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Anderson

CULTURA – PARTE 2

1. SOCIEDADES SIMPLES E COMPLEXAS

Uma das principais características da


Antropologia no século XX foi a crescente variação de
objetos de interesse. Se a orientação inicial foi o estudo
de sociedades pequenas e isoladas (muitas delas vivendo
em ilhas), aos poucos outras fontes de estudo foram
encontradas, como as sociedades ditas “complexas”.

Muitos antropólogos estudam aqueles grupos


que de imediato passam uma ideia de diferença mais
acentuada no interior de uma sociedade complexa. E
quais são esses grupos?
Nos Estados Unidos, por exemplo, os
primeiros estudos de contextos “complexos” se
referiram aos imigrantes, que chegavam aos milhares
durante a primeira metade do século XX. Ou seja, os
antropólogos procuravam os grupos em que a diferença
A oposição entre “simples” e “complexas” foi cultural era mais evidente.
uma das formas empregadas para distinguir as Também foram estudadas populações rurais,
sociedades. Esses termos, porém, são problemáticos, assim como populações indígenas que iam sendo
pois todos os antropólogos correriam a afirmar que incorporadas à força às sociedades nacionais, e cujos
nenhuma sociedade é realmente simples e todas elas, a indivíduos se viram obrigados a adotar novas estratégias
seu modo, são complexas. de sobrevivência. Mas o olhar dos estudiosos sempre
A oposição é mais evidente em outros aspectos: imaginava que aquelas populações tão diferentes iriam
sociedades “complexas” seriam aquelas que combinam lentamente se adaptar e se assemelhar aos dominadores
uma grande escala de tamanho, a presença do Estado, ou às maiorias, no caso dos imigrantes.
fortes diferenças culturais internas e ainda uma O conceito de cultura, bem como os conceitos
diferenciação social destacada. Embora o termo de estrutura social e de função não explicavam
“sociedade complexa” seja enganador, por inferir que suficientemente bem essas realidades. Isso porque esses
existem sociedades não complexas, a expressão ganhou conceitos tinham como pressupostos alguma
espaço e marcou a história da Antropologia. estabilidade duradoura, o que não acontecia no interior
Sociedades como a chinesa, as pré-colombianas, das “sociedades complexas”. As coisas mudavam! Os
as da Europa medieval, todas podem ser consideradas antropólogos norte-americanos tentaram enquadrar
complexas, assim como as sociedades das quais os essas realidades fugidias no conceito de cultura,
antropólogos faziam parte. cunhando termos como aculturação.
A passagem da primeira para a segunda metade
do século XX marcou um avanço da Antropologia no Aculturação: processo resultante do
estudo das sociedades europeias, americanas e de contato mais ou menos direto e contínuo entre
grandes nações do mundo todo. Ao desviar o foco das dois ou mais grupos sociais em que cada um desses
pequenas sociedades, a Antropologia passou também a grupos assimila, adota ou rejeita elementos da
observar as grandes. cultura do outro. Pode ser recíproco ou unilateral
A princípio isso foi feito com base em conceitos e eventualmente implicar subordinação política.
elaborados para estudar sociedades pequenas, como as Como conceito antropológico, teve grande
que vimos até aqui. Mas aos poucos os estudiosos aceitação na primeira metade do século XX; mais
perceberam que outras categorias eram necessárias para tarde, foi duramente criticado.
pensar as sociedades ditas complexas.
Ainda assim, os métodos e conceitos dedicados Acreditavam que do encontro entre grupos
às sociedades “simples” levaram os antropólogos a muito distintos, o mais frágil deles lentamente se
buscar nas sociedades de grande escala fenômenos assemelharia ao mais forte. Os ingleses, por sua vez,
semelhantes aos observados nas sociedades pequenas. fazendo pesquisas na África, simplesmente ignoravam
Essa tendência é ainda muito forte na Antropologia: as transformações pelas quais passavam os grupos que
estudar grupos marginais e discriminados no interior estudavam e tentavam retratá-los como deveriam ser
das sociedades complexas. antes da chegada dos europeus.

