muitas mente vigilante e atenta, não ofuscada por desejos e
coisas semelhantes, "porque esses termos designam tão paixões, está em condições de intuir.
naturalmente as coisas que significam, para aqueles que Como podemos ler nos Pensamentos, o espírito
comprendem a língua, que a clarificação que se poderia geométrico é relativo a princípios que, por assim dizer,
tentar acabaria por produzir mais obscuridade do que "são palpáveis", e "seria preciso ter mesmo urna mente
esclarecimento". completamente falseada para raciocinar mal sobre
A natureza supriu a limitação de ter que definir e princípios tão rudimentares que é quase impossivel que
demonstrar tudo, dando-nos de certas coisas "um nos escapem". Mas, "na mentalidade intuitiva, os
entendimento mais claro do que aquele que a arte nos princípios pertencem ao uso comum e estão sob os
apresenta com as suas explicações". Sendo assim, ao olhos de todos. Não é necessário nada mais além de
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prestar atenção a eles, sem muito esforço; basta 3.2 Grandeza e miséria da condição humana
somente uma boa vista, mas que seja verdadeiramente
boa, pois os princípios são tão tênues e tão numerosos Segundo Pascal, como para Montaigne, o objeto
que é quase impossível que alguém deixe de escapar. por excelência da filosofia é o homem, e a reflexao
Ora, a omissão de um princípio leva ao erro; por isso, é sobre o homem leva imediatamente a consideraqao de
preciso ter a vista bem clara, para ver todos os que a grandeza e a dignidade do homem consistem no
princípios, mas também ter urna mente equilibrada, pensamento.
para não raciocinar falsamente sobre os princípios A grandeza do homem está, portanto, também
conhecidos". no reconhecer-se mísero, e Pascal dirige a atenção sobre
A realidade do homem é um "prodigio" a miséria ontológica da condição humana. O homem é
complexo, enigmático, contraditório, profundo, e rico um nada em relação ao infinito, e um todo em relação
de infinitos aspectos: trata-se de uma realidade que ao nada, e algo intermediário entre o nada e o todo.
escapa aos esforços mais tenazes e aos reiterados A grandeza e a miséria do homem estão
ataques da racionalização. firmemente reunidas, e este é o realismo trágico de
Só podemos produzir argumentações Pascal. O homem, apenas com suas forças, conseguirá
convincentes a partir de premissas certas. Mas as apenas compreender que é um monstro
premissas certas dos geômetras são "grosseiras", ou incompreensível, mas não criar valores firmes e
seja, aquelas que, no fim das contas, não conseguem encontrar um sentido estável e verdadeiro da existência.
captar os lados mais ricos e interessantes da realidade e O homem, portanto, é uma criatura que caiu de
da vida. É preciso, portanto, o espírito intuitivo. seu posto sem poder reencontrá-lo, procurando-o por
Mas, para Pascal, também o espírito intuitivo todo lugar com inquietude e sem êxito: não podendo
tem forte valência normativa, pois também é um ideal curar a morte e a miséria, o homem decidiu nao pensar
regulador. nisso para tornar-se feliz, e escolheu o divertimento.
Com efeito, o homem frequentemente tende a O divertissement é fuga diante da visão lúcida
se enganar, a refutar a verdade, a conviver com o erro, da miséria humana, e aturdimento que faz divagar e
a entregar-se à mentira. "É uma doença natural do homem chegar inadvertidamente à morte. O divertimento é
acreditar que possui a verdade diretamente; disso decorre que está fuga de nós mesmos, de nossa miséria, mas é a nossa
sempre disposto a negar tudo o que lhe é incompreensivel". E máxima miséria, porque nos proíbe olhar para dentro
ainda: "[...]todos os homens são quase sempre levados a crer, não de nós mesmos e pensar. Apenas o pensamento leva à
pelo caminho da demonstração, mas pelo caminho do que lhes verdade essencial, motivo pelo qual o homem é
agrada". E, no seu livro Pensamentos, Pascal acrescenta: constitutivamente indigente e miserável, e é sobre a
"O homem é um ser cheio de erro: erro natural e não eliminável base desse reconhecimento que Pascal constroi sua
sem a graça. Nada lhe mostra a verdade. Tudo o engana". apologia do cristianismo.
A razão não é um dado de fato; é muito mais
um imperativo. Mas, mesmo quando ela alcança seus 3.3 A importância da razão
objetivos e nos põe diante de verdades válidas para
todos, das quais é possivel extrair consequências Fé e razão
também verdadeiras, nós percebemos que essas
verdades já não contam tanto assim. A razão é limitada; a vontade humana é
Há outros domínios e outras realidades, que o corrupta; o homem se descobre essencialmente
espírito matemático não pode alcançar, mas que são indigente e miserável; tenta fugir desse estado
alcançáveis através do espírito intuitivo, isto é, através mergulhando na confusão do divertimento; mas a
daquela "visão verdadeiramente boa", não obscurecida diversão revela-se uma miséria ainda maior, pois
por paixões e desejos. "A ciência das coisas exteriores não me obstaculiza o caminho da redenção para o homem. E a
consolará da ignorância da moral no tempo da aflição, mas a salvação não é fruto da ciência nem da filosofia:
ciência dos costumes sempre me consolará da ignorâcia das coisas “Submissão e reto uso da razão: nisso consiste o
exteriores". verdadeiro cristianismo”.
Além disso, as verdades ético-religiosas são A razão é impotente diante das verdades éticas
inteiramente estranhas à investigação científica, mas é e religiosas: "O supremo passo da razão esta em
precisamente delas que depende nosso destino e a elas, reconhecer que há uma infinidade de coisas que a
somente a elas, é que está ligado o sentido de nossa ultrapassam".
existência. A fé, além disso, não só não depende da razão,
Diz Pascal que as verdades divinas não são parte mas, em última análise, não depende sequer do homem,
da arte de persuadir, “porque estão infinitamente acima da porque é dom de Deus. Escreve Pascal: "Não penseis
natureza: só Deus pode infundi-las na alma, e do modo como que dizemos que ela é um dom do raciocínio. As outras
mais lhe agradar”. religiões não falam assim de sua fé, dão apenas o
raciocínio para que se chegue a ela; ele nunca a alcança.
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A fé é diferente da demonstração: esta é humana, aquela dificil: para que lado nos inclinaremos? Diremos que
é dom de Deus." Deus existe ou que não existe?
Falando a propósito das normas éticas, em seus Diz Pascal:
Ensaios Montaigne escreveu que "a regra das regras e a "Aqui a razão nada pode determinar: no meio do
lei geral das leis é que cada um observe a do lugar onde caminho há um caos infinito. Na extremidade dessa distância
se encontra". Pois bem, na opinião de Pascal essa regra infinita joga-se um jogo no qual sairá cara ou coroa. Em qual das
geral é uma flagrante demonstração do fato de que, com duas ireis apostar? Segundo a razão, não podeis apostar nem em
sua razão, os homens não conseguiram saber o que é a uma nem na outra, como também não podeis excluir nem uma
justiça. nem a outra. Portanto, não acuseis de erro quem escolheu, porque
Se a razão humana não conhece e não sabe não sabeis absolutamente nada".
avaliar a justiça, por si só ela tampouco pode chegar a É isso o que Pascal diz ao cético interlocutor
Deus. Por isso, “rir-se da filosofia significa filosofar imaginário. Todavia, este pode rebater:
verdadeiramente”. "Não, mas eu os censuro não por terem realizado tal
“O coração - e não a razão - é que sente Deus. escolha, mas por terem escolhido; porque, embora quem escolhe
E isto é a fé: Deus sensível ao coração e não à razão.” cara e quem escolhe coroa incorram no mesmo erro, ambos estão
“O coração tem razões que a própria razão, em erro. A única posição justa é não apostar de modo nenhum".
desconhece.” E Pascal retruca:
É uma experiência longa, contínua e uniforme "Sim, mas é preciso apostar: não é uma coisa que
que “nos convence sempre da nossa impotência para dependa de vossos desejos; vós vos comprometestes. O que
alcançar o bem com nossas forças”. Estamos sempre escolhereis, portanto? Como é preciso escolher, vejamos aquilo que
insatisfeitos, pois a experiência nos engana. E de menos vos interessa. Tendes duas coisas a perder: a verdade e o
infelicidade em infelicidade chegamos a uma morte sem bem; duas coisas a apostar no jogo: vossa razão e vossa vontade,
sentido. “Desejamos a verdade, mas só encontramos vosso conhecimento e vossa bem-aventurança; e vossa natureza
incerteza. Procuramos a felicidade, mas só encontramos deve fugir de duas coisas: do erro e da infelicidade. Vossa razão
miséria e morte. Somos incapazes de deixar de desejar não é atingida mais por uma escolha do que pela outra, ja que é
a felicidade e a verdade, mas também somos incapazes necessariamente preciso escolher. Eis uma questão liquidada.
de ter a certeza e a felicidade. Esse desejo nos é deixado, Mas, e vossa bem-aventurança? Vamos pesar o ganho e a perda,
seja como punição, seja para nos fazer sentir de que no caso de apostardes em favor da existência de Deus. Vejamos
ponto caímos”. estes dois casos: vencendo, ganhareis tudo; perdendo, não perdereis
Nossa razão é corrupta e nossa vontade é má. nada. Assim, apostai sem hesitar que ele existe".
Nenhuma coisa humana pode nos satisfazer. Somente É preciso escolher. E é racional escolher Deus,
Deus é nossa verdadeira meta. Efetivamente, “se o já que, escolhendo-se Deus, pode-se vencer tudo e nada
homem não é feito para Deus, então por que ele não é perder. Quais seriam os danos, supondo-se que a
feliz senão em Deus?” Além disso, “para ser verdadeira, escolha de Deus fosse urna escolha errada?
uma religião deve ter conhecido nossa natureza. Deve Afirma Pascal:
ter conhecido a grandeza e a pequenez, bem como a "Sereis fiel, honesto, humilde, reconhecido, benéfico,
causa de uma e de outra. E quem a conheceu senão a amigo sincero, verdadeiro. Para dizer a verdade, não vivereis mais
religião cristã?” Substancialmente, a fé cristã nos ensina nos prazeres pestiferos, na vaidade, nas delícias. Mas não tereis
apenas estes dois principios: “a corrupção da natureza outros prazeres? Eu vos digo que ganhareis nesta vida. E que, a
humana e a obra redentora de Jesus Cristo”. cada novo passo que fizerdes nesse caminho, percebereis tanta
O conhecimento da existência de Deus, certeza de ganho e tão pouco ou nenhum risco que, no fim das
portanto, é um dom de Deus. O verdadeiro Deus se dá contas, vereis que apostastes por uma coisa certa, infinita, pela
a conhecer por meio de Jesus Cristo. E as verdades de qual não haveis dado nada".
fé não podem ser descobertas e fundamentadas pela A fé é dom de Deus. Mas a razão pode mostrar
razão. Entretanto, a razão não fica de todo inativa em pelo menos que essa fé que supera a raziio não é
relação à fé. O exercício da razão é relevante para a fé, contrária à natureza humana. É uma fé que vem ao
antes de mais nada quando a razão, barrando a encontro da miséria humana, explicando-a e
perturbação do divertimento, lança luz sobre a miséria resolvendo-a.
humana. Em segundo lugar, também é a razão que pode Consequentemente, se a fé é dom de Deus,
avaliar em que medida a fé cristã pode explicar a miséria então, mais do que procurar aumentar o número das
do homem, dissolver as contradições que envolvem o provas da existência de Deus, há necessidade de
ser humano e dar sentido à existência humana. diminuir nossas paixões.
Em suma, é preciso tornar-se disponíveis para
Sobre a existência de Deus receber a graça, embora se possa pensar que o próprio
esforço moral de quem "busca gemendo" já é fruto de
Uma coisa é certa: Deus existe ou não existe. graça: “Nada compreendemos das obras de Deus se
Mas essa certeza propõe o problema mais urgente e
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não tomarmos por princípio o fato de que ele quis cegar a) o de "fim" ou de "causa final", juntamente
uns e iluminar outros”. com a visão teleológica geral (finalística) da realidade
A graça é necessária, porque a queda e a nossa sobre ele fundada;
natureza corrupta nos tornaram indignos de Deus. É b) o conceito de "substância", entendida no
Deus que se revela, mas o Deus que se revela é, ao sentido de "forma substancial", juntamente com a
mesmo tempo, um Deus escondido: "Ele ficou oculto respectiva visão ontológica da realidade.
sob o véu da natureza que o cobre, até a Encarnação. Pois bem, foram precisamente esses os
E, quando veio para ele o tempo de se mostrar, ocultou- conceitos que Leibniz retomou, reivindicando não
se ainda mais, cobrindo-se com a humanidade. Ele era apenas sua validade, mas também, em certo sentido, a
bem mais reconhecível quando estava invisível do que “perenidade”. E, além disso, mostrou a possibilidade de
quando se tornou visível. E, por fim, [...] decidiu sua conciliação com as mais significativas descobertas
permanecer no mais estranho e incompreensível dos “modernos” filósofos e cientistas.
segredo: as espécies eucarísticas". Leibniz descobriu que, na realidade, trata-se de
Jesus Cristo é a prova de Deus. E Deus “se perspectivas que se colocam em planos diferentes, que
oculta àqueles que o experimentam e se revela àqueles em si mesmas não apenas não se embatem, quando são
que o buscam, porque os homens são ao mesmo tempo entendidas em seu significado apropriado, mas também
indignos de Deus e capazes de Deus: indignos por sua podem ser oportunamente integradas entre si com
corrupção, capazes por sua natureza primitiva”. grande vantagem.
Toda a filosofia de Leibniz brota dessa
grandiosa tentativa de “mediação” e “síntese” entre
antigo e novo, tornada particularmente eficaz pelo
4. LEIBNIZ duplo conhecimento que ele possuia: de um lado, os
Gottfried Wilhelm filósofos medievais (Leibniz estudou não apenas os
Leibniz nasceu em Leipzig em escolásticos, mas tamétm Aristóteles e Platão); do
1646. Cursou filosofia em outro, o cartesianismo e os métodos da nova ciência.
Leipzig e matemática em Jena, Nessa tentativa de reconsiderar os antigos à
em 1666. luz dos modernos e fundir suas diferentes
Os últimos anos de sua instâncias reside a grandeza histórica e teórica de
vida foram amargados pela Leibniz.
polêmica suscitada em 1713 Examinemos mais minuciosamente a
pela Royal Society de Londres problematica do “finalismo” e a da “substância”, que o
sobre a prioridade da nosso filosofo pretende repropor e que, como veremos,
descoberta do cálculo infinitesimal (em que havia constituem o eixo central de todo o seu pensamento.
intensamente trabalhado), atribuida a Newton. Morreu
em 1716. O novo significado do finalismo
Suas obras mais importantes são: Discurso de
metafísica (1686), Novo sistema da natureza (1695), A explicação dos fenômenos que a nova ciência
Novos ensaios sobre o intelecto humano (1703), e o cartesianismo propunham era de caráter
Ensaios de teodiceia (1710), Princípios racionais da “mecanicista”, como vimos. Extensão e movimento
natureza e da graça (1714), Monadologia (1714). eram considerados causas suficientes para fornecer
explicasão adequada das coisas. A essa posição, que
4.1 A mediação entre filosofia antiga e moderna exclui claramente a consideração do fim, Leibniz opõe
O antigo e o novo nada menos que a concepção que Platão expõe no
Fédon, precisamente nas célebres páginas em que ele
A revolução científica, Bacon (que veremos relata sua “segunda navegação”, ou seja, sua descoberta
mais adiante) e, sobretudo, Descartes, haviam metafisica fundamental.
produzido na história do pensamento ocidental uma Leibniz considera que essas páginas platnicas se
reviravolta radical e decisiva, como já vimos adaptam admiravelmente a seu proporósito, parecendo
amplamente. Parecia até que não só as soluções, mas terem sido formuladas propositalmente “contra nossos
também as problemáticas da filosofia escolástica e da filósofos, muito materialistas”.
filosofia antiga tivessem se tornado obsoletas, a ponto Nestas paginas, por boca de Sócrates, Platão
de não poderem mais ser repropostas. Os parâmetros, critica Anaxágoras por ter prometido explicar todas as
os modulos e os métodos das ciências matemáticas e coisas em função da inteligência e da causa final, que é
fásicas pareciam doravante os únicos possiveis, também a causa do bem; todavia, depois critica o fato de ele ter
no âmbito da filosofia. faltado a sua promessa, recorrendo às habituais causas
De forma especial, dois conceitos pareciam físicas, mecânicas e materiais.
irremediavelmente comprometidos:
181
22
O fato, por exemplo, de Sócrates ter as pernas Portanto, obstinando-se em basear-se nas
feitas de ossos, músculos, tendões etc., explica ter ido “formas substanciais” ao explicar os fenômenos
ele para a prisão e lá somente do ponto de vista do científicos, os aristotélicos e os escolásticos caem em
movimento mecânico. A verdadeira causa (a suprema e evidentes absurdos, mas, ao mesmo tempo, os novos
última) é de tipo bem diferente: é a escolha moral do filósofos caem em excessos de tipo oposto ao negarem
bem e do melhor (Sócrates julgou bom obedecer as leis as formas substanciais, que continuam válidas em
e melhor sofrer a condenação e, consequentemente, outros âmbitos de explicação.
utilizou as causas "mecânicas" de suas pernas, seus
músculos e seus tendões). 4.2 Mecanicismo e o conceito de mônada
No Discurso de metafisica, Leibniz deixou no O grande erro de Descartes
manuscrito um espaço, com a evidente intenção de
traduzir e repor em circulação essas páginas de Platão, Do que foi dito até agora, torna-se claro que a
tendo-o feito efetivamente em outro lugar. E por várias complexa operação de "mediação" de Leibniz não se
vezes chamou a atenção sobre elas, tanto lhe eram limita a distinguir o plano do mecanicismo científico do
prementes. plano do finalismo filosófico e a sobrepor este àquele,
Todas as coisas se explicam não em função de mas vai bem mais além, tocando na própria base em que
suas componentes materiais, e sim em função da se fundamentava o mecanicismo.
inteligência soberana ordenadora segundo um fim Segundo Leibniz, extensão e movimento, figura
preciso. Tudo o que já dissemos é suficiente para e núimero são apenas determinações extrinsecas da
mostrar que, obviamente, não se trata de um simples realidade, que não vão além do plano da aparência, ou
“retorno” a Platão, mas de avanço ainda maior. seja, do fenômeno.
A explicação mecanicista dos fenômenos em A extenção (a res extensa cartesiana) não pode
Platão é de fato rejeitada, enquanto em Leibniz é ser a essência dos corpos, porque por si mesma não
amplamente valorizada, enquanto resulta coincidir com basta para explicar todas as propriedades corporeas. Por
o ponto de vista da ciência. Mas ele, ao mesmo tempo, exemplo, diz Leibniz, ela não explica a inércia, ou seja,
faz ver como apenas a consideração finalista esteja em a relativa resistência que o corpo opõe ao movimento,
grau de dar uma visão global das coisas (e, portanto, a ponto de ser necessária uma "força" para desencadear
verdadeiramente filosófica) e como a conciliação dos tal movimento. O que significa que existe algo que está
dois métodos é de grande vantagem para o próprio além da extensão e do movimento, que não é de
conhecimento científico e particular das coisas. natureza puramente geométrico-mecânica e, portanto,
física, e que, portanto, é de natureza metafísica, que é
O novo significado das formas substanciais precisamente a "força". É dessa força que derivam tanto
o movimento como a extenção.
Análogo é o raciocinio que Leibniz faz a A propósito disso, Leibniz acredita ter vencido
proposito da questão das "formas substanciais" e das Descartes pela descoberta de um "erro memoravel"
"substâncias". Erram os filósofos modernos ao cometido por este em termos de física. Com efeito,
lançarem descrédito sobre elas, porque elas são capazes Descartes sustentava que aquilo que permanece
de fornecer uma explicação geral (filosófica) da constante nos fenômenos mecânicos é a quantidade de
realidade, que as causas mecânicas não fornecem. Por movimento (mv = massa x velocidade). Leibniz, ao
outro lado, os filósofos antigos, particularmente os contrario, demonstra que isso é cientificamente
escolásticos e certos aristotélicos, também erraram, insustentiivel, pois o que permanece constante é a
como continuam errando aqueles que neles se inspiram, energia cinética, isto é, a “força viva”, como ele a chama,
ao pretender explicar com essas formas substanciais os expressa pelo produto da massa pela aceleração (massa
fenômenos particulares da física. x velocidade ao quadrado).
A distinção entre 1) o plano da explicação A correção de um erro de física de Descartes,
filosófica geral e 2) o plano da explicação científica portanto, leva Leibniz a uma conclusão filosófica muito
particular permite a Leibniz a mediação entre o ponto importante, ou seja, a de que os elementos constitutivos
de vista antigo e o moderno. Portanto, enquanto as da realidade (os fundamentos dela) são algo que está
causas mecânicas explicam os fenômenos particulares, acima do espaço, do tempo e do movimento, e que,
as formas substanciais fornecem uma explicação global portanto, se coloca no âmbito daquelas substâncias tão
segundo uma ótica diferente. depreciadas pelos "modernos". Desse modo, Leibniz
E cada uma destas explicações tem em seu reintroduz as substâncias entendidas como princípios
âmbito uma validade precisa. Resumindo, a chave para de força, como uma espécie de pontos metafísicos,
conciliar a filosofia antiga a nova consiste na rigorosa forças originárias.
distinção entre o âmbito propriamente filosófico e o Leibniz não chegou a essa solução de repente,
âmbito propriamente científico. mas através de intensa meditação sobre Descartes, que,
em um primeiro momento, levou-o a abandonar
182
23
Aristóteles, depois a uma fugaz superação de Descartes tempo como entidade absoluta é um "idolo" em sentido
pela aceitação do atomismo relançado por Gassendi e, baconiano que, como tal, deve ser descartado.
por fim, a uma recuperação do conceito aristotélico de Em suma, espaço e tempo não são realidades
substância, oportunamente repensado e em si mesmas, mas fenômenos consequentes à
redimensionado. existência de outras realidades.
Sucessivamente, Leibniz também adota Eis a definição mais concisa que Leibniz nos
novamente ele próprio o nome de "enteléquia", que deixou: "O espaço é a ordem que torna os corpos
indica a substância enquanto tem em si mesma sua situáveis e mediante a qual, existindo juntos, eles têm
própria determinação e perfeição essencial, ou seja, sua uma posição relativa entre si, do mesmo modo que o
própria finalidade interior. Mas o termo mais típico para tempo é uma ordem análoga em relação à sua posição
indicar as substâncias-forças primigênias seria o de sucessiva. Todavia, se não existissem criaturas, o espaço
"mônadas” (do grego monás, que significa "unidade"), e o tempo so existiriam nas ideias de Deus."
de gênese neoplatônica (e que Giordano Bruno havia Essa é uma etapa muito importante na
recolocado em circulação, embora com acepção discussão sobre a natureza fenomênica do espaqo e do
diferente). tempo. Aliás, é inclusive uma etapa indispensável para
compreender a “revolução” posterior que Kant
As consequências da descoberta de Leibniz realizará a esse respeito.
Antes, porém, de tratar da doutrina das As leis físicas como “leis da conveniência”
“mônadas”, devemos destacar algumas consequências
muito importantes que derivam de tudo o que Leibniz Se assim for, as leis elaboradas pela mecânica
estabeleceu. perdem seu caráter de verdades matemáticas, ou seja,
dotadas de veracidade lógica incontestável, para assumir
O espaço o caráter de "leis da conveniência", leis fundadas na
regra da escolha do melhor, segundo a qual (como
O "espaço" não pode coincidir com a natureza veremos mais adiante) Deus criou o mundo e as coisas
dos corpos, como queria Descartes. Para Leibniz, o do mundo.
"espaço" torna-se um fenômeno, ou seja, um modo em
que a realidade aparece para nós, embora não se trate Do mecanicismo ao finalismo
de mera ilusão, e sim de fenômeno fundante.
O espaqo é simplesmente a ordem das coisas Cai por terra a visão cartesiana do mundo e dos
que coexistem ao mesmo tempo, ou seja, algo que nasce corpos vivos como "máquinas" entendidas
da relação das coisas entre si. Portanto, não é uma mecanicisticamente. O mundo é, sim, como que
entidade ou propriedade ontologica das coisas, mas "grande máquina" em seu conjunto, como também são
resultado da relação que nós captamos entre as coisas. máquinas todos os organismos em particular, desde
Assim, é fenômeno fundante, porque se baseia suas partes menores. Mas a máquina do universo, assim
em efetivas relações das coisas entre si, mas não é um como as maquinas-partes, são a realização do querer
fenômeno porque em si mesmo não é ente real. Em divino, a concretização de uma "finalidade" desejada
conclusão, o espaço é um modo de aparecer subjetivo por Deus com a "escolha do melhor" (de que falaremos
das coisas, embora com fundamento objetivo (as adiante).
relações entre as coisas). O mecanicismo é apenas o modo por meio do
qual se realiza o "finalismo" superior. E assim, mais
O tempo uma vez, o mecanicismo se esfacela para dar lugar a um
finalismo superior.
Leibniz chega a conclusões análogas também
sobre o "tempo". O tempo não é realidade existente, 4.3 Os pontos fundamentais da metafísica
quase um como que transcorrer ontológico, um fluir monadológica
real, regular e homogêneo, mas sim um fenômeno
fundante. Tudo o que existe ou é uma simples mônada ou
Como o espaço é uma resultante fenomênica é um complexo de mônadas. As atividades
que brota da relação da coexistência das coisas, da fundamentais de toda mônada são duas: a percepção ou
mesma forma o "tempo" é a resultante fenomênica que representação, e a apetição ou tendência para
deriva da sucessão das coisas. O fundamento objetivo percepções sucessivas.
do tempo está no fato de que as coisas pre-existem, co- Leibniz distingue além disso entre a simples
existem e pós-existem, ou seja, se sucedem. E dai nós percepção e a apercepção, que é percepção
extraimos a ideia de tempo. Também a consideração do acompanhada por consciência e é propria apenas de
183
24
certas mônadas particulares, isto é, dos espíritos 4.5 A harmonia preestabelecida
inteligências.
Cada mônada representa todas as outras, ou As mônadas não têm janelas por meio das quais
seja, o universo inteiro, e é de fato um microcosmo; a algo possa entrar ou sair, ou seja, nenhuma mônada age
conexão total do universo, porém, é representada em sobre outra ou sofre a ação de outra. As várias mônadas
cada mônada apenas indistintamente. são, com efeito, estruturadas em geral de modo a extrair
É este o significado da formula leibniziana tudo de seu interior, razão pela qual aquilo que cada
segundo a qual o presente esta grávido do futuro: em uma extrai do próprio interior coincide com aquilo que
cada instante está presente a totalidade do tempo e dos outra extrai do próprio interior, com uma
eventos temporais. correspondência e harmonia perfeitas, queridas por seu
Cada mônada representa todo o universo com criador.
diferente (maior ou menor) distinção das percepções e O sistema da harmonia preestabelecida garante,
sob perspectiva diferente, e é justamente tal perspectiva portanto, a perfeita correspondência entre as
que torna cada mônada diversa de todas as outras. representações das várias mônadas e a realidade
Disso Leibniz tira seu principio de identidade dos externa. Deus é a verdadeira ligação de comunicação
indiscerníveis, segundo o qual não existem duas entre as substâncias, e é em virtude dele que os
substâncias indiscerníveis (absolutamente fenômenos de uma mônada concordam com os da
indiferenciadas), porque de outro modo elas seriam outra e que nossas percepções são objetivas e
uma única e idêntica substância. verdadeiras.
A diferente angulação segundo a qual as
mônadas representam o universo, e o diferente nivel de 4.6 Os dois grandes problemas metafísicos: por
consciência de suas representações, delineiam uma que existe o ser e por que existe assim e não de
hierarquia das mônadas, que das mônadas sem outra forma
percepção chega até a mônada das mônadas, a Deus,
em que todas as representações têm o nivel de clareza e Como consequência de tudo o que se disse até
consciência absolutas. aqui, Deus tem um papel absolutamente central no
Deus é, portanto, a mônada primitiva, a sistema leibniziano. É compreensivel, portanto, que ele
substância originária das mônadas e simples, enquanto tenha tentado fornecer diversas provas de sua
todas as outras mônadas são produzidas ou,"criadas" existência.
por Deus mediante fulgurações; uma vez criadas, A mais conhecida é a que se lê no escrito
depois as mônadas não podem perecer a não ser por Princípios racionais da natureza e da graça, ao qual nos
aniquilação por parte do próprio Deus que as criou. referiremos.
“Por que existe algo ao invés do nada?” Essa é
4.4 As mônadas e a constituição do universo a pergunta metafísica mais radical que o Ocidente já se
pôs. Para os antigos, era suficiente propor a questão de
A mônada é o principio de força e de atividade, modo mais atenuado: “O que é o ser?”. Contudo,
mas é atividade pura apenas em Deus. Em todas as depois que a metafisica assumiu o criacionismo bíblico,
outras mônadas a atividade é imperfeita, e isso constitui a questão se radicalizou, transformando-se
justamente sua “materialidade”. A "materia-prima” da precisamente nesta outra: “Por que existe o ser?”
mônada consiste nas percepções confusas que tem, e Em Leibniz, essa questão assume formulação
este é o aspecto passivo próprio da mônada. A particularmente cortante, até devido à vinculação que
corporeidade e a extenssão são a "matéria segunda", e ele faz com o "princípio da razão suficiente", por ele
aquilo que chamamos "corpos" são "agregações de tematizado pela primeira vez de modo completo e
mônadas. perfeito.
Toda substância corpórea é em geral um O princípio (ao qual voltaremos adiante)
agregado unificado por uma mônada superior, que estabelece que nada existe ou acontece sem que exista
constitui a enteléquia dominante; nos animais, esta (e que, portanto, se possa estabelecer) uma razão
enteléquia dominante é a alma, entendida como suficiente para determinar o fato de que uma coisa
principio de vida; no homem a mônada dominante é a ocorra, acontecendo assim e não de outra forma.
alma entendida como espírito. Assim, é evidente que, à luz desse princípio, a
As mônadas inferiores representam mais o pergunta sobre o ser só pode se tornar a mais clara:
mundo do que Deus, enquanto as substâncias a) “Por que existe algo e não o nada?”.
pensantes representam mais Deus do que o mundo e b) “Por que aquilo que existe é assim e não de
são destinadas a constituir a república geral dos espíritos outra forma?”.
sob o supremo Monarca, que é justamente Deus.
184
25
4.7 A solução 3) No que se refere ao mal físico, escreve
Leibniz: “Pode-se dizer que Deus muitas vezes o quer
a) A resposta de Leibniz ao primeiro quesito é como pena devida à culpa e outras vezes como meio
que a razão que explica o ser não pode ser encontrada adequado a um fim, isto é, para impedir males maiores
na série das coisas contingentes, porque, por definição, ou para alcançar maiores bens. A pena serve para a
toda coisa contingente sempre tem necessidade de uma correção e o exemplo. Frequentemente, o mal serve
razão ulterior, por mais que se vê adiante na série das para se apreciar melhor o bem e, algumas vezes,
causas. contribui para maior perfeição daquele que o sofre,
b) A resposta ao segundo quesito é formulada como o grão que é semeado se sujeita a uma espécie de
por Leibniz como a perfeição de Deus. As coisas são decomposição para germinar. Esta é uma bela
como são e não são de outra forma porque seu modo comparação da qual o proprio Jesus Cristo se serviu.”
de ser é o melhor modo possivel de ser. Muitos mundos Essa grandiosa concepção, que vê realizado nos
(muitos modos de ser) seriam em si mesmos possíveis seres (em cada um e em todos) o melhor daquilo que
(ou seja, não contraditórios); mas somente um, este era possível, constitui o “otimismo leibniziano”, que foi
nosso, foi criado. E, entre os muitos mundos possíveis, objeto de vivas discussões e polêmicas durante todo o
a razão suficiente que induziu Deus a escolher este é século 18.
que ele, perfeito, escolheu, entre todos os possíveis, o
mundo mais perfeito. 4.9 Deus como ser necessário
QUESTÕES DESCARTES
1. a
2. d
3. c
4. a
5. a
6. c
7. c
8. b
9. a
10. 2/4/16
11. 2/16
12. 1/2/4
QUESTÕES SPINOSA
1. d
2. c
3. 1/8/16
188
29
EMPIRISMO b) as interpretações da natureza, que derivam
ao contrário de uma pesquisa que se desenvolve a partir
das próprias coisas conforme os modos adequados.
