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FILOSOFIA ANTIGA 1. ORIGEM DA FILOSOFIA

Todos nós sabemos que os primeiros filósofos Na antiguidade a região conhecida como Grécia
da humanidade foram gregos. Isso significa que embora não era um estado unificado, com poder centralizado,
tenhamos referências de grandes homens na China governo único, e suas cidades-estados (póleis)
(Confúcio, Lao Tsé), na Índia (Buda), na Pérsia obedecendo a esse poder. Era na verdade, uma região
(Zaratustra), suas teorias ainda estão por demais que por suas peculiaridades históricas e geográficas
vinculadas à religião para que se possa falar abrigava povos de origem, costumes e crenças comuns,
propriamente em reflexão filosófica. unidos por uma mesma língua.
O que veremos agora é o processo pelo qual se A sua formação se dá pela união das civilizações
tornou possível a passagem da consciência mítica para Cretense e Micênica no período que ficou
a filosófica na civilização grega, constituída por diversas convencionado chamar de pré-homérico (Séc. XX a
regiões politicamente autônomas. XII a. C.), cujo fim ocorre com a invasão dórica que
A história desse povo na antiguidade é dividida ocasionou a primeira diáspora grega, quando eles
em quatro períodos. ocuparam todas as áreas banhadas pelo mar Egeu na
- Civilização micênica - desenvolve-se desde o início forma de pequenos núcleos rurais.
do segundo milênio a.C. e tem esse nome pela Começa a partir de então o período homérico
importância da cidade de Micenas, de onde, no século (Sécs. XII a VIII a. C.), que leva esse nome por causa
XII a.C., partem Agamemnon, Aquiles e Ulisses para das obras costumeiramente atribuídas ao grande poeta
sitiar e conquistar Tróia. Homero, que nos conta, por meio da Ilíada e Odisseia,
como foi essa época.
Os pequenos núcleos rurais deram origem aos
genos que, comandado por um pater, eram formados
por pessoas que acreditavam ser de uma mesma
descendência. Apesar de terem um líder, a terra era de
propriedade de todos.
Nesse período, houve um grande aumento
populacional que não foi acompanhado pela produção
de alimentos, pois haviam poucas terras férteis.
Muitos genos se dividiram, houve disputas e
distribuição desigual de terras que passaram a ser
propriedade privada. Foi um período de turbulência e
muitas pessoas ficaram marginalizadas.
Essa instabilidade gerou a necessidade de alguns
genos se aliarem. Dessas alianças resultaram as fratrias,
e da união destas, as tribos. O poder do pater passou a
- Tempos homéricos (séculos XII a VIII a.C.) - são ser exercido por grupos de latifundiários bem nascidos
assim chamados porque nesse período teria vivido conhecidos como eupátridas. Até que finalmente
Homero (século IX ou VIII). Na fase de transição de foram formados os demos que tinha como líder o
um mundo essencialmente rural, o enriquecimento dos basileu (rei), que era o mais fodão dos eupátridas.
senhores faz surgir a aristocracia proprietária de terras Desse modo, a sociedade, que era
e o desenvolvimento do sistema escravista. essencialmente agrária e patriarcal, ficou estruturada da
- Período arcaico (séculos VIII a VI a.C.) - grandes seguinte forma:
alterações sociais e políticas com o advento da pólis e 1) Eupátridas = os paters e seus parentes mais
desenvolvimento do comércio e consequente próximos que detinham as maiores e melhores
movimento de colonização grega. terras;
- Período clássico (séculos V e IV a.C -) - apogeu da 2) Demiurgos = trabalhadores livres
civilização grega. Na política, expressão da democracia 3) Georgoi = pequenos proprietários de terras;
ateniense; explosão das artes, literatura e filosofia. 4) Thetas = homens livres, mas marginalizados por
Época em que viveram os sofistas, Sócrates, Platão e que sobraram na divisão e disputas por terras;
Aristóteles. 5) Escravos
- Período helenístico (séculos III e II a.C.) - Para sobreviver, muitos gregos tiveram que
decadência política da Grécia, com o domínio buscar terras férteis para o cultivo de alimentos. Eles se
macedônico e conquista pelos romanos. Culturalmente lançaram ao mar à procura dessas regiões e se
se dá a influência das civilizações orientais. estabeleceram, além do Mar Egeu, por quase toda
região europeia banhada pelo Mar Mediterrâneo
(principalmente no sul da península itálica e na região
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da Sicília, que ficou conhecida como Magna Grécia), deixando vários questionamentos em aberto,
adentrando também na região do Mar Negro fundando perpetuando a forma de ver e entender tanto o mundo
apoikias (novos demos - colônias) em todos esses natural quanto o social.
territórios. Essa busca de novas terras foi Segunda
Diáspora grega. Mito e estrutura social

O mito é também uma forma de justificação da


estrutura social da época. Dito de outro jeito, o mito é
uma forma de ver não só o mundo natural, como
também de entender e aceitar a divisão e
funcionamento da sociedade. Perceba que os grandes
reis (basileu) são protegidos ou escolhidos pelos
deuses e os grandes guerreiros, como Aquiles, possuem
vínculos com eles. Você se atreveria a discutir com eles,
ou questionar sua autoridade? Fica difícil, não é?
No entanto, as condições de vida social que
eram fundamentadas pelos mitos, e que também os
fundamentavam, mudaram muito e sucessivos
acontecimentos acabaram derrubando muitas dessas
explicações fabulosas sobre a realidade tanto natural
Foi basicamente nessa época que houve o quanto social, e uma nova forma de ver o mundo
ressurgimento da escrita entre os gregos, quando eles (incluindo a sociedade) precisava ser criada. É aí que
adaptaram o alfabeto fenício à sua língua. entra em cena a Filosofia como veremos mais a diante.
Homero foi o poeta-
2. O MITO rapsodo a quem costumeiramente
se atribui a autoria de dois poemas
Antes mesmo do advento da Filosofia o homem épicos (epopeias): Ilíada, que trata
já possuía a curiosidade de saber sobre a origem das da guerra de Tróia (Tróia em grego
coisas, e mesmo sem ter a tecnologia de que dispomos é Ilion), e Odisseia, que relata o
hoje, eles tinham a imaginação trabalhando a todo retorno de Ulisses a Ítaca, após a
vapor. Com ela criaram diversas histórias que foram guerra de Tróia (Odisseus é o nome
passadas de forma oral por várias gerações. A palavra grego de Ulisses). Por vários motivos, inclusive pelo
grega mythos significa contar, narrar, conversar. estilo diferente dos dois poemas, alguns intérpretes
O mito é uma narrativa fantasiosa que visa dar acham que são obras de diversos autores.
uma explicação para a origem de determinada coisa, Ao descrever na Ilíada e na Odisseia vários
sejam ela o homem, o amor, a doença, o mundo, os aspectos da cultura e as diversas formas de
deuses, etc. relacionamento social dessa época, influencia muito as
Os primeiros modelos de construção do real são várias gerações gregas que tiveram o guerreiro bom e
de natureza sobrenatural, isto é, o homem recorre aos belo como um ideal de formação a ser alcançado.
deuses para apaziguar sua aflição. Belo porque seu corpo era formado pela
Basicamente, existem dois tipos de mitos. As ginástica, pela dança e pelos jogos de guerra, imitando
narrativas que procuram explicar a origem do mundo os heróis da Guerra de Troia (Aquiles, Heitor, Ajax,
são as cosmogonias (cosmos = mundo ordenado + Ulisses). Bom porque seu espírito era formado
gonia = gerar), já as histórias que narram a origem dos escutando poetas como Homero, Píndaro e Hesíodo,
deuses são as teogonias (theos = seres divinos + gonia aprendendo com eles as virtudes admiradas pelos
= gerar). deuses e praticadas pelos heróis; a principal delas era a
Os mitos se sustentam apenas na autoridade de coragem diante da morte, na guerra. A virtude era a
quem os conta. O poeta-rapsodo, tem autoridade aretê , própria dos melhores, ou, em grego, própria dos
inquestionável, seja porque recebeu a narrativa de uma aristoi.
tradição oral respeitada, seja porque é considerado As epopeias tiveram função didática importante
alguém escolhido pelos deuses para receber uma na vida dos gregos porque descrevem o período da
revelação e passá-la aos outros. Esses devem receber a civilização micênica e transmitem os valores da cultura
informação como verdade inquestionável. por meio das histórias dos deuses e antepassados,
Desse modo, os mitos não dão espaço para expressando uma determinada concepção de vida. Por
questionamentos e nem reflexão, admitem isso desde cedo as crianças decoravam passagens dos
incoerências, contradições e são muito limitados poemas de Homero.

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As ações heroicas relatadas nas epopeias Embora tenhamos nos referido ao mito
mostram a constante intervenção dos deuses, ora para enquanto forma de compreensão, a sua função não é,
auxiliar um protegido seu, ora para perseguir um primordialmente, explicar a realidade, mas acomodar e
inimigo. O homem homérico é presa do Destino tranquilizar o homem em um mundo assustador.
(Moira), que é fixo, imutável, e não pode ser alterado. É um discurso de tal força, que se estende por
Até distúrbios psíquicos como o desvario momentâneo todas as dependências da realidade vivida, e não apenas
de Agamêmnon são atribuídos à ação divina. É nesse no campo sagrado (ou seja, da relação entre o homem
sentido a fala de Heitor: “Ninguém me lançará ao e o divino), mas existe em toda a atividade humana.
Hades contra as ordens do destino! Garanto-te que Como não existiam códigos morais
nunca homem algum, bom ou mau, escapou ao seu sistematizados que pudessem nortear a ação das
destino, desde que nasceu!” pessoas, podemos afirmar que uma outra função do
mito é fixar os modelos exemplares de todos os ritos e
de todas as atividades humanas significativas.
Dessa forma, o homem imita os gestos
exemplares dos deuses, repetindo nos ritos as ações
deles que atualizam os mitos primordiais, pois, caso
contrário, estão convencidos de que a semente não
brotará da terra, a mulher não será fecundada, a árvore
não dará frutos, o dia não sucederá à noite.
A forma sobrenatural de descrever a realidade é
coerente com a maneira mágica pela qual o homem age
sobre o mundo, como, por exemplo, com os inúmeros
ritos de passagem do nascimento, do casamento, da
morte, da infância para a idade adulta. Sem os ritos, é
O herói vive, portanto, na dependência dos como se os fatos naturais descritos não pudessem se
deuses e do destino, faltando a ele a nossa noção de concretizar de fato.
vontade pessoal, de livre-arbítrio. Mas isto não o
diminui diante dos homens comuns. Ao contrário, ter 3. A PÓLIS E O SURGIMENTO DA FILOSOFIA
sido escolhido pelos deuses é sinal de valor e em nada
tal ajuda desmerece a sua virtude. “Advento da Polis, nascimento da filosofia: entre as duas ordens
A virtude do herói se manifesta pela coragem e de fenômenos os vínculos são demasiado estreitos para que o
pela força, sobretudo no campo de batalha, mas pensamento racional não apareça, em suas origens, solidário das
também na assembléia, no discurso, pelo poder de estruturas sociais e mentais próprias da cidade grega.”
persuasão. (Jean-Pierre Vernant)
O preceptor de Aquiles diz: "Para isso me
enviou, a fim de eu te ensinar tudo isto, a saber fazer Com a segunda diáspora, começa o período
discursos e praticar nobres feitos". Nessa perspectiva, a arcaico (Sécs. VIII a VI a. C.), quando tivemos a
noção de virtude não deve ser confundida com o formação de vários demos espalhados por todo o
conceito moral de virtude como o conhecemos mediterrâneo, intensificando as trocas de mercadorias e
posteriormente, mas como excelência, superioridade, fazendo florescer novamente o comércio. É importante
alvo supremo do herói. Trata –se da virtude do destacar que nessa época surge a moeda como um
guerreiro belo e bom. meio de facilitar as transações comerciais.
Hesíodo, outro poeta que teria vivido por volta A partir daí, foi só questão de tempo para que
do final do século VIII e princípios do VII a.C., produz os demos se unissem e formassem as póleis (eram
uma obra com características que apontam para a época mais de 1.000), que foram governadas por conselhos
que se vai iniciar a seguir, com particularidades que de eupátridas (proprietários de terras) dando início aos
tendem a superar a poesia impessoal e coletiva das regimes oligárquicos (governo de poucos). Eles
epopeias. desenvolveram leis, distribuíam a justiça, e ditavam a
Mas mesmo assim, sua obra Teogonia reflete divindade a ser cultuada.
ainda a preocupação com a crença nos mitos. Nela Agora, com um número muito maior de póleis,
Hesíodo relata as origens do mundo e dos deuses, e as e várias delas sendo importantes centros comerciais e
forças que surgem não são a pura natureza, mas sim as portos estratégicos para a navegação, a principal
próprias divindades: Gaia é a Terra, Urano é o Céu, atividade econômica deixou de ser a agricultura, e o
Cronos é o Tempo, surgindo ora por segregação, ora comércio passa a ser o seu principal fator de
pela intervenção de Eros, princípio que aproxima os desenvolvimento econômico.
opostos. Esse desenvolvimento econômico
proporcionou uma melhora significativa na qualidade
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de vida material da população. A partir daí os gregos com isso, uma capacidade de abstração nova, ou uma
passaram a ter tempo para fazer algo além de percepção do tempo como algo natural, e não como
comercializar, eles agora iriam pensar. uma força divina incompreensível;
A consolidação das póleis seguido de uma A moeda – Você certamente sabe quanto custa
relativa estabilidade política e econômica, e um longo uma caneta, um caderno ou uma meia. Mas você sabe
período de prosperidade foi o terreno fértil para o quanto vale um real? Sabe porque um real vale um real,
nascimento da Filosofia. Algumas invenções e e cem reais vale cem reais? Pois é, esse é um exercício
atividades que se desenvolveram, ou foram criadas, de abstração que requerem cálculos complexo. Os
juntamente com a polis foram cruciais para o seu gregos deixaram de trocar as coisas e passaram a usar a
surgimento. São elas: moeda quando adquiriam essa capacidade de abstração.
A escrita alfabética – Geralmente a Por volta dos séculos VIII a VI a.C. houve o
consciência mítica predomina nas culturas de tradição desenvolvimento do comércio marítimo decorrente da
oral, onde ainda não há escrita. É interessante observar expansão do mundo grego mediante a colonização da
que mythos significa “palavra”, “o que se diz”. A palavra Magna Grécia (atual sul da Itália) e Jônia (atual
antes da escrita, ligada a um suporte vivo que a Turquia). O enriquecimento dos comerciantes
pronuncia, repete e fixa o evento por meio da memória promoveu profundas transformações decorrentes da
pessoal. Aliás, etimologicamente, epopeia significa “o substituição dos valores aristocráticos pelos valores da
que se exprime pela palavra” e lenda é “o que se conta”. nova classe em ascensão.
É bem verdade que, de início, a primeira escrita Na época da predominância da aristocracia rural,
é mágica e reservada aos privilegiados, aos sacerdotes e cuja riqueza se baseava em terras e rebanhos, a
aos reis. economia era pré-monetária e os objetos usados para
Entre os egípcios, por exemplo, hieróglifos troca vinham carregados de simbologia afetiva e
significa literalmente “sinais divinos”. Na Grécia, a sagrada, decorrente da posição social ocupada por
escrita surge por influência dos fenícios e já no século homens considerados superiores e do caráter
VIII a.C. se acha suficientemente desligada de sobrenatural que impregnava as relações sociais.
preocupações esotéricas e religiosas. A fim de facilitar os negócios, a moeda, que tinha
Enquanto os rituais religiosos são cheios de sido inventada na Lídia, aparece na Grécia por volta do
fórmulas mágicas, termos fixos e inquestionados, os século VII a.C. A moeda torna-se necessária porque,
escritos deixam de ser reservados apenas aos que detêm com o comércio, os produtos que antes eram feitos
o poder e passam a ser divulgados em praça pública, sobretudo com valor de uso passam a ter valor de troca,
sujeitos à discussão e à crítica. isto é, transformam-se em mercadoria,
Apenas um parêntese esclarecedor: isso não Daí a exigência de algo que funcionasse como valor
significa que a escrita tenha se tornado acessível a todos. equivalente universal das mercadorias.
Muito ao contrário, permanece ainda grande o número A invenção da moeda desempenha papel
de analfabetos. O que está em questão, no entanto, é a revolucionário, pois está vinculada ao nascimento do
dessacralização da escrita, ou seja, seu desligamento da pensamento racional.
religião. Isso porque passa a ser emitida e garantida pela
A escrita gera uma nova idade mental porque Cidade, revertendo benefícios para a própria
exige de quem escreve uma postura diferente daquela comunidade. Além desse efeito político de
de quem apenas fala. Como a escrita fixa a palavra, e democratização, a moeda sobrepõe aos símbolos
consequentemente o mundo, para além de quem a sagrados e afetivos o caráter racional de sua concepção:
proferiu, necessita de mais rigor e clareza, o que muito mais do que um metal precioso que se troca por
estimula o espírito crítico. Além disso, a retomada qualquer mercadoria, a moeda é um artifício racional,
posterior do que foi escrito e o exame pelos outros - uma convenção humana, uma noção abstrata de valor
não só de contemporâneos, mas de outras gerações - que estabelece a medida comum entre valores
abrem os horizontes do pensamento, propiciando o diferentes.
distanciamento do vivido, o confronto das ideias, a A política – Esse ponto é bastante importante
ampliação da crítica. porque marca uma ruptura no modo de encarar a
Portanto, a escrita aparece como possibilidade organização social. A pólis é um lugar onde os homens
maior de abstração, uma reflexão da palavra que tenderá decidem o seu próprio destino, e não mais os deuses.
a modificar a própria estrutura do pensamento. E esse governo dos homens só era possível
As navegações – Ao desbravarem os mares os porque eles eram livres para criarem suas próprias leis,
gregos iriam realmente descobrir se existiam os que eram fruto do debate público, ou seja, da palavra
monstros e sereias que os mitos contavam. que era posta sob questionamento.
A invenção do calendário – uma forma de E esse tipo de discurso proporcionado pela
calcular o tempo segundo as estações do ano, as horas atividade política foi fundamental para o surgimento do
do dia, os fatos importantes que se repetem, revelando, discurso filosófico, que nasceu como diálogo. A palavra
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que sempre pode ser debatida e questionada. Lembre- Pouco a pouco, a noção de diké identificou-se
se que no mito, a palavra era inquestionável. com a regra natural para a ação das coisas e dos homens
A invenção da política, que introduz três e o critério para julgá-las. A ideia de justiça se refere,
aspectos novos e decisivos para o nascimento da portanto, a uma ordem divina e natural, que regula,
filosofia: julga e pune as ações das coisas e dos seres humanos. A
1º) A ideia da lei como expressão da vontade de justiça é a lei e a ordem do mundo, isto é, da natureza
uma coletividade humana que decide por si mesma o ou physis. Lei (nómos), natureza (physis) e ordem
que é melhor para si e como ela definirá suas relações (kósmos) constituem assim o campo da ideia de justiça.
internas. A invenção da política exigiu que as explicações
Drácon (séc. VII a.C.), Sólon e Clístenes (séc. míticas fossem afastadas — thémis e diké deixaram de
VI a.C.) são os primeiros legisladores que marcam uma ser vistas como duas deusas que impunham ordem e leis
nova era: a justiça, até então dependente da ao mundo e aos seres humanos, passando a significar as
arbitrariedade dos reis ou da interpretação da vontade causas que fazem haver ordem, lei e justiça na natureza
divina, é codificada numa legislação escrita. e na pólis. Justo é o que segue a ordem natural e respeita
Regra comum a todos, norma racional, sujeita à a lei natural.
discussão e modificação, a lei escrita passa a encarnar Mas a pólis existe por natureza ou é instituída
uma dimensão propriamente humana. por convenção entre os homens? A justiça e a lei
Essa característica da pólis grega – um espaço política são naturais ou estabelecidas pelos humanos,
legislado e regulado – servirá de modelo para a filosofia isto é, convencionais? Essas indagações colocam, de um
propor que também o mundo é racionalmente lado, os sofistas, defensores do caráter convencional da
legislado, regulado e ordenado. justiça e da lei, e, de outro, Platão e Aristóteles,
2º) O surgimento de um espaço público, que faz defensores do caráter natural da justiça e da lei.
aparecer um novo tipo de discurso, diferente daquele O cidadão da pólis - Jean-Pierre Vernant,
que era preferido pelo mito. Neste, um poeta-vidente helenista e pensador francês, vê no nascimento da pólis
recebia das deusas ligadas à memória (a deusa (por volta dos séculos VIII e VII a.C.) um
Mnemosyne, mãe das musas, entidades que guiavam o acontecimento decisivo que "marca um começo, uma
poeta) uma iluminação ou uma revelação sobrenatural verdadeira invenção", que provocou grandes alterações
e, então, dizia aos homens quais eram as decisões dos na vida social e nas relações entre os homens.
deuses que eles deveriam obedecer. A originalidade da pólis grega é que ela está
Agora, com a pólis, a palavra constitui-se como centralizada na ágora (praça pública), espaço onde se
direito de cada cidadão emitir em público sua opinião, debatem os problemas de interesse comum. Separam-
discuti-la com os outros, persuadi-los a tomar uma se na pólis o domínio público e o privado: isto
decisão proposta por ele. Desse modo, surge o discurso significa que ao ideal de valor de sangue, restrito a
político como palavra humana compartilhada, como grupos privilegiados em função do nascimento ou
diálogo, discussão e deliberação humana, isto é, como fortuna, se sobrepõe a justa distribuição dos direitos dos
decisão racional e exposição dos motivos ou das razões cidadãos enquanto representantes dos interesses da
para fazer ou não fazer alguma coisa. cidade. Está sendo elaborado o novo ideal de justiça,
Com a política, valorizou-se o pensamento pelo qual todo cidadão tem direito ao poder. A nova
racional, criando condições para que surgisse o discurso noção de justiça assume caráter político, e não apenas
ou a palavra filosófica. moral, ou seja, ela não diz respeito apenas ao indivíduo
3º) A noção de discussão pública das opiniões e e aos interesses da tradição familiar, mas se refere a sua
ideias, pois a política estimula um pensamento e um atuação na comunidade.
discurso públicos, ensinados, transmitidos, A pólis se faz pela autonomia da palavra, não
comunicados e discutidos, que não sejam formulados mais a palavra mágica dos mitos, palavra dada pelos
por seitas secretas dos iniciados em mistérios sagrados. deuses e, portanto, comum a todos, mas a palavra
A ideia de um pensamento que todos podem humana do conflito, da discussão, da argumentação. O
compreender, discutir e transmitir é fundamental para a saber deixa de ser sagrado e passa a ser objeto de
filosofia. discussão.
Para os gregos, a finalidade da vida política A expressão da individualidade por meio do
era a justiça na comunidade. A noção de justiça fora, debate faz nascer a política, libertando o homem dos
inicialmente, elaborada em termos míticos com base em exclusivos desígnios divinos, e permitindo a ele tecer
três figuras principais: thémis, a lei divina trazida pela seu destino na praça pública. A instauração da ordem
deusa Thémis, que institui a ordem do Universo; humana dá origem ao cidadão da pólis, figura
kósmos, a ordem universal estabelecida pela lei divina; inexistente no mundo coletivista da comunidade tribal.
diké, a justiça que a deusa Diké instituiu entre as coisas Portanto, o cidadão da pólis participa dos
e entre os homens, no respeito às leis divinas e à ordem destinos da cidade por meio do uso da palavra em praça
cósmica. pública. Mas para que isso fosse possível, desenvolveu-
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se uma nova concepção a respeito das relações entre os tumba e prisão. Do Orfismo deriva a moral que põe
homens, não mais assentadas nas suas diferenças, na limites precisos a algumas tendências irracionais do
hierarquia típica das relações de submissão e domínio. homem.
Ou seja, “os que compõem a cidade, por mais diferentes O que agrupa essas duas formas de religião é a
que sejam por sua origem, sua classe, sua função, ausência de dogmas fixos e vinculantes em sentido
aparecem de uma certa maneira “semelhantes” uns aos absoluto, de textos sagrados revelados e de intérpretes
outros”. e guardiões dessa revelação (sacerdotes preparados para
De início a igualdade existe apenas entre os essas tarefas precisas). Por esse motivo, o pensamento
guerreiros, mas “essa imagem do mundo humano filosófico teve desde o início ampla liberdade de
encontrará no século VI sua expressão rigorosa num expressão.
conceito, o de isonomia: igual participação de todos os No processo de construção do saber filosófico,
cidadãos no exercício do poder”. é inegável o quanto que os gregos aprenderam com os
Nas póleis gregas não havia muita diferença de outros povos, tanto os que os antecederam, quanto os
riqueza entre os cidadãos e a monarquia não era a forma que foram seus contemporâneos. Mas também é
de governo predominante entre eles. inegável como eles souberam transformar esses
Os gregos acreditavam que um homem livre conhecimentos adquiridos em alto totalmente novo e
que vivia em pleno gozo de suas faculdades mentais e melhor.
corporais deveria viver em uma comunidade política Do oriente eles aprenderam alguns
que se autodeterminava por leis que ela mesma criava conhecimentos como a matemática e astronomia, e
por meio do debate, e não por um homem (rei) ou souberam dar a eles uma dimensão teórica, enquanto os
alguma divindade. orientais os concebiam em sentido puramente prático.
A vida na pólis era voltada para que eles Se os egípcios desenvolveram e transmitiram a arte do
desenvolvessem plenamente suas capacidades cálculo, os gregos, particularmente a partir dos
humanas, fruto de sua natureza. Cada cidadão era Pitagóricos, elaboraram uma teoria sistemática do
estimulado a exercitar as virtudes e reprimir os vícios. E número. Se os babilônios fizeram uso de observações
a justiça necessária para controlar esse lado ruim só astronômicas particulares para traçar rotas para os
pode ser encontrada em uma comunidade bem navios, os gregos as transformaram em teoria
ordenada, de homens virtuosos, justos e livres, que astronômica.
governam a si mesmos, ou seja, na pólis. Como podemos perceber, a Filosofia não foi
Essa visão histórica da formação da sociedade um “milagre” repentino do povo grego, mas o resultado
grega desde os núcleos rurais até a formação das póleis, de uma gestação que vinha acontecendo no seio das
nos ajuda a entender não apenas o surgimento da transformações ocorridas na sociedade grega durante
filosofia, mas o por que dela ter sido uma invenção séculos.
grega.
Ela também não foi uma cópia do pensamento QUESTÕES
das civilizações orientais, a filosofia foi criação do gênio
helênico (os antigos gregos autodenominavam- 1. (UFU 2014) Dentre as teorias que explicam o
se helenos, e a seu país chamavam Hélade, nunca tendo nascimento da filosofia na Grécia Antiga, há uma que
chamado a si mesmos de gregos nem à sua enfatiza o seu surgimento político. Qual característica
civilização Grécia, essas palavras são latinas, pois era da polis grega teria contribuído para o nascimento da
assim que os romanos denominavam os gregos). filosofia?
Além dessas condições históricas e A) A proeminência, no espaço público, do pensamento
sociopolíticas, temos também a influência da poesia e da reflexão sobre a palavra.
e da religião grega na criação da filosofia. A poesia B) Com a polis advém uma revolução social na Grécia:
antecipou o gosto pela harmonia, pela proporção e pela o surgimento da nova classe dirigente dos sábios ou
justa medida (Homero) e um modo particular de Reis filósofos.
fornecer explicações remontando às causas, mesmo que C) A existência de um discurso público e dialogado,
em nível fantástico-poético (Hesíodo e sua Teogonia). baseado na troca de opiniões e no desenvolvimento de
A religião grega se diferenciou em religião pública argumentos persuasivos.
(inspirada em Homero e Hesíodo) e em religião dos D) A fundação de um cosmo social laico, expulsando,
mistérios, em particular a órfica. dos domínios da polis, a religião, o sagrado e os
A religião pública considera os deuses como sacerdotes.
forças naturais ampliadas na dimensão do divino, ou
como aspectos característicos do homem sublimado.
A religião órfica considera o homem de modo
dualista: como alma imortal que por sua culpa originária
foi condenada a viver em um corpo, entendido como
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4. PRÉ-SOCRÁTICOS – OS PRIMEIROS “Um homem não pode se banhar duas vezes no mesmo rio, porque
FILÓSOFOS na segunda vez o rio e o homem não serão os mesmos.”
Para ele, o devir é uma
Tendo Sócrates como a grande referência na característica estrutural de toda
filosofia antiga, os historiadores consentiram em a realidade. E isso é assim
chamar esse primeiro período filosófico de pré- porque todas as coisas possuem
socrático. os opostos em constante
É de se ressaltar que essa convenção tem como guerra. O real é a mudança e a
critério não apenas uma ordem cronológica, mas a linha permanência é ilusória.
de investigação filosófica, pois ao tempo de Sócrates Não se trata de um
ainda haviam pré-socráticos. devir caótico, mas de passagem dinâmica ordenada de
Os principais filósofos pré-socráticos foram: um contrário ao outro, é uma guerra de opostos que no
 Os da Escola Jônica: Tales de Mileto, conjunto se compõe em harmonia de contrários. O
Anaxímenes de Mileto, Anaximandro de Mileto mundo é, portanto, guerra nos particulares, mas paz e
e Heráclito de Éfeso; harmonia no conjunto.
 Os da Escola Itálica: Pitágoras de Samos; Nesse contexto, o princípio para Heráclito é o
 Os da Escola Eleata: Parmênides de Eleia e fogo, que é perfeita expressão do movimento perene, e
Zenão de Eleia; justamente na dinâmica da guerra dos contrários, que
 Os da Escola da Pluralidade: Empédocles de tem esse elemento como sua causa.
Agrigento, Anaxágoras, Leucipo de Abdera e O fogo está estreitamente ligado ao conceito de
Demócrito de Abdera. racionalidade (logos), razão de ser da harmonia do
cosmo.
Esses primeiros filósofos se preocuparam em Portanto não há ser estático, e o dinamismo
tentar explicar a physis (palavra grega que pode ser pode bem ser representado pela metáfora do fogo,
traduzida por natureza) por isso eles serem conhecidos forma visível da instabilidade, símbolo da eterna
também como naturalistas, ou mesmo físicos, pois agitação do devir, "o fogo eterno e vivo, que ora se
estavam tentando entender o mundo físico de uma acende e ora se apaga".
forma racional (cosmologia), dando uma explicação Para Heráclito o ser é o múltiplo. Não no
diferente da dos mitos, que recorriam aos deuses. sentido apenas de que existe a multiplicidade das coisas,
Diferentemente da explicação mítica que dizia mas de que o ser é múltiplo por estar constituído de
que o universo havia sido criado do nada, para eles o contrários, pois "a guerra é pai de todos, rei de todos".
universo havia sido gerado de um princípio universal. E é da luta que nasce a harmonia, como síntese dos
E descobrir essa arché seria a chave para entender todas contrários.
as coisas. Pode-se dizer que Heráclito teve a intuição da
Os Pré-Socráticos acreditavam que a physis lógica dialética, a ser elaborada por Hegel e depois
apesar de estar em constante movimento (devir) possuía Marx, no século XIX.
um elemento de permanência e que este seria o seu Parmênides (510-470
princípio originador, seu fundamento, e explicaria a a. C.) de Eleia, rompe com os
causa da mudança. filósofos que o precederam na
O “princípio” é, propriamente, aquilo de que maneira de pensar o mundo. E
derivam e em que se resolvem todas as coisas, e aquilo por isso não se adequa a
que permanece imutável mesmo nas várias formas que classificação de monista ou
pouco a pouco assume. pluralista.
Dentre esses filósofos haviam os que Ele se apresenta como
acreditavam que a arché era um único elemento, estes inovador radical e, em certo
eram os monistas. Mais tardiamente, outros pré- sentido, como pensador
socráticos começaram a defender que eram vários, e revolucionário. Efetivamente com ele a cosmologia
ficaram conhecidos como pluralistas. recebe um profundo e benéfico abalo do ponto de vista
Aqui, no entanto, como trata-se de um curso conceitual, transformando-se em uma ontologia (teoria
específico para o vestibular da UFU estudaremos do ser).
apenas os pré-socráticos cobrados. Segundo esse filósofo, o elemento de
Heráclito de Éfeso (535-475 a. C.), um dos permanência, de origem, de fundamento, das
filósofos mais importantes desse período, dizia que o coisas/mundo (physis) não pode ser encontrado na sua
universo está em constante mudança, tudo flui, tudo mutabilidade constante.
está em transformação constante. Ele é o autor da Melhor dizendo, não se pode encontrar o
famosa frase que caracteriza bem o seu pensamento: princípio (arché) imutável do universo na sua própria