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A princípio, para entender essa diversidade, os coletiva, como o compartilhamento de uma história
antropólogos só contavam com os instrumentos usados comum.
no estudo das sociedades pequenas. Assim, começaram O grupo étnico não é definido por seu conteúdo
a praticar Antropologia em sociedades complexas entre cultural, mas sim em contraposição a outros grupos.
os grupos mais excluídos. Mas mesmo nesses Um grupo étnico só se define em relação a outro, e o
contextos, aquelas ferramentas pensadas a partir de uma conceito de etnicidade é sempre relacional.
noção de estabilidade não se mostraram muito eficazes. Não há etnicidade num grupo isolado, pois o
Então, novas ideias foram desenvolvidas. A que constitui a etnicidade é justamente o contraste com
partir da década de 1960, as noções de etnicidade e outros grupos. Por outro lado, os autores estão sempre
identidade passaram a ganhar importância. atentos ao fato de que a etnicidade é um poderoso
instrumento de mobilização política, utilizado para
2. ETINICIDADE legitimar lutas por diferentes tipos de direitos.
As lutas das minorias discriminadas nas
O termo etnicidade já rondava a história da sociedades centrais do capitalismo foram
Antropologia desde o começo do século XX, mas só a acompanhadas do uso dos termos etnicidade e
partir da década de 1960 a expressão aparece como identidade étnica. Imigrantes eram étnicos, indígenas no
forma cada vez mais comum de pensar a diferença. seio de sociedades complexas e minorias raciais
Nesse momento histórico do pós-Segunda também.
Guerra Mundial, as nações africanas estavam se Esse conjunto de populações demonstrava que
tornando independentes e guerras de libertação a diferença continuava a existir nas sociedades
nacional se espalhavam pelo mundo. complexas: não ocorreu o processo de “aculturação”
Todos esses processos sociais desestabilizaram que alguns antropólogos haviam previsto. E ainda: a
as percepções da Antropologia e desafiaram as noções essas “diferenças” estava atrelada uma carga
de equilíbrio, tão importantes até então. significativa de injustiça social.
Em um mundo em intensa transformação, com A ideia de minoria pode ser enganadora, pois
o avanço do sistema capitalista produzindo mudanças nem sempre significa um número menor de pessoas:
radicais, era cada vez mais difícil pensar as sociedades um grupo étnico pode ser mais numeroso em termos
em termos de estabilidade. populacionais, mas muito fraco em termos de poder e
Também ocorriam transformações no interior de participação na distribuição da riqueza.
das sociedades europeias e norte-americanas: conflitos Na África do Sul, antes do fim do apartheid, uma
internos, discriminações, racismo crescente, fluxos minoria branca dominava completamente os recursos
migratórios. do país, enquanto a imensa maioria negra era excluída.
Na Inglaterra, uma nova Ou seja, o termo minoria também pode ser usado como
geração de antropólogos referência aos grupos que concentram poder. Mas,
comandada por Max Gluckman nesses casos, a propriedade da etnicidade é que aqueles
(1911-1975), começava a analisar que dominam constroem um sistema no qual se
as relações entre as sociedades inserem como a normalidade. Ou seja, os brancos são
“simples” e os impérios coloniais. vistos como os “normais”, e todos os excluídos são
Conhecida como escola de “étnicos”.
Manchester, essa geração se A ideia de etnia refere-se aos não dominantes,
dedicou a estudar a mudança pois os dominantes não se pensam como distintos ou
social e as transformações relacionadas aos processos fora da cultura predominante.
de descolonização e independência na África e na Ásia. O exemplo dos conflitos étnicos demonstra a
Entre os estudiosos desse grupo, o conceito de importância de entender como se dão os processos de
etnicidade tornou-se central. construção de diferença, pois não se trata apenas de
Outro antropólogo que pensar e falar sobre diferença, mas de perceber as
contribuiu para o práticas geradas por essas construções.
desenvolvimento da noção de Temos aqui o caso limite de práticas que são
etnicidade foi o norueguês direcionadas para constituir políticas violentas de
Fredrik Barth (1928-) formado exclusão e até de extermínio, a partir da manipulação
em Cambridge, cujo trabalho das diferenças culturais.
influenciou alguns membros da O conceito de etnicidade se contrapõe ao
escola de Manchester. conceito de aculturação (ou assimilação), que foi um
O conceito de etnicidade descreve um grupo dos desenvolvimentos do conceito de cultura.
que se autodefine e é definido por outros como Os teóricos da aculturação previam que aquelas
diferente, que supõe algum tipo de identificação populações diferentes (como os imigrantes e os
indígenas), lançadas no interior de uma sociedade
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nacional, lentamente deixariam de ser “diferentes” e estimulam o preconceito contra imigrantes (que pode
passariam a fazer parte da sociedade nacional. ser considerado um preconceito étnico),
Mas não foi isso o que aconteceu. Pelo responsabilizando-os pelas mazelas econômicas que
contrário: ocorreu um fortalecimento dos “diferentes”, vêm ocorrendo na Europa.
que passaram a reivindicar o reconhecimento de seus
direitos nas esferas políticas. 3. IDENTIDADE
Nos Estados Unidos, por exemplo, a
intensificação do movimento negro levou a Se etnicidade se referia a algum tipo de
transformações sociais imensas, que incluíram as ancestralidade comum (imigrantes, populações negras,
políticas de cotas para minorias historicamente indígenas, etc.), muitas outras diferenças não tinham
excluídas. mais essa conotação: entre um ultrarreligioso negro e
Essa ação política dos excluídos foi mais bem um ativista por direitos homoafetivos negro, a diferença
analisada da perspectiva de etnicidade do que da de pode ser tão grande quanto aquela entre um grupo
cultura. Como o conceito de cultura levava a imaginar indígena e uma sociedade nacional.
uma única cultura nacional, as reivindicações de Como pensar essa diferença não atrelada
minorias não se encaixavam nos quadros de explicação. necessariamente a uma ancestralidade comum?
A alternativa para pensar essa nova realidade
Conflitos étnicos complexa e fragmentada foi o conceito de identidade.
Ao contrário de outras ideias usadas para pensar
É comum encontrar na mídia o termo “étnico” a diferença, identidade não pressupõe uma
associado a conflitos de todo tipo. Em geral a expressão ancestralidade comum; a prática social (a experiência de
“conflito étnico” descreve tensões entre grupos no vida) é suficiente para produzir identidades entre
interior de Estados nacionais no mundo grupos de pessoas.
contemporâneo. A identidade é sempre vista como transitória,
Essas tensões apresentam graus variados de nunca pronta e acabada. É um processo em construção,
intensidade, desde situações não violentas, como é o modelado pela ação das pessoas que partilham coisas
caso do nacionalismo na província de Quebec, no em comum.
Canadá, que opõe quebequenses aos demais Podemos pensar num grupo de religiosos
canadenses, até conflitos que degeneram em guerras de budistas que desenvolve uma identidade a partir da
extermínio e por vezes resultam no fracionamento de prática do budismo, num grupo de homossexuais em
Estados nação divididos pelo conflito. Esse foi o caso busca de direitos familiares e na luta contra o
da ex-Iugoslávia e dos conflitos entre sérvios, croatas, preconceito, em grupos de punks que vivem segundo
bósnios, albaneses e eslovenos. um modelo diferente.
Naquele contexto, além das distinções culturais, A todos esses exemplos e a muitos outros pode
havia diferenças religiosas importantes entre cristãos e ser atribuído o conceito de identidade: identidades
muçulmanos. religiosas, identidades sexuais, identidade punk.
A guerra civil iugoslava, ocorrida na década de O conceito de identidade é oportuno para
1990, resultou em mais de 100 mil mortos, em ações de pensar a diferença num mundo onde a fragmentação
“limpeza étnica” e na origem de novos Estados das opções de vida foi multiplicada ao extremo, onde
nacionais. múltiplas alternativas se apresentam a qualquer pessoa.
Alguns intelectuais têm chamado esse Como conceito, identidade nasce sem
fenômeno de “retribalização”, mas para o antropólogo preocupação com estabilidade, continuidade ou
norueguês Fredrik Barth trata-se na realidade de qualquer ideia de completude. Os sujeitos podem,
processos políticos em que alguns líderes manipulam inclusive, modelar sua identidade pessoal a partir de
identidades étnicas com interesses específicos. várias identidades, combinando e compartilhando
Segundo Barth, a mobilização para o conflito várias experiências identitárias.
não é uma expressão de sentimentos coletivos, mas sim Um punk negro pode amalgamar uma
resultado de ações políticas estratégicas. Para esse autor, identidade baseada no estilo de vida punk e também na
as tensões étnicas que têm potencial de gerar violência experiência de ser negro numa sociedade racista, por
podem ser combatidas politicamente. exemplo.
Portanto, as identidades étnicas podem ser Num mundo fracionado pelo excesso de
manipuladas por interesses específicos, em geral de informação, a diferença social tem sido analisada sob a
políticos medíocres que utilizam a manipulação e a perspectiva do conceito de identidade, mas isso
disseminação de preconceitos e rancores para também levou a um tipo de análise que foca apenas o
se legitimar politicamente. Podemos observar essa sujeito e suas escolhas, como se a identidade fosse uma
dimensão dos fenômenos étnicos no avanço dos espécie de mercadoria que cada pessoa pode assumir
partidos ultranacionalistas na Europa. Esses partidos livremente.
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O fato de que muitos grupos se definem pelo A partir de então, passa-se aos estudos de
consumo de determinadas mercadorias levou a uma gênero, que buscam explicar como as diferenças entre
associação entre o conceito de identidade e o mercado mulheres e homens são utilizadas para justificar, e até
de consumo. mesmo legitimar, desigualdades. Os estudos de gênero
Se na esfera do senso comum cada vez mais a emergem na mesma época em que eclode a
identidade assume a feição de personalidade individual chamada segunda onda do feminismo, revelando o
moldada por estilos de consumo, nas Ciências Sociais a diálogo entre o feminismo e as teorias sociais,
importância da “vida em comum” continua a ser muito constituindo, também, base teórica e científica para a
relevante. contestação das desigualdades sociais entre mulheres e
A identidade contém tanto aquilo que homens.
escolhemos como aquilo que não escolhemos. Aquela Nos estudos de gênero, o termo gênero é usado
parte da vida social que não controlamos é fundamental para se referir às construções sociais e culturais de
na formação da identidade: assim, a exclusão racial, a masculinidades e feminilidades. Neste contexto, gênero
discriminação sexual, a intolerância religiosa, por explicitamente exclui referências para as diferenças
exemplo, são fatores sociais que as pessoas não biológicas e foca nas diferenças culturais.
controlam, mas que podem moldar suas identidades. A distinção entre o componente social do sexo
As identidades comportam tanto nossas feminino e a sua base biológica é discutida na
heranças culturais como novas formas de pensar o contemporaneidade.
mundo, apresentadas pelas novas tecnologias de A filósofa e feminista Simone de
comunicação. Beauvoir aplicou o existencialismo para a experiência
de vida da mulher: “Ninguém nasce mulher, torna-
4. A QUESTÃO DO GÊNERO se”. No contexto é um testamento filosófico,
entretanto é uma verdade sociológica – a maturidade
4.1 Feminismo e estudo de gênero em relação ao contexto social é aprendida, não
instintiva – e verdade nos estudos de gênero – a
Os estudos de gênero se iniciaram na década de feminilidade como uma aprendizagem social e cultural.
1960, na Europa e nos Estados Unidos, em que outros A filósofa Judith Butler analisa, de maneira
grupos sociais, como os negros e homossexuais, crítica, a dicotomia entre sexo e gênero. Para ela, os
também se organizavam para reivindicar o direito à corpos sexuados podem ser base para uma variedade de
diferença. gêneros e que o gênero não se limita apenas às duas
Nesses movimentos, embora as mulheres possibilidades usuais.
militassem da mesma forma que os homens, seu papel Esse desdobramento do conceito de gênero foi
era considerado secundário, com os homens nas dado nos anos 1990, através da teoria queer, que
funções de comando dentro da militância, o que levou questiona a normatividade heterossexual e ressalta o
à problematização das questões de gênero nesse "aspecto socialmente contingente e transformável dos
contexto. corpos e da sexualidade".
No Brasil os estudos de gênero, também Para Butler o gênero é uma performance que se
chamados de relações de gênero, emergem durante a dá em qualquer corpo, "portanto desconectado da ideia
década de 1970/80, em torno da problemática da de que a cada corpo corresponderia somente um
“condição feminina”. Inicialmente acreditava-se que gênero". Ela percebe o corpo da mesma forma que o
havia um problema da mulher, que deveria ser pensado gênero, como um construto cultural, ressaltando o
unicamente pelas mulheres, já que, durante séculos, os aspecto cultural/social da vinculação entre sexo e
homens as silenciaram e reprimiram. gênero.
Na década de 1980 os estudos sobre a Com a proposição de gênero como
"condição feminina" dão espaço aos estudos sobre as performance, Butler também vai solapar o peso
mulheres, já que não é possível falar de uma única metafísico da identidade (de gênero). Para ela, não há
condição feminina no Brasil e no mundo: há diferenças identidades que precedam o exercício das normas de
de classe, idade, raça/etnia, orientação sexual. No gênero, é o exercício mesmo que termina por criar as
entanto, permanece a referência a uma unidade normas.
biológica: todas as mulheres se reconheceriam pela
morfologia do sexo feminino (seios, vagina, útero). 4.2 Status legal
Na década de 1990 chega ao Brasil o conceito
de gênero para assinalar que as características e O sexo masculino ou feminino das pessoas
comportamentos que reputamos como naturais de um possui significância legal – sexo é indicado em
gênero são construções sociais e culturais e que, documentos legais, e leis agem diferentemente sobre
portanto, não podem ser interpretadas como homens e mulheres. Muitos sistemas de pensão
determinados por aspectos biológicos. possuem idades de aposentadoria diferentes para
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homens ou mulheres. O casamento é permitido Desse modo, destaca-se que a Suprema Corte
geralmente para casais de sexo opostos. foi instada a se manifestar acerca de um fato novo que
A questão que surge é sobre o que determina a cada dia se faz mais presente em na sociedade: a
alguém como masculino ou feminino. Na maioria dos identidade de gênero, ou seja, aquele com o qual a
casos isto pode parecer óbvio, mas a questão se pessoa se identifica, não havendo, necessariamente,
complica para pessoas intersexuais ou transgênero. correspondência com características físicas do
Jurisdições diferentes têm adotado respostas diferentes indivíduo.
para esta questão. Cuida-se em esclarecer que não se trata de
Praticamente todos os países permitem orientação sexual, uma vez que esta refere-se à opção
mudança do status legal de gênero nos casos de em se relacionar com outras pessoas, de mesmo sexo
intersexualidade, quando o gênero designado no ou não.
nascimento é considerado biologicamente incerto – Assim, um indivíduo do sexo masculino, que se
tecnicamente, entretanto, esta não é uma mudança de projeta e identifica com uma alma feminina, ou vice-
status por si. É um reconhecimento de um status que já versa, precisa ter sua proteção igualmente
existia, mas desconhecido, no nascimento. Nos últimos regulamentada por Direito. E mais, em caso de
tempos, jurisdições também têm provido de qualquer violação a direito da personalidade, precisa da
procedimentos para mudanças no gênero legal de eficaz atuação do Poder Judiciário.
pessoas transgêneros. E foi com o costumeiro acerto que o STF
O gênero designado, quando há indicações de entendeu que transexuais tenham seus direitos
que a genitália sexual pode não ser decisiva em casos respeitados, sob pena de ser estipulada indenização em
particulares é normalmente definida por uma série de caso de eventual violação.
condições, incluindo cromossomos e gônadas. Assim, A interpretação e a decisão da Corte Suprema
por exemplo, em muitas jurisdições uma pessoa com evidenciam que ninguém pode ser discriminado por
cromossomos XY mas com gônadas femininas pode uma escolha fundada no exercício do direito de
ser reconhecida como feminina no nascimento. diversidade para encontrar a perfeita adequação da
O Supremo Tribunal Federal iniciou dignidade humana, justamente para que se possa exigir
julgamento de recurso extraordinário em que se discutia os ditames de justiça tão proclamados nos dias atuais.
a reparação de danos morais a transexual que teria sido
constrangida por funcionário de “shopping center” ao 5. TROCAS CULTURAIS E CULTURAS
tentar utilizar banheiro feminino. HÍBRIDAS
O Ministro Roberto Barroso (relator) deu
provimento ao recurso extraordinário para que fosse No mundo globalizado em que vivemos, tendo
reformado o acórdão recorrido e restabelecida a nosso cotidiano invadido por situações e informações
sentença que condenara o estabelecimento a pagar provenientes dos mais diversos lugares, é possível
indenização de R$ 15 mil pela retirada da transexual do afirmar que há uma cultura “pura”? Até que ponto
banheiro. Além disso, propôs a seguinte tese para efeito chegou o processo de mundialização da cultura?
de repercussão geral: Em seu livro Culturas híbridas, o pensador
argentino Néstor Garcia Canclini analisa essas
questões. Lançando um olhar sobre a história, ele
declara que, até o século XIX, as relações culturais
ocorriam entre os grupos próximos, familiares e
vizinhos, com poucos contatos externos.
Os padrões culturais resultavam de tradições
transmitidas oralmente e por meio de livros, quando
alguém os tinha em casa, porque bibliotecas públicas
ou mesmo escolares eram raras.
Os valores nacionais eram quase uma
abstração, pois praticamente não havia a consciência de
uma escala tão ampla.
Já no século XIX e início do século XX, cresceu
“Os transexuais têm direito a serem tratados a possibilidade de trocas culturais, pois houve um
socialmente de acordo com a sua identidade de gênero, grande desenvolvimento dos meios de transporte, do
inclusive na utilização de banheiro de acesso público”. sistema de correios, da telefonia, do rádio e do cinema.
O Ministro Edson Fachin acompanhou o As pessoas passaram a ter contato com
relator, porém majorou a indenização para R$ 50 mil e situações e culturas diferentes. As trocas culturais
determinou a reautuação dos autos com o nome social efetivadas a partir de então ampliaram as referências
da recorrente. para avaliar o passado, o presente e o futuro.
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O mundo não era mais apenas o local em que também conflitos entre populações indígenas,
um grupo vivia. Tornou-se muito mais amplo, assim ajuntamentos de remanescentes de diferentes etnias.
como as possibilidades culturais.
A cultura nacional passou a ter determinada
constituição e os valores e bens culturais de vários
povos ou países cruzaram-se, com a consequente
ampliação das influências recíprocas.
No decorrer do século XX, com o
desenvolvimento das tecnologias de comunicação, o
cinema, a televisão e a internet tornaram-se
instrumentos de trocas culturais intensas, e os contatos
individuais e sociais passaram a ter não um, mas
múltiplos pontos de origem.
Desde então as trocas culturais são feitas em tal A história das populações indígenas no Brasil
quantidade que não se sabe mais a origem delas. desmente a imagem fantasiosa de povos cujo modo de
Elementos de culturas antes pouco conhecidas vida permaneceu o mesmo desde a chegada dos
aparecem com força em muitos lugares, ao mesmo europeus ao continente americano. Estudos
tempo. As expressões culturais dos países centrais, antropológicos, arqueológicos e linguísticos indicam
como os Estados Unidos e algumas nações da Europa, intensos processos de transformação, adaptação e
proliferam em todo o mundo. mudança entre as populações indígenas, processos dos
As culturas de países distantes ou próximos se quais temos apenas alguns vislumbres, já que as fontes
mesclam a essas expressões, construindo culturas para o estudo são raras ou inexistentes.
híbridas que não podem ser mais caracterizadas como Segundo a antropóloga luso-brasileira Manuela
de um país, mas como parte de uma imensa cultura Carneiro da Cunha (1943‑), à época da chegada (que
mundial. podemos qualificar como invasão) dos portugueses ao
Isso não significa que as expressões território que viria a ser o Brasil, havia aqui algo entre 1
representativas de grupos, regiões ou até de nações e 8,5 milhões de indígenas (as estimativas são muito
tenham desaparecido. Elas continuam presentes e imprecisas).
ativas, mas coexistem com essas culturas híbridas que Em 150 anos, acredita-se que até 95% dessa
atingem o cotidiano das pessoas por meios diversos, população tenha sido dizimada, seja por doenças
como a música, a pintura, o cinema e a literatura, espalhadas pelos europeus, seja pelo confronto direto,
normalmente fomentadas pela concentração crescente seja por guerras decorrentes dos deslocamentos
dos meios de comunicação. provocados pela colonização ou ainda pelos rigores do
Alguém poderia perguntar: Por que essas trabalho forçado.
formas particulares, grupais, regionais ou nacionais No início da colonização, os portugueses
deveriam existir no universo cultural mundial, já que mantiveram contatos relativamente amigáveis com os
vivemos num mundo globalizado? indígenas, mas logo passaram a escravizá-los,
Em seu livro Artes sob pressão: promovendo a obrigando-os a trabalhar. Entretanto, os indígenas
diversidade cultural na era da globalização, o sociólogo foram também aliados dos colonizadores nas lutas para
holandês Joost Smiers responde que assim haveria a conter ou expulsar franceses, holandeses e espanhóis,
possibilidade de uma diversidade cultural ainda maior e como uma “fronteira viva”, segundo afirma a
mais significativa; haveria uma democracia cultural de antropóloga brasileira Nadia Farage (1959‑).
fato à disposição de todos. Em suas palavras: “A Entre os séculos XVII e XVIII, prevaleceu o
questão central é a dominação cultural, e isso precisa ser modelo de catequização jesuítica, o que gerou conflitos
discutido com propostas alternativas para preservar e em torno do trabalho forçado e disputas políticas com
promover a diversidade no mundo” a Coroa portuguesa. Após a expulsão dos jesuítas em
1759, não havia vozes em defesa dos indígenas nem
6. ÍDIOS NO BRASIL contrários à ocupação de suas terras.
No século XIX, com o avanço da escravidão
Antes da chegada dos portugueses, o que viria a africana, o foco mudou: nesse momento interessavam
ser o Brasil era uma área densamente povoada por uma mais as terras do que o trabalho dos indígenas. Após
enorme diversidade de populações indígenas. Os séculos de opressão, em 1910 foi criado o Serviço de
processos levados a cabo por esse contato resultaram Proteção ao Índio (SPI), que em 1967 foi substituído
em grandes mudanças, como o avanço da mortalidade, pela Fundação Nacional do Índio (Funai).
a desestruturação de sociedades e sua dispersão, O Estado implantou uma política indigenista
grandes deslocamentos, que por sua vez produziram voltada para o “progresso”, pela qual os índios eram

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vistos como empecilho. Indígenas eram contatados


para serem realocados, e a seguir vinha o “progresso”
com estradas, tratores, cidades. Ao mesmo tempo,
grandes empreendimentos de catequização, como o dos
religiosos salesianos no alto Rio Negro, continuaram a
atuar, com base em aldeamentos, abandono de crenças
tradicionais, estudo formal e catequese.
Na década de 1980 consolidou-se um discurso
militarista contra os indígenas, vistos como ameaça à
segurança nacional por estarem em zonas fronteiriças. Um local denominado patrimônio mundial é
Entretanto, a Constituição de 1988 marcou uma virada reconhecido pela UNESCO (Organização das Nações
na percepção dos indígenas: foram deixadas de lado as Unidas para a Educação, Ciência e Cultura) como tendo
iniciativas de “civilizá-los” e formulados artigos que importância mundial para a preservação dos
reconhecem o direito de suas populações à posse da patrimónios históricos e naturais de diversos países.
terra e à conservação de seus costumes e tradições. As entidades que procedem à identificação e
Hoje, segundo o Instituto Socioambiental classificação de certos bens como relevantes para a
(ISA), há no Brasil cerca de 240 povos indígenas, cultura de um povo, de uma região ou mesmo de toda
falantes de mais de 180 línguas diferentes. De acordo a humanidade, visam também a salvaguarda e a
com dados do Censo 2010 do IBGE, somam 817 963 proteção desses bens, de forma que cheguem
pessoas, das quais 502 783 vivem em áreas rurais. devidamente preservados às gerações vindouras, e que
Correspondem a 0,42% da população brasileira. possam ser objeto de estudo e fonte de experiências
emocionais para todos aqueles que os visitem ou deles
7. PATRIMÔNIO CULTURAL usufruam.
A UNESCO promoveu em 1972 um tratado
Patrimônio cultural é o conjunto de todos internacional denominado Convenção sobre a proteção
os bens, materiais ou imateriais, que, pelo do património mundial, cultural e natural visando
seu valor próprio, devem ser considerados de interesse promover a identificação, a proteção e a preservação do
relevante para a permanência e a património cultural e natural de todo o mundo,
identidade da cultura de um povo. considerado especialmente valioso para a humanidade.
Patrimônio é tudo aquilo que nos pertence. É a Como complemento desse tratado foi aprovada
nossa herança do passado e o que construímos hoje. É em 2003 uma nova convenção, desta vez
obrigação de todos nós, preservar, transmitir e deixar especificamente sobre o património cultural imaterial.
todo esse legado, às gerações vindouras. A Constituição Federal de 1988 estabelece:
Do património cultural fazem parte bens
imóveis tais como castelos, igrejas, casas, conjuntos “Artº 216 Constituem patrimônio cultural
urbanos, e ainda locais dotados de expressivo valor para brasileiro os bens de natureza material e imaterial,
a história, a arqueologia, a paleontologia e a ciência em tomados individualmente ou em conjunto, portadores
geral. de referência à identidade, à ação, à memória dos
diferentes grupos formadores da sociedade brasileira,
nos quais se incluem:
I - as formas de expressão;
II - os modos de criar, fazer e viver;
III - as criações científicas, artísticas e
tecnológicas;
IV - as obras, objetos, documentos, edificações
e demais espaços destinados às manifestações artístico-
culturais;
V - os conjuntos urbanos e sítios de valor
histórico, paisagístico, artístico, arqueológico,
paleontológico, ecológico e científico.”

