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Ficções da realidade - Como um filme: o imaginário das catástrofes - Designando na tragédia clássica a conclusão ou a consumação da ação... < Artigos < Duplipensar.net Publicidade
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Para uma boa parcela da população, epidemias são o caminho mais curto para o caos,
uma vez que a própria Organização Mundial de Saúde reconhece que vírus, bactérias e
parasitas são, de longe, a principal causa de mortalidade humana. Registradas há
milênios, as maiores epidemias apontadas pelos historiadores foram deflagradas pelas
pestes bubônica e pneumônica: a peste de Atenas, a peste de Siracusa, a peste
Antonina, a peste do século III, a peste Justiniana e a Peste Negra do século XIV. Não
podemos deixar de citar as epidemias que atingiram escala mundial, como foi o caso
das oito grandes pandemias de cólera que assolaram o mundo entre os séculos XIX e
XX, a grave Gripe Espanhola de 1918, o Tifo, cujas epidemias mortíferas iniciaram-se no
século V a.C. e se estenderam até a Segunda Guerra Mundial, e, ainda, a versão mais
moderna a ganhar escala internacional: a AIDS. Esses terríveis flagelos inspiraram a
imaginação de inúmeros pintores, sobretudo no período Renascentista, originando obras
que marcaram a história das artes plásticas e certamente auxiliaram na construção do
imaginário da enfermidade destrutiva, como é o caso das telas “A peste em
Quase vinte séculos depois, e praticamente inalterada, essa estrutura narrativa parece
ainda gozar de boa saúde ao representar as epidemias. “Um diário do ano da peste”, de
Daniel Defoe, é um bom exemplo dessa prosa. Publicado em 1722, retrata na forma de
um romance-reportagem a epidemia de peste bubônica que assolou a Londres de 1665.
Baseando-se possivelmente em jornais da época para construir a trama, Defoe não deixa
de lançar mão de técnicas literárias, inclusive na exploração de personagens, para lançar
seu olhar de escritor e repórter sobre um evento que dizimou cerca de 100.000
londrinos. Lado a lado com Defoe estão os diários taquigrafados de Samuel Pepys,
membro do Parlamento inglês, que trazem uma particular combinação de registro íntimo
e de testemunha ocular, composição rara na época em questão. Muito embora os diários
compreendam os anos entre 1600 e 1669, só vieram a público em 1825, depois de
descobertos e decifrados.
Trazendo esses dramas para ainda mais perto de nós, observamos como a
disseminação de doenças letais em tempos de globalização é imprevisível, posto o
desenvolvimento das doenças e o grande deslocamento de pessoas ao redor do mundo
numa velocidade nunca antes pensada. Acabamos colocados diante de dois desafios de
nosso tempo: tratar com antibióticos doenças que se tornam mais e mais resistentes e
até imunes a eles, sem poder contar com barreiras sanitárias realmente eficazes. A esse
respeito, sugere um médico em depoimento à Revista Veja, numa matéria sobre saúde
pública: "O sonho de Fleming, de erradicar as doenças contagiosas, nunca pareceu tão
longe de se realizar. Ao menos os infectologistas e os roteiristas de filmes de terror terão
emprego por um bom tempo. As forças da natureza parecem dispostas a ajudar".
Episódios como esse, em que ficção e realidade se confundem, não são casos isolados.
As últimas crises coletivas, a SARS, em 2003, e a Gripe Aviária, em 2005 e 2006, foram
cobertas/alimentadas pelos meios de comunicação que fizeram amplas reportagens
sobre a proliferação - real e imaginária - dessas doenças pela Ásia e por outros países,
fazendo com que as fronteiras em todo o mundo passassem a exibir avisos sanitários,
mobilizando seus órgãos de saúde para combatê-las e certamente motivando a criação
de mais uns tantos outros filmes dentro dos próximos anos. A trama cinematográfica, em
todo caso, não parece restringir-se apenas aos reflexos de uma praga desconhecida
oriunda de uma floresta selvagem, mas também aponta para as consequências que
atitudes bem intencionadas podem provocar. Ilustrando tal quadro temos o filme
“Extermínio” (28 Days Later, 2002, Danny Boyle), no qual um grupo de ativistas
ambientais no estilo Green Peace libertam macacos de um laboratório sob o pretexto de
proteger os animais da violência. No entanto, ignorando os avisos dos cientistas,
libertam macacos infectados por um perigoso vírus que, como resultado, alastram uma
grande epidemia que deixa atrás de si um sem número de mortos. Um quadro mais
assustador para uma possível pandemia está na ficção futurista de “12 Macacos” (Twelve
Monkeys, 1995, Terry Gilliam) no qual um grupo de bioterroristas auto-intitulado ‘O
Exército dos 12 Macacos’ teria espalhado um vírus mortal que varreu do mapa a maior
parte da humanidade. Dentre os sobreviventes que vivem em comunidades no subsolo
regidas por um governo cinzento e tirânico, um homem é enviado para o passado para
recolher informações sobre o vírus e auxiliar os cientistas do futuro a descobrirem a cura.