1. FRANCIS BACON – CONHECIMENTO Ora, são as interpretações da natureza, e não as
(EMPÍRICO) É PODER antecipações, que constituem o verdadeiro saber,
obtido com o verdadeiro método, o qual é um Novum
O filósofo da era industrial organum, um instrumento novo e eficaz para alcançar a
Francis Bacon verdade. Trata-se, portanto, de seguir propriamente
(1561-1626) foi um duas fases:
parlamentar inglês que 1) a primeira consiste em limpar a mente de
se destacou como um falsas noções (idola) que invadiram o intelecto humano;
grande cientista. Ele 2) a segunda consiste na exposição e justificação
acreditava que ciência das regras do novo método.
deveria servir para o
progresso e bem-estar A teoria dos ídolos
das pessoas. Por isso,
para ele, conhecimento é poder. A primeira função da teoria dos ídolos é a de
Como era típico de sua época, era crítico de tornar os homens conscientes das falsas noções que
Aristóteles e contrário ao silogismo dedutivo, fruto da obscurecem sua mente e barram o caminho para a
mera argumentação abstrata. Para ele o conhecimento verdade.
deveria se fundar nas bases solidas do experimento, do Os gêneros de ídolos que assediam a mente são
método indutivo de investigação. quatro:
No Novum Organum, que é sua obra mais 1) os ídolos da tribo, fundados sobre a própria
conhecida, escreve Francis Bacon: natureza humana e dependentes do fato de que o
"É preciso considerar ainda a força, a virtude e os efeitos intelecto humano mistura sempre a própria natureza
das coisas descobertas, que não se apresentam tão claramente em com a das coisas, deformando-a e transfigurando-a. Isto
outras coisas como nestas três invenções, que eram desconhecidas é, não existem conexões entre a natureza do homem e
para os antigos e cuja origem, embora recente, é obscura e inglória: das coisas;
a arte da impressão, a pólvora e a bússola. Com efeito, essas três 2) os ídolos da caverna, que derivam do
coisas mudaram a situação do mundo todo, a primeira nas letras, indivíduo singular, e precisamente da natureza
a segunda na arte militar, a terceira na navegação; provocaram especifica da alma e do corpo do indivíduo singular, ou
mudanças tão extraordinárias que nenhum império, nem seita, então de sua educação e de seus hábitos, ou ainda de
nem estrela parece ter exercido maior influência e eficácia sobre a outros casos fortuitos. Ou seja, o indivíduo não deve
humanidade do que essas três invenções." analisar a natureza a partir de suas crenças particulares;
Se Galileu, entre outras coisas, teorizou a 3) os ídolos do foro ou do mercado,
natureza do método científico; se Descartes, entre dependentes dos contatos recíprocos do gênero
outras coisas, proporá uma metafísica que influenciou humano, que se insinuam no intelecto por via das
extremamente a ciência; Bacon, por seu turno, foi o combinações impróprias das palavras e dos nomes.
filósofo da era industrial, pois expressou de modo Com isso ele quer dizer que não se descobre o que a
muito eficaz e penetrante a influência das descobertas natureza é apenas conversando com os outros;
científicas sobre o delineamento da vida do homem, 4) os ídolos do teatro, que penetram na alma
com as consequências que delas derivam. humana por obra das diversas doutrinas filosóficas e
das péssimas regras de demonstração. Aqui ele nos
O método para alcançar o verdadeiro saber alerta para não acreditarmos em falsas ideias de
doutrinas filosóficas ou científicas.
Conforme Bacon, ciência e poder coincidem,
no sentido de que se pode agir sobre fen6menos apenas O objetivo da ciência
quando se conhecem suas causas. Para remediar os
defeitos do saber de seu tempo, tecido de axiomas Segundo Bacon, a obra e o fim da ciência
abstratos e de lógica silogística, Bacon propõe a humana consistem na descoberta da forma de uma
importante distinção entre: natureza dada. Sendo essa forma a causa formal, a única
a) as antecipações da natureza, que são que ele admite (diferentemente de Aristóteles que
noções tomadas de poucos dados habituais e sobre as admitia outras três causas: a material, a eficiente e a
quais a opinião comum facilmente dá seu próprio final), pelo que conhecer as formas das várias coisas ou
consentimento; “naturezas” significa penetrar nos segredos profundos
da natureza e tornar o homem poderoso sobre ela.
189
1
A ideia de forma aqui pressupõe os conceitos d) A filosofia de Francis Bacon preconiza uma forma
de: de saber superior, por meio da qual os homens sejam
a) Processo latente, que é o processo continuativo, capazes de transcender das coisas mundanas para a
a lei, que regula a geração e a produção do fenômeno. esfera divina. Atualmente, a proliferação de
b) Esquematismo latente, que é a estrutura, a movimentos espiritualistas no mundo ocidental atesta a
essência de um fenômeno natural. Em tal sentido, validade da filosofia baconiana, uma vez que sua
“compreender a forma” significa propriamente proposta está se efetivando.
compreender a estrutura de um fenômeno e a lei que e) A proposta de Francis Bacon não deve ser entendida
regula seu processo. isoladamente, mas, isto sim, em correspondência com
Somente tomando esses cuidados o homem as transformações culturais, econômicas, políticas e
estará apto a explorar os mistérios da natureza usando sociais que ocorriam em seu tempo. Por isso, não tem
o método correto, qual seja, o da experimentação, que valor para a atualidade, uma vez que esta é marcada por
consiste em fazer uma hipótese, testá-la, buscando a numerosos conflitos que atestam o pouco apreço que
maior quantidade de dados possível, e somente depois temos pelo conhecimento.
confirmar sua veracidade, podendo torná-la lei geral.
2. São de quatro gêneros os ídolos que bloqueiam a
mente humana. Para melhor apresentá-los, assinalamos
QUESTÕES os nomes: Ídolos da Tribo, Ídolos da Caverna, Ídolos
1. O saber, para Bacon, é apenas um meio mais do Foro e Ídolos do Teatro.”
BACON. Novum Organum..., São Paulo: Nova Cultural, 1999.
vigoroso e seguro para conquistar o poder sobre a
natureza e não tem valor apenas em si mesmo. [...] Por É correto afirmar que para Bacon:
outro lado, sua filosofia não pretende entregar o saber a) Os Ídolos da Tribo e da Caverna são os
ao homem como instrumento para o domínio dos conhecimentos primitivos que herdamos dos nossos
semelhantes; ao contrário, desejou que a ciência servisse antepassados mais notáveis.
à humanidade em geral, na sua permanente luta contra b) Os Ídolos do Teatro são todos os grandes atores que
a natureza, deixando de ser concebida simplesmente
nos influenciam na vida cotidiana.
como contemplação de uma ordem de coisas eternas e
perfeitas, supostamente criadas por um ser superior. c) Os Ídolos do Foro são as ideias formadas em nós por
ANDRADE, José Aluysio Reis de. Vida e obra. In: Bacon. São Paulo: Nova meio dos nossos sentidos.
Cultural, 2000. p. 12-13. (Os pensadores.)
O texto acima refere-se à tese desenvolvida pelo d) Através dos Ídolos, mesmo considerando que temos
filósofo inglês Francis Bacon (1561-1626), segundo a a mente bloqueada, podemos chegar à verdade.
qual saber é poder. e) Os Ídolos são falsas noções e retratam os principais
Assinale a alternativa que confronta corretamente esta motivos pelos quais erramos quando buscamos
concepção baconiana com questões sociais ou conhecer.
ambientais da época atual.
a) Francis Bacon defende o conhecimento como um
3. A imagem do homem que triunfa sobre a natureza
meio para melhorar a vida humana com a geração de
tecnologias que emancipem o homem do domínio da bruta é significativa para se pensar a filosofia de Francis
natureza. Esse modelo de relação entre homem e Bacon (1561-1626). Com base no pensamento de
natureza, porém, desenvolvido pela civilização Bacon, considere as afirmativas a seguir.
ocidental nos últimos séculos, resultou em graves I. O homem deve agir como intérprete da natureza para
desequilíbrios ecológicos. melhor conhecê-la e dominá-la em seu benefício.
b) A filosofia de Francis Bacon é responsável pelos II. O acesso ao conhecimento sobre a natureza depende
rumos econômicos, culturais e sociais da civilização
da experiência guiada por método indutivo.
ocidental. Por isso, devemos a esse filósofo inglês as
comodidades da vida contemporânea, como o III. O verdadeiro pesquisador da natureza é um homem
computador, o automóvel e tantos outros produtos que parte de proposições gerais para, na sequência e à
gerados pela tecnologia, e sem os quais nossa existência luz destas, clarificar as premissas menores.
seria impensável. IV. Os homens de experimentos processam as
c) Com sua tese de que saber é poder, Francis Bacon informações à luz de preceitos dados a priori pela razão.
defende uma sociedade marcada pela hierarquia do Assinale a alternativa correta.
conhecimento, isto é, uma divisão social em que os
intelectuais utilizem seu conhecimento para dominar os a) Somente as afirmativas I e II são corretas.
ignorantes. Essa, aliás, é a causa de muitos conflitos b) Somente as afirmativas II e IV são corretas.
sociais, políticos e culturais no mundo contemporâneo. c) Somente as afirmativas III e IV são corretas.
190
2
d) Somente as afirmativas I, II e III são corretas. a) Bacon estabelece que a melhor maneira de explicar
e) Somente as afirmativas I, III e IV são corretas. os fenômenos naturais é recorrer aos princípios inatos
da razão.
4. [...] é necessário, ainda, introduzir-se um método b) Através do conhecimento científico, o homem
completamente novo, uma ordem diferente e um novo aprende a aceitar o domínio dos princípios metafísicos
processo, para continuar e promover a experiência. Pois de causalidade sobre a natureza.
a experiência vaga, deixada a si mesma [...] é um mero c) O conhecimento da natureza depende do poder do
tateio, e presta-se mais a confundir os homens que a homem. Assim um rei conhece mais sobre a natureza
informá-los. Mas quando a experiência proceder de do que um pobre estudante.
acordo com leis seguras e de forma gradual e constante, d) Através da contemplação - observação – da natureza
poder-se-á esperar algo de melhor da ciência. o homem aprende a conhecê-la e, então, reúne
[...] condições para dominar a natureza.
A infeliz situação em que se encontra a ciência humana e) Devemos ser práticos e obedecer à natureza, pois o
transparece até nas manifestações do vulgo. Afirma-se conhecimento das relações de causa e efeito é
corretamente que o verdadeiro saber é o saber pelas impossível e sempre frustrante.
causas. E, não indevidamente, estabelecem- se quatro
coisas: a matéria, a forma, a causa eficiente, a causa final. 6. O pensamento moderno caracteriza-se pelo
Destas, a causa final longe está de fazer avançar as crescente abandono da ciência aristotélica. Um dos
ciências, pois na verdade as corrompe; mas pode ser de pensadores modernos desconfortáveis com a lógica
interesse para as ações humanas. dedutiva de Aristóteles – considerando que esta não
(BACON, F. Novo Organum ou verdadeiras indicações acerca da permitia explicar o progresso do conhecimento
interpretação da natureza. São Paulo: Abril Cultural. 1973.)
científico – foi Francis Bacon. No livro Novum
Com base no texto e no pensamento de Francis
Organum, Bacon formulou o método indutivo como
Bacon acerca da verdadeira indução experimental como
alternativa ao método lógico-dedutivo aristotélico.
interpretação da natureza, é correto afirmar.
Com base no texto e nos conhecimentos sobre o
a) Na busca do conhecimento, não se podem encontrar
pensamento de Bacon, é correto afirmar que o método
verdades indubitáveis, sem submeter as hipóteses ao
indutivo consiste
crivo da experimentação e da observação.
a) na derivação de consequências lógicas com base no
b) A formulação do novo método científico exige
corpo de conhecimento de um dado período
submeter a experiência e a razão ao princípio de
histórico.
autoridade para a conquista do conhecimento.
b) no estabelecimento de leis universais e necessárias
c) O desacordo entre a experiência e a razão,
com base nas formas válidas do silogismo tal como
prevalecendo esta sobre aquela, constitui o fundamento
preservado pelos medievais.
para o novo método científico.
c) na postulação de leis universais com base em casos
d) Bacon admite o finalismo no processo natural, por
observados na experiência, os quais apresentam
considerar necessário ao método perguntar para que as
regularidade.
coisas são e como são.
d) na inferência de leis naturais baseadas no testemunho
e) O estabelecimento de um método experimental,
de autoridades científicas aceitas universalmente.
baseado na observação e na medida, aprimora o método
e) na observação de casos particulares revelados pela
escolástico.
experiência, os quais impedem a necessidade e a
universalidade no estabelecimento das leis naturais.
5. “Ciência e poder do homem coincidem, uma vez que,
sendo a causa ignorada, frustra-se o efeito. Pois a 7. Em sua obra Nova Atlântida, Francis Bacon
natureza não se vence, se não quando se lhe obedece. E descreve uma instituição imaginária chamada Casa de
o que à contemplação apresenta-se como causa é regra Salomão, cuja finalidade “[...] é o conhecimento das
na prática.” causas e dos segredos dos movimentos das coisas e a
BACON. Novum Organum..., São Paulo: Nova Cultural, 1999.
ampliação dos limites do império humano para a
Tendo em vista o texto acima, assinale a alternativa
realização de todas as coisas que forem possíveis.”
correta:
BACON, Francis. Nova Atlântida. São Paulo: Nova Cultural.
191
3
Sobre a concepção de ciência em Francis Bacon, é 2. ISAAC NEWTON E O GRANDE RELÓGIO
correto afirmar: CELESTE
a) A ciência justifica-se por si própria e está
desvinculada da necessidade de proporcionar
conhecimento sobre a natureza.
b) O objetivo da ciência é fornecer a quem a controla
um instrumento de domínio social sobre os outros
homens.
c) Para a ciência, o enfrentamento das questões
econômicas e sociais tem maior relevância do que o
conhecimento da natureza, porque proporciona uma
vida boa para os indivíduos.
d) A origem da ciência está dada em pressupostos a
priori, sendo desnecessário o recurso ao saber prático e O grande cientista que completou a revolução
empírico. científica do século XVII foi Isaac Newton (1642 –
e) A ciência visa o conhecimento da natureza com a 1727). Ele também era fascinado pelos inventos
mecânicos de sua época, quando criança construiu
intenção de controle e domínio sobre ela para que o pipas, moinhos, e até um relógio d’agua.
homem possa ter uma vida melhor. Na universidade ele conheceu a filosofia
mecânica de Descartes e seus trabalhos de geometria, a
8. “[...] Aristóteles estabelecia antes as conclusões, não explicação matemática de Galileu para o universo, e as
consultava devidamente a experiência para leis de Kepler sobre os movimentos planetários.
estabelecimento de suas resoluções e axiomas. E tendo, Quando estudou a luz usou o método de
observação e experimentação de Francis Bacon, e
ao seu arbítrio, assim decidido, submetia a experiência
descobriu que as cores são uma propriedade da luz e
como a uma escrava para conformá-la às suas não dos objetos.
opiniões”. Newton se vale das duas grandes concepções de
(BACON, Francis. Novum Organum. Trad. de José Aluysio Reis ciência de seu tempo, a matematização e a experiência.
de Andrade. 4. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1988. p. 33.) Mas ele não é apenas um seguidor dessas diferentes
Com base no texto, assinale a alternativa que apresenta concepções, ele as unifica e as supera, na síntese que faz
corretamente a interpretação que Bacon fazia da do empirismo de Francis Bacon e do racionalismo de
filosofia aristotélica. Descartes.
a) A filosofia aristotélica estabeleceu a experiência Apesar de se utilizar da filosofia mecânica,
como o fundamento da ciência. Newton não gostava do materialismo que estava por
trás dela, do fato desta filosofia ter tirado Deus da
b) Aristóteles consultava a experiência para estabelecer explicação do funcionamento do mundo.
os resultados e axiomas da ciência. Na base de todo o pensamento de Newton
c) Aristóteles afirmava que o conhecimento teórico estava a crença em um Deus racional que havia criado
deveria submeter-se, como um escravo, ao um universo racional que poderia ser descoberto pela
conhecimento da experiência. análise e pela matemática.
d) Aristóteles desenvolveu uma concepção de filosofia Em 1687, chegara o tempo dele descrever
racionalmente a grande obra divina que era o universo,
que tem como consequência a desvalorização da
na sua grande obra Os princípios matemáticos da filosofia
experiência. natural, popularmente conhecido como Principia.
e) Aristóteles valorizava a experiência, por considerá-la Kepler já havia dito que as órbitas planetárias
um caminho seguro para superar a opinião e atingir o eram elípticas, mas não explicou o motivo. No Principia,
conhecimento verdadeiro. Newton explica tudo com a sua teoria da gravitação
universal.
Perceba a grandiosidade de sua obra, ela não
explica apenas os fenômenos terrestres, mas todo o
universo. Ele diz até como calcular a quantidade de
massa de cada planeta. Explica o motivo da terra ser
achatada nos polos e porque há uma saliência na região
do equador. Ele descreve as leis de funcionamento do
universo. É algo extraordinário.
192
4
O Principia foi a primeira obra científica a 3. JOHN LOCKE: EMPIRISMO E
apresentar um trabalho quantitativo, exato, de um LIBERALISMO POLÍTICO
sistema matemático, baseado em experimentação e
observação crítica. Ele concluiu o processo de O inglês John
explicação matemática do universo, desde o cair de uma Locke (1632 – 1704) vem
maçã, ao movimento dos planetas. de uma família de
comerciantes puritanos,
estudou na universidade
de Oxford, onde se
formou médico, e sempre
esteve envolvido na
política. Lá ele teve
contato com as ideias de
Francis Bacon e
Descartes.
Era contra a monarquia absolutista e por isso
teve que se exilar na Holanda em 1683 no final do
reinado de Carlos II, contra o qual ajudou a elaborar
uma conspiração.
Com a revolução gloriosa, e a ascensão ao trono
do holandês Guilherme de Orange, ele volta à Londres
e pode se dedicar inteiramente à filosofia.
Mesmo já vindo se desenvolvendo antes dele,
muitos o consideram o pai do empirismo, mas não há
dúvidas de sua paternidade quanto ao liberalismo
político.
A obra que trata sobre a capacidade de
conhecermos é Ensaios acerca do entendimento humano,
onde defende o empirismo afirmando que ao contrário
do que dizia Descartes, não temos ideias inatas, nosso
conhecimento é adquirido por meio dos sentidos
através da experiência.
Seu objetivo nessa obra é investigar, não o que
conhecemos, mas o que, como, e os limites do processo
de conhecer. Sua preocupação é em saber como a
mente funciona.
Segundo ele, a mente do ser humano ao nascer
Apesar da grandiosidade do sistema é como uma folha de papel em branco/tábula rasa,
newtoniano, ele próprio admitia que não sabia o que era onde vão sendo impressos conhecimentos/ideias ao
a gravidade, apenas como ela atua. Por isso foi acusado longo da vida, que nos chegam por meio dos sentidos.
de usar em sua teoria conceitos medievais como a Esse conhecimento nos chega através de uma
magia. Mas essas críticas em nada abalaram a experiência sensível imediata/sensação e é
grandiosidade de sua obra. processado internamente por meio da reflexão.
Para ele, espaço e tempo são absolutos, tendo Adquirimos ideias simples pelos sentidos e elaboramos
conhecimento do que acontecia num determinado as complexas através da reflexão.
momento era possível calcular o que iria acontecer em Mas por entender que a matemática é um
outro. Os eventos/movimentos eram determináveis, conhecimento válido em termos lógicos, Locke não
como em uma máquina, um grande relógio para ser pode ser considerado um empirista radical.
mais preciso. Descobrindo-se a causa de um efeito, Agora vejamos o seu empirismo mais
poder-se-ia prever os efeitos seguintes, como uma detalhadamente.
grande engrenagem de causas e efeitos.
Inaugurava-se então uma grande era de 3.1 Empirismo
inovações, onde os homens fariam uso das leis da
natureza para controlar seus destinos. A revolução Objetivo da filosofia moderna
industrial muito dificilmente teria acontecido sem as
ideias de Newton. Bacon escrevera que “introduzir um uso melhor
e mais perfeito do intelecto” constitui uma necessidade
193
5
imprescindível, e procurara satisfazer parcialmente essa uma mentalidade completamente nova, que Locke
necessidade do modo como já vimos. contribui para impor definitivamente.
Locke assume esse programa, desenvolvendo-o Todavia, a concordância com Descartes se
e levando-o à sua perfeita maturação. Para ele, porém, rompe no momento em que se trata de estabelecer "de
não se trata de examinar o emprego do intelecto que modo essas ideias vêm ao espirito". Descartes
humano relativamente a alguns setores ou âmbitos do alinhara-se em favor das ideias inatas. Locke, ao
conhecimento, e sim o próprio intelecto, suas contrário, nega qualquer forma de inatismo e procura
capacidades, suas funções e seus limites. Não se trata, demonstrar, de modo sistemático e com
portanto, de examinar os objetos, mas sim de examinar pormenorizada riqueza analítica, que as ideias derivam
o próprio sujeito. sempre e somente da experiência.
Desse modo, o centro do interesse da filosofia A tese de Locke é a seguinte:
moderna vai-se especificando sempre melhor, ao 1) não existem ideias nem princípios inatos;
mesmo tempo em que vai se delineando cada vez mais 2) nenhum intelecto humano, por mais forte e
claramente o caminho que levará, como meta final, ao vigoroso que seja, é capaz de forjar ou inventar (ou seja,
criticismo kantiano. criar) ideias, bem como não é capaz de destruir aquelas
O objetivo é o de conseguir estabelecer a que existem;
gênese, a natureza e o valor do conhecimento humano, 3) consequentemente, a experiência constitui a
particularmente o de definir os limites dentro dos quais fonte e, ao mesmo tempo, o limite, ou seja, o horizonte,
o intelecto humano pode e deve se mover e quais são ao qual o intelecto permanece vinculado.
as fronteiras que ele não deve ultrapassar, ou seja, quais
são os âmbitos que lhe estão estruturalmente fechados. O intelecto não possui ideias inatas
O estado de natureza pensado por Locke, não Quando o governo deixa de preservar o bem
era um estado de guerra como em Hobbes, havia até comum, e começa a exercer o poder em interesse
uma relativa paz. Então, por que fazer um pacto para próprio, ele se torna tirânico, e a sociedade tem o direito
criar o Estado? legítimo de se rebelar contra ele, podendo usar até
Para estabelecer leis gerais aceitas por todos, mesmo a força.
resolver os conflitos que possam aparecer, com
imparcialidade e força para fazer valer as decisões. Não Conclusão
se pode deixar que os particulares resolvam sozinhos os
seus conflitos, pois não haverá justiça no resultado. John Locke foi um grande filósofo, tanto por
Disso decorre que seus objetivos principais seus trabalhos em teoria do conhecimento, quanto em
são: política. A teorização da defesa dos direitos naturais,
1) Preservar os direitos naturais, entendidos como a vida, a liberdade, e a propriedade dos indivíduos
como a propriedade em sentido amplo, ou seja, vida, como fim a ser perseguido pelo Estado, faz dele o pai
liberdade, e a propriedade em sentido estrito (posse de do liberalismo político.
bens), e; Suas ideias políticas justificaram a Revolução
2) Proteger a comunidade política dela mesma Gloriosa, a revolução norte-americana, e a Revolução
(evitar guerra civil) e de inimigos externos. Francesa.
Em Hobbes, o contrato social é um pacto de Não tem como entender a política de nosso
submissão. Em Locke, é um pacto de consentimento. Os tempo sem estudá-lo, pois suas ideias estão na base de
homens de livre e espontânea vontade criam o Estado nosso sistema político.
para preservar os direitos que já possuíam em estado de
natureza (direitos naturais). QUESTÕES
209
21
GABARITO
QUESTÕES BACON
1. a
2. e
3. a
4. a
5. d
6. c
7. e
8. d
QUESTÕES LOCKE
1. a
2. 1/8/16
3. a
4. c
5. b
6. e
7. e
QUESTÕES BERKELEY
1. 2/4
QUESTÕES HUME
1. a
2. a
3. b
4. b
5. c
6. c
7. d
8. a
9. a
10. b
210
22
ILUMINISMO Os intelectuais franceses visitavam Londres e
ficavam maravilhados com a ampla liberdade que o
indivíduo desfrutava naquele lugar. As pessoas tinham
O iluminismo é um movimento intelectual de a possibilidade de mudar de vida pelo esforço próprio,
valorização da razão que tem início na Inglaterra ainda e os cargos público eram preenchidos por qualquer um
no século XVII, inspirado pela revolução científica, mas que tivesse competência. E acima de tudo, todos
que toma maior destaque na França no século XVIII pagavam impostos e o rei poderia criar novos tributos
(devido à estrutura social daquele país e o impacto que somente com autorização do parlamento. Era algo de
a revolução daquele país teve no ocidente), e na região se admirar.
que posteriormente iria se tornar a Alemanha.
Assim como a revolução científica deu à luz, por 1. VOLTAIRE E A TOLERÄNCIA
meio da razão, as leis que regem o universo físico, os
iluministas queriam trazer à luz, a sociedade, afastando- François-Marie
a das trevas dos preconceitos oriundos da tradição e da Arouet (conhecido sob o
religião que perduraram durante toda Idade Média. pseudônimo de Voltaire)
E que trevas eram essas? 1) O absolutismo nasceu em Paris, último dos
monárquico, 2) o mercantilismo e 3) a estrutura social cinco filhos de um rico
hierarquizada e sem mobilidade; todos sustentados pela notório, em 1694.
autoridade irracional da tradição e da religião. Em suma, De família rica
o Antigo Regime. burguesa, Voltaire é o maior
Essa estrutura irracional e opressora aprisiona o propagador do Iluminismo
homem e não deixa ele se desenvolver, causando a na França. Hábil escritor,
infelicidade humana, e por isso deve ser combatida e denunciava constantemente a intolerância religiosa, o
exterminada. clero, e a prepotência dos poderosos, sendo muito
Mas já que o sistema era tão ruim quanto vezes perseguido, preso e exilado. Mas sempre
pintavam os iluministas, porque as pessoas não se combativo.
voltaram contra ele por conta própria? Por que elas Em 1704 tornou-se aluno de um prestigiado
estavam nas trevas e não conseguem enxergar a luz, colégio mantido pelos jesuítas. Aí, deu provas de vivaz
devendo serem educadas para perceberem sua situação. precocidade.
Por que a natureza é do jeito que é? Por que o Tendo recebido uma herança, deixou o colégio
rei governa? Por que a sociedade é dividida e rígida? e passou a frequentar o círculo dos jovens "livres-
“Por que Deus quer”. Com os avanços da razão nas pensadores" e iniciou seus estudos de direito.
ciências, esse tipo de fundamento não se sustentava Envolto em desavenças por causa de seus
mais. A razão deve agora guiar o homem em direção ao escritos, Voltaire ficou preso mais de uma vez na
progresso, por meio da educação. Bastilha.
E essa tarefa de iluminar a sociedade foi Saindo da prisão, partiu em exilio para a
abraçada com toda força e vigor pelos iluministas. Eles Inglaterra, onde permaneceu por três anos. Na
conseguiram propagar as ideias que derrubariam Inglaterra, foi introduzido nos círculos da alta cultura
regimes inteiros e instalariam uma nova ordem mundial inglesa. Estudou as instituições políticas inglesas e
baseada na razão, na liberdade e na felicidade dos aprofundou o pensamento de Locke e de Newton.
povos. O grande resultado de sua estadia inglesa são as
Eles tinham um novo projeto de sociedade, que Cartas filosóficas sobre os ingleses, publicadas pela primeira
seria organizada racionalmente, assim como o universo vez em inglês em 1733, e depois em França, em 1734
mecanicista de Newton. Dessa maneira, o método (mas impressas na Holanda e distribuídas
empírico-matemático usado para descobrir as leis clandestinamente na França). Nessas Cartas, Voltaire
físicas, seria usado também para organizar essa nova contrapõe as liberdades inglesas ao absolutismo político
sociedade. francês, expõe os princípios da filosofia empirista de
Em meados do século XVIII a França ainda era Bacon, Locke e Newton e contrapõe a ciência de
um país caracteristicamente feudal. Havia um rei com Newton a de Descartes. Voltaire não nega os méritos
poderes absolutos, uma sociedade altamente matemáticos de Descartes, mas sustenta que ele "fez
estratificada e praticamente sem mobilidade social, e uma filosofia como se faz um bom romance: tudo
ainda, com a Igreja católica legitimando todo esse parecia verossímil e nada era verdadeiro".
sistema e ditando o que as pessoas podiam ou não fazer. Voltaire retornou à França em 1729. Em 1734,
O pessoal já estava puto por lá, de saco cheio como já dissemos, são publicadas as Cartas filosóficas sobre
dos padres, bispos e cardeais corruptos que viviam no os ingleses. O Parlamento as condenou e o livro foi
luxo às custas do trabalho alheio. queimado no pátio da Cúria Parlamentar. Novamente
Voltaire fugiu de Paris.
211
1
Reconciliado com a Corte, Voltaire foi E Deus, na opinião de Voltaire, existe porque
nomeado historiógrafo da França pelo rei, e em 15 de existe a ordem do mundo. Em suma, a existência de
abril de 1746 foi eleito membro da Academia. Deus é atestada pelas “simples e sublimes leis em
Em 1749 Voltaire partiu para Berlim, onde virtude das quais os mundos celestes correm no abismo
Frederico 1º da Prússia lhe havia oferecido um alto dos espaços”.
posto em seu governo. Recebido com grandes honras, No Tratado de metafísica, Voltaire escreve que
Voltaire terminou, depois de três anos, o período “depois de sermos tão arrastados de dúvida em dúvida,
prussiano com urna prisão. de conclusão em conclusão, [...] podemos considerar
Em 1756, publicou o Poema sobre o desastre de esta proposição: Deus existe, como a coisa mais
Lisboa. Nesse meio tempo, colaborou com a verossímil que os homens podem pensar [...] e a
Enciclopédia. Em 1762, foi condenado injustamente o proposição contrária como uma das mais absurdas”.
comerciante protestante Jean Calas, acusado, Deus existe. Mas também existe o mal. Como
juntamente com sua família, de ter assassinado um filho conciliar a presença maciça do mal com a existência de
que pretenderia se converter ao catolicismo. Deus? A resposta de Voltaire é que Deus criou a ordem
Voltaire escreveu então o Tratado sobre a do universo físico, mas que a história é uma questão dos
tolerância, no qual, como veremos melhor em breve, homens. E esse é o núcleo doutrinário do deísmo. O
denuncia impiedosamente e com nobre paixão humana deísta é alguém que sabe que Deus existe.
os erros judiciários, o fanatismo, o dogmatismo e a Voltaire, portanto, é deísta. E justamente em
intolerância religiosa. nome do deísmo ele rejeita o ateísmo. Para o deísta, a
O Dicionário filosófico é de 1764; a Filosofia da existência de Deus não é artigo de fé, e sim resultado da
história, publicada na Holanda, é de 1765; e o Comentário razão. A existência de Deus, portanto, é um dado de
sobre o livro dos delitos e das penas de Beccaria (cujo ensaio razão. A fé, ao contrário, é apenas superstição. Por isso,
havia aparecido dois anos antes, em 1764). com suas crenças, seus ritos e liturgias, as religiões
Ele é um dos grandes defensores da liberdade positivas são quase completamente acúmulos de
de crença. É famosa a sua célebre frase: “Posso não superstições.
concordar com nenhuma palavra que você diz, mas Não é de admirar que uma seita considere
defenderei até a morte o seu direito de dizê-la”. supersticiosa outra seita e todas as outras religiões.
Concordava com Locke sobre a necessidade de Depois de fazer longas relações de superstições,
limitações ao poder real, assim como o fato dos homens Voltaire conclui: "Menos superstições, menos
serem dotados de direitos naturais que não podiam fanatismo; menos fanatismo, menos desventuras".
ser violados pelo governo.
Não era um democrático, pois acreditava que o A crítica ao otimismo dos filósofos
povão não tinha capacidade para participar da política.
Era defensor de uma monarquia esclarecida que Conforme já acenamos acima, segundo Voltaire
governasse de acordo com a razão. Trocava cartas com negar o mal é absurdo. O mal existe: os horrores da
Frederico II da Prússia e a imperatriz Catarina da maldade humana e as penas das catástrofes naturais não
Rússia, aconselhando-os a tomar decisões racionais que são invenções dos poetas. São fatos nus e crus que se
levassem ao progresso de seus países, como em investir chocam com força decisiva contra o otimismo dos
em educação. filósofos, contra a ideia do "melhor dos mundos
Embora já estivesse em idade avançada, a possíveis".
atividade de Voltaire não cessou. Após um período de Já no Poema sobre o desastre de Lisboa,
produção intelectual intenso, Voltaire volta a Paris, para Voltaire perguntava-se o porquê do sofrimento
a apresentação de sua última peça (uma comédia), Irene. inocente, a razão da "desordem eterna" e do "caos de
Durante a viagem foi aclamado por imensas multidões, desventuras" que nos cabe ver neste "melhor dos
aos gritos de “Viva Voltaire!” Algumas semanas mais mundos possíveis".
tarde, em 30 de maio de 1778, Voltaire morreu. E dizia que se é verdade que "tudo um dia ficará
bem" constitui a nossa esperança, entretanto é ilusão
Defesa do deísmo sustentar que "tudo está bem hoje em dia".
Entretanto, é com Cândido ou o otimismo,
Há dicionários segundo os quais o verdadeira obra-prima da literatura e da filosofia
voltairianismo define-se como "atitude de incredulidade iluminista, que Voltaire procura despedaçar aquela
irônica em relação às religiões. filosofia otimista que trata de justificar tudo, proibindo
Todavia, para Voltaire, Deus existe ou não assim compreender alguma coisa. O Cândido é um
existe? Pois bem, na opinião de Voltaire não há relato tragicômico. A tragédia está no mal, nas guerras,
qualquer dúvida de que Deus existe. Para ele, como para nas opressões, na intolerância, na superstição cega, nas
Newton, Deus é o grande engenheiro ou mecânico que doenças, nas arbitrariedades, na estupidez, nas
idealizou, criou e regulou o sistema do mundo. roubalheiras e nas catástrofes naturais (como o
212
2
terremoto de Lisboa) com que Cândido e seu mestre nossos problemas, para que este mundo possa melhorar
Pangloss (contrafigura de Leibniz) se defrontam. gradualmente ou, pelo menos, não se torne pior.