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mudança, ainda mais quando a investigação é O Ser é, diz Parmênides. Com isso, pretendeu
conduzida pelos sentidos. dizer que o Ser é sempre idêntico a si mesmo, imutável,
Para ele a mudança seria apenas uma ilusão dos eterno, imperecível, invisível aos nossos sentidos e
sentidos, e o que é essencial nas coisas só pode ser visível apenas para o pensamento. Foi Parmênides o
captado pelo pensamento. Por esse motivo, é que primeiro a dizer que a aparência sensível das coisas da
haviam tantas opiniões contrárias sobre o Ser das natureza não possui realidade, não existe real e
coisas, porque os filósofos estavam trilhando um verdadeiramente, não é. Contrapôs, assim, o Ser (on) ao
caminho errado que só os levava à ilusão. Não-Ser (me on), declarando: “o Não-Ser não é”. A
Parmênides no seu poema Sobre a natureza filosofia é chamada por Parmênides de “a Via da
descreve três vias de pesquisa Verdade” (alétheia), que nega realidade e conhecimento
1) A da verdade absoluta; à “Via de Opinião” (dóxa), pois esta se ocupa com as
2) A das opiniões falazes; aparências, com o Não-Ser.
3) A da opinião plausível Ora, a cosmologia ou física ocupava-se
A primeira via afirma que “o Ser existe e não justamente com o mundo que percebemos e no qual
pode não existir”, e que “o não-ser não existe”, e disso vivemos com as demais coisas naturais. Ocupava-se
tira toda uma série de consequências. com a natureza como um cosmo ou ordem regular e
Primeiramente, fora do ser não existe nada e, constante de surgimento, transformação e
portanto, também o pensamento é ser (não é possível desaparecimento das coisas.
para Parmênides pensar o nada). Em segundo lugar, o A cosmologia buscava a explicação para o devir,
ser é não gerado (porque de outro modo deveria derivar isto é, para a passagem de uma coisa a um outro modo
do não-ser, mas o não-ser não existe). Em terceiro de existir, contrário ao que possuía.
lugar, é incorruptível (porque de outro modo deveria Parmênides tornou a cosmologia impossível ao
terminar no não-ser). afirmar que o pensamento verdadeiro exige a
Além disso não tem passado nem futuro (de identidade, a não transformação e a não contradição do
outro modo, uma vez passado, não existiria mais, ou na Ser. Considerando a mudança de uma coisa em outra
espera de ser no futuro, ainda não existiria), e, portanto, contrária como o Não-Ser, Parmênides também
existe em um eterno presente, é imóvel, é homogêneo afirmava que o Ser não muda porque não tem como
(todo igual a si, porque não pode existir mais ou menos nem por que mudar e não tem no que mudar, pois, se
ser), é perfeito, é limitado e uno. mudasse, deixaria de ser o Ser, tornando-se contrário a
Portanto, aquilo que os sentidos atestam em si mesmo, o Não-Ser. Como consequência, mostrou
como em devir e múltiplo, e consequentemente tudo que o pensamento verdadeiro não admite a
aquilo que eles testemunham, é falso. multiplicidade ou pluralidade de seres e que o Ser é uno
A segunda via é a do erro, a qual, confiando nos e único.
sentidos, admite que existia o devir, e cai, por Os argumentos da Escola Eleata eram
conseguinte, no erro de admitir a existência do não-ser. rigorosos:
A terceira via procura certa medição entre as  admitamos que o Ser não seja uno, mas
duas primeiras, reconhecendo que também os opostos, múltiplo. Nesse caso, cada ser é ele mesmo e não
como a “luz” e a “escuridão”, devam identificar-se no é os outros seres; portanto, cada ser é e não é ao
ser (a luz “é”, a noite “é”, e, portanto, ambas são, ou mesmo tempo, o que é impensável ou absurdo.
seja coincidem no ser). Os testemunhos dos sentidos O Ser é uno e não pode ser múltiplo;
devem ser repensados em nível de razão.  admitamos que o Ser não seja eterno, mas teve
Em essência, para Parmênides, a mudança um começo e terá um fim. Antes dele, o que
(devir) não existe, é uma ilusão dos sentidos, Heráclito havia? Outro Ser? Não, pois o Ser é uno. O
estava errado. “O Ser é e o não ser não é”. O Ser é o Não-Ser? Não, pois o Não-Ser é o nada.
Logos (razão), a permanência, é imutável e sem Portanto, o Ser não pode ter tido um começo.
contradições. Terá um fim? Se tiver, o que virá depois dele?
Outro Ser? Não, pois o Ser é uno. O Não-Ser?
O surgimento da ontologia Não, pois o Não-Ser é o nada. Portanto, o Ser
não pode acabar. Sem começo e sem fim, o Ser
Foi Parmênides o primeiro filósofo a afirmar é eterno;
que o mundo percebido por nossos sentidos — o  admitamos que o Ser não seja imutável, mas
cosmo estudado pela cosmologia — é um mundo mutável. No que o Ser mudaria? Noutro Ser?
ilusório, feito de aparências, sobre as quais formulamos Não, pois o Ser é uno. No Não-Ser? Não, pois
nossas opiniões. Foi ele também o primeiro a contrapor o Não-Ser é o nada. Portanto, se o Ser mudasse,
a esse mundo mutável a ideia de um pensamento e de tornar-se-ia Não-Ser e desapareceria. O Ser é
um discurso verdadeiros referidos àquilo que é imutável e o devir é uma ilusão de nossos
realmente, ao Ser — tò on, on. sentidos.
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O que Parmênides afirmava era a diferença entre 3. (UFU 2015) Em nós, manifesta-se sempre uma e a
pensar e perceber. Percebemos a natureza na mesma coisa, vida e morte, vigília e sono, juventude e
multiplicidade e na mutabilidade das coisas que se velhice. Pois a mudança de um dá o outro e
transformam umas nas outras. Mas pensamos o Ser, reciprocamente.
isto é, a identidade, a unidade, a imutabilidade e a Heráclito, fragmento 88. ln: BornHeim, g. a. (org.). Os filósofos
eternidade daquilo que é em si mesmo. Perceber é ver pré-socráticos. São Paulo: editora cultrix, 1998. P. 41.
aparências. Pensar é contemplar a realidade como Assinale a alternativa que explica o fragmento de
idêntica a si mesma. Pensar é contemplar o tò on, o Ser. Heráclito.
Multiplicidade, mudança, nascimento e A) A oposição é a afirmação da força irracional que
perecimento são aparências, ilusões dos sentidos. Ao sustenta o mundo e explica a constante mudança de
abandoná-las, a filosofia passou da cosmologia à tudo que existe.
ontologia. B) A oposição dos contrários nada mais é que o
equilíbrio das forças, pois no mundo tudo é “uno e
constante, tudo mais é apenas ilusão.
C) A mudança permite afirmar que a constância do
QUESTÕES mundo das ideias é a única realidade, na qual as
essências determinam tudo.
1. (UFU 2009) Leia o texto abaixo: D) A oposição é a confirmação de que a realidade é o
“Afasta o pensamento desse caminho de busca e que o eterno fluxo de mudanças, e da tensão dos contrários
hábito nascido de muitas experiências humanas não te nasce a harmonia e a unidade do mundo.
force, nesse caminho, a usar o olho que não vê, o
ouvido que retumba e a língua: mas, com o 4. (UFU 2016) Em seu poema, Parmênides argumenta
pensamento, julga a prova que te foi fornecida com em favor do que parecem ser três “vias” ou “caminhos”
múltiplas refutações. Um só caminho resta ao discurso: de investigação. Deles, considerou apenas um
que o ser existe.” absolutamente verdadeiro; outro, totalmente falso, e
REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da filosofia: um terceiro, verossímil.
filosofia pagã antiga. Tradução de Ivo Storniolo. São Paulo: Sobre a filosofia de Parmênides, assinale a alternativa
Paulus, 2003. p. 35. INCORRETA.
Com base no pensamento de Parmênides, assinale a A) O ser é a única coisa pensável e exprimível. Pensar é
alternativa correta. ser e o não-ser é absolutamente impensável.
A) Os sentidos atestam e conduzem à verdade absoluta B) O ser de Parmênides possui sentido unívoco, isto é,
do ser. assume, em sua formulação, o princípio da não
B) O ser é o eterno devir, mas o devir é de alguma contradição.
maneira regido pelo Logos. C) O ser é ingênito, incorruptível, não tem passado nem
C) O discurso se move por teses e antíteses, pois essas futuro, é agora, imutável e imóvel.
são representações exatas do devir. D) O ser pode ser e não ser ao mesmo tempo em
D) Quem afirma que “o ser não existe” anda pelo situações específicas, como no caso de manifestar-se
caminho do erro. fisicamente, em dimensão humana.
2. (UFU 2013) De um modo geral, o conceito de physis 5. (UFU 2017) Leia o fragmento de autoria de
no mundo pré-socrático expressa um princípio de Heráclito.
movimento por meio do qual tudo o que existe é gerado Deus é dia e noite, inverno e verão, guerra e paz,
e se corrompe. A doutrina de Parmênides, no entanto, abundância e fome. Mas toma formas variadas assim
tal como relatada pela tradição, aboliu esse princípio e como o fogo, quando misturado com essências, toma o
provocou, consequentemente, um sério conflito no nome segundo o perfume de cada uma delas.
debate filosófico posterior, em relação ao modo como BORNHEIM, G. (Org.). Os filósofos pré-socráticos. São Paulo:
conceber o ser. Cultrix, 1998, p. 40.
Para Parmênides e seus discípulos: Conforme o exposto, “Deus”, no pensamento de
A) A imobilidade é o princípio do não-ser, na medida em Heráclito, significa:
que o movimento está em tudo o que existe. A) A unidade dos contrários.
B) O movimento é princípio de mudança e a B) O fundamento da religião monoteísta do período
pressuposição de um não-ser. arcaico.
C) Um Ser que jamais muda não existe e, portanto, é C) Uma abstração para refutar o logos.
fruto de imaginação especulativa. D) A impossibilidade da harmonia no mundo.
D) O Ser existe como gerador do mundo físico, por isso
a realidade empírica é puro ser, ainda que em
movimento.

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6. (UFU 2018) “Pois pensar e ser é o mesmo” 5. RUPTURA ENTRE MITO E FILOSOFIA
Parmênides, Poema, fragmento 3, extraído de: Os filósofos pré-
socráticos. Tradução de Gerd Bornheim. São Paulo: Cultrix, Após estudarmos o mito e o surgimento da
1993.
filosofia temos de nos confrontarmos com a seguinte
A proposição acima é parte do poema de Parmênides,
questão: a filosofia nasceu realizando uma
o fragmento 3. Considerando-se o que se sabe sobre
transformação gradual dos mitos gregos ou produzindo
esse filósofo, que viveu por volta do século VI a.C.,
uma ruptura radical com eles?
assinale a afirmativa correta.
Vimos que o mito narra a origem das coisas por
A) Para compreender a realidade, é preciso confiar
meio de lutas, alianças e relações sexuais entre forças
inteiramente no que os nossos sentidos percebem.
sobrenaturais que governam o mundo e o destino dos
B) O movimento é uma característica aparente das
homens. E que basicamente temos as cosmogonias e
coisas, a verdadeira realidade está além dele.
teogonias.
C) O verdadeiro sentido da realidade só pode ser
Ao surgir, a filosofia não é uma cosmogonia, e
revelado pelos deuses para aqueles que eles escolhem.
sim uma cosmologia, uma explicação racional sobre a
D) Tudo o que pensamos deve existir em algum lugar
origem do mundo e sobre as causas das transformações
do universo.
e repetições das coisas.
Os estudiosos chegaram à conclusão de que as
7. (UFU 2018) Considere o seguinte texto do filósofo
contradições e limitações dos mitos para explicar a
Heráclito (século VI a.C.).
realidade natural e humana levaram a filosofia a retomá-
“Para as almas, morrer é transformar-se em água; para
los, porém reformulando e racionalizando as narrativas
a água, morrer é transformar-se em terra. Da terra,
míticas, transformando-as numa explicação
contudo, forma-se a água e da água, a alma”
Heráclito. Fragmentos, extraído de: MARCONDES, Danilo.
inteiramente nova e diferente.
Textos Básicos de Filosofia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, Assim, podemos apontar as três diferenças mais
2000. Tradução do autor. importantes entre mito e filosofia:
Em relação ao excerto acima, podemos afirmar que ele 1. O mito pretendia narrar como as coisas eram
ilustra no passado imemorial, longínquo e fabuloso, voltando-
A) a concepção heraclitiana que valoriza a importância se para o que era antes que tudo existisse tal como no
do movimento na descrição da realidade. presente. A filosofia, ao contrário, se preocupa em
B) a concepção dialética do pensamento heraclitiano, explicar como e por que, no passado, no presente e no
segundo a qual o movimento é uma ilusão dos sentidos. futuro, as coisas são como são.
C) a concepção heraclitiana da realidade, segundo a qual 2. O mito narrava a origem por meio de
a multiplicidade dos fenômenos subjaz uma realidade genealogias e rivalidades ou alianças entre forças divinas
única. sobrenaturais e personificadas. A filosofia, ao contrário,
D) o pensamento religioso de Heráclito, segundo o qual explica a produção natural das coisas por elementos
a morte é a libertação da alma. naturais primordiais (água ou úmido, fogo ou quente, ar
ou frio, terra ou seco), por meio de causas naturais e
impessoais (pela combinação, composição e separação
entre os quatro elementos primordiais).
Assim, por exemplo, o mito falava nos deuses
Urano, Ponto e Gaia; a filosofia fala em céu, mar e terra.
O mito narrava a origem dos seres celestes, terrestres e
marinhos pelos casamentos de Gaia (a terra) com
Urano (o céu) e Ponto (o mar). A filosofia explica o
surgimento do céu, do mar e da terra e dos seres que
neles vivem pelos movimentos e ações de composição,
combinação e separação dos quatro elementos – úmido,
seco, quente e frio.
3. O mito não se importava com contradições,
com o fabuloso e o incompreensível, não só porque
esses são traços próprios da narrativa mítica, como
também porque a confiança e a crença no mito vinham
da autoridade religiosa do narrador.
A filosofia, ao contrário, não admite
contradições, fabulação e coisas incompreensíveis, mas
exige que a explicação seja coerente, lógica e racional.
Além disso, a autoridade da explicação não vem da

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pessoa do filósofo, mas da razão, que é a mesma em ancorada num exercício especulativo-racional. De fato,
todos os seres humanos. “[...] não é mais uma atividade mítica (porquanto o mito
ainda lhe serve), mas filosófica; e isso quer dizer uma
QUESTÕES atividade regrada a partir de um comportamento
epistêmico de tipo próprio: empírico e racional”.
1. (UFU 2009) A relação entre mito e filosofia é objeto SPINELLI, Miguel. Filósofos Pré-socráticos. Porto Alegre:
de polêmica entre muitos estudiosos ainda hoje. Para EDIPUCRS, 1998, p. 32.
alguns, a filosofia nasceu da ruptura com o pensamento Sobre a passagem da atividade mítica para a filosófica,
mítico (teoria do “milagre grego”); para outros, houve na Grécia, assinale a alternativa correta.
uma continuidade entre mito e filosofia, ou seja, de a) A mentalidade pré-filosófica grega é expressão típica
alguma forma os mitos continuaram presentes – seja de um intelecto primitivo, próprio de sociedades
como forma, seja como conteúdo – no pensamento selvagens.
filosófico. b) A filosofia racionalizou o mito, mantendo-o como
A partir destas informações, assinale a alternativa que base da sua especulação teórica e adotando a sua
NÃO contenha um exemplo de pensamento mítico no metodologia.
pensamento filosófico. c) A narrativa mítico-religiosa representa um meio
A) Parmênides afirma: “Em primeiro lugar, criou (a importante de difusão e manutenção de um saber
divindade do nascimento ou do amor) entre todos os prático fundamental para a vida cotidiana.
deuses, a Eros...” d) A Ilíada e a Odisseia de Homero são expressões
B) Platão propõe algumas teses como a teoria da culturais típicas de uma mentalidade filosófica
reminiscência e a transmigração das almas. elaborada, crítica e radical, baseada no logos.
C) Heráclito afirma: “As almas aspiram o aroma do
Hades”. 4. (UFU 2016) No período clássico, nenhum dos
D) Aristóteles divide a ciência em três ramos: o gregos – sejam eles historiadores ou filósofos – registra
teorético, o prático e o poético. uma suposta derivação ―oriental‖ da Filosofia. De fato,
a partir do momento em que nasce, ela representa uma
2. (UFU 2011) Leia o texto e as assertivas abaixo a nova forma de expressão espiritual, com elementos e
respeito das relações entre o nascimento da filosofia e a inflexão únicos.
mitologia. Sobre o nascimento da filosofia na Grécia e sua relação
O nascimento da filosofia na Grécia é marcado pela com o mito, assinale a alternativa INCORRETA.
passagem da cosmogonia para a cosmologia. A cosmogonia, A) Já em seu início, a filosofia pretende explicar a
típica do pensamento mítico, é descritiva e explica totalidade das coisas, sem exclusão de partes ou
como do caos surge o cosmos, a partir da geração dos momentos, tal como registrado na investigação de
deuses, identificados às forças da natureza. Na Tales, que buscou o princípio de tudo o que existe.
cosmologia, as explicações rompem com a B) A filosofia pretende ser, já em seu início, explicação
religiosidade: a arché (princípio) não se encontra mais na puramente racional do(s) objeto(s) de sua investigação.
ordem do tempo mítico, mas significa princípio teórico, Vale aqui o argumento lógico, a motivação razoável, o
enquanto fundamento de todas as coisas. Daí a logos.
diversidade de escolas filosóficas, dando origem a C) Os deuses das narrativas antropomórficas são
fundamentações conceituais (e portanto abstratas) representações, em plano religioso, dos princípios da
muito diferentes entre si. filosofia naturalística, dispostos, segundo metodologia
ARANHA, M. L. A; MARTINS, M. H. P. Filosofando. São Paulo: Moderna, comum, à razão e ao mito.
1993, p. 93.
I - Uma corrente de pensamento afirma que houve D) A filosofia é busca pela verdade segundo impostação
ruptura completa entre mito e filosofia, tal corrente é a teorética, livre de qualquer submissão de natureza
que defende a tese do milagre grego. pragmática ou de vantagem prática, exercício de pura
II - Outra corrente de pensamento afirma que não contemplação.
houve ruptura completa entre mito e filosofia, mas certa
continuidade, é a que defende a tese do mito noético.
Assinale a alternativa correta.
A) I é falsa e II verdadeira.
B) I é verdadeira e II falsa.
C) I e II são verdadeiras.
D) I e II são falsas.

3. (UFU 2013) A atividade intelectual que se instalou


na Grécia a partir do séc. VI a.C. está substancialmente

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FILOSOFIA CLÁSSICA • Criou a boulé, que era um conselho de 400


membros escolhidos pela Eclésia, e que tinha a
A maturação e desenvolvimento da filosofia função de criar projetos de leis para serem
clássica ocorre em Atenas devido a uma série de votados por esta;
acontecimentos que passaremos a analisar a seguir. • Deu cidadania a todo aquele que contribuísse
É importante entendermos o contexto histórico com a pólis.
para que as teorias filosóficas desse período possam Ficou decidido que, o que Sólon fizesse não
fazer sentido, pois a Filosofia como construção humana poderia ser modificado por 10 anos. Então, depois de
está limitada a seu tempo e contexto social, embora fazer essas reformas Sólon deixou Atenas, tanto para
muitos queriam fazer parecer que não. não perder sua vida, quanto para não usar de seu
prestígio e tornar-se um tirano.
1. ATENAS EM QUESTÃO Apesar de profundas, essas reformas trouxeram
ainda mais tensões. E de toda insatisfação emergiu em
Atenas foi fundada pelos jônios na região da 546 a. C. o primeiro tirano de Atenas, Pisístrato.
Ática. Inicialmente esteve sob o regime monárquico, e Nessa época o termo tirano não tinha toda a
depois oligárquico. Era governada pelos Eupátridas carga negativa que tem hoje, e designava apenas uma
(bem nascidos), que além de possuírem as maiores e forma ilegítima de governo. Não é que o tirano fosse
melhores terras, ainda tinham como escravos outros cruel e mandasse cortar a cabeça de quem olhasse torto
atenienses, que foram pequenos proprietários de terras pra ele, é que ele não chegou ao poder com o apoio dos
que não conseguiram saldar suas dívidas. que detinham o poder.
Sem um solo propício para agricultura, e com Pisístrato foi até um bom governante, manteve
um porto (Pireu) estrategicamente localizado no inalteradas as leis de Sólon, construiu grandes obras,
Mediterrâneo, os Atenienses se lançaram ao mar. patrocinou as artes, os jogos e os festivais, e projetou
Tornaram-se grandes marinheiros e desenvolveram o Atenas como grande centro comercial e cultural da
comércio de forma significativa. Grécia.
O comércio enriqueceu muitos atenienses que Seus sucessores foram uns bocós e não
não tinham o sangue azul dos eupátridas e estavam souberam se manter no poder, abrindo espaço
doidos por participação política. A isso, some a novamente para conflitos internos, quando Clístenes
insatisfação dos escravizados por dívidas, dos toma o poder em 510 a. C.
potencialmente escravos, e ainda, rebeliões provocadas Clístenes governou
por estes. Pronto, o barril de pólvora estava cheio e Atenas de 510 a 507 a. C, e
prestes a explodir. ousou muito ao dividir o
Drácon em 620 a. C., tentou acalmar os ânimos território da Ática em 10 tribos,
tornando públicas por meio da escrita, as leis da pólis, e cada tribo em 03 DEMOS.
que antes eram conhecidas só pelos eupátridas. Não Com isso ele queria acabar
adiantou muita coisa. com a influência das
Agora pasmem, em 594 a. C., os grupos tradicionais famílias nobres
dominantes da época, decidiram eleger um homem aristocráticas.
sábio para fazer reformas que pudessem colocar fim ao É claro que para ocupar cargos públicos ainda
clima de guerra que afligia a sociedade ateniense. era necessário ter uma certa quantidade de riqueza,
Escolheram Sólon, um dos sete sábios da como Sólon havia estipulado. Mas cada vez menos isso
Grécia, que instituiu profundas reformas na sociedade. dependia da família a que se pertencia.
Dentre as quais podemos citar: A boulé (que criava projeto de lei) passou a ter
• Perdoou a dívida dos atenienses escravizados, 500 membros. Cada tribo elegia 50, e cada tribo a
e acabou com a escravidão por dívidas; presidia sucessivamente durante o ano. Perceba o salto
• Limitou o tamanho da propriedade; qualitativo nesse regime de participação política que
• Modificou o critério de classificação social, do mais tarde viária a ser chamado de DEMOCRACIA.
nascimento para a riqueza; A Eclésia (assembleia popular) passou também
• Com isso, modificou o critério para a, além de votar, discutir os projetos de lei.
participação nos cargos públicos Provavelmente a boulé tinha mais poderes que a Eclésia
(magistraturas), permitindo a participação no início do processo de construção desse novo regime,
dos comerciantes na política; mas com o tempo a situação se inverteu.
• Permitiu a participação de todos os atenienses O OSTRACISMO foi uma instituição muito
na Assembleia (Eclésia), mesmo o mais famosa criada também por ele. Não era uma pena, mas
pobre; uma forma de defender o novo regime contra
levantes tirânicos. Se uma pessoa estava se tornando