Tramas como as supracitadas, reiteram a idéia de que o inferno pode estar cheio de
boas intenções, afinal, o homem pode ser o responsável tanto por criar quanto por
desencadear e disseminar epidemias. Sem querer ou intencionalmente. Se Hiroshima e
Nagazaki são o marco zero da preocupação mundial com a energia atômica e seu uso
para fins armamentistas, os envelopes contaminados com Antraz, que circularam pelos
EUA pós-11 de Setembro, desencadearam a histeria generalizada por uma possível
Guerra Biológica. Até mesmo o Brasil entrou em pânico depois de uma série de piadas
de mau gosto conhecidas por “trotes de antraz” no qual uma pequena quantidade de pó
branco – quase sempre raspas de giz – era enviada dentro de envelopes. E como era de
se esperar, o cinema, mais uma vez aproveitando-se dos incidentes reais, amplificou o
temor bacteriológico em suas telas widescreen. Tal qual o ocorrido no recém lançado “O
Fator Hades” (Covert One: The Hades Factor, 2006, Mick Jackson), onde vislumbramos
a assombrosa possibilidade de um vírus hemorrágico ser disseminado por terroristas
biológicos do Afeganistão.
Natureza, reduzida a uma mera fonte de energia, não encontra outra saída para vingar-
se de tal reducionismo senão na forma de catástrofes naturais. Frente a esse risco de
morte e destruição inesperadas que a natureza pode oferecer, fica um tanto difícil
acreditar que outrora essa entidade foi vista tão somente como o lar dos amantes, nas
páginas de românticos como Goethe, ou como o lugar selvagem no qual o homem
nasceria bom, na filosofia de Jean-Jacques Rousseau. O paisagismo, que entrou para
as artes plásticas no século XVIII, foi um dos precursores ao demonstrar através de
suas telas que a natureza não é apenas uma fonte de sensação ou sentimento, mas é
também um lugar de reflexão em que o homem se coloca pequeno frente à grandeza
dessa força. As pinturas de William Turner (1775 – 1851), de Caspar David Friedrich
(1774 – 1840) e de John Constable (1776 – 1837), por exemplo, comprovam o quanto a
percepção da natureza estava atravessada por uma noção de poder supremo e de
imensidão. A uma visão persistente de que o ambiente intocado pelo homem é o lócus
do atraso, onde tudo estaria por fazer e pacientemente à espera do desbravamento, e da
exploração humana, sobrevém a resposta impetuosa e indomada das forças naturais.
Se a literatura teve um papel importante num primeiro momento, foi sobretudo no cinema
que as catástrofes se revelaram com energia, expondo a fragilidade da condição
humana diante de um ente que pode ser bom, mas sabe, e por vezes quer, ser cruel.
Esse medo do caos, da aniquilação e da impossibilidade de sobrevivência, inclusive
devido a disseminação de epidemias e outras formas de massacre como os expostos
anteriormente, foi expressado a partir das últimas décadas do século XX na forma dos
disaster movies, ou filmes-catástrofe, que se tornaram um gênero extremamente popular.
O gosto por filmes desse tipo não deixa de ter origem no aspecto sensacionalista das
grandes tragédias e permite que o espectador libere as paixões violentas do inconsciente
na sala de projeção. O constante flerte com a identificação de eventos cotidianos e o
possível-crível da ficção cinematográfica acabam por banalizar sensivelmente a
destruição e, no final das contas, a traduzem na forma de clichês. Isto porque, tais filmes
são obras elaboradas a partir da mistura de três elementos principais: 1) enredo
apocalíptico com grandes cenas de destruição urbana; 2) apelo melodramático aliado à
histeria coletiva e 3) cenas de ação, de preferência temperadas com efeitos especiais
que, com o apogeu da tecnologia, surpreendem cada vez mais ao enfatizar o clima de
tensão e o poder aniquilador. Tal fórmula consegue captar o espectador, de modo que,
em geral, esse tipo de produção atinge níveis elevados de bilheteria, encontrando um
espaço cativo em meio ao grande público que habitualmente freqüenta os cinemas.
impactantes, “O dia depois de amanhã” (The Day After Tomorrow, 2004), do diretor e
roteirista alemão Roland Emmerich, é um dos precursores em representar como uma
convulsão na crosta terrestre, causada por uma transformação climática de grandes
proporções, poderia alterar a geografia ao redor do mundo.