E a comédia está nas justificações insensatas
que Pangloss e também Cândido, seu aluno, procuram Os fundamentos da tolerância
dar às desventuras humanas.
Que tipo de mestre é Pangloss? E exatamente para que este mundo se tornasse
"Pangloss ensinava a metafisico-teológico-cosmológico- mais civilizado e a vida mais suportável, Voltaire travou
idiotologia. Demonstrava admiravelmente que não há efeitos sem durante toda a sua vida a batalha pela tolerância.
causas e que, neste melhor dos mundos possíveis, o castelo do Para ele, a tolerância encontra seu fundamento
senhor barão era o mais belo dos castelos e que sua senhora era a teórico no fato de que, conforme demonstraram
melhor baronesa possível. homens como Locke, apenas com as nossas próprias
Dizia: Está provado que as coisas não podem ser de forças nós não podemos saber nada dos segredos do
outro modo: com efeito, como tudo é feito para um fim, tudo existe Criador. Não sabemos quem é Deus, nem o que é a
necessariamente para o melhor fim. alma e muitas outras coisas.
Observai que os narizes são feitos para que neles Mas há quem se arrogue o direito divino da
repousem os óculos e, com efeito, nós temos óculos; notai que as onisciência - e daí a intolerância.
pernas são evidentemente conformadas para vestirem calças e, com No verbete "tolerância", do Dicionário filosófico,
efeito, nós temos calças. Da mesma forma, as pedras foram criadas podemos ler: “O que é a tolerância? É o apanágio da
para serem lapidadas e delas serem feitos castelos e, com efeito, humanidade. Nós todos estamos prenhes de fraqueza e
meu senhor tem um belíssimo castelo; o mais poderoso barão da de erros: perdoemo-nos reciprocamente nossas
província deve ser o melhor alojado. E, como os porcos foram bobagens, essa é a primeira lei da natureza”.
criados para serem comidos, nós comemos porco o ano inteiro. Nosso conhecimento é limitado e nós todos
Consequentemente, aqueles que afirmaram que tudo vai estamos sujeitos ao erro, nisso reside a razão da
bem disseram uma asneira: é preciso dizer que tudo vai da melhor tolerância reciproca: “Em todas as outras ciências nós estamos
maneira possível". sujeitos ao erro. Qual teólogo, tomista ou escotista, ousaria então
E, de modo verdadeiramente eficaz, Voltaire, de sustentar seriamente que está absolutamente seguro de sua
forma elíptica, elabora um conto que, com ironia levada posição?” No entanto, as religiões estão armadas umas
aos extremos limites, mostra como o contrário é em contra as outras e, no interior das religiões, as seitas
larga medida verdadeiro. O mundo “como vai” é muito geralmente são terríveis no combate reciproco.
frequentemente a antítese de como “deveria ir” A intolerância se entrelaça com a tirania. E “o
segundo o otimismo. E o que acontece aos tirano é aquele soberano que não conhece outras leis além de seus
protagonistas e o modo em que o interpretam resultam caprichos, que se apropria dos haveres de seus súditos, e depois os
na prova irrefutável, bem orquestrada com vários jogos recruta para que tomem os bens dos vizinhos”.
narrativos, parodias pungentes e sátiras sarcásticas. Mas, voltando à intolerância mais
Mas Voltaire não critica apenas a interpretação especificamente religiosa, o que Voltaire sustenta é que
abstrata deste nosso mundo como "o melhor dos a Igreja cristã quase sempre esteve estraçalhada pelas
mundos possíveis", mas, ao contrário, critica em seitas.
contraponto todas as maldades que caracterizam o Pois bem, afirma Voltaire: “uma tão horrível
mundo como efetivamente vai. discórdia, que dura há tantos séculos, é uma claríssima
Mas o que se pode fazer então, para sair dos lição de que devemos perdoar uns aos outros nossos
males do mundo? erros: a discórdia é a grande peste do gênero humano e
Voltaire o diz como conclusão do relato com a tolerância é o seu único remédio”.
duas afirmações significativas: "trabalhemos sem
discutir, pois é o único modo de tornar suportável a
vida"; e sobretudo: “é preciso cultivar nossa horta”.
Esse “cultivar nossa horta” não é fuga dos QUESTÕES
compromissos da vida, mas o modo mais digno para
vivê-la e para mudar a realidade naquilo que nos é 1. (UEM 2011) Segundo o pensador francês Voltaire
possível. (1694-1778): “É verdade que os magistrados não são
Nem tudo é mal e nem tudo é bem. O mundo, senhores do povo: são as leis que são as senhoras; mas
porém, está cheio de problemas. Cabe a cada um de nós o resto é absolutamente falso no nosso e em todos os
não fugir dos nossos problemas, e sim enfrentá-los, Estados. Temos o direito, quando somos convocados,
fazendo aquilo que for possível para resolvê-los. de rejeitar ou de aprovar os magistrados e as leis que
Nosso mundo não é o pior dos mundos nos propõem; não temos o direito de destituir os
possíveis, mas também não é o melhor. "É preciso oficiais do Estado quando nos aprouver: esse direito
cultivar nossa horta", isto é, precisamos enfrentar os seria o código da anarquia. O próprio rei da França,
213
3
quando deu o cargo a um magistrado, não pode 2. MONTESQUIEU E OS TRÊS PODERES
destituí-lo a não ser por um processo.”
(VOLTAIRE, Ideias republicanas por um membro do corpo. In: Charles Louis de
MARÇAL, J. (org.). Antologia de Textos Filosóficos. Curitiba: SEED- Secondat (barão de
PR, 2009, p. 715)
Montesquieu) nasceu em
A partir do trecho citado, assinale a(s) alternativa(s)
Bordeaux no ano de 1689.
correta(s).
Montesquieu (1689 – 1755)
01) Os magistrados são os senhores do povo e não
era um nobre que desde
podem ser destituídos.
muito cedo recebeu
02) A lei deve estar acima de todos: reis, magistrados e
formação iluminista,
povo.
tornando-se um crítico
04) A liberdade do povo, expressa no poder de
severo das monarquias
aprovação ou rejeição das leis, inexiste contra os
absolutistas e do clero.
magistrados.
Tendo realizado seus estudos jurídicos
08) A destituição dos magistrados de seus cargos
inicialmente em Bordeaux e depois em Paris, foi
públicos deve ser algo previsto em lei e não ao arbítrio
conselheiro (1714) e, posteriormente, em 1716,
da vontade.
presidente de seção do Parlamento de Bordeaux (antes
16) A liberdade da vontade de um indivíduo não pode
da Revolução, os parlamentos franceses eram órgãos
estar acima das leis, sob o risco de cair-se na anarquia.
judiciários).
Realizou viagens à Itália, Suíça, Alemanha,
2. (UEM 2013) “Enquanto a filosofia se preocupa com
Holanda e Inglaterra.
a certeza e com o universal, a história só fornecia relatos
Neste último país, ficou mais de um ano (1729-
particulares e incertos. Voltaire [...] pensa que o filósofo
1731) e, estudando a vida politica inglesa, concebeu
deve auxiliar o historiador, ou melhor, que o historiador
aquela opinião elevada sobre as instituições políticas
dever ser filósofo. No que se refere à certeza e à prática
dos ingleses, que encontraremos em sua obra maior, 0
do historiador, Voltaire sustenta que ele deve ter
espirito das leis.
cuidado com suas fontes, duvidar sempre de relatos
Ele é fã de John Locke e em Londres estuda o
inverossímeis e, como se faz em processos judiciários,
funcionamento da monarquia constitucional
deve sempre saber se a testemunha é fidedigna.
parlamentarista, que é o modelo de governo que ele
Justamente por não ser possível uma certeza histórica,
defende, sendo a favor de um liberalismo aristocrático
o historiador deve se preocupar em multiplicar as
e não da democracia.
evidências que permitem a ele relatar este ou aquele fato
Voltando à França em 1731, viveu trabalhando
e defender esta ou aquela interpretação. [...] Além disso,
em suas obras até sua morte, ocorrida em 1755.
Voltaire tentará encontrar um sentido para a história.
Montesquieu escreveu sobre diversos assuntos, tanto
[...] A variedade dos povos mostra que é impossível
de natureza literária como científica, embora seu maior
reduzir toda a história à história de um povo em
interesse, o da ciência política, já se manifestasse em
particular”
(BRANDÃO, R. Voltaire: filosofia, literatura e história. In:
algumas de suas Cartas persas, publicadas anonimamente
Antologia de textos filosóficos. Curitiba: SEED-PR, 2009, p. 698-670). em 1721.
Com base no trecho citado, assinale o que for correto. Somente em 1748, depois de vinte anos de
01) Voltaire é favorável ao etnocentrismo. trabalho, publicou O espírito das leis, onde ele analisa o
02) Voltaire defende elementos da prática filosófica ao comportamento político dos diferentes tipos de
exercício do historiador. sociedades apresentadas pela história, e suas relações
04) O gênio ou o espírito de uma época não pode ser com o poder. A partir daí ele traça um panorama geral
determinado, pois a história não é objetiva. da natureza, do espírito, das leis.
08) A interpretação da história deve estar acompanhada Ele não está interessado na discussão da
de perícia e da reconstituição meticulosa dos fatos. legitimidade dos governos, como Hobbes e Locke, o
16) O ofício especulativo do historiador é universal e que ele quer entender é o funcionamento dos governos
abstrato, independentemente de quais sejam as fontes e como eles se mantêm.
que pesquisa. E para começar a discussão, contrapondo ao
conceito medieval de Lei como fruto da vontade divina,
ele apresenta uma nova concepção de Lei influenciado
pela física newtoniana, com o intuito claro de tratar de
política como uma área totalmente independente da
religião.
Para ele, Lei é a relação necessária que deriva da
natureza das coisas. Com essa concepção ele quer
mostrar que apesar da variedade de costumes das
214
4
diferentes sociedades que funcionam por regimes que, ao mesmo tempo em que dão ordem a tais
políticos distintos, podemos encontrar uma observações empíricas, delas recebem forte suporte
uniformidade/universalidade (como na física) no empírico.
funcionamento (movimento) dos governos Eis os esquemas de ordenação de Montesquieu:
(massa/matéria/corpos). “Existem três espécies de governo: o republicano,
Dessa análise do funcionamento das diversas o monárquico e o despótico [...]. O governo republicano é
formas de governo (monarquia, república, despotismo), aquele em que o povo, em sua totalidade ou uma parte
ele chega à conclusão de que a liberdade (o direito de dele, possui o poder soberano; o monárquico é aquele
fazer tudo aquilo que a lei permite), só pode existir em que só um governa, mas com base em leis fixas e
verdadeiramente quando há a separação (bem definida), imutáveis; ao passo que o despótico é aquele em que
harmonia, e independência entre os poderes executivo, também um só governa, mas sem leis e sem regras,
legislativo e judiciário. decidindo de tudo com base em sua vontade e ao seu
bel-prazer”.
O espírito das leis Essas três formas de governo são tipificadas
pelos respectivos princípios éticos, que são a virtude para a
Montesquieu teve uma confiança bastante forma republicana, a honra para a monárquica e o medo
grande nas ciências naturais, e seu intento foi o de para a despótica.
examinar os acontecimentos hist6ricos e sociais com o A forma ou natureza do governo “é aquilo que
método das ciências naturais. o faz ser tal, isto é, o princípio que o faz agir. Um é
A análise empírica dos fatos sociais, que já se movido por sua estrutura peculiar, outro é movido pelas
manifestara nas Cartas persas, também é típica de 0 paixões humanas”. E claro, diz Montesquieu, que as leis
espirito das leis, que em muitos aspectos é sua obra prima. devem ser relativas tanto ao princípio de governo como
Escreve Montesquieu: "Muitas coisas governam a sua natureza.
os homens: os climas, as religiões, as leis, as máximas Assim, para sermos mais claros, “não é preciso
de governo, os exemplos das coisas passadas, os muita probidade para que um governo monárquico ou despótico
costumes, os usos, e disso tudo resulta um espirito possa se manter e defender. A força das leis em um e o braço
geral". ameaçador do príncipe no outro regulam e governam tudo. Mas,
Por espirito das leis, portanto, devem-se entender em um estado popular, é preciso uma mola a mais, que é a virtude.
as relações que caracterizam um conjunto de leis Essa afirmação está em conformidade com a natureza
positivas e históricas que regulam as relações humanas das coisas e, ademais, é confirmada por toda a história universal.
nas várias sociedades. Com efeito, é evidente que, em uma monarquia, onde quem faz
“A lei, em geral, é a razão humana, enquanto governa cumprir as leis se considera acima delas há menos necessidade de
todos os povos da terra. As leis políticas e civis de cada nação virtude do que em um governo popular, onde quem faz cumprir as
nada mais devem ser do que os casos particulares aos quais se leis está consciente de também submeter-se a elas, e sabe que deve
aplica tal razão humana. Elas devem se adaptar tão bem ao povo suportar seu peso [...].
para o qual foram feitas, que somente em casos raríssimos as leis Quando tal virtude é deixada de lado, a ambição penetra
de uma nação poderiam convir a uma outra [...]. Elas devem ser nos corações a ela mais inclinados e a avareza penetra em todos.
[...] relativas à geografia física do país; ao clima glacial, tórrido As aspirações voltam-se para outras finalidades: aquilo que antes
ou temperado; à qualidade, situação e grandeza do país; ao gênero se amava agora é desprezado; antes, era-se livre sob a lei, mas
de vida dos povos, camponeses, caçadores ou pastores; devem estar agora se quer ser livre contra as leis”.
em relação com o grau de liberdade que a constituição pode tolerar; Temos, portanto, três formas de governo
à religião dos habitantes, às suas inclinações, às suas riquezas, ao inspiradas em três princípios. Essas três formas de
seu número, ao seu comércio, aos seus costumes, aos seus usos. Por governo podem se corromper, e "a corrupção de todo
fim, elas estão em relação entre si e com a sua origem, com as governo começa quase sempre pela corrupção de seu
finalidades do legislador e com a ordem das coisas nas quais se princípio".
fundamentam. Portanto, é necessário estudá-las sob todos esses Assim, por exemplo, “o princípio da
diversos aspectos. E foi essa a empresa que tentei realizar em democracia se corrompe não somente quando se perde
minha obra. Examinarei todas essas relações – e o seu conjunto o princípio da igualdade, mas também quando se
constitui aquilo que chamo de espirito das leis." difunde um espírito de maldade extrema e cada um
As leis, portanto, são diferentes de povo para pretende ser igual àqueles que escolheu para comandá-
povo, em função do clima, das ocupações lo”.
fundamentais, da religião e assim por diante. Pois bem, Montesquieu esclarece esse importante
Montesquieu não trata de toda a enorme massa de fatos pensamento com as seguintes palavras: “O verdadeiro
empíricos relativos às "leis" dos diversos povos com um espirito de igualdade está tão distante do espirito de extrema
esquema apriorista, abstrato e absoluto. igualdade quanto o céu está distante da terra. O primeiro não
Entretanto, da ordem ilimitada série de consiste em absoluto em fazer com que todos comandem ou que
observações empíricas por meio de princípios precisos, ninguém seja comandado e sim no obedecer e comandar a iguais.
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Ele não pretende de modo algum que não se tenha senhores, mas preciso que o governo esteja em condições de libertar cada cidadão
sim que só tenha iguais como senhores [...] O lugar natural da do temor em relação aos outros".
virtude é ao lado da liberdade, mas ela não pode sobreviver ao Entretanto, se o objetivo é precisamente a
lado da liberdade extrema mais do que poderia sobreviver na liberdade, então “quando uma mesma pessoa ou o mesmo corpo
escravidão”. de magistrados concentra os poderes legislativo e executivo, não há
E, em segundo lugar, no que se refere ao mais liberdade, porque subsiste a suspeita de que o próprio
princípio monárquico, ele "se corrompe quando as monarca ou o próprio senado possam fazer leis tirânicas para
máximas dignidades se tornam símbolos da máxima depois, tiranicamente, fazê-las cumprir”.
escravidão, quando os grandes ficam privados do E nem teríamos mais liberdade "se o poder de
respeito popular e tornam-se instrumentos vis de um julgar não estivesse separado dos poderes legislativo e
poder arbitrário. Ele se corrompe ainda mais quando a executivo. Com efeito, se estivesse unido ao poder
honra é contraposta às honras e quando se pode ser ao legislativo, haveria uma potestade arbitraria sobre a vida
mesmo tempo coberto de cargos e de infâmia". E, por e a liberdade dos cidadãos, posto que o juiz seja
fim, “o princípio do governo despótico se corrompe legislador. E se estivesse unido ao poder executivo, o
incessantemente, porque é corrupto por sua própria juiz poderia ter a força de um opressor".
natureza”. Por fim, “tudo estaria [...] perdido se o mesmo homem
ou o mesmo corpo dos governantes, dos nobres ou do povo exercesse
A divisão dos poderes juntamente os três poderes: o de fazer as leis, o de executar as
resoluções públicas e o de julgar os delitos ou as causas entre os
A obra maior de Montesquieu não é composta privados”.
apenas de análise descritiva e de teoria política
explicativa. Ela também é dominada por uma grande
paixão pela liberdade. E Montesquieu elabora o valor QUESTÕES
da liberdade política na história, estabelecendo na teoria
aquelas que são as condições efetivas que permitem que 01. Os textos abaixo referem-se a pensadores cujas
se desfrute a liberdade. obras e ideias exerceram forte influência em
Montesquieu explicita esse interesse central importantes eventos ocorridos nos séculos XVII e
sobretudo no capítulo que dedica à monarquia inglesa, XVIII. Leia-os e aponte a alternativa que os relaciona
no qual é delineado o Estado de direito que se havia
configurado depois da revolução de 1688. Mais corretamente a seus autores:
particularmente, Montesquieu analisa e teoriza aquela I. “O filósofo desenvolveu em seus Dois Tratados
divisão de poderes que constitui um fulcro inextirpável Sobre Governo a ideia de um Estado de base
da teoria do Estado de direito e da prática da vida contratual. Esse contrato imaginário entre o Estado e
democrática. os seus cidadãos teria por objeto garantir os direitos
Afirma Montesquieu: naturais do homem, ou seja, liberdade, felicidade e
“A liberdade política não consiste de modo algum em
prosperidade. A maioria tem o direito de fazer valer seu
fazer aquilo que se quer. Em um Estado, isto é, em uma
sociedade na qual existem leis, a liberdade não pode consistir ponto de vista e, quando o Estado não cumpre seus
senão em poder fazer aquilo que se deve querer e em não ser objetivos e não assegura aos cidadãos a possibilidade de
obrigado a fazer aquilo que não se deve querer [...]. A liberdade defender seus direitos naturais, os cidadãos podem e
é o direito de fazer tudo aquilo que as leis permitem”. devem pegar em armas contra seu soberano para
Nesse sentido, não é que as leis limitem a assegurar um contrato justo e a defesa da propriedade
liberdade, elas a asseguram para cada cidadão, e este é o privada”.
fundamento constitutivo do Estado de direito
II. “O filósofo propôs um sistema equilibrado de
moderno. Em todo Estado, diz Montesquieu, existem
três tipos de poder: o poder legislativo, o executivo e o governo em que haveria a divisão de poderes
judiciário. (legislativo, executivo e judiciário). Em sua obra O
Pois bem, “por força do primeiro, o príncipe ou Espírito das Leis alegava que tudo estaria perdido se o
magistrado faz leis, que tem duração limitada ou ilimitada, e mesmo homem ou a mesma corporação exercesse esses
corrige ou revoga as leis já existentes. Por força do segundo, faz a três poderes: o de fazer leis, o de executar e o de julgar
paz ou a guerra, envia ou recebe embaixadas, garante a
os crimes ou as desavenças dos particulares. Afirmava
segurança, previne as invasões. Por força do terceiro, pune os
delitos ou julga as causas entre pessoas privadas”. que só se impede o abuso do poder quando pela
Estabelecidas essas definições, Montesquieu disposição das coisas só o poder detém o poder”.
assevera que "a liberdade política em um cidadão é aquela a) I – John Locke; II – Voltaire;
tranquilidade de espirito que deriva da persuasão que cada qual b) I – John Locke; II – Montesquieu;
tem de sua própria segurança; para que se goze de tal liberdade é
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c) I – Rousseau; II – John Locke; biologicamente sadio e moralmente reto e, portanto,
d) I – Rousseau; II – Diderot; justo, não mau e não opressor. O homem não era, mas
e) I – Montesquieu; II – Rousseau. tornou-se mau e injusto. Seu desequilíbrio, porém, não
é originário, como considerava Pascal na esteira da
Bíblia, e sim um desequilíbrio derivado e de ordem
social.
3. ROUSSEAU E A VONTADE GERAL
Rousseau amava e odiava os homens. Mesmo
odiando-os, sentia que os amava. Ele os odiava por
Jean-Jacques
aquilo que se haviam tornado, mas os amava por aquilo
Rousseau (1712-1778)
que são em profundidade.
nasceu em Genebra e era
A sanidade moral, o sentido da justiça e o amor
filho de franceses
são parte da natureza do homem, ao passo que a
calvinistas que fugiram da
máscara, a mentira e a densa rede de relações alienantes
França por causa das
são efeitos daquela superestrutura que foi se formando
perseguições.
ao longo de um caminho de afastamento das
Foi talvez o único
necessidades e das inclinações originárias.
filósofo iluminista que não
Ele também escreve uma história hipotética da
nasceu em berço de ouro.
origem da humanidade porque considerava impossível
Desde muito cedo teve que
conhecê-la verdadeiramente, já que se tinha tão pouco
trabalhar para se sustentar, e em 1742 vai para a França
conhecimento e vestígios dessa época.
em busca de se destacar profissionalmente como
Mais do que uma realidade historicamente
professor de música.
datável, o estado da natureza é uma hipótese de trabalho
Rousseau era um Homem inteligente e escrevia
que Rousseau formula principalmente escavando
sobre muitos assuntos. Ele escreveu sobre música,
dentro de si mesmo e que utiliza para captar tudo o que,
poesia, mas foi com Discurso sobre a origem e a desigualdade
de tal riqueza humana, foi obscurecido e reprimido pela
entre os homens (1755), O contrato social (1762), e Emílio
efetiva caminhada histórica.
(1762), que Rousseau deixou seu nome marcado na
Quando falamos de um estado de natureza em
história como um grande filósofo, influenciando com
Rousseau, muito mais do que de um período histórico
suas ideias os rumos da França e do mundo ocidental
ou de uma particular experiência histórica, trata-se de
por conseguinte.
uma categoria teórica que facilita a compreensão do
Essas três obras são um todo que formam o seu
homem presente e das suas falsificações.
pensamento político. Suas obras eram tão radicas que
Em outros termos: na economia do
ele recebia críticas severas até mesmo de outros
pensamento de Rousseau, o estado natural tem valor
filósofos iluministas, principalmente de Voltaire que
normativo, constituindo um ponto de referência na
dizia que se fossemos dar ouvidos a Rousseau teríamos
determinação dos aspectos corrompidos que se
que voltar a andar de quatro.
insinuaram em nossa natureza humana.
Rousseau é também um grande contratualista,
Para Rousseau, em estado de natureza o homem
ele escreve sobre a origem do Estado seguindo o
era solitário, livre e feliz. Agia seguindo apenas seus
mesmo caminho de Hobbes e Locke, mas diverge
bons instintos naturais e em harmonia com o seu meio
totalmente de ambos. Vejamos, então, como ele
natural. Era um bom selvagem.
concebe a passagem do homem em estado de natureza
para a sociedade política.
Estado de natureza
1. “Os fenômenos econômicos (...) processam-se livre Na época de Kant a física newtoniana estava a
e independentemente de qualquer coação exterior, todo vapor, os avanços obtidos pelas ciências eram
segundo uma ordem imposta pela natureza e regida por indiscutíveis, máquinas eram construídas de acordo
leis naturais. Cumpre, pois, conhecer essas leis naturais com suas leis e a humanidade começava a acordar para
e deixá-las atuar.” as possibilidades de um progresso material e domínio
(Paul Hugon - História das Doutrinas Econômicas). da natureza sem precedentes na história.
O trecho acima sintetiza o pensamento econômico dos Em contrapartida, no campo da metafísica a
A) fisiocratas. discussão não tinha fim, não havia consenso, muito
B) mercantilistas. menos progresso no debate, ninguém apresentava uma
C) marxistas. teoria que fosse universalmente aceita. Perguntas como
D) keynesianos. o que era Deus e a alma, sempre tinham muitas
E) marginalistas. respostas, mas nenhum consenso.
Então, o que Kant pretende responder na
7. IMMANUEL KANT Crítica da Razão Pura é porque a física e a matemática
Kant (1724-1804) progrediram como ciência, enquanto a metafísica não.
nasceu na Prússia, na cidade E para isso ele teria que passar pelo grande problema
de Koningsberg, onde levou epistemológico sobre a possibilidade de conhecimento
uma vida extremamente das coisas: o que podemos conhecer, como
regrada e simples. De conhecemos, e quais os limites do conhecimento.
origem protestante e Nós já vimos que haviam duas correntes
humilde, nunca se casou, filosóficas opostas, que davam respostas antagônicas
nem saiu de sua cidade natal. sobre como conhecemos. O racionalismo dizia que
Dizem que quando alguém tudo que conhecemos já estava em nossa mente como
queria acertar o relógio, ideias, e o empirismo defendia que o conhecimento só
esperavam ele passar para era possível pela experiência dos sentidos com os
saber a hora. objetos exteriores a nós.
Apesar de seu estilo de vida simples, Kant foi Kant fez a grande síntese entre essas duas
um dos maiores filosóficos da história. Conheceu fama teorias e ainda foi além. Este feito o tornou o grande
ainda em vida e suas obras sintetizaram o espírito de sua filósofo da transição entre o mundo antigo e o
época, sendo ele o maior porta voz do modo de vida moderno.
individualista liberal. Ele dizia que ambos estavam certos, porque
A sua doutrina filosófica moldou o modo de ver utilizamos a experiência e a razão para obtermos
e pensar o mundo no alvorecer da contemporaneidade, conhecimento, e ambos estavam errados, porque não
influenciando diversas áreas do saber. Não há como utilizamos apenas uma ou outra.
entender qualquer filósofo que veio depois dele, sem Kant identifica dois tipos de conhecimentos
estudá-lo à fundo, pois ele é leitura obrigatória para que podemos adquirir no ato de conhecer:
todo aspirante à intelectual. 1 – Conhecimento empírico/sensível (a
Conheceu a física de Newton na universidade, posteriori) – o que se refere dos objetos percebidos pelos
reconheceu a contribuição de Hume sobre os limites da sentidos, sendo, portanto, posterior à experiência. Ex:
nossa capacidade de conhecimento, e estudou A bola é azul. Só foi possível saber/conhecer que a bola
profundamente os filósofos iluministas franceses. Foi é azul depois de do contato com ela através dos
um pacifista e defensor do regime republicano, sentidos.
apoiando a independência norte-americana. 2 - Conhecimento puro (a priori) – que
Ele escreveu as três grandes críticas das mais independe dos sentidos, e, portanto, anterior à
importantes áreas, quais sejam, a teoria do experiência. Ex: As pontas de uma reta nunca se tocam.
conhecimento, a moral, e a estética, além de ter Não preciso dos sentidos para saber/conhecer que isso
formulados os princípios do direito, e ter escrito À paz é verdade.
perpétua (1795), texto que serviu de inspiração para Daí, Kant aprofunda para a teoria dos juízos.
criação da Organização das Nações Unidas (ONU). Para ele, Juízo é toda afirmação ou negação de um
É de se deixar claro que o termo crítica está predicado em relação a um sujeito: “todo corpo é
sendo usado no sentido de análise, e não no sentido extenso”, “todo corpo é pesado”, “este cisne é branco”,
negativo de escrever coisas ruis sobre determinado
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16
“nenhum quadrado tem mais que quatro lados” etc. são Por exemplo, se um corpo é azul, o juízo de que
exemplos de juízos. este a bola é azul é um juízo a posteriori, porque apenas
Um juízo é analítico quando o que se diz do depois da experiência, isto é, apenas depois de ter visto
sujeito no predicado é algo que já está contido no o corpo em questão e verificado sua cor particular, é
próprio conceito do sujeito, isto é, é uma mera que posso dizer que se trata de um corpo azul.
reafirmação de algo que já estava implícito no sujeito. Não havia nada que de antemão me garantisse
Dizer, por exemplo, “todo corpo é extenso” é enunciar que seria um corpo azul, e não, por exemplo, verde, de
um juízo analítico, porque o conceito de extensão já é modo que o que me informou de que se tratava de um
uma das determinações implícitas no próprio conceito corpo azul foi a experiência sensível que tive dele.
de corpo. É como dizer que todos os triângulos têm três Agora, se um corpo é extenso ou pesado, isto
lados, ou que todos os solteiros são não casados, ou que não é algo que a experiência apenas poderia ter me
toda ave tem penas. informado, mas é algo que, mesmo antes da
Um juízo é sintético quando o que se diz experiência, eu poderia saber sobre o corpo, já que sei
predicado não está contido no próprio conceito do que são verdadeiros os juízos de que “todos os corpos
sujeito. Dizer que “Todo corpo é pesado” é um juízo são extensos” e de que “todos os corpos são pesados”.
sintético, porque o conceito de peso não é elemento Isto quer dizer que os juízos “este corpo é
necessário do conceito de corpo, isto é, enquanto é extenso” e “este corpo é pesado” são juízos de cuja
impossível conceber algo como sendo um corpo e não verdade eu poderia saber de antemão, mesmo antes de
tendo, contudo, extensão, é perfeitamente possível ter visto ou sentido o peso do corpo em questão, isto é,
conceber algo como sendo um corpo e não tendo, mesmo antes da experiência.
contudo, peso. Ora, é perfeitamente compreensível por que
Daí podemos tirar algumas conclusões. juízos analíticos são juízos a priori. Se o predicado já
Juízos analíticos são universal e necessariamente está contido no próprio sujeito, então, onde quer que se
verdadeiros, mas não acrescentam nenhum encontre um exemplar daquele sujeito, posso saber de
conhecimento novo, porque aquilo que se diz do sujeito antemão que tal exemplar exibirá aquela determinação
no predicado já estava contido no conceito do próprio enunciada pelo predicado. Não preciso da experiência
sujeito. Servem para esclarecer sobre determinações para saber que o sujeito tem aquele predicado porque o
contidas no sujeito, mas não acrescentam dados novos predicado já está vinculado ao sujeito por definição.
para quem já saiba o que o sujeito significa. Mas no caso dos juízos sintéticos, é diferente.
Já os juízos sintéticos, quando Juízos sintéticos atribuem ao sujeito algo que não está
verdadeiros, produzem conhecimento novo, porque conceitualmente contido nele. Sendo assim, o que os
aquilo que o predicado afirma do sujeito não estava predicados de juízos sintéticos atribuem aos sujeitos,
contido no próprio sujeito, ele poderia ter ou não ter. eles poderiam ter ou não ter.
E, quando o juízo é verdadeiro, passamos a saber que o Aparentemente, apenas a experiência poderia
sujeito de fato a tem. informar se os sujeitos de fato têm aquelas
Os corpos poderiam não ser pesados, mas, determinações ou não. Por este motivo, seria de esperar
quando consultamos nossa experiência, percebemos que todos os juízos sintéticos fossem juízos a posteriori.
que eles de fato são pesados. No entanto, novamente a ciência nos mostra o
Assim, como a ciência consiste na produção de contrário.
conhecimentos novos sobre as coisas, conclui-se que Quando ela diz que todos os corpos são
seus enunciados são basicamente juízos sintéticos. pesados, que todos os corpos caem a uma aceleração
Temos ainda que os Juízos podem ser específica, que nenhum corpo entra em movimento a
verdadeiros a priori ou a posteriori. não ser por ação de uma força etc., está enunciando
Um juízo é verdadeiro a posteriori se apenas juízos sintéticos, porque aquilo que o predicado destes
após a experiência é que posso dizer dele que ele é juízos diz do sujeito não estava já contido no conceito
verdadeiro. mesmo do sujeito, mas constituem informação nova,
Um juízo é verdadeiro a priori se, mesmo antes conhecimento novo.
da experiência, posso de antemão afirmar que ele é E esses juízos nos informam de determinações
verdadeiro. que podemos esperar de todos os corpos, isto é, não
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apenas dos corpos que já experimentamos e a ideia de tentar um modelo novo, um segundo o qual
observamos, mas também de todos que escaparam e tais determinações universais e necessárias dos objetos
ainda escapam de nossa observação, e mesmo daqueles não estivessem nos próprios objetos, mas fossem, ao
que apenas no futuro virão a existir. contrário, impostas a eles pelo sujeito que os
Ao se formularem em forma universal (isto é, conhece.
tomando o sujeito, no caso “corpo”, em sua Se o sujeito, toda vez que conhece certo objeto,
universalidade, ou seja, se referindo a “todos os impõe a ele certas determinações, então, tal sujeito
corpos”) e necessária (isto é, dizendo algo que precisa poderia saber de antemão que tais determinações
necessariamente ser verdadeiro, que é simplesmente estariam sempre no objeto, não porque pertencem a
impossível que seja falso em qualquer caso que se este último, e sim porque são sempre postas nele pelo
apresente), estes juízos sintéticos nos informam de sujeito.
coisas que podemos saber sobre todos os corpos antes Kant chamou tais determinações, sempre
mesmo de termos experiência deles. presentes nos objetos do conhecimento porque postas
Tratam-se, assim, de juízos sintéticos a priori, pelo sujeito no processo de conhecimento,
que constituem exatamente o mistério que aqui Kant de transcendentais.
quer decifrar: Como é possível sabermos algo sobre O termo transcendental deve ser entendido em
todos os sujeitos de certo tipo (por exemplo, todos os Kant no sentido de algo que está no objeto, mas
corpos) antes da experiência mesmo quando este algo pertence ao sujeito; é algo que aparece sempre na
que sabemos sobre o sujeito não está contido em seu experiência, mas não advém da experiência, e sim do
conceito? Por exemplo, se não está contido no conceito aparato cognitivo do sujeito que tem a experiência; é
mesmo de corpo que ele tenha peso, então, se segue que uma condição de possibilidade de toda
os corpos poderiam ser pesados ou não e, desta forma, experiência, porque é uma determinação através da
como podemos saber de antemão que, em nossa qual o sujeito estrutura a própria possibilidade de ter
experiência, todos os corpos que viermos a uma experiência. As determinações
experimentar serão, contudo, pesados? Como são transcendentais explicariam os juízos sintéticos a
possíveis juízos sintéticos a priori? É aí que vem o pulo priori da ciência:
do gato de Kant. Há determinações que, embora não contidas no
conceito dos objetos, podem ser atribuídas a eles de
A Revolução Copernicana e a descoberta dos modo universal e necessária, em juízos a priori, porque
transcendentais são tais que o sujeito (aquele que conhece) impõe a
todos os objetos, de forma que essas determinações
Para responder a isso, Kant elaborou uma teoria sempre estarão presentes no objeto toda vez que este
segundo a qual nosso conhecimento do mundo resulta for conhecido por um sujeito que as impõe a ele.
da interação entre a sensibilidade e o entendimento. A
grande novidade da teoria de Kant, no entanto, estava Estética Transcendental
em que nenhuma destas faculdades é inteiramente
passiva no processo de conhecimento; todas não Agora precisamos ver como esta busca das
apenas recebem conteúdo do mundo, mas também determinações transcendentais funciona em cada uma
o estruturam e transformam. A esta novidade se dessas faculdades (sensibilidade e entendimento) de
costuma chamar a Revolução Copernicana de Kant. nosso aparato cognitivo.
Ele relata que, assim como Copérnico, que, A sensibilidade recebe estímulos do mundo
quando percebeu que os dados astronômicos sobre os (intuições) e os organiza em forma espaciotemporal. Há
movimentos dos astros celestes não batiam com o dois tipos de intuições: As intuições empíricas, que
modelo em que todos eles se moviam em volta da consistem nas sensações mesmas, e as intuições puras,
Terra, teve a ideia de experimentar um modelo novo, isto é, espaço e tempo, as quais, embora se mostrem
em que fosse o Sol que estivesse no centro, com a Terra juntamente com os objetos, não estão nos objetos, e
girando em volta dele, da mesma maneira ele, Kant, ao sim na mente do sujeito que os percebe.
perceber que certas determinações, se estivessem nos O espaço e o tempo são determinações que
objetos, não poderiam ser universais e necessárias, teve estão presentes no objeto, mas provêm do sujeito, e não
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do mundo. É a sensibilidade do sujeito que dispõe e categorias de qualidade:
estrutura as intuições num pano de fundo realidade,
espaciotemporal. A estas intuições já organizadas em negação,
forma espaciotemporal Kant chama de fenômenos. limitação;
Isso explica por que podemos ter certeza de categorias da relação:
antemão de que, para qualquer fenômeno que se inerência e subsistência,
apresente para nós, ele estará sempre e necessariamente causalidade e dependência,
estruturado espaciotemporalmente. e comunidade ou ação recíproca;
O fato de que é a mente que impõe aos objetos categorias da modalidade:
uma moldura espaciotemporal explica por que todos os possibilidade e impossibilidade,
fenômenos que percebemos estarão sempre e existência ou não existência,
necessariamente dispostos no espaço e no tempo. necessidade e contingência.
Assim, o caráter transcendental (porque, embora
presentes no objeto, são postos pelo sujeito) do espaço Uma das categorias mais importantes é a
e do tempo é o que explica que eles sejam de causalidade. Para Kant, a experiência pode nos
determinações universais e necessárias. fornecer intuições que, organizadas na forma de
O termo fenômeno vem de uma palavra grega fenômenos, nos indicam a presença de um fenômeno
que designa aparição ou aparência. Em Kant, tem a (por exemplo, fumaça) depois de outro fenômeno (por
ver com como as coisas aparecem para o sujeito, em exemplo, fogo), mas não a conexão entre eles. Quem
contraposição a como elas são em si mesmas. Daí a produz essa conexão é o entendimento, aplicando a
oposição entre fenômeno (a coisa já estruturada e estes fenômenos a categoria da causalidade, reduzindo
transformada pelo aparato cognitivo do sujeito) dois fenômenos isolados (fumaça e fogo) a um
e noumeno ou coisa-em-si (a coisa tal como ela é no único esquema causal: fogo-causa/fumaça-efeito.
mundo, fora da mente, antes da intervenção de nosso A causalidade não existe nas coisas, e sim na
conhecimento). mente. O sujeito não constata no mundo uma
causalidade preexistente. É o entendimento que dá
Lógica Transcendental ao mundo uma organização causal.
Isso explica como podemos ter certeza de
Já o entendimento recebe a matéria fornecida antemão de que, para qualquer fenômeno que
pela sensibilidade (fenômenos) e os submete encontremos no mundo, ele será sempre um efeito de
a conceitos. uma causa anterior e uma causa de um efeito posterior.
Há dois tipos de conceitos: conceitos empíricos Se a causalidade estivesse no mundo, ela seria
(cadeira, casa, gravidade, alegria), que designam contingente: mesmo que todos os fenômenos que
fenômenos ou conjuntos de fenômenos, e conceitos tivéssemos estudado até o momento tivessem sempre
puros ou categorias, que submetem os fenômenos a tido uma causa, não poderíamos garantir que o
certas formas ou esquemas capazes de torná-los fenômeno que estudássemos em seguida também teria
inteligíveis. uma, como Hume explicou em sua teoria.
As categorias são conceitos puros do Mas, como a causalidade está na mente, como é
entendimento que estão presentes em nós, mesmo o entendimento que conecta todos os fenômenos de
antes de qualquer experiência. São elas que fazem a modo causal, podemos ter certeza que, quaisquer que
síntese dos dados percebidos para que possamos sejam os fenômenos que cheguem ao entendimento, ele
produzir conhecimento. Nós pensamos os objetos por sempre os conectará causalmente, ou seja, eles sempre
meio delas. serão ligados uns aos outros por nexos de causa e efeito.
Kant diz que existem ao todo doze categorias, Podemos, assim, garantir de antemão que todo
dispostas em quatro grupos: fenômeno será efeito de uma causa e causa de um
categorias de quantidade: efeito. Isso é o que dá à causalidade a característica de
unidade, ser universal (está presente em todos os fenômenos)
totalidade, e necessária (é simplesmente impossível que não
pluralidade; esteja presente).
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Quando soltamos uma maçã, ela sempre cai no A metafísica ao se propor ser um estudo da
chão por causa da gravidade. Quando colocamos a mão essência das coisas (lembrem dos gregos) só pode cair
no fogo ela queima porque o fogo é quente e causa a em contradições. Por esse motivo é que não se
queimadura. Mas essa relação de causalidade de um consegue ter avanço na metafísica, como se tem na
evento x gerar um efeito y não está nas coisas, nem é física e na matemática.
uma crença proveniente do hábito (como afirmara Imagine alguém dizer que conheceu/entendeu
Hume), ela é o produto de nosso entendimento do o que seja Deus, que teve um conhecimento objetivo
funcionamento do mundo. do que ele seja; Kant perguntaria, mas como se todo
Assim, a sensibilidade recebe intuições e impõe nosso conhecimento começa pela experiência? Qual foi
a elas forma espaciotemporal, convertendo-as em o contato que você teve com Ele?
Mas Newton disse que descobriu as leis que
fenômenos.
regem o funcionamento do universo, demonstrou e
O entendimento organiza e conecta os provou que estava certo, e todos tiveram que concordar
fenômenos a partir de conceitos puros ou categorias. com ele, por que através de suas experiências e cálculos
Desta forma, o mundo assume feição inteligível para matemáticos, ele usou a razão, o entendimento, para
nós, permitindo nosso conhecimento. dizer quais seriam essas leis. Lembrem-se, ele não disse
Disso resulta que não é o mundo em si mesmo o que era a gravidade, apenas a descreveu como ela se
que tem uma forma racional e cognoscível manifesta para nós.
perfeitamente adequada para nossa mente, mas nosso A questão da Ética
aparato cognitivo que converte os estímulos dispersos
e caóticos do mundo numa estrutura racional e Na Fundamentação da Metafísica dos Costumes e na
cognoscível. É apenas em nossa mente que o mundo se Crítica da razão prática Kant analisa os fundamentos do
torna uma ordem. agir moral. O que fazer? Por que agir de tal maneira?
Desse modo, segundo Kant, quando São as perguntas que ele tentar responder nessas obras.
procuramos entender um objeto, não conseguimos Kant rejeita todas as doutrinas morais anteriores
entendê-lo como ele é em si mesmo (“a coisa em si”, o porque, segundo ele, elas estão fundamentadas em
númeno, em grego). O que nós entendemos é só o que concepções metafísicas, portanto, impossíveis de serem
podemos entender com nossa capacidade de conhecidas pelo homem.
conhecimento. Ou seja, entender um objeto é entendê- Agir de maneira a conseguir um lugar no céu,
lo somente como ele aparece para nós, entendemos ou de acordo com o bem comum, ou para buscar a
apenas seus fenômenos (do grego phainómenon, felicidade, ou para evitar a dor, ou para alcançar um
“aparição”), suas manifestações. interesse; nada disso faz sentido para ele, porque todas
É por isso que a ciência (física newtoniana) essas concepções metafísicas não podem ser
conseguiu avançar, porque ela trata de estudar os racionalmente sustentadas.
fenômenos, e não o objeto/a coisa em si mesma. Mas Quando ele fala que não podem ser
dizer que os objetos devem ser entendidos a partir do racionalmente sustentadas, ele quer dizer que não
sujeito não é cair em subjetivismo? Onde está a podem servir de fundamento para um agir moral que
objetividade da ciência? seja universal. Kant está à procura de uma
Para Kant, a objetividade reside no sujeito, nas fundamentação que sirva para todo ser racional,
condições a priori da experiência. Não adianta tentar independentemente de tempo e espaço, ou seja, não
entender as coisas pelas leis do mundo porque as leis importa onde e quando ele esteja.
estão no sujeito. E como todo ser racional possui essa Todo ser racional vai agir de acordo com essa
mesma estrutura de capacidade de conhecimento, fundamentação. E qual é a única coisa que é inerente ao
conseguindo conhecer da mesma maneira, ela não é homem independente do lugar ou da época que ele
singular a um indivíduo A ou B, mas é universal à todo esteja vivendo? A razão.
o gênero humano. O homem tem que seguir apenas as leis
Ser racional é possuir essa estrutura a priori que universais que a razão ordena para o agir moral, nada de
possibilita a nossa capacidade de conhecer. A razão é a ficar buscando outros motivos.
grande legisladora que dita as leis pelas quais Para Kant, os homens podem agir baseados em
conhecemos as coisas, ou melhor, seus fenômenos. dois tipos de ordens, que ele chama de imperativos
Mas sendo ela impotente para conhecer a coisa hipotéticos e categóricos. No entanto, só um deles é
em si mesma, não pode falar, nem legislar nada sobre racional.
metafísica. Os conceitos de alma, Deus, liberdade, por Quando o homem age visando algum interesse,
exemplo, só podem no máximo ser pensados, mas ou seguindo alguma inclinação, ele age de acordo com
nunca conhecidos efetivamente. os imperativos hipotéticos.
230
20
Já quando ele age sem pretender obter nada, O respeito à dignidade da pessoa humana é o
totalmente desinteressado, sua ação está obedecendo grande princípio, basilar e central, das repúblicas
um imperativo categórico. Somente esse tipo de ação é, constitucionalistas ocidentais. Todo Estado deve estar
para Kant, uma ação racional, porque é realizada estruturado para atender a esse princípio se quiser ser
somente por dever, e pelo dever. considerado civilizado.
Mas o homem não é um robô. Ele pode não agir Isso quer dizer que o Direito deve ser um
de acordo com o dever. Desse modo, ele deve ter a instrumento de promoção da dignidade da pessoa
vontade, independente das circunstâncias (paixões, humana, já que é a lei a reguladora das relações sociais.
desejos, vícios), de seguir a lei moral. Essa vontade Só assim poderá haver justiça na sociedade civil.
desprovida de qualquer inclinação é a boa vontade.
Para Kant, o homem só é racionalmente moral O Iluminismo/Esclarecimento
quando age por dever, sem nenhum tipo de interesse ou
inclinação. Só esse tipo de ação pode ser universalizável, Kant talvez seja o único filósofo a se perguntar
que é uma exigência da razão. o que foi esse movimento que estava acontecendo em
Só o homem, que age de acordo com a boa sua época conhecido como Iluminismo.
vontade que o leva a seguir o dever, é livre, pois ele age E o descreve como sendo a saída do homem da
sem ser escravos de suas paixões, obedecendo somente sua menor idade para começar uma época em que ele
a lei moral objetiva que é válida para todos, ou seja, iria começar a pensar por si mesmo. Não iria mais estar
universal. preso a dogmatismos religiosos ou metafísicos, mas
Assim, a resposta que Kant dá para a pergunta seguiria os preceitos da razão. “Ouse saber” era o lema
“o que fazer”, é: “age de tal maneira que o motivo que te levou que ele atribuía a esse movimento.
a agir possa se tornar lei universal”.
Essa é a regra de ouro da moral kantiana, que QUESTÕES
serve para guiar o agir moral em qualquer lugar, tempo
e circunstância. É uma regra universal. 1. Na sua obra “Crítica da Razão Pura”, Kant formulou
Assim, ele responde também à pergunta: “por uma síntese entre sujeito e objeto, mostrando que, ao
que agir dessa maneira?”. O homem deve agir dessa conhecermos a realidade do mundo, participamos da
forma porque essa é a maneira racional de agir. Seguir a sua construção mental. Segundo Kant, esta valorização
lei ditada pela razão é, em última instância, ser livre.
Kant estabelece dessa forma a deontologia do sujeito (possuidor de categorias apriorísticas) no ato
moral, que é agir somente por dever. E essa doutrina de conhecimento representou, na Filosofia, algo
moral é formalista porque não admite nenhum tipo de comparável à
motivação que não seja o dever. A) previsão da órbita do Cometa Halley no sistema
solar.
A dignidade da pessoa humana B) revolução de Copérnico na Física.
C) invenção do telescópio por Galileu Galilei.
D) Revolução francesa que derrubou o Ancien Régime.
E) invenção da máquina a vapor.
232
22
B) transcendental é uma forma de conhecimento não maneira? Admitindo que se decida a fazê-lo, a sua
dos próprios objetos, mas dos modos pelos quais máxima de ação seria: Quando julgo estar em apuros de
podem ser conhecidos, ou seja, as condições da dinheiro, vou pedi-lo emprestado e prometo pagá-lo,
experiência possível
embora saiba que tal nunca sucederá.”
C) transcendente é o conhecimento que trata dos
KANT, I. Fundamentação da Metafísica dos
princípios que não ultrapassam os limites da Costumes. Tradução de Paulo Quintela. São Paulo: Abril
experiência, como os teológicos e os cosmológicos. Cultural, 1980, p. 130.
D) a distinção transcendental e empírico envolve
De acordo com o texto e os conhecimentos sobre a
elementos da metafísica clássica, de origem platônica.
moral kantiana, considere as afirmativas a seguir.
8. Na Primeira Secção da Fundamentação da Metafísica I - Para Kant, o princípio da ação da falsa promessa não
dos Costumes, Kant analisa dois conceitos pode valer como lei universal.
fundamentais de sua teoria moral: o conceito de II - Kant considera a falsa promessa moralmente
vontade boa e o de imperativo categórico. Esses dois permissível porque ela será praticada apenas para sair de
conceitos traduzem as duas condições básicas do dever: uma situação momentânea de apuros.
o seu aspecto objetivo, a lei moral, e o seu aspecto III - A falsa promessa é moralmente reprovável porque
subjetivo, o acatamento da lei pela subjetividade livre, a universalização de sua máxima torna impossível a
como condição necessária e suficiente da ação. própria promessa.
(DUTRA, D. V. Kant e Habermas: a reformulação discursiva da IV - A falsa promessa é moralmente reprovável porque
moral kantiana. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002. p. 29.) vai de encontro às inclinações sociais do ser humano.
Com base no texto e nos conhecimentos sobre a teoria A alternativa que contém todas as afirmativas corretas,
moral kantiana, é correto afirmar: é:
a) A vontade boa, enquanto condição do dever, consiste a) I e II
em respeitar a lei moral, tendo como motivo da ação a b) I e III
simples conformidade à lei. c) II e IV
b) O imperativo categórico incorre na contingência de d) I, II e III
um querer arbitrário cuja intencionalidade determina e) I, II e IV
subjetivamente o valor moral da ação.
c) Para que possa ser qualificada do ponto de vista 10. (UFU 2012) E por que realizamos atos contrários
moral, uma ação deve ter como condição necessária e ao dever e, portanto, contrários à razão? Kant dirá que
suficiente uma vontade condicionada por interesses e é porque nossa vontade é também afetada pelas
inclinações sensíveis. inclinações, que são os desejos, as paixões, os medos,
d) A razão é capaz de guiar a vontade como meio para e não apenas pela razão. Por isso afirma que devemos
educar a vontade para alcançar a boa vontade, que seria
a satisfação de todas as necessidades e assim realizar seu aquela guiada unicamente pela razão.
verdadeiro destino prático: a felicidade. COTRIM, G.; FERNANDES, M. Fundamentos de Filosofia. São Paulo:
Saraiva, 2010. p. 301.
e) A razão, quando se torna livre das condições Sobre a reflexão ética de Kant, assinale a alternativa
subjetivas que a coagem, é, em si, necessariamente INCORRETA.
conforme a vontade e somente por ela suficientemente A) A ação por dever é aquela que exclui todas as
determinada. determinações advindas da sensibilidade, como os
desejos, as paixões e os medos.
9. Na segunda seção da Fundamentação da Metafísica B) A ação por dever está fundada na autonomia, ou seja,
na capacidade que todo homem tem de escolher as
dos Costumes, Kant nos oferece quatro exemplos de
regras que sua própria razão construiu.
deveres. Em relação ao segundo exemplo, que diz C) A ação por dever é uma expressão da boa vontade,
respeito à falsa promessa, Kant afirma que uma “pessoa na medida em que exige que a mesma regra, escolhida
vê-se forçada pela necessidade a pedir dinheiro para um certo caso, possa ser utilizada por todos os
emprestado. Sabe muito bem que não poderá pagar, agentes racionais.
mas vê também que não lhe emprestarão nada se não D) A ação por dever é aquela que reflete um meio termo
prometer firmemente pagar em prazo determinado. ou um equilíbrio entre as determinações das inclinações
e as determinações da razão.
Sente a tentação de fazer a promessa; mas tem ainda
consciência bastante para perguntar a si mesma: Não é 11. (UFU 2014) Os princípios práticos se dividem em
proibido e contrário ao dever livrar-se de apuros desta dois grandes grupos, que Kant chama, respectivamente,
233
23
de ‘máximas’ e ‘imperativos’. [...] Os imperativos são os c) É determinada pela lei da natureza, que tem como
princípios práticos objetivos, isto é, válidos para todos. Os fundamento o princípio de auto-conservação.
imperativos são “mandamentos” ou “deveres”, ou seja, d) Está subordinada à vontade de Deus, que
regras que expressam uma necessidade objetiva da ação, o preestabelece o caminho seguro para a ação humana.
que significa que, “se a razão determinasse completamente
a vontade, a ação ocorreria segundo tal regra” ao passo e) A máxima que rege a ação pode ser universalizada,
que a intervenção de fatores emocionais e empíricos ou seja, quando a ação pode ser praticada por todos,
podem desviar esta vontade. sem prejuízo da humanidade.
REALE,G., DARIO, A. História da Filosofia, vol. II. São Paulo: Paulus, 1990, p. 903
(adaptado)
Para Kant, é correto afirmar que os imperativos 14. “Quando a vontade é autônoma, ela pode ser vista
A) são subjetivos e, dessa forma, não podem ser como outorgando a si mesma a lei, pois, querendo o
princípios universais. imperativo categórico, ela é puramente racional e não
B) devem determinar a razão, pois são princípios dependente de qualquer desejo ou inclinação exterior à
válidos para todos.
razão. [...] Na medida em que sou autônomo, legislo
C) determinam a vontade, sem que as emoções
interfiram. para mim mesmo exatamente a mesma lei que todo
D) sendo “máximas”, não expressam a necessidade outro ser racional autônomo legisla para si.”
objetiva da ação. WALKER, Ralph. Kant: Kant e a lei moral. Trad. de Oswaldo
Giacóia Júnior. São Paulo: Unesp, 1999. p. 41.
Com base no texto e nos conhecimentos sobre
12. (UFU 2013) Autonomia da vontade é aquela sua
propriedade graças à qual ela é para si mesma a sua lei autonomia em Kant, considere as seguintes afirmativas:
(independentemente da natureza dos objetos do I.- A vontade autônoma, ao seguir sua própria lei, não
querer). O princípio da autonomia é portanto: não segue a razão pura prática.
escolher senão de modo a que as máximas da escolha II-. Segundo o princípio da autonomia, as máximas
estejam incluídas simultaneamente, no querer mesmo, escolhidas devem ser apenas aquelas que se podem
como lei universal. querer como lei universal.
KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos Costumes. Tradução de Paulo
Quintela. Lisboa: Edições 70, 1986, p. 85. III-. Seguir os seus próprios desejos e paixões é agir de
De acordo com a doutrina ética de Kant: acordo com o imperativo hipotético.
A) O Imperativo Categórico não se relaciona com a
IV-. A autonomia compreende toda escolha racional,
matéria da ação e com o que deve resultar dela, mas
com a forma e o princípio de que ela mesma deriva. inclusive a escolha dos meios para atingir o objeto do
B) O Imperativo Categórico é um cânone que nos leva desejo.
a agir por inclinação, vale dizer, tendo por objetivo a Estão corretas apenas as afirmativas:
satisfação de paixões subjetivas. a) I e II.
C) Inclinação é a independência da faculdade de b) I e IV.
apetição das sensações, que representa aspectos c) III e IV.
objetivos baseados em um julgamento universal.
D) A boa vontade deve ser utilizada para satisfazer os d) II e III.
desejos pessoais do homem. Trata-se de fundamento e) II, III e IV.
determinante do agir, para a satisfação das inclinações.
15. “Tudo na natureza age segundo leis. Só um ser
13. “O imperativo categórico é, portanto só um único, racional tem a capacidade de agir segundo a
que é este: Age apenas segundo uma máxima tal que representação das leis, isto é, segundo princípios, ou: só
possas ao mesmo tempo querer que ela se torne lei ele tem uma vontade. Como para derivar as ações das
universal.” leis é necessária a razão, a vontade não é outra coisa
(KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. senão razão prática. Se a razão determina infalivelmente
Trad. de Paulo Quintela. Lisboa: Edições 70, 1995. p. 59.) a vontade, as ações de um tal ser, que são conhecidas
Segundo essa formulação do imperativo categórico por como objetivamente necessárias, são também
Kant, uma ação é considerada ética quando: subjetivamente necessárias, isto é, a vontade é a
a) Privilegia os interesses particulares em detrimento de faculdade de escolher só aquilo que a razão
leis que valham universal e necessariamente. independentemente da inclinação, reconhece como
b) Ajusta os interesses egoístas de uns ao egoísmo dos praticamente necessário, quer dizer bom”.
outros, satisfazendo as exigências individuais de prazer (KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes.
e felicidade. Trad. de Paulo Quintela. Lisboa: Edições 70, 1995. p. 47.)
234
24
Com base no texto e nos conhecimentos sobre a GABARITO
liberdade em Kant, considere as afirmativas a seguir.
I. A liberdade, no sentido pleno de autonomia, QUESTÕES VOLTAIRE
restringe-se à independência que a vontade 1. 2/8/16
humana mantém em relação às leis da natureza.
2. 2/8
II. A liberdade configura-se plenamente quando a
vontade humana vincula-se aos preceitos da vontade
divina. QUESTÕES MONTESQUIEU
III. É livre aquele que, pela sua vontade, age tanto
1. b
objetivamente quanto subjetivamente, por princípios
que são válidos para todos os seres racionais.
IV. A liberdade é a capacidade de o sujeito dar a si a sua QUESTÕES ROUSSEAU
própria lei, independentemente da causalidade natural. 1. a
Estão corretas apenas as afirmativas:
a) I e II 2. a
b) II e III 3. a
c) III e IV 4. c
d) I, II e IV
e) I, III e IV
QUESTÕES ENCICLOPÉDIA
1. b
2. 2/4/8
QUESTÕES FISIOCRATAS
1. a
QUESTÕES KANT
1. b
2. d
3. a
4. d
5. a
6. b
7. b
8. a
9. b
10. d
11. b
12. a
13. e
14. d
15. c
235
25
FILOSOFIA CONTEMPORÂNEA A igualdade política ficou comprometida, pois
os direitos de votar e ser votado ficaram, de fato,
restritos à elite econômica.
CONTEXTO HISTÓRICO Com o Iluminismo temos uma transformação
O pensamento filosófico contemporâneo se que promoveu uma progressiva substituição das
desenvolve sob o pano de fundo intelectual do crenças pela indagação racional como explicação para
otimismo da razão e a crença no progresso da os fenômenos naturais.
humanidade, reforçados pelos dois maiores Como vimos, os iluministas acreditavam que o
acontecimentos que moldaram o mundo ocidental. uso sistemático da razão levaria o ser humano à
A Revolução Industrial, não se restringiu à compreensão de todas as áreas do conhecimento e, por
introdução de máquinas e aperfeiçoamento dos modos esse motivo, pregavam o uso da razão pura.
de produção. Também representou o triunfo da A razão seria a salvadora da humanidade,
indústria, comandada pelo empresário capitalista que, tirando o homem das trevas que estava mergulhado
pouco a pouco, concentrou a propriedade das para uma nova era de progresso tecnológico que
máquinas, das ferramentas e das terras, transformando garantiria melhores condições de vida tanto material
populações inteiras em trabalhadores despossuídos e quanto espiritual.
recrudescendo o aumento da desigualdade social.
1. JEREMY BENTHAM E O ULTILITARISMO
7. Niilismo, eterno retorno e “amor fati” O amor fati é aceitação do eterno retorno, é
aceitação da vida. Mas não se deve ver nele a aceitação
O niilismo, diz Nietzsche, é “a consequência do homem. A mensagem fundamental de Zaratustra,
necessária do cristianismo, da moral e do conceito de com efeito, está em pregar o super-homem.
verdade da filosofia”. Quando as ilusões perdem a E o homem, o homem novo, que deve criar um
máscara, então o que resta é nada: o abismo do nada. novo sentido da terra, abandonar as velhas cadeias e
“Como estado psicológico, o niilismo torna-se cortar os antigos troncos. O homem deve inventar o
necessário, em primeiro lugar, quando procuramos em homem novo, isto é, o super-homem, o homem que vai
além do homem e que é o homem que ama a terra e
258
23
cujos valores são a saúde, a vontade forte, o amor, a A partir da citação acima, assinale o que for correto.
embriaguez dionisíaca e um novo orgulho. 01) “Além do bem e do mal” representa a suspeita de
Diz Zaratustra: "Um novo orgulho ensinou-me que o valor da verdade não se opõe ao valor da mentira.
o meu Eu, e eu o ensino aos homens: não deveis mais 02) Os positivistas são, para Nietzsche, uma nova classe
esconder a cabeça na areia das coisas celestes, mas
mantê-la livremente: uma cabeça terrena, que cria ela de filósofos, que surgirá depois da teologia empirista.
própria o sentido da 04) O exercício da dúvida, entre muitos filósofos que
terra". diziam duvidar de tudo, era apenas o primeiro passo
O super-homem para fundamentar a certeza.
substitui os velhos 08) A filosofia é perigosa, razão pela qual F. Nietzsche
deveres pela vontade e Giordano Bruno foram queimados na fogueira.
própria. "O homem é uma
16) A aparência, mesmo oposta logicamente ao
corda estendida, estendida
entre o bruto e o super- conceito de verdade, é necessária para a manutenção da
homem, uma corda vida.
estendida sobre um
abismo". Ele deve 02. Como Nietzsche indica na Genealogia da Moral,
procurar novos valores: ainda que os sentimentos de “dever” e de “obrigação
"O mundo gira em torno pessoal” tenham se originado nas mais antigas relações
dos inventores de novos
entre os indivíduos, as relações entre comprador e
valores".
Assim como para Protágoras, também para vendedor, eles foram concentrados e monopolizados
Nietzsche o homem deve ser a medida de todas as no dever e na obrigação a Deus. Desde então, quanto
coisas, deve criar novos valores e pô-los em prática. O mais se exponencia a ideia de Deus, tanto maior será,
homem embrutecido tem a espinha curvada diante das proporcionalmente, o sentimento de dever e de
ilusões cruéis do sobrenatural. obrigação em relação a ele. (...)
O super-homem “ama a vida” e “cria o sentido
Sendo assim, pode-se prever que o triunfo completo e
da terra”, e é fiel a isso.
Aí está sua vontade de poder. definitivo do ateísmo libertaria a humanidade de todo
sentimento de obrigação em relação à sua origem.
QUESTÕES Desde então, é por um único e mesmo movimento que
se obtém o eclipse do "tu deves" e a emancipação do
01. (UEM 2015) “Nem aos mais cuidadosos dentre eles “eu quero” (...).
[os metafísicos] ocorreu duvidar aqui, no limiar, onde Carlos A. R. de Moura
mais era necessário: mesmo quando haviam jurado para A partir do texto supracitado, é correto afirmar que o
si próprios de omnibus dubitandum [de tudo duvidar]. [...] ateísmo de Nietzsche
Com todo o valor que possa merecer o que é a) é apenas um corolário de sua análise da moral, não
verdadeiro, veraz, desinteressado: é possível que se deva desempenhando nenhum papel central em sua filosofia.
atribuir à aparência, à vontade de engano, ao egoísmo e b) visa apenas a desconstruir a idéia de dever, sem
à cobiça um valor mais alto e mais fundamental para a realmente preocupar-se com a crítica à idéia de Deus.
vida. É até mesmo possível que aquilo que constitui o c) antecipa o marxismo, uma vez que, nele, a gênese do
valor dessas coisas boas e honradas consista exatamente dever moral é situada nas relações entre comprador e
em serem insidiosamente aparentadas, atadas, unidas, e vendedor.
talvez até essencialmente iguais a essas coisas ruins e d) não implica uma mudança completa da moral, pois
aparentemente opostas. Talvez! – Mas quem se mostra fica intacto o estatuto positivo para o dever.
disposto a ocupar-se de tais perigosos ‛talvez’? Para isso e) desempenha um papel estruturante em sua filosofia,
será preciso esperar o advento de uma nova espécie de uma vez que ele é um requisito para a emancipação da
filósofos, que tenham gosto e pendor diversos, vontade.
contrários aos daqueles que até agora existiram –
filósofos do perigoso ‛talvez’ a todo custo. – E, falando 03. A originalidade de Friedrich Nietzsche (1844-1900)
com toda a seriedade: eu vejo esses filósofos surgirem.” reside, sobretudo, em sua crítica aos valores morais.
Para ele, o apego do homem aos valores morais pode
(NIETZSCHE, F. Além do bem e do mal. In MARCONDES,
D. Textos básicos de filosofia: dos pré-socráticos a Wittgenstein.
ser justificado pela forte influência que a antiga tradição
2ª. ed. rev. Rio de Janeiro: Zahar, 2007, p. 145-146). judaico-cristã exerce sobre o pensamento humano.