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demasiadamente famosa, prestigiada, e influente, ela era É inegável que toda a glória alcançada por
banida da pólis por um período de 10 anos e depois Atenas teve como sustentação material a submissão das
retornava como se nada tivesse acontecido. outras póleis. No entanto, deve-se deixar bem claro que
Pense bem. Num regime onde todos devem ser apesar da relação dos atenienses com os outros fosse de
iguais, não deve haver essas grandes personalidades, hostilidade, entre eles, imperava os ideais mais nobres
senão, não haveria isonomia, que era a base do sistema. como igualdade, liberdade e justiça. Em virtude disso, a
As reformas provocadas pela legislação de forma de governo que tem por base esses ideais pôde
Clístenes fundam a pólis sobre uma base nova: a antiga florescer em sua plenitude.
organização tribal é abolida e estabelecem-se novas Em Atenas o exercício da atividade política era
relações, não mais baseadas na consanguinidade, mas básico, algo comum na vida de seus habitantes. A
determinadas por nova organização administrativa. Tais participação na tomada de decisões dos assuntos que
modificações expressam o ideal igualitário que prepara dizem respeito à administração da pólis era a principal e
a democracia nascente, pois a unificação do corpo mais nobre atividade que um homem livre poderia se
social abole a hierarquia fundada no poder aristocrático dedicar.
das famílias. Foi nessa época que surgiu na cena política
Essas reformas de Clístenes no sistema político ateniense um grande orador, de família aristocrática, e
de Atenas acabaram influenciando toda a Grécia, e seu excelente estrategista militar.
governo foi a transição entre o período arcaico e o Péricles (495 – 429 a.C.) liderou Atenas em seu
clássico. esplendor (não é à toa que esse século recebeu seu
No período clássico (Sec. V ao IV a. C.), as nome), quando na assembleia, juntamente com seus
Guerras Médicas (os medos faziam parte do povo concidadãos, aprimorou o regime democrático a ponto
Persa, daí o nome) foram o pano de fundo para um de afirmar o seguinte em seu discurso fúnebre:
maior destaque de Atenas dentre todas as póleis gregas. “Nosso regime político não se
Eles já estavam se sentido os maiorais por terem suas propõe tomar como modelo as leis
instituições como modelo do que de melhor se poderia de outros: antes somos modelos que
ter. Agora, iam colocar os músculos para trabalharem. imitadores. Como tudo nesse
Diante dessas invasões as póleis gregas, regime depende não de poucos, mas
persuadidas por Atenas, fizeram uma aliança militar da maioria, seu nome é
conhecida como Liga de Delos. Claro que isso tinha democracia. Nela, enquanto no
um custo, e que ninguém era obrigado a participar. No tocante às leis todos são iguais
entanto, seria bom contar com uma certa segurança não para a solução de suas divergências
é mesmo? particulares, no que se refere à
Inicialmente os recursos obtidos ficaram na ilha atribuição de honrarias o critério
de Delos (por isso o nome), mas com o tempo foram se baseia no mérito e não na
transferidos para Atenas. Mesmo com o fim das categoria a que se pertence...”
ameaças externas a Liga permaneceu, e ninguém mais O primeiro cidadão ateniense instituiu a
poderia dela se desligar, pois Atenas logo interferia. O mistoforia , que era uma justa quantia em dinheiro para
que antes não era obrigação, tornou-se submissão. que mesmo o mais lascado dos homens livres pudesse
Dessa maneira, portanto, Atenas, sob a participar diretamente da administração da cidade.
liderança de um líder democrático, construiria com as Agora, não precisava mais nem ser de família nobre, e
riquezas dos outros a sua ERA DE OURO. Foi nessa nem ter riqueza suficiente para ocupar determinado
época que a cidade foi embelezada com grandes cargo.
templos e obras públicas. Só para se ter uma ideia, o Tal salário era necessário porque esses gregos
Partenon, um dos maiores feitos de arquitetura da acreditavam que todos os cidadãos eram iguais
humanidade, foi erguido nesta época. (isonomia) e por esta razão, tinham direito de se
expressar (isegoria) na assembleia, e de ter
participação no poder (isocracia). Para eles não havia
outra maneira, a única forma de DEMOCRACIA era
a DIRETA.
Basicamente, a estrutura política estava
arquitetada da seguinte forma:
ASSEMBLÉIA – Conselho de cidadãos que
tomavam as decisões mais importantes da pólis. Eles
se reuniam no monte Pinyx (imagem abaixo). Claro
que não tinham essas cadeiras, mas olhe a vista que eles
tinham da acrópole. Imagine os atenienses tomando as

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decisões da pólis com a vista das maravilhas que eles público suas opiniões sobre as decisões que a cidade
foram capazes de fazer. Era mesmo algo grandioso. deveria tomar, faz surgir a figura política do cidadão.
Mas, para conseguir que sua opinião fosse aceita
nas assembleias, o cidadão precisava ser capaz de
persuadir os demais. Com isso, uma mudança profunda
vai ocorrer na educação grega.
Antes da instituição da democracia, as cidades
eram dominadas pelas famílias aristocráticas, senhoras
das terras e do poder militar. Essas famílias criaram um
padrão de educação pelo qual o homem ideal ou
perfeito era o guerreiro belo e bom, típico dos poemas
homéricos.
BOULÉ – Conselho de 500 cidadãos que Mas quando a economia agrária foi sendo
propunham as leis. suplantada pelo artesanato e pelo comércio, surgiu nas
ESTRATEGO – 10 generais com mandatos de cidades (particularmente em Atenas) uma classe social
01 ano. urbana rica que desejava exercer o poder político, até
Para todos os cargo públicos uma pessoa só então privilégio da classe aristocrática.
podia ser eleita uma única vez na vida, para dar É para responder aos anseios dessa nova classe
oportunidade para outros participarem do poder. Na social que a democracia é instituída. Com ela, o poder
boulé podia-se eleger duas vezes, e para estrategos vai sendo retirado dos aristocratas e passado para os
podia ser indefinidas vezes, isso por que esse cargo cidadãos.
exigia habilidades especiais de guerra. Dessa maneira, o antigo ideal educativo ou
Somente podiam participar desses cargos os pedagógico também foi sendo substituído por outro. O
homems filhos de pais atenienses maiores de 20 anos, ideal da educação do Século de Péricles já não é a
pois apenas eles eram considerados Zoôn politikons. formação do jovem guerreiro, belo e bom, e sim a
Eram membros de famílias aristocráticas, pequenos formação do bom cidadão.
proprietários de terras, comerciantes e artesãos. Ora, qual é o momento em que o cidadão mais
Mas a sociedade ateniense não era formada aparece e mais exerce sua cidadania? Quando opina,
apenas por eles; haviam também os que eram excluidos discute, delibera e vota nas assembleias. Assim, a nova
da cidadania. Nesse grupo temos os metecos, que eram educação estabelece como padrão ideal a formação do
os estrangeiros residentes ou não na pólis; as mulheres, bom orador, isto é, aquele que sabe falar em público e
que serviam basicamente para cuidar da casa e persuadir os outros na política.
reproduzir; e finalmente os escravos, que eram os Para dar aos jovens essa educação, substituindo
prisioneiros de guerra. a educação antiga dos poetas, surgiram, na Grécia, os
Não por coincidencia, os escravos começaram sofistas.
a aumentar quando a democracia estava em seu auge.
Ora, para haver tempo livre para os cidadãos se 2. SOFISTAS
dedicarem à política alguem tinha que ficar trabalhando.
Estimasse que eles fossem ¼ da população, no máximo. Os sofistas eram homens que viviam viajando
Em Atenas não havia tratamento duro com os entre as póleis vendendo seu conhecimento, pois não
escravos, não existiam pessoas acorrentadas andando eram ricos para se manter no ócio intelectual. A
pelas ruas, chicotadas e esquartejamentos em praça sofística constitui radical inovação da
pública. Pelo contrário, era muito comum os escravos problemática filosófica, deslocando o eixo das
serem libertados. Habitantes de outras póleis pesquisas do cosmo para o homem. Inaugurando o
estranhavam quando andavam nas ruas de Atenas e período “humanista” da filosofia grega que tem sua
viam escravos andando na rua como se fossem livres. razão de ser na crise da aristocracia e a ascensão da nova
Nas fazendas e no mercado eles trabalhavam lado a lado classe social dos comerciantes.
com o seu senhor. Não há nenhum registro de rebeliam O século de Péricles (V a.C.) constitui o período
de escravos em Atenas. A possibilidade de conquista da áureo da cultura grega, quando a democrática Atenas
liberdade que estava no horizonte, abrandava a relação desenvolve intensa vida cultural e artística. Os
entre senhor e escravo. pensadores do período clássico, embora ainda discutam
Com o florescimento da democracia a questões referentes à natureza, desenvolvem o enfoque
isonomia, a isegoria e a isocracia são características de antropológico, abrangendo a moral e a política.
grande importância para o futuro da filosofia. A A palavra sofista, etimologicamente, vem de
igualdade de todos os homens adultos livres perante as sophos, que significa “sábio”, ou melhor, “professor de
leis, a garantia de todos participarem diretamente no sabedoria”. Posteriormente adquiriu o sentido
governo da pólis, e de exprimir, discutir e defender em pejorativo de “homem que emprega sofismas”, ou seja,
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alguém que usa de raciocínio capcioso, de má-fé, com aristocracia rural. Apesar de suas contradições, o ideal
intenção de enganar. democrático devia ser justificado. Coube aos sofistas,
Os sofistas sempre foram mal interpretados no século V a.C., a função de elaborar a teorização que
devido às críticas que sobre eles fizeram Sócrates e interessava à nova classe dos comerciantes.
Platão. Mas a exigência que os sofistas vêm satisfazer
não é apenas de ordem teórica, era também de ordem
essencialmente prática, voltada para a vida. Eles são os
mestres da nova areté política, e o instrumento desse
processo será a retórica, ou seja, a arte de bem falar, de
utilizar a linguagem em um discurso persuasivo,
instrumento indispensável para o brilhantismo da
participação no debate público na assembléia
democrática.
Isso era tão importante para as novas classes
São muitos os motivos que levaram à visão emergentes porque a capacidade de discursar e
deturpada dos sofistas que a tradição nos oferece. Em convencer, era considerada o melhor meio de ascender
primeiro lugar, há enorme diversidade teórica entre os social e politicamente.
pensadores reunidos sob a designação de sofista. Talvez À virtude (areté) de uma aristocracia guerreira
o que possa identificá-los é o fato de serem opõe-se a virtude do cidadão: a maior das virtudes é a
considerados sábios e pedagogos. justiça, e todos, desde que cidadãos da polis, devem ter
Vindos de todas as partes do mundo grego, direito ao exercício do poder.
desenvolvem um ensino itinerante pelos locais em que Enquanto na aristocracia predomina a areté
passam, mas não se fixam em lugar algum. Deve -se a ética, para o cidadão ela é política e mais objetiva que a
isso o gosto pela crítica, o exercício do pensar resultante anterior, pois o critério do justo e do injusto se acha na
da circulação de ideias diferentes. lei escrita.
Segundo Jaeger, historiador da filosofia, os Através da Paidéia (conceito complexo que só
sofistas exercem influência muito forte, vinculando-se à de forma inadequada pode ser traduzido como
tradição educativa dos poetas Homero e Hesíodo. Eles formação da cultura, tradição e educação gregas), os
deram importante contribuição para a gregos elaboram a nova educação capaz de satisfazer os
sistematização do ensino. Formaram um currículo de ideais do homem da pólis, e não mais do aristocrata,
estudos: gramática (da qual foram os iniciadores), superando, assim, os privilégios da antiga educação,
retórica e dialética; por influência dos pitagóricos, para a qual a areté só era acessível aos que pertenciam a
desenvolveram a aritmética, a geometria, a astronomia uma linhagem de origem divina.
e a música. É bem verdade que esse movimento não se
Para escândalo de seus contemporâneos, dirige ao povo em geral, mas a uma elite, àqueles bons
costumavam cobrar pelas aulas e por esse motivo oradores que poderiam, nas assembleias públicas, fazer
Sócrates os acusava de prostituição. Cabe aqui um uso da palavra livre e pronunciar discursos
reparo: na Grécia Antiga, apenas os nobres se convincentes e oportunos. Com o brilhantismo da
ocupavam com o trabalho intelectual, pois gozavam do participação no debate público, deslumbram os jovens
ócio, ou seja, da disponibilidade de tempo decorrente do seu tempo. Desenvolvem o espírito crítico e a
do fato de que o trabalho manual, de subsistência, era facilidade de expressão.
ocupação de escravos. Ora, os sofistas, geralmente Com frequência os sofistas são acusados de
homens saídos da classe média, faziam das aulas seu superficialidade e de pronunciar um discurso vazio, um
ofício, já que não eram suficientemente ricos para palavreado oco. Talvez essa fama se deva a excessiva
filosofarem descompromissadamente. Se alguns atenção dada por alguns deles ao aspecto formal da
sofistas de menor valor podiam ser chamados de exposição e defesa das ideias, já que se achavam tão
mercenários do saber, isso não poderia ser estendido a preocupados com a persuasão, instrumento por
todos. excelência do cidadão na cidade democrática.
São os sofistas que irão proceder a Os melhores deles, no entanto, buscaram
passagem para a reflexão propriamente aperfeiçoar os instrumentos da razão, ou seja, a
antropológica, centrando suas atenções na questão coerência e o rigor da argumentação, porque não basta
moral e política. Elaboram teoricamente e legitimam dizer o que se considera verdadeiro, é preciso
o ideal democrático da nova classe em ascensão, a dos demonstrá-lo pelo raciocínio. Pode-se dizer que aí se
comerciantes enriquecidos. encontra o embrião da lógica, mais tarde desenvolvida
Os sofistas elaboram o ideal teórico da por Aristóteles.
democracia, valorizada pelos comerciantes em
ascensão, cujos interesses se contrapõem aos da
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3. SÓCRATES os tornavam humanos. “Conhece-te a ti mesmo” estava


Sócrates (470 – 399 escrito no pórtico do oráculo que afirmou ser ele o mais
a. C.) foi um marco na sábio dos homens.
filosofia grega. Não deixou Como a essência não é dada pela percepção
nada escrito e o que sabemos sensorial, pelo que os sentidos nos trazem, e sim pelo
de seu pensamento é o trabalho do pensamento, procurá-la é procurar o que o
relatado por seu discípulo pensamento conhece da realidade e da verdade de uma
Platão. Ele nasceu em coisa, de uma ideia, de um valor. Isso que o pensamento
Atenas, foi contemporâneo conhece da essência chama-se conceito.
de Péricles, e crítico do Assim, Sócrates parte me busca da verdade das
regime democrático. coisas através do conceito, ou seja, a definição
Viveu na época da verdadeira (universal) do que sejam as coisas.
GUERRA DO Sócrates procurava o conceito, e não a mera
PELOPONESO (431-404 a. C.), que foi motivada opinião (doxa em grego) que temos de nós mesmos,
pela forma autoritária e abusiva com que Atenas tratava das coisas, das ideias e dos valores. Qual a diferença
os seus aliados. entre uma opinião e um conceito?
Um grupo de póleis cansada da tirania Ateniense, A opinião varia de pessoa para pessoa, de lugar
sob a liderança de Esparta, formaram a Liga do para lugar, de época para época. É instável, mutável,
Peloponeso, para enfrentá-la. Essa guerra foi o grande depende de cada um. O conceito, ao contrário, é uma
motivo da decadência das póleis gregas, pois elas foram verdade intemporal, universal e necessária que o
se destruindo e abrindo espaço para que inimigos pensamento descobre, pois mostra que é a essência
externos pudessem conquista-las. Sócrates participou universal, intemporal e necessária de alguma coisa.
de algumas batalhas, sendo condecorado por bravura. Por isso, Sócrates não perguntava se uma coisa
era bela – pois nossa opinião sobre ela pode variar –, e
O embate com os sofistas sim “O que é a beleza?”, “Qual é a essência ou o
conceito do belo, do justo, do amor, da amizade?”.
Ele travou um grande embate com os sofistas Sócrates perguntava: “Que razões rigorosas
ao dizer que eles não eram filósofos, pois não tinham você possui para dizer o que diz e para pensar o que
amor pela sabedoria nem respeito pela verdade, pensa?”, “Qual é o fundamento racional daquilo que
defendendo qualquer ideia, se isso fosse vantajoso. você fala e pensa?”.
Corrompiam o espírito dos jovens, pois faziam o erro e As questões que Sócrates privilegia, portanto,
a mentira valerem tanto quanto a verdade. Dizia são as referentes à moral, daí perguntar em que consiste
também que os sofistas estavam errados, que a coragem, a covardia, a piedade, a justiça e assim por
poderíamos sim obter um conhecimento objetivo, um diante.
saber verdadeiro. Diante de diversas manifestações de coragem,
Apesar disso, Sócrates concordava com os quer saber o que é a “coragem em si”, o universal que a
sofistas em dois pontos: por um lado, a educação antiga representa. Ora, enquanto a filosofia ainda é nascente,
do guerreiro belo e bom já não atendia às exigências da precisa inventar palavras novas, ou usar as antigas
sociedade grega e, por outro, os filósofos cosmologistas dando-lhes sentido diferente. Por isso Sócrates utiliza o
defendiam ideias tão contrárias entre si que também termo logos, que na linguagem comum significava
não eram fonte segura para o conhecimento verdadeiro. “palavra”, “conversa”, e que no sentido filosófico passa
Discordando dos antigos poetas, dos antigos a significar “a razão que se dá de algo”, ou mais
filósofos e dos sofistas, o que propunha Sócrates? propriamente, conceito.
Propunha que, antes de querer conhecer a natureza ou Para ele, se a essência do homem é a busca pela
persuadir os outros, cada um deveria conhecer-se a si consciência de si, esse olhar para dentro de si através da
mesmo. atividade re-flexiva, descobrindo que na realidade ele é
a sua alma, a virtude primordial do homem atua como
A filosofia se volta para a ética a “cura da alma”, fazendo com que ela se realize da
melhor forma possível. E como a alma é atividade
A sabedoria humana de que Sócrates se diz cognoscitiva, a virtude será essencialmente a
mestre consiste na busca de justificação filosófica (isto potencialização dessa atividade, ou seja, será a busca
é, de um fundamento) da vida moral. Esse fundamento pelo conhecimento. E dado que o corpo é instrumento
consiste na própria natureza ou essência do homem, da alma, também os valores ligados ao corpo estão
entendida como consciência de si, a personalidade subordinados a ela, estando a seu serviço.
intelectual e moral. É isso que distingue o homem dos Na sua busca pelos fundamentos da moral,
outros animais. Não é à toa que ele instigava seus Sócrates indaga não apenas qual o sentido dos costumes
discípulos a terem esse conhecimento, pois era isso que
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estabelecidos (os valores éticos ou morais da Por isso seu método começa pela parte
coletividade, transmitidos de geração em geração), mas considerada "destrutiva", chamada ironia (em grego,
também o que é a virtude, e quais são as virtudes “perguntar”). Nas discussões afirma inicialmente nada
saber, diante do oponente que se diz conhecedor de
(disposições de caráter, características pessoais,
determinado assunto. Com hábeis perguntas, desmonta
sentimentos, atitudes, condutas individuais) que levam as certezas até o outro reconhecer a ignorância. Parte
alguém a respeitar ou não os valores da cidade, e por então para a segunda etapa do método, a Maiêutica
quê. (em grego, "parto"). Dá esse nome em homenagem a
Ao indagar o que são a virtude e o bem, Sócrates sua mãe, que era parteira, acrescentando que, se ela fazia
realiza, na verdade, duas interrogações. Por um lado, parto de corpos, ele "dava à luz" ideias novas.
interroga a sociedade para saber se o que ela costuma O que é a ironia socrática? O próprio Sócrates,
considerar virtuoso e bom corresponde efetivamente à nos diálogos platônicos, diz que seu destino é investigar,
virtude e ao bem; por outro, interroga os indivíduos já que a única verdade que detém é a certeza de que nada
para saber se têm efetivamente consciência do sabe. Interrogava, portanto, para saber e, empenhado
significado e da finalidade de suas ações, se seu caráter nessa tarefa, não raro surpreendia as pessoas em
ou sua índole são virtuosos e bons realmente. A contradições, resultantes de crenças aceitas de modo
indagação ética socrática dirige-se, portanto, à dogmático, de pretensas verdades admitidas sem crítica.
sociedade e ao indivíduo. Sócrates, por meio de perguntas, destrói o saber
As questões socráticas inauguram a ética como constituído para reconstruí-lo na procura da definição
parte da filosofia porque definem o campo no qual do conceito. Sócrates é aquele que chega de mansinho
valores e obrigações morais podem ser estabelecidos: a e, sem que se espere, lança uma pergunta que faz o
consciência do agente moral. É sujeito moral ou ético sujeito olhar para si e perguntar: afinal, o que faço aqui?
somente aquele que sabe o que faz, conhece as causas e É isso o que realmente procuro ou desejo?
os fins de sua ação, o significado de suas intenções e de Ele andava pelas ruas e praças de Atenas, pelo
suas atitudes e a essência dos valores éticos. mercado e pela assembleia indagando a cada um: “Você
Sócrates afirma que apenas o ignorante é vicioso sabe o que é isso que você está dizendo?”, “Você sabe
ou incapaz de virtude, pois quem sabe o que é o bem o que é isso em que você acredita?”, “Você acha que
não poderá deixar de agir virtuosamente. Ninguém conhece realmente aquilo em que acredita, aquilo em
pode errar voluntariamente, porque quem erra se que está pensando, aquilo que está dizendo?”. “Você
engana sobre o valor daquilo que a própria ação tende; diz”, falava Sócrates, “que a coragem é importante, mas
considera um bem aquilo que é mal, aquilo que é bem o que é a coragem?”, “Você acredita que a justiça é
apenas na aparência. Bastaria mostrar a quem erra a importante, mas o que é a justiça?”, “Você diz que ama
verdade, e este corrigiria o próprio erro. as coisas e as pessoas belas, mas o que é a beleza?”,
Desse conceito de consciência deriva também a “Você crê que seus amigos são a melhor coisa que você
descoberta socrática da liberdade, entendida como tem, mas o que é a amizade?”.
liberdade interior e, em última análise, como Sócrates fazia perguntas sobre as ideias, sobre
“autodomínio”. Uma vez que a alma é racional, ela os valores nos quais os gregos acreditavam e que
alcança sua liberdade quando se livra de tudo que é julgavam conhecer. Ao suscitar dúvidas, Sócrates os
irracional, ou seja, das paixões e dos instintos. Dessa fazia pensar não só sobre si mesmos, mas também
forma, o homem se liberta o máximo possível das coisas sobre a pólis. Aquilo que parecia evidente acabava
que pertencem ao mundo externo e que alimentam suas sendo percebido como duvidoso e incerto.
paixões. Suas perguntas deixavam os interlocutores
Também a felicidade assume valência embaraçados, irritados, curiosos, pois, quando
espiritual e se realiza quando na alma prevalece a ordem tentavam responder ao célebre “o que é?”, descobriam,
adquirida com a virtude. É por isso que surpresos, que não sabiam responder e que nunca
Sócrates afirma que devemos buscar a virtude pelo tinham pensado em suas crenças, valores e ideias.
valor que ela tem em si mesma. A ironia tinha que ser acompanhada da
maiêutica, isto é, o método socrático constituía-se de
O método socrático duas partes: a primeira mostrava os limites, as falhas, os
preconceitos do pensamento comum e a segunda
Sócrates costumava conversar com todos, iniciava no processo de busca da verdadeira sabedoria.
fossem velhos ou moços, nobres ou escravos, Numa situação de conflito e de incertezas o
preocupado com o método do conhecimento. Sócrates ironista, depois de realizar o exercício da desconstrução
parte do pressuposto "só sei que nada sei", que consiste e da negatividade, deve ajudar as pessoas a darem à luz
justamente na sabedoria de reconhecer a própria as verdades que, no entender de Sócrates, traziam
ignorância, ponto de partida para a procura do saber. dentro de si. O exercício do filosofar, a partir das

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verdades encontradas, abria caminhos para múltiplas próprios criaram; vem um cara e começa a botar
possibilidades de escolha e ação. caraminholas na cabeça dos jovens perguntando:
As perguntas de Sócrates não visavam “Será mesmo que vivemos uma democracia,
confundir as pessoas e ridicularizar seu conhecimento quando temos um regime político que permite a um
das coisas, mas, motivá-las a alcançar um conhecimento bom orador ir à assembleia e fazer um discurso bonito
mais profundo, não só de si próprias, mas também dos e pomposo que leve o povo a aprovar o que ele quer
outros, dos objetos e do mundo que as rodeava, sem o mínimo de reflexão?”, “será que é certo
provocando nelas novas ideias. tratarmos nossos aliados com toda essa arrogância, e
Essa era a sua maneira de filosofar, sua “arte de usando mais a força que a justiça em nossas relações?”,
partejar”, de ajudar as pessoas a parir, a dar à luz as “será mesmo bom essa democracia onde qualquer um
novas ideias, arte que dizia ter aprendido com sua mãe, possa influir nos destinos da pólis, mesmo não tendo
que ajudava as mulheres a dar à luz aos seus filhos. conhecimento do que seja bom e justo?”.
A interrogação de Sócrates expunha os saberes Entendem agora porque Sócrates era um perigo
dos sujeitos e, ao mesmo tempo, mostrava o quanto as a ser exterminado o mais rápido possível? Era um
pessoas não tinham consciência daquilo que realmente traidor, um corruptor da juventude.
sabiam. A Guerra do Peloponeso durou 27 anos e
Com a ironia, ao trazer à tona os limites dos terminou com a vitória de Esparta, no entanto, acabou
argumentos comuns, ao mostrar as contradições deixando as partes envolvidas enfraquecidas.
ocultas na ordem comumente aceita, ao revelar, ao Desde a derrota de Atenas nessa guerra, o
abalar as certezas que fundavam o cotidiano, Sócrates regime democrático ficou desacreditado pelos próprios
convida ao filosofar como um processo metódico de ateniense, e muitos deles começaram a criticá-lo. Eles
elaboração de novos saberes. argumentavam que em momentos cruciais da guerra,
Ao afirmar que também ele nada sabia, queria foram tomadas muitas decisões estúpidas por que foi
apenas dizer que um novo caminho para chegar-se a colocado para a maioria decidir, e isso levou à derrota
uma nova verdade seria indispensável. Se ele soubesse de Atenas.
esta nova verdade, ele não diria que nada sabia, pois O regime democrático ateniense foi substituído
apenas sabia o caminho, isto é, o começo do por uma oligarquia comandada por 30 tiranos indicados
conhecimento e ele queria saber mais. por Esparta. Nesse tempo ficou proibido o debate em
Sócrates, por meio de sua atividade, mostra-nos público e o ensino de retórica. Mas, alguns anos depois
que o exercício do filosofar é, essencialmente, o a democracia foi restaurada e Sócrates voltou a
exercício do questionamento, da interrogação sobre o importunar.
sentido do homem e do mundo. Ele foi acusado e, por mais forte que fossem
seus argumentos de defesa, foi condenado, porque sua
A condenação condenação já era certa desde antes mesmo do
julgamento começar. Demonstrando a liberdade da
Essa atitude, como dizem os historiadores, fez alma que sempre ensinara a seus alunos, ele bebeu
de Sócrates uma figura singular e lhe angariou alguns cicuta mas não renunciou ao que disse.
amigos e muitos inimigos. Embora parecesse neutra e
sem um objetivo preciso (Sócrates parecia não ser A acusação contra Sócrates
partidário de nenhuma das tendências da época e não
defendeu explicitamente nenhum regime político), essa Vós tendes conhecimento de que os jovens que
atitude questionava poderes instituídos, valores dispõem de mais tempo que os outros, os filhos das
consolidados e, por isso, também pedia mudanças. famílias mais ricas, seguem-me de livre e espontânea
A partir dessa atividade Sócrates enfrentou vontade, e se regozijam em assistir a esta minha análise
problemas, foi julgado e condenado à morte. Na dos homens; inúmeras vezes procuram imitar-me e
história, a filosofia questionadora incomoda o poder tentam, por sua própria conta, analisar alguma pessoa.
instituído, porque põe em discussão relações e situações Logicamente, deparam-se com numerosos homens que
que são tidas como verdadeiras. julgam saber alguma coisa e sabem pouco ou nada, e
Ora, pensemos um pouco. No auge do então, aqueles que são analisados por eles voltam-se
imperialismo ateniense, quando eles eram tomados contra mim e não contra quem os analisou, declarando
como modelos pelas outras pólis (como o próprio que Sócrates é homem por demais infame e corruptor
Péricles afirmou acima); quando eles tratavam seus dos jovens. E se alguém indaga: “Afinal, o que faz e o
“aliados” da Liga de Delos como bem entendiam, que ensina este Sócrates para corromper os jovens?”,
usando os recursos da Liga para tornar Atenas a mais nada respondem, porque o desconhecem, e, só para não
bela e poderosa pólis que já existira; quando eles evidenciar que estão confusos, dizem as coisas que
estavam maravilhados com seu regime político, que eles comumente são ditas contra todos os filósofos, além de
afirmarem que ele especula sobre as coisas que se
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encontram no céu e as que ficam embaixo da terra, e próprios, critérios próprios e meios próprios para saber
que também ensina a não acreditar nos deuses e o que é o verdadeiro e como alcançá-lo em tudo o que
apresenta como melhores as piores razões. A verdade, investigamos.
porém, é que esses homens demonstraram ser pessoas  Ao buscar a definição das virtudes
que dão a impressão de saber tudo, porém, morais (do indivíduo) e das virtudes políticas (do
naturalmente, não querem dizer a verdade. Desta cidadão), a filosofia toma como objeto central de suas
maneira, ambiciosos, dominados pela paixão e investigações a moral e a política. Cabe a ela encontrar
numerosos como são, e todos da mesma opinião nesta a definição, o conceito ou a essência dessas virtudes,
difamação a meu respeito e com argumentos que para além da variedade das opiniões contrárias e
podem parecer também convincentes, sem escrúpulo diferentes.
algum encheram vossos ouvidos com suas calúnias.  É feita, pela primeira vez, uma
Este é o motivo pelo qual, finalmente, lançaram-se separação radical entre, de um lado, a opinião e as
contra mim Meleto, Ânito e Lícon: Meleto imagens das coisas, trazidas pelos nossos órgãos dos
profundamente irado por causa dos poetas, Ânito por sentidos, pelos hábitos, pelas tradições, pelos interesses,
causa dos artesãos e dos políticos, Lícon por causa dos e, de outro lado, os conceitos ou as ideias. As ideias se
oradores. Contudo, como vos disse desde o início seria referem à essência invisível e verdadeira das coisas e só
de fato um verdadeiro milagre se eu tivesse a capacidade podem ser alcançadas pelo pensamento puro, que afasta
de arrancar-vos do coração esta calúnia que possui os dados sensoriais, os hábitos recebidos, os
raízes tão firmes e profundas. Esta é, ó cidadãos, a preconceitos, as opiniões.
verdade, e eu a revelo por completo, sem ocultar-vos  A reflexão e o trabalho do pensamento
nada, nem mesmo esquivando-me dela, embora saiba são tomados como uma purificação intelectual que
que sou odiado por muitos exatamente por isso. Por permite ao espírito humano conhecer a verdade
sinal, é outra prova de que digo a verdade, e que esta é invisível, imutável, universal e necessária.
a calúnia contra mim e esta a causa. Indagai quanto  Sócrates e Platão se diferenciam dos
quiserdes, agora ou depois, e recebereis sempre a sofistas porque não aceitam a validade das opiniões e
mesma resposta. das percepções sensoriais, vistas como fonte de erro,
Platão. Apologia de Sócrates. São Paulo: Nova Cultural, mentira e falsidade, e repudiam que elas sejam usadas
1999. p. 73-74. (os pensadores). para produzir argumentos de persuasão. Só assim o
pensamento pode seguir seu caminho próprio rumo ao
conhecimento verdadeiro.
São essas ideias que, de maneira alegórica ou
simbólica, encontramos na exposição platônica do Mito
da Caverna. Nesse mito ou alegoria, Platão estabelece
uma distinção decisiva para toda a história da filosofia e
das ciências: a diferença entre o sensível e o
inteligível.

QUESTÕES
O legado de Sócrates
1. (UFU 1999) O método argumentativo de Sócrates
Podemos encontrar algumas características (469 – 399 a.C.) consistia em dois momentos distintos:
gerais do período socrático: a ironia e a maiêutica. Sobre a ironia socrática, pode-se
 A filosofia se volta para as questões afirmar que:
humanas no plano da ação, dos comportamentos, das I – Torna o interlocutor um mestre na argumentação
ideias, das crenças, dos valores e, portanto, se preocupa
sofística.
com as questões morais e políticas.
 A filosofia parte da confiança no II – Leva o interlocutor à consciência de que seu saber
pensamento ou no homem como um ser racional, capaz era baseado em reflexões, cujo conteúdo era repleto de
de conhecer-se a si mesmo e, portanto, capaz de conceitos vagos e imprecisos.
reflexão. III – tinha um caráter purificador, à medida que levava
 Como se trata de conhecer a capacidade o interlocutor confessar suas próprias contradições e
de conhecimento do homem, os filósofos procuram ignorâncias.
estabelecer procedimentos que garantam que se
IV – tinha um sentido depreciativo e sarcástico da
encontre a verdade. Isto é, considera-se que o
pensamento deve oferecer a si mesmo caminhos posição do interlocutor.

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Assinale: 3. (UFU 2007) O trecho seguinte, do diálogo


a) se apenas a afirmação III é correta. platônico Górgias, refere-se ao modo de filosofar de
b) Se as afirmações I e IV são corretas. Sócrates.
c) Se apenas a afirmação IV é correta. “Assim, Cálicles, desmanchar o nosso convênio e te
d) Se as afirmações II e III são corretas. desqualificas para investigar comigo a verdade, se
externares algo com tua maneira de pensar”
2. (UFU 2005) O trecho abaixo faz uma referência ao PLATÃO. Górgias. Trad. Carlos Alberto Nunes. Belém:
procedimento investigativo adotado por Sócrates. EDUFPA, 2002, p. 198, 495a.
“O fato é que nunca ensinei pessoa alguma. Se alguém Marque a alternativa que expressa corretamente o
deseja ouvir-me quando falo ou me encontro no procedimento empregado por Sócrates.
desempenho de minha missão, quer se trate de moço a) A base da filosofia socrática é a procura da
ou velho (...) me disponho a responder a todos por perfeição da alma, mediante o exame de si mesmo e dos
igual, assim os ricos como os pobres, ou se o concidadãos, que é a condição da excelência moral. A
preferirem, a formular-lhes perguntas, ouvindo eles o refutação socrática é, sobretudo, um modo de testar a
que lhes falo.” verdade da excelência da vida.
PLATÃO. Apologia de Sócrates. Belém: EDUFPA, 2001. b) A base da filosofia socrática é a procura da
Marque a alternativa que melhor representa o “método” verdade acerca do conhecimento da Natureza e da
socrático. maneira de pensar sobre os princípios racionais que
a) Sócrates nada ensina porque apenas transmite aquilo governam o cosmos a partir do conhecimento
que ouve do seu daímon. Seu procedimento consiste em acumulado pelos filósofos anteriores.
discursar, igualmente para qualquer ouvinte, com c) A base da filosofia socrática é a refutação, a partir
longos discursos demonstrativos retirados da tradição de um convênio em busca da verdade, de todas as
poética ou com perguntas que levam o interlocutor a proposições de seus interlocutores com o intuito de
fazer o mesmo. A ironia é o expediente utilizado contra demonstrar que o conhecimento das questões morais é
os adversários, cujo objetivo é somente a disputa verbal. impossível.
b) A profissão de ignorância e a ironia de Sócrates d) A base da filosofia socrática é a educação
fazem parte do seu procedimento geral de refutação por mediante os discursos políticos e jurídicos encenados
meio de perguntas e respostas breves (o élenkhos), e nos tribunais atenienses. Sócrates parte das proposições
constituem um meio de reverter os argumentos do dos adversários para encontrar um discurso oposto que
interlocutor para fazê-lo cair em contradição. A seja retoricamente persuasivo.
refutação socrática revela a presunção de saber do
adversário, pela insuficiência de suas definições e 4. (UFU 2010) Em um importante trecho da sua obra
pela aporia. Metafísica, Aristóteles se refere a Sócrates nos seguintes
c) Sócrates nunca ensina pessoa alguma, porque a termos:
Sócrates ocupava-se de questões éticas e não da
profissão de ignorância caracteriza o modo pelo qual
natureza em sua totalidade, mas buscava o universal no
encoraja seus discípulos a adquirirem sabedoria âmbito daquelas questões, tendo sido o primeiro a fixar
diretamente do deus do Oráculo de Delfos. A ironia a atenção nas definições.
socrática é uma dissimulação que, pela zombaria, revela Aristóteles. Metafísica, A6, 987b 1-3. Tradução de Marcelo
Perine. São Paulo: Loyola, 2002.
as verdadeiras disposições do pequeno número dos que
Com base na filosofia de Sócrates e no trecho
se encontram aptos para a Filosofia. supracitado, assinale a alternativa correta.
d) Sócrates nunca ensina pessoa alguma sem antes A) O método utilizado por Sócrates consistia em um
testar sua aptidão filosófica por meio de perguntas e exercício dialético, cujo objetivo era livrar o seu
respostas. Seu procedimento consiste em destruir as interlocutor do erro e do preconceito -com o prévio
definições do adversário por meio da ironia. A reconhecimento da própria ignorância -, e levá-lo a
ignorância socrática encoraja o adversário a revelar suas formular conceitos de validade universal (definições).
B) Sócrates era, na verdade, um filósofo da natureza.
opiniões verdadeiras que, pela refutação, dão a medida
Para ele, a investigação filosófica é a busca pela
da aptidão para a vida filosófica. “Arché”, pelo princípio supremo do Cosmos. Por isso,
o método socrático era idêntico aos utilizados pelos
filósofos que o antecederam (Pré-socráticos).

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C) O método socrático era empregado simplesmente D) Para Sócrates, o verdadeiro sábio é aquele que,
para ridicularizar os homens, colocando-os diante da colocado diante da própria ignorância, admite que nada
própria ignorância. Para Sócrates, conceitos universais sabe. Admitir o não-saber, quando não se sabe, define
são inatingíveis para o homem; por isso, para ele, as o sábio, segundo a concepção socrática.
definições são sempre relativas e subjetivas, algo que ele
confirmou com a máxima “o Homem é a medida de 7. (UFU 2017) A respeito do método de Sócrates,
todas as coisas”. assinale a alternativa que apresenta a definição correta
D) Sócrates desejava melhorar os seus concidadãos por de maiêutica.
meio da investigação filosófica. Para ele, isso implica A) Um método sintético, que ignora a argumentação
não buscar “o que é”, mas aperfeiçoar “o que parece dos interlocutores e prontamente define o que é o
ser”. Por isso, diz o filósofo, o fundamento da vida objeto em discussão.
moral é, em última instância, o egoísmo, ou seja, o que B) Uma estratégia sofística, que é empregada para
é o bem para o indivíduo num dado momento de sua educar a juventude na prática da retórica, visando
existência. apenas ao ornamento do discurso.
C) Um método analítico, que interroga a respeito
5. (UFU 2013) O diálogo socrático de Platão é obra daquilo que é tido como a verdadeira justiça, o
baseada em um sucesso histórico: no fato de Sócrates verdadeiro belo, o verdadeiro bem.
ministrar os seus ensinamentos sob a forma de D) Uma iluminação divina, que deposita na mente do
perguntas e respostas. Sócrates considerava o diálogo filósofo o conhecimento profundo das coisas da
como a forma por excelência do exercício filosófico e o natureza.
único caminho para chegarmos a alguma verdade
legítima.
De acordo com a doutrina socrática,
A) a busca pela essência do bem está vinculada a uma
visão antropocêntrica da filosofia.
B) é a natureza, o cosmos, a base firme da especulação
filosófica.
C) o exame antropológico deriva da impossibilidade do
autoconhecimento e é, portanto, de natureza sofística.
D) a impossibilidade de responder (aporia) aos dilemas
humanos é sanada pelo homem, medida de todas as
coisas.

6. (UFU 2012) Leia o trecho abaixo, que se encontra


na Apologia de Sócrates de Platão e traz algumas das
concepções filosóficas defendidas pelo seu mestre.
Com efeito, senhores, temer a morte é o mesmo
que se supor sábio quem não o é, porque é supor que
sabe o que não sabe. Ninguém sabe o que é a morte,
nem se, porventura, será para o homem o maior dos
bens; todos a temem, como se soubessem ser ela o
maior dos males. A ignorância mais condenável não é
essa de supor saber o que não se sabe?
Platão, A Apologia de Sócrates, 29 a-b, In. HADOT, P. O que é a Filosofia
Antiga? São Paulo: Ed. Loyola, 1999, p. 61.
Com base no trecho acima e na filosofia de Sócrates,
assinale a alternativa INCORRETA.
A) Sócrates prefere a morte a ter que renunciar a sua
missão, qual seja: buscar, por meio da filosofia, a
verdade, para além da mera aparência do saber.
B) Sócrates leva o seu interlocutor a examinar-se,
fazendo-o tomar consciência das contradições que traz
consigo.
C) Para Sócrates, pior do que a morte é admitir aos
outros que nada se sabe. Deve-se evitar a ignorância a
todo custo, ainda que defendendo uma opinião não
devidamente examinada.

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4. PLATÃO inteiramente diferentes e separados: o mundo sensível


Platão (427 – 347 a. C.) da mudança, da aparência, do devir dos contrários, e o
foi o maior discípulo de mundo inteligível (da ideia/das formas) da
Sócrates, era um homem de identidade, da permanência, da verdade, conhecido pelo
família aristocrática e influente intelecto puro, sem nenhuma interferência dos sentidos
na política. Como todo jovem e das opiniões.
ateniense, era um entusiasta do Na tradição de Parmênides e Platão, a filosofia
regime democrático até grega estabelece a hierarquia entre razão e sentidos,
conhecer seu mestre aos vinte indicando que a razão atinge com dificuldade o
anos de idade. verdadeiro conhecimento por causa da deformação que
Sob influência de os sentidos inevitavelmente provocam. Por isso, cabe à
Sócrates passou a ser também razão depurar os enganos que os sentidos nos levam a
crítico do regime, e depois de cometer, para que o espírito possa atingir a verdadeira
sua morte deixou de acreditar na possibilidade de uma contemplação das ideias.
vida justa e feliz. Deixou Atenas para fazer uma longa Para Platão, se o homem permanecesse
viagem, quando voltou e fundou a Academia, onde dominado pelos sentidos, só poderia ter um
pôde desenvolver suas teorias e repassá-las a seus vários conhecimento imperfeito, restrito ao mundo dos
discípulos. fenômenos, das coisas que são meras aparências e que
Escrevendo, Platão reproduziu o método estão em constante fluxo. A esse conhecimento Platão
dialógico socrático, fundando novo gênero literário: chama de doxa (opinião).
deste modo seu filosofar assume uma dinâmica O verdadeiro conhecimento, a episteme
socrática, na qual o próprio leitor é envolvido na tarefa (ciência), é, ao contrário, aquele pelo qual a razão
de extrair maieuticamente a solução dos problemas ultrapassa o mundo sensível e atinge o mundo das
suscitados e não explicitamente resolvidos. ideias, lugar das essências imutáveis de todas as coisas,
Platão recupera, além disso, o valor dos verdadeiros modelos (arquétipos).
cognoscitivo do mito como complemento do logos: a Esse é o único mundo verdadeiro, e o mundo
filosofia platônica se torna, na forma do mito, uma sensível só existe enquanto participa do mundo das
espécie de fé raciocinada, no sentido de que, quando a ideias, do qual é apenas sombra ou cópia.
razão chega aos limites extremos de suas capacidades, Tudo que existe nesse mundo material é porque
deve superar intuitivamente tais limites, desfrutando as tem sua ideia no mundo superior. Apesar da
possibilidades que se lhe oferecem na dimensão da multiplicidade com que ela possa aparecer no mundo
imagem e do mito. sensível, a ideia é uma só, indestrutível e eterna.
Na busca de um conhecimento verdadeiro, Segundo
buscou um meio de contornar o beco sem saída deixado Platão, apesar de
por Heráclito e Parmênides. Grande parte de suas ideias existirem diferentes
estão escritas em sua mais famosa obra, A República. tipos de cavalo, a ideia
de cavalo é uma só.
4.1 Metafísica Quando pensamos
em cavalo, pensamos
Platão considerou que Parmênides tinha razão a ideia e não
no que se refere ao mundo material e sensível, mundo determinado cavalo. Um cavalo só é cavalo na medida
das imagens e das opiniões. A matéria, diz Platão, é, por em que participa da ideia de “cavalo em si”.
essência e por natureza, algo imperfeito, que não As ideias platônicas não são simples conceitos
consegue manter a identidade das coisas, mudando sem mentais, mas são “entidades” ou “essências” que
cessar, passando de um estado a outro, contrário ou subsistem em si e por si em um sistema hierárquico bem
oposto. organizado, e que constituem o verdadeiro Ser.
Assim, do mundo material só nos chegam as O mundo sensível é o mundo das coisas. O
aparências das coisas e sobre ele só podemos ter mundo das ideias é o mundo do Ser; o mundo sensível
opiniões contrárias e contraditórias. das coisas é o mundo do Não-Ser. O mundo sensível é
Por esse motivo, diz Platão, Parmênides está uma sombra, uma cópia deformada ou imperfeita do
certo ao exigir que a filosofia abandone esse mundo mundo das ideias. Mas como foi que aconteceu essa
sensível e ocupe-se com o mundo verdadeiro, invisível cópia? Como explicar a gênese das coisas do mundo?
aos sentidos e visível apenas ao puro pensamento. O Geralmente os gregos consideram a matéria
verdadeiro é o Ser, uno, imutável, idêntico a si mesmo, eterna, não-criada. Também Platão atribui a um
eterno, imperecível, puramente inteligível. Demiurgo, enquanto princípio que organiza a matéria
Eis por que a ontologia platônica introduz uma pré-existente, a função de pôr ordem no Caos inicial.
divisão, afirmando a existência de dois mundos
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3 - o sentido verbal mais fraco, predicativo,


em que o verbo ser é o verbo de ligação, isto é, o verbo
que permite ligar um sujeito e seu predicado (“O
homem é mortal”).
Em segundo lugar, afirmou que, no sentido
forte de ser (isto é, como substantivo e como verbo
existencial), existem múltiplos seres e não um só, mas
cada um deles possui os atributos do Ser de Parmênides
(identidade, unidade, eternidade, imutabilidade). Esses
seres são as ideias ou formas inteligíveis, totalmente
imateriais, que constituem o mundo verdadeiro, o
mundo inteligível.
Em terceiro lugar, afirmou que, no sentido mais
fraco do verbo ser, isto é, como verbo de ligação, cada
A teoria cosmológica de Platão se encontra ideia é um ser real, que possui um conjunto de
sobretudo no diálogo Timeu. Em algumas passagens, predicados reais ou de propriedades essenciais e que a
pode-se interpretar que esse princípio divino é também fazem ser o que ela é em si mesma. Uma ideia é (existe)
identificado à ideia do Bem e, como tal, é o fim último e uma ideia é uma essência ou conjunto de qualidades
para onde tendem todas as coisas, na busca da essenciais que a fazem ser o que ela é necessariamente.
perfeição. Por exemplo, a justiça é (há a ideia de justiça) e há seres
Mas existe uma diferença entre a ontologia de humanos que são justos (possuem o predicado da
Parmênides e a de Platão. Para o primeiro, o mundo justiça como parte de sua essência).
sensível das aparências é o Não-Ser em sentido forte, Dessa maneira, cada ideia, em si mesma, é como
isto é, não existe, não tem realidade nenhuma, é o nada. o Ser de Parmênides: una, idêntica a si mesma, eterna e
Para Platão, porém, o Não-Ser não é o puro nada. Ele imutável — uma ideia é. Ao mesmo tempo, cada ideia
é alguma coisa. O que ele é? Ele é o outro do Ser, o que difere de todas as outras pelo conjunto de qualidades ou
é diferente do Ser, o que é inferior ao Ser, o que nos propriedades internas e necessárias pelas quais ela é
engana e nos ilude, a causa dos erros. Em lugar de ser uma essência determinada, diferente das demais (a ideia
um puro nada, o Não-Ser é um falso ser, uma sombra de homem é diferente da ideia de planeta, que é
do Ser verdadeiro, aquilo que Platão chama de diferente da ideia de beleza, etc.).
Pseudosser. A tarefa da filosofia é dupla:
Há ainda outra diferença importante entre a 1. deve conhecer quais ideias existem, isto é,
ontologia de Parmênides e a de Platão. O primeiro quais ideias são;
afirmava que o Ser, além de imutável, eterno e idêntico 2. deve conhecer quais são as qualidades ou
a si mesmo, era único ou uno. Havia o Ser. Qual o propriedades essenciais de uma ideia, isto é, o que uma
problema dessa afirmação parmenideana? ideia é, sua essência.
Se Parmênides não admitia a multiplicidade As ideias ou formas inteligíveis (ou essências
infinita de seres contrários uns aos outros e a si mesmos inteligíveis), diz Platão, são seres perfeitos e, por isso,
do devir heraclitiano, visto que o pensamento exige a tornam-se modelos inteligíveis ou paradigmas
identidade do pensado, o que restava à filosofia ao se inteligíveis perfeitos que as coisas sensíveis materiais
admitir uma identidade una-única? Só lhe restava pensar tentam imitar imperfeitamente.
e dizer três frases: “o Ser é”, “o Não-Ser não é” e “o Ser O sensível é, pois, uma imitação imperfeita do
é uno, idêntico, eterno e imutável”. Assim, Parmênides inteligível: as coisas sensíveis são imagens das ideias, são
paralisava a filosofia. Não-Seres tentando inutilmente imitar a perfeição dos
Se a filosofia quisesse prosseguir como seres inteligíveis.
investigação da verdade e se tivesse mais objetos a Cabe à filosofia passar das cópias imperfeitas
conhecer, era preciso quebrar essa unidade-unicidade aos modelos perfeitos, abandonando as imagens pelas
do Ser. Foi o que fez Platão. O que disse ele? essências, as opiniões pelas ideias, as aparências pelas
Em primeiro lugar, seguindo Sócrates e os essências.
sofistas, Platão distinguiu três sentidos para a palavra Mas como fazer isso? Como conhecer esse
ser: mundo ideal e verdadeiro para viver de acordo com o
1 - o sentido de substantivo, isto é, de que é bom e justo nesse mundo de erros, se eu estou
realidade existente (‘o ser’, ‘um ser’); nesse segundo e tudo que percebo vem dele?
2 - o sentido verbal forte, em que é significa O pensamento, empregando a dialética, deve
‘existe’ e ser quer dizer ‘existência’ (“O homem é”, isto passar da instabilidade contraditória das coisas sensíveis
é, “existe”); e à identidade racional das coisas inteligíveis.

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4.2 Dialética simples opinião (que é o conhecimento do vir-a-ser) a