Para além de signatário da Convenção sobre a


Nos bens móveis incluem-se, por proteção do património mundial, cultural e natural e da
exemplo, pinturas, esculturas e artesanato. Nos bens Convenção sobre o património cultural imaterial, a
imateriais considera-se a literatura, a música, o folclore, proteção dos bens culturais em território brasileiro está
a linguagem e os costumes. garantida pela Lei Federal nº 25, de 30 de Novembro
de 1937 que define as regras do "tombamento"

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(inventariação) dos bens pertencentes ao "Patrimônio Inclui também expressões urbanas recentes,
Histórico e Artístico Nacional", bem como a proteção como os grafites, o hip-hop e os sincretismos musicais
que esses bens ficam sujeitos no sentido da sua oriundos do interior ou das grandes cidades, o que
preservação e conservação. demonstra haver constante criação e recriação no
No sentido do apoio ao património cultural é universo cultural de base popular. Nesse universo quem
ainda a Constituição Federal no seu artº216 faculta aos cria é o povo, nas condições possíveis. A palavra folclore
Estados e ao Distrito Federal vincular a fundo estadual (do inglês folklore, junção de folk, “povo”, e lore, “saber”)
de fomento à cultura até cinco décimos por cento de significa “discurso do povo”, “sabedoria do povo” ou
sua receita tributária líquida, para o financiamento de “conhecimento do povo”.
programas e projetos culturais.
O órgão nacional encarregado de promover a
proteção patrimonial é o IPHAN - Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, criado
em 1937.
Segundo estudo da Universidade Federal de
Viçosa, 100% das edificações brasileiras de relevância
histórica, principalmente igrejas e casarões, estão
ameaçadas pelos cupins, carunchos, traças, brocas e
outros insetos xilófagos. Segundo o professor e
engenheiro florestal Norivaldo dos Anjos, “se não
forem tomadas medidas urgentes e eficazes, o país
perderá, no máximo em 50 anos, os acervos dos séculos Para examinar criticamente essa diferenciação,
17, 18 e 19, que guardam a memória e atraem turismo”. voltemos ao termo cultura, agora segundo a análise do
pensador brasileiro Alfredo Bosi.
8. CULTURA ERUDITA E POPULAR De acordo com Bosi, não há no grego uma
palavra específica para cultura, há, sim, uma palavra que
A separação entre cultura popular e erudita, se aproxima desse conceito, que é paideia, “aquilo que se
com a atribuição de maior valor à segunda, está ensina à criança”, “aquilo que deve ser trabalhado na
relacionada à divisão da sociedade em classes, ou seja, é criança até que ela se transforme em adulta”.
resultado e manifestação das diferenças sociais. A palavra cultura vem do latim e designa “o ato
Há, de acordo com essa classificação, uma de cultivar a terra”, “de cuidar do que se planta”, ou
cultura identificada com os segmentos populares e seja, é o trabalho de preparar o solo, semear e fazer tudo
outra, superior, identificada com as elites. para que uma planta cresça e dê frutos.
Cultura está assim vinculada ao ato de trabalhar,
a determinada ação, seja a de ensinar uma criança, seja
a de cuidar de um plantio. Se pensarmos nesse sentido
original, todos têm acesso à cultura, pois todos podem
trabalhar.
Para escrever um romance, é preciso trabalhar
uma narrativa; para fazer uma toalha de renda, uma
música, uma mesa de madeira ou uma peça de
mármore, é necessário trabalhar.
Para Bosi, isso é cultura. E é por essa razão que
os produtos culturais gerados pelo trabalho chamam-se
A cultura erudita abrangeria expressões obras, que vem de opus, derivado do verbo operar, ou seja,
artísticas como a música clássica de padrão europeu, as é o processo de fazer, de criar algo.
artes plásticas — escultura e pintura —, o teatro e a Se uma pessoa compra um livro, um disco, um
literatura de cunho universal. quadro ou uma escultura, vai ao teatro ou a exposições,
Esses produtos culturais, como qualquer adquire, mas não produz cultura, ou seja, ela pode
mercadoria, podem ser comprados e, em alguns casos, possuir ou ter acesso aos bens culturais gerados pelo
até deixados de herança como bens físicos. trabalho, sem produzi-los.
A chamada cultura popular encontra expressão Esses bens servem para proporcionar deleite e
nos mitos e contos, danças, música — de sertaneja a prazer, e são usados por algumas pessoas para afirmar
cabocla —, artesanato rústico de cerâmica ou de e mostrar que “possuem cultura”, quando são apenas
madeira e pintura; corresponde, enfim, à manifestação consumidoras de uma mercadoria como qualquer outra.
genuína de um povo. Mas não se restringe ao que é Não ter acesso a esses bens não significa, portanto, não
tradicionalmente produzido no meio rural. ter cultura.
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Há em muitos países órgãos públicos que Ele afirmou ainda que as ideias dominantes em
procuram desenvolver ações para “conservar a cultura qualquer época são sempre as de quem domina a vida
popular original”, com certo receio de que ela não material e, portanto, a vida intelectual.
resista ao avanço da indústria cultural. Marx desenvolveu a concepção de que a
Ora, os produtos culturais são criados em ideologia é a inversão da realidade, no sentido de
determinadas condições, remodelando-se reflexo, como na câmara fotográfica, em que a imagem
continuamente, como ocorre com as festas, as músicas, aparece “invertida”. Contrapondo-se a muitos autores
as danças, o artesanato e outras tantas manifestações. que acreditavam que as ideias transformavam e
Nesse sentido, é necessário analisar a cultura definiam a realidade, Marx afirmava que a existência
como processo, como ato de trabalho no tempo que social condicionava a consciência dos indivíduos sobre
não se extingue. A criação cultural não morre com seus a situação em que viviam.
autores, e basta que o povo exista para que ela Assim, para Marx, as ideologias não são meras
sobreviva. ilusões e aparências — e muito menos o fundamento
Entenda-se aqui povo não como uma massa da história —, mas são uma realidade objetiva e atuante.
amorfa e homogênea de oprimidos submissos, mas No mesmo livro de Marx, pode-se encontrar a
como um conjunto de indivíduos, com ideias próprias explicação de que a ideologia é resultante da divisão
e capacidade criativa e produtiva, que resiste muitas entre o trabalho manual e o intelectual. O trabalho
vezes silenciosamente, sobretudo por meio da intelectual esteve nas mãos da classe dominante e,
produção cultural, como seus cantos e festas. assim, à medida que pôde “emancipar-se” da realidade
A cultura é alguma coisa que se faz, e não concreta em que foi produzido e se transformar em
apenas um produto que se adquire. É por isso que não teoria pura, pôde também transformar-se em teoria
tem sentido comparar cultura popular com cultura geral para todas as sociedades, sem levar em conta a
erudita. Quando afirmamos que ter cultura significa ser história de cada uma delas.
superior e não ter cultura significa ser inferior, utilizamos Essa emancipação das ideias é muito bem
a condição de posse de cultura como elemento para exemplificada por Marx. Ele se refere a um indivíduo
diferenciação social e imposição de uma superioridade que afirmava que os homens só se afogavam porque
que não existe. Isso é ideologia. estavam possuídos pela ideia de gravidade. Se
abandonassem essa ideia, estariam livres de qualquer
9. IDEOLOGIA afogamento. Marx não diz se esse homem foi bem
sucedido na luta contra a ilusão de gravidade nem se
O termo ideologia foi utilizado inicialmente tentou testar sua teoria.
pelo pensador francês Destutt de Tracy (1754-1836), Émile Durkheim, ao discutir a questão da
em seu livro Elementos de ideologia (1801), no sentido de objetividade científica em seu livro As regras do método
“ciência da gênese das ideias”. Tracy procurou elaborar sociológico (1895), afirma que, para ser o mais preciso
uma explicação para os fenômenos sensíveis que possível, o cientista deve deixar de lado todas as pré-
interferem na formação das ideias, ou seja, a vontade, a noções, as noções vulgares, as ideias antigas e pré-
razão, a percepção e a memória. científicas e as ideias subjetivas. São essas ideias que ele
Um segundo sentido de ideologia, o de “ideia entende por ideologia, ou seja, o contrário de ciência.
falsa” ou “ilusão”, foi utilizado por Napoleão Karl Mannheim (1893-1947) talvez seja o
Bonaparte num discurso perante o Conselho de Estado, sociólogo depois de Marx que mais tenha influenciado
em 1812. Napoleão afirmou nesse discurso que seus a discussão sobre ideologia. No livro Ideologia e utopia
adversários, que questionavam e perturbavam a sua (1929), ele conceitua duas formas de ideologia: a
ação governamental, eram apenas metafísicos, pois o particular e a total.
que pensavam não tinha conexão com o que estava A particular corresponde à ocultação da
acontecendo na realidade, na história. realidade, incluindo mentiras conscientes e
Auguste Comte (1798-1857), em seu Curso de ocultamentos subconscientes e inconscientes, que
filosofia positiva (1830-1842), retomou o sentido de provocam enganos ou mesmo autoenganos. A
ideologia utilizado por Tracy — o de estudo da ideologia total é a visão de mundo (cosmovisão) de uma
formação das ideias, partindo das sensações (relação do classe social ou de uma época. Nesse caso, não há
corpo com o meio) — e acrescentou outro, o de ocultamento ou engano, apenas a reprodução das ideias
conjunto de ideias de determinada época. próprias de uma classe ou ideias gerais que permeiam
Karl Marx também não apresentou uma única toda a sociedade.
definição de ideologia. No livro A ideologia alemã (1846), Para Mannheim, as ideologias são sempre
ele se referiu à ideologia como um sistema elaborado de conservadoras, pois expressam o pensamento das
representações e de ideias que correspondem a formas classes dominantes, que visam à estabilização da ordem.
de consciência que os homens têm em determinada Em contraposição, ele chama de utopia o que pensam as
época. classes oprimidas, que buscam a transformação.
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10. CULTURA E IDEOLOGIA identificar formas culturais que impõem e fazem que
aceitemos como normal, como verdade que sempre
10.1 Dominação e controle existiu e não pode ser questionada, um conjunto de
regras não escritas nem ditas.
Ao analisar a cultura e a ideologia, vários Ele usa a palavra grega doxa (que significa
autores procuram demonstrar que não se podem “opinião”) para designar esse tipo de pensamento e
utilizar esses dois conceitos separadamente, pois há prática social estável, tradicional, em que o poder
uma profunda relação entre eles, sobretudo no que diz aparece como natural. Dessa ideia nasce o que Bourdieu
respeito ao processo de dominação nas sociedades define como a naturalização da história, condição em
capitalistas. que os fatos sociais, independentemente de ser bons ou
O pensador italiano ruins, passam por naturais e tornam-se uma “verdade”
Antônio Gramsci (1891-1937) para todos.
analisa essa questão com base no Um exemplo evidente é a dominação masculina,
conceito de hegemonia (palavra de vista em nossa sociedade como algo “natural”, já que as
origem grega que significa mulheres são “naturalmente” mais fracas e sensíveis e,
“supremacia”, “preponderância”) portanto, devem se submeter aos homens. E todos
e no que ele chama de aparelhos de aceitam essa ideia e dizem que “isso foi, é e será sempre
hegemonia. assim”.
Por hegemonia pode-se Bourdieu declara que é pela cultura que os
entender o processo pelo qual uma classe dominante dominantes garantem o controle ideológico,
consegue fazer que o seu projeto seja aceito pelos desenvolvendo uma prática cuja finalidade é manter o
dominados, desarticulando a visão de mundo autônoma distanciamento entre as classes sociais.
de cada grupo potencialmente adversário. Assim, existem práticas sociais e culturais que
Isso é feito por meio dos aparelhos de distinguem quem é de uma classe ou de outra: os
hegemonia, que são práticas intelectuais e organizações “cultos” têm conhecimentos científicos, artísticos e
no interior do Estado ou fora dele (livros, jornais, literários que os opõem aos “incultos”. Isso é resultado
escolas, música, teatro, etc.). Nesse sentido, cada de uma imposição cultural (violência simbólica) que
relação de hegemonia é sempre pedagógica, pois define o que é “ter cultura”.
envolve uma prática de convencimento, de ensino e A violência simbólica ocorre de modo claro no
aprendizagem. processo educacional. Quando entramos na escola, em
Para Gramsci, uma classe se torna hegemônica seus diversos níveis, devemos obedecer sempre a um
quando, além do poder coercitivo e policial, utiliza a conjunto de regras e absorver um conjunto de saberes
persuasão, o consenso, que é desenvolvido mediante predeterminados, aceitos como o que se deve ensinar.
um sistema de ideias muito bem elaborado por Essas regras e esses saberes não são questionados e
intelectuais a serviço do poder, para convencer a normalmente não se pergunta quem os definiu.
maioria das pessoas, até as das classes dominadas. Adorno e Horkheimer procuraram analisar a
Por esse processo, cria-se uma “cultura relação entre cultura e ideologia com base no conceito
dominante efetiva”, que deve penetrar no senso comum de indústria cultural. Apresentaram esse conceito em
de um povo, com o objetivo de demonstrar que a forma 1947, no texto A indústria cultural: o esclarecimento como
como aquele que domina vê o mundo é a única possível. mistificação das massas. Nele, afirmavam que o conceito
A ideologia não é o lugar da ilusão e da de indústria cultural permitia explicar o fenômeno da
mistificação, mas o espaço da dominação, que não se exploração comercial e a vulgarização da cultura, como
estabelece somente com o uso legítimo da força pelo também a ideologia da dominação.
Estado, mas também pela direção moral e intelectual da A preocupação básica era com a emergência de
sociedade como um todo, utilizando os elementos empresas interessadas na produção em massa de bens
culturais de cada povo. culturais, como qualquer mercadoria (roupas,
Mas Gramsci aponta também a possibilidade de automóveis, sabonetes, etc.), visando exclusivamente
haver um processo de contra-hegemonia, desenvolvido ao consumo, tendo como fundamentos a lucratividade
por intelectuais orgânicos, vinculados à classe e a adesão incondicional ao sistema dominante.
trabalhadora, na defesa de seus interesses. Eles apontaram a possibilidade de
Contrapondo-se à inculcação dos ideais homogeneização das pessoas, grupos e classes sociais;
burgueses por meio da escola, dos meios de esse processo atingiria todas as classes, que seriam
comunicação de massa, etc., eles combatem nessas seduzidas pela indústria cultural, pois esta coloca a
mesmas frentes, defendendo outra forma de “pensar, felicidade imediatamente nas mãos dos consumidores
agir e sentir” na sociedade em que vivem. mediante a compra de alguma mercadoria ou produto
O sociólogo francês Pierre Bourdieu cultural.
desenvolveu o conceito de violência simbólica para
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Cria-se assim uma subjetividade uniforme e, por abstração, a televisão, para Sartori, “inverte o progredir
isso, massificada. Nos mais diversos filmes de ação, do sensível para o inteligível, virando-o em um piscar
somos tranquilizados com a promessa de que o vilão de olhos para um retorno ao puro ver. Na realidade, a
terá um castigo merecido. Tanto nos sucessos musicais televisão produz imagens e apaga os conceitos; mas
quanto nos filmes, a vida parece dizer que tem sempre desse modo atrofia a nossa capacidade de abstração e
as mesmas tonalidades e que devemos nos habituar a com ela toda a nossa capacidade de compreender”.
seguir os compassos previamente marcados. Dessa Então, o Homo sapiens está sendo substituído
forma, sentimo-nos integrados numa sociedade pelo Homo videns, ou seja, o que importa é a imagem, é
imaginária, sem conflitos e sem desigualdades. o ver sem entender.
A diversão, nesse sentido, é sempre alienante,
conduz à resignação e em nenhum momento nos instiga
a refletir sobre a sociedade em que vivemos.
A indústria cultural transforma as atividades de
lazer em um prolongamento do trabalho, promete ao
trabalhador uma fuga do cotidiano e lhe oferece, de
maneira ilusória, esse mesmo cotidiano como paraíso.
Por meio da sedução e do convencimento, a
indústria cultural vende produtos que devem agradar ao
público, não para fazê-lo pensar com informações
novas que o perturbem, mas para propiciar-lhe uma
fuga da realidade. Tal fuga, segundo Adorno, faz que o 11. INDUSTRIA CULTURAL NO BRASIL
indivíduo se aliene, para poder continuar aceitando com O desenvolvimento da indústria cultural no
um “tudo bem” a exploração do sistema capitalista. Brasil ocorreu paralelamente ao desenvolvimento
econômico e teve como marco a introdução do rádio,
10.2 Televisão e cotidiano na década de 1920, da televisão, na década de 1950, e,
recentemente, nos anos 1990, da internet.
Entre todos os meios de comunicação, a
televisão é o mais forte agente de informações e de
entretenimento, embora pesquisas recentes já
demonstrem que ela pode ser desbancada pela internet
na massificação da informação.
Preocupado com o que a televisão vem fazendo
em termos culturais, o cientista social italiano Giovanni
Sartori, em seu livro Homo videns (2001), reflete sobre Os outros campos da indústria cultural, como
esse meio de comunicação. Retomando a história das cinema, jornais e livros, não são tão expressivos quanto
comunicações, ele destaca o fato de que as civilizações a televisão e o rádio. O cinema atinge, no máximo, 10%
se desenvolveram quando a transmissão de da população e pouco mais de 20% dos brasileiros têm
conhecimento passou da forma oral para a escrita. acesso às produções escritas (livros, revistas e jornais).
A televisão, nascida em meados do século XX, A primeira transmissão de rádio no Brasil
como o próprio nome indica (tele-visão = “ver de ocorreu em 1922, inaugurando uma fase de
longe”), criou um elemento completamente novo, em experimentação, voltada principalmente para atividades
que o ver tem preponderância sobre o ouvir. não comerciais.
A voz dos apresentadores é secundária, pois é Hoje, muitas rádios são acessadas pela internet,
subordinada às imagens que comenta e analisa. As o que significa uma nova forma de recepção dos
imagens contam mais do que as palavras. Nisso o programas. Essa união do rádio com a internet
indivíduo volta à sua condição animal. propiciou às emissoras uma nova forma de chegar a
A televisão nos dá a possibilidade de ver tudo públicos variados, com notícia ou música.
sem sair do universo local. Assim, para Sartori, além de Em vários lugares do mundo, desde as
um meio de comunicação, a televisão é um elemento primeiras décadas do século XX, o rádio foi utilizado
que participa da formação das pessoas e pode gerar um como um instrumento de dominação e reprodução
novo tipo de ser humano. Essa afirmação está baseada ideológica e de sustentação do poder central. Isso
na observação de que as crianças, em várias partes do aconteceu nos Estados Unidos, no Canadá, no Japão e
mundo, passam muitas horas diárias vendo televisão em países europeus. O mesmo ocorreu no Brasil,
antes de saber ler e escrever. especialmente sob o governo autoritário de Getúlio
Isso dá margem a um novo tipo de formação, Vargas e no período ditatorial instalado de 1964 a 1985.
centralizado na capacidade de ver. Se o que nos torna
diferentes dos outros animais é nossa capacidade de
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Hoje, aproximadamente 85% das emissoras Foi a partir de 1964, no entanto, com o início
comerciais em operação no Brasil estão em mãos de do regime militar, que a interferência do Estado na
políticos de carreira que usam as transmissões de televisão aumentou de forma quantitativa e qualitativa.
acordo com os interesses próprios e dos As telecomunicações foram consideradas estratégicas
patrocinadores. Estes pressionam, por exemplo, para pelos militares, pois serviriam de instrumento para
que sua empresa não seja relacionada a alguma notícia colocar em prática a política de desenvolvimento e
que a prejudique. integração nacional.
A indústria de discos (CDs) também faz pressão Eles fizeram os investimentos necessários em
para que seus produtos sejam agraciados com mais infraestrutura para viabilizar a ampliação da abrangência
tempo de execução. Isso significa que os programas da televisão e aumentaram seu poder na programação
musicais ou jornalísticos das rádios não são por meio de novas regulamentações, forte censura e
independentes, pois estão vinculados aos interesses políticas culturais normativas.
pessoais dos proprietários das emissoras, dos Nesse período as redes de televisão — que eram
patrocinadores ou da indústria fonográfica. privadas — obedeciam fielmente às determinações do
São, assim, as rádios comunitárias, públicas e Estado (que tinha o poder de conceder e retirar
mesmo as piratas que criam espaços radiofônicos concessões quando bem entendesse), cumprindo à risca
alternativos e podem desenvolver uma programação o que mandava o governo militar. Os programas
sem as limitações e os constrangimentos mencionados. transmitidos passavam a impressão de que o governo
era legítimo e vivíamos numa democracia. A maior
11.1 A televisão brasileira beneficiária desse modelo foi a Rede Globo.
Fundada em 1965, cresceu rapidamente,
A televisão chegou ao Brasil no início da década apoiada nas relações amistosas com o regime militar,
de 1950, quando o jornalista Assis Chateaubriand em sintonia com o incremento do mercado de
inaugurou a primeira emissora brasileira, a TV Tupi, de consumo. Internamente, contava com uma equipe de
São Paulo. No início, a emissora contava com a produção e administração preocupada em otimizar o
assessoria de técnicos estadunidenses e com marketing e a propaganda. O programa de maior
profissionais oriundos das redes de rádio. audiência foi a telenovela, que se tornou um “produto
cultural brasileiro”, criado por um grupo de artistas e
diretores nascidos no cinema e no teatro.
O modelo de televisão estabelecido pela
ditadura sobreviveu ao regime militar e ganhou ainda
mais poder. Com o fim do regime, as emissoras
continuaram atendendo aos governos seguintes,
sempre dando a impressão de ser livres e democráticas.
A televisão converteu-se, enfim, em fonte de poder
político.
As relações entre o Estado e as emissoras
Em seguida à implantação da TV Tupi, foram modificaram-se na década de 1990, quando os
inauguradas a TV Paulista, em 1952, a Record de São investimentos públicos diminuíram, a censura foi
Paulo, em 1955, a TV Itacolomi de Belo Horizonte e a abolida e o mercado se alterou com a introdução da
TV Rio, em 1958. transmissão a cabo.
Isso não significou, entretanto, uma grande
expansão junto ao público: em 1960, apenas 4,6% dos 11.1.1 A programação da televisão.
domicílios brasileiros possuíam um aparelho de
televisão, a maioria deles no Sudeste, o que A televisão é, no Brasil, o meio de comunicação
correspondia a 12,44% dos domicílios da região. com presença mais marcante, sendo o principal veículo
Ao longo dos mais de cinquenta anos de história de difusão cultural e de informação. Apesar de o rádio
da televisão no Brasil, o Estado, por intermédio dos ter maior abrangência, principalmente por causa do
sucessivos governos, influiu diretamente nessa baixo custo e do pequeno porte dos aparelhos, a
indústria. Sempre deteve o poder de conceder e televisão atinge quase a totalidade do território nacional.
cancelar concessões, mas nunca deixou de estimular as Os produtos que ela desenvolve de alguma
emissoras comerciais. forma definem o que é importante e o que não é, ou
Nas décadas de 1950 e 1960, o poder público seja, o gosto, a sexualidade, a opção política, o desejo
contribuiu de forma substancial para o crescimento da de consumo e outros sentimentos são promovidos
televisão mediante empréstimos concedidos por bancos prioritariamente pela televisão comercial.
públicos a emissoras privadas. A influência da televisão pode ser facilmente
constatada nas conversas do dia a dia, nas quais se
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observa a frequente adoção de gírias, expressões e


gracejos criadas por personagens dos programas de
maior audiência.
Essa influência é bastante preocupante, pois
existem graves problemas relacionados à informação e
à formação de opinião. Há, por exemplo, programas de
crônica urbana e policial nos quais julgamentos são
feitos sem nenhuma possibilidade de revisão.
Alguns deles apresentam e analisam (sem
pesquisar) os fatos, e normalmente formulam um
veredicto para os casos policiais, ou seja, fazem
Como vimos, a indústria cultural no Brasil
julgamento precipitado e muitas vezes errado. Outros
desenvolveu boa parte de sua trajetória à sombra de
reconstituem casos policiais (assassinatos,
governos autoritários ou sob regras rígidas, que não
normalmente) não resolvidos.
permitiram sua democratização até os dias de hoje, mas
Os produtores desse tipo de programa fazem
sempre houve brechas nas quais se pôde veicular
um trabalho de detetives e, por meio de delações,
conteúdos críticos e de boa qualidade.
conseguem “resolver” casos considerados impossíveis.
Autores e atores, jornalistas e comentaristas
Não se sabe se resolvem de fato ou não; só
demonstraram, por meio de filmes, novelas e debates,
chega ao conhecimento do telespectador o que o
que não há espaço totalmente controlado. A própria
programa afirma que aconteceu.
concorrência entre os meios de comunicação muitas
E o jornalismo? Os programas desse gênero
vezes propicia a veiculação de produtos que instigam a
pouco informam, já que as notícias precisam ser rápidas
reflexão sobre a situação nacional.
e, quase sempre, variadas: um terremoto na China, uma
Nesse processo, a internet caracteriza-se como
festa no Haiti, um campeonato esportivo na Espanha,
um meio que proporciona uma liberdade sem igual.
uma situação inusitada na Venezuela, um ato
Pode-se dizer, assim, que existe um potencial de
governamental no Brasil.
liberdade em cada meio de comunicação e,
Situações completamente diferentes aparecem
principalmente, na internet, que nenhum sistema de
com a mesma importância e como se estivessem
dominação pode conter ou calar.
acontecendo no mesmo momento e num mesmo lugar,
deslocando-se a historicidade dos fatos para um mundo
e sequência que não existem.

Os programas de domingo, para comentar um


último exemplo, são de qualidade tão deplorável que só
reforçam a ideia de Theodor Adorno de que o
entretenimento é utilizado para anestesiar a capacidade
das pessoas de pensar e refletir sobre a vida e as
condições reais de existência.

11.2 A inclusão digital

O caminho mais rápido e tranquilo para a


democratização dos meios de comunicação de massa
no Brasil ainda é o desenvolvimento da internet. É
necessário, no entanto, que o acesso a esse meio seja
ampliado de modo significativo. Isso feito, poderemos
ter um canal diferenciado de informação e cultura.