259
24
Sendo assim, a estratégia que ele emprega para II. Em Sócrates, Nietzsche encontra o ideal de
denunciar os pressupostos da tradição clássica e exigir humanismo que irá definir sua filosofia como “estética
seu abandono compreende: de si”. O par conceitual, dionisíaco (Dionísio é o Deus
I. Empregar um método de análise filológico que revela da embriaguez da música e do caos) e apolíneo (Apolo
a origem dos significados dos termos morais e se afastar é o Deus da luz, da forma, da harmonia e da ordem),
das interpretações metafísico-religiosas acerca dessas mostra a herança socrática. Da luta e do equilíbrio final
noções. desses dois elementos opostos, surge o pensamento
II. Denunciar a cultura do niilismo que assola a nietzschiano como saber da vida e da morte, como
sociedade moderna e que se transforma em forma expressão do enigma da existência.
negadora da existência humana. III. Kant e sua moral são alvos do “filosofar com o
III. Combater todos os valores contrários à vida e que martelo” nietzschiano: o “imperativo categórico”, isto
negam a natureza humana. é, a lei universal que deve guiar as ações humanas, é para
IV. Abandonar as antigas concepções culturais de Nietzsche uma ficção que provém do domínio da razão
natureza metafísica e, consequentemente, a ideia de sobre os instintos humanos, sendo a lei de um homem
verdade presente nessas concepções. descarnado e cristianizado.
Assinale a alternativa correta IV. A vontade de potência é um conceito-chave na obra de
a) Todas as afirmações são corretas. Nietzsche. Indica-nos as relações de força que se
b) Apenas I e III são corretas. desenrolam em todo acontecer, assinalando seu método
c) Apenas II e IV são corretas. histórico. Assim, Nietzsche pensa o tempo de acordo
d) Apenas III e IV são corretas. com uma concepção própria, um tempo não-linear, que
e) Apenas I e IV são corretas. se desenvolve em ciclos que se repetem – é o
pensamento do eterno retorno, outro conceito-chave de
04. (UFU 2014) Assinale a alternativa que indica a sua obra.
“moral do senhor”, de acordo com Nietzsche. A) Apenas IV.
a) Os princípios metafísicos e morais dos diálogos de B) Apenas II e III.
Platão. C) Apenas II, III e IV.
b) A força, a criatividade, a saúde e o amor à vida. D) Apenas I, II e IV.
c) Os princípios éticos e morais, que se encontram na E) Apenas I, III e IV.
Bíblia.
d) O ódio e o ressentimento dos fracos contra os mais 06. (UEM 2008) Friedrich Nietzsche critica o
fortes. pensamento socrático-platônico e a tradição da religião
judaico-cristã por terem desenvolvido uma razão e uma
05. (UNICENTRO 2010) O fragmento de texto, logo moral que subjugaram as forças instintivas e vitais do
abaixo, é de Friedrich Nietzsche (1844-1900). Analise- ser humano, a ponto de domesticar a vontade de
o, tendo como referência seus conhecimentos sobre o potência do homem e de transformá-lo em um ser fraco
tema, e julgue as assertivas que o seguem, apontando e doentio. Assinale o que for correto.
a(s) correta(s). 01) Ao criticar a moral tradicional racionalista,
“Todo filosofar moderno está política e policialmente considerada hipócrita e decadente, Nietzsche propõe
limitado à aparência erudita, por governos, igrejas, uma moral não-repressiva, que permite o livre curso
academias, costumes, modas, covardias dos homens: ele dos instintos, de modo que o homem forte possa, ao
permanece no suspiro: ‘mas se...’ ou no reconhecimento: mesmo tempo, acompanhar e superar o movimento
‘era uma vez...’ A filosofia não tem direitos; por isso, o contraditório e antagônico da vida.
homem moderno, se pelo menos fosse corajoso e 02) Para Nietzsche, o super-homem deveria ter a
consciencioso, teria de repudiá-la e bani-la. Mas a ela missão de criar uma raça capaz de dominar a
poderia restar uma réplica e dizer: ‘Povo miserável! É humanidade, sendo, por isso, necessário aniquilar os
culpa minha se em vosso meio vagueio como uma mais fracos.
cigana pelos campos e tenho de me esconder e 04) Nietzsche concorda com o marxismo, quando esse
disfarçar, como se eu fosse a pecadora e vós, meus afirma que a história da humanidade é a história das
juízes? Vede minha irmã, a arte! Ela está como eu: lutas de classes, e considera que o socialismo é a única
caímos entre bárbaros e não sabemos mais nos salvar.” forma de organização social aceitável.
(NIETZSCHE, F. A Filosofia na época trágica dos gregos. – aforismo 08) Nietzsche identifica dois grandes tipos de moral,
3. São Paulo: Abril Cultural, 1978, p. 32 (Col. Os Pensadores). isto é, a moral aristocrática de senhores e a moral
I. Nietzsche critica a filosofia de sua época, afirmando plebeia de escravos. A moral de escravos é caracterizada
que ela afastou-se da vida, refugiando-se num universo pelo ressentimento, pela inveja e pelo sentimento de
de abstração e deduções lógicas, criando falsos vingança; é uma moral que nega os valores vitais e nutre
dualismos, como o de corpo e alma, mundo e Deus, a impotência.
mundo aparente e mundo verdadeiro.
260
25
16) Os valores que constituem a moral aristocrática de GABARITO
senhores são, para Nietzsche, eternos e invioláveis.
Devem orientar a humanidade com uma força QUESTÃO BENTHAM
dogmática, de modo que o homem não se perca.
1. d
07. (UEM 2010) A Filosofia de Friedrich Nietzsche 2. e
(1844-1900) é marcada por uma nova relação entre o
racional e o irracional, na medida em que o irracional
adquire validade por corresponder à necessidade de um QUESTÕES HEGEL
movimento de afirmação da vida. Com base nessa
afirmação, assinale o que for correto. 1. a
01) Para Nietzsche, o Iluminismo não libertou os 2. c
homens de seus prejuízos, mas reforçou ainda mais seus
mitos, como a crença na razão e no conhecimento 3. 01/02/04/16
científico. 4. b
02) O recurso metodológico proposto por Nietzsche é
a genealogia, isto é, movimento teórico que recorre à 5. 2/8
gênese de um discurso, conceito ou prática, apontando 6. 1/2/4/16
suas arbitrariedades e interesses.
04) Para Nietzsche, o conhecimento é fruto de um lento 7. c
processo de acumulação e comprovação empírica, cuja 8. 1/16
finalidade é salvar os fenômenos.
08) Contra a moral dos aristocratas e nobres, Nietzsche
defende os fracos, isto é, a moral dos escravos. QUESTÕES SCHOPENHAUER
16) A “vontade de potência” é a afirmação do nacional-
socialismo alemão, expresso na doutrina do super- 1. 1/4/16
homem e no antissemitismo nietzscheano. 2. e
3. b
4. a
5. a
QUESTÕES NIETZSCHE
1. c
2. e
3. a
4. b
5. e
6. 1/8
7. 01/02
261
26
SURGIMENTO DA SOCIOLOGIA tropicais, como açúcar, milho, tabaco e café) entre as
metrópoles e as colônias, bem como entre os países
A Sociologia, no contexto do conhecimento europeus. Nascia então a possibilidade de um mercado
científico, surgiu como um corpo de ideias a respeito do muito mais amplo e com características mundiais.
processo de constituição, consolidação e A exploração de metais preciosos, principalmente
desenvolvimento da sociedade moderna. Ela é fruto da na América, e o tráfico de escravos para suprir a mão de
Revolução Industrial e é denominada “ciência da crise”, obra nas colônias deram grande impulso ao comércio,
porque procurou dar respostas às questões sociais que não mais ficou restrito aos mercadores das cidades-
impostas por essa revolução que, num primeiro repúblicas (Veneza, Florença ou Flandres), passando
momento, alterou a sociedade europeia e, depois, o também para as mãos de grandes comerciantes e de
mundo todo. soberanos dos importantes Estados nacionais em
formação na Europa.
Toda essa expansão territorial e comercial
acelerou o desenvolvimento da economia monetária, com
a acumulação de capitais pela burguesia comercial, que,
mais tarde, teve uma importância decisiva na gestação do
processo de industrialização da Europa.
As mudanças que se operavam nas formas de
produzir a riqueza só poderiam funcionar se ocorressem
modificações na organização política. Assim, pouco a
pouco, desenvolveu-se uma estrutura estatal que tinha
por base a centralização da justiça, com um novo sistema
jurídico baseado no Direito romano.
Houve também a centralização das forças armadas,
com a formação de um exército permanente, e a
A Sociologia como “ciência da sociedade” não centralização administrativa, com um aparato burocrático
surgiu de repente, ou da reflexão de algum autor ordenado hierarquicamente e com um sistema de
iluminado; ela é fruto de todo um conhecimento sobre a cobrança de impostos que permitiu a arrecadação
natureza e a sociedade que se desenvolveu a partir do constante para manter todo esse aparato jurídico-
século XV, quando ocorreram transformações burocrático-militar sob um único comando. Nasceu,
significativas que tiveram como resultado a desagregação dessa forma, o Estado moderno, que favoreceu a
da sociedade feudal e a constituição da sociedade expansão das atividades vinculadas ao desenvolvimento
capitalista. Essas transformações — a expansão marítima, da produção têxtil, à mineração e à siderurgia, bem como
o comércio ultramarino, a formação dos Estados ao comércio interno e externo.
nacionais, a Reforma Protestante e o desenvolvimento No século XVI, desenvolveu-se outro
científico e tecnológico — estão vinculadas umas às movimento, o da Reforma Protestante. Esse
outras e não podem ser entendidas de forma isolada. movimento, que entrou em conflito com a autoridade
Elas são o pano de fundo que permite entender papal e a estrutura da Igreja, valorizava o indivíduo e
melhor um movimento intelectual de grande envergadura permitia a livre leitura das Escrituras Sagradas; provocava,
que alterou profundamente as formas de explicar a dessa forma, o confronto com o monopólio do clero na
natureza e a sociedade desde então. interpretação baseada na fé e nos dogmas. Muitos
A expansão marítima europeia teve um papel passaram, então, em vários lugares do mundo ocidental,
importante nesse processo, pois, com a circunavegação não só a interpretar as Escrituras Sagradas, como também
da África e o descobrimento da rota para as índias e para a professar sua fé em Deus diretamente, sem a
a América, a concepção de mundo dos povos europeus intermediação dos ministros da Igreja.
foi consideravelmente ampliada. A definição de um Se nascia uma nova maneira de se relacionar com
mundo territorialmente muito mais amplo, com as coisas sagradas, concebia-se também outra forma de
diferentes povos e culturas, exigiu a reformulação do analisar o universo. A razão passava a ser soberana e era
modo de ver e de pensar dos europeus. entendida como elemento essencial para se conhecer o
Ao mesmo tempo em que se conheciam novos mundo; isto é, os homens deviam ser livres para julgar,
povos e novas culturas, instalavam-se colônias na África, avaliar, pensar e emitir opiniões, sem se submeter a
na Ásia e na América, ocorrendo com isso a expansão do nenhuma autoridade transcendente ou divina, que tinha
comércio de mercadorias (sedas, especiarias e produtos na Igreja a sua maior defensora e guardiã.
262
1
Do século XV ao XVII, o conhecimento racional do Foram criadas, nesse contexto, as máquinas de
universo e da vida em sociedade tornou-se uma regra descaroçar e de tecer algodão, e se iniciou a aplicação
seguida por alguns pensadores; foi uma mudança lenta, industrial da máquina a vapor e de outros tantos inventos
sempre enfrentando embates contra o dogmatismo e a destinados a aumentar a produtividade do trabalho.
autoridade da Igreja, a exemplo do Concilio de Trento e Desenvolveu-se então o fenômeno que veio a ser
dos processos da Inquisição, que procuraram impedir chamado de maquinofatura. O trabalho que os homens
toda e qualquer manifestação que pudesse pôr em dúvida realizavam com as mãos ou com ferramentas passou, a
a autoridade eclesiástica, seja no campo da fé, seja no das partir de então, a ser feito por meio de máquinas,
explicações que se propunham para a sociedade e a elevando muito o volume da produção de mercadorias.
natureza. A presença da máquina a vapor, que podia mover
Essa nova forma de conhecer a natureza e a outras tantas máquinas, incentivou o surgimento da
sociedade, em que a experimentação e a observação eram indústria construtora de máquinas, que, por sua vez,
fundamentais, era representada pelo pensamento e pelas incentivou toda a indústria voltada para a produção de
obras de diversos autores; entre eles, Nicolau Maquiavel ferro e, posteriormente, de aço. É interessante lembrar
(1469-1527), Nicolau Copérnico (1473-1543), Galileu que já no final do século XVIII produziam-se ferro e aço
Galilei (1564-1642), Thomas Hobbes (1588-1679), com a utilização do carvão mineral.
Francis Bacon (1561-1626) e René Descartes (1596- Nesse contexto de profundas alterações no
1650). Além desses pensadores, dois outros fizeram a processo produtivo, cada vez mais o trabalho mecânico
intermediação entre esses conhecimentos e os que se convivia com o trabalho artesanal. A maquinofatura se
desenvolveram no século seguinte: John Locke (1632- completava com o trabalho assalariado, incluindo a
1704) e Isaac Newton (1642-1727). Ao passo que o utilização, numa escala crescente, da mão de obra
primeiro propunha novos princípios para a compreensão feminina e da infantil.
da razão humana, o segundo estabelecia um novo Ao mesmo tempo, longe da Europa,
fundamento para o estudo da natureza. intensificava-se a exploração do ouro no Brasil, da prata
no México e do algodão na América do Norte e na índia.
A hegemonia burguesa Todas essas atividades eram desenvolvidas com a
utilização do trabalho escravo ou servil. Esses elementos,
Na maioria dos países europeus no final do século conjugados, asseguravam as bases do processo de
XVIII, a burguesia comercial, formada basicamente por acumulação necessário para a expansão da indústria na
comerciantes e banqueiros, tornou-se uma classe com Europa.
muito poder, na maior parte das vezes, por causa das Todas essas mudanças, somadas à herança
ligações econômicas que mantinha com os monarcas. cultural e intelectual do século XVII, definiram o século
Essa classe, além de sustentar o comércio entre os países XVIII como um período explosivo. Se no século anterior
europeus, estendia seus tentáculos a todos os pontos do a Revolução Inglesa determinou novas formas de
globo, comprando e vendendo mercadorias, tornando o organização política, foi no XVIII que a Revolução
mundo cada dia mais europeizado. Americana e a Revolução Francesa alteraram o quadro
O capital mercantil se estendia também a outro
ramo de atividade: gradativamente se organizava a
produção manufatureira. A compra de matérias-primas e
a organização da produção por meio do trabalho
domiciliar ou do trabalho em oficinas levavam ao
desenvolvimento de um novo processo produtivo em
contraposição ao processo artesanal e das corporações de
ofício.
Ao se desenvolver a manufatura, os
organizadores da produção passaram a se interessar cada
vez mais pelo aperfeiçoamento das técnicas de produção,
visando produzir mais com menos gente, aumentando
significativamente os lucros. Para tanto, procuraram
investir nos “inventos”, isto é, financiar a criação de
máquinas que pudessem ter aplicação no processo
produtivo.
263
2
político e social do Ocidente, servindo de exemplo e 08) Os conflitos entre capital e trabalho, potencializados
parâmetro para as revoluções posteriores. pela concentração dos operários nas fábricas, foram tema
As transformações na esfera da produção, a de pesquisa dos precursores da sociologia e continuam
emergência de novas formas de organização política e a inspirando debates científicos relevantes na atualidade.
exigência da representação popular deram características 16) A necessidade de controle da força de trabalho fez
muito específicas a esse século. Pensadores como com que as fábricas e indústrias do século XIX inserissem
Montesquieu (1689-1755), David Hume (1711-1776), sociólogos em seus quadros profissionais, para atuarem
Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), Adam Smith (1723- no desenvolvimento de modelos de gestão mais eficientes
1790) e Immanuel Kant (1724-1804), entre outros, e produtivos.
refletiram sobre a realidade, na tentativa de explicá-la.
No século XIX, outras transformações 2. (UFU 2009) Sobre o surgimento da Sociologia e suas
ocorreram, como a emergência de novas fontes proposições acerca da explicação do mundo social, pode-
energéticas (eletricidade e petróleo) e de novos ramos se afirmar:
industriais (indústria pesada, ferrovias), além da alteração A) a Sociologia é uma manifestação do pensamento
profunda nos processos produtivos, com a introdução de moderno e uma forma de conhecimento do mundo
novas máquinas e equipamentos. No início desse século, social, cujas explicações são fundadas nas descobertas das
depois de 300 anos de exploração colonialista por parte ciências naturais e físicas, por pressupor uma unidade
das nações europeias, iniciou-se, principalmente na entre sociedade e natureza e rejeitar o uso de leis gerais
América Latina, um processo intenso de luta pela no conhecimento.
independência. Foi um reflexo do que ocorreu na França B) os pensadores fundadores da Sociologia concentraram
e nos Estados Unidos. seus esforços em interesses políticos e, portanto, práticos,
É no século XIX, já com a consolidação do face aos objetivos de contribuir para as transformações
sistema capitalista na Europa, que se encontra a herança sociais e para a consolidação de uma nova ordem social
intelectual mais próxima da Sociologia como ciência diversa das sociedades feudal e capitalista.
particular. O pensamento de Adam Smith, Saint-Simon C) a desagregação da sociedade feudal e a consolidação
(1760-1825), Georg Wilheim Friedrich Hegel (1770- da sociedade capitalista, com o consequente processo de
1830), David Ricardo (1772-1823) e Charles Darwin industrialização e urbanização em países da Europa,
(1809-1882), entre outros, foi a fonte para Aléxis de contribuíram para o surgimento da Sociologia como
Tocqueville (1805-1859), Auguste Comte (1798-1857), forma de conhecimento das sociedades em extinção.
Karl Marx (1818-1883) e Herbert Spencer (1820-1903) D) a Sociologia surgiu no século XIX, vinculada à
desenvolverem suas reflexões sobre a sociedade de seu sociedade moderna, no contexto das transformações
tempo. econômicas e sociais e no bojo das mudanças nas formas
de pensamento, influenciadas pelas revoluções burguesas
QUESTÕES do século, bem como pelos ideais iluministas.
1. (UEM 2011) Sobre a relação entre a revolução 3. (UEM 2010) “(...) Por um lado, a Sociologia nasceu na
industrial e o surgimento da sociologia como ciência, sociedade industrial; apareceu e adquiriu importância
assinale o que for correto. como conseqüência da industrialização. Mas, por outro
01) A consolidação do modelo econômico baseado na lado, a ‘sociedade industrial’ é a filha mimada da
indústria conduziu a uma grande concentração da Sociologia, seu próprio conceito pode ser considerado
população no ambiente urbano, o qual acabou se um produto da moderna ciência social.”
constituindo em laboratório para o trabalho de DAHRENDORF, Ralph. Sociologia e sociedade industrial. In:
intelectuais interessados no estudo dos problemas que FORACCHI, Marialice Mencarini; MARTINS, José de Souza.
Sociologia e sociedade. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos,
essa nova realidade social gerava. 1977, p.118-119.
02) A migração de grandes contingentes populacionais do Considerando o fragmento de texto acima, a constituição
campo para as cidades gerou uma série de problemas da perspectiva sociológica e a análise da sociedade
modernos, que passaram a demandar investigações capitalista, assinale o que for correto.
visando à sua resolução ou minimização. 01) A Sociologia tem por objetivo solucionar os
04) Os primeiros intelectuais interessados no estudo dos problemas sociais resultantes da constituição da
fenômenos provocados pela revolução industrial sociedade industrial, capitalista e moderna.
compartilhavam uma perspectiva positiva sobre os 02) A Sociologia gerou mecanismos de compreensão da
efeitos do desenvolvimento econômico baseado no sociedade industrial que possibilitaram investigar as
modelo capitalista. mudanças de posição social dos indivíduos.
264
3
04) O advento da sociedade industrial explicita o caráter 01) A Revolução Científica, iniciada no século XVI, ao
mutável e histórico das relações sociais, que é enfatizado propor a substituição da razão teológica pelo
pela moderna ciência social da época. conhecimento derivado de evidências empiricamente
08) A consolidação da sociedade industrial independe do observáveis, contribuiu para que a organização social
desenvolvimento científico e da afirmação da ciência deixasse de ser entendida como um dado natural ou
como ferramenta de interpretação do mundo. desígnio divino e passasse a ser objeto de
16) No século XVIII, identificamos um processo de questionamentos.
transformação social que foi propício ao surgimento da 02) A Sociologia surge no contexto das Revoluções
Sociologia como disciplina científica. Por seu turno, a Democráticas do século XVIII como um instrumento de
Sociologia, ao interpretar essa época, terminou por criá- recomposição da ordem monárquica abalada pela crítica
la. à legitimidade teológica das lideranças políticas.
04) A Revolução Industrial acarretou uma série de
4. (UNICENTRO 2011) Uma série de mudanças problemas sociais, sendo a maioria decorrente da
políticas e econômicas ocorreu na Europa, a partir do fim significativa concentração da população nas cidades ao
da Idade Média. O quadro “A liberdade guiando o povo” redor das nascentes indústrias. A necessidade de
(1830), de Eugène Delacroix, alude a um dos mais compreensão dessa nova experiência urbana impulsionou
importantes acontecimentos decorrentes desse período decisivamente o surgimento da Sociologia.
na história europeia, a Revolução Francesa. 08) A Reforma Protestante, com a crítica ao dogma
católico e a defesa da razão técnica, favoreceu a
proposição de uma ciência objetiva da sociedade.
16) As Revoluções Democráticas do século XVIII, ao
questionarem as monarquias baseadas em princípios
teocráticos, atribuíram aos homens a tarefa de construir
sua própria ordem social, segundo seus anseios e
necessidades. Com isso, favoreceram o surgimento de
uma ciência da sociedade que teria a função de apontar
caminhos para a resolução dos problemas sociais.
QUESTÕES
QUESTÕES COMTE
01. (UEM 2011) O evolucionismo social do século XIX 1. b
teve um papel fundamental na constituição da sociologia
como ramo científico. Sobre essa corrente de 2. a
pensamento, que reunia autores como Augusto Comte e 3. d
Herbert Spencer, assinale o que for correto.
01) O evolucionismo define que as estruturas, naturais ou 4. b
sociais, passam por processo de diferenciação e 5. c
integração que levam ao seu aprimoramento.
02) O evolucionismo propõe que a evolução das 6. 1/2/8/16
sociedades ocorre em estágios sucessivos de 7. 1/2/8
racionalização.
04) O evolucionismo considera o Estado Militar como a
forma mais evoluída de organização social, fundamentada QUESTÕES SPENCER
na cooperação interna e obrigatória.
08) O evolucionismo rejeita o modelo político e 1. 01/02/16
econômico liberal, baseado na livre iniciativa e no laissez-
faire, considerando-o uma orientação contrária à evolução
social.
16) O evolucionismo defende a unidade biológica e
cognitiva da espécie humana, independente de variações
particulares.
281
20
1. FEUERBACH natureza, corporeidade, sensibilidade, necessidade.
Ludwig Feuerbach Portanto, é preciso negar o idealismo, que é somente o
(1804-1872) é, depois de Marx, extravio do homem concreto. E, com maior razão, é
o maior representante da preciso negar o teísmo, já que não é Deus que cria o
esquerda hegeliana. Suas Lições homem, e sim o homem que cria Deus.
sobre a essência da religião –
apresentadas em Heidelberg em 6.2 A teologia é antropologia
1848 - foram publicadas em
1851. Em 1841 Feuerbach havia Feuerbach admite com Hegel a unidade entre o
publicado sua obra mais finito e o infinito. Mas, em sua opinião, essa unidade não
importante: A essência do se realiza em Deus ou na ideia absoluta, e sim no homem,
cristianismo. É aí que ele propõe em um homem que a filosofia não pode reduzir a puro
aquela que ele próprio define pensamento, mas sim deve considerar em sua inteireza,
como redução da teologia e da religião a antropologia. em sua naturalidade e em sua sociabilidade. E a religião
sempre desempenhou um papel fundamental na história
Não é Deus que cria o homem do homem concreto.
A filosofia não tem a função de negar ou
Em 1837, Feuerbach era ainda fervoroso ridicularizar esse grande fato humano que é a religião.
hegeliano. Mas, em 1839, as coisas já haviam mudado, Deve compreendê-lo. E o compreende, afirma
porque no escrito Pela crítica da filosofia hegeliana há, sim, Feuerbach, quando se dá conta de que a consciência que
elogios a Hegel, mas também críticas: “Hegel começa o homem tem de Deus é a consciência que o homem tem
com o ser, isto é, com o conceito de ser ou com o ser de si. Em outros termos, o homem põe suas qualidades,
abstrato; por que eu não devo poder começar com o suas aspirações e seus desejos fora de si, afasta-se, aliena-
próprio ser, isto é, com o ser real?” se e constrói sua divindade.
Para Feuerbach, Hegel “pôs de lado os A religião, portanto, está no relacionar-se do
fundamentos e as causas naturais, as bases da filosofia homem com sua própria essência (nisso consiste sua
genético-crítica”. Mas uma filosofia que deixa de lado a verdade), mas sua essência não como sua e sim como
natureza é vã especulação. outra essência, separada e dividida dele, até oposta (nisso
consiste sua falsidade). A religião, pois, é a projeção da
essência do homem. Deus é o espelho do homem, afirma
Feuerbach.
Na oração, o homem adora seu próprio coração;
o milagre é o desejo sobrenatural realizado; “Os dogmas
fundamentais do cristianismo são desejos realizados do
coração”.
Para Feuerbach, a religião é fato humano,
totalmente humano. E isso ainda que o homem religioso não
tenha consciência do caráter humano do seu conteúdo,
não admita que o seu conteúdo seja humano. Mas,
Em 1841 sai a obra mais importante de comenta Feuerbach, assim como o homem pensa quais
Feuerbach, A essência do cristianismo, na qual o autor efetua sejam os seus princípios, tal é o seu Deus: quanto o
o que ele próprio define como a redução da teologia e da homem vale, tanto e não mais vale o seu Deus. Tu
religião a antropologia. O interesse pela religião estava conheces o homem pelo seu Deus e, reciprocamente,
claro para Feuerbach desde o início, e permaneceu Deus pelo homem; um e outro se identificam. Deus é o
constante em todas as fases de seu pensamento, que ele íntimo revelado, a essência do homem expressa; a religião
assim esquematiza: “Meu primeiro pensamento foi Deus, é a revelação solene dos tesouros ocultos do homem, a
meu segundo foi a razão, meu terceiro e último foi o profissão pública de seus segredos de amor.
homem”. É esse o sentido da tese de Feuerbach, segundo o
Hegel suprimira o Deus transcendente da qual o núcleo secreto da teologia é a antropologia. Diz ele
tradição, substituindo-o pelo espírito, isto é, digamos, a que o homem desloca seu ser para fora de si antes de
realidade humana em sua abstração. Mas aquilo que encontrá-lo em si. E esse encontro, essa aberta confissão
interessa a Feuerbach não é uma ideia de humanidade, ou admissão de que a consciência de Deus nada mais é
mas muito mais o homem real, que é, antes de mais nada, do que a consciência da espécie, Feuerbach o vê como
282
1
reviravolta da história. Finalmente, na história o homem A propriedade é um “furto”
é Deus.
Assim, todas as qualificações do ser divino são Em 1840, Proudhon (1809-1865) publicou o
qualificações do ser humano. O ser divino é unicamente famoso escrito O que é' a propriedade?; em 1843, aparece A
o ser do homem libertado dos limites do indivíduo, isto criação da ordem na humanidade; em l846, O sistema das
é, dos limites da corporeidade e da realidade, mas contradições econômicas ou filosofia da miséria; de 1858 são os
objetivado, ou seja, contemplado e adorado como outro três volumes de A justiça na revolução e na Igreja. Promotor
ser, distinto dele. de movimentos sindicais, mutualistas e pacifistas,
Proudhon era simultaneamente adversário da
6.3 O “humanismo” de Feuerbach propriedade privada tanto quanto do comunismo.
Proudhon vê que a economia burguesa tem como
Todavia - e essa pergunta não pode ser evitada -, fundamento a propriedade privada.
por que o homem se alheia, por que constr6i a divindade
sem nela se reconhecer? Feuerbach responde: porque o
homem encontra uma natureza insensível a seus
sofrimentos, porque tem segredos que o sufocam; e, na
religião, alivia seu próprio coração oprimido.
Eis, portanto, desvelado o mistério da religião:
Feuerbach substitui o Deus do céu por outra divindade,
o homem “de carne e de sangue”. E, assim, pretende
substituir a moral que recomenda o amor a Deus pela
moral que recomenda o amor ao homem em nome do
homem. Essa é a intenção do humanismo de Feuerbach:
a de transformar os homens de amigos de Deus em
amigos dos homens, “de homens que crêem em homens
que pensam, de homens que oram em homens que
trabalham, de candidatos ao além em estudiosos do
aquém, de cristãos - que, por seu próprio Mas o que é a propriedade? Responde Proudhon:
reconhecimento, são metade animais e metade anjos – em “A propriedade é furto”. Já se disse que tal resposta foi
homens em sua inteireza". como que um tiro de pistola disparado de surpresa para
Inicialmente, a esquerda hegeliana usou Hegel chamar a atenção até do burguês tranquilo para a questão
contra a teologia e a filosofia tradicional. E, social.
posteriormente, dirigiu suas críticas contra as A propriedade é furto, segundo Proudhon
“abstrações” hegelianas, em nome do homem concreto, porque o capitalista não remunera o operário com todo o
do indivíduo em particular ou da política revolucionaria. valor do seu trabalho. A “força coletiva”, resultante da
Substancialmente, a esquerda hegeliana combateu força de muitos trabalhadores organizados, fornece
a fé cristã em nome de uma metafísica imanentista, e as produtividade muito mais alta do que aquela que se
abstrações da filosofia hegeliana em nome da obteria da soma de simples trabalhos individuais. E esse
“concretude”. o sentido da frase “a propriedade é furto”: o capitalista se
apropria do valor do trabalho coletivo.
2. SOCIALISMO UTÓPICO E a partir daí se cria a contradição fundamental
entre capital e trabalho, contradição que leva o capitalista
não só a se apropriar do trabalho do operário, mas
PIERRE-JOSEPH PROUDHON
também de sua própria existência. Para dizer a verdade,
Proudhon não é contrário à propriedade enquanto tal,
Lênin escreveu que "o marxismo t o sucessor mas somente à propriedade que assegura “renda sem
legitimo de tudo o que a humanidade criou de melhor trabalho”.
durante o século XIX: a filosofia alemã, a economia A propriedade se justifica unicamente como
política inglesa e o socialismo francês”. condição de liberdade. Mas, quando está organizada de
Esse “socialismo francês” t aquele que, com ou modo a tornar livres uns poucos (os capitalistas) em troca
sem razão, foi depois chamado de socialismo utópico, e que da escravidão de muitos (os trabalhadores), então ela é
relaciona entre seus pensadores mais significativos Saint- furto. Somente o trabalho é produtivo. E o operário pode
Simon, Fourier e Proudhon. certamente se apropriar do fruto do seu trabalho. Mas
283
2
isso é a posse e não a propriedade privada capitalista, que exasperação. No comunismo, o Estado torna-se
dá renda sem trabalho e escraviza muitos em favor de proprietário não só dos bens materiais, mas também dos
poucos. cidadãos. O comunismo pretende nacionalizar não só as
indústrias, mas também a vida dos homens. Ele é o
Justiça como lei do progresso social anúncio do Estado de caserna e do despotismo
policialesco.
A ordem socioeconômica burguesa, portanto, Ao contrário, para Proudhon, trata-se de
está errada e deve ser mudada. Mas em que rumo? reorganizar a economia, fazendo com que os
Proudhon descarta logo a hipótese comunista, que sujeita trabalhadores se tornem proprietários dos meios de
a pessoa à sociedade. Para Proudhon, o comunismo é produção e, portanto, tenham a possibilidade de autogerir
religião intolerante, orientada para a ditadura. o processo produtivo.
Diferentemente dos comunistas, ele prefere Desse modo, o tecido econômico da sociedade
“fazer a propriedade queimar em fogo lento, ao invés de passa a se constituir como pluralidade de centros
dar-lhe novas forças ao fazer uma noite de são produtores, que se equilibram mutuamente.
Bartolomeu dos proprietários”.
Mas, se a hipótese comunista não funciona, a 3. KARL MARX
proposta individualista também não é adequada. Não é Karl Marx nasceu
adequada porque é ilusório o desenvolvimento sem limites em Trier, em 15 de maio
da liberdade dos indivíduos. de 1818, filho de Heinrich,
Sendo assim, Proudhon propõe nova ordem social advogado, e de Henriette
baseada na justiça. E, em A justiça na revolução e na Igreja, Pressburg, dona de casa.
define a justiça como “o respeito, experimentado O pai e a mãe de Marx
espontaneamente e reciprocamente garantido, pela eram de origem judaica.
dignidade humana, em qualquer circunstância em que Em 15 de abril de
esteja envolvida, qualquer que seja o risco a que se 1841 laureou-se em
exponha sua defesa”. filosofia, em Berlim, com a
Segundo Proudhon, a justiça é a lei do progresso. tese intitulada Diferença
Ela não pode ser só ideia, mas deve ser força ativa do entre a filosofia da natureza de
indivíduo e da vida associada. Deve valer “como a Demócrito e a de Epicuro.
primeira e última palavra do destino humano e coletivo, Após o caminho
a sanção inicial e final de nossa bem-aventurança”. universitário, Marx passou
Proudhon rejeita a concepção da justiça que a vê ao jornalismo, tornando-se redator da “Gazeta Renana”,
imposta ao homem a partir de fora, por Deus. Esta é a órgão dos burgueses radicais da Renânia.
justiça da revelação, à qual Proudhon contrapõe a justiça da Em pouco tempo, Marx tornou-se redator-chefe
revolução, ou seja, aquela justiça imanente à consciência e à do jornal. Entretanto, em 21 de janeiro de 1843, o jornal
história humana. foi oficialmente interditado. Nesse período, Marx
Para Proudhon, a justiça é imanente e estudou Feuerbach, e ficou entusiasmado. No verão de
progressiva. 1843, escreveu a Crítica do direito público de Hegel, cuja
introdução foi publicada em Paris, em 1844, nos “Anais
Crítica ao coletivismo e ao comunismo franco-alemães”, fundados por Ruge, que convidou Marx
para ser co-diretor.
E precisamente através da ideia de justiça Em Paris, Marx entrou em contato com
Proudhon desfere crítica decisiva contra qualquer solução Proudhon e Blanc, encontrou Heine e Bakunin e,
coletivista do problema econômico. Se todos os meios de sobretudo, conheceu Friedrich Engels, que seria seu
produção são colocados nas mãos do Estado, então a amigo e colaborador por toda a vida.
liberdade dos indivíduos é limitada até o ponto da De 1844 são seus Manuscritos econômico- filosóficos
sufocação, aumentando a desigualdade social ao invés de (publicados em 1932).
diminui-la. Nesse meio tempo, colaborou com o “Avante”,
A ideia de Proudhon é de que o comunismo jornal dos artesãos comunistas, difundido na Alemanha.
nunca poderá respeitar a dignidade da pessoa e os valores E precisamente por essa colaboração pagaria o preço de
da família. O comunismo não elimina os males da ser expulso da Franga (11 de janeiro de 1845). Nesse
propriedade privada, mas muito mais os leva à tempo, amadurecia seu afastamento da esquerda
hegeliana. Em 1845 escreveu A sagrada família, trabalho
284
3
em colaboração com Engels e dirigido contra os Entretanto, o afastamento de Marx em relação a
hegelianos de esquerda. Hegel torna-se claro desde seus primeiros escritos, a
Ainda contra eles, Marx e Engels escreveram em começar pela Crítica da filosofia do direito de Hegel (1844), que
Bruxelas (onde Marx se havia refugiado depois de sua critica a filosofia do direito de Hegel com base na situação
expulsão da França) A ideologia alemã. As teses sobre histórica e política da Alemanha e na convicção de que
Feuerbach remontam a 1845 (mas Engels só as tornou “as instituições jurídicas e políticas e as diversas formas
públicas em 1888), ao passo que A miséria da filosofia, de Estado não podem se explicar por si mesmas e em
resposta a Filosofia da miséria de Proudhon é de 1847, escrito virtude de um chamado desenvolvimento do espírito
no qual Marx ataca o “socialismo utópico” em nome do humano, mas são resultado das condições materiais de
“socialismo cientifico”. Marx permaneceu na Bélgica até vida”.
1848. E foi em janeiro de 1848 que ele ditou, juntamente Substancialmente, para Marx, a filosofia de Hegel
com Engels, o famoso Manifesto do partido comunista, a interpreta o mundo de cabeça para baixo: é ideologia. Hegel
pedido da “Liga dos comunistas”. raciocina como se as instituições existentes, como, por
Desencadeado o movimento de 1848, Marx exemplo, a herança, derivassem de puras necessidades
voltou por breve período a Colônia, onde fundou a racionais, legitimando assim a ordem existente.
“Nova Gazeta Renana”, que, porém, foi obrigada quase A realidade é que, segundo Marx, Hegel
que imediatamente a suspender suas publicações. transforma em verdades filosóficas dados que são puros
De Colônia voltou para Paris, mas, tendo-lhe sido fatos históricos e empíricos.
proibida a permanência na capital francesa, Marx partiu E, assim, “por toda parte Hegel cai do seu
para a Inglaterra, lá chegando em 24 de agosto de 1849. espiritualismo político para o mais crasso materialismo”.
Na Inglaterra, Marx se estabeleceu em Londres, Marx, portanto, desfere contra Hegel duas
onde, entre dificuldades de toda sorte, conseguiu, com a acusações principais:
ajuda financeira do seu amigo Engels, levar a bom termo a) antes de mais nada, a de subordinar a sociedade
todas aquelas pesquisas de economia, história, sociologia civil ao Estado;
e política que constituem a base de 0 Capital, cujo b) a de inverter o sujeito e o predicado: os
primeiro volume saiu em 1867, ao passo que os outros indivíduos humanos, isto é, os sujeitos reais, tornam-se
dois foram publicados postumamente por Engels, em Hegel predicados da “substância mística” universal.
respectivamente em 1885 e em 1894. Em 1859, saíra sua Mas, reafirma Marx, “como não é a religião que cria o
outra obra fundamental, a Crítica da economia política. homem, mas o homem que cria a religião, da mesma
Empenhado na atividade de organização do forma não é a constituição que cria o povo, mas o povo
movimento operação, Marx conseguiu fundar em 1864, que cria a constituição”.
em Londres, a “associação internacional dos Assim, Hegel crê estar descrevendo a essência do
trabalhadores” (a primeira Internacional), que, depois de Estado, ao passo que, de fato, está descrevendo e
vários contrastes e peripécias, dissolveu-se em 1872 legitimando a realidade existente que é o Estado
(ainda que, oficialmente, sua dissolução só tenha sido prussiano. Escreve Marx: “Hegel não deve ser censurado
decretada em 1876). A última década da vida de Marx por descrever o ser do Estado moderno tal como é, mas
também foi período de intenso trabalho. Em 1875 sim por considerar aquilo que é como a essência do
publicou a Crítica ao programa de Gotha, tomando como Estado”.
alvo as doutrinas de Lassalle. Mas, mais do que qualquer O problema, portanto, é que em Hegel, depois de
outra coisa, trabalhou em O Capital. Ele morreu em 14 de ter concebido a essência ou substância da pera ou da
março de 1883, sendo sepultado três dias depois no maçã, até as peras reais tornam-se encarnações do fruto
cemitério londrino de Highgate. absoluto, ou seja, piras e maçãs aparentes.
O pensamento de Marx formou-se em contato e É preciso admitir que a esquerda hegeliana, pelo
contra a filosofia de Hegel, as ideias da esquerda menos até 1843, foi um dos grupos intelectuais mais vivos
hegeliana, as obras dos economistas clássicos e as obras e combativos da Europa. Não era um grupo homogêneo.
dos socialistas que ele próprio chamaria de “utópicos”. Mas, enquanto a direita hegeliana, em nome do
Marx reconhece prontamente a profundidade em pensamento de Hegel, procurava justificar o cristianismo
Hegel “neste seu começar por toda parte com a oposição e o Estado existente, a esquerda, sempre em nome da
das determinações”. dialética hegeliana, transformava o idealismo em
materialismo, fazia da religião cristã fato puramente
285
4
humano e combatia a política existente com base em Say) com os Manuscritos econômico-filosóficos, de 1844
posições “democrático-radicais”. (antes de fazê-lo em O Capital).
Entretanto, para Marx, isso era inteiramente Marx deve muito ao trabalho desses economistas,
insuficiente. Por isso, Marx e Engels, com A sagrada sobretudo às análises de Ricardo.
família, atacam sobretudo Bruno Bauer e, depois, com A Escreve Lênin: “Adam Smith e David Ricardo
ideologia alemã, estendem a polemica a Stirner e Feuerbach. lançaram as bases da teoria segundo a qual o valor deriva
A convicção que está na base da esquerda do trabalho. Marx continuou a obra deles, deu rigorosa
hegeliana é a de que as “verdadeiras cadeias” dos homens base cientifica e desenvolveu de modo coerente essa
estão em suas ideias, razão por que os jovens hegelianos teoria. Ele demonstrou que o valor de toda mercadoria é
pedem coerentemente aos homens, “como postulado determinado pela quantidade de trabalho socialmente
moral, que substituam sua consciência atual pela necessário ou do tempo de trabalho socialmente
consciência humana, critica ou egoísta, desembaraçando- necessário para sua produção”. E prossegue: “Mas onde
se assim de seus impedimentos. Essa exigência de os economistas burgueses viam relações entre objetos
modificar a consciência leva a outra exigência, a de (troca de uma mercadoria por outra), Marx descobriu
interpretar diversamente o que existe, ou seja, reconhece- relações entre homens”.
lo através de uma interpretação diferente”. Pois bem, Em outros termos, a economia política vê nas leis
“apesar de suas frases, que, segundo eles, 'abalam o que ela evidencia leis eternas, leis imutáveis da natureza.
mundo', os jovens ideólogos hegelianos são os maiores E não percebe que, desse modo, absolutiza e justifica um
conservadores”. Eles combatem contra as “frases” e não sistema de relações existentes em determinado estágio da
contra o mundo real do qual tais “frases” são o reflexo. história humana. Ou seja, transforma um fato em lei - em
Com efeito, “não é a consciência que determina a vida, lei eterna. É ideologia.
mas a vida que determina a consciência”. Marx conclui, a partir do estudo dos economistas
Por tudo isso, também a esquerda hegeliana vê o clássicos, que à máxima produção de riqueza corresponde
mundo de cabeça para baixo; o pensamento dos jovens o empobrecimento máximo do operário. Pois bem, a
hegelianos, portanto, é um pensamento ideológico, como economia política nos diz que as coisas são assim, mas
o de Hegel. Escreve Marx: “Não veio à mente de nenhum não nos diz por que são assim - e, portanto, nem se
desses filósofos procurar o nexo existente entre a filosofia propõe a questão da sua mudança.
alemã e a realidade alemã, o nexo entre sua crítica e seu Escreve Marx: “A economia política parte do fato
próprio ambiente material”. da propriedade privada. Não à explica. Expressa o
Consequentemente, os jovens hegelianos nada processo material da propriedade privada, o processo que
tinham de radical. Como já escrevera Marx: “Ser radical se dá na realidade, em formulas gerais e abstratas, que
significa colher as coisas pela raiz. Mas, para o homem, a depois faz valer como leis. Ela não compreende essas leis,
raiz é o próprio homem”. E a “libertação” do homem não isto é, não mostra como elas derivam da essência da
avança reduzindo “a filosofia, a teologia, a substância e propriedade privada”.
toda a imundície à 'autoconsciência'”, ou libertando o Para a economia política “vale como razão última
homem do domínio dessas frases. o interesse do capitalista: isto é, ela supõe aquilo que deve
“A libertação é ato histórico e não ato ideal, explicar.”
concretizando-se por condições históricas, pelo estado da Marx, ao contrário, procura explicar o surgimento
indústria, do comércio, da agricultura”. Os jovens da propriedade privada e tenta mostrar que ela é fato e
hegelianos mantêm a teoria separada da práxis; Marx as não lei, muito menos lei eterna. A realidade, diz Marx, é
une. que o capital é “a propriedade privada dos produtos do
trabalho alheio”. A propriedade privada não é dado
3.3 Crítica aos economistas clássicos absoluto que se deva pressupor em toda argumentação.
Ela é muito mais “o produto, o resultado e a
consequência necessária do trabalho expropriado. A
propriedade privada é fato que deriva da alienação do
trabalho" humano.
Como na religião, afirma Marx, “quanto mais o
homem põe em Deus, menos conserva em si mesmo. O
operário põe sua vida no objeto: e ela deixa de pertencer
Na opinião de Marx, a anatomia da sociedade civil a ele, passando a pertencer ao objeto”. E esse objeto, o
é fornecida pela economia política. E acerta suas contas seu produto, “existe fora dele, independente, estranho a
com os economistas clássicos (Smith, Ricardo, Pecqueur, ele, como que uma potência econômica diante dele; e a
286
5
vida, por ele dada ao objeto, agora o confronta, estranha Antes de mais nada, na opinião de Marx,
e inimiga”. Proudhon não percebe que a concorrência capitalista tem
consequências inevitáveis e, em sua tentativa de eliminar
3.4 Crítica ao socialismo utópico seus “lados maus”, substitui a analise econômica pela
atitude moralista: mas não se pode trocar a realidade por
No Manifesto do partido comunista, Marx e Engels desejos e lamentações.
distinguem seu socialismo cientifico dos outros tipos de E o fato é ainda mais grave se considerarmos que
socialismo, isto é, do socialismo revolucionário, do as contradições das diversas épocas históricas não são
socialismo burguês e, particularmente, do socialismo e simples defeitos, elimináveis por obras de bom senso ou
comunismo crítico-utópico, cujos expoentes são Babeuf, pelo senso de justiça. São condições necessárias Dara o
Saint-Simon, Fourier e Owen. desenvolvimento social e para a passagem de uma forma
Para Marx e Engels, estes últimos têm méritos de sociedade para outra forma de sociedade mais madura.
indubitáveis: viram “o antagonismo das classes e também Em conclusão, Marx faz valer contra Proudhon a
a eficácia dos elementos dissolventes no seio da própria ideia de que o processo histórico tem dinâmica própria,
sociedade dominante”. Além disso, eles forneceram determinada pelo progresso tecnológico: “O moinho
material muito precioso para a iluminação dos operários. braçal vos dará a sociedade com o senhor feudal, e o
Todavia, e aí está seu mais grave defeito, não moinho a vapor a sociedade com o capitalista industrial”.
viram nenhuma atividade histórica autônoma por parte E a dinâmica do desenvolvimento histórico se
do proletariado. realiza por meio da luta de classes.
Consequentemente, não descobriram nem Por isso, o moralismo não adianta. Não se
mesmo as condições materiais para a emancipação do resolvem as contradições sociais eliminando uma das
proletariado. Desse modo, resvalam para o utopismo: partes em luta, mas somente estimulando a luta até o fim.
criticam a sociedade capitalista, condenam-na e A questão, portanto, não está, como queria
maldizem-na, mas não sabem encontrar caminho de Proudhon, em dividir a propriedade entre os
saída. De fato, acabam por se identificar com a trabalhadores, mas em suprimi-la completamente através
conservação. da revolução vitoriosa da classe operaria.
A esses tipos de socialismo, Marx e Engels
contrapõem seu próprio socialismo “cientifico” que, teria 3.6 Crítica à religião
descoberto a lei de desenvolvimento do capitalismo e,
portanto, poderia realmente resolver os seus males. Feuerbach sustentara que a teologia e
A propósito, Engels escrevera: “Devemos a Karl antropologia. Sobre esse ponto, sobre esse humanismo
Marx a concepção materialista da história e a revelação do materialista, Marx está de acordo com Feuerbach.
mistério da produção capitalista, através da mais-valia. Entretanto, na opinião de Marx, Feuerbach
Ambas fizeram do socialismo uma ciência”. deteve-se diante do problema principal e não o resolveu.
E o problema é o de entender por que o homem cria a
3.5 Crítica à Proudhon religião.
A resposta a esse problema, segundo Marx, é a
Proudhon figura no Manifesto do partido comunista seguinte: os homens alienam seu ser projetando-o em um
como exemplo típico de socialista conservador ou Deus imaginário somente quando a existência real na
burguês. E a Miséria da filosofia é a sarcástica inversão do sociedade de classes impede o desenvolvimento e a
título da obra de Proudhon Sistema das contradições realização de sua humanidade. Disso deriva que, para
econômicas, ou a filosofia da miséria. superar a alienação religiosa, não basta denunciá-la, mas é
Entretanto, na “Gazeta Renana”, Marx julgara preciso mudar as condições de vida que permitem a
positivamente o escrito de Proudhon O que é a propriedade? “quimera celeste” surgir e prosperar. Feuerbach,
Como é que, no decorrer de poucos anos, Marx portanto, não viu que “até o 'sentimento religioso' é
muda de opinião sobre Proudhon? O que aconteceu? produto social e que o indivíduo abstrato que ele analisa
Aconteceu que, nesse período de tempo, Marx pertence a determinada forma social”.
estabelecera os traços de fundo de sua concepção É o homem que cria a religião. Mas, diz Marx, “o
materialista-dialética da história. E, a partir dessa homem é o mundo do homem, o Estado, a sociedade.
perspectiva, devia considerar Proudhon como moralista Esse Estado e essa sociedade produzem a religião, que é
utópico, incapaz de compreender o movimento da consciência invertida do mundo, porque também são um
história e mais incapaz ainda de influir sobre ele. mundo invertido. A religião é a teoria invertida deste
mundo. Assim, torna-se evidente que a luta contra a
287
6
religião é a luta contra aquele mundo do qual a religião é sua cabeça antes de construi-la de cera. No fim do
o aroma espiritual. processo de trabalho, emerge um resultado que no início
Existe o mundo fantástico dos deuses porque já estava presente na ideia do trabalhador e que, portanto,
existe o mundo irracional e injusto dos homens. “A já estava idealmente presente.
miséria religiosa é a expressão da miséria real em um Não que ele efetue somente a mudança de forma
sentido e, em outro, é o protesto contra a miséria real. A do elemento natural, pois aqui realiza o próprio objetivo,
religião é o suspiro da criatura oprimida, o sentimento de que ele conhece, e determina como lei o modo do seu
um mundo sem coração, o espirito de situações em que o operar, escreve Marx em 0 Capital.
espirito está ausente. Ela é o ópio do povo”. Para ele, tudo isso significa que o homem pode
viver humanamente, isto é, fazer-se enquanto homem,
precisamente humanizando a natureza segundo suas
necessidades e suas ideias, juntamente com os outros
homens. O trabalho social é antropógeno. E distingue o
homem dos outros animais: com efeito, o homem pode
transformar a natureza, objetivar-se nela e humanizá-la,
pode fazer dela seu corpo inorgânico.
296
15
forças de trabalho são o resultado de um sistema social 15. (UEL 2011) Observe a charge.
de produção que pode ser transformado.
04) Segundo Marx, as empresas passaram a respeitar e a
valorizar seus empregados a partir do momento em que
se conscientizaram do papel central que eles ocupam no
processo produtivo.
08) A teoria marxista explica que o sistema capitalista de
produção se tornou a forma mais justa e democrática de
combater as desigualdades nas sociedades modernas.
16) A obra de Marx contribuiu para o reconhecimento
das leis de mercado enquanto fatos sociais independentes
da ação humana, e que devem ser obedecidas para se
manter a coesão social.
300
19
SOCIOLOGIA BRASILEIRA problemas no âmbito da formação social, sobretudo no
ambiente universitário que se estruturava.
Desde sua consolidação, nos anos 1930, até os A influência das discussões sociológicas, por
dias de hoje, a Sociologia feita no Brasil sofreu vezes trazida na bagagem de brasileiros que iam estudar
influência de teses e teorias desenvolvidas em outros em países europeus ou nos Estados Unidos, refletia a
países. contradição entre o que a sociedade brasileira era de
A sociedade brasileira foi analisada a partir das fato e aquilo que poderia ou deveria ser.
relações sociais, políticas, econômicas e ideológicas Muitas dessas interpretações viam o Brasil com
estabelecidas com outras sociedades, em especial com os olhos de outras sociedades. O resultado foram
as sociedades capitalistas do mundo ocidental. interpretações que problematizaram as particularidades
Em cinco séculos de história, a sociedade do Brasil na medida em que as contrapunham a outras
brasileira ganhou feições muito particulares, o que dinâmicas sociais.
exigiu de seus intérpretes a análise das singularidades Após a proclamação da República, a questão
que lhe conferem uma cultura própria, distinta das central passou a ser a definição dos aspectos centrais da
demais sociedades capitalistas. formação da sociedade brasileira. Assim, a importância
Primeiramente apresentaremos uma visão do passado colonial esteve presente na maioria dos
panorâmica das interpretações do Brasil do final do livros que discutiram a formação social do país.
século XIX e começo do século XX. No segundo, Em 1920, o historiador e sociólogo Oliveira
vamos analisar o conjunto de intérpretes mais Vianna publicou Populações meridionais do Brasil, livro que
significativos do Brasil dos anos 1930 e sua importância destaca as diferenças entre o povo brasileiro e os
no processo de consolidação da sociologia brasileira. demais. Motivado por sua tese de que o Brasil teria sido
No terceiro item passamos ao tema da questão racial, formado por brancos, apesar da presença de índios,
entendido a partir do legado da escravidão. Por fim, no mestiços e negros, Oliveira Vianna prevê uma nação
item quatro será dedicado ao debate em torno das embranquecida, em razão da forte imigração europeia e
questões do subdesenvolvimento e da dependência da suposta maior fecundidade dos brancos em relação
econômica. às outras “raças”.
Em 1933 Gilberto
1. Interpretações do Brasil Freyre (1900 – 1987)
publicou Casa-grande &
No final do século XIX e início do XX, tomou senzala, livro que o sociólogo
forma um conjunto de análises sobre as particularidades e crítico Antônio Candido
do Brasil que buscava investigar como a nação se (1918-) considera ser uma
formou, quais seriam as bases dessa formação social, ponte entre o naturalismo
em que medida o passado colonial e escravista teria que marcou antigas
influenciado essa formação, quais seriam as interpretações (como as de
características centrais da identidade social brasileira. Silvio Romero e Euclides da
Mais tarde, entre as décadas de 1950 e 1960, Cunha) e a contribuição
essas questões se ampliaram e diversificaram, com sociológica que se
temas sobre qual seria o papel econômico e político do desenvolveu a partir dos anos 1940.
Brasil diante da divisão internacional do trabalho e Natural de Recife, ele foi um dos pioneiros das
como se dava a relação de dependência com os países Ciências Sociais no Brasil. O sociólogo foi estudioso,
de economia mais avançada. professor universitário no Brasil e em universidades da
Nos dias de hoje, uma questão central é como o América Latina, Estados Unidos e da Europa. Publicou
Brasil reproduz seu passado de desigualdades sociais, mais de 30 livros e alguns foram traduzidos para mais
seja por consequência da escravidão, seja em razão do de 15 idiomas.
papel subalterno diante de países economicamente mais Dedicou-se a estudar e a compreender o Brasil
ricos como Estados Unidos, Alemanha, França, em seus aspectos sociológico, antropológico e
Inglaterra e, mais recentemente, a China. histórico, e para tanto, tratou do processo civilizador do
Durante os períodos colonial e imperial, o Brasil, tendo feito uma abordagem culturalista, na qual
Brasil foi marcado pela produção agrícola escravista e estabeleceu uma distinção entre raça e cultura,
formas de organização social predominantemente rejeitando as ideias racistas.
rurais e nucleadas na esfera familiar. Defendeu que a miscigenação e os mestiços no
Após a proclamação da República (1889), o Brasil são uma herança cultural (mistura de povos)
país passou a experimentar o trabalho assalariado e a positiva porque, segundo ele, a miscigenação é o
vida urbana, o que gerou novas contradições e elemento de formação da identidade nacional brasileira
e, também, uma proteção contra os conflitos étnicos e
raciais.
301
1
Freyre desenvolve o argumento de que a música, o hábito de tomar banho, dormir na rede e
miscigenação seria o traço cultural central da sociedade tantas outras características que estão enraizadas na
brasileira. Mas ao contrário de interpretações anteriores, cultura do Brasil.
não vê a mestiçagem de forma negativa e enfatiza a Gilberto Freyre dedicou-se a entender o Brasil
necessidade de substituir o conceito de “raça”, e, para isso, não desprezou as raças, mas a partir da
largamente difundido no Brasil, pelo conceito de miscigenação procurou encontrar a identidade nacional.
cultura. Segundo ele, a família patriarcal foi a base sobre O autor valorizou os diferentes grupos étnicos e
a qual a mestiçagem se desenvolveu no Brasil. ressaltou a contribuição que eles deram para a formação
Localizada sobretudo no meio rural, particularmente no da sociedade brasileira.
latifúndio monocultor do Nordeste brasileiro, a família Apesar de ter sido um dos fundadores da
patriarcal constituiu, assim, a forma social ideal para que sociologia brasileira, de ter tido relevância internacional,
a “raça” branca, colonizadora, se relacionasse com as Freyre foi bastante criticado principalmente aqui no
demais “raças”. Brasil. Vários setores da sociedade e intelectuais
A abordagem culturalista de Freyre sugere que conservadores não aceitaram a ideia da mestiçagem e da
a proximidade entre as culturas explicaria o caráter herança cultural negra. Nesta fase, em 1930, o país
sincrético de nossa formação social, algo oposta às passava pela ideia da defesa da eugenia e do
culturas puras (como a Grega, por exemplo). A “branqueamento” da raça.
proximidade seria resultado da influência cristã herdada Para aqueles que defendiam a superioridade da
dos portugueses, contrário ao elemento despótico raça branca, se verem confrontados com um
oriental herdado dos mouros. Neste sentido, podemos pensamento que não só defendia, mas também atribuía
afirmar que a ideia de trópico em Freyre seria importância à mestiçagem foi algo conflitivo. Neste
responsável pela ponte entre cultura e geografia, bem contexto, Gilberto Freyre enfrentou muitas críticas,
como pela sustentação das contradições em equilíbrio. mas através de três obras importantes, Casa-grande &
É importante a noção de “neolamarkianismo” para senzala (1933), Sobrados e Mucambos (1936) e Ordem e
entendermos sua metodologia. Progresso (1959) ele compôs a trilogia teórica cujo foco
O povo brasileiro é considerado não como passa pelo período colonial, império e transição do
simples soma de três “raças”, mas como resultado de império para a república.
um encontro mais complexo, que remete à formação da A partir dessa trilogia ele construiu um
cultura brasileira. panorama da sociedade brasileira, demonstrando o
Em Casa-grande & senzala, sua principal obra, estudo de todas as transformações econômicas pelas
Freyre tratou muito bem da questão da miscigenação e quais o Brasil passou, desde o ciclo da cana-de-açucar
deixou claro que se trata da “mistura de cores” que até o início da industrialização no século XX.
possibilitou a construção de uma “democracia racial”. Diferentemente de
Ele defende sua tese central sobre a democracia racial, Freyre, o historiador e
sempre observando o predomínio dos aspectos economista Caio Prado Júnior
culturais em relação aos “raciais”. Nesses termos, a (1907-1990), nos livros Evolução
mestiçagem é entendida como uma vantagem e a política do Brasil (1933) e Formação
desmitificação do negro como ser “selvagem” é um do Brasil contemporâneo (1942)
tema central. interpreta o passado colonial
baseando-se na produção,
distribuição e consumo de
mercadorias.
Em Formação do Brasil
contemporâneo, a história brasileira é contada do ponto de
vista da produção, distribuição e consumo da riqueza.
O Brasil é analisado como parte do processo da
expansão mercantil europeia.
Para Caio Prado, a formação do Brasil se deu de
fora para dentro, tendo o país se estruturado como
Ele criou um novo conceito para a sociedade
fornecedor de produtos tropicais, a exemplo da cana-
brasileira, pensou o “ser brasileiro” e definiu a formação
de-açúcar. Segundo esse autor, a história do Brasil deve
da sociedade brasileira a partir de três raças: índio,
ser entendida num âmbito mais amplo, que tem relação
africano e português.
direta com as formas de expansão do comércio europeu
O índio e o negro, retratados em Casa-grande &
na América do Sul.
senzala, não foram colocados ao lado da sociedade
As massas de escravos, semiescravos, pobres,
brasileira, mas foram inseridos nela através da influência
explorados e empobrecidos são examinadas e ganham
cultural do nosso povo desde a comida, a dança, a
importância na obra de Caio Prado. O autor aponta
302
2
também para a especificidade que se manifesta desde a momento. A seguir, vamos examinar os pontos centrais
colônia, diferenciando a sociedade brasileira da das obras de Sérgio Buarque e Caio Prado Júnior, já que
portuguesa. Segundo ele, desde a época colonial os a perspectiva de Gilberto Freyre foi comentada quando
brasileiros teriam adquirido forma própria, diferente da abordamos antropologia brasileira.
forma indígena e da portuguesa. E consequentemente, Como vimos, Sérgio Buarque adota o
nós, brasileiros, teríamos começado a desenvolver uma referencial weberiano para analisar o Brasil do período
mentalidade coletiva singular. colonial. Sua inserção no debate se dá pela denúncia dos
Outro autor fundamentos agrários e patriarcais presentes na
importante desse período foi sociedade brasileira. Mostra-se também contrário às
Sérgio Buarque de teorias racistas e, aproximando-se de Gilberto Freyre,
Holanda (1902-1982), que entende que a mestiçagem teve papel central na
publicou em 1936, três anos construção da identidade nacional. Não obstante, essa
depois de Casa-grande & aproximação não pode ser percebida com relação à
senzala e com escrita herança rural.
completamente diversa da de Enquanto Gilberto Freyre faz uma
Freyre, o livro Raízes do Brasil. interpretação positiva do passado rural, como algo
De estilo mais próprio de nossa cultura e que não deveria ser
conciso, a obra aborda o sentido político da descrença transformado, Sérgio Buarque enfatiza a necessidade da
no liberalismo tradicional e busca possíveis soluções. transformação social, da constituição de um conjunto
Tem como condicionantes teóricos a história social de regras e normas destinadas a superar um passado de
francesa, a sociologia da cultura alemã, sobretudo a favorecimentos pessoais originários das oligarquias
influência de Max Weber, e a teoria sociológica e rurais.
etnológica. Alicerçando seu raciocínio nos tipos ideais
O livro de Sérgio Buarque inseriu-se no debate weberianos, Sérgio Buarque constitui um etos nacional,
sobre o estudo das origens e formação da sociedade isto é, um conjunto de características que se sintetizam
brasileira. O autor dialoga com o historiador Manoel em uma cultura específica, na medida em que explicita
Bomfim (1868-1932) e com o pensador e político os traços marcantes da sociedade brasileira da época.
Alberto Torres (1865-1917), entre outros autores, e Esse etos nacional tem um sentido histórico e se
especialmente com Oliveira Vianna, ao criticar a visão fundamenta em uma relação dialética própria da
autoritária desse autor sobre a formação social do sociedade brasileira.
Brasil. De um lado, Sérgio Buarque assinala a
Com Raízes do Brasil, Sérgio Buarque objetiva modernização da sociedade brasileira, de outro, o
conhecer o passado com vistas para o futuro, conservadorismo que tenta bloquear essa
preocupando-se com a transformação social. Assim, o modernização.
movimento geral da obra consiste em apresentar as Para esse autor, o tipo ideal que explicita esse
características da nação brasileira, os marcos principais processo contraditório é o homem cordial. Ele seria a
de mudança e os caminhos para a transformação futura. chave analítica para compreender como certos setores
As questões centrais de sua análise giram em da sociedade brasileira resistem ao processo de
torno da oposição entre o mundo rural e o mundo modernização. Segundo ele, a modernização representa
urbano e entre a esfera privada e a esfera pública. Na a construção de uma nova sociabilidade, que coloca em
concepção de Sérgio Buarque de Holanda, é preciso risco o universo das relações de favorecimento. Nesse
superar essas raízes, para que nossa sociedade seja sentido, o Estado moderno e não centralizador é visto
modificada. Com esse objetivo em vista, o autor traça como hostil e as relações pessoais são ativadas na
um panorama histórico do Brasil que se inicia no tentativa de frear esse processo.
período colonial, passa pelo Império e pela República, A cordialidade marca, para Sérgio Buarque, um
até os anos 1930. conjunto de relações que configuram um grupo social
particular. Ela sintetiza uma forma de conduta social,
2. A geração de 1930 nem sempre consciente, que procura frear a
modernização da sociedade brasileira e conservar as
Na década de 1930, Gilberto Freyre, Caio relações sociais de favorecimento pessoal. A
Prado Júnior e Sérgio Buarque de Holanda deram evolução da sociedade brasileira, para esse autor, deve
forma científica à sociologia brasileira. Amparados, superar essas características e se pautar na busca de uma
respectivamente, nas obras de Franz Boas, Karl Marx e sociedade civilizada, uma sociedade urbana e
Max Weber, formalizaram a Sociologia como ciência no cosmopolita que deixe para trás o mundo rural.
Brasil. A Sociologia de Sérgio Buarque examina, com
A importância desses autores foi decisiva base na análise da sociedade brasileira, a ligação estreita
quanto aos rumos da Sociologia a partir desse entre o que é público e o que é privado e seus limites.
303
3
A ausência de delimitações entre essas duas esferas da diretamente relacionada à expansão marítima e
vida social pode ser observada ainda hoje. O comercial europeia.
favorecimento teve, assim, uma dinâmica que O empreendimento comercial baseado na
transcendeu os anos 1930 e se pulverizou juntamente produção de gêneros tropicais para o mercado externo
com a modernização da sociedade brasileira, sobretudo fundamenta o raciocínio de Caio Prado Júnior, uma vez
no que se refere à burocracia estatal. que a colonização europeia assume a forma de
exploração e não de povoamento no Brasil. A formação
da sociedade brasileira, no período colonial, se
estruturou economicamente na produção de açúcar,
tabaco, e mais tarde na extração de ouro e diamantes,
em seguida na produção de algodão e de café,
atendendo o mercado europeu. Para o autor, a grande
propriedade (o latifúndio), a monocultura e o trabalho
escravo se apresentam, portanto, como as três
características centrais da formação social do Brasil nos
séculos XVI, XVII e XVIII.
A produção agrária, que tinha como centro
geopolítico o engenho e a fazenda, integrou-se aos
objetivos comerciais europeus. A figura que
predominou nesse período não foi a do pequeno
produtor rural, mas sim a do empresário explorador, o
Vemos casos de desvio de verbas e má empresário de um grande negócio.
administração de dinheiro público, nepotismo e Esse quadro histórico, essa herança, é destacada
corrupção, ao longo de todo o século XX e começo do por Caio Prado quando se propõe analisar a passagem
século XXI. Nesse sentido, a obra de Sérgio Buarque de da colônia para a nação. Para ele, é necessário
Holanda se situa como leitura fundamental para entender a nação a partir da colônia, observando
entender o processo histórico-social brasileiro. essa transformação como um processo histórico de
longa duração.