Entre os enredos mais marcantes estão os filmes de asteróides em rota de colisão com
a Terra, como no antigo “O Fim do Mundo” (When Worlds Collide, 1951, Rudolph Mate)
ou em “Armageddon” (Armageddon,1998, Michael Bay) e “Impacto Profundo” (Deep
Impact, 1998, Mimi Leder); vulcões em erupção em cidades paradisíacas ou grandes
metrópoles; tempestades em alto mar onde o frágil corpo humano se depara com ondas
aparentemente sobrenaturais; acidentes nucleares de proporções sem precedentes;
prédios em incêndios avassaladores; furacões que arremessam para o alto tudo o que
encontram em seu caminho e terremotos que passam deitando cidades inteiras. Ao lado
destes, ainda existem os filmes que retratam acidentes, sobretudo de avião, de carro e
de trem, e os problemas dos sobreviventes ao lidarem com seus instintos mais primitivos
em meio ao inóspito até a chegada do resgate. Em comum, em todo caso, está a
observação de dois medos fundamentais dados, sobretudo, no nível inconsciente do
indivíduo: a Teoria do Caos - segundo a qual o bater de asas de uma simples borboleta
poderia causar um tufão em outra parte do mundo -, e a lei nietzschiana do Eterno
Retorno - a repetição ou amplificação de eventos históricos e catastróficos já ocorridos,
como aqueles que levaram à destruição de Pompéia e ao acidente em Chernobyl, às
bombas atômicas no Japão e aos terremotos na China, em São Francisco e em Lisboa,
e, porque não, aos incidentes que levaram à própria extinção dos dinossauros e à era
glacial. Inconscientes ou não, tais medos se alinham sob o eixo da imprevisibilidade,
travestido quase sempre pelas metáforas do Acaso ou do Destino, pois são
regulamentadas por leis desconhecidas ou mesmo divinas. Quanto a isso, podemos nos
remeter novamente a Baudrillard quando este afirma o seguinte: “A catástrofe é a
irrupção de algo que não funciona mais segundo as regras, ou então funciona segundo
regras que não conhecemos e que talvez nunca venhamos a conhecer. Nada mais é aí
simplesmente contraditório ou irracional, tudo é paradoxal.”
do tipo drama ou romance por estarem centralizados em um par romântico. Com alguma
ressalva também poderíamos falar nos filmes que esbarram no catastrófico de origem
maravilhosa ou improvável, ao que seriam fortes representantes as refilmagens dos
clássicos “Godzilla” (Godzilla, 1998, Roland Emmerich), “King Kong” (King Kong, 2005,
Peter Jackson) e “A Guerra dos Mundos” (War of the Worlds, 2005, Steven Spielberg)
que passaram a fazer parte do imaginário coletivo a partir da década de 30. Apesar de
não representarem exemplarmente o gênero, tais filmes, ainda que a revelia das
classificações, fazem parte dos disaster movies por conter muito da tragédia e da
destruição, do pânico e da barbárie, que o homem enfrenta na luta pela sobrevivência
diante de uma situação - real ou imaginária - fora de controle.
Essa confusão entre realidade e ficção também se mostra responsável por embaralhar o
telespectador do documentário “Uma verdade inconveniente” (An Inconvenient Truth,
2006) do ex-candidato à presidência dos EUA, Al Gore. Frente a provocação humana
Recomende este artigo
que desafia a natureza, o desequilíbrio causado pelo homem parece sem volta, cabendo Recomende o artigo "Especial
medidas capazes de, no máximo, retardar as conseqüências de seus próprios atos. Ficções da realidade" de Fernanda
Nessa película, o que se vê é um grande alerta numa tentativa de conscientizar o mundo Müller e Marcio Markendorf.
Email do amigo
para a grande ameaça do aquecimento global que, literalmente, paira sobre a Terra.
Enviar
Enumerando as mais devastadoras alterações climáticas que aconteceram nos últimos
anos, Al Gore aponta medidas preventivas para conter uma futura catástrofe climática
que já acomete o mundo e deve se agravar nas próximas décadas se o nível de
poluição, a destruição da natureza e o uso indiscriminado dos recursos naturais não-
renováveis continuar no mesmo patamar de hoje. O que mais assusta no documentário
é que, de repente, nos sentimos personagens de um filme-catástrofe, com a figura do
mocinho que inutilmente tenta alertas as pessoas e convencer os mais céticos de que
os sinais da catástrofe iminente estão todos aí. A mensagem que fica é a de que o
grande vilão dessa história não é a natureza, mas o próprio homem que a enfureceu.
Uma tragédia sem palco algum, encenada atrás das cortinas de fumaça do mundo real.
Cujo desenlace, talvez, ainda dependa de nós.