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UNIVERSIDADE DO ESTADO DE MINAS GERAIS

Programa de Pós-Graduação em Artes

Luciano Márcio de Moraes Chacur

ATÉ AQUI, O TERROR


Breve Revisão de Literatura sobre o Slasher, e da produção fílmica do horror nacional

Metodologia da Pesquisa em Artes


Professores: Doutor Luiz Naveda - Doutor Loque Arcanjo

Belo Horizonte
2023
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RESUMO

O cinema, enquanto arte e enquanto indústria utilizou-se desde seus primórdios da imensa
capacidade de causar sensações ao seu público receptor. Concomitante a isso, um dos
primeiros gêneros a existir dentro da Sétima Arte, foi o sensorial terror / horror. Com
histórias e tramas que derivavam de medos sócio culturais pertencentes às sociedades
produtoras dessas obras, os filmes de terror rapidamente passaram a metaforizar angústias
nativas num jogo de monstros fictícios / temores reais.
O presente trabalho de Revisão de Literatura aqui apresentado, busca fazer um breve
apanhado da produção de textos acadêmicos científicos, que versam sobre a evolução do
cinema de horror, com destaque ao sub gênero de horror Slasher, tanto num âmbito
internacional, quanto sobre a produção Brasileira, para fundamentar futura dissertação sobre
o tema.
Levar-se-á em consideração aqui, visões técnicas típicas da arte cinematográfica, além de
aspectos históricos e culturais, para revelar um pouco da visão acadêmica sobre o vasto tema.
Após um esforço cartográfico, irão se estabelecer relações e diálogos entre os trabalhos
selecionados - originando um debate acerca do objeto de estudo - clareando o Estado da Arte
(mesmo que num reduzido escopo) acerca do Cinema de Horror.

Palavras-chaves: Cinema; Horror; Estética da Recepção; Slasher; Cinema Brasileiro.


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1.0 DESENVOLVIMENTO
1.1 O Medo e o Método

A história do medo, ou no que se refere à Revisão da Literatura aqui apresentada - à


história do Cinema de Horror - é alvo de um sem número de pesquisas e trabalhos
acadêmicos. Porém, como o enfoque deste trabalho é o do cinema horrorífico produzido no
Brasil, dialogando com o internacional, é de interesse citar o trabalho de Jean Delumeau,
historiador francês, que no ano de 1978 publicou o livro ‘A História do Medo no Ocidente’.
O livro inicia a contar essa História, a partir da Idade Média - percorrendo até os Tempos
Modernos, a tratar de como o medo foi utilizado como ferramenta de controle social e
político. Na Idade Média, o medo do desconhecido, de pestes, de guerras. Na época da
Inquisição, medo da condenação, do inferno e da morte. E com a crescente racionalização da
sociedade ocidental, há o medo da perda do controle e da irracionalidade.
Delumeau argumenta que esses medos foram obviamente influenciados pelas
mudanças sociais, políticas e históricas que perpassam essas sociedades, e no que é de
principal interesse para nosso trabalho, esses medos foram refletidos nas expressões artísticas
e culturais dessas mesmas sociedades.

"O medo pode ser visto como uma forma simbólica de expressar
preocupações reais, como o medo da morte e do sofrimento físico, mas
também pode ser usado como uma metáfora para questões sociais e culturais
mais amplas, como o medo da mudança, do desconhecido ou do outro. Em
muitos casos, o medo pode ser uma forma de expressar preocupações mais
profundas e de encontrar um senso de identidade e pertencimento em meio a
mudanças e incertezas." (DELUMEAU, 1978, p. 24)