A análise que Caio Prado faz do século XIX
mostra-se importante sobretudo por dois motivos.
Primeiro porque faz um “balanço final” de três séculos
de colonização, depois porque se configura como
“chave insubstituível” para compreender a sociedade
brasileira que se constitui posteriormente.
Essa análise nos informa quão importante é
analisar o passado colonial e o período imperial para
entender o Brasil contemporâneo e a presença de
resquícios coloniais que contribuem decisivamente para
que esse autor considere a formação do país ainda
incompleta.
1. Tempos de mudança
4. modernidade e pós-modernidade
Assim, a valorização das ações de uma empresa
não está relacionada diretamente a seu lucro ou perda
Como categoria de uma época, modernidade
em um período específico, mas sim à avaliação na Bolsa
designa o período chamado iluminista, que se inicia no
de Valores. O que importa é a avaliação da bolsa sobre
século XVIII e está relacionado a um projeto intelectual
310
10
que tem como base o desenvolvimento científico Nascido em Londres,
objetivo e autônomo. Em termos mais gerais, o Inglaterra, em 1938, Giddens é
objetivo iluminista foi estabelecer formas de atualmente professor emérito da
conhecimento científico que permitissem estruturar a London School of Economics
emancipação da humanidade. and Political Science. Conhecido
O esforço científico representava, assim, uma por seu trabalho de renovação
forma de ultrapassar as limitações impostas pela da Social-democracia, tem como
natureza. Além de superar a escassez e as necessidades temas centrais de pesquisa as
físicas, o projeto iluminista pretendia ir além das formas questões relacionadas à
de explicação religiosas, míticas e supersticiosas, globalização e à modernidade.
estabelecendo a ciência e a razão como princípios Com objetivo de reformular a teoria social,
norteadores do conhecimento humano. Giddens desenvolveu a Teoria da estruturação. Em linhas
Em nossos dias, é fácil reconhecer esse gerais, essa teoria pretende, com base na releitura de
conjunto de ideias. A vida em sociedade está permeada diversas correntes e tradições teóricas, transcender o
pelos princípios da modernidade. Podemos observá-los quadro clássico de divisão disciplinar, mostrando a
na economia, no direito, nas formas de organização necessidade de incorporar a História e a Geografia à
burocrática e nas atividades profissionais. O que análise sociológica. Nesse sentido, Giddens explicita as
determina essas esferas da vida social como diferenças entre a ciência social e a ciência natural,
representativas da modernidade é a crença de que o evidenciando como a primeira se funda e se especifica
desenvolvimento do progresso e da capacidade na ação humana.
científica podem resolver todos os problemas da Além disso, Giddens entende que a
humanidade. especificidade das Ciências Sociais não se concentra na
Assim, a modernidade pode ser entendida ação individual (como para Weber) nem nas totalidades
como expressão de uma época histórica marcada por sociais (como para Durkheim), mas sim nas práticas
um discurso que privilegia as formas de conhecimento sociais ordenadas no espaço e no tempo.
científico universais e totalizantes, ou seja, produtoras Para Giddens, vivemos em uma época em que
de interpretações teóricas abrangentes e as consequências da modernidade se radicalizaram e
homogeneizantes que procuram dar conta da história não numa época pós-moderna. Ele aponta para um
da humanidade como um todo. mundo fora de controle: as pretensões iluministas de
O pós-modernismo, por outro lado, privilegia domínio da natureza e da sociedade pela via do
a diferença, a diversidade, a fragmentação, a conhecimento e do progresso científico não se
indeterminação, e nesse sentido se insurge contra os concretizaram.
discursos universalizantes e totalizantes da A modernidade se funda em uma duplicidade
modernidade. Procura reconhecer as diferentes sombria. Ao mesmo tempo em que cria uma estrutura
subjetividades, dando maior visibilidade a questões de possibilidades e de oportunidades, fruto do
como gênero, raça, etnia, ambiente, sexo, questões desenvolvimento científico, promove também
territoriais, entre outras. consequências degradantes como a exploração do
Para muitos autores, a questão é se de fato trabalho, o autoritarismo na utilização do poder político
superamos a época moderna, ou seja, podemos dizer e as guerras. Com relação à pós-modernidade, Giddens
que as indagações das sociedades contemporâneas são indica uma de suas características centrais: a ausência de
expressão de uma época pós-moderna? Ou apenas certezas no processo de conhecimento.
teriam surgido novas condições sociais que negam os Na perspectiva de
princípios da modernidade? Ou ainda, será que estamos David Harvey, o pós-moderno
presenciando uma radicalização da modernidade e aparece como um reflexo das
equivocadamente identificando-a com uma época pós- formas de produção e
moderna? acumulação flexível típicas da era
Entre os autores interessados nesse tema, estão toyotista e de uma nova
os britânicos Anthony Giddens, sociólogo, e David compreensão da relação espaço-
Harvey (1935-), geógrafo, e o polonês Zygmunt tempo no capitalismo. No
Bauman. entanto, ao observar mais de
Anthony Giddens é considerado um dos perto as transformações sociais, Harvey nota uma
autores que mais se destacam na sociologia reprodução das relações sociais fundadoras do
contemporânea, tanto do ponto de vista de sua análise capitalismo, isto é, não observa uma mudança estrutural
fundada na teoria da estruturação social quanto em sua que projetaria uma nova sociedade, seja ela pós-
reinterpretação crítica dos autores clássicos da capitalista, seja pós-industrial.
Sociologia. Segundo Harvey, as teses que defendem que
vivemos numa época pós-moderna incorrem em alguns
311
11
equívocos. O primeiro deles é a crítica a toda e qualquer A modernidade
argumentação universal e totalizante (crítica dos pós-
modernos ao conceito de cultura), que levam à No final do século XIX, as sociedades
impossibilidade de legitimar e validar cientificamente começaram a se fundir ao redor dos centros urbanos, e
seu próprio discurso. a Europa Ocidental entrou numa fase conhecida como
Nesse sentido, as teorias pós-modernas que modernidade, caracterizada pela industrialização e pelo
reivindicam a celebração da fragmentação, do efêmero,
capitalismo.
da simulação, aceitando as identidades dos grupos
De acordo com Bauman, as sociedades se
locais, acabam por não construir uma análise ampla das
sociedades em que esses grupos estão presentes. afastaram da primeira fase da modernidade (que ele
Um segundo ponto levantado por Harvey se chamou de “modernidade sólida”) e agora se
refere à questão do reconhecimento da alteridade e da encontram num período da história chamado de
autenticidade de grupos locais como expressões do pós- “modernidade líquida”.
moderno. Ao mesmo tempo em que se reconhece a Esse novo período é, para ele, marcado pela
identidade de um grupo local, a alteridade e inevitável incerteza e pela mudança, que afetam a
autenticidade desse grupo permanecem circunscritas sociedade em nível global, sistêmico, além do nível das
apenas a seu espaço social, negando, com isso, a experiências individuais.
influência desses grupos em realidades mais amplas. O uso por Bauman do termo “líquido” é uma
Assim, Harvey entende que o resultado do poderosa metáfora da vida contemporânea: ela é móvel,
discurso pós-moderno se caracteriza por um silêncio fluida, maleável, amorfa, sem um centro de gravidade e
diante de questões relativas à economia política e às
difícil de conter e predizer.
estruturas de poder global. Ele entende que há, na
prática, uma radicalização da modernidade e não uma Em essência, a modernidade líquida é uma
época pós-moderna propriamente dita. forma de vida que existe no contínuo e incessante
Essa radicalização pode ser observada na remodelar do mundo moderno de maneiras
aceleração dos processos de produção e reprodução imprevisíveis, incertas e bombardeadas por crescentes
sociais nas sociedades capitalistas, sobretudo se níveis de risco.
analisamos a intensificação do trabalho para a geração A modernidade liquida, para Bauman, é o atual
de lucros. Harvey argumenta que o lado fragmentário, estágio da ampla evolução da sociedade ocidental – bem
efêmero e caótico de nossas sociedades estruturou-se como de todo o mundo. Assim como Karl Marx,
ao lado do progresso técnico e científico, o que Bauman acredita que a sociedade humana progride de
caracterizaria muito mais uma crise da modernidade que um modo que implica que cada “novo” estágio se
a constituição de sociedades pós-modernas. desenvolve a partir do estágio anterior. Assim, é
necessário definir a modernidade sólida antes de
4.1 Zygmunt Bauman
podermos entender a modernidade líquida.
Nascido em 1925, Zygmunt Bauman é um
sociólogo polonês de uma família judia que foi forçada Modernidade sólida
a se mudar para a União Soviética em 1939, após a
invasão nazista. Em 1971, estabeleceu-se na Inglaterra, Bauman vê a modernidade sólida como
onde foi professor emérito de sociologia na ordenada, racional, previsível e relativamente estável.
Universidade de Leeds até 1990. Morreu em 2017. Sua característica dominante é a organização das
atividades e das instituições humanas em paralelo às
linhas burocráticas, nas quais se pode usar o raciocínio
prático para resolver problemas e criar soluções
técnicas.
A burocracia continua porque é a forma mais
eficiente de organizar e ordenar as ações e interações de
grandes volumes de pessoas. Se por um lado a
burocracia tem aspectos claramente negativos(por
exemplo, a vida humana pode se desumanizar,
esvaziada de espontaneidade e criatividade), por outro
ela é altamente efetiva em cumprir as tarefas orientadas
por metas.
312
12
Outra característica-chave da modernidade descreve como uma “reinvenção compulsiva, obsessiva
sólida, de acordo com Bauman, é um elevado nível de e viciante do mundo”.
equilíbrio nas estruturas sociais, significando que as Ele identifica cinco desenvolvimentos distintos,
pessoas vivem segundo uma série de normas, tradições porém interligados, que produziram a transição da
e instituições estáveis. Com isso, ele não está sugerindo modernidade sólida para a líquida.
que as mudanças sociais, políticas e econômicas não Primeiro, os estados-nações não são mais as
ocorrem na modernidade sólida, mas que as mudanças “estruturas de carga” da sociedade; os governos
se dão de maneira relativamente ordenada e previsível. nacionais, hoje, têm um poder consideravelmente
A economia é um bom exemplo: na menor para determinar eventos tanto local quanto
modernidade sólida a maioria das pessoas (dos internacionalmente.
membros da classe trabalhadora aos profissionais da Em segundo lugar, houve a ascensão do
classe média) desfruta de segurança relativa no capitalismo global e a proliferações de corporações
emprego. Como consequência elas tendem a ficar na transnacionais, resultando num estado de autoridade
mesma área geográfica, a crescer na mesma vizinhança descentralizada.
e a frequentar as mesmas escolas de seus pais e outros Em terceiro lugar, as tecnologias eletrônicas e a
parentes. internet agora garantem fluxos de comunicação quase
Bauman considera a modernidade sólida como instantâneos, supranacionais.
unidirecional e progressiva – uma percepção da visão Em quarto, as sociedades se tornaram cada vez
iluminista de que a razão leva à emancipação da mais preocupadas com os riscos – mergulhadas nas
humanidade. Conforme o conhecimento científico inseguranças e danos potenciais.
avança, o mesmo se dá com o entendimento e o E em quinto, tem havido um enorme
controle da sociedade dos mundos natural e social. crescimento das migrações humanas pelo mundo.
No modernismo sólido, de acordo com
Bauman, essa fé suprema no raciocínio científico estava Modernidade líquida
corporificada nas instituições sociais e políticas que
cuidavam, primordialmente, de problemas e questões Conforme o próprio Bauman observa,
nacionais. Os valores do iluminismo estavam tentativas de definir a modernidade líquida são quase
institucionalmente entrincheirados na figura do Estado um paradoxo porque o termo se refere a uma condição
– o ponto primordial de referência a partir do qual global caracterizada pela implacável mudança e por
emergiam os ideais de desenvolvimento social, político fluxos e incertezas. Porém, tendo identificado os traços
e econômico. da modernidade sólida, ele alega que é possível definir
Quanto ao indivíduo, alega Bauman, a os aspectos mais importante da modernidade líquida.
modernidade sólida produziu um repertório estável de No nível ideológico, a modernidade líquida
identidades pessoais e possíveis alternativas de ser. Os mina o ideal iluminista, que diz que o conhecimento
indivíduos da modernidade sólida têm um senso científico poderia melhorar os problemas naturais e
unificado, racional e estável porque ela é moldada por sócias. Na modernidade líquida, a ciência, os
um número de categorias estáveis como ocupação, especialistas, os acadêmicos e as autoridades políticas –
religião, nacionalidade, gênero, etnia, busca do prazer, antes as figuras supremas de autoridade na
estilo de vida, entre outros. modernidade sólida – ocupam um status
A vida social sob as condições da modernidade demasiadamente ambíguo como guardiões da verdade.
sólida – assim como os indivíduos que a criaram – era Os cientistas são vistos cada vez mais tanto
autogarantida, racional, burocraticamente organizada e como a causa dos problemas ambientais e
relativamente previsível e estável. sociopolíticos como a solução. Isso leva
inevitavelmente, ao ceticismo e à apatia generalizada
A transição por parte do grande público.
A modernidade líquida minou as certezas dos
A transição da modernidade sólida para a indivíduos quanto ao emprego, à educação e ao bem-
líquida, de acordo com Bauman, ocorreu como fruto de estar. Hoje muitos trabalhadores precisam ser
uma confluência de mudanças econômicas, políticas e retreinados ou até trocar de ocupação, às vezes
sociais, profundas e conectadas. O resultado é uma repetidamente – a noção de “emprego para a vida
ordem global impulsionada por aquilo que Bauman toda”, típica da era da modernidade sólida, tornou-se
irrealista e inalcançável.
313
13
A prática da “reengenharia”, ou o downsizing das Consumo e identidade
firmas – um termo que Bauman tomou emprestado do
sociólogo americano Richard Sennett -, tornou-se cada A importância central do consumo na
vez mais comum, já que capacita as empresas a construção da identidade própria do indivíduo vai além
continuar financeiramente competitivas no mercado da aquisição de bens de consumo. Sem as fontes
global ao fazer uma redução significativa no custo da perenes de identidade proporcionadas pela
mão de obra. modernidade sólida, os indivíduos no mundo moderno
Como parte desse processo, o trabalho estável buscam orientação, estabilidade e direção pessoal em
e permanente – que caracterizava a modernidade sólida fontes alternativas cada vez mais díspares, como
– tem sido substituído por contratos empregatícios consultores de estilo de vida, psicanalistas, terapeutas
temporários, usados sobre uma força de trabalho cada sexuais, especialistas holísticos, gurus de saúde, etc..
vez mais móvel. Intimamente relacionados a essa A identidade própria se tornou problemática
instabilidade ocupacional estão o inconstante papel e a para os indivíduos de uma forma sem precedentes na
natureza da educação. história, e a consequência é um ciclo sem fim de
Espera-se agora que os indivíduos continuem autoquestionamento e introspecção que serve apenas
sua educação (quase sempre à própria custa) por toda para confundir ainda mais as pessoas. No fim das
sua carreira, de modo a se manterem atualizados com contas, o resultado é que nossa experiência de nós
os desenvolvimentos de suas profissões, ou como mesmo e da vida cotidiana é, cada vez mais,
forma de garantir que continuem “no mercado” caso representado tendo como pano de fundo uma
sejam demitidos. ansiedade constante, uma fadiga e um desconforto
Paralelo a essas mudanças nos padrões de sobre quem somos, nosso lugar no mundo e a rapidez
emprego está o recuo do Estado de bem-estar. Outrora das mudanças que acontecem no nosso redor.
considerada, historicamente, há uma “rede de A modernidade líquida, portanto, se refere
segurança” confiável contra tragédias pessoais como principalmente à uma sociedade global que é infestada
doenças e desemprego, a provisão do Estado de bem- por incerteza e instabilidade. Mas tais forças
estar social está cada vez menor, especialmente em áreas desestabilizadoras não estão igualmente distribuídas
como habitação, educação superior gratuita e pela sociedade global. Bauman identifica e explica a
assistência médica. importância das variáveis da mobilidade, do tempo e do
espaço para o nosso entendimento. Para ele, a
Identidades fluidas capacidade de nos mantermos móveis é um atributo
extremamente valioso na modernidade líquida, porque
Se a modernidade sólida estava baseada na ele facilita a busca bem-sucedida de riqueza e satisfação
produção industrial de bens de consumo em fábricas e pessoal.
instalações industriais, a modernidade líquida está
baseada no consumo rápido e implacável de bens de Turistas e vagabundos
consumo e serviços.
Essa transição da produção para o consumo, diz Bauman distingue entre os vencedores e os
Bauman, é resultado da dissolução das estruturas perdedores na modernidade líquida. As pessoas que
sociais, como o emprego e a nacionalidade, nas quais se mais se beneficiam da fluidez da modernidade líquida
ancorava a identidade da modernidade sólida. Mas, na são os indivíduos privilegiados socialmente, capazes de
modernidade líquida, o senso do eu não é tão fixo: é flutuar sem empecilhos pelo mundo a fora. Essas
fragmentado, instável, quase sempre incoerente pessoas, as quais Bauman se referre como “turistas”,
internamente, sendo, com frequência, não mais que a existem mais no tempo que no espaço. Com isso ele
soma das escolhas de consumo a partir da qual é tanto quer dizer que, através do seu fácil acesso às tecnologias
constituído quanto representado. da internet ou aos voos transnacionais, os turistas são
Na modernidade líquida, o limite entre o eu capazes (virtualmente ou de fato) de rodar o mundo
autêntico e a representação do eu através das escolhas todo e agir nos locais onde as condições econômicas
de consumo se rompe: somos – de acordo com Bauman são as mais favoráveis e os padrões de vida, os mais
– o que compramos, não mais que isso. Os conceitos altos.
de fundo e raso se fundiram, e é impossível separá-los. No outro extremo, os “vagabundos”, como ele
os chama, são pessoas imóveis ou sujeitas à mobilidade
forçada, e excluídas da cultura de consumo. Eles estão
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14
ligados a locais onde o desemprego é alto e o padrão de QUESTÕES
vida muito baixo, e frequentemente são forçados a
deixar o seu país de origem como refugiados políticos, 1. (UNICENTRO 2011) No Brasil, o pensamento
ou econômicos, em busca de emprego, ou em resposta sociológico se desenvolve a partir da década 30, do
à ameaça de guerra ou perseguição. Qualquer lugar século passado, com a fundação da Universidade de São
onde estejam por muito tempo se torna inóspito. Paulo e o crescimento da produção científica.
Sobre o desenvolvimento dessa ciência no Brasil, no
Para Bauman, a migração em massa e os fluxos
século XX, é correto afirmar:
transacionais de pessoas ao redor do mundo estão entre
A) Os sociólogos desse período buscavam descrever o
as marcas da modernidade líquida e são fatores que país por meio de estudos naturalistas.
contribuem para a natureza imprevisível e em constante B) Os grandes nomes desse período foram Euclides da
mudança da vida cotidiana. As categoriais sociais de Cunha, Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Holanda.
turistas e vagabundos de Bauman ocupam os dois C) As duas preocupações dos sociólogos eram a
extremos desse fenômeno. aculturação indígena e a modernização do sistema
político brasileiro.
Aplicando a teoria de Bauman D) A orientação das análises sociológicas estava voltada
para as discussões mundiais ditadas por países, como
Zygmund Bauman é considerado um dos França e Inglaterra.
sociólogos mais influentes e eminentes da era moderna. E) O interesse dos intelectuais desse período estava
Ele prefere não se encaixar em nenhuma tradição voltado para o conhecimento do Brasil real, do povo,
em oposição às análises etnocêntricas anteriores.
intelectual específica. Seus escritos são relevantes para
um vasto leque de disciplinas, da ética, mídia e estudos 2. (UNICENTRO 2011) Autor brasileiro que entendia
culturais, à teoria política e à filosofia. a construção do Brasil como a fusão de raças, regiões,
Dentro da sociologia sua obra sobre a culturas e grupos sociais decorrentes da formação
modernidade líquida é considerada pela grande maioria colonial, em que os negros e mestiços teriam papel
dos pensadores uma contribuição única ao campo. fundamental na formação da identidade cultural do
O sociólogo irlandês Donncha Marron aplicou povo.
o conceito de Bauman de modernidade líquida para Essa referência identifica
consumo nos EUA. Seguindo a sugestão de Bauman de A) Gilberto Freyre.
que os bens de consumo e as marcas são uma B) Caio Prado Júnior.
característica única de como os indivíduos constroem a C) Florestan Fernandes.
sua identidade pessoal, Marron nota que o cartão de D) Fernando de Azevedo.
E) Sérgio Buarque de Holanda.
crédito é uma ferramenta importante nesse processo,
porque se encaixa perfeitamente na capacitação das
3. (UNICENTRO 2011) No Brasil, as primeiras
pessoas em se adaptar à forma de vida flúida que análises sociológicas, nas primeiras décadas do século
Bauman apresenta. XX, buscavam equacionar duas problemáticas centrais:
O cartão de crédito pode, por exemplo, ser a formação do Estado nacional brasileiro e a questão da
usado para pagar compras que satisfaçam o desejo de identidade nacional.
consumo. Ele faz com que pagar as coisas fique mais Sobre essas análises sociológicas no Brasil e seus
simples, rápido e mais fácil de gerenciar. representantes, é correto afirmar:
O cartão de crédito também cumpre o papel, é A) Plínio Salgado, na sua obra Nosso Brasil, retoma a tese
claro, de servir à função, diz Marron, de pagamento de de uma unidade nacional baseada em diferenças
contas e despesas diárias, conforme as pessoas trocam regionais, culturais e éticas.
de emprego ou têm mudanças de carreira significativas. B) Euclides da Cunha, em Os Sertões, afirmou que o
E o próprio cartão pode, com frequência, ter a bandeira brasileiro tem como fundamento social a cordialidade.
C) Caio Prado Júnior, em Formação do Brasil
ligada à coisas que seu dono tem interesse, como times
Contemporâneo, construiu um perfil psicológico do
de futebol, instituições de caridade ou lojas. brasileiro baseado na força dos sertanejos.
Esses cartões de fidelidade representam uma D) Sergio Buarque de Holanda, em sua obra Raízes do
forma pequena, mas significativa, de uma pessoa ser Brasil, de 1936, analisou a formação do Estado
capaz de escolher e mostrar o que pensa de si mesma brasileiro.
ao mundo exterior. E) Gilberto Freyre, em Casa Grande e Senzala, enfatizou
a miscigenação, novidade cultural da colonização
portuguesa.
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15
4. (UNICENTRO 2011) A formação do Brasil e a Assinale a alternativa em que a árvore genealógica
identidade do brasileiro foram bastante discutidas no relatada por um indivíduo evidencia esse sentimento de
início do século XX pelos sociólogos brasileiros ambiguidade em relação à formação social brasileira.
Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda e Caio a) Meu avô paterno, filho de italianos, casou-se com
Prado Júnior. uma filha de índios do interior de Minas Gerais; meu
A respeito das análises de Freyre, em seu livro “Casa avô materno, filho de português casado com uma negra,
Grande e Senzala”, é correto afirmar:
casou-se com uma filha de portugueses. Apesar de
A) Criou uma tipologia para estudar a formação do
saber que sou fruto de uma mistura, dependendo do
Brasil e do brasileiro, dando ênfase explicativa ao tipo
aventureiro do português em detrimento do tipo lugar em que estou, destaco uma dessas descendências:
semeador. na maioria das vezes, digo que descendo de portugueses
B) Fez um estudo da colonização portuguesa, e/ou de italianos; raramente digo que descendo de
descrevendo a formação da família patriarcal brasileira, negros e índios, quando o faço é porque terei alguma
dando especial importância à miscigenação como traço vantagem.
cultural. b) Meu avô paterno, filho de negros, casou-se com uma
C) Observou que a cordialidade do povo brasileiro lhe filha de índios do Paraná; meu avô materno, filho de
dificultava o reconhecimento da moderna português casado com uma espanhola, casou-se com
impessoalidade nas relações sociais. uma filha de italianos. Sempre destaco que sou
D) Utilizou o materialismo dialético como chave brasileiro acima de tudo, pois descendo de negros,
explicativa dos fatos sociais que condicionavam o índios e europeus. Essa afirmação ajuda-me a obter
destino do país.
vantagens em diferentes lugares, pois a identidade
E) Tratou da decadência do patriarcado rural e do
crescimento das elites urbanas no Brasil. brasileira tem sido assumida com clareza pelo estado e
pelo povo ao longo da história.
5. A formação cultural do Brasil tem como eixo central c) Meus avós maternos são filhos de italianos e os avós
a miscigenação. Autores, como por exemplo Gilberto paternos são filhos de imigrantes alemães. Eu casei com
Freire, destacaram que a mistura de raças/etnias uma negra, mas meus filhos serão, predominantemente,
européias, africanas e indígenas configuraram nossos brancos. Tenho orgulho dessa descendência que é
hábitos, valores, hierarquias, estilos de vida, predominante nas diferentes regiões do Brasil.
manifestações artísticas, enfim, a maioria das dimensões Costumo destacar que o Brasil é diferente, é branco e
da nossa vida social, política, econômica e cultural. negro e eu descendo de famílias italianas e alemãs, assim
Entretanto, outros pensadores consideravam-na um como meu filho. Esse traço cultural revela a grandeza
aspecto negativo em nossa formação e tentaram do país e a firmeza de nossa identidade cultural.
ressaltar as origens européias de algumas regiões, como d) Meu avô paterno, filho de índios do Paraná, casou-
o intelectual paranaense Wilson Martins afirmou: Assim se com uma filha de índios do Rio Grande Sul; meu avô
é o Paraná. Território que, do ponto de vista materno, filho de negros, casou-se com uma filha de
sociológico, acrescentou ao Brasil uma nova dimensão, negros. Gosto de afirmar que sou brasileiro, pois índios,
a de uma civilização original construída com pedaços de portugueses e negros formam nossa identidade
todas as outras. Sem escravidão, sem negro, sem nacional.
português e sem índio, dir-se-ia que a sua definição não e) Meu avô paterno, filho de poloneses, casou-se com
é brasileira. Inimigo dos gestos espetaculares e das uma filha de índios do Paraná; meu avô materno, filho
expansões temperamentais, despojado de adornos, sua de ucranianos, casou-se com uma filha de poloneses.
história é a de uma construção modesta e sólida e tão Como sou paranaense, costumo destacar que o Paraná
profundamente brasileira que pôde, sem alardes, impor tem miscigenação semelhante as das outras regiões do
o predomínio de uma idéia nacional a tantas culturas Brasil: aqui temos índios, europeus e negros.
antagônicas. E que pôde, sobretudo, numa experiência
magnífica, harmonizá-las entre si, num exemplo de 6. O discurso sobre a formação da identidade nacional
fraternidade humana a que não ascendeu a própria brasileira tem como uma de suas vertentes o estudo das
Europa, de onde elas provieram. Assim é o Paraná. consequências do encontro de três matrizes étnicas: o
(MARTINS, W. Um Brasil diferente: ensaio sobre fenômenos de negro, o europeu (branco) e o indígena. Em meio a este
aculturação no Paraná. 2. ed. São Paulo: T. A Queiroz, 1989. p. debate, e contrariando as teorias raciais, elaborou-se
446.) uma tese conhecida como “democracia racial”,
O preconceito em relação às origens africanas e caracterizada por
indígenas criou uma ambiguidade no processo de auto
afirmação dos indivíduos em relação às suas origens.
316
16
A) defender o direito de participação de representantes foram buscar na África, apresentam entre si tamanha
de todas as raças no processo político. diversidade que exige discriminação.
B) pressupor a miscigenação harmoniosa entre os PRADO JR., Caio. Formação do Brasil contemporâneo: colônia.
diferentes grupos étnicos que formaram a nação Entrevista Fernando Novais. Postácio Bernardo Ricupero. São
Paulo: Companhia das Letras, 2011. p. 88.
brasileira.
A respeito do processo de formação do povo brasileiro,
C) denunciar os conflitos raciais e a desvalorização dos
podemos identificar que
afrodescendentes no Brasil.
A) o Brasil é exemplo de harmonia entre suas etnias
D) culpar os grupos dominantes pela marginalização
constituintes, o que torna possível constatar o equilíbrio
dos afrodescendentes e da população indígena
entre os desiguais.
brasileira.
B) a nação vivencia a máxima da democracia racial, que
foi apregoada em seu passado por historiadores que
7. “A capoeira - reprimida pela polícia do final do século
pensavam em nossa identidade.
passado e incluída como crime no Código Penal de
C) o povo brasileiro é fruto de uma complexa
1890 - é oficializada como modalidade esportiva
miscigenação que deve ser continuamente estudada e
nacional em 1937. Também, o samba passou da
compreendida em suas particularidades.
repressão à exaltação, de dança de preto à canção
D) a cultura étnica em nosso país é resultado de sua
brasileira para exportação. Definido na época como
pluralidade, tendo na condição do branco europeu o
uma dança que fundia elementos diversos, nos anos 30,
referencial de seu processo formador.
o samba sai da marginalidade e ganha as ruas, enquanto
E) a nação indígena brasileira deve ser vista à parte no
as escolas de samba e desfiles passam a ser oficialmente
processo de formação do povo brasileiro, pois
subvencionados a partir de 1935.”
SCHWARCZ, Lilia M. “Nem preto nem branco, muito pelo representou a primazia de nossa constituição.
contrário: cor e raça na intimidade.” ln: NOVAES, Fernando A.
(org.) “História da Vida Privada no Brasil. Contrastes da 9. A diversidade racial no Brasil é uma realidade e a
Intimidade Contemporânea”. Vol. 4. São Paulo: Companhia das convivência pacifica é um comportamento a ser
Letras, 1998, p. 196. perseguido. Considere o texto.
Sobre as formas de integração das manifestações O Fórum de Gestores Municipais de Políticas
culturais negras no Brasil, é correto afirmar que de Promoção da Igualdade Racial aumentou sua
A) os elementos da cultura negra no Brasil são, a partir representatividade na Bahia, com a adesão oficial de 28
da década de 1930, incorporados à cultura nacional, municípios.
perdendo grande parte de suas características originais. O Fórum, que é um espaço permanente de diálogo
B) assim como o samba e a capoeira, o futebol é um entre Estado e municípios a fim de definir estratégias
elemento da cultura negra desenvolvido a partir da conjuntas para implementação da Política de Promoção
herança africana trazida pelos escravos. da Igualdade Racial, foi criado pela Secretaria de
Promoção da Igualdade Racial (Sepromi) em 2007, teve
C) as manifestações da cultura africana foram
um aumento de 87,5 % em relação ao ano passado e
incorporadas pela cultura brasileira em sua forma agora conta com 60 gestores que fortalecerão o projeto
integral e com suas peculiaridades sendo respeitadas. de interiorização das políticas afirmativas no Estado.
D) os elementos afro-brasileiros foram aceitos como "Se continuarmos nesse ritmo de adesão, vamos
parte da cultura brasileira logo após a abolição da conseguir ultrapassar a expectativa que é atingir a
escravatura, a partir de um programa estatal de metade dos municípios baianos até o ano de 2015",
integração cultural. salientou o secretário de Promoção da Igualdade Racial,
E) a segregação racial manteve-se como a base da Elias Sampaio.
formação da cultura brasileira, especialmente a partir da Revista Raça Brasil, edição 166
década de 1930, quando é estabelecido um projeto de A partir do texto, pode-se inferir que a tolerância racial
se efetiva gradativamente no Brasil por compreensão
cultura nacional.
social ou por força institucional.
Considerando a conjuntura atual, assinale a alternativa
8. Das três raças que entraram na constituição do Brasil, que marca um acontecimento que ratifica a participação
duas, pelo menos, os indígenas e africanos, trazem à institucional no caminho da aceitação das diferenças
baila problemas étnicos muito complexos. Se para os raciais e sociais no Brasil.
brancos há uma certa homogeneidade, que no terreno a) A promulgação da lei Afonso Arinos que pune
puramente histórico pode ser dada como completa, o qualquer atitude pejorativa em relação às etnias.
mesmo não ocorre com os demais. Os povos que os b) A legalidade da união civil estável de homossexuais.
colonizadores aqui encontraram, e mais ainda os que c) A constitucionalidade das cotas de vagas destinadas
a negros nas universidades brasileiras.
317
17
d) A ratificação da lei Maria da Penha que trata de [sistema de cotas] até que a gente faça ajustes na
crimes de violência contra as mulheres. sociedade”, argumentou Inocêncio.
e) A criação do primeiro partido político constituído
por negros ou afrodescendentes. TEXTO II
“Racismo sempre é ruim, tanto o movido por
10. A escravidão de africanos na América consumiu ódios quanto o por intenções nobres. Espero que os
cerca de 15 milhões ou mais de homens e mulheres militantes da causa negra não se iludam: esse projeto
arrancados de suas terras. O tráfico de escravos através não é uma grande vitória, mas uma cortina de fumaça.
do Atlântico foi um dos grandes empreendimentos Em primeiro lugar, porque o racismo brasileiro não é
comerciais e culturais que marcaram a formação do causado por políticas governamentais que precisam ser
mundo moderno e a criação de um sistema econômico revertidas, como era o caso americano, mas sim por
mundial. A participação do Brasil nessa trágica aventura atitudes de foro íntimo de uma parte dos nossos
foi enorme. Para o Brasil, estima-se que vieram perto de concidadãos. A concessão de cotas não mudará esse
40% dos escravos africanos. Aqui, não obstante ouso preconceito e corre-se o risco de exacerbá-lo. E,
intensivo da mão de obra cativa indígena, foram os segundo e mais importante, porque o efeito dessa lei
africanos e seus descendentes que constituíram a força não passa de migalha. Reportagem da Folha de São Paulo
de trabalho principal durante os mais de trezentos anos calculou que o número de vagas reservadas nas
de escravidão. E a escravidão penetrou cada um dos universidades federais aumentaria em 70 000 com as
aspectos da vida brasileira. Além de movimentarem cotas. A maneira de tirar milhões de negros da privação
engenhos, fazendas, minas, cidades, plantações, é melhorando a qualidade do ensino básico.”.
fábricas, cozinhas e salões, os escravos da África e seus
descendentes imprimiram marcas próprias sobre vários Partindo do ponto de vista apresentado nos textos e
outros aspectos da cultura material e espiritual deste sobre a temática discutida, é válido afirmar que
país, sua agricultura, culinária, religião, língua, música, a) os textos discordam com o sistema de cotas criado
artes, arquitetura... a lista é longa e já estamos cansados pelo governo, mas concordam que é necessário
de ouvi-la. melhorar o acesso das pessoas negras à universidade.
João José Reis e Flávio dos Santos Gomes, Liberdade por um fio. História dos b) os textos concordam com o acesso de negros através
quilombos nos Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. P. 9.
de cotas, visto que estes seriam incapazes de chegar ao
Com base no texto, podemos afirmar, sobre a
participação do negro no Brasil, que ensino acadêmico por outro método que não esse.
a) a cultura material e espiritual do Brasil c) os textos divergem. Enquanto o primeiro defende o
contemporâneo tem influência menor de africanos. sistema; o segundo garante que esse sistema reforça a
b) a economia cafeeira do Vale do Paraíba e do Oeste exclusão moral e o preconceito, sem garantir a
Paulista foi a que mais fez uso do trabalho escravo. efetividade da melhoria aos negros.
c) o deslocamento de africanos para a América dos d) os textos concordam nas cotas, mas discordam da
Ibéricos se insere na política europeia de povoar suas implementação. O primeiro acredita que a
colônias. implementação deve ser imediata; o segundo defende
d) não obstante à escravização de africanos, a mão de uma implantação gradual.
obra cativa indígena foi mais lucrativa para a metrópole. e) ambos são terminantemente contra o sistema de
e) nem a Igreja nem a Coroa se opuseram à escravização cotas e defendem que o melhor caminho para diminuir
do negro. Negro escravizado não tinha direitos, as desigualdades seria investindo nas escolas e
juridicamente era considerado uma coisa. permitindo acesso indiscriminado ao ensino superior.
TEXTO I TEXTO:
“Não vai agradar a todos [decisão do STF]. Não “Aliás, branco no Brasil é difícil, porque no Brasil
se trata de uma questão afetiva. É primordialmente que somos todos mestiços
a população negra seja respeitada”, explicou o Se você discorda, então olhe para trás
professor, Nelson Inocêncio, coordenador do Núcleo Olhe a nossa história
de Estudos Afro-Brasileiros da Universidade de Brasília Os nossos ancestrais
(UnB). Para o docente, as cotas não reduzem as O Brasil colonial não era igual a Portugal
diferenças sociais e econômicas entre negros e brancos, A raiz do meu país era multirracial
mas possibilita que tal parcela da população chegue a Tinha índio, branco, amarelo, preto
um banco de universidade - coisa que, há alguns anos, Nascemos da mistura, então por que o preconceito?”
era sequer imaginado por muitos negros. “É preciso Racismo é burrice – Gabriel O Pensador
318
18
CHARGE: e pele mais escura. Este fenômeno nos permite
concluir:
a) O fato de que não existem pessoas brancas entre os
mais pobres no Brasil.
b) A totalidade das mulheres negras se insere entre os
mais pobres da população brasileira.
c) As políticas de inclusão devem voltar-se apenas para
a população branca.
d) A exclusão pode se manifestar na dimensão
econômica, mas também está ligada às questões de
gênero e de etnia.
e) A exclusão social é um fenômeno vinculado
exclusivamente à questão econômica.
324
24
1. ÉMILE DURKHEIM E uma das primeiras coisas que ele fez foi propor
regras de observação e de procedimentos de investigação
A sociologia do século XIX é a que fizessem com que a Sociologia fosse capaz de estudar
“sociologia dos filósofos sistemáticos”. Ela é filha das os acontecimentos sociais de maneira semelhante ao que
esperanças ou dos temores suscitados pelo faz a Biologia quando olha para uma célula, por exemplo.
desenvolvimento da sociedade industrial, cujas Falando em Biologia nota-se que o seu objeto de
características essenciais Saint-Simon intuíra: organização estudo é a vida em toda a sua diversidade de
racional, despersonalização funcional, interdependência manifestações. As pesquisas dos fenômenos da natureza
das funções, planificação e divisão do trabalho, feitas pela Biologia são resultantes de várias observações
programação centralizada da produção. e experimentações, manipuláveis ou não.
Diante desse fato, Comte teoriza um sistema Já para a Sociologia, manipular os acontecimentos
autoritário, Spencer um sistema sociológico em evolução, sociais, ou repeti-los, é muito difícil. Por exemplo, como
mas sob o signo de um individualismo radical; Proudhon poderíamos reproduzir uma festa ou um movimento de
vê na justiça a mola do progresso, e Marx, por seu turno, greve “em laboratório” e sempre de igual modo? Seria
"prevê" uma justiça que se realizara por força de leis impossível. Mas Durkheim acreditava que os
inexoráveis que, mudando a estrutura material, destruirão acontecimentos sociais – como os crimes, os suicídios, a
as atuais relações sociais injustas. família, a escola, as leis – poderiam ser observados como
Com Durkheim (1855- coisas (objetos), pois assim, seria mais fácil de estudá-los.
1917), a sociologia “sistemática” Então o que ele fez?
entra em crise. Na opinião de Propôs algumas das regras que identificam que
Durkheim, a sociologia não é e tipo de fenômeno poderia ser estudado pela Sociologia.
não deve ser filosofia da história, A esses fenômenos que poderiam ser estudados por uma
que pretenda descobrir as leis ciência da sociedade ele denominou de fatos sociais.
gerais que guiam a marcha do
“progresso” de toda a Fato social
humanidade.
Ela também não é e não Assim, a teoria dos fatos sociais é o ponto de
deve ser metafísica, que se julgue partida dos estudos de Durkheim. Eles são irredutíveis à
em condições de determinar a vida biológica e tem como base a sociedade.
natureza da sociedade. E a Como tal, o “fato social” não se reduz ao fato
sociologia não é nem psicologia psíquico do simples indivíduo, e isso torna-se evidente
nem filosofia. pela “coerção” que ele - o fato social - exerce sobre o
Para Durkheim, a sociologia é uma ciência: uma indivíduo a partir do exterior, seja mediante sanções, seja
ciência autônoma e diferente das outras ciências. mediante a resistência que ele opõe às tentativas
Entretanto, para que a sociologia possa se qualificar como individuais de modificação de uma instituição, crença ou
ciência autônoma, deve-se especificar tanto o “objeto” uso.
como as “regras do método”. E é isso que faz Durkheim Assim, existem os “fatos sociais”, objeto
em As regras do método sociológico (1895). especifico de pesquisa daquela ciência autônoma que é a
A objetividade e a identidade na análise da vida sociologia, que, além disso, poderá se ocupar de duas
social foram questões fundamentais na sua proposição do grandes categorias de fatos: os fatos “normais” e os fatos
método sociológico. “patológicos”.
É a partir desse pensador que a Sociologia ganha Ainda em As regras do método sociológico, podemos
um formato mais “técnico”, sabendo o que e como ela ler: “Nós chamamos normais os fatos que apresentam as
iria buscar na sociedade. Com métodos próprios, a formas mais gerais, e daremos aos outros o nome de
Sociologia deixou de ser apenas uma ideia e ganhou morbosos ou patológicos”. Naturalmente, “as formas
“status” de ciência. mais gerais” só se dão em relação a determinada
Durkheim presenciou algumas das mais sociedade e em fase especifica de seu desenvolvimento.
importantes criações da sociedade moderna, como a Desse modo, uma função preliminar da
invenção da eletricidade, do cinema, dos carros de sociologia é a da classificação dos tipos de sociedade, o
passeio, entre outros. No seu tempo, havia um certo que é feito distinguindo as sociedades, com base em seu
otimismo causado por essas invenções, mas Durkheim grau de complexidade, desde as hordas at6 as modernas
também percebia entraves nessa sociedade moderna: sociedades complexas. Existem, portanto, os fatos
eram os problemas de ordem social. sociais; estes podem ser distinguidos, sem que se os
325
1
avalie, em fatos normais e fatos patológicos; a sociologia Nesses grupos, se alguém começasse a agir por
é a ciência que, considerando os fatos sociais “como conta própria, seria fácil perceber quem estaria
coisas”, procura a causa determinante de um fato social “tumultuando” o modo de vida local. Outro exemplo que
entre os fatos sociais anteriores e não entre os fatos da pode caracterizar a solidariedade mecânica são os
consciência individual.
Desse modo, entendendo-os como “maneiras de
agir, de pensar e de sentir exteriores ao indivíduo, dotados de um
poder de coerção em virtude do qual se lhe impõem”, podemos
traçar três características que distinguem os fatos sociais:
A coerção social que é a força que os fatos
sociais exercem sobre os indivíduos e que os levam a
conformar-se às regras da sociedade em que vivem,
independentemente de sua escolha ou vontade.
A exterioridade dos fatos sociais que existem e
atuam sobre os indivíduos independentemente de sua
vontade ou de sua adesão. As regras sociais, os costumes
e as leis já existem antes dos indivíduos e
independentemente deles. mutirões para colheita em regiões agrárias ou para
A generalidade quer dizer que todo fato social é reconstruir casas devastadas por vendavais e, ainda, são
geral, pois se aplica a todos os indivíduos ou à maioria exemplos também as campanhas para coletar alimentos.
deles. Na generalidade encontra-se a natureza coletiva Diferentemente das sociedades organizadas em
dos fatos sociais, seu estado comum ao grupo. solidariedade mecânica, nas sociedades de solidariedade
orgânica – típicas do mundo moderno - existem muitos
Entendendo a Sociedade (coesão social) papéis sociais. Pense na quantidade de tarefas que pode
haver nas áreas urbanas, nas cidades: são muitas as
Durkheim queria compreender como ocorreu a funções e atividades.
transição das sociedades tradicionais para as modernas e
analisou-as a partir de sua coesão, ou seja, o que mantinha
unida as sociedades tradicionais que se perdeu,
possibilitando a formação das sociedades modernas, e
como essa coesão se manteve nessas sociedades?
A humanidade, para esse pensador, está em
constante evolução, o que seria caracterizado pelo
aumento dos papéis sociais ou funções. Por exemplo,
para Durkheim, existem sociedades que organizam-se
sob a forma de um tipo de solidariedade denominada
mecânica e outras sociedades organizam-se sob a forma
de solidariedade orgânica.
As sociedades organizadas sob a forma de Durkheim acreditava que mesmo com uma
solidariedade mecânica seriam aquelas nas quais grande divisão e variedade de atividades, todas elas
existiriam poucos papéis sociais. Segundo Durkheim, deveriam cooperar entre si. Por isso, deu o nome de
nessas sociedades, os membros viveriam de maneira orgânica (como se fosse um organismo).
semelhante e, geralmente, ligados por crenças e Mas, nessas sociedades, diante da existência de
sentimentos comuns, o que ele chama de consciência inúmeros papéis sociais, diminui o grau de controle da
coletiva. sociedade sobre cada pessoa. A individualidade, sob
Neste tipo de sociedade existiria pouco espaço menor controle, passa a ser uma porta para que a pessoa
para individualidades, pois qualquer tentativa de atitude pretenda aumentar, ainda mais, o seu raio de ação ou de
“individualista” seria percebida e corrigida pelos demais posições dentro da sociedade.
membros. Uma das maiores expressões da anomia no
A organização de algumas aldeias indígenas mundo moderno, segundo Durkheim, seria esta: o
poderia servir de exemplo de como se dá a solidariedade egoísmo das pessoas. E a causa desta atitude seria a
mecânica: grupos de pessoas vivendo e trabalhando fragilidade das normas e controles sobre a
semelhantemente, ligados por suas crenças e valores.
326
2
individualidade, normas e controles que nas sociedades
de solidariedade mecânica funcionam com maior eficácia.
Qual seria, então, a solução para o mundo
moderno, segundo Durkheim?
Já que ele compara a sociedade com um corpo,
deve haver algo nela que não está cumprindo sua função
e gerando a patologia (a anomia, a doença). O corpo
precisa de diagnóstico e remédio.
Segundo ele, a Sociologia teria esse papel, ou seja,
o de encontrar as “partes” da sociedade que estão
produzindo fatos sociais patológicos e apontar para a
solução do problema.
Suicídio altruísta: ocorre quando um indivíduo
O suicídio valoriza a sociedade mais do que a ele mesmo, ou seja, os
laços que o unem à sociedade são muito fortes.
Durkheim utilizou sua teoria para explicar, por Deixe-me lembrar você do ocorrido em 11 de
exemplo, o suicídio. O que aparentemente seria um ato Setembro de 2001. Homens, em atos aparentemente
individual, para ele, estava ligado com aquilo que ocorria “loucos”, pilotavam aviões que se chocaram contra o
na sociedade. Ele compreende a sociedade como um World Trade Center em Nova York, lembra? Para
corpo organizado. Assim como a Biologia que Durkheim, os agentes dessa aparente “loucura” poderiam
compreende o corpo humano e todas suas partes em ser classificados como suicidas altruístas, pois se
pleno funcionamento. identificavam de tal forma como o grupo Al Qaeda, ao
Durkheim entende a sociedade com suas partes qual pertenciam, que se dispuseram a morrer por ele.
em operação e cumprindo suas funções. E, caso a família, Da mesma maneira aconteceu com os kamikases
a igreja, o Estado, a escola, o trabalho, os partidos japoneses durante a 2º Guerra Mundial (1939-1945) e
políticos, etc., que são elementos da sociedade com que, de certa forma, continua acontecendo com os
funções específicas, venham a falhar no cumprimento “homens-bomba” de hoje.
delas, surge no corpo da sociedade aquilo que Durkheim
chamou de anomia (a = sem, nomia = normas / sem
normas), ou seja, uma patologia. Assim, como no corpo
humano, se algo não funcionar bem, em “ordem”,
significa que está doente.
Para Durkheim, a sociedade age sobre o
indivíduo. Cada grupo social tem uma inclinação para o
suicídio, e desta derivam as inclinações individuais.
Trata-se das correntes de “egoísmo”, de
“altruísmo” e de “anomia” que afligem a sociedade.
Suicídio Egoísta: é causado pela decepção, pela Se você assistir ao filme “O Patriota”, com Mel
melancolia e pela sensação de desamparo moral, Gibson, poderá ver um exemplo de alguém que se dispôs
provocadas pela desintegração social. Atualmente, isso a morrer por uma causa que acreditava em relação ao seu
pode ser compreendido no mundo capitalista, cada vez país, no caso, os Estados Unidos da América.
mais individualista, em que as pessoas valorizam mais o
“ter” do que o “ser”.
Se alguém se desvinculasse das instituições sociais
(família, igreja, escola, partido político, etc.) por conta
própria, para viver de maneira livre, sem regras, qual seria
o limite para essa pessoa, uma vez que ninguém a
controlaria?
Pois é, segundo Durkheim, a falta de redes de
convívio ou limites para a ação poderia levar a pessoa a
desejar ilimitadas coisas. Mas caso tal pessoa não consiga
realizar os seus desejos, a frustração poderia levá-la a um
suicídio.
327
3
Suicídio anômico: é aquele que se deve a um b) Os padrões do que se considera saudável e belo são
estado de desregramento social no qual as normas estão exemplos de fato social e, portanto, são suscetíveis de
ausentes ou perderam respeito. exercer coerção sobre o indivíduo.
Este tipo pode acontecer quando as partes do c) Normas são prejudiciais ao desenvolvimento social por
corpo social deixam de funcionar e as normas ou laços criarem parâmetros e regras que institucionalizam o agir
que poderiam “abraçar” (solidarizar) os indivíduos dos indivíduos.
perdem sua eficácia, deixando-os viver de forma d) A consciência coletiva é mais forte entre os jovens,
desregrada ou em crise. voltados que estão a princípios menos individualistas e
Como exemplo, podemos citar como fatos que egoístas.
provocam a anomia: corrupção praticada por políticos e e) A base para a formação de princípios morais e de
funcionários públicos, a frieza da sociedade moderna, solidez das instituições são os desejos individuais, visto
bem como sua falta de diálogo coletivo, o divórcio, uma estes traduzirem o que é melhor para a sociedade.
família abandona o filho, ou o idoso, ou o doente, etc.
2. (UNICENTRO 2010) “Durkheim presenciou
Educação algumas das mais importantes criações da sociedade
moderna, como a invenção da eletricidade, do cinema,
Toda sociedade tem que educar os indivíduos dos carros de passeio, entre outros. No seu tempo, havia
com disciplina para que aprendam as regras necessárias à um certo otimismo causado por essas invenções, mas
organização da vida social e sua hierarquia. As regras Durkheim também percebia entraves nessa sociedade
devem ser aprendidas, internalizadas e transformadas em moderna: eram os problemas de ordem social.”
hábitos de conduta. (Sociologia / vários autores. – Curitiba: SEED-PR, 2006, p. 33).
Na visão dele, o currículo teológico, metafísico e Considerando a teoria sociológica elaborada por esse
literário ainda predominante nas escolas europeias de seu autor e seu estudo sobre a divisão do trabalho social,
tempo deveria ser substituído por uma educação assinale qual alternativa está correta.
positivista para se alinhar ao espírito científico de seu a) Para Durkheim a divisão do trabalho é antes de tudo
tempo. um conceito que explica as desigualdades na moderna
Dessa forma, cabe à educação, seja ela formal ou sociedade capitalista.
não, a importante tarefa da conformação dos indivíduos b) A divisão do trabalho social para Durkheim expressa a
à sociedade em que vivem, devendo eles sempre contradição existente entre as diferentes funções da
observarem a obediência e a hierarquia. sociedade como um todo.
c) Para Durkheim a divisão do trabalho social resulta das
QUESTÕES relações de cooperação entre as diferentes atividades
sociais que integram a sociedade.
1. (UEL 2011) De acordo com Susie Orbach, “Muitas d) Para Durkheim a divisão do trabalho permite perceber
coisas feitas em nome da saúde geram dificuldades como cada função social só se realiza na sua relação de
pessoais e psicológicas. Olhar fotos de corpos que conflito com uma outra função social.
passaram por tratamento de imagem e achar que e) Para Durkheim só podemos entender a divisão do
correspondem à realidade cria problema de auto-imagem, trabalho social se buscamos entender como são
o que leva muitas mulheres às mesas de cirurgia. Na regulamentadas as classes produtivas.
geração das minhas filhas, há garotas que gostam e outras
que não gostam de seus corpos. Elas têm medo de 3. (UNICENTRO 2013) Sobre o conceito de
comida e do que a comida pode fazer aos seus corpos. Solidariedade mecânica de Émile Durkheim, assinale a
Essa é a nova norma, mas isso não é normal. Elas têm alternativa correta.
pânico de ter apetite e de atender aos seus desejos”. A) É característica das sociedades ditas “primitivas” ou
(Adaptado: As mulheres estão famintas, mas têm medo da comida, “arcaicas”, ou seja, em agrupamentos humanos de tipo
Folha de S. Paulo, São Paulo, 15 ago. 2010, Saúde. Disponível em: tribal formado por clãs.
<http://www1.folha.uol.com.br/fsp/saude/sd1508201001.htm>.
B) Nestas sociedades, os indivíduos que a integram não
Acesso em: 15 out. 2010).
Com base no texto e nos conhecimentos sobre o compartilham das mesmas noções e valores sociais tanto
pensamento de Émile Durkheim, é correto afirmar: no que se refere às crenças religiosas como em relação aos
a) O conflito geracional produz anomia social, dada a interesses materiais necessários à subsistência do grupo.
incapacidade de os mais velhos compreenderem as C) A divisão econômica do trabalho social é mais
aspirações dos mais novos. desenvolvida e complexa e se expressa nas diferentes
profissões e variedade das atividades industriais.
328
4
D) A coesão social não está assentada em crenças e DURKHEIM, E. O Dualismo da Natureza Humana e as Suas Condições
valores sociais, religiosos, na tradição ou nos costumes Sociais, p. 289.
compartilhados, mas nos códigos e regras de conduta que A respeito das noções de sociedade e moralidade tais
estabelecem direitos e deveres e se expressam em normas como concebidas por Émile Durkheim, assinale a
jurídicas: isto é, o Direito. alternativa correta.
E) A crescente divisão social do trabalho faz aumentar A) Assim como os instintos e sensações humanas, a
também o grau de interdependência entre os indivíduos. atividade moral resulta dos significados subjetivos que os
indivíduos atribuem às relações sociais.
4. (UFU 2009) “Alegando ver ‘um conjunto de regras B) As regras morais não proporcionam coesão social nas
diabólicas’ e lembrando que ‘a desgraça humana começou sociedades complexas.
por causa da mulher’, um juiz de Sete Lagoas (MG) C) A sociedade consiste na soma das ações dos indivíduos
considerou inconstitucional a Lei Maria da Penha e tomadas coletivamente.
rejeitou pedidos de medidas contra homens que D) O caráter externo e coercitivo da moralidade decorre
agrediram e ameaçaram suas companheiras.” precisamente do fato de que ela é essencialmente coletiva
(Folha de S. Paulo, 21 de outubro de 2007). e impessoal.
O trecho supracitado refere-se à temática da violência
contra a mulher. Tendo como referência a sociologia de 7. (UFU 2010) O sociólogo francês Emile Durkheim,
Émile Durkheim e sua concepção de sociedade, podemos considerado o fundador da Sociologia, cunhou o termo
afirmar que a violência contra a mulher é: consciência coletiva.
A) um fenômeno de ordem sagrada, uma regra divina, Sobre esse conceito, é correto afirmar que:
como forma de punição à mulher face à sua culpa pela A) a família, o trabalho, os sindicatos, a educação, a
expulsão dos humanos do Jardim do Éden. religião, o controle social e até a punição do crime são
B) um fenômeno natural, originado nas diferenças alguns mecanismos que criam e mantêm viva a integração
biológicas entre homens e mulheres, as quais instituem a e a partilha da consciência coletiva.
superioridade masculina e a fragilidade feminina. B) essa consciência implica uma solidariedade de tipo
C) um fenômeno moral, embasado em padrões orgânica, caracterizada pela pouca divisão social do
socialmente estabelecidos, os quais regulam as relações trabalho.
sociais entre homens e mulheres. C) os processos de socialização e internalização individual
D) consequência de um desequilíbrio emocional na não são responsáveis pela aquisição, por parte dos
personalidade masculina, o que requer tratamento indivíduos, de valores, crenças e normas sociais que
individual com profissionais especializados. mantêm os grupos e as sociedades integrados.
D) implica uma solidariedade comum que molda as
5. (UFU 2009) Para Durkheim, o método científico consciências individuais, sem exercer qualquer tipo de
sociológico exige que o pesquisador mantenha certa coerção social sobre elas.
distância e neutralidade em relação aos fatos sociais.
Considerando a afirmativa de Durkheim, assinale a 8. (UFU 2011) De acordo com Durkheim, para se
alternativa correta sobre fato social. garantir a objetividade do método científico sociológico,
A) Corresponde a um conjunto de normas e valores torna-se necessário que o pesquisador mantenha certa
criados exteriormente, isto é, fora das consciências distância e neutralidade em relação aos fatos sociais, os
individuais. quais devem ser tratados como “coisas”.
B) Corresponde a um conjunto de normas e valores que Considerando a frase acima, assinale a alternativa correta
são criados diretamente pelos indivíduos para orientar a sobre fato social.
vida em sociedade. A) Corresponde a um conjunto de normas e valores que
C) É desprovido de caráter coercitivo, uma vez que existe são criados diretamente pelos indivíduos para orientar a
fora das consciências individuais. vida em sociedade.
D) É um fenômeno social difundido apenas nas B) Corresponde a um conjunto de normas e valores
sociedades cuja forma de solidariedade é orgânica. criados exteriormente, isto é, fora das consciências
individuais.
6. (UFU 2010) Tivemos muitas vezes ocasião de afirmar C) É desprovido de caráter coercitivo, uma vez que existe
que as regras da moral são normas elaboradas pela fora das consciências individuais.
sociedade; o caráter obrigatório que as caracteriza não é D) É um fenômeno social difundido apenas nas
mais do que a própria autoridade da sociedade sociedades cuja forma de solidariedade é orgânica.
comunicando-se a tudo que dela sai.
329
5
9. (UFU 2011) Segundo Durkheim, o crime é um fato B) para Durkheim, o que mantém a sociedade coesa é a
social presente em toda sociedade. Para o autor, nem solidariedade social e moral, e esta é mantida quando os
todo crime é anômico, mas apenas aquele que indivíduos são integrados em grupos sociais e regulados
corresponde a uma crise de coesão social. por uma gama de valores e costumes compartilhados.
A partir do exposto acima, assinale a alternativa correta C) para Weber, as estruturas existiam externa e
sobre o significado de anomia social em Durkheim. independentemente dos indivíduos e é desse modo que a
A) Ocorre quando há, nas sociedades modernas, com sociedade deveria ser pensada.
seus intensos processos de mudança, uma situação em D) para Marx, as ideias ou os valores que os seres
que o conjunto de regras, valores e procedimentos são humanos guardam são as principais fontes da mudança
reconhecidos por todos os indivíduos, levando ao social. Sendo assim, a sociedade e seu progresso não são
desenvolvimento da sociedade. estimulados pelas influências econômicas.
B) Conceito que descreve os sentimentos de falta de
objetivos e de desespero provocados pelo processo de 12. (UFU 2013) Durkheim caracteriza o suicídio ─ até
mudanças do mundo moderno, os quais resultam na então considerado objeto de estudo da epidemiologia, da
perda da influência das normas sociais sobre o psicologia e da psiquiatria ─ como fato social e, por isso,
comportamento individual. dotado das características da coercitividade, da
C) Conceito que descreve a ocorrência, nas sociedades exterioridade, da generalidade. É tomado, pois, como
modernas, com seus intensos processos de mudança, de objeto de estudo sociológico, em virtude do fato de
um estado de complementaridade e interdependência A) variar na razão inversa ao grau de integração dos
entre os indivíduos, o que leva a uma menor divisão do grupos sociais de que faz parte o indivíduo, ou seja,
trabalho social e ao fortalecimento das instituições quanto maior o grau de integração ao grupo social, mais
sociais. elevada é a taxa de mortalidade-suicídio da sociedade.
D) Ocorre quando os sentimentos de falta de objetivos e B) ser possível observar uma certa predisposição social
de desespero provocados pelo processo de mudanças do para fornecer determinado número de suicidas, ou seja,
mundo moderno resultam no fortalecimento da coesão uma tendência constante, marcada pela permanência, a
social e da influência das normas sociais sobre o despeito de variações circunstanciais.
comportamento individual. C) configurar-se como uma morte que resulta direta ou
indiretamente, consciente ou inconscientemente de um
10. (UFU 2011) De acordo com Durkheim, é correto ato executado pela própria vítima.
afirmar que a consciência coletiva D) depender, exclusivamente, do temperamento do
A) forma o tipo psíquico da sociedade, com suas suicida, de seu caráter, de seu histórico familiar, de sua
propriedades, suas condições de existência e seus modos biografia, uma vez que não deixa de ser um ato do próprio
de desenvolvimento. indivíduo.
B) tem por substrato um único órgão e depende das
condições particulares em que se encontram os 13. (UFU 2013) Os crescentes casos de violência que,
indivíduos. recorrentemente, têm ocorrido em nível nacional e
C) desenlaça as gerações sucessivas, pois muda a cada internacional, diuturna e diariamente noticiados pela
geração e assemelha-se à consciência individual. imprensa, convidam a pensar em uma situação de
D) é o conjunto de crenças e sentimentos específicos a patologia social. No entanto, para Durkheim, o crime,
alguns membros de uma mesma sociedade, formando um ainda que fato lastimável, é normal, desde que não atinja
sistema indeterminado e sem vida própria. taxas exageradas. É normal, porque existe em todas as
sociedades; para o sociólogo, o crime seria, inclusive,
11. (UFU 2011) As ciências naturais influenciaram necessário, útil. Sem pretender fazer apologia do crime,
consideravelmente a emergência das ciências sociais que compara-o à dor, que não é desejável, mas pertence à
surgiram como uma tentativa de transformar em objeto fisiologia natural e pode sinalizar a presença de moléstias
de investigação rigorosa campos tradicionalmente ligados a serem tratadas.
a disciplinas humanísticas, frequentemente consideradas O crime seria, pois, para Durkheim, socialmente
impenetráveis ao rigor das ciências naturais. funcional, porque
Sobre a concepção de sociedade, do ponto de vista da A) exerce um papel regulador, contribuindo para a
Sociologia clássica, é correto afirmar que evolução do ordenamento jurídico e possível advento de
A) para Durkheim, a sociedade é a mera soma das ações uma nova moral.
e dos interesses de seus membros individuais. B) é fator de edificação e fortalecimento da solidariedade
orgânica, que se estabelece nas sociedades complexas.
330
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C) legitima a ampliação do aparelho repressivo e classista B) Segundo Durkheim, a primeira regra, e a mais
do Estado burocrático nas sociedades baseadas no fundamental, é considerar os fatos sociais como coisas
sistema capitalista. para serem analisadas.
D) contribui para o crescimento de seitas e de religiões, C) O estado normal da sociedade para Durkheim é o
nas quais as pessoas em situação de risco buscam estado de anomia, quando todos os indivíduos exercem
proteção. bem os fatos sociais.
D) A solidariedade orgânica, para Durkheim, possui
14. (UFU 2014) Durkheim parte da proposicao: ‘cada pequena divisão do trabalho social, como pode ser
sociedade tem sua moral’; o que todo mundo pode demonstrada pela análise dos fatos sociais da sociedade.
admitir. De fato, a moral da sociedade romana difere
concretamente da moral do Estado soviético ou do 17. (UEL 2008) De acordo com Florestan Fernandes:
Estado liberal norte-americano. A concepção fundamental de ciência, de Emile Durkheim
É verdade que cada sociedade tem instituições, crenças (1858-1917), é realista, no sentido de defender o princípio
ou práticas morais que lhe são próprias, e que segundo o qual nenhuma ciência é possível sem definição
caracterizam o tipo a que essas sociedades pertencem. de um objeto próprio e independente.
ARON, R. As etapas do pensamento sociológico. São Paulo: Martins (FERNANDES, F. Fundamentos empíricos da explicação sociológica. Rio
Fontes, 1993, p. 360-361. de Janeiro: Cia Editora Nacional, 1967. p. 73).
São exemplos de instituições essenciais para a sociedade Assinale a alternativa que descreve o objeto próprio da
na concepção de Durkheim: Sociologia, segundo Emile Durkheim (1858-1917).
A) Família, escola e Estado. a) O conflito de classe, base da divisão social e
B) Casamento, escola e classes sociais. transformação do modo de produção.
C) Família, solidariedade mecânica e justiça. b) O fato social, exterior e coercitivo em relação à
D) Política, solidariedade orgânica e classes sociais. vontade dos indivíduos.
c) A ação social que define as inter-relações
15. (UFU 2014) A interpretação da modernidade, de compartilhadas de sentido entre os indivíduos.
acordo com Émile Durkheim, é construída tendo em d) A sociedade, produto da vontade e da ação de
vista dois polos de sociedade que ele procura explicar a indivíduos que agem independentes uns dos outros.
partir da solidariedade mecânica e da solidariedade e) A cultura, resultado das relações de produção e da
orgânica. Tendo em vista a solidariedade orgânica, o autor divisão social do trabalho.
aponta suas características, considerando formas distintas
de organização social, laços de solidariedade e tipo de
direito, marcadas, respectivamente, pela
A) divisão do trabalho social, por sociedades segmentadas
e pelo direito repressivo.
B) divisão do trabalho social, por sociedades
diferenciadas e pelo direito restitutivo.
C) consciência coletiva, pelas sociedades segmentadas e
pelo direito repressivo.
D) consciência coletiva, pelas sociedades diferenciadas e
pelo direito restitutivo.
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20
GABARITO 15. d
16. d
QUESTÕES DURKHEIM
17. b
1. b
18. a
2. c
3. a
4. c
5. a
6. d
7. a
8. b
9. b
10. a
11. b
12. b
13. a
14. a
15. b
16. b
17. b
QUESTÕES WEBER
1. b
2. b
3. a
4. b
5. a
6. d
7. a
8. a
9. c
10. a
11. a
12. a
13. c
14. a
345
21