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ANTROPOLOGIA BRASILEIRA pensamento teve grande relevância. E também enormes


efeitos práticos, provavelmente afetando a história da
A partir de meados do século XX, a maioria dos brasileiros.
Antropologia concentrou seu interesse nas populações A política de imigração do período, influenciada
marginalizadas das sociedades nacionais. No Brasil não por esse olhar pessimista e preconceituoso sobre a
foi diferente: a Antropologia construiu um acervo de população do país, adotou medidas de incentivo à
conhecimento sobre populações indígenas, negras, imigração europeia: imaginava-se, assim, “branquear” o
camponesas, entre outras. Brasil. Essa tentativa de “branqueamento” foi uma
Ao contrário das antropologias norte- resposta à ideia de que a população brasileira,
americana, inglesa e francesa, a antropologia brasileira majoritariamente composta por indígenas, negros e
preocupou-se basicamente em estudar o próprio país. mestiços, não poderia construir um país desenvolvido.
Apenas muito recentemente os antropólogos brasileiros Assim, temos até as décadas de 1920 e 1930 um
começaram a estudar a diferença em contextos fora do predomínio de perspectivas evolucionistas,
Brasil. principalmente as que atrelavam noções de
Durante praticamente todo o século XX, o superioridade a determinadas raças ou criticavam
principal interesse foi explicar o Brasil, observando as qualquer tipo de mestiçagem.
populações marginalizadas do país e também as A partir dos anos 1930, tem início no Brasil uma
populações urbanas de classe média e as elites. gradual profissionalização das Ciências Sociais, entre
elas a Antropologia. São referências nesse processo a
1. Os primeiros tempos Universidade de São Paulo (USP) e a Escola de
Sociologia e Política de São Paulo, que concentraram
Até a década de 1930, o conhecimento professores estrangeiros como os franceses Claude
antropológico era produzido por intelectuais ainda não Lévi-Strauss e Roger Bastide (1898-1974), os
formados na área, pois essa formação acadêmica só alemães Emilio Willems (1905-1997) e Herbert
passou a existir em 1933, na Escola de Sociologia e Baldus (1899-1970) e o norte-americano Donald
Política de São Paulo, e em 1934, na Universidade de Pierson (1900-1995).
São Paulo (USP). No Rio de Janeiro, o pernambucano Gilberto
Na época, o principal interesse (permanente por Freyre (1900-1987) assumiu em 1935 a primeira cátedra
um bom tempo) era a formação da sociedade brasileira. de Antropologia na Universidade do Distrito Federal,
Como dominavam as ideias evolucionistas e o depois Universidade do Brasil. Em 1939, o alagoano
darwinismo social, a questão para muitos intelectuais Arthur Ramos (1903-1949) ocupou a cátedra de
era qual seria o povo formador do Brasil ou como Antropologia na mesma universidade, que depois se
formar um país com a população existente. tornaria a Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Entre os principais intelectuais brasileiros do Havia um predomínio da influência norte-
período estavam Sílvio Romero (1851-1914), americana, com o início de um intercâmbio entre
Euclides da Cunha (1866-1909), Nina Rodrigues docentes vindos dos Estados Unidos e antropólogos
(1866-1906), Oliveira Vianna (1883-1951) e o poeta brasileiros, fazendo prevalecer nesse momento uma
Gonçalves Dias (1823-1864), para quem a população perspectiva cultural, atrelada à ideia de aculturação.
indígena, além de “inferior”, estava em decadência. Uma questão importante era a integração das
Nesse momento, os estudos sobre indígenas populações imigrantes à vida nacional, daí a
brasileiros eram predominantemente realizados por preocupação com a “aculturação”, ideia derivada do
estudiosos alemães, fato que guarda certa semelhança conceito de cultura de Franz Boas e desenvolvida por
com a influência de Franz Boas sobre os estudos alguns de seus alunos.
antropológicos nos Estados Unidos. Esse foi também um período de grandes teorias
Um dos principais antropólogos a estudar as sobre a formação do Brasil, como as de Gilberto Freyre.
populações indígenas do Brasil foi Karl von den O autor pernambucano afirmava ter sido muito
Steinen (1855-1929), que, como Boas, havia sido influenciado por Boas, de quem foi aluno na
influenciado pelo etnólogo Adolf Bastian (1826-1905). Universidade de Columbia, nos Estados Unidos.
Esses autores, com diferentes abordagens, viam A novidade desse momento foi a inversão
a população brasileira do ponto de vista da hierarquia dramática das hierarquias raciais e do pessimismo em
racial. Esse olhar resultou numa visão pessimista do relação ao povo brasileiro que caracterizara o período
Brasil: com uma população predominantemente anterior.
“inferior”, seria impossível construir um país Para Gilberto Freyre, a mestiçagem brasileira
desenvolvido. Embora tais ideias pareçam deslocadas era justamente o trunfo de uma nova civilização luso-
hoje em dia, naquele momento histórico, entre o final tropical. Além da perspectiva de Freyre, estudos de
do século XIX e o começo do século XX, esse tipo de Arthur Ramos e Roger Bastide, entre outros, romperam

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com a tradição racializada adotando um tom sociedades como totalidades integradas, a exemplo dos
formalmente não racista. estudos de Malinowski e Radcliffe-Brown.
Também em relação ao que era então chamado
2. Antropologia e cultura popular de “folclore”, ou seja, as manifestações culturais das
camadas populares da sociedade, esse período de
Outra tendência marcante da antropologia transição foi marcado por uma renovação funcionalista.
brasileira é exemplificada no conjunto de trabalhos Se boa parte dos trabalhos anteriores sobre o assunto
conhecidos como “estudos de comunidade”. Nas era meramente descritiva e preocupada em relacionar as
décadas de 1950 e 1960, muitos antropólogos se práticas a antigas heranças culturais, os novos estudos
dedicaram a estudar, como vinham fazendo em tinham como foco a mudança social.
comunidades indígenas, pequenas cidades ou vilas Na década de 1960, Florestan Fernandes e
caracterizadas por uma transição entre ruralidade e Octavio Ianni produziram trabalhos em que a cultura
urbanidade. popular deixava de ser um “vestígio” do passado e
Esses intelectuais buscavam descrever aquelas passava a ser vista como manifestação legítima da
comunidades como totalidades integradas e tendiam a cultura de camadas populares, em processo de
desprezar as conexões entre elas e o restante da atualização e modificação em consequência da
sociedade nacional. Partindo da mesma tradição norte- urbanização e modernização do país.
americana que influenciava a antropologia brasileira, A partir da década de 1960, começou a crescer
esses estudos demarcaram outra característica relevante o número de cientistas sociais no Brasil, o que resultou
ao pensamento social da época: uma preocupação com numa produção de conhecimento mais sistemática e
o desenvolvimento. mais informada por modelos teóricos reconhecidos.
Cidades como Cunha (SP), Itapetininga (SP), Foram deixados para trás o “ensaísmo”
Cruz das Almas (RJ) e Rio das Contas (BA), entre várias intelectual do começo do século e a fase de transição
outras, foram objeto de estudo, alguns deles (de 1930 a 1960), marcada ainda por um pequeno
coordenados por antropólogos norte-americanos, número de pesquisadores. A Antropologia realizada a
como Charles Wagley (1913-1991), ex-aluno de Boas. partir de 1960 destacou novos objetos de pesquisa. Em
A mudança cultural era o interesse central lugar das comunidades isoladas, entraram em cena o
desses estudos, dos quais muitos resultaram de projetos campesinato, os assalariados rurais, os trabalhadores
maiores, que objetivavam compor uma análise ampla da urbanos, as frentes de expansão, a migração do campo
sociedade brasileira, uma espécie de mosaico ou para a cidade e a vida nas favelas.
panorama que revelasse as relações entre cultura As abordagens teóricas também se
popular e urbanização, campo e cidade, atraso e diversificaram segundo as diferentes linhas de formação
desenvolvimento. dos antropólogos, ganhando destaque o estruturalismo
Os estudos de comunidade podem ser francês e as teorias da etnicidade e do contato
relacionados aos estudos de aculturação, já que as duas interétnico, de inspiração inglesa e norte-americana.
perspectivas se preocupavam com os processos de
transformação social, associados às diferenças culturais. 3. A Consolidação da antropologia brasileira
De um lado, foco nas culturas populares rurais;
de outro, foco nas populações de imigrantes em suas A partir dos anos 1960, ganham destaque
próprias “comunidades”. A questão central era a antropólogos como Roberto Cardoso de Oliveira
transformação social e cultural pela qual passava a (1928-2006), Roberto DaMatta (1936-), Darcy
sociedade brasileira, numa urbanização crescente, a Ribeiro (1922-1997), Eunice Durham (1932-),
culminar com o desenvolvimento industrial a partir da Gilberto Velho (1954-2012), entre outros, todos
década de 1960. formados pela geração anterior.
Esses intelectuais respondiam a questões da Os objetos de estudo abrangem uma variação
mesma ordem que os intelectuais do período anterior: de interesses cada vez maior: a Antropologia se volta
queriam entender a população brasileira nos contextos para temas diversos na cidade, no campo e entre as
das suas transformações. populações indígenas.
Entre as décadas de 1930 e de 1960, também Duas preocupações ainda são marcantes: os
foram feitos no Brasil estudos de caráter funcionalista. efeitos da urbanização e da industrialização e as
Principalmente em relação às populações indígenas, o populações em situação marginal. Entretanto, a
foco passou a ser o estudo do funcionamento das modernização do Brasil altera a situação dos
sociedades. camponeses, que passam a encontrar novas formas de
O paulista Florestan Fernandes e o trabalho assalariado no campo. O deslocamento para as
catarinense Egon Schaden (1913-1991), por exemplo, cidades produz novos coletivos desfavorecidos
desenvolveram trabalhos que buscavam analisar as socialmente, como os moradores de favelas e periferias
urbanas.
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As populações indígenas são fortemente populações indígenas que viviam em relativo


afetadas pelo avanço da sociedade nacional sobre seus isolamento.
territórios ancestrais. Também a questão do gênero e da Nesses trabalhos, o foco eram os processos de
discriminação das mulheres passa a ser objeto de transformação das sociedades afetadas pela expansão
reflexão antropológica. Antigos temas, como as do capitalismo no Brasil. Seus estudos seguiram
relações raciais, continuam importantes, ainda que sob orientações variadas, tanto inglesas (a partir do trabalho
novas perspectivas. de Florestan Fernandes) como francesas, com
Uma diferença marcante em relação ao período influência do estruturalismo de Lévi-Strauss.
anterior, ligada ao uso mais sistemático da categoria Na década de 1970 interessou-se pela
“etnicidade”, é que os antropólogos não mais identidade étnica; nos anos 1980 passou a discutir a
imaginavam que populações como as indígenas (ou epistemologia da Antropologia e publicou textos sobre
quilombolas, entre outras) seriam inevitavelmente a história da disciplina antropológica.
“aculturadas” ou “incorporadas” à sociedade nacional. Considerado um dos fundadores da
A perspectiva anterior mais parecia um lamento antropologia brasileira pelo destaque de suas atividades
pela inevitabilidade do desaparecimento de certas docentes e institucionais, influenciou gerações de
sociedades e de suas diferenças e especificidades, antropólogos com suas ideias sobre fricção interétnica,
quando colocadas em contato ou confronto com a identidade étnica e epistemologia da Antropologia.
sociedade nacional. Partindo do interesse pelo contato interétnico,
O foco das preocupações gradualmente se os estudos passaram a observar a política interna das
transforma: não mais se olha para essas populações do populações indígenas, profundamente afetadas pelo
ponto de vista do Estado nacional, mas sim do ponto contato com o homem branco. Os processos que
de vista das próprias sociedades. Entretanto, esse levaram populações indígenas a se urbanizar foram
movimento ainda se direcionava ao entendimento da também examinados. Como já vimos, o conceito de
sociedade nacional, para a qual, segundo afirmava etnicidade se refere sempre à diferenciação entre grupos
Roberto Cardoso de Oliveira, o indígena, por exemplo, colocados em contraste.
aparecia como “um incômodo”. A noção de etnia possibilitou aos antropólogos
Nascido na cidade de São desse período uma reflexão sistemática sobre as
Paulo, Roberto Cardoso de populações em estudo: permitiu entender as relações
Oliveira graduou-se em Filosofia raciais, as populações indígenas, os imigrantes e seus
pela USP, em 1953. Mais tarde, descendentes.
voltou seus estudos para as Ciências Nos estudos da antropologia indígena (também
Sociais, tendo completado seu conhecida no Brasil como “etnologia” indígena)
doutorado em 1966, sob a cresceu a influência do trabalho de Lévi-Strauss, e tanto
orientação de Florestan Fernandes. os mitos como os rituais passaram a ser objeto de
Logo após sua formatura, foi convidado por análise sistemática. Nesse contexto, a antropologia
Darcy Ribeiro para trabalhar no Serviço de Proteção ao brasileira passa a buscar uma dimensão mais
Índio (SPI), depois transformado em Fundação abrangente, refletindo sobre o avanço do capitalismo
Nacional do Índio (Funai). Ali trabalhou no Museu do no universo rural e a emergência de um proletariado
Índio, onde se aproximou da Antropologia. Sob a rural, entre outros temas. Estudos com foco mais
influência de Darcy Ribeiro e das teorias de assimilação restrito também foram conduzidos, mudando o
cultural, em 1955 fez sua primeira experiência de campo interesse de estudos de comunidade para estudos em
entre os Terena (grupo indígena de Mato Grosso do comunidade, focando aspectos como religiosidade,
Sul), que resultou no livro O processo de assimilação dos hábitos alimentares, etc.
Terena, publicado em 1960. A dimensão que corresponderia a uma estrutura
A partir de 1958 ingressou no Museu Nacional, social clássica (como em Radcliffe-Brown) perde
onde iniciou um trabalho sistemático de ensino de espaço quando a Antropologia foca as populações não
Antropologia social. Criou cursos de formação que se indígenas: fica cada vez mais difícil considerar
tornaram o embrião da pós-graduação em Antropologia comunidades como isoladas ou fechadas, ou seja, como
do Museu Nacional, hoje um dos principais do Brasil. supostas unidades de análise. Entretanto, assim como a
Criou depois o programa de pós-graduação em Antropologia do começo do século XX e a do final do
Antropologia na Universidade de Brasília (UnB) e século XIX, a Antropologia do período de
doutorado em Ciências Sociais na Universidade de institucionalização acadêmica (quando se criam os
Campinas (Unicamp). Na década de 1960, coordenou programas de pós-graduação) continua comprometida
vários projetos dedicados ao estudo do que chamava de em entender e explicar a sociedade brasileira.
“fricção interétnica”, ou seja, a tensão gerada pelo Diferenças de outros tipos, como as existentes
avanço da sociedade nacional aos territórios de entre pobres e ricos, mulheres e homens, homossexuais

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e heterossexuais, também demandavam novos universos diferentes, como por exemplo o


conceitos e novas análises. estreitamento de conexões “sul-sul”, ou seja, entre
A partir da década de 1970, o conceito de países não desenvolvidos ou em desenvolvimento.
identidade passou a ser uma referência principalmente Assim, o século XXI é marcado pela
nos contextos citados acima e nos casos em que essas internacionalização e pela circulação da antropologia
demarcações e diferenças coexistiam em um mesmo brasileira.
contexto. Por exemplo, as relações urbanas em que as
diferenças de renda e de etnia estão presentes, 3.1 Explicando a sociedade brasileira
suscitaram o uso do conceito de identidade em
conjunto com o de etnicidade. A explicação da sociedade nacional foi e
Dos anos 1980 em diante, o que marca a continua sendo uma característica da antropologia
antropologia brasileira é justamente essa grande brasileira. Gilberto Freyre inaugurou essa tradição com
variedade de olhares sobre as diferenças: estudos sobre seus estudos sobre a família e a produção agrícola no
relações de gênero, sobre opções sexuais e identidade, Nordeste brasileiro, recorrendo a explicações
sobre identidade de grupos urbanos, sobre antigas e culturalistas que indicavam uma especificidade da
novas religiões. colonização portuguesa, que teria gerado um país
O número de antropólogos formados menos preconceituoso que os demais.
aumentou exponencialmente. Na década de 1950, uma Para Freyre, o fato de Portugal ser ele mesmo
reunião da Associação Brasileira de Antropologia reunia um país mestiço, devido à ancestral presença moura
cerca de sessenta pessoas, nos dias de hoje congrega (árabe), possibilitou a criação de um modelo de
mais de 2.500 pessoas. colonização menos racializado. No final do século XX,
Num universo tão maior, é claro que os objetos essa tradição foi revisitada por dois importantes
de pesquisa serão cada vez mais variados. As influências autores: Darcy Ribeiro e Roberto DaMatta.
do mundo contemporâneo também se fazem sentir: Em seu livro O povo
estudos sobre relações sociais na internet, sobre novas brasileiro (1995), Darcy Ribeiro
tecnologias reprodutivas, sobre novos campos da (1922-1997) pretende explicar a
ciência, etc. gênese da especificidade brasileira,
Outra característica da Antropologia mais a um só tempo diversa e
recente foi o crescimento vertiginoso da antropologia semelhante, etnicamente variada e
urbana (que veremos a seguir) em detrimento da misturada de inúmeras maneiras,
tradicional antropologia indígena. Podemos dizer que mas sentindo-se como uma única
dois campos se constituíram, inclusive com nomes etnia.
diferentes: os cientistas que estudam indígenas se dizem Essencialmente otimista,
etnólogos, enquanto os que realizam pesquisas urbanas Darcy oferece uma perspectiva
chamam-se antropólogos. pós-freyriana, destacando a beleza do povo brasileiro.
Em alguns momentos, a antropologia urbana se O livro é uma descrição de toda a história do Brasil do
confunde com uma sociologia urbana, e é comum a ponto de vista da formação de sua população.
circulação de pesquisadores nos dois campos. Natural de Minas Gerais, Darcy foi
Essa “massificação” da Antropologia gerou antropólogo, político e escritor. Ficou conhecido por
novas perspectivas teóricas na etnologia brasileira, evidenciar a sua preocupação com o índio e a educação
francamente críticas à ideia do contato interétnico. brasileira. Dedicou-se e desenvolveu trabalhos nas áreas
Segundo essas críticas, a ideia do contato remete da educação, sociologia e antropologia. Sua principal
sempre à sociedade nacional, pois faz do contato (e do obra é O povo brasileiro, publicada em 1995, onde trata
branco) o agente principal da análise da vida dos da formação histórica do povo brasileiro.
indígenas. Para esses etnólogos, a compreensão das Darcy Ribeiro destacou a importância do
sociedades indígenas deve fundamentar-se nos termos indígena, do crioulo, do vaqueiro, do matuto e do
dos próprios grupos indígenas, analisando suas caipira, procurando mostrar a importância deles no
cosmologias e modos de ver o mundo não pelo viés e âmbito da formação da Nação, desde o período
pelos termos e modelos da “sociedade dos brancos”. colonial. O autor também procurou mostrar a
Embora em termos numéricos a Etnologia sociedade brasileira desde o Brasil colônia até o império.
tenha diminuído em relação à antropologia urbana, em Ele verificou a existência de uma sociedade dual, onde
termos de impacto internacional a ordem é inversa: a constatou a existência da exploração confirmada na
etnologia brasileira teve e ainda tem impacto relação senhor de engenho e escravo presente na
internacional muito maior. Por outro lado, está em produção açucareira.
curso um avanço das relações entre as diversas Enquanto intelectual de esquerda, com
antropologias nacionais: os antropólogos brasileiros influência marxista, o autor denunciou a exploração no
têm circulado mais e se empenhado em conectar Brasil nos períodos de colonização, império e república.
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No seu ponto de vista, havia um grave problema, entre Nesse contexto, a população negra passou a
outros, que é o fato de a população mestiça não ter sido representar um problema para as elites brancas: o que
integrada ao processo de cidadania. fazer com os negros livres, libertos e com os mestiços?
Em sua última obra, Darcy Ribeiro estabeleceu Essa pergunta foi respondida tanto com base no
as matrizes culturais da formação étnica do povo darwinismo social adaptado à realidade brasileira (que
brasileiro e, através de uma explicação histórico- via os negros e mestiços como entraves ao
antropológica ele procurou tornar compreensível como desenvolvimento) como a partir das teorias mais
foi a autoconstrução do brasileiro, ou seja, o modo otimistas da miscigenação, segundo as quais, com o
como o Brasileiro fez a si mesmo para sermos o que tempo e se fosse evitada a entrada de mais negros no
somos. O autor também fez a separação do Brasil em Brasil, o país lentamente “embranqueceria”.
cinco “Brasis” diferentes, isto é, o Brasil sertanejo, o Um dos principais pensadores desse período foi
crioulo, o caipira, o caboclo e o sulino. o médico-legista baiano Nina Rodrigues da Escola de
Dessas comunidades se projetaram os grupos Medicina de Salvador.
constitutivos de todas as áreas socioculturais brasileiras, Influenciado pelas teorias eugênicas (relativo à
desde as velhas zonas açucareiras do litoral e os currais eugenia, ciência que estuda as condições mais propícias
de gado do interior até os núcleos mineiros do centro à reprodução e melhoramento genético da espécie
do país, os extrativistas da Amazônia e os pastoris do humana) do século XIX, Nina Rodrigues acreditava que
extremo sul. o negro era um contaminador da nação. Ainda assim,
Cobrindo milhares de quilômetros, essa desenvolveu pesquisas sobre a cultura negra na Bahia.
expansão – por vezes lentas e dispersa como a pastoril, Nesse momento, as pesquisas procuravam
por vezes intensa e nucleada como a mineradora – foi conectar as expressões da cultura negra com suas
multiplicando matrizes, basicamente uniformes, por origens na África, numa perspectiva evolucionista e
todo o futuro território brasileiro. racializada.
Apesar de tão insignificantes, de fato O período viu nascerem algumas explicações
disseminaram-se como uma enfermidade, gerais sobre o Brasil, pensado como nação. Uma dessas
contaminando a indianidade circundante, desfazendo- explicações, contudo, transformava a miscigenação em
as e refazendo-as como ilhas civilizatórias. Só muito vantagem civilizatória.
depois começaram a comunicar-se regularmente umas Gilberto Freyre, em seu livro Casa-Grande e
com as outras, através dos imensos espaços desertos Senzala, publicado em 1933, afirmava que a
que a separavam. especificidade na civilização brasileira eram as relações
Entretanto, embora o autor tenha procurado sociais harmônicas, sem os conflitos permanentes que
estabelecer uma legítima preocupação para com a existiam em outros lugares. Influenciado por Franz
formação do povo brasileiro, demonstrando todo o Boas, o autor pernambucano recusou o discurso do
processo de desenvolvimento da sociedade, ele darwinismo social e destacou o Brasil como uma
verificou uma devastação racial e cultural. Mas oi espécie de paraíso racial. Essa tendência durou até as
possível gerar a civilização tropical brasileira, a qual, décadas de 1920 e 1930.
para Gilberto Freyre, é herança da colonização O alagoano Arthur Ramos foi outro
portuguesa. intelectual que se dedicou ao estudo das populações
Porém, para Darcy Ribeiro, essa civilização negras, na década de 1940. Acreditava que tínhamos
tropical não está ligada à cultura nativa, nem à relações raciais menos tensas que as norte-americanas e
civilização européia, pois é fruto da forte miscigenação via o Brasil como uma espécie de laboratório de
de etnias. civilização menos preconceituosa.
Mais uma vez, contrapondo Gilberto Freyre,
Darcy Ribeiro refere-se às muitas raças presentes no
Brasil e que vivem em relativa harmonia, porém não vê
nisto uma democracia racial.

4. Antropologia e relações raciais

O tema do “negro” ganhou destaque no século


XIX com o processo de abolição da escravatura, que
teve início em 1850, com a proibição do tráfico
negreiro, avançou com a Lei do Ventre Livre, em 1871,
seguida pela Lei dos Sexagenários, em 1885, e,
finalmente, com a abolição da escravidão, em 1888 (em Afirmava também que até aquele momento as
algumas províncias a abolição ocorreu antes de 1888). reflexões sobre as relações raciais no Brasil eram
ensaísticas, isto é, ideias sem comprovação científica

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que as legitimasse. Quando assumiu o departamento de o tema, o que traz novas perspectivas para o estudo das
Ciências Sociais da UNESCO, em 1949, Arthur Ramos relações raciais.
propôs à entidade um programa de estudos sobre as Em 2012, o Supremo Tribunal Federal (STF)
relações raciais no Brasil. decidiu por unanimidade que a introdução de cotas
Esse programa, que ficou conhecido como raciais no acesso às universidades públicas federais não
Programa Unesco, marcou o pensamento sobre as viola a Constituição da República.
relações raciais brasileiras entre as décadas de 1950 e A introdução dessa medida reacendeu o debate
1970. sobre as relações raciais no país. Num campo repleto de
Sob a influência do movimento negro brasileiro disputas políticas, vemos antropólogos e cientistas
e contando com uma série de estudos comparativos sociais se posicionando a favor e contra as políticas de
realizados com base em métodos reconhecidos (como cotas. E as discussões giram justamente em torno das
o trabalho de campo, a produção de surveys e a análise especificidades das relações raciais no Brasil.
de estatísticas), desenhou-se um novo cenário sobre as Aqueles que são contrários afirmam que as
relações raciais brasileiras. cotas vão alterar para pior as relações raciais, levando
O projeto deixou claro que a democracia racial para o caminho norte-americano; os que são favoráveis
era um mito: a realidade brasileira não se configurava argumentam que uma mitologia da democracia racial
como um paraíso racial. Negros e mestiços deve se tornar realidade na prática cotidiana das
continuavam a ser discriminados, tinham menos populações discriminadas, e as cotas seriam um passo
oportunidades de trabalho e condições de vida nessa direção.
inferiores às dos brancos.
Por outro lado, essas novas pesquisas 5. Antropologia urbana
evidenciaram também que as relações raciais no Brasil
eram diferentes das de outros contextos, marcando uma A partir do fim dos anos 1960 a cidade e suas
comparação, até hoje importante, com o sistema racial diferentes populações passaram a constituir um novo
norte-americano. campo de análise para a antropologia brasileira. Essa
No Brasil, o preconceito ficou conhecido como mudança de foco pode ser explicada pela crescente
“de marca”, ou “de cor”, ou seja, manifesta-se com base urbanização do país e também pelo desejo de
em uma gradação da cor da pele, é bastante flexível e compreender e explicar o Brasil.
variável conforme a região do país. É diferente do Entretanto, para muitos estudiosos, os estudos
preconceito “de origem”, característico do sistema de comunidade da década de 1940 já seriam
norte-americano, em que basta ter um ascendente negro antecessores de uma antropologia urbana,
para ser considerado negro, independentemente da cor especialmente por terem sido inspirados pela Escola de
da pele. Sociologia de Chicago, que já nas décadas de 1920 e
O Projeto Unesco marcou também uma 1930 empreendia verdadeiras etnografias urbanas.
divergência entre a sociologia e a antropologia As diferenças que interessavam à Antropologia
brasileiras quanto às relações raciais. As pesquisas estavam agora na cidade, muito próximas dos
conduzidas em São Paulo, principalmente, deram antropólogos. Entretanto, essa proximidade ocasionava
origem a um grupo de estudiosos que ficou conhecido algumas questões importantes: se a experiência urbana
como “Escola Paulista de Sociologia”, que tendia a ver de populações vindas do campo, ou mesmo de negros
nas relações raciais um problema a ser dissolvido num e mestiços, era de certa forma similar à dos próprios
sistema de classes sociais. antropólogos, como fazer Antropologia? A
As perspectivas antropológicas, por outro lado, Antropologia não era o estudo dos “diferentes”?
preocupadas com a cultura negra, perdiam espaço para Ao olhar para realidades tão próximas, a
uma discussão marxista sobre classes sociais. Ou seja, o Antropologia passou a pensar em como transformar o
ponto de vista dos marxistas prevaleceu nesse período. similar em exótico. Ou seja, pensar aqueles que se
Apesar dessas discordâncias, a Antropologia assemelhavam aos antropólogos como se fossem
continuou a produzir conhecimento sobre a cultura “estranhos”. Esse foi o lema da antropologia urbana
negra, principalmente sobre a religião afro-brasileira, brasileira: transformar o semelhante e parecido em
grande tema de pesquisa desde o final do século XIX. diferente e, a partir daí, fazer Antropologia.
Dos anos 1980 até os dias atuais, a Antropologia Esse deslocamento possibilitou o estudo das
tem voltado a estudar as relações raciais, principalmente experiências urbanas de populações desfavorecidas e
a partir da noção de identidade. logo se mostrou útil para pensar também a experiência
As políticas de reafricanização — valorização da urbana das camadas médias e altas da sociedade
herança africana entre a juventude negra —, por brasileira.
exemplo, têm sido analisadas por antropólogos. A A Antropologia passou a se interessar também
grande diferença é que cresceu muito o número de pelo contexto de vida em que estavam imersos os
antropólogos negros fazendo trabalho de campo sobre
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próprios antropólogos: no caso, principalmente as centros de pesquisa e linhas de pesquisa em programas


camadas médias urbanas. de pós-graduação.
O mesmo movimento possibilitou ainda que a Em termos gerais, a noção de gênero busca
proximidade fosse vista como objeto de análise em pensar a relação entre homens e mulheres como
outras dimensões além das de diferença de renda: relacional e flexível (ou seja, homem e mulher são
antropólogas feministas passaram a estudar a opressão categorias que variam, não descrições de uma realidade
da mulher, antropólogos e antropólogas homossexuais biológica). Essa é uma forma de desnaturalizar a relação
passaram a estudar as relações de gênero e as diversas entre homens e mulheres, historicamente comandada
sexualidades, antropólogos negros se dedicaram a por determinações biológicas.
estudar as relações raciais, e assim por diante. Os termos usados são “masculinidade” e
O movimento fundamental de “tornar exótico” “feminilidade”, pois descrevem estilos e processos
aquilo que é próximo tornou possível uma antropologia diferentes conforme o contexto: isto é, existem
urbana também militante e que de forma geral se diferentes “masculinidades” e diferentes
aproxima dos movimentos sociais. Essa antropologia “feminilidades”.
assumiu uma feição prática, de luta política em favor Uma derivação dos estudos de gênero são os
dos direitos de populações discriminadas. que tratam de “identidades sexuais”, marcando também
Não por acaso, esse momento da antropologia uma luta política de antropólogos homossexuais em
brasileira coincide com o desenvolvimento dos busca de reconhecimento de direitos e no combate à
movimentos sociais no Brasil. discriminação.
Como precursores da antropologia urbana Esses trabalhos questionam aquilo que
brasileira podemos destacar Gilberto Velho, no Rio de denominam “heteronormatividade”, ou seja, a visão de
Janeiro, e Eunice Durham e Ruth Cardoso (1930-2008), que o normal e o correto seriam as relações
em São Paulo. heterossexuais (entre homens e mulheres). Tais estudos
O trabalho clássico de Eunice Durham, A produzem uma desnaturalização das relações tidas
caminho da cidade (1973), reflete sobre a migração a partir como normais, abrindo espaço para que outras relações
da vivência dos migrantes e dos significados que eles (como as homoafetivas) sejam consideradas legítimas.
atribuem a esse processo. Esse estudo tem inspiração Como vimos, a antropologia brasileira
funcionalista, com grande influência de Florestan contemporânea apresenta um leque extenso e variado
Fernandes. de preocupações, assim como a Sociologia e a Ciência
Posteriormente, Eunice Durham e Ruth Política praticadas no Brasil contemporâneo.
Cardoso desenvolveram, em conjunto, estudos sobre Quanto à especificidade da antropologia
movimentos sociais. Gilberto Velho também foi urbana, a passagem das diferenças “distantes” para as
pioneiro ao estudar as classes médias urbanas no Rio de diferenças “próximas” é uma característica importante.
Janeiro, fazendo uma antropologia muito influenciada
pela escola de Chicago.
Em todos esses trabalhos, o processo de
urbanização e industrialização da década de 1970
aparecia como pano de fundo, tanto na constituição de
novas classes populares como de novas classes médias.
Mais recentemente, a antropologia urbana tem
se dedicado a uma variedade enorme de temas, entre os
quais se destacam a violência nas periferias — também
resultado da urbanização desordenada e do crime
organizado, principalmente o tráfico de drogas; o lazer
das classes populares; as diferentes “tribos urbanas” —
como punks, vegetarianos, skinheads estudos sobre
doença e saúde; sobre sexual dade e gênero; entre
outros.
As discussões sobre sexualidade e relações de
gênero ganharam dimensões políticas importantes, num
contexto marcado pela discriminação e pela violência
contra mulheres, homossexuais e travestis.
O debate sobre as relações de gênero,
relacionado com o desenvolvimento de lutas feministas
no Brasil, ganhou destaque a partir da década de 1970,
sendo integrado à Antropologia através da criação de

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QUESTÕES ENEM Histórico Artístico Nacional) como patrimônio


imaterial, pois representa
1. (ENEM 2010) Populações inteiras, nas cidades e na A) uma técnica culinária com valor comercial e
zona rural, dispõem da parafernália digital global como atratividade turística.
fonte de educação e de formação cultural. Essa B) um símbolo da vitalidade dessas mulheres e de suas
simultaneidade de cultura e informação eletrônica com comunidades.
as formas tradicionais e orais é um desafio que necessita C) uma manifestação artística antiga e de abrangência
ser discutido. A exposição, via mídia eletrônica, com nacional.
estilos e valores culturais de outras sociedades, pode D) um modo de fazer e viver ligado a uma identidade
inspirar apreço, mas também distorções e étnica e regional.
ressentimentos. Tanto quanto há necessidade de uma E) uma fusão de ritos das diferentes heranças e
cultura tradicional de posse da educação letrada, tradições religiosas do país.
também é necessário criar estratégias de alfabetização
eletrônica, que passam a ser o grande canal de 3. (ENEM 2012)
informação das culturas segmentadas no interior dos Minha vida é andar
grandes centros urbanos e das zonas rurais. Um novo Por esse país
modelo de educação. Pra ver se um dia
BRIGAGÃO, C. E.; RODRIGUES, G. A globalização a olho nu:
o mundo conectado. São Paulo: Moderna, 1998 (adaptado).
Descanso feliz
Com base no texto e considerando os impactos Guardando as recordações
culturais da difusão das tecnologias de informação no Das terras onde passei
marco da globalização, depreende-se que Andando pelos sertões
A) a ampla difusão das tecnologias de informação nos E dos amigos que lá deixei
centros urbanos e no meio rural suscita o contato entre GONZAGA, L.; CORDOVIL. H. A vida de viajante, 1953.
diferentes culturas e, ao mesmo tempo, traz a Disponível em: www.recife.pe.gov.br. Acesso em: 20 fev. 2012.
necessidade de reformular as concepções tradicionais A letra dessa canção reflete elementos identitários que
de educação. representam a
B) a apropriação, por parte de um grupo social, de A) valorização das características naturais do Sertão
valores e ideias de outras culturas para benefício nordestino.
próprio é fonte de conflitos e ressentimentos. B) denúncia da precariedade social provocada pela seca.
C) as mudanças sociais e culturais que acompanham o C) experiência de deslocamento vivenciada pelo
processo de globalização, ao mesmo tempo em que migrante.
refletem a preponderância da cultura urbana, tornam D) profunda desigualdade social entre as regiões
obsoletas as formas de educação tradicionais próprias
brasileiras.
do meio rural.
E) discriminação dos nordestinos nos grandes centros
D) as populações nos grandes centros urbanos e no
meio rural recorrem aos instrumentos e tecnologias de urbanos.
informação basicamente como meio de comunicação
mútua, e não os veem como fontes de educação e 4. (ENEM 2013)
cultura. TEXTO I
E) a intensificação do fluxo de comunicação por meios Ela acorda tarde depois de ter ido ao teatro e à dança;
eletrônicos, característica do processo de globalização, ela lê romances, além de desperdiçar o tempo a olhar
está dissociada do desenvolvimento social e cultural que para a rua da sua janela ou da sua varanda; passa horas
ocorre no meio rural. no toucador a arrumar o seu complicado penteado; um
número igual de horas praticando piano e mais outras
2. (ENEM PPL 2012) O Ofício das Baianas de Acarajé na sua aula de francês ou de dança.
constitui um bem cultural de natureza imaterial, inscrito Comentário do Padre Lopes da Gama acerca dos costumes
no Livro dos Saberes em 2005, que consiste em uma femininos (1839) apud SILVA, T. V. Z. Mulheres, cultura e
prática tradicional de produção e venda, em tabuleiro, literatura brasileira. Ipotasi – Revista de Estudos Literários. Juiz
das chamadas comidas de baiana, feitas com azeite de de Fora, v. 2. n. 2, 1998.
dendê e ligadas ao culto dos orixás, amplamente TEXTO II
disseminadas na cidade de Salvador, Bahia. As janelas e portas gradeadas com treliças não eram
Disponível em: http://portal.iphan.gov.br. Acesso em: 29 fev. cadeias confessas, positivas; mas eram, pelo aspecto e
2012 (adaptado).
O texto contém a descrição de um bem cultural que foi pelo seu destino, grandes gaiolas, onde os pais e
reconhecido pelo IPHAN (Instituto do Patrimônio maridos zelavam, sonegadas à sociedade, as filhas e as
esposas.

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MACEDO, J. M. Memórias da Rua do Ouvidor (1878). Manifestações culturais como o carnaval também têm
Disponível em: www.dominiopublico.gov.br. Acesso em: 20 maio sua própria história, sendo constantemente
2013 (adaptado). reinventadas ao longo do tempo. A atuação das
A representação social do feminino comum aos dois Grandes Sociedades, descrita no texto, mostra que o
textos é o(a) carnaval representava um momento em que as
a) submissão de gênero, apoiada pela concepção a) distinções sociais eram deixadas de lado em nome da
patriarcal de família. celebração.
b) acesso aos produtos de beleza, decorrência da b) aspirações cosmopolitas da elite impediam a
abertura dos portos. realização da festa fora dos clubes.
c) ampliação do espaço de entretenimento, voltado às c) liberdades individuais eram extintas pelas regras das
distintas classes sociais. autoridades públicas.
d) proteção da honra, mediada pela disputa masculina d) tradições populares se transformavam em matéria de
em relação às damas da corte. disputas sociais.
e) perseguições policiais tinham caráter xenófobo por
e) valorização do casamento cristão, respaldado pelos
repudiarem tradições estrangeiras.
interesses vinculados à herança.
7. (ENEM 2013)
5. (ENEM 2013) Seguiam-se vinte criados TEXTO I
custosamente vestidos e montados em soberbos Ela acorda tarde depois de ter ido ao teatro e à dança;
cavalos; depois destes, marchava o Embaixador do Rei ela lê romances, além de desperdiçar o tempo a olhar
do Congo magnificamente ornado de seda azul para para a rua da sua janela ou da sua varanda; passa horas
anunciar ao Senado que a vinda do Rei estava destinada no toucador a arrumar o seu complicado penteado; um
para o dia dezesseis. Em resposta obteve repetidas vivas número igual de horas praticando piano e mais outras
do povo que concorreu alegre e admirado de tanta na sua aula de francês ou de dança.
grandeza. Comentário do Padre Lopes da Gama acerca dos costumes
Coroação do Rei do Congo em Santo Amaro, Bahia apud DEL femininos (1839) apud SILVA, T. V. Z. Mulheres, cultura e
PRIORE, M. Festas e utopias no Brasil colonial. In: CATELLI literatura brasileira. Ipotasi – Revista de Estudos Literários. Juiz
JR, R. Um olhar sobre as festas populares brasileiras. São Paulo: de Fora, v. 2. n. 2, 1998.
Brasiliense, 1994 (adaptado). TEXTO II
Originária dos tempos coloniais, as festas da Coroação As janelas e portas gradeadas com treliças não eram
do Rei do Congo evidencia um processo de cadeias confessas, positivas; mas eram, pelo aspecto e
a) exclusão social. pelo seu destino, grandes gaiolas, onde os pais e
b) imposição religiosa. maridos zelavam, sonegadas à sociedade, as filhas e as
c) acomodação política. esposas.
d) supressão simbólica. MACEDO, J. M. Memórias da Rua do Ouvidor (1878).
e) ressignificação cultural. Disponível em: www.dominiopublico.gov.br. Acesso em: 20 maio
2013 (adaptado).
6. (ENEM 2013) No final do século XIX, as Grandes A representação social do feminino comum aos dois
Sociedades carnavalescas alcançaram ampla textos é o(a)
popularidade entre os foliões cariocas. Tais sociedades a) submissão de gênero, apoiada pela concepção
cultivavam um pretensioso objetivo em relação à patriarcal de família.
comemoração carnavalesca em si mesma: com seus b) acesso aos produtos de beleza, decorrência da
desfiles de carros enfeitados pelas principais ruas da abertura dos portos.
cidade, pretendiam abolir o entrudo (brincadeira que c) ampliação do espaço de entretenimento, voltado às
consistia em jogar água nos foliões) e outras práticas distintas classes sociais.
difundidas entre a população desde os tempos d) proteção da honra, mediada pela disputa masculina
coloniais, substituindo-os por formas de diversão que em relação às damas da corte.
consideravam mais civilizadas, inspiradas nos carnavais e) valorização do casamento cristão, respaldado pelos
de Veneza. Contudo, ninguém parecia disposto a abrir interesses vinculados à herança.
mão de suas diversões para assistir ao carnaval das 8. (ENEM 2013) A recuperação da herança cultural
sociedades. O entrudo, na visão dos seus animados africana deve levar em conta o que é próprio do
praticantes, poderia coexistir perfeitamente com os processo cultural: seu movimento, pluralidade e
desfiles. complexidade. Não se trata, portanto, do resgate
PEREIRA, C.S. Os senhores da alegria: a presença das mulheres ingênuo do passado nem do seu cultivo nostálgico, mas
nas Grandes Sociedades carnavalescas cariocas em fins do século
XIX. In: CUNHA, M.C.P. Carnavais e outras festas: ensaios de de procurar perceber o próprio rosto cultural brasileiro.
história social da cultura. Campinas: Unicamp; Cecult, 2002 O que se quer é captar seu movimento para melhor
(adaptado). compreendê-lo historicamente.

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MINAS GERAIS: Cadernos do Arquivo 1: Escravidão em Minas A) possui um grande apelo de público.
Gerais. Belo Horizonte: Arquivo Público Mineiro, 1988. B) simboliza uma região de relevância social.
Com base no texto, a análise de manifestações culturais C) contém uma pluralidade de gêneros musicais.
de origem africana, como a capoeira ou o candomblé, D) reflete um gosto fonográfico de camadas pobres.
deve considerar que elas E) representa uma diversidade de costumes populares.
a) permanecem como reprodução dos valores e
costumes africanos. 11. (ENEM PPL 2014)
b) perderam a relação com o seu passado histórico. Maria da Penha
c) derivam da interação entre valores africanos e a Você não vai ter sossego na vida, seu moço
experiência histórica brasileira. Se me der um tapa
d) contribuem para o distanciamento cultural entre Da dona “Maria da Penha”
negros e brancos no Brasil atual. Você não escapa
O bicho pegou, não tem mais a banca
e) demonstram a maior complexidade cultural dos
De dar cesta básica, amor
africanos em relação aos europeus. Vacilou, tá na tranca
Respeito, afinal, é bom e eu gosto
9. (ENEM PPL 2013) O antropólogo americano [...]
Marius Barbeau escreveu o seguinte: sempre que se Não vem que eu não sou
cante a uma criança uma antiga de ninar; sempre que se Mulher de ficar escutando esculacho
use uma canção, uma adivinha, uma parlenda, uma rima Aqui o buraco é mais embaixo
de contar, no quarto das crianças ou na escola; sempre A nossa paixão já foi tarde
que ditos e provérbios, fábulas, histórias bobas e contos [...]
populares sejam representados; aí veremos o folclore Se quer um conselho, não venha
em seu próprio domínio, sempre em ação, vivo e Com essa arrogância ferrenha
mutável, sempre pronto a agarrar e assimilar novos Vai dar com a cara
elementos em seu caminho. Bem na mão da “Maria da Penha”
UTLEY, F. L. Uma definição de folclore. In: BRANDÃO, C. R. ALCIONE. De tudo o que eu gosto. Rio de Janeiro: Indie;
O que é folclore. São Paulo: Brasiliense, 1984 (adaptado). Warner, 2007.
O texto tem como objeto a construção da identidade A letra da canção faz referência a uma iniciativa
cultural, reconhecendo que o folclore, mesmo sendo destinada a combater um tipo de desrespeito e exclusão
uma manifestação associada à preservação das raízes e social associado, principalmente, à(s)
da memória dos grupos sociais, A) mudanças decorrentes da entrada da mulher no
A) está sujeito a mudanças e reinterpretações. mercado de trabalho.
B deve ser apresentado de forma escrita. B) formas de ameaça doméstica que se restringem à
C) segue os padrões de produção da moderna indústria violência física.
cultural. C) relações de gênero socialmente construídas ao longo
D) tende a ser materializado em peças e obras de arte da história.
eruditas. D) violência doméstica contra a mulher relacionada à
E) expressa as vivências contemporâneas e os anseios pobreza.
futuros desses grupos. E) ingestão excessiva de álcool pelos homens.
10. (ENEM PPL 2013) O Baile Charme, uma das mais 12. (ENEM PPL 2014)
conhecidas manifestações culturais do povo carioca, Sempre teceremos panos de seda
fica cadastrado como bem cultural de natureza imaterial E nem por isso vestiremos melhor
da cidade. O decreto considera o Baile Charme uma Seremos sempre pobres e nuas
genuína invenção carioca, e destaca a riqueza de sua E teremos sempre fome e sede
origem na musicalidade africana, que abriga ritmos Nunca seremos capazes de ganhar tanto
como o soul, o funk e o rythim’n blues, da fonte norte- Que possamos ter melhor comida.
americana, e o choro, o samba e a bossa-nova, criações CHRÉTIEN DE TROYES. Yvain ou le chevalier au lion (1177-
nascidas no Rio. O Baile Charme é cultuado, 1181). Apud MACEDO, J. R. A mulher na Idade Média. São
principalmente na Zona Norte da cidade, seja em Paulo: Contexto, 1992 (adaptado).
clubes, agremiações recreativas e espaços públicos O tema do trabalho feminino vem sendo abordado
como a área do Viaduto de Madureira. pelos estudos históricos mais recentes. Algumas fontes
Disponível em: www.jb.com.br. Acesso em: 2 mar. 2013 são importantes para essa abordagem, tal como o
(adaptado). poema apresentado, que alude à
Segundo o texto, o cadastramento do Baile Charme A) inserção das mulheres em atividades
como bem imaterial da cidade do Rio de Janeiro tradicionalmente masculinas.
ocorreu porque essa manifestação cultural
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B) ambição das mulheres em ocupar lugar 14. (ENEM PPL 2014)


preponderante na sociedade.
C) possibilidade de mobilidade social das mulheres na
indústria têxtil medieval.
D) exploração das mulheres nas manufaturas têxteis no
mundo urbano medieval.
E) servidão feminina como tipo de mão de obra vigente
nas tecelagens europeias.

13. (ENEM PPL 2014)


Figura 1

A Estátua do Laçador, tombada como patrimônio em


2001, é um monumento de Porto Alegre/RS, que
Princesa Alexandra. Disponível em:
www.democraciafashion.com.br. Acesso em: 4 ago. 2012.
representa o gaúcho (em trajes típicos).
Disponível em: www.portoalegre.tur.br. Acesso em: 3 ago. 2012
(adaptado).
Figura 2 O monumento identifica um(a)
A) exemplo de bem imaterial.
B forma de exposição da individualidade.
C) modo de enaltecer os ideais de liberdadade.
D) manifestação histórico-cultural de uma população.
E) maneira de propor mudanças nos costumes.

15. (ENEM PPL 2014) Desde 2002, o Instituto do


Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) tem
registrado certos bens imateriais como patrimônio
cultural do país. Entre as manifestações que já
ganharam esse status está o ofício das baianas do acarajé.
Enfatize-se: o ofício das baianas, não a receita do
acarajé. Quando uma baiana prepara o acarajé, há uma
série de códigos imperceptíveis para quem olha de fora.
A cor da roupa, a amarra dos panos e os adereços
mudam de acordo com o santo e com a hierarquia dela
Duquesa de Cambridge, Kate Middleton. Disponível em: no candomblé. O Iphan conta que, registrando o ofício,
http://rockandglamour.blogspot.com. Acesso em: 4 ago. 2012.
“esse e outros mundos ligados ao preparo do acarajé
As figuras indicam mudanças no universo feminino,
podem ser descortinados”.
como a KAZ, R. A diferença entre o acarajé e o sanduíche de Bauru.
A) decadência da Monarquia, revelada pela aparição Revista de História da Biblioteca Nacional, n. 13, out. 2006
solitária e informal das nobres. (adaptado).
B) redução na escolaridade, simbolizada pela vida De acordo com o autor, o Iphan evidencia a
dinâmica e sem dedicação à leitura. necessidade de se protegerem certas manifestações
C) ampliação do status, conferida pela passagem do local históricas para que continuem existindo, destacando-se
rústico para os jardins do palácio. nesse caso a
D) inclusão na política, representada pela diferença A) mistura de tradições africanas, indígenas e
entre o espaço privado e o espaço público. portuguesas no preparo do alimento por parte das
E) valorização do corpo, salientada pelo uso de roupas cozinheiras baianas.
mais curtas e pela postura mais relaxada.

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B) relação com o sagrado no ato de preparar o alimento, a)


sobressaindo-se o uso de símbolos e insígnias pelas
cozinheiras.
C) utilização de certos ingredientes que se mostram
cada vez mais raros de encontrar, com as mudanças nos
hábitos alimentares.
D) necessidade de preservação dos locais tradicionais
de preparo do acarajé, ameaçados com as
transformações urbanas no país.
E) importância de se treinarem as cozinheiras baianas a
fim de resgatar o modo tradicional de preparo do
acarajé, que remonta à escravidão.

16. (ENEM 2014) O cidadão norte-americano b)


desperta num leito construído segundo padrão
originário do Oriente Próximo, mas modificado na
Europa Setentrional antes de ser transmitido à América.
Sai debaixo de cobertas feitas de algodão cuja planta se
tornou doméstica na Índia. No restaurante, toda uma
série de elementos tomada de empréstimo o espera. O
prato é feito de uma espécie de cerâmica inventada na
China. A faca é de aço, liga feita pela primeira vez na
Índia do Sul; o garfo é inventado na Itália medieval; a
colher vem de um original romano. Lê notícias do dia
impressas em caracteres inventados pelos antigos
semitas, em material inventado na China e por um
processo inventado na Alemanha.
LINTON. R. O homem: uma introdução à antropologia. São c)
Paulo: Martins. 1959 (adaptado).
A situação descrita é um exemplo de como os costumes
resultam da
a) assimilação de valores de povos exóticos.
b) experimentação de hábitos sociais variados.
c) recuperação de heranças da Antiguidade Clássica.
d) fusão de elementos de tradições culturais diferentes.
e) valorização de comportamento de grupos
privilegiados.

17. (ENEM 2014) Queijo de Minas vira patrimônio


cultural brasileiro. O modo artesanal da fabricação do
queijo em Minas Gerais foi registrado nesta quinta-feira
(15) como patrimônio cultural imaterial brasileiro pelo d)
Conselho Consultivo do Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional (Iphan). O veredicto foi
dado em reunião do conselho realizada no Museu de
Artes e Ofícios, em Belo Horizonte. O presidente do
Iphan e do conselho ressaltou que a técnica de
fabricação artesanal do queijo está “inserida na cultura
do que é ser mineiro”.
Folha de S. Paulo, 15 maio 2008.
Entre os bens que compõem o patrimônio nacional, o
que pertence à mesma categoria citada no texto está
representado em:

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e) 20. (ENEM 2015) A Unesco condenou a destruição da


antiga capital assíria de Nimrod, no Iraque, pelo Estado
Islâmico, com a agência da ONU considerando o ato
como um crime de guerra. O grupo iniciou um
processo de demolição em vários sítios arqueológicos
em uma área reconhecida como um dos berços da
civilização.
Unesco e especialistas condenam destruição de cidade
assíria pelo Estado Islâmico. Disponivel em:
http://oglobo.globo.com. Acesso em: 30 mar. 2015 (adaptado).
O tipo de atentado descrito no texto tem como
consequência para as populações de países como o
18. (ENEM 2014) Parecer CNE/CP nº 3/2004, que Iraque a desestruturação do(a)
instituiu as Diretrizes Curriculares Nacionais para a a) homogeneidade cultural.
Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino b) patrimônio histórico.
de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. c) controle ocidental.
Procura-se oferecer uma resposta, entre outras, na área d) unidade étnica.
da educação, à demanda da população afrodescendente, e) religião oficial.
no sentido de políticas de ações afirmativas. Propõe a
divulgação e a produção de conhecimentos, a formação 21. (ENEM 2015) Na sociedade contemporânea, onde
de atitudes, posturas que eduquem cidadãos orgulhosos as relações sociais tendem a reger-se por imagens
de seu pertencimento étnico-racial — descendentes de midiáticas, a imagem de um indivíduo, principalmente
africanos, povos indígenas, descendentes de europeus, na indústria do espetáculo, pode agregar valor
de asiáticos — para interagirem na construção de uma econômico na medida de seu incremento técnico,
nação democrática, em que todos igualmente tenham amplitude do espelhamento e da atenção pública.
seus direitos garantidos. Aparecer é então mais do que ser; o sujeito é famoso
BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Disponível em: porque é falado. Nesse âmbito, a lógica circulatória do
www.semesp.org.br. Acesso em: 21 novo 2013 (adaptado). mercado, ao mesmo tempo que acena
A orientação adotada por esse parecer fundamenta uma democraticamente para as massas com supostos
política pública e associa o princípio da inclusão social “ganhos distributivos”(a informação ilimitada, a quebra
a das supostas hierarquias culturais), afeta a velha cultura
a) práticas de valorização identitária. disseminada na esfera pública. A participação nas redes
b) medidas de compensação econômica. sociais, a obsessão dos selfies, tanto falar e ser falado
c) dispositivos de liberdade de expressão. quanto ser visto são indices do desejo do
d) estratégias de qualificação profissional. ˜espelhamento˜.
e) instrumentos de modernização jurídica. SODRÉ, M. Disponível em: http://alias.estadao.com.br. Acesso
em: 9 fev. 2015 (adaptado).
19. (ENEM 2015) Ninguém nasce mulher: torna-se A crítica contida no texto sobre a sociedade
mulher. Nenhum destino biológico, psíquico, contemporânea enfatiza
econômico define a forma que a fêmea humana assume a) a prática identitária autorreferente
no seio da sociedade; é o conjunto da civilização que b) a dinâmica política democratizante
elabora esse produto intermediário entre o macho e o c) a produção instantânea de notícias
castrado que qualificam o feminino d) os processos difusores de informações
Na década de 1960, a proposição de Simone de e) os mecanismos de convergência tecnológica
Beauvoir contribuiu para estruturar um movimento
social que teve como marca 22. (ENEM 2015) Quanto ao “choque de
a) ação do Poder Judiciário para criminalizar a violência civilizações”, é bom lembrar a carta de uma menina
sexual. americana de sete anos cujo pai era piloto na Guerra do
b) pressão do Poder Legislativo para impedir a dupla Afeganistão: ela escreveu que – embora amasse muito
jornada de trabalho. seu pai – estava pronta a deixá-lo morrer, a sacrificá-lo
c) organização de protestos púbicos para garantir a por seu país. Quando o presidente Bush citou suas
igualdade de gênero. palavras, elas foram entendidas como manifestação
d) oposição de grupos religiosos para impedir os “normal” de patriotismo americano; vamos conduzir
casamentos homoafetivos. uma experiência mental simples e imaginar uma menina
e) estabelecimento de políticas governamentais para árabe maometana pateticamente lendo para as câmeras
promover ações afirmativas. as mesmas palavras a respeito do pai que lutava pelo

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Talibã – não é necessário pensar muito sobre qual teria 24. (ENEM 2017)
sido a nossa reação.
ZIZEK. S. Bem-vindo ao deserto do real. São Paulo: Bom
Tempo. 2003.
A situação imaginária proposta pelo autor explicita o
desafio cultural do(a)
a) prática da diplomacia.
b) exercício da alteridade.
c) expansão da democracia.
d) universalização do progresso.
e) conquista da autodeterminação.

23. (ENEM PPL 2016)

Fotografia de Augusto Gomes Leal e da ama de leite Mônica, cartão de visita de


1860.

KOUTSOUKOS. S. S. M. Armas mercenárias: o discurso dos


doutores em medicina e os retratos de almas – Brasil, segunda
metade do século XIX. História, Ciência, Saúde, Manguinhos,
2009. Disponível em: http://dx.doi.org. Acesso em: 8 maio 2013.
A fotografia, datada de 1860, é um indício da cultura
escravista no Brasil, ao expressar a
a) ambiguidade do trabalho doméstico exercido pela
ama de leite, desenvolvendo uma relação de
proximidade e subordinação em relação aos senhores.
b) integração dos escravos aos valores das classes
médias, cultivando a família como pilar da sociedade
imperial.
c) melhoria das condições de vida dos escravos
observada pela roupa luxuosa, associando o trabalho
doméstico a privilégios para os cativos.
d) esfera da vida privada, centralizando a figura
feminina para afirmar o trabalho da mulher na educação
letrada dos infantes.
Inspirada em fantasias de Carnaval, a arte apresentada e) distinção étnica entre senhores e escravos,
se opunha à concepção de patrimônio vigente nas demarcando a convivência entre estratos sociais como
décadas de 1960 e 1970 na medida em que meio para superar a mestiçagem.
a) se apropriava das expressões da cultura popular para
produzir uma arte efêmera destinada ao protesto.
b) resgatava símbolos ameríndios e africanos para se
adaptar à exposições em espaços públicos.
c) absorvia elementos gráficos da propaganda para criar
objetos comercializáveis pelas galerias.
d) valorizava elementos da arte popular para construir
representações da identidade brasileira.
e) incorporava elementos da cultura de massa para
atender às exigências dos museus.

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25. (ENEM 2017) Texto da imagem:


ELLA SERIA ADORAVEL
...si não fosse doentia
Só uma saude perfeita póde dar á mulher belleza e
encanto capazes de a tornar adorável aos olhos
masculinos!
Para ter uma saude assim, tome “A SAUDE DA
MULHER”, o remedio que traz no nome o resumo das
suas vírtudes. “A SAUDE DA MULHER” regulariza o
funccionamento do delicado organismo feminino.
O anúncio publicitário da década de 1940 reforça os
seguintes estereótipos atribuídos historicamente a uma
suposta natureza feminina:
A) Pudor inato e instinto maternal.
B) Fragilidade física e necessidade de aceitação.
C) Isolamento social e procura de autoconhecimento.
D) Dependência econômica e desejo de ostentação.
E) Mentalidade fútil e conduta hedonista.

Figura 1 - Recorte fotográfico de Maria Bonita, década de


1930.
Figura 2 - Traje de coleção de Zuzu Angel.

Elaborada em 1969, a releitura contida na Figura 2


revela aspectos de uma trajetória e obra dedicadas à
a) valorização de uma representação tradicional da
mulher.
b) descaracterização de referências do folclore
nordestino.
c) fusão de elementos brasileiros à moda da Europa.
d) massificação do consumo de uma arte local.
e) criação de uma estética de resistência.

26. (ENEM 2018)

Tônico para a saúde da mulher. Disponível em:


www.propagandashistoricas.com.br. Acesso em: 28 nov. 2017.

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GABARITO

QUESTÕES ENEM
1. a
2. d
3. c
4. a
5. e
6. d
7. a
8. c
9. a
10. e
11. c
12. d
13. e
14. d
15. b
16. d
17. c
18. a
19. c
20. b
21. a
22. b
23. a
24. a
25. e
26. b

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