ciência (que é o conhecimento do ser verdadeiro).
Para Platão, conhecimento é anamnese, isto é, Para que esse processo do conhecimento seja
recordação de verdades desde sempre conhecidas pela possível, é necessário o estudo da matemática. Aliás, no
alma e que reemergem de vez em quando na experiência pórtico da Academia de Platão existia um dístico com
concreta. Ele apresenta esta teoria do conhecimento os seguintes dizeres: "Não entre aqui quem não souber
tanto em modo mítico (as almas são imortais e geometria". Isso porque a matemática descreve as
contemplaram as ideias antes de descer nos corpos – realidades não sensíveis e é capaz de se dissociar dos
teoria da reminiscência da alma) quanto em modo sentidos e da prática; na geometria, a figura sobre a qual
dialético (todo homem pode aprender por si verdades raciocinamos independe da figura sensível que
antes ignoradas, como por exemplo, os teoremas representa.
matemáticos). Além disso, os gregos têm uma tradição de
Platão afirma que somente pela dialética é aplicação desinteressada da matemática na astronomia
possível alcançar gradativamente o que é verdadeiro, e e na música. Desde Pitágoras eram estudadas as
passar das ilusões ao real, ou seja, da simples opinião relações proporcionais entre os diferentes
(em grego doxa) para a ciência (em grego episteme). comprimentos da corda, bem como as alterações de
Importante deixar claro que a dialética Platônica é o que tensão ou espessura que mudam os sons emitidos pela
a etimologia da palavra sugere, um diálogo crítico em lira. Portanto, a matemática e a geometria são
busca da verdade que se passa do senso comum ao consideradas como prelúdio da ciência que é a dialética,
conhecimento verdadeiro. graças à qual o filósofo poderá chegar ao conhecimento
Como a própria palavra indica, dialética é um das essências.
diálogo, um discurso compartilhado por dois Ele ilustra essa passagem do falso
interlocutores, ou uma conversa em que cada um possui (opinião/doxa) ao real (ciência/ episteme) pela alegoria
opiniões opostas sobre alguma coisa e deve discutir ou do mito da caverna. Aqueles caras deitados no chão
argumentar com o outro de modo a superar essa nasceram e cresceram ali, e a única coisa que eles viam
oposição e chegar à unidade de uma ideia que é a mesma eram aquelas sombras. Por nunca terem visto outra
para ambos e para todos os que buscam a verdade. coisa, eles julgavam que aquelas sombras eram os
Deve-se passar de imagens contraditórias a objetos verdadeiros.
conceitos idênticos para todos os pensantes. Em outras
palavras, a dialética é um procedimento com o qual
passamos das opiniões contrárias à identidade da ideia,
das oposições do devir à unidade da essência.
A dialética platônica é um procedimento
intelectual e linguístico que parte de alguma coisa que
deve ser separada ou dividida em duas partes contrárias
ou opostas, de modo que se conheça sua contradição e
se possa determinar qual dos contrários é verdadeiro e
qual é falso. A cada divisão surge um par de contrários,
que devem ser separados e novamente divididos, até
que se chegue a um termo indivisível, isto é, não Só que um dia, um deles consegue se soltar e
formado por nenhuma oposição ou contradição: este sair da caverna. Lá fora, ele não consegue enxergar nada
será a ideia verdadeira ou a essência da coisa investigada. porque é quase cegado pela luz do sol. Aos poucos ele
Partindo de sensações, imagens, opiniões vai conseguindo ver as coisas e se dá conta que aquilo
contraditórias sobre alguma coisa, a dialética vai que viam na caverna eram apenas as sombras, que eles
separando os opostos em pares, mostrando que um dos tomavam por verdadeiro aquilo que era falso.
termos é ilusório e o outro, verdadeiro, até chegar à Depois, ele volta para alertar os outros de sua
essência da coisa. condição, mesmo sabendo que eles podem não
Superar os contraditórios e chegar ao que é acreditar no que ele estava dizendo. Alguns dizem que
sempre idêntico a si mesmo é a tarefa da discussão ele está louco e outros decidem acompanhá-lo.
dialética, que revela o mundo sensível como
heraclitiano (a luta dos contrários, a mudança O Mito da Caverna
incessante) e o mundo inteligível como parmenidiano
(a perene identidade de cada ideia ou de cada essência). Depois disto – prossegui eu – imagina a nossa
Caberá ao sábio, ao filósofo, empreender a natureza, relativamente à educação ou à sua falta, de
caminhada desde o mundo obscuro das sombras da acordo com a seguinte experiência. Suponhamos uns
realidade sensível até a proximidade da luz representada homens numa habitação subterrânea em forma de
pela ideia do Bem. Ou seja, elevar o conhecimento de caverna, com uma entrada aberta para a luz, que se
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estende a todo o comprimento dessa gruta. Estão lá forçassem com perguntas a dizer o que era? Não te
dentro desde a infância, algemados de pernas e parece que ele se veria em dificuldades e suporia que os
pescoços, de tal maneira que só lhes é dado permanecer objetos vistos outrora eram mais reais do que os que
no mesmo lugar e olhar em frente; são incapazes de agora lhe mostravam?
voltar a cabeça, por causa dos grilhões; serve-lhes de – Muito mais – afirmou.
iluminação um fogo que se queima ao longe, numa – Portanto, se alguém o forçasse a olhar para a
eminência, por detrás deles; entre a fogueira e os própria luz, doer-lhe-iam os olhos e voltar-se-ia, para
prisioneiros há um caminho ascendente, ao longo do buscar refúgio junto dos objetos para os quais podia
qual se construiu um pequeno muro, no gênero dos olhar, e julgaria ainda que estes eram na verdade mais
tapumes que os apresentadores de fantoches colocam nítidos do que os que lhe mostravam?
diante do público, para mostrarem as suas habilidades – Seria assim – disse ele.
por cima deles. – E se o arrancassem dali à força e o fizessem
– Estou a ver – disse ele. subir o caminho rude e íngreme, e não o deixassem
– Visiona também ao longo deste muro, fugir antes de o arrastarem até à luz do Sol, não seria
homens que transportam toda a espécie de objetos, que natural que ele se doesse e agastasse, por ser assim
o ultrapassam: estatuetas de homens e de animais, de arrastado, e, depois de chegar à luz, com os olhos
pedra e de madeira, de toda a espécie de lavor; como é deslumbrados, nem sequer pudesse ver nada daquilo
natural, dos que os transportam, uns falam, outros que agora dizemos serem os verdadeiros objetos?
seguem calados. – Não poderia, de fato, pelo menos de repente.
– Estranho quadro e estranhos prisioneiros são – Precisava de se habituar, julgo eu, se quisesse
esses de que tu falas – observou ele. ver o mundo superior. Em primeiro lugar, olharia mais
– Semelhantes a nós – continuei -. Em primeiro facilmente para as sombras, depois disso, para as
lugar, pensas que, nestas condições, eles tenham visto, imagens dos homens e dos outros objetos, refletidas na
de si mesmo e dos outros, algo mais que as sombras água, e, por último, para os próprios objetos. A partir
projetadas pelo fogo na parede oposta da caverna? de então, seria capaz de contemplar o que há no céu, e
– Como não – respondeu ele – se são forçados o próprio céu, durante a noite, olhando para a luz das
a manter a cabeça imóvel toda a vida? estrelas e da Lua, mais facilmente do que se fosse o Sol
– E os objetos transportados? Não se passa o e o seu brilho de dia.
mesmo com eles? – Pois não!
– Sem dúvida. – Finalmente, julgo eu, seria capaz de olhar para
– Então, se eles fossem capazes de conversar o Sol e de o contemplar, não já a sua imagem na água
uns com os outros, não te parece que eles julgariam ou em qualquer sítio, mas a ele mesmo, no seu lugar.
estar a nomear objetos reais, quando designavam o que – Necessariamente.
viam? – Depois já compreenderia, acerca do Sol, que
– É forçoso. é ele que causa as estações e os anos e que tudo dirige
– E se a prisão tivesse também um eco na no mundo visível, e que é o responsável por tudo aquilo
parede do fundo? Quando algum dos transeuntes de que eles viam um arremedo.
falasse, não te parece que eles não julgariam outra coisa, – É evidente que depois chegaria a essas
senão que era a voz da sombra que passava? conclusões.
– Por Zeus, que sim! – E então? Quando ele se lembrasse da sua
– De qualquer modo – afirmei – pessoas nessas primitiva habitação, e do saber que lá possuía, dos seus
condições não pensavam que a realidade fosse senão a companheiros de prisão desse tempo, não crês que ele
sombra dos objetos. se regozijaria com a mudança e deploraria os outros?
– É absolutamente forçoso – disse ele. – Com certeza.
– Considera pois – continuei – o que – E as honras e elogios, se alguns tinham então
aconteceria se eles fossem soltos das cadeias e curados entre si, ou prêmios para o que distinguisse com mais
da sua ignorância, a ver se, regressados à sua natureza, agudeza os objetos que passavam e se lembrasse melhor
as coisas se passavam deste modo. Logo que alguém quais os que costumavam passar em primeiro lugar e
soltasse um deles, e o forçasse a endireitar-se de quais em último, ou os que seguiam juntos, e àquele que
repente, a voltar o pescoço, a andar e a olhar para a luz, dentre eles fosse mais hábil em predizer o que ia
ao fazer tudo isso, sentiria dor, e o deslumbramento acontecer – parece-te que ele teria saudades ou inveja
impedi-lo-ia de fixar os objetos cujas sombras via das honrarias e poder que havia entre eles, ou que
outrora. Que julgas tu que ele diria, se alguém lhe experimentaria os mesmos sentimentos que em
afirmasse que até então ele só vira coisas vãs, ao passo Homero, e seria seu intenso desejo “servir junto de um
que agora estava mais perto da realidade e via de homem pobre, como servo da gleba”, e antes sofrer
verdade, voltado para objetos mais reais? E se ainda, tudo do que regressar àquelas ilusões e viver daquele
mostrando-lhe cada um desses objetos que passavam, o modo?
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– Suponho que seria assim – respondeu – que armador. Nem por isso desistiu, retornando outras duas
ele sofreria tudo, de preferência a viver daquela vezes à Sicília, mais cauteloso, porém sem sucesso. A
maneira. amargura dessas tentativas frustradas transparece nas
– Imagina ainda o seguinte – prossegui eu –. Se Leis, sua última obra.
um homem nessas condições descesse de novo para o De origem aristocrática, Platão concebe um seu
seu antigo posto, não teria os olhos cheios de trevas, ao posicionamento teórico de valorização da reflexão
regressar subitamente da luz do Sol? filosófica o leva a conceber uma "sofocracia"
– Com certeza. (etimologicamente, "poder da sabedoria"). Segundo ele,
– E se lhe fosse necessário julgar daquelas os homens comuns são vítimas do conhecimento
sombras em competição com os que tinham estado imperfeito, da "opinião", e, portanto, devem ser
sempre prisioneiros, no período em que ainda estava dirigidos por homens que se distinguem pelo saber.
ofuscado, antes de adaptar a vista – e o tempo de se
habituar não seria pouco – acaso não causaria o riso, e A pólis ideal e a justiça
não diriam dele que, por ter subido ao mundo superior,
estragara a vista, e que não valia a pena tentar a Para Platão, os seres humanos e a pólis possuem
ascensão? E a quem tentasse soltá-los e conduzí-los até a mesma estrutura.
cima, se pudessem agarrá-lo e matá-lo, não o matariam? Platão entendia o homem como sendo corpo e
– Matariam, sem dúvida – confirmou ele. alma. Esta, que antes era livre no mundo das ideias,
– Meu caro Gláucon, este quadro – prossegui agora vive prisioneira no corpo, esquecendo-se de tudo
eu – deve agora aplicar-se à tudo quanto dissemos que já havia contemplado.
anteriormente, comparando o mundo visível através Os humanos são dotados de três almas ou três
dos olhos à caverna da prisão, e a luz da fogueira que lá princípios de atividade:
existia à força do Sol. Quanto à subida ao mundo 1 - a alma apetitiva ou desejante (situada nas
superior e à visão do que lá se encontra, se a tomares entranhas ou no baixo-ventre), representada pelos
como a ascensão da alma ao mundo inteligível, não desejos carnais de sobrevivência e reprodução, que
iludirás a minha expectativa, já que é teu desejo busca satisfação dos apetites do corpo, tanto os
conhecê-la. O Deus sabe se ela é verdadeira. Pois, necessários à sobrevivência como os que apenas
segundo entendo, no limite do cognoscível é que se causam prazer;
avista, a custo, a idéia do Bem; e, uma vez avistada, 2 - a alma irascível, emotiva ou colérica
compreende-se que ela é para todos a causa de quanto (situada no peito ou no coração), representada pelas
há de justo e belo; que, no mundo visível, foi ela que emoções e que defende o corpo contra as agressões do
criou a luz, da qual é senhora; e que, no mundo meio ambiente e de outros humanos, reagindo à dor
inteligível, é ela a senhora da verdade e da inteligência, para proteger nossa vida; e
e que é preciso vê-la para se ser sensato na vida 3 - a alma racional ou intelectual (situada na
particular e pública. cabeça) representada pela inteligência, que se dedica ao
(Platão, A República, livro VII) conhecimento.
Se livrar das emoções e desejos carnais era
Os diálogos de Platão põem em marcha a necessário para contemplar o mundo das ideias, porque
dialética, isto é, o caminho seguro (méthodos, em eles não fazem parte daquele mundo.
grego) que nos conduz das sensações, das percepções, Também a pólis possui uma estrutura tripartite,
das imagens e das opiniões à contemplação intelectual formada por três grupos de pessoas: os produtores,
do ser real das coisas, à ideia verdadeira. A dialética artesãos e comerciantes, que cuidam da subsistência
permite a passagem da dóxa (opinião) à episteme e garantem a sobrevivência material da pólis; os
(ciência ou saber). guardiões, responsáveis pela defesa da pólis; e os
governantes, que legislam e administram a pólis.
4.3 Política Para uma pólis ser bem ordenada os seus
habitantes seriam divididos nesses três grupos, de
O pensamento político de Platão está sobretudo acordo com a alma preponderante e suas virtudes. Cada
nas obras A República e Leis. Ele os escreveu em um, ao exercitar suas virtudes, desempenha um papel
diálogos, tendo o seu mestre Sócrates como principal na sociedade, contribuindo como podem para o seu
interlocutor. bom funcionamento.
Sempre foi fascinado pela política, apesar de ter Um homem, diz Platão, é injusto quando a alma
sofrido pesados reveses. Na Sicília, tentou em vão desenjante (os apetites e prazeres) é mais forte do que
convencer Dionísio, o Velho, a respeito de suas teorias as outras duas, dominando-as. Também é injusto
políticas. Inicialmente bem recebido, após sérias quando a alma colérica (a agressividade) é mais
desavenças Platão acabou sendo vendido como escravo poderosa do que a racional, dominando-a.
e só por sorte foi reconhecido e libertado por um rico
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O que é, pois, o homem justo? Aquele cuja alma Por isso que ele defende que quem deve
racional é mais forte do que as outras duas almas, governar a pólis são os filósofos, aqueles que saíram da
impondo à alma desejante a virtude da temperança (ou caverna (mundo sensível) e conheceram a realidade
moderação) e à alma colérica, a virtude da coragem, que (mundo das ideias). Só eles possuem as virtudes e o
deve controlar a raiva. conhecimento necessário (as ideias) para dar à pólis
O homem justo é o homem virtuoso; a virtude, uma estrutura bem ordenada de forma que o bem e a
domínio racional sobre o desejo e a cólera. A justiça justiça possam reger as relações entre seus habitantes.
ética é a hierarquia das almas, em que a racional domina Esses filósofos não pertenceriam a classe social
as inferiores. alguma. Para ele não deveria haver classes sociais, e
O que é a justiça política? Essa mesma deveria existir um processo de educação em que todos
hierarquia, mas aplicada à comunidade. A realização da participam, independente da classe social e do sexo.
justiça acontece quando a pólis funciona dessa maneira Isso mesmo, Platão defendia que as mulheres poderiam
que ele descreve, com cada pessoa exercendo o seu também serem educadas para participar da vida pública.
papel social, exercitando as virtudes da parte Platão afirma que a pólis, e não a família, deveria
preponderante de sua alma. se incumbir da educação das crianças. Para isso, propõe
Assim, os sábios legisladores devem governar, estabelecer-se uma forma de comunismo em que é
os guardiões, subordinados aos legisladores, devem eliminada a propriedade e a família, a fim de evitar a
defender a cidade, e os membros que cuidam da cobiça e os interesses decorrentes dos laços afetivos,
subsistência, subordinados aos legisladores, devem além da degenerescência das ligações inadequadas.
assegurar a sobrevivência da pólis. A pólis orientaria as formas de eugenia para
A pólis justa é governada pelos filósofos, evitar casamentos entre desiguais, oferecendo melhores
protegida pelos guardiões e mantida pelos produtores. condições de reprodução e, ao mesmo tempo, criando
Cada grupo cumprirá sua função para o bem da pólis, creches para a educação coletiva das crianças.
racionalmente dirigida pelos filósofos. A educação promovida pela pólis deveria,
Em contrapartida, a pólis injusta é aquela na segundo Platão, ser igual para todos até os 20 anos,
qual o governo está nas mãos dos produtores — que quando dar-se-ia o primeiro corte identificando as
não pensam no bem comum da pólis e lutarão por pessoas que, por possuírem "alma de bronze", têm a
interesses econômicos particulares — ou na dos sensibilidade grosseira e por isto devem se dedicar à
guardiões — que mergulharão a cidade em guerras para agricultura, ao artesanato e ao comércio. Estes
satisfazer seus desejos particulares de honra e glória. cuidariam da subsistência da pólis.
Somente os filósofos têm como interesse o bem geral Os outros continuariam os estudos por mais
da pólis e somente eles podem governá-la com justiça. dez anos, até o segundo corte. Aqueles que tivessem a
Mas quais são os critérios usados na escolha das “alma de prata” e a virtude da coragem essencial aos
pessoas que desempenharão os papeis fundamentais guerreiros constituiriam a guarda da pólis, os soldados
para o bom funcionamento da pólis? Como realizar a que cuidariam da defesa da cidade. É importante
cidade justa? ressaltar o papel da música na educação dos guardiões,
A resposta está no livro VII de A República, no servindo para acalmar o espírito e desenvolver
mito da caverna que dá margem a uma interpretação sentimentos nobres para que eles possam desempenhar
epistemológica, pela qual se explica a teoria das ideias, bem sua função.
onde o filósofo, representado por aquele que se liberta Os mais notáveis, que sobrariam desses cortes,
das correntes ao contemplar a verdadeira realidade, por terem a "alma de ouro", seriam instruídos na arte
passa da opinião à ciência e deve retornar ao meio dos de pensar a dois, ou seja, na arte de dialogar. Estudariam
homens para orientá-los. filosofia, que eleva a alma até o conhecimento mais
Daí deriva a segunda interpretação, que resulta puro e é a fonte de toda verdade.
da dimensão política surgida da pergunta: Como Esse processo educacional, serviria para fazer a
influenciar os homens que não veem? alma atingir o mundo das ideias, ou seja, relembrar
Cabe ao sábio ensinar e dirigir. Trata-se da (processo de reminiscência da alma) do lugar de
necessidade da ação política, da transformação dos onde veio. Por isso, só completariam todo o percurso
homens e da sociedade, desde que essa ação seja dirigida educacional aqueles que adquirissem e exercitassem as
pelo modelo ideal contemplado. É nesse sentido que virtudes necessárias a fazer com que a alma racional se
Platão imagina a pólis ideal do mundo inteligível. E sobrepusesse acima das outras (emotiva e apetitiva) que
assim, a pólis deve ser organizada de acordo com ela, o deixam preso nesse mundo de aparências. Somente
para que seus habitantes pudessem viver de acordo com esses seriam filósofos.
o supremo bem e a justiça, partindo do princípio de que Aos cinquenta anos, aqueles que passassem
as pessoas são diferentes e por isso devem ocupar com sucesso pela série de provas estariam aptos a ser
lugares e funções diversas na sociedade, admitidos como governantes. Caberia a eles o governo
da cidade, o exercício do poder, pois apenas eles teriam
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a ciência da política. Sua função seria manter a cidade QUESTÕES


coesa. Por serem os mais sábios, também seriam os
mais justos, uma vez que justo é aquele que conhece a 1. (UFU 2007) Platão (428 347 a.C.), discípulo de
justiça. A justiça constitui a principal virtude, a própria Sócrates e mestre de Aristóteles, fundador da
condição das outras virtudes. Academia, é até hoje um dos filósofos mais importantes
Se para Platão a política é "a arte de governar os da história da filosofia. Círculos culturais e intelectuais
homens com o seu consentimento" e o político é no mundo inteiro dedicam-se a estudar sua obra.
precisamente aquele que conhece essa difícil arte, só Sobre o modo como Platão expressou seu pensamento,
poderá ser chefe quem conhece a ciência política. Por assinale a alternativa correta.
isso a democracia é inadequada, pois desconhece que a A) Platão jamais escreveu textos filosóficos.
igualdade deve se dar apenas na repartição dos bens, B) Platão escreveu textos filosóficos na forma de
mas nunca no igual direito ao poder. Para que a pólis romances.
seja bem governado, é preciso que "os filósofos se C) Platão escreveu textos filosóficos na forma de
tornem reis, ou que os reis se tornem filósofos". poesias.
Platão propõe um modelo aristocrático de D) Platão escreveu textos filosóficos na forma de
poder. No entanto, como já vimos, não se trata de uma diálogos.
aristocracia da riqueza, mas da inteligência, em que o
poder é confiado aos melhores, ou seja, é uma 2. (UFU 2007) O trecho a seguir, do diálogo platônico
sofocracia. Fédon, concerne ao modo de aquisição do
conhecimento.
As formas de governo “É preciso, portanto, que tenhamos conhecido a
igualdade antes do tempo em que, vendo pela primeira
Com a utopia, Platão critica a política do seu vez objetos iguais, observamos que todos eles se
tempo e recusa as formas de poder degeneradas. A esforçavam por alcançá-la, porém lhe eram
aristocracia, por exemplo, pode se corromper em inferiores.”
timocracia, quando o culto da virtude é substituído pela (PLATÃO. Fédon. Trad. de Carlos Alberto Nunes. Belém:
forma guerreira; ou em oligarquia, quando prevalece o EDUFPA, 2002, p. 275, 75a.)
gosto pelas riquezas, e o censo é a medida de capacidade A partir do fragmento apresentado, marque a
para o exercício do poder. alternativa que expressa corretamente o pensamento de
No livro VIII de A República, Platão explica Platão sobre o conhecimento.
como essas formas degeneradas podem fazer surgir a A) Platão distingue uma realidade inteligível de outra
democracia. Como vimos, a democracia não sensível. O conhecimento de todas as coisas só é
corresponde aos ideais platônicos porque, por possível porque as percepções advindas dos sentidos
definição, o povo é incapaz de possuir a ciência política. desencadeiam a reminiscência das Formas inteligíveis,
Quando o poder pertence ao povo, é fácil apreendidas pela razão antes do nascimento.
prevalecer a demagogia, característica do político que B) Platão não distingue a realidade inteligível de outra
manipula e engana o povo (etimologicamente, “o que sensível. O conhecimento é o produto das sensações. O
conduz o povo”). conhecimento nada mais é do que a reminiscência
Platão critica a noção de igualdade na dessas sensações.
democracia, pois para ele a verdadeira igualdade é de C) Platão distingue duas ordens de realidade: o mundo
ordem geométrica, porque se baseia no valor pessoal sensível e a alma. O conhecimento de todas as coisas só
que é sempre desigual (já que uns são melhores do que é possível porque as sensações informam a alma sobre
outros), não considerando todos igualmente cidadãos. o mundo sensível e, a partir disso, formam a
Por fim, a democracia levaria fatalmente à reminiscência.
tirania, a pior forma de governo, exercido pela força por D) Platão distingue duas ordens de realidade: o mundo
um só homem e sem ter como objetivo o bem comum. sensível e o mundo dos deuses. O conhecimento só é
O tirano é a antítese do rei-filósofo. possível porque a alma recebe uma informação divina
Platão não via a democracia como um bom antes que tenha percebido os objetos sensíveis, pois
regime, foi a democracia que matou o mais sábio dos todo conhecimento vem dos deuses.
homens. E foi a democracia que levou Atenas à guerra
e à ruía. Como é que pessoas não instruídas sobre 3. (UFU 2008) E que existe o belo em si, e o bom em
valores como o bem comum, amizade, virtudes, justiça, si, e, do mesmo modo, relativamente a todas as coisas
podem governar? Já imaginou dar poder de governar que então postulamos como múltiplas, e, inversamente,
àqueles caras acorrentados na caverna que só veem postulamos que a cada uma corresponde a uma ideia,
sombras? Seria um desastre. Como de fato foi. que é única, e chamamos-lhe que é sua essência (507b
– c).

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PLATÃO. República. Trad. De Maria Helena da Rocha Pereira. empírica, mais puro e verdadeiro é o conhecimento tal
8ª Ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1996. como vemos descrito em sua Alegoria da Caverna. “A
Marque a alternativa que expressa corretamente o ideia de círculo, por exemplo, preexiste a toda a
pensamento de Platão. realização imperfeita do círculo na areia ou na tábula
a) Somente por meio dos sentidos, em especial da visão, recoberta de cera. Se traço um círculo na areia, a ideia
pode o filósofo obter o conhecimento das ideias. que guia a minha mão é a do círculo perfeito. Isso não
b) No pensamento platônico, o conhecimento das impede que essa ideia também esteja presente no
ideias permite ao filósofo discernir a unidade inteligível círculo imperfeito que eu tracei. É assim que aparece a
em face da multiplicidade sensível. ideia ou a forma.”
c) Para que a alma humana alcance o conhecimento das JEANNIÈRE, Abel. Platão. Tradução de Lucy Magalhães. Rio de
ideias, ela deve elevar-se às alturas do inteligível, o que Janeiro: Zahar, 1995. 170 p.
somente é possível após a morte ou por meio do Com base nas informações acima, assinale a alternativa
contato com os deuses gregos. que interpreta corretamente o pensamento de Platão.
d) Tanto a dialética quanto a matemática elevam o A) A Alegoria da Caverna demonstra, claramente, que
conhecimento ao inteligível; mas, somente a o verdadeiro conhecimento não deriva do “mundo
matemática, por seu caráter abstrato, conduz a alma ao inteligível”, mas do “mundo sensível”.
princípio supremo: a ideia de Bem. B) Todo conhecimento verdadeiro começa pela
percepção, pois somente pelos sentidos podemos
4. (UFU 2009) “SÓCRATES: Portanto, como poderia conhecer as coisas tais quais são.
ser alguma coisa o que nunca permanece da mesma C) Quando traçamos um círculo imperfeito, isto
maneira? Com efeito, se fica momentaneamente da demonstra que as ideias do “mundo inteligível” não são
mesma maneira, é evidente que, ao menos nesse tempo, perfeitas, tal qual o “mundo sensível”.
não vai embora; e se permanece sempre da mesma D) As ideias são as verdadeiras causas e princípio de
maneira e é ‘em si mesma’, como poderia mudar e identificação dos seres; o “mundo inteligível” é onde se
mover-se, não se afastando nunca da própria Ideia? obtêm os conhecimentos verdadeiros.
CRÁTILO: Jamais poderia fazê-lo.
SÓCRATES: Mas também de outro modo não poderia 6. (UFU 2011) Leia o seguinte trecho da Alegoria da
ser conhecida por ninguém. De fato, no próprio Caverna.
momento em que quem quer conhecê-la chega perto Agora imagine que por esse caminho as pessoas
dela, ela se torna outra e de outra espécie; e assim não transportam sobre a cabeça objetos de todos os tipos:
se poderia mais conhecer que coisa seja ela nem como por exemplo, estatuetas de figuras humanas e de
seja. E certamente nenhum conhecimento conhece o animais. Numa situação como essa, a única coisa que os
objeto que conhece se este não permanece de nenhum prisioneiros poderiam ver e conhecer seriam as sombras
modo estável. projetadas na parede a sua frente.
CRÁTILO: Assim é como dizes.” CHALITA, G. Vivendo a Filosofia. São Paulo: Ática, 2006, p.
PLATÃO, Crátilo, 439e-440a 50.
Assinale a alternativa correta, de acordo com o Com base na leitura do trecho acima e em seus
pensamento de Platão. conhecimentos sobre a obra de Platão (428 a.C. – 348
A) Para Platão, o que é “em si” e permanece sempre da a.C.), assinale a alternativa INCORRETA.
mesma forma, propiciando o conhecimento, é a Ideia, A) Platão distingue o mundo sensível ou das aparências,
o ser verdadeiro e inteligível. onde tudo o que se capta por meio dos sentidos pode
B) Platão afirma que o mundo das coisas sensíveis é o ser motivo de engano, e o mundo inteligível, onde se
único que pode ser conhecido, na medida em que é o encontram as ideias a partir das quais surgem os
único ao qual o homem realmente tem acesso. elementos do mundo sensível.
C) As Ideias, diz Platão, estão submetidas a uma B) Platão tinha como principal objetivo o
transformação contínua. Conhecê-las só é possível conhecimento das ideias: realidades existentes por si
porque são representações mentais, sem existência mesmas, essências a partir das quais podem ser geradas
objetiva. suas cópias imperfeitas.
D) Platão sustenta que há uma realidade que sempre é C) O pensamento de Platão deu origem aos
da mesma maneira, que não nasce nem perece e que não fundamentos da ciência moderna graças ao seu método
pode ser captada pelos sentidos e que, por isso mesmo, de observação e experimentação para o conhecimento
cabe apenas aos deuses contemplá-la. dos fenômenos naturais.
D) A obra de Platão está fundamentada em um método
5. (UFU 2011) No pórtico da Academia de Platão, de investigação conhecido como dialética cujo objetivo
havia a seguinte frase: “não entre quem não souber é superar a simples opinião (doxa) e atingir o
geometria”. Essa frase reflete sua concepção de conhecimento verdadeiro ou ciência (episteme).
conhecimento: quanto menos dependemos da realidade

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7. (UFU 2015) Em Platão, as questões metafísicas mais 10. (UFU 2018) Considere o seguinte trecho “No
importantes — e a possibilidade de serem solucionadas diálogo Mênon, Platão faz Sócrates sustentar que a
— estão vinculadas aos grandes problemas da geração, virtude não pode ser ensinada, consistindo-se em algo
da corrupção e do ser das coisas. Para Platão, que trazemos conosco desde o nascimento, defendendo
A) o dualismo ontológico é uma impossibilidade, uma concepção, segundo a qual temos em nós um
enquanto o mundo sensível traz em si a causa da sua conhecimento inato que se encontra obscurecido desde
própria existência. que a alma encarnou-se no corpo. O papel da filosofia
B) a Ideia é um ente puro de razão, uma representação é fazer-nos recordar deste conhecimento”
mental: não um ser dotado de realidade ontológica ou MARCONDES, Danilo. Textos Básicos de Filosofia. Rio de
de potência causal. Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2000. p. 31.
C) há inteligibilidade e, então, possibilidade de se Nesse trecho, o autor descreve o que ficou conhecido
produzir ciência (episteme) no mundo da sensibilidade, como
do corpóreo, do múltiplo. A) a teoria das ideias de Platão.
D) as coisas sensíveis não se explicam com B) a doutrina da reminiscência de Platão.
elementos físicos (cor, figura, extensão), mas em função C) a ironia socrática.
de uma causa-em-si, verdadeira e não física. D) a dialética platônica.

8. (UFU 2015) Somente uns poucos indivíduos, se


aproximando das imagens através dos órgãos dos
sentidos, com dificuldade nelas entreveem a natureza
daquilo que imitam.
PLATÃO. Fedro. Ln: __ . Diálogos socráticos. v. 3. Tradução de
Edson Bini. Bauru/SP: Edipro, 2008, P. 64 [250B].
Assinale a alternativa que explicita a teoria de Platão
apresentada no trecho acima.
A) A teoria materialista que fixa a imagem como o
reflexo de corpos físicos que constituem a única
realidade existente.
B) A teoria das ideias que estabelece a distinção entre o
mundo sensível e o mundo inteligível, sendo que as
imagens captadas pelos sentidos humanos despertam a
alma para as ideias que habitam o mundo inteligível.
C) A teoria existencialista que delimita o espaço vital do
homem e lhe impede de transcender para além do
mundo sensível.
D) A teoria niilista que admite dois mundos, mas que
nega qualquer possibilidade de conhecimento das coisas
e das ideias.

9. (UFU 2015) Em Platão, as questões metafísicas mais


importantes – e a possibilidade de serem solucionadas
– estão vinculadas aos grandes problemas da geração,
da corrupção e do ser das coisas. Para Platão,
A) o dualismo ontológico é uma impossibilidade,
enquanto o mundo sensível traz em si a causa da sua
própria existência.
B) a Ideia é um ente puro de razão, uma representação
mental: não um ser dotado de realidade ontológica ou
de potência causal.
C) há inteligibilidade e, então, possibilidade de se
produzir ciência (episteme) no mundo da sensibilidade,
do corpóreo, do múltiplo.
D) as coisas sensíveis não se explicam com elementos
físicos (cor, figura, extensão), mas em função de uma
causa-em-si, verdadeira e não física.

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ARISTÓTELES Ciências práticas: ciências que estudam as


práticas humanas que têm seu fim nelas mesmas. Em
Juntamente com outras palavras, aquelas em que a finalidade da ação é
Platão, Aristóteles (384 – ela mesma, e não há distinção entre o agente e o ato que
322 a. C.) é a grande ele realiza. São elas: ética, em que a vontade guiada pela
referência da filosofia grega razão leva à ação conforme as virtudes morais
antiga que vai influenciar na (coragem, generosidade, fidelidade, lealdade, clemência,
construção do mundo prudência, amizade, justiça, modéstia, honradez, etc.),
ocidental. Dante Alighieri tendo como finalidade o bem do indivíduo; e política,
dizia que ele foi o mestre em que a ação racional voluntária tem como fim o bem
dos mestres, e São Tomaz da comunidade ou o bem comum.
de Aquino se referia a ele Ciências teoréticas ou contemplativas: são
como “o” filósofo. aquelas que estudam coisas que existem
Ele foi o pensador que analisou todo o independentemente dos homens e de suas ações e que,
pensamento grego e o melhorou; escreveu sobre quase não tendo sido feitas pelos homens, podem apenas ser
tudo, de metafísica à biologia. Em resumo, ele foi “o contempladas por eles. O que são as coisas que existem
cara”. Por isso, devemos estudar Aristóteles como o por si mesmas e em si mesmas, independentemente de
porta-voz dos gregos instruídos, pois era assim que ele nossa ação técnica e de nossa ação moral e política?
se considerava. São as coisas da natureza e as coisas divinas.
Apesar de ter sido um dos maiores pensadores Aristóteles, aqui, classifica as ciências teoréticas por
que Atenas produziu, ele era um meteco, e como tal, graus de superioridade, indo da mais inferior à superior:
sem direitos políticos. De Estagira, na Macedônia, 1. ciência das coisas naturais submetidas à
Aristóteles sai aos 18 anos para estudar na Academia de mudança ou ao devir: física, biologia, meteorologia,
Platão em Atenas. Isso, provavelmente, uns 10 anos psicologia (a alma – em grego, psyché – é um ser natural
antes do domínio macedônico sobre a Grécia. Com que existe de formas variadas em todos os seres vivos,
uma mente notável, permanece por lá durante 20 anos plantas, animais e seres humanos);
até a morte de Platão. 2. ciência das coisas naturais que não estão
Após a morte do mestre, a quem Aristóteles era submetidas à mudança ou ao devir: as matemáticas e a
muito amigo e admirador, não vê mais motivos de astronomia (os gregos julgavam que os astros eram
continuar na academia e sai de Atenas para viajar por eternos e imutáveis);
um bom tempo. 3. ciência da realidade pura, que estuda o que
Em 335 a. c., o rei Felipe II o chama para morar Aristóteles chama de Ser ou substância de tudo o que
em Pela, capital do império macedônico, e ser professor existe. Ou seja, trata-se daquilo que deve haver em toda
de seu filho Alexandre, condição na qual permaneceu e qualquer realidade – natural, matemática, ética,
até este assumir o poder. Essa proximidade com a corte política ou técnica – para ser realidade. A ciência
macedônica se dava pelo fato de Nicômaco, seu pai, ter teorética que estuda o puro Ser foi chamada Filosofia
sido o médico do rei Amintas, pai de Felipe. Primeira por Aristóteles. Alguns séculos depois, como
Aristóteles se diferenciava de Platão em três os livros que a expunham estavam localizados nas
aspectos gerais: bibliotecas depois dos livros que expunham a física, ela
1) O abandono do componente mítico; passou a ser chamada metafísica (em grego, meta
2) O escasso interesse pelas ciências significa ‘o que vem depois, o que está além’; ou seja,
matemáticas e, ao contrário, a viva atenção no caso, os livros que vinham depois da física e que
pelas ciências naturais; tratavam da realidade para além da física);
3) O método sistemático em vez do dialético- 4. ciência das coisas divinas que são a causa e a
dialógico; finalidade de tudo o que existe na natureza e no homem.
Aristóteles foi um grande pensador sistemático,
que dividiu os saberes em: 1. O CONHECIMENTO
Ciências produtivas/poéticas: ciências que
estudam as práticas produtivas ou as técnicas, isto é, as
Vimos que Heráclito considerava a natureza (o
ações humanas que visam à produção de um objeto, de
kosmos) um “fluxo perpétuo”, o escoamento contínuo
uma obra. São elas: arquitetura, economia, medicina,
dos seres em mudança perpétua.
pintura, escultura, poesia, teatro, oratória, arte da
Ele comparava o mundo à chama de uma vela
guerra, da caça, da navegação, etc. Em suma, são objeto
que queima sem cessar e transforma a cera em fogo, o
das ciências produtivas todas as atividades humanas
fogo em fumaça e a fumaça em ar. O verão se torna
técnicas e artísticas que resultam num produto ou numa
outono, o novo fica velho, o quente esfria, o úmido
obra distintos do produtor.

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seca; cada ser é um movimento em direção ao seu O pensamento parece seguir certas leis para
contrário. conhecer as coisas e há uma diferença entre perceber e
A realidade, para Heráclito, é a harmonia dos pensar. Pensamos com base no que percebemos ou
contrários, que não cessam de se transformar uns nos negando o que percebemos? O pensamento continua,
outros. Se assim for, como explicar que nossa nega ou corrige a percepção? O modo como os seres
percepção nos ofereça as coisas como se fossem nos aparecem é o modo como eles realmente são?
estáveis, duradouras e permanentes? Com essa O problema sobre o conhecimento estava posto
pergunta, ele indicava a diferença entre o conhecimento e preocupações como essas levaram a duas atitudes
que nossos sentidos nos oferecem e o conhecimento filosóficas: a dos sofistas e a de Sócrates. Com eles, os
que nosso pensamento alcança: o primeiro nos oferece problemas do conhecimento tornaram-se centrais.
a permanência ilusória, enquanto o segundo conhece a Diante da pluralidade das ontologias anteriores,
mudança como verdadeira realidade. os sofistas concluíram que não podemos conhecer o
Parmênides, porém, opunha-se a Heráclito, ser, pois, se pudéssemos, pensaríamos da mesma
afirmando que só podemos pensar sobre aquilo que maneira e haveria uma única filosofia.
permanece sempre idêntico a si mesmo. Para ele, se Consequentemente, só podemos ter opiniões subjetivas
nada permanece, então nada pode ser pensado. sobre a realidade.
Conhecer é alcançar o idêntico, o imutável. Por isso, os homens devem valer-se de um
Nossos sentidos nos oferecem a imagem de um mundo instrumento – a linguagem – para persuadir os outros
em incessante mudança, no qual tudo se torna o de suas próprias ideias e opiniões. A verdade é uma
contrário de si mesmo: o dia vira noite, o inverno vira questão de opinião e de persuasão, e a linguagem é mais
primavera, o doce se torna amargo, o líquido se importante do que a percepção e o pensamento.
transforma em vapor ou em sólido. Opondo-se aos sofistas, Sócrates afirmava que
Como pensar o que é e não é ao mesmo tempo? a verdade pode ser conhecida quando compreendemos
Como pensar o instável? Não é possível, dizia que precisamos começar afastando as ilusões dos
Parmênides. sentidos, as imposições das palavras e a multiplicidade
Pensar é apreender um ser em sua identidade das opiniões.
profunda e permanente. Com isso, afirmava o mesmo Os órgãos dos sentidos, diz Sócrates, dão-nos
que Heráclito – perceber e pensar são diferentes –, mas somente as aparências das coisas, e as palavras, meras
dizia isso em sentido oposto: nossos sentidos percebem opiniões sobre elas. A aparência e a opinião variam de
mudanças impensáveis, mas o pensamento conhece a pessoa para pessoa e em um mesmo indivíduo. Mas não
realidade, isto é, a identidade e a imutabilidade. só variam: também se contradizem.
A distinção entre perceber e pensar é mantida Conhecer é começar a examinar as contradições
também pela filosofia atomista ou o atomismo das aparências e das opiniões para poder abandoná-las
proposto por Demócrito de Abdera. Para ele, os seres e passar da aparência à essência, da opinião ao conceito.
surgem por composição dos átomos, transformam-se O exame das opiniões é aquele procedimento que
por novos arranjos e desaparecem pela separação deles. Sócrates chamava ironia, com o qual o filósofo
Os átomos possuem formas e consistências conseguia que seus interlocutores reconhecessem que
diferentes, de cuja combinação surge a variedade de não sabiam o que imaginavam saber.
seres, suas mudanças e desaparições. Por meio de Sócrates fez a filosofia voltar-se para nossa
nossos órgãos dos sentidos, percebemos o quente e o capacidade de conhecer e indagar as causas das ilusões,
frio, o grande e o pequeno, o duro e o mole, sabores, dos erros, do falso e da mentira.
odores, texturas, o agradável e o desagradável, sentimos Platão e Aristóteles herdaram de Sócrates o
prazer e dor, porque percebemos os efeitos das procedimento filosófico de começar a abordar uma
combinações dos átomos que, em si mesmos, não questão pela discussão e pelo debate das opiniões
possuem tais qualidades. contrárias sobre ela a fim de superá-las num saber
Somente o pensamento pode conhecer os verdadeiro. Além disso, passaram a definir as formas de
átomos, que são invisíveis para nossa percepção conhecer e as diferenças entre o conhecimento
sensorial. Dessa maneira, Demócrito concordava com verdadeiro e a ilusão, introduzindo na filosofia a ideia
Heráclito e Parmênides que há uma diferença entre o de que existem diferentes maneiras de conhecer.
que conhecemos por meio de nossa percepção e o que Platão distingue quatro formas ou graus de
conhecemos apenas pelo pensamento. Porém, conhecimento, que vão do grau inferior ao superior:
divergindo deles, Demócrito não considerava a crença, opinião, raciocínio e intuição intelectual. Os
percepção ilusória, mas sim um efeito da realidade dois primeiros formam o que ele chama conhecimento
sobre nós. O conhecimento sensorial é verdadeiro, sensível; os dois últimos, o conhecimento inteligível.
embora seja de uma verdade diferente e menos A crença é nossa confiança no conhecimento
profunda ou menos relevante do que aquela alcançada sensorial: cremos que as coisas são tal como as
pelo puro pensamento. percebemos. A opinião é nossa aceitação do que nos
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ensinaram sobre as coisas ou o que delas pensamos como ser corporal e psíquico individual. Sensações,
conforme nossas sensações e lembranças. Esses dois lembranças, imagens, sentimentos, desejos e
primeiros graus nos oferecem apenas a aparência das percepções variam de pessoa para pessoa e numa
coisas ou suas imagens e correspondem à situação dos mesma pessoa em decorrência de mudanças em seu
prisioneiros do Mito da Caverna. Por serem ilusórios, corpo, em sua mente ou nas circunstâncias em que o
devem ser afastados por quem busca o conhecimento conhecimento ocorre.
verdadeiro; portanto, somente os dois últimos graus Assim, a marca da intuição empírica é sua
devem ser considerados válidos. singularidade; por um lado, está ligada à singularidade
O raciocínio exercita nosso pensamento, do objeto intuído (ao “isto” oferecido à sensação e à
purifica-o das sensações e opiniões e o prepara para a percepção) e, por outro, à singularidade do sujeito que
intuição intelectual, que conhece a essência das coisas, intui (aos meus estados psíquicos, às minhas
o que Platão denomina ideia. As ideias são a realidade experiências). A intuição empírica não capta o objeto
verdadeira e conhecê-las é ter o conhecimento em sua universalidade, e a experiência intuitiva não é
verdadeiro. A ironia e a maiêutica socráticas são transferível para outro objeto.
transformadas por Platão no procedimento da dialética. A intuição intelectual difere da sensível
A finalidade do percurso dialético é chegar à intuição justamente por sua universalidade e necessidade.
intelectual de uma essência ou ideia. Quando penso: “Uma coisa não pode ser e não ser ao
Aqui precisamos deixar claro que uma intuição mesmo tempo”, sei, sem necessidade de
é uma compreensão completa e imediata de um objeto, demonstrações, que isto é verdade e que é necessário
de um fato. Nela, de uma só vez, a razão capta todas as que seja sempre assim, ou que é impossível que não seja
relações que constituem a realidade e a verdade da coisa sempre assim. Em outras palavras, tenho conhecimento
intuída. É um ato intelectual de discernimento e intuitivo do princípio da contradição.
compreensão, sem necessidade de provas ou Quando afirmo: “O todo é maior do que as
demonstrações para saber o que conhece. partes”, sei, sem necessidade de provas e
Ela pode depender de conhecimentos demonstrações, que isto é verdade porque intuo uma
anteriores e ela ocorre quando esses conhecimentos são forma necessária de relação entre as coisas.
percebidos de uma só vez, numa síntese em que Diante de todos esses posicionamentos sobre o
aparecem articulados e organizados num todo (sua conhecimento e a forma que conhecemos, Aristóteles
forma, seu conteúdo, suas causas, suas propriedades, distingue sete formas ou graus de conhecimento:
seus efeitos, suas relações com outros, seu sentido).
Isso significa que a intuição pode ser o 1 - sensação,
momento final de um processo de conhecimento. E 2 - percepção,
justamente por ser o momento de conclusão de um 3 - imaginação,
percurso, ela pode ser o ponto inicial de um novo 4 - memória,
percurso de conhecimento em cujo ponto final haverá 5 - linguagem,
uma nova intuição. 6 – raciocínio,
A intuição racional pode ser de dois tipos: 7 - intuição.
intuição sensível ou empírica e intuição intelectual.
A primeira é o conhecimento que temos a todo Enquanto Platão concebia o conhecimento
momento de nossa vida. Assim, com um só olhar ou como abandono de um grau inferior por um superior,
num só ato de visão percebemos uma casa, um homem, Aristóteles o considerava continuamente formado e
uma mulher, uma flor, uma mesa. enriquecido por acúmulo das informações trazidas por
Num só ato, por exemplo, capto que isto é uma todos os graus. Desse modo, em lugar de uma ruptura
flor: vejo sua cor e suas pétalas, sinto a maciez de sua entre o conhecimento sensível e o intelectual, há uma
textura, aspiro seu perfume, tenho-a por inteiro e de continuidade entre eles.
uma só vez diante de mim. As informações trazidas pelas sensações se
A intuição empírica é o conhecimento direto e organizam e permitem a percepção. As percepções, por
imediato das qualidades do objeto externo sua vez, organizam-se e permitem a imaginação. Juntas,
denominadas qualidades sensíveis: cor, sabor, odor, conduzem à memória, à linguagem e ao raciocínio.
paladar, som, textura. É a percepção direta de formas, Aristóteles concebe, porém, uma separação
dimensões, distâncias das coisas percebidas. É também entre os seis primeiros graus e a intuição intelectual, que
o conhecimento direto e imediato de nossos estados é um ato do pensamento puro e não depende dos graus
internos ou mentais que dependem ou dependeram de anteriores.
nosso contato sensorial com as coisas: lembranças, A intuição intelectual é o conhecimento direto
desejos, sentimentos, imagens. e imediato dos princípios da razão, os quais, por serem
A intuição sensível ou empírica é psicológica, princípios, não podem ser demonstrados (para
isto é, refere-se aos estados do sujeito do conhecimento demonstrá-los, precisaríamos de outros princípios e,
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para demonstrar estes outros princípios, precisaríamos que a mudança se realiza sob a forma da contradição,
de outros, num processo interminável). isto é, que as coisas se transformam nos seus opostos.
Essa separação não significa que os outros graus A mudança ou transformação é a maneira pela
ofereçam conhecimentos ilusórios ou falsos, e sim que qual as coisas realizam todas as potencialidades contidas
oferecem tipos de conhecimentos diferentes, que vão em sua essência, e esta não é contraditória, mas uma
de um grau menor a um grau maior de verdade. identidade que o pensamento pode conhecer.
Em cada um deles temos acesso a um aspecto Assim, por exemplo, quando a criança se torna
do ser ou da realidade; na intuição intelectual, temos o adulta ou quando a semente se torna árvore, nenhuma
conhecimento dos princípios universais e necessários delas tornou-se contrária a si mesma, mas desenvolveu
do pensamento (identidade, não contradição, terceiro uma potencialidade definida pela identidade própria de
excluído) e dos primeiros princípios e causas da sua essência.
realidade ou do ser. Cabe à filosofia conhecer como e por que as
A diferença entre os seis primeiros graus e o coisas, sem mudarem de essência, transformam-se,
último decorre da diferença do objeto do assim como cabe à filosofia conhecer como e por que
conhecimento: os seis primeiros graus conhecem há seres imutáveis (como as entidades matemáticas e as
objetos que se oferecem a nós na sensação, na divinas).
imaginação, no raciocínio, enquanto o sétimo lida com Parmênides tem razão: o pensamento e a
princípios e causas primeiras da realidade em si. linguagem exigem a identidade. Heráclito tem razão: as
Em outras palavras, nos outros graus, o coisas mudam. Ambos se enganaram ao supor que deve
conhecimento é obtido por indução ou por dedução, haver somente identidade ou somente mudança.
mas no último grau conhecemos o que é Ambas existem sem que seja preciso dividir a realidade
indemonstrável (princípios e causas primeiras) porque é em dois mundos, à maneira platônica.
condição para todas as demonstrações e raciocínios. Aristóteles considera que a dialética não é um
procedimento seguro para o pensamento e a linguagem
2. A LÓGICA da filosofia e da ciência, pois parte de opiniões
contrárias dos debatedores, e a escolha de uma opinião
Vimos que Aristóteles propôs a primeira em vez de outra não garante que se possa chegar à
classificação geral dos conhecimentos ou das ciências essência da coisa investigada. A dialética, diz
dividindo-as em três tipos: teoréticas (ou Aristóteles, é boa para as disputas oratórias da política
contemplativas), práticas (ou da ação humana) e e do teatro, para a retórica, para os assuntos sobre os
produtivas (ou relativas à fabricação e às técnicas). quais só existem opiniões e nos quais só cabe a
Todos os saberes referentes a todos os seres, persuasão. Não é o caso da filosofia e da ciência, porque
todas as ações e produções humanas encontravam-se a estas interessa a demonstração ou a prova de uma
distribuídos nessa classificação que ia da ciência mais verdade.
alta — a Filosofia Primeira — até o conhecimento das Substituindo a dialética por um conjunto de
técnicas criadas pelos homens para a fabricação de procedimentos de demonstração e prova, Aristóteles
objetos. criou a lógica propriamente dita, que ele chamava de
Mas nessa classificação não encontramos a analítica.
lógica. Isso por que a lógica não era nem uma ciência Qual a diferença entre a dialética platônica e a
teorética, nem prática, nem produtiva, mas um lógica (ou analítica) aristotélica?
instrumento para as ciências, ordenado por um Em primeiro lugar, a dialética platônica é o
conjunto de regras. É a maneira certa de raciocinarmos exercício direto do pensamento e da linguagem, um
para podermos produzir um conhecimento certo e modo de pensar que opera com os conteúdos do
seguro. Desse modo, depois de definir como pensar, ele pensamento e do discurso. A lógica aristotélica é um
se volta para as questões centrais da Filosofia de seu instrumento para o exercício do pensamento e da
tempo. linguagem: ela oferece os meios para realizar o
Assim, à oposição entre contradição-mudança conhecimento e o discurso.
(Heráclito) e identidade-permanência (Parmênides) dos Para Platão, a dialética é um modo de conhecer.
seres, Aristóteles apresenta uma terceira via diferente da Para Aristóteles, a lógica (ou analítica) é um
escolhida por Platão e radicalmente nova. instrumento para o conhecer.
Considera desnecessário separar a realidade e a Em segundo lugar, a dialética platônica é uma
aparência em dois mundos (há um único mundo no atividade intelectual destinada a trabalhar contrários e
qual existem essências e aparência) e não aceita que a contradições para superá-los, chegando à identidade da
mudança ou o devir seja mera aparência ilusória. essência ou da ideia imutável. Depurando e purificando
Há seres cuja essência é mutável e há seres cuja as opiniões contrárias, a dialética platônica chega ao que
essência é imutável. Porém, Heráclito errou ao supor é verdadeiro para todas as inteligências.

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Já a lógica aristotélica oferece procedimentos a Aristóteles define os termos ou categorias como


serem empregados naqueles raciocínios que se referem “aquilo que serve para designar uma coisa”. São
a todas as coisas das quais possamos ter um palavras que aparecem em tudo quanto pensamos e
conhecimento universal e necessário. Seu ponto de dizemos.
partida não são opiniões contrárias, mas princípios, Há dez categorias ou termos:
regras e leis necessários e universais do pensamento. 1. substância (por exemplo, homem, Sócrates, animal);
2. quantidade (por exemplo, dois metros de
Principais características comprimento);
3. qualidade (por exemplo, branco, grego, agradável);
A palavra grega Órganon (‘instrumento’), nome 4. relação (por exemplo, o dobro, a metade, maior que);
dado por estudiosos ao conjunto das obras sobre lógica 5. lugar (por exemplo, em casa, na rua, no alto);
escritas por Aristóteles, condiz com a própria 6. tempo (por exemplo, ontem, hoje, agora);
concepção que ele tinha do uso desse conhecimento, 7. posição (por exemplo, sentado, deitado, de pé);
caracterizado por ser: 8. posse (por exemplo, armado, isto é, na posse de uma
Instrumental: é o instrumento do pensamento arma);
e da linguagem para pensar e dizer corretamente a fim 9. ação (por exemplo, corta, fere, derrama);
de verificar a correção do que está sendo pensado e 10. paixão ou passividade (por exemplo, está cortado,
dito; está ferido).
Formal: não se ocupa com os conteúdos As categorias ou termos indicam o que uma
pensados ou com os objetos referidos pelo coisa é ou faz, ou como está. São aquilo que nossa
pensamento, mas apenas com a forma pura e geral dos percepção e nosso pensamento captam imediata e
pensamentos, expressos por meio da linguagem; diretamente numa coisa, sem precisar de nenhuma
Propedêutica ou preliminar: é o que devemos demonstração, pois nos dão a apreensão direta de uma
conhecer antes de iniciar uma investigação científica ou entidade simples. Possuem duas propriedades lógicas: a
filosófica, pois somente ela pode indicar os extensão e a compreensão.
procedimentos (métodos, raciocínios, demonstrações) Extensão é o conjunto de objetos designados
que devemos empregar para cada modalidade de por um termo ou uma categoria. Compreensão é o
conhecimento; conjunto de propriedades que esse mesmo termo ou
Normativa: fornece princípios, leis, regras e essa categoria designa.
normas que todo pensamento deve seguir se quiser ser Por exemplo: uso a palavra homem para
verdadeiro; designar Pedro, Paulo, Sócrates, e uso a palavra metal
Doutrina da prova: estabelece as condições e para designar ouro, ferro, prata, cobre. A extensão do
os fundamentos necessários de todas as demonstrações. termo homem será o conjunto de todos os seres que
Dada uma hipótese, permite verificar as consequências podem ser designados por ele e que podem ser
necessárias que dela decorrem; dada uma conclusão, chamados de homens; a extensão do termo metal será
permite verificar se é verdadeira ou falsa; o conjunto de todos os seres que podem ser designados
Geral e atemporal: as formas do pensamento, como metais. Se, no entanto, tomarmos o termo
seus princípios e suas leis não dependem do tempo e do homem e dissermos que é um animal, vertebrado,
lugar, nem das pessoas e circunstâncias, mas são mamífero, bípede, mortal e racional, essas qualidades
universais, necessárias e imutáveis. formam sua compreensão. Se tomarmos o termo metal
O objeto da lógica é a proposição, que exprime, e dissermos que é um bom condutor de calor, reflete a
por meio da linguagem, os juízos formulados pelo luz, etc., teremos a compreensão desse termo.
pensamento. Quanto maior a extensão de um termo, menor
A proposição é a atribuição de um predicado a sua compreensão, e quanto maior a compreensão,
um sujeito: S é P. O encadeamento dos juízos constitui menor a extensão. Tomemos, por exemplo, o termo
o raciocínio e este se exprime logicamente por meio da Sócrates: sua extensão é a menor possível, pois se refere
conexão de proposições; essa conexão chama-se a um único ser; no entanto, sua compreensão é a maior
silogismo. A lógica estuda os elementos que constituem possível, pois possui todas as propriedades do termo
uma proposição, os tipos de proposições e de homem e mais suas propriedades específicas na
silogismos e os princípios necessários a que toda qualidade de uma pessoa determinada. Essa distinção
proposição e todo silogismo devem obedecer para permite classificar os termos ou categorias em três
serem verdadeiros. tipos:
1. gênero: extensão maior, compreensão
A proposição menor. Exemplo: animal;
2. espécie: extensão média e compreensão
Uma proposição é constituída por elementos média. Exemplo: homem;
que são seus termos.
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3. indivíduo: extensão menor, compreensão “Todo triângulo é uma figura de três lados”, “Todo
maior. Exemplo: Sócrates. homem é mortal”;
Na proposição, a categoria da substância é o Impossíveis: quando o predicado não pode, de
sujeito (S) e as demais categorias são os predicados (P) modo algum, ser atribuído ao sujeito. Por exemplo:
atribuídos ao sujeito. A atribuição ou predicação se faz “Nenhum triângulo é figura de quatro lados”,
por meio do verbo de ligação ser. Exemplo: Pedro é “Nenhum planeta é um astro com luz própria”;
alto. Possíveis: quando o predicado pode ser ou
A proposição reúne ou separa verbalmente o deixar de ser atribuído ao sujeito. Por exemplo: “Alguns
que o juízo reuniu ou separou mentalmente. A reunião triângulos são dotados de lados iguais”, “Alguns
de termos se faz pela afirmação: S é P. A separação se homens são justos”.
faz pela negação: S não é P. A reunião ou separação dos Como todo pensamento e todo juízo, a
termos é considerada verdadeira ou recebe a proposição está submetida aos três princípios lógicos
denominação de verdade quando o que foi reunido ou fundamentais, condições de toda verdade: os princípios
separado em pensamento e na linguagem está de identidade, de não contradição e de terceiro excluído.
efetivamente reunido ou separado na realidade. Em Princípio da identidade cujo enunciado pode
contrapartida, a reunião ou separação dos termos é parecer surpreendente: “A é A” ou “O que é, é”. O
considerada falsa ou recebe a denominação de falsidade princípio da identidade é a condição do pensamento e
quando o que foi reunido ou separado em pensamento sem ele não podemos pensar. Ele afirma que uma coisa,
e na linguagem não está efetivamente reunido ou seja ela qual for, só pode ser conhecida e pensada se for
separado na realidade. percebida e conservada com sua identidade. Esse
Do ponto de vista do sujeito, há dois tipos de princípio, cujo enunciado parece absurdo (achamos
proposições: óbvio que uma coisa seja idêntica a si mesma), é usado
1. proposição existencial: declara a existência, por nossa sociedade sem que percebamos. Onde é
posição, ação ou paixão do sujeito. Por exemplo: “Um usado? Na chamada “carteira de identidade” (o nosso
homem é (existe)”, “Um homem anda”, “Um homem RG), por exemplo, com a qual se afirma e se garante
está ferido”. E suas negativas: “Um homem não é (não que “A é A”.
existe)”, “Um homem não anda”, “Um homem não O princípio da identidade é a condição para
está ferido”; definirmos as coisas e podermos conhecê-las com base
2. proposição predicativa: declara a atribuição em suas definições. Por exemplo, depois que a
de alguma coisa a um sujeito por meio do verbo de matemática determinou a identidade do triângulo como
ligação é. Por exemplo: “Um homem é justo”, “Um figura de três lados e de três ângulos internos cuja soma
homem não é justo”. é igual à soma de dois ângulos retos, nenhuma outra
As proposições se classificam segundo a figura a não ser esta poderá ser denominada triângulo.
qualidade e a quantidade. Do ponto de vista da Princípio da não contradição (também
qualidade, as proposições se dividem em: conhecido como princípio da contradição), cujo
Afirmativas: as que atribuem alguma coisa a enunciado é “A é A e é impossível que seja, ao mesmo
um sujeito: S é P. tempo e na mesma relação, não A”.
Negativas: as que separam o sujeito de alguma Assim, é impossível que a árvore que está diante
coisa: S não é P. de mim seja e não seja, ao mesmo tempo, uma árvore;
Do ponto de vista da quantidade, as que o homem seja e não seja, ao mesmo tempo, mortal;
proposições se dividem em: que o vermelho seja e não seja, ao mesmo tempo,
Universais: quando o predicado se refere à vermelho, etc.
extensão total do sujeito, afirmativamente (Todos os S Sem o princípio da não contradição, o princípio
são P) ou negativamente (Nenhum S é P); da identidade não poderia funcionar. Se uma coisa ou
Particulares: quando o predicado é atribuído a uma ideia se negarem a si mesmas, elas se autodestroem.
uma parte da extensão do sujeito, afirmativamente Eis por que o princípio enuncia que as coisas e
(Alguns S são P) ou negativamente (Alguns S não são as ideias contraditórias são impensáveis e impossíveis.
P); Devemos, porém, estar atentos às duas condições no
Singulares: quando o predicado é atribuído a enunciado desse princípio nas quais há contradição.
um único indivíduo, afirmativamente (Este S é P) ou De fato, o princípio enuncia que é impossível
negativamente (Este S não é P). afirmar e negar a mesma coisa a respeito de algo ao
Além da distinção pela qualidade e pela mesmo tempo e na mesma relação. Por que essas duas
quantidade, as proposições se distinguem pela condições? Porque há coisas que podem mudar no
modalidade, sendo classificadas como: correr de suas existências ou no correr do tempo, de tal
Necessárias: quando o predicado está incluído maneira que poderão tornar-se diferentes do que eram
na essência do sujeito, fazendo parte dela. Por exemplo: e até mesmo opostas ao que eram sem que isso
signifique contradição. Por exemplo, é contraditório
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que, aqui e agora (nesta relação e neste tempo), uma sujeito e predicado. Por exemplo: “Todos os seres
criança seja e não seja criança; porém, não será humanos são bípedes” e “Os gregos são bípedes”.
contraditório dizer que esta criança é, agora, uma
criança e não será uma criança, quando crescer. Ou seja, O silogismo
num outro tempo e sob outra relação, a mudança de
alguém ou de alguma coisa não é contraditória. Aristóteles elaborou uma teoria do raciocínio
As duas condições para que haja contradição como inferência. Inferir é obter uma proposição como
indicam também que as coisas que não estão conclusão de uma ou de várias outras proposições que
submetidas ao tempo ou que não são temporais, a antecedem e são sua explicação ou sua causa. O
justamente porque não mudam ou não se transformam, raciocínio realiza inferências.
são aquelas para as quais o princípio de não contradição O raciocínio é uma operação do pensamento
opera sempre da mesma maneira. Assim, será sempre realizada por meio de juízos. Quando o raciocínio é
contraditório dizer que a figura geométrica triângulo é, enunciado por meio de proposições encadeadas, forma-
ao mesmo tempo e na mesma relação, triângulo e não se um silogismo.
triângulo, embora uma caixa de papelão triangular possa Inferir significa conhecer alguma coisa (a
perder essa forma com o correr do tempo ou com uma conclusão) pela mediação de outras coisas. Portanto, o
intervenção humana. O triângulo geométrico não raciocínio e o silogismo diferem da intuição, que, é um
muda; uma caixa triangular de papelão pode mudar de conhecimento direto ou imediato de alguma coisa ou de
forma (por exemplo, se ficar sob a água, vira uma pasta). alguma verdade.
Princípio do terceiro excluído, cujo A teoria aristotélica do silogismo é o coração da
enunciado é: “Ou A é x ou não é x, e não há terceira lógica. Ela constitui a teoria das demonstrações ou das
possibilidade”. Por exemplo: “Ou este homem é provas, da qual depende o pensamento científico e
Sócrates ou não é Sócrates”; “Ou faremos a guerra ou filosófico.
faremos a paz”. Este princípio define a decisão de um O silogismo possui três características
dilema – “ou isto ou aquilo” –, no qual as duas principais:
alternativas são possíveis, e a solução exige que apenas 1. é mediato: exige um percurso de
uma delas seja verdadeira. Mesmo quando temos um pensamento e de linguagem para que se chegue a uma
teste de múltipla escolha, escolhemos na verdade conclusão;
apenas entre duas opções – “ou está certo ou está 2. é demonstrativo (dedutivo ou indutivo): é
errado” –, e não há terceira possibilidade. um movimento de pensamento e de linguagem que
Graças a esses princípios, obtemos a última parte de certas afirmações verdadeiras para chegar a
maneira pela qual as proposições se distinguem. outras também verdadeiras e que dependem
Trata-se da classificação das proposições necessariamente das primeiras;
segundo a relação: 3. é necessário: porque é demonstrativo (as
Contraditórias: quando, tendo o mesmo consequências a que se chega na conclusão resultam
sujeito e o mesmo predicado, uma das proposições é necessariamente da verdade do ponto de partida).
universal afirmativa (Todos os S são P) e a outra é Por isso, Aristóteles considera o silogismo que
particular negativa (Alguns S não são P); ou quando se parte de proposições apodíticas superior ao que parte
tem uma universal negativa (Nenhum S é P) e uma de proposições hipotéticas ou possíveis, designando-o
particular afirmativa (Alguns S são P). Por exemplo: ostensivo, pois mostra claramente a relação necessária
“Todos os homens são mortais” e “Alguns homens não e verdadeira entre o ponto de partida e a conclusão. O
são mortais”. Ou então: “Nenhum homem é imortal” e exemplo mais famoso de silogismo ostensivo é:
“Alguns homens são imortais”;
Contrárias: quando, tendo o mesmo sujeito e o “Todos os homens são mortais.
mesmo predicado, uma das proposições é universal Sócrates é homem.
afirmativa (Todo S é P) e a outra é universal negativa Logo, Sócrates é mortal.”
(Nenhum S é P); ou quando uma das proposições é
particular afirmativa (Alguns S são P) e a outra é Um silogismo é constituído por três
particular negativa (Alguns S não são P). Por exemplo: proposições. A primeira é chamada premissa maior (no
“Todas as estrelas são astros com luz própria” e nosso exemplo, “Todos os homens são mortais”); a
“Nenhuma estrela é um astro com luz própria”. Ou segunda, premissa menor (no nosso exemplo, “Sócrates
então: “Alguns homens são justos” e “Alguns homens é homem”); e a terceira, conclusão (no nosso exemplo,
não são justos”; “Sócrates é mortal”).
Subalternas: quando uma proposição universal A conclusão é inferida das premissas pela
afirmativa subordina uma particular afirmativa de mediação do chamado termo médio (no nosso
mesmo sujeito e predicado, ou quando uma universal exemplo, o termo médio é “homem”). As premissas
negativa subordina uma particular negativa de mesmo possuem termos denominados extremos; há um
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extremo maior (no nosso exemplo, “mortais”) e um brasileiros” e “Os sulistas são brasileiros”, não poderei
extremo menor (no nosso exemplo, “Sócrates”), e a tirar conclusão alguma, pois o termo médio
função do termo médio é liga-los. “brasileiros” não foi tomado nenhuma vez no todo de
Essa ligação é a inferência, e sem ela não há sua extensão.
raciocínio nem demonstração. Por isso, a arte do 3. Nenhum termo pode ser mais extenso na
silogismo consiste em saber encontrar o termo médio conclusão do que nas premissas, pois, nesse caso,
que ligará os extremos e permitirá chegar à conclusão. concluiremos mais do que seria permitido. Isso significa
Aristóteles dizia que em toda ciência, afora o que uma das premissas sempre deverá ser universal
conhecimento intuitivo de seus princípios necessários, (afirmativa ou negativa).
o ponto mais importante era o conhecimento dos 4. A conclusão não pode conter o termo médio,
termos médios, porque eram estes que permitiam pois a função deste se esgota na ligação entre o maior e
encadear as premissas à conclusão, isto é, articular uma o menor.
afirmação ou negação particular às suas condições 5. De duas premissas negativas nada pode ser
universais. concluído, pois o médio não terá ligado os extremos.
Para que se chegue a uma conclusão verdadeira, 6. De duas premissas particulares nada poderá
o silogismo deve obedecer a um conjunto complexo de ser concluído, pois o médio não terá sido tomado em
regras. Dessas regras, apresentaremos as mais toda a sua extensão pelo menos uma vez e não poderá
importantes, tomando como referência o silogismo ligar o maior e o menor.
clássico que oferecemos anteriormente: 7. Duas premissas afirmativas devem ter a
A premissa maior deve conter o termo conclusão afirmativa, o que é evidente por si mesmo.
extremo maior (no caso, “mortais”) e o termo médio 8. A conclusão sempre acompanha a parte mais
(no caso, “homens”); fraca. Isto é, se houver uma premissa negativa, a
A premissa menor deve conter o termo conclusão será negativa; se houver uma premissa
extremo menor (no caso, “Sócrates”) e o termo médio particular, a conclusão será particular; se houver uma
(no caso, “homem”); premissa particular negativa, a conclusão será uma
A conclusão deve conter o maior e o menor e particular negativa. Essas regras dão origem às figuras e
jamais deve conter o termo médio (no caso, deve conter aos modos do silogismo.
“Sócrates” e “mortal” e jamais deve conter “homem”).
Como a função do médio é ligar os extremos, ele deve O silogismo científico
estar nas duas premissas, mas nunca na conclusão.
A proposição é uma predicação ou atribuição. Aristóteles distingue dois grandes tipos de
As premissas fazem a atribuição afirmativa ou negativa silogismos: os dialéticos e os científicos.
do predicado ao sujeito, estabelecendo a inclusão ou Nos primeiros, as premissas se referem ao que
exclusão do médio no maior e a inclusão ou exclusão é apenas possível ou provável, ao que pode ser de uma
do menor no médio. Graças a essa dupla inclusão ou maneira ou de outra, contrária e oposta. Suas premissas
exclusão, o menor estará incluído no maior ou excluído são hipotéticas e por isso sua conclusão também é
dele. hipotética.
Por ser um sistema de inclusões (ou exclusões) O silogismo dialético comporta argumentações
entre sujeitos e predicados, o silogismo declara a contrárias, porque suas premissas são meras opiniões
inerência do predicado ao sujeito. Ou seja, quando há sobre coisas ou fatos possíveis ou prováveis. As
uma inerência afirmativa, o predicado está opiniões não são objeto de ciência, mas de persuasão.
necessariamente incluído no sujeito; quando há uma A dialética é uma discussão entre opiniões contrárias
inerência negativa, o predicado está necessariamente que oferecem argumentos contrários, vencendo aquele
excluído do sujeito. A ciência é a investigação dessas cuja conclusão for mais persuasiva. O silogismo
inerências, por meio das quais se alcança a essência do dialético é próprio da retórica, ou arte da persuasão, na
objeto investigado. qual aquele que fala procura tocar as emoções e paixões
A inferência silogística deve obedecer a oito dos ouvintes e não o raciocínio ou a inteligência deles.
regras, sem as quais não terá validade, não sendo Já o silogismo científico se refere ao que é
possível dizer se a conclusão é verdadeira ou falsa: universal e necessário, ao que é de uma maneira e não
1. Um silogismo deve ter um termo maior, um pode deixar de ser tal como é, ao que acontece sempre,
menor e um médio e somente três termos, nem mais, e sempre acontece da mesma maneira. Suas premissas
nem menos. são apodíticas e sua conclusão também é apodítica.
2. O termo médio deve aparecer nas duas O silogismo científico não admite premissas
premissas. Além disso, deve ser tomado em toda a sua contraditórias. Suas premissas são universais
extensão (isto é, como um universal) pelo menos uma necessárias e sua conclusão não admite discussão ou
vez, pois, do contrário, não se poderá ligar o maior e o refutação, mas exige demonstração. Por esse motivo, o
menor. Por exemplo, se eu disser “Os cearenses são
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silogismo científico deve obedecer a quatro regras, sem silogismo científico não lida com os predicados ou
as quais sua demonstração não tem valor: atributos acidentais.
1. as premissas devem ser verdadeiras (não A ciência é um conhecimento que vai do gênero
podem ser possíveis ou prováveis, nem falsas); mais alto de um ser às suas espécies mais singulares. A
2. as premissas devem ser primárias ou passagem do gênero à espécie singular se faz por uma
primeiras, isto é, indemonstráveis, pois, se tivermos de cadeia dedutiva ou silogística, na qual cada espécie
demonstrar as premissas, teremos de ir de regressão em funciona como gênero para suas subordinadas e cada
regressão, indefinidamente, e nada demonstraremos; uma delas se distingue das outras por uma diferença
3. as premissas devem ser mais inteligíveis do específica. Definir é encontrar a diferença específica
que a conclusão, pois a verdade desta depende entre seres do mesmo gênero.
inteiramente da absoluta clareza e compreensão que A tarefa da definição é delimitar o gênero e a
tenhamos das suas condições, isto é, das premissas; diferença específica essencial que distingue uma espécie
4. as premissas devem ser causa da conclusão, da outra. A demonstração (o silogismo) partirá do
isto é, devem estabelecer as coisas ou os fatos que gênero, oferecerá a definição da espécie e incluirá o
causam a conclusão e que a explicam, de tal maneira indivíduo na espécie e no gênero, de sorte que a
que, ao conhecê-las, estamos obedecendo às causas da essência ou o conceito do indivíduo nada mais é do que
conclusão. Esta regra é da maior importância porque, sua inclusão ou sua inerência à espécie e ao gênero. A
para Aristóteles, conhecer é conhecer as causas ou pelas demonstração parte da definição do gênero e dos
causas. O que são as premissas de um silogismo axiomas e postulados referentes a ele; deve provar que
científico? o gênero possui realmente os atributos ou predicados
São verdades indemonstráveis, evidentes e que a definição, os axiomas e postulados afirmam que
causais. Há três tipos de premissa: ele possui. O que é essa prova? É a prova de que as
1. axiomas, isto é, verdades indemonstráveis que espécies são os atributos ou predicados do gênero e são
servem de base para todas as demonstrações de uma elas o objeto da conclusão do silogismo.
ciência. Por exemplo, os três princípios lógicos, ou Com isso, percebe-se que uma ciência possui
afirmações como “O todo é maior do que as partes”; três objetos: os axiomas e postulados, que
2. postulados, isto é, os pressupostos de que se fundamentam a demonstração; a definição do gênero,
vale uma ciência para iniciar o estudo de seus objetos. cuja existência não precisa nem deve ser demonstrada;
Por exemplo, o espaço plano, na geometria; o e os atributos essenciais ou predicados essenciais do
movimento e o repouso, na física; gênero, que são suas espécies – às quais chega a
3. definições do objeto da ciência investigada ou conclusão.
do gênero de objetos que ela investiga. A definição deve Numa etapa seguinte, a espécie a que se chegou
dizer o que a coisa estudada (o sujeito da proposição) é, na conclusão de um silogismo torna-se gênero, do qual
como é, por que é, sob quais condições ela é. Para parte uma nova demonstração, e assim sucessivamente.
Aristóteles, as definições são as premissas mais Para que o silogismo científico cumpra sua
importantes de uma ciência. função, ele deve respeitar as regras gerais e suas
A definição refere-se ao termo médio, pois é ele premissas devem ser:
que pode preencher as quatro exigências (quê, como, 1. verdadeiras para todos os casos de seu
por quê, se) e é por seu intermédio que o silogismo sujeito;
alcança o conceito da coisa investigada. A definição 2. essenciais, isto é, a relação entre o sujeito e
oferece o conceito da coisa por meio das categorias o predicado deve ser sempre necessária. Isso ocorre
(substância, quantidade, qualidade, lugar, tempo, quando o predicado está contido na essência do sujeito
relação, posse, ação, paixão, posição) e da inclusão (por exemplo, o predicado “linha” está contido na
necessária do indivíduo na espécie e no gênero. essência do sujeito “triângulo”), quando o predicado é
O conceito nos oferece a essência da coisa uma propriedade essencial do sujeito (por exemplo, o
investigada (suas propriedades necessárias ou predicado “curva” tem de necessariamente referir-se ao
essenciais), e o termo médio é o atributo essencial para sujeito “linha”) ou quando existe uma relação causal
chegar à definição. Por isso, a definição consiste em entre o predicado e o sujeito (por exemplo, o predicado
encontrar para um sujeito (uma substância) seus “equidistantes do centro” é a causa do sujeito
atributos essenciais (seus predicados). “circunferência”, uma vez que esta é a figura geométrica
Um atributo é essencial quando faz uma coisa que tem todos os pontos equidistantes do centro). Em
ser o que ela é ou quando, por estar ausente, impede a resumo, as premissas devem estabelecer a inerência do
coisa de ser tal como é (“mortal” é um atributo essencial predicado à essência do sujeito;
de Sócrates). Um atributo é acidental quando sua 3. próprias, isto é, devem referir-se
presença ou sua ausência não afetam a essência da coisa exclusivamente ao sujeito daquela ciência e de nenhuma
(“gordo” é um atributo acidental de Sócrates). O outra. Por isso, não posso buscar premissas da
geometria (cujo sujeito são as figuras) na aritmética
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(cujo sujeito são os números), nem as da biologia (cujo De acordo com tal definição, assinale a alternativa que
sujeito são os seres vivos) na astronomia (cujo sujeito indica, corretamente, a premissa menor:
são os astros). A) Maria não é atleta.
Em outras palavras, o termo médio do B) Maria não treina.
silogismo científico se refere aos atributos essenciais C) Maria é atleta.
dos sujeitos de uma ciência determinada e de nenhuma D) Maria é atleta, mas não treina.
outra;
4. gerais, isto é, nunca devem referir-se aos 3. (UFU 2014) Em relação ao silogismo categórico de
indivíduos, mas aos gêneros e às espécies, pois o Aristóteles é INCORRETO afirmar que
indivíduo define-se por eles e não o contrário. A) o termo médio aparece na conclusão do silogismo e
Bom, agora que Aristóteles definiu como nunca nas premissas.
proceder com o pensamento para que possamos B) a primeira proposição é chamada premissa maior; a
conhecer as coisas e chegar a verdade, é hora de segunda, premissa menor, e a terceira conclusão.
começar a teorizar. E o início se dará pelo que ele C) o termo médio é aquele que produz a ligação entre
chamava de Filosofia Primeira, pelo estudo do Ser os termos das premissas, produz a conclusão e, assim,
(ontologia) que mais tarde fica conhecida como ele se faz presente nas premissas maior e menor.
metafísica. D) sendo as premissas verdadeiras, a conclusão também
será, necessariamente, verdadeira.
QUESTÕES

3. ONTOLOGIA
1. (UFU 2009) Na escola, Joana se queixava a uma
amiga sobre um namorado que a abandonara para ficar
com outra colega da turma. Tentando consolá-la, a Com Parmênides, vimos que o Ser verdadeiro,
amiga lhe disse que ela deveria se acostumar com isso, imutável, único e eterno, que constitui a realidade
ou então, nunca mais tentar namorar, pois, disse ela, “os última do mundo, se opõe ao Não-Ser, ao aparente, ao
garotos são todos interesseiros”. Deixando a dor de mutável, ao múltiplo e diverso na natureza. Segundo
Joana de lado, poderíamos sistematizar o argumento da Platão, deve-se buscar no mundo das ideias a realidade
amiga na forma de um silogismo tal como definido pelo verdadeira e inteligível dos seres, e não se ater ao mundo
filósofo Aristóteles, da seguinte maneira: sensível, uma realidade inferior, composta de imagens
contraditórias e ilusórias – cópias das ideias verdadeiras.
Todo garoto é interesseiro. (Premissa maior) Discordando de Parmênides e de Platão (seu
Ora, o namorado de Joana é um garoto. (Premissa mestre), Aristóteles conduz a metafísica em uma
menor) direção oposta.
Logo, o namorado de Joana é interesseiro. (Conclusão). Embora mantenha a indagação ontológica “O
que é?”, ele não acredita que o caminho do Ser passa ao
A respeito desse argumento, e de acordo com as regras largo do mundo sensível. Para Aristóteles, é refletindo
da lógica aristotélica, é correto afirmar que sobre a própria natureza em nossa volta que o Ser é
A) o argumento é inválido, pois a premissa maior é alcançado.
falsa.
B) o argumento é válido, pois a intenção da amiga era Diferença entre Aristóteles e seus predecessores
ajudar Joana.
C) o argumento é válido, pois a conclusão é uma Embora a ontologia tenha começado com
consequência lógica das premissas. Parmênides e Platão, costuma-se atribuir seu
D) o argumento é inválido, pois a conclusão é falsa. nascimento a Aristóteles quando este explicitamente
formula a ideia de uma ciência ou disciplina que tem
2. (UFU 2010) Conforme o Dicionário de Filosofia de como finalidade própria o estudo do Ser,
Nicola Abbagnano, Platão emprega a palavra silogismo denominando-a Filosofia Primeira.
para definir o raciocínio em geral. Aristóteles, por sua Além disso, três outros motivos levam a atribuir
vez, o define como o tipo perfeito de raciocínio a Aristóteles o início da metafísica:
dedutivo, “um discurso em que, postas algumas coisas, 1. diferentemente de seus predecessores,
outras se seguem necessariamente.” Considere que a Aristóteles não julga o mundo das coisas sensíveis – ou
premissa “Todo atleta treina”, sentença universal e a natureza – um mundo aparente e ilusório. Pelo
afirmativa, é a premissa maior de um silogismo, cuja contrário, é um mundo real e verdadeiro cuja essência
conclusão é: “Logo, Maria treina”. é, justamente, a multiplicidade de seres e a mudança
(ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia. Trad. Alfredo incessante.
Bosi e Ivone C. Benedetti. São Paulo: Martins Fontes, 2003.)

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Em lugar de afastar a multiplicidade e o devir que se divida em outros menores, que


como ilusões ou sombras do verdadeiro Ser, Aristóteles encompride ou encurte, alargue ou estreite,
afirma que o ser da natureza existe, é real, que seu modo etc.);
próprio de existir é a mudança e que esta não é uma  toda mudança de lugar ou locomoção (subir,
contradição impensável. É possível uma ciência descer, cair, a trajetória de uma flecha, o
teorética verdadeira sobre a natureza e a mudança: a deslocamento de um barco, a queda de uma
física. Mas é preciso, primeiro, demonstrar que o objeto pedra, o levitar de uma pluma, etc.);
da física é um ser real e verdadeiro, e isso é tarefa da  toda alteração em que um ser passe da ação à
Filosofia Primeira ou “meta-física”. paixão ou passividade (por exemplo, ser
2. diferentemente de seus predecessores, cortado, amado, desejado), ou da passividade à
Aristóteles considera que a essência verdadeira das atividade (por exemplo, cortar, amar, desejar);
coisas naturais e dos seres humanos e de suas ações não  toda geração ou nascimento e toda corrupção
está no mundo inteligível, separado do mundo sensível. ou morte dos seres; nascer, viver e morrer são
As essências estão nas próprias coisas, nos próprios movimentos.
homens, nas próprias ações, e é tarefa da filosofia Numa palavra: o devir, em todos os seus aspectos,
conhecê-las ali mesmo onde existem e acontecem. é o movimento. Parmênides e Platão excluíram o
Como conhecê-las? movimento da essência do Ser.
Partindo da sensação até alcançar a intelecção. Que faz Aristóteles? Nega que movimento ou
A essência de um ser ou de uma ação é conhecida pelo mudança e Não-Ser ou irrealidade sejam o mesmo. E
pensamento, que capta as propriedades internas e diferencia os seres conforme estejam ou não em
necessárias desse ser ou dessa ação, sem as quais ele ou movimento.
ela não seriam o que são. Existe a essência dos seres que são e estão em
A metafísica não precisa abandonar este movimento, isto é, os seres físicos ou naturais (minerais,
mundo, mas, ao contrário, é o conhecimento da vegetais, animais, humanos), cujo modo de ser se
essência do que existe em nosso mundo. caracteriza por nascer, viver, mudar, reproduzir-se e
3. ao se dedicar à Filosofia Primeira ou desaparecer. São seres em devir e que existem no devir.
metafísica, a filosofia descobre que há diferentes tipos Existe a essência dos seres matemáticos, que
de seres ou entes que se diferenciam justamente por não existem em si mesmos, mas existem como formas
suas essências. das coisas naturais, podendo, porém, ser separados
Em outras palavras, para Parmênides havia delas pelo pensamento e ter suas essências conhecidas;
apenas o Ser único, uno e imutável; para Platão, havia são seres que, por essência, são imóveis, isto é, não
as coisas materiais ou sensíveis, sujeitas à mudança, e nascem, não mudam, não se transformam nem
que eram cópias imperfeitas ou sombras do ser perecem, não estando em devir nem no devir.
verdadeiro ou da realidade, as Ideias. Podemos perceber Existem seres cuja essência é imutável ou
que o critério de Parmênides e de Platão para distinguir imóvel — não nascem, não se transformam e nem
realidade verdadeira e aparência é a ausência ou a perecem —, mas que realizam um movimento local
presença de mudança. Aristóteles também usará a perfeito, eterno, sem começo e sem fim: os astros, que
mudança como critério de diferenciação dos seres, realizam o movimento circular.
porém o fará de maneira completamente nova. E, finalmente, existe a essência de um ser
eterno, imutável, imperecível, sempre idêntico a si
O movimento mesmo, perfeito, imaterial, do qual o movimento está
inteiramente excluído, conhecido apenas pelo intelecto,
“Mudança”, em grego, se diz “movimento”. A que o conhece como separado de nosso mundo,
palavra grega para movimento é kinésis (de onde vêm os superior a tudo o que existe, e que é o ser por
termos cinético, cinema, cinemática, em português). excelência: o ser divino.
Movimento não significa, porém, simplesmente Para cada um desses tipos de ser e suas essências
mudança de lugar ou locomoção. Significa toda e existe uma ciência teorética própria (física, biologia,
qualquer mudança que um ser sofra ou realize. É psicologia, matemática, astronomia, teologia). Mas
movimento: também deve haver uma ciência geral, mais ampla, mais
 toda mudança qualitativa de um ser qualquer universal, anterior a todas essas, cujo objeto não seja
(por exemplo, uma semente que se torna esse ou aquele tipo de Ser, essa ou aquela modalidade
árvore, um objeto branco que amarelece, um de essência, mas o Ser em geral, a essência em geral.
animal que adoece, algo quente que esfria, algo Trata-se de uma ciência que investiga o que é a essência
frio que esquenta, o duro que amolece, o mole e aquilo que faz com que haja essências particulares e
que endurece, etc.); diferenciadas. Em outras palavras, deve haver uma
 toda mudança ou alteração quantitativa (por ciência que estude o Ser enquanto Ser, sem considerar
exemplo, um corpo que aumente ou diminua, as diferenciações dos seres.
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Essa ciência mais alta, mais ampla, mais condições sem as quais um ser não pode existir
universal é a Filosofia Primeira, escreve Aristóteles no nem ser pensado; os primeiros princípios
primeiro livro da obra conhecida como Metafísica. garantem, simultaneamente, a realidade e a
racionalidade das coisas;
 causas primeiras: são aquelas que explicam o
Na Metafísica, Aristóteles afirma que a Filosofia que a essência é e também a origem e o motivo
Primeira estuda os primeiros princípios e as causas da sua existência. Causa (para os gregos)
primeiras de todas as coisas e investiga “o Ser enquanto significa não só o porquê de alguma coisa, mas
Ser”. A Filosofia Primeira estuda as essências sem também o quê e o como uma coisa é o que ela
diferenciá-las em essências físicas, astronômicas, é. As causas primeiras nos dizem o que é, como
humanas, etc., pois cabe às diferentes ciências estudá- é, por que é e para que é uma coisa. São quatro
las como diferentes entre si. À metafísica cabem três as causas primeiras:
estudos: 1. causa material, isto é, aquilo de que um ser é
1. o estudo do ser divino, a realidade feito, sua matéria (por exemplo, água, fogo, ar, terra);
primeira e suprema da qual todo o restante procura 2. causa formal, isto é, aquilo que explica a forma
aproximar-se, imitando sua perfeição imutável. As que um ser possui (por exemplo, o rio ou o mar são
coisas se transformam incessantemente, diz Aristóteles, formas da água; a mesa é a forma assumida pela matéria
porque desejam encontrar sua essência total e perfeita, madeira com a ação do carpinteiro). A forma é
imutável como a essência divina. Por isso, o ser divino propriamente a essência de um ser, aquilo que ele é em
é o Primeiro Motor Imóvel do mundo, isto é, aquilo si mesmo ou aquilo que o define em sua identidade e
que, sem agir diretamente sobre as coisas, ficando a diferença com relação a todos os outros;
distância delas, as atrai, é desejado por elas. Tal desejo 3. causa eficiente ou motriz, isto é, aquilo que
as faz mudar para, um dia, não mais mudar (esse desejo, explica como uma matéria recebeu uma forma para
diz Aristóteles, explica por que há o devir e por que o constituir uma essência (por exemplo, o ato sexual é a
devir é eterno, pois as coisas naturais nunca poderão causa eficiente que faz a matéria do óvulo, ao receber o
alcançar a perfeição imutável). esperma, adquirir a forma de um novo animal ou de
A mudança ou o devir são a maneira pela qual a uma criança; o carpinteiro é a causa eficiente que faz a
natureza, ao seu modo, se aperfeiçoa e busca imitar a madeira receber a forma da mesa; etc.);
perfeição do imutável divino. O ser divino chama-se 4. a causa final, isto é, a causa que dá o motivo, a
Primeiro Motor Imóvel porque é o princípio que move razão ou a finalidade para alguma coisa existir e ser tal
toda a realidade ao mesmo tempo que não se move e como ela é (por exemplo, o bem comum é a causa final
não é movido por nenhum outro ente. Como já vimos, da política; a flor é a causa final da transformação da
movimento significa ‘mudança’, ‘alterações qualitativas semente em árvore; o Primeiro Motor Imóvel é a causa
e quantitativas sofridas’; nascer é perecer, e o ser divino, final do movimento dos seres naturais, etc.);
perfeito, não foi gerado; por isso, nunca muda;  matéria: é o elemento de que as coisas da
2. o estudo dos primeiros princípios e natureza, os animais, os homens, os artefatos
causas primeiras de todos os seres ou essências são feitos; sua principal característica é possuir
existentes; virtualidades ou conter em si mesma
3. o estudo das propriedades ou atributos possibilidades de transformação, isto é, de
gerais de todos os seres, graças aos quais podemos mudança;
determinar a essência particular de um ser particular  forma: é o que individualiza e determina uma
existente. A essência ou ousía é a realidade primeira e matéria, fazendo existir as coisas ou os seres
última de um ser, aquilo sem o qual um ser não poderá particulares; sua principal característica é ser
existir ou deixará de ser o que é. À essência, entendida aquilo que uma essência é;
dessa perspectiva universal, Aristóteles dá o nome de  potência: é a virtualidade que está contida
substância, e a metafísica estuda a substância em geral. numa matéria e pode vir a existir, se for
atualizada por alguma causa; por exemplo, a
Principais conceitos criança é um adulto em potência ou em
potencial; a semente é a árvore em potência ou
De maneira muito breve e simplificada, os em potencial;
principais conceitos da metafísica aristotélica (e que se  ato: é a atualização de uma matéria por uma
tornarão as bases de toda a metafísica ocidental) podem forma e numa forma; o ato é a forma que
ser assim resumidos: atualizou uma potência contida na matéria. Por
 primeiros princípios: são os três princípios exemplo, a árvore é o ato da semente, o adulto
que estudamos na lógica, isto é, identidade, não é o ato da criança, a mesa é o ato da madeira,
contradição e terceiro excluído. Os princípios etc.
lógicos são ontológicos porque definem as
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Potência e matéria são idênticas, assim como forma semelhantes. Assim, o gênero é formado por um
e ato são idênticos. A matéria ou potência é uma conjunto de espécies semelhantes e as espécies, por um
realidade passiva que precisa do ato e da forma, isto é, conjunto de indivíduos semelhantes. Os indivíduos ou
da atividade que cria os seres determinados. Graças aos substâncias primeiras são seres realmente existentes; os
conceitos de potência e ato, a metafísica aristotélica gêneros e as espécies ou substâncias segundas são
pode explicar a causa e a racionalidade de todos os universalidades que o pensamento conhece por meio
movimentos naturais ou dos seres físicos, isto é, de dos indivíduos.
todos os seres dotados de matéria e forma. O devir não  predicados: são categorias lógicas e também
é aparência nem ilusão, ele é o movimento pelo qual a ontológicas, porque se referem à estrutura e ao
potência se atualiza, a matéria recebe a forma e muda modo de ser da substância ou da essência
de forma. (quantidade, qualidade, relação, lugar, tempo,
 essência: é a unidade interna e indissolúvel posse, ação, paixão). Na lógica, a substância é a
entre uma matéria e uma forma. Essa unidade primeira categoria. Aristóteles explica que,
lhe dá um conjunto de propriedades ou enquanto todas as categorias são predicados
atributos que a fazem ser necessariamente atribuídos a um sujeito, a substância não é
aquilo que ela é. Assim, por exemplo, um ser atribuída a ninguém porque ela é, justamente, o
humano é por essência um animal mortal sujeito que recebe os predicados. Os predicados
racional dotado de vontade, gerado por outros atribuídos a uma substância são constitutivos de
semelhantes a ele e capaz de gerar outros sua essência, pois toda realidade pode ser
semelhantes a ele, etc.; conhecida porque: possui qualidades (mortal,
 acidente: é uma propriedade ou atributo que imortal, finito, infinito, bom, mau, etc.);
uma essência pode ter ou deixar de ter sem quantidades (um, muitos, alguns, pouco, muito,
perder seu ser próprio. Por exemplo, um ser grande, pequeno); relaciona-se com outros
humano mortal por essência, mas é baixo ou (igual, diferente, semelhante, maior, menor,
alto, gordo ou magro, negro ou branco, por superior, inferior); está em algum lugar (aqui, ali,
acidente. A humanidade é a essência primordial perto, longe, embaixo, atrás, etc.); está no
(animal, mortal, racional, voluntário), enquanto tempo (antes, depois, agora, ontem, hoje,
o acidente é o que, existindo ou não, nunca afeta amanhã, de dia, de noite, sempre, nunca); realiza
o ser da essência (magro, gordo, alto, baixo, ações ou faz alguma coisa (anda, pensa, dorme,
negro, branco). A essência é o universal; o corta, cai, prende, cresce, floresce, etc.) e sofre
acidente, o particular; ações de outros seres (é cortado, é preso, é
 substância: é aquilo em que se encontram a puxado, é atraído, é curado, é envenenado, etc.).
matéria-potência, a forma-ato, onde estão os As categorias ou predicados podem ser essenciais
atributos essenciais e acidentais, sobre o qual ou acidentais, isto é, podem ser necessários e
agem as quatro causas; em suma, é o Ser indispensáveis à natureza própria de um ser ou podem
propriamente dito. ser algo que um ser possui por acaso ou que lhe
Aristóteles usa o conceito de substância em dois acontece por acaso, sem afetar sua natureza.
sentidos: num primeiro sentido, substância é o ser Tomemos um exemplo. Se eu disser “Sócrates é
individual; num segundo sentido, é o gênero ou a homem”, necessariamente terei de lhe dar os seguintes
espécie a que um ser individual pertence. No primeiro predicados: mortal, racional, finito, animal, pensa,
sentido, a substância é um ser individual existente; no sente, anda, reproduz, fala, adoece, é menor que uma
segundo, é o conjunto das características gerais que os montanha e maior que um gato, ama, odeia.
indivíduos de um gênero e de uma espécie possuem. Acidentalmente, ele poderá ter outros predicados: é
Aristóteles fala em substância primeira para referir- feio, é baixo, é diferente da maioria dos atenienses, é
se aos seres individuais realmente existentes, com sua casado, conversou com Laques, esteve no banquete de
essência e seus acidentes (por exemplo, Sócrates); e em Agáton, foi forçado a envenenar-se pelo tribunal de
substância segunda para referir-se aos sujeitos Atenas.
universais, isto é, gêneros e espécies que não existem Se nosso exemplo, porém, fosse uma substância
em si e por si mesmos, mas só existem encarnados nos genérica ou específica, todos os predicados teriam de
indivíduos, podendo, porém, ser conhecidos pelo ser essenciais, pois o acidente acontece somente para o
pensamento (por exemplo, ser humano). indivíduo existente, e o gênero e a espécie são universais
O gênero é um universal formado por um conjunto que só existem no pensamento e encarnados nas
de propriedades da matéria e da forma que caracterizam essências individuais.
o que há de comum nos seres de uma mesma espécie. Com esse conjunto de conceitos forma-se o quadro
A espécie também é um universal, formado por um da ontologia ou metafísica aristotélica como explicação
conjunto de propriedades da matéria e da forma que geral, universal e necessária do Ser, isto é, da realidade.
caracterizam o que há de comum nos indivíduos Esse quadro conceitual será herdado pelos filósofos
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posteriores, que problematizarão alguns de seus D) Segundo Aristóteles, o ato é próprio do mundo
aspectos, estabelecerão novos conceitos, suprimirão sensível (das coisas materiais) e a potência se encontra
alguns outros, desenvolvendo o que conhecemos como tão-somente no mundo inteligível, apreendido apenas
metafísica ocidental. com o intelecto.
A metafísica aristotélica inaugura, portanto, o
estudo da estrutura geral de todos os seres ou as 2. (UFU) A filosofia de Aristóteles representou uma
condições universais e necessárias que fazem com que nova interpretação sobre o problema do ser. Nesse
exista um ser e que ele possa ser conhecido pelo sentido, Aristóteles define a ciência como
pensamento. Afirma que a realidade no seu todo é
inteligível ou conhecível e apresenta-se como A) conhecimento verdadeiro, isto é, conhecimento que
conhecimento teorético da realidade em todos os seus se fundamenta apenas na compreensão do mundo
aspectos gerais ou universais, devendo preceder as inteligível porque as idéias, enquanto entidades
investigações que cada ciência realiza sobre um tipo metafísicas, não mudam.
determinado de ser. B) conhecimento verdadeiro, isto é, conhecimento
A metafísica investiga: pelas causas, capaz de compreender a natureza do devir
 aquilo sem o que não há seres nem
e superar os enganos da opinião.
conhecimento dos seres: os três princípios
lógico-ontológicos e as quatro causas; C) conhecimento relativo porque o ser é mobilidade,
 aquilo que faz um ser ser necessariamente o que eterno fluxo e a verdade não pode, portanto, ser
ele é: matéria, potência, forma e ato; absoluta.
 aquilo que faz um ser ser necessariamente como D) conhecimento relativo porque a ciência, enquanto
ele é: essência e predicados ou categorias; produção do homem é determinada pelo
 aquilo que faz um ser existir como algo desenvolvimento histórico.
determinado: a substância individual
(substância primeira) e a substância como 3. (UFU 2013) [...] após ter distinguido em quantos
gênero ou espécie (substância segunda). É isto sentidos se diz cada um [destes objetos], deve-se
estudar “o Ser enquanto Ser”. mostrar, em relação ao primeiro, como em cada
predicação [o objeto] se diz em relação àquele.
QUESTÕES Aristóteles, Metafísica. Tradução de Marcelo Perine. São Paulo: Edições Loyola,
2002.
1. (UFU 2012) Em primeiro lugar, é claro que, com a De acordo com a ontologia aristotélica,
expressão “ser segundo a potência e o ato”, indicam-se A) a metafísica é ―filosofia primeira‖ porque é ciência
dois modos de ser muito diferentes e, em certo sentido, do particular, do que não é nem princípio, nem causa
opostos. Aristóteles, de fato, chama o ser da potência de nada.
até mesmo de não-ser, no sentido de que, com relação B) o primeiro entre os modos de ser, ontologicamente,
ao ser-em-ato, o ser-em-potência é não-ser-em-ato. é o ― por acidente‖, isto é, diz respeito ao que não é
REALE, Giovanni. História da Filosofia Antiga. Vol. II. Trad. essencial.
de Henrique Cláudio de Lima Vaz e Marcelo Perine. São Paulo: C) a substância é princípio e causa de todas as
Loyola, 1994, p. 349. categorias, ou seja, do ser enquanto ser.
A partir da leitura do trecho acima e em conformidade D) a substância é princípio metafísico, tal como exposto
com a Teoria do Ato e Potência de Aristóteles, assinale por Platão em sua doutrina.
a alternativa correta.
A) Para Aristóteles, ser-em-ato é o ser em sua 4. (UFU 2011) Aristóteles (384 a.C. – 322 a.C), apesar
capacidade de se transformar em algo diferente dele de ter sido discípulo de Platão, criou sua própria
mesmo, como, por exemplo, o mármore (ser-em-ato) filosofia. Uma das diferenças marcantes entre os dois é
em relação à estátua (ser-em-potência) a importância dada aos fenômenos naturais do
B) Segundo Aristóteles, a teoria do ato e potência chamado mundo sensível. No mundo sensível, a mudança
explica o movimento percebido no mundo sensível. é constante, característica que Aristóteles procura
Tudo o que possui matéria possui potencialidade explicar a partir das concepções de matéria, forma,
(capacidade de assumir ou receber uma forma diferente potência e ato.
de si), que tende a se atualizar (assumindo ou recebendo Com base nos seus conhecimentos e no texto acima,
aquela forma). assinale a alternativa que define corretamente a
C) Para Aristóteles, a bem da verdade, existe apenas o concepção aristotélica de ato e potência.
ser-em-ato. Isto ocorre porque o movimento verificado A) A potência e o ato são conceitos que não se referem,
no mundo material é apenas ilusório, e o que existe é de fato, às coisas materiais sujeitas à transformação.
sempre imutável e imóvel. B) A potência é o momento presente, atual da matéria;
ato é o que ela poderá vir a fazer.
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C) A potência e o ato não se relacionam com a matéria. Por exemplo, no caso da pergunta “O que é a raiva?”,
D) A potência é o que a matéria virá a ser, seu devir, o o dialético dirá que se trata de um desejo de vingança,
princípio do movimento; ato é aquilo que ela é no ou algo deste tipo; o filósofo natural dirá que se trata de
presente. um aquecimento do sangue ou de fluidos quentes do
coração. Um explica segundo a matéria, o outro,
5. (UFU 2011) “Segundo Aristóteles, tudo tende a segundo a forma e a definição. A definição é o “o que
passar da potência ao ato; tudo se move de uma para é” da coisa, mas, para existir, esta precisa da matéria.”
outra condição. Essa passagem se daria pela ação de Aristóteles. Sobre a alma, I,1 403a 25-32. Lisboa:
forças que se originam de diferentes motores, isto é, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2010.
coisas ou seres que promoveriam esta mudança. No Considerando-se o trecho acima, extraído da obra
entanto, se todo o Universo sofre transformações, o Sobre a Alma, de Aristóteles
estagirita afirmava que deveria haver um primeiro (384-322 a.C.), assinale a alternativa que nomeia
motor [...]”. corretamente a doutrina aristotélica em questão.
CHALITA, Gabriel. Vivendo a filosofia. São Paulo: Ed. Ática, 2006, p. 58. A) Teoria das categorias.
Com base em seus conhecimentos e no texto acima, B) Teoria do ato-potência.
assinale a alternativa que contenha duas características C) Teoria das causas.
do primeiro motor. D) Teoria do eudaimonismo.
A) O primeiro motor é imóvel, caso contrário, alguma
causa deveria movê-lo e ele não seria mais o primeiro 4. A SUPERIORIDADE DOS GREGOS
motor; é imutável, porque é ato puro.
B) O primeiro motor é imóvel, mas não imutável, pois Para compreendermos bem o pensamento
pode ocorrer de se transformar algum dia, como tudo aristotélico sobre a ética e a política é importantíssimo
no Universo. sabermos que ele não entendia as duas separadamente.
C) O primeiro motor é imutável, mas não imóvel, pois Isso porque ele, assim como os gregos instruídos, não
do seu movimento ele gera os demais movimentos do entendia um modo de ser, um comportamento do
Universo. ánthropos (homem) que não fosse o mesmo do zoôn
D) O primeiro motor não é imóvel, nem imutável, pois politikon (animal político). Ser homem para ele era ser
isto seria um absurdo teórico. Para Aristóteles, o político/cidadão.
primeiro motor é móvel e mutável, como tudo. Tanto é que a palavra ética vem de ethos que de
forma abrangente quer dizer modo de ser, e a palavra
6. (UFU 2016) Segundo Giovanni Reale, “a metafísica política vem de polis + ética, ou seja, o modo de ser da
aristotélica é inteiramente constituída por termos e pólis. Não existe comportamento racional/inteligível
conceitos pluridimensionais e polivalentes, e isso vale a que não seja dentro da pólis.
começar pelo próprio conceito que define ‘metafísica’ Segundo ele, um homem que não vivesse em
ou ‘filosofia primeira’, que constantemente, ao longo comunidade, ou era um deus, ou uma fera. E se vivesse
dos catorze livros, é determinado de quatro modos em comunidade que não fosse uma pólis, seria inferior.
diferentes”. Por isso que um estrangeiro era inferior a um grego e
REALE, G. Aristóteles: Metafísica. Ensaio Introdutório, Vol 1.
Trad. Marcelo Perine. São Paulo: Ed. Loyola, 2001, p. 37.
era legítimo que ele fosse escravizado.
Sobre os quatro modos diferentes, assinale a alternativa Daí Aristóteles condenava a escravidão entre os
INCORRETA. gregos livres, por ser contrário à natureza das coisas.
A) Trata-se de ciência do ser enquanto ser e do que Afirma que algumas pessoas merecem ser escravizadas.
compete ao ser enquanto ser, isto é, ciência das causas Os escravos "naturais" são o tipo de pessoas que têm a
e dos princípios supremos. capacidade de aceitar ordens, mas não têm inteligência
B) Trata-se de ciência da percepção sensível e, então, suficiente para pensar por si mesmas. São pessoas
ancorada em constatações empíricas que buscam no “o mecânicas. Não são muito melhores que os animais.
Aí você pode pensar, mas não é todo mundo
quê” as coisas que são a sua razão de ser.
gente do mesmo jeito? Nananinanan, não. Vamos botar
C) O ser tem múltiplos significados, então, a metafísica
os pingos nos ís. Aristóteles tinha em mente que todos
é ciência das causas e dos princípios da substância,
nós, gregos ou não, somos zoôn (animais), mas apenas
fundamento de todos os outros significados.
os que vivem numa comunidade política, numa pólis,
D) A metafísica é ciência teológica ou relativa às coisas são zoôn polítikon, são ánthropos (ανθρώπου).
divinas, pois se dedica a uma substância primeira, Ora, nós já vimos que o pensamento racional
transfísica ou suprafísica. surgiu com a pólis. A racionalidade, que é uma
descoberta grega, que era, portanto, grega, é uma
7. (UFU 2018) O filósofo natural e o dialético darão racionalidade política, no sentido de comunitária, e o
definições diferentes para cada uma dessas afecções. que faz o ánthropos (homem) ser superior aos outros
animais é justamente isso, ser racional. Mas ele só
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pode ser racional se fizer parte dessa comunidade Um carpinteiro, por exemplo, ao fazer uma
política que é a pólis, pois somente nela, ele pode mesa, realiza uma ação técnica, mas ele próprio não é
desenvolver a sua natureza racional. E se é assim, a pólis essa ação nem é a mesa produzida por ele. A técnica
também é algo natural ao homem. tem como finalidade a fabricação de alguma coisa
As leis que regem a pólis são criações da palavra diferente do agente (a mesa não é o carpinteiro,
(logos/razão), que não é mais ditada pelos deuses a um enquanto uma fala verdadeira é o ser do próprio falante
sacerdote que a transmite aos homens. Ela é que a diz) e da ação fabricadora (a ação técnica de
genuinamente humana, fruto do debate, da dialética, fabricar a mesa implica o trabalho sobre a madeira com
expressão do logos (razão) que organiza a pólis e reina instrumentos apropriados, mas isso nada tem a ver com
sobre os homens, não todos os homens, mas sobre os a finalidade da mesa, uma vez que o fim é determinado
gregos. pelo uso e pelo usuário). Assim, a ética e a técnica são
É essa palavra (logos) que é o conhecimento do distinguidas como práticas que diferem pela relação do
que é útil, do bem e do mal, do justo e do injusto; e agente com a ação e com a finalidade da ação.
viver de acordo com a justiça é viver a boa vida,
permitida apenas na pólis. É isso que faz de um grego, Prudência ou sabedoria prática
um zoôn (animal) politikon (superior), e somente este é
ánthropos (ανθρώπου). Também devemos a Aristóteles a definição do
Repito, tudo isso de que estamos falando foi campo das ações éticas. Estas não só são definidas pela
construído por eles, por isso, não é obra do homem em virtude, pelo bem e pela obrigação, mas também
geral, mas dos gregos em particular. Aristóteles está pertencem àquela esfera da realidade na qual cabem a
falando para os gregos, ele está ensinando a eles, e não deliberação e a decisão ou escolha.
a todos os homens do planeta. E por que não? Em outras palavras, quando o curso da
Por que ele acreditava que só os gregos eram realidade segue leis necessárias e universais, não há
capazes de entender o que ele estava dizendo, e é aqui como nem por que deliberar e escolher, pois as coisas
que reside o preconceito que não é só de Aristóteles, acontecerão necessariamente tais como as leis que as
mas dos gregos em geral. regem determinam que devam acontecer. Não
deliberamos sobre as estações do ano, o movimento
5. A ÉTICA dos astros, a forma dos minerais ou dos vegetais. Não
deliberamos nem decidimos sobre aquilo que é regido
Como viver essa boa vida, que só era possível pela natureza, isto é, pela necessidade.
participando da pólis? Aristóteles deixou essa resposta Mas deliberamos e decidimos sobre tudo aquilo
em sua obra Ética a Nicômaco. Como já vimos, ele que, para ser e acontecer, depende de nossa vontade e
concebia que tudo tem um fim, e não seria diferente de nossa ação. Não deliberamos e não decidimos sobre
com as ações humanas, que devem ser realizadas o necessário, pois o necessário é o que é e será sempre
objetivando atingir o bem supremo que é a tal como é, independentemente de nós. Deliberamos e
eudaimonia , comumente traduzida por felicidade. decidimos sobre o possível, sobre aquilo que pode ser
Não devemos entender essa felicidade como ou deixar de ser, porque para ser e acontecer depende
uma emoção que temos quando algo bom nos acontece. de nós, de nossa vontade e de nossa ação.
Ela está mais para um estado de plenitude, uma forma Com isso, Aristóteles acrescenta à consciência
de viver plena, voltada para o bem, para o saber, para a moral, trazida por Sócrates, a vontade guiada pela
justiça, no aperfeiçoamento constante do caráter. razão como o outro elemento fundamental da vida
Precisamos ter em mente que a ética e a política ética.
são saberes práticos. E o saber prático pode ser de dois Devemos a Aristóteles uma distinção central em
tipos: práxis ou técnica. todas as formulações ocidentais da ética: a diferença
Na práxis, o agente, a ação e a finalidade do agir entre o que é por natureza (ou conforme à physis) e o
são inseparáveis, pois o agente, o que ele faz e a que é por vontade (ou conforme à liberdade). O
finalidade de sua ação são o mesmo. Assim, por necessário é por natureza; o possível, por vontade.
exemplo, dizer a verdade é uma virtude do agente, A importância dada por Aristóteles à vontade
inseparável de sua fala verdadeira e de sua finalidade, racional, à deliberação e à escolha o levou a considerar
que é proferir uma verdade; não podemos distinguir o uma virtude como condição de todas as outras e
falante, a fala e o conteúdo falado. presente em todas elas: a prudência ou sabedoria
Para Aristóteles, na práxis ética somos aquilo prática.
que fazemos e o que fazemos é a finalidade boa ou Ela é a sabedoria, o saber prático necessário, a
virtuosa. Ao contrário, na técnica o agente, a ação e a chave da felicidade, para viver moderadamente. É a
finalidade da ação são diferentes e estão separados, prudência que nos permite viver sem exageros e nem
sendo independentes uns dos outros. deficiências, ou seja, no meio termo. É essa virtude que

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nos permite saber como agir moderadamente em cada ao prazer nem à necessidade, e primeiramente naquelas
situação particular. regiões onde (os homens) viviam no ócio. É assim que,
Prudente é aquele que, em todas as situações, em várias partes do Egito, se organizaram pela primeira
julga e avalia qual atitude e qual ação melhor realizarão vez as artes matemáticas, porque aí se consentiu que a
a finalidade ética, ou seja, garantirão que o agente seja casta sacerdotal vivesse no ócio.
virtuoso e realize o que é bom para si e para os outros. Já assinalamos na Ética a diferença que existe
Na Ética a Nicômaco, encontramos a síntese das entre a arte, a ciência e as outras disciplinas do mesmo
virtudes que constituíam a excelência e a moralidade da gênero. O motivo que nos leva agora a discorrer é este:
Grécia clássica. Nessa obra distinguem-se vícios e que a chamada filosofia é por todos concebida como
virtudes pelo critério do excesso, da falta e da tendo por objeto as causas primeiras e os princípios; de
moderação: um vício é um sentimento ou uma conduta maneira que, como acima se notou, o empírico parece
excessivos (temeridade, libertinagem, irascibilidade, ser mais sábio que o ente que unicamente possui uma
etc.), ou, ao contrário, deficientes (covardia, sensação qualquer, o homem de arte mais do que os
insensibilidade, indiferença, etc.); uma virtude é um empíricos, o mestre-de-obras mais do que o operário, e
sentimento ou uma conduta moderados (coragem, as ciências teoréticas mais que as práticas. Que a
temperança, gentileza, etc.). filosofia seja a ciência de certas causas e de certos
As virtudes são as qualidades do caráter que princípios é evidente.
nos permitem conseguir os bens necessários É pois manifesto que a ciência a adquirir é a das
(materiais e imateriais) para viver plenamente, ou causas primeiras (pois dizemos que conhecemos cada
seja, ter uma vida feliz. coisa somente quando julgamos conhecer a sua
primeira causa); ora, causa diz-se em quatro sentidos:
no primeiro, entendemos por causa a substância e a
QUESTÕES qüididade (o “porquê” reconduz-se pois à noção última,
e o primeiro “porquê” é causa e princípio); a segunda
1. (UFU 2011) Em sua obra Ética a Nicômaco, Aristóteles (causa) é a matéria e o sujeito; a terceira é a de onde
propôs a ideia de que a virtude é a disposição para (vem) o início do movimento; a quarta (causa), que se
buscar o meio termo ou a justa medida entre o excesso opõe à prece dente, é o “fim para que” e o bem (porque
e a falta em determinada conduta. este é, com efeito, o fim de toda a geração e
Com base nessa afirmação e em seus conhecimentos movimento). Já estudamos suficientemente estes
sobre a obra de Aristóteles, assinale a alternativa princípios na Física; todavia queremos aqui associar-
correta. nos aos que, antes de nós, se aplicaram ao estudo dos
A) Coragem é o justo meio entre covardia e seres e filósofo faram sobre a verdade. (2) E, com efeito,
temeridade. evidente que eles também falam em certos princípios e
B) Covardia é o justo meio entre temeridade e em certas causas; tal exame será, portanto, útil ao nosso
coragem. estudo, porque ou descobriremos uma outra espécie de
C) Temeridade é o justo meio entre coragem e causas, ou daremos mais crédito às que acabamos de
covardia. enumerar. A maior parte dos primeiros filósofos
D) Coragem, covardia e temeridade não são termos considerou como princípios de todas as coisas
que se relacionam à ética. unicamente os que são da natureza da matéria.
É aquilo de que todos os seres são constituídos,
e de que primeiro se geram, e em que por fim se
dissolvem, enquanto a substância subsiste, mudando-se
unicamente as suas determinações, tal é, para eles, o
Aristóteles. Metafísica
elemento e o princípio dos seres.
(Aristóteles, Metafísica, Col. Os Pensadores, São Paulo, Abril
É, portanto, verossímil que quem primeiro Cultural, 1973, p. 212 -213 e 216.)
encontrou uma arte qualquer, fora das sensações
comuns, excitasse a admiração dos homens, não
somente em razão da utilidade da sua descoberta, mas
por ser sábio e superior aos outros. E com o
multiplicar-se das artes, umas em vista das necessidades,
outras da satisfação, sempre continuamos a considerar
os inventores destas últimas como mais sábio s que os
das outras, porque as suas ciências não se subordinam
ao útil.
De modo que, constituídas todas as (ciências)
deste gênero, outras se descobriram que não visam nem

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GABARITO

SURGIMENTO DA FILOSOFIA 9. d
1. c 10. b

PRÉ-SOCRÁTICOS ARISTÓTELES - LÓGICA


1. d 1. c
2. b 2. c
3. d 3. a
4. d
5. a ARISTÓTELES - ONTOLOGIA
6. b 1. b
7. a 2. b
3. c
RUPTURA MITO E FILOSOFIA 4. d
1. d 5. a
2. c 6. b
3. c 7. c
4. c
ARISTÓTELES - ÉTICA
SÓCRATES 1. a
1. d
2. b
3. a
4. a
5. a
6. c
7. c

PLATÃO
1. d
2. a
3. b
4. a
5. d
6. c
7. d
8. b

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