Para embasar ainda com mais intensidade essa teoria, de que a arte produzida por
determinada sociedade reflete as questões e desafios que essa mesma sociedade enfrenta,
devemos abordar dois teóricos determinantes para a chamada Estética da Recepção. São eles:
Wolfgang Iser e Hans Robert Jauss, ambos escritores e críticos literários alemães, que
produziram com maior intensidade a partir da segunda metade do século XX, num contexto
de necessidade de uma nova abordagem para a interpretação da literatura.
Robert Jauss, acreditava que sim, as obras de arte são definitivamente influenciadas
por determinado contexto sociocultural em que foram criadas. E sua recepção também é
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ditada, justamente por esse contexto. Diz ele: “A obra literária não é um dado estático e
absoluto, mas um fenômeno histórico em constante evolução que só pode ser entendido como
tal em seu contexto histórico e em sua relação com seus destinatários" (JAUSS, 1975, p. 20)
Já Iser teorizava que a obra de arte é um ser vivo, um texto aberto, que adquire sua
plenitude através da interpretação do leitor / receptor. A experiência da leitura é justamente o
que dá sentido à obra artística. E essa mesma experiência é ditada pelo contexto em que a
obra é recebida. “É o ato de leitura que torna possível a manifestação do significado, pois o
leitor não é apenas um indivíduo passivo que recebe mensagens, mas um participante ativo na
construção do significado" (ISER, 1978, p. 34).
Importante salientar, que ambos os teóricos supracitados pensavam na literatura
quando criaram suas teorias, mas que podemos aplicá-las em outras artes, sem prejuízo
algum. Aqui, pretendemos utilizá-las para o entendimento do cinema.
Tendo estabelecido essa noção basal para a nossa Revisão de Literatura, a de que a
produção artística cultural de determinada sociedade, não é de maneira nenhuma dissociada
do local e tempo que a produziu, fez-se necessária a escolha de um determinado método para
a escolha da bibliografia alvo para o entendimento do Estado da Arte sobre o tema. A partir
de uma espécie de percurso flâneur digital, em que textos acadêmicos surgiam e
‘hyperlinkavam’ descobertas de outros a partir de suas próprias referências, e até mesmo
esbarrando em sugestões correlatas (típicas do ambiente virtual), estabeleceu-se uma série de
balizas teóricas. Combinadas às perenes e essenciais sugestões de artigos científicos enviadas
pelo professor / orientador, foi construída uma espécie de mapa cartográfico teórico. Uso aqui
o conceito de Cartografia de Walter Benjamin, que para ele é uma forma de explorar relações
entre diferentes experiências humanas (em nosso caso, textos). Criando conexões entre eles
(os referidos textos), abrem-se horizontes de conhecimento entre obras adjacentes,
compreendendo-as de forma melhor. Cabe aqui, citação à Benjamin:

O método acadêmico, que tende a transformar tudo o que é vivo em morto,


pode ser visto como a negação do conhecimento, que é sempre uma questão
de vida e morte. O conhecimento só é possível através da relação viva do
sujeito com o objeto, e não por meio de categorias abstratas e imutáveis.
(BENJAMIN, 2005, p. 209)

Dessa citação de Benjamin, desejamos entender que ele não nega o pensamento e o
fazer acadêmico, mas pelo contrário, o fortalece, vendo a necessidade de imbuir a ele um
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sentimento vivaz de apropriação de diferentes formas de conhecimento, para torná-lo mais


potente. A isso, para nosso trabalho, queremos inserir ao diálogo com os textos acadêmicos, a
experiência de assistir os filmes necessários ao entendimento expandido dos conceitos
propostos na literatura lida.

1.2 O Cinema de Horror, surgimento e histórico

Sobrenatural, terror e medo são temas abordados no cinema, até mesmo antes do
surgimento dos chamados ‘gêneros cinematográficos'. Podemos, para dar dimensão do fato,
citar o filme ‘Le Manoir du Diable’, de Georges Méliès (famoso pelo seu curta ‘Viagem à
Lua’). Ainda no século XIX (mais precisamente em 1896) realizou essa pequena obra, que
retratava um demônio sátiro, e Méliès, usando trucagens e efeitos de câmera, criou um
ambiente assustador, com diabos e outros monstros.
Haja visto o fato de que o cinema de horror nasceu praticamente junto ao cinema em
si, podemos com facilidade citar filmes posteriores, ainda na época do filme mudo que
reforçam tal afirmação. Por alto, pode-se falar em ‘L'Inferno’ (Francesco Bertolini, 1911),
que criava imagens aterrorizantes para o Inferno de Dante Alighieri. Ou o “documentário”
sueco ‘Haxan’ (Benjamin Christensen, 1922), que contava em paisagens assustadoras
histórias de bruxas e rituais pagãos.
Em um rápido avanço cronológico, podemos mencionar os filmes de monstros da
década de 1920-30. Esse primeiro terror cinematográfico, era um gênero com suas bases
fincadas em tradições culturais e literárias, como as histórias de fantasmas e as narrativas
góticas. Um clássico exemplo disso, é o filme Nosferatu (F.W. Murnau, 1927), baseado no
livro Drácula, de Bram Stoker.
Dando um salto temporal, é necessário falar sobre as modificações do cinema de
gênero horror: Para isso, é interessante citar o autor e historiador do cinema David J. Skal,
que faz justamente a ponte entre essas diferentes eras do terror:

No início, o terror no cinema era uma maravilha técnica, um espetáculo para


assustar e surpreender o público com o poder da ilusão fotográfica. As
primeiras experiências do cinema com o terror exploraram o desconhecido,
o mágico e o sobrenatural, fazendo com que a plateia se maravilhasse com o
poder dos novos meios de comunicação. Mas, à medida que o cinema
evoluiu e a tecnologia se aprimorou, o terror também evoluiu para abordar
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questões mais profundas e perturbadoras - medos internos e psicológicos


que são tão assustadores quanto qualquer monstro da ficção científica ou do
folclore. (livre tradução, SKAL, 1993, p.11).

Com o entendimento dos primórdios do cinema de horror em vista, e já estabelecido


que os temores e monstros retratados podem servir de metáforas para as ansiedades das
culturas que produzem os determinados filmes, chegamos ao objeto central (mas não o único)
desta Revisão de Literatura: O sub gênero de horror conhecido como Slasher.
Teóricos identificam as origens deste subgênero do cinema de horror em filmes como
Psycho (Alfred Hitchcock, 1960) e Peeping Tom (Michael Powell, 1960). Em comum nos
dois filmes, a figura de um matador, que ao longo da metragem da obra, realiza uma série de
assassinatos. Esse matador, no caso dos filmes citados, possui traumas que o levam a cometer
esses assassinatos. Assim tanto Psycho, quanto Pepping Tom seriam exemplos de
Pré-Slashers.
Já na década de 1970, em países da América do Norte, os ditames do gênero se
definem com mais clareza em filmes como Black Christmas (Bob Clark, 1974), Texas
Chainsaw Massacre (Tobe Hooper, 1974) e talvez o mais clássico dessa primeira geração do
slashers, Halloween (Jonh Carpenter, 1978).
Para uma compreensão abrangente e que possa facilitar o entendimento das
características deste tipo de obra, citamos a importante teórica do cinema de horror, Carol
Clover, que em seu mais renomado trabalho “Men, Women, and Chainsaws: Gender in the
Modern Horror Film (1992)” assim o definiu:

O slasher é um gênero de filme de horror que se concentra na matança de


vítimas femininas, geralmente por um assassino mascarado e silencioso. A
configuração é muitas vezes isolada - um acampamento de verão, uma casa
de férias, uma escola - e as vítimas são frequentemente adolescentes ou
jovens adultos. O suspense e a tensão são criados através de uma série de
assassinatos sádicos, com o assassino perseguindo as vítimas em locais
claustrofóbicos e aterrorizantes, até que um único sobrevivente - geralmente
uma jovem - consiga derrotar o assassino (livre tradução, CLOVER, 1992,
p. 21)
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Embora essa definição não abarque todas as diversas manifestações (é reducionista


imaginar que as vítimas do assassino são em sua maioria mulheres, por exemplo) do Slasher
(para enumerar algumas dessas manifestações, há o Proto-Slasher, o Meta-Slasher, o
Pós-Slasher, o Slasher-Contemporâneo…), é possível compreender as noções básicas do
gênero, e de modo intuitivo, reconhecer em nossa memória vários exemplares do gênero (os
vilões Jason Voorhees, Freddie Krueger, o boneco assassino Chucky, ou o vilão mascarado
Ghostface da franquia Pânico, podemos arriscar dizer, estão presentes no inconsciente
coletivo dos espectadores de cinema).
Em consonância com nossas conclusões apresentadas aqui e baseando-se no
estudo da bibliografia, podemos falar sobre o contexto sócio / político / cultural que
foram os germes do surgimento e popularização do Slasher, principalmente nos
Estados Unidos da América. Sotiris Petridis, teórico e professor acadêmico, um dos
maiores especialistas no subgênero slasher, expõe que:

O surgimento do cinema slasher, na década de 1970, deve ser lido no


contexto e no clima sócio-político daquele tempo, caracterizado por uma
onda reacionária contra os ganhos do movimento feminista e de direitos
civis. O cinema slasher, pode ser visto como parte dessa onda,
particularmente no que se refere à hostilidade contra a mulher e a forma
regressiva de representar a masculinidade. (livre tradução, SOTIRIS, 2002,
p. 155)

Mesmo que o ponto central da análise tanto de Carol Clover, quanto de Sotiris
Petridis, seja a do subtexto relacionado à violência de gênero na figura do assassino
slasher, essa não precisa ser a única maneira de enxergar ou estudar esse subtexto. O
slasher pode servir como uma representação da ansiedade em relação à juventude e à
sexualidade (temas constantes nesses filmes), maneiras de re significar o medo aos
serial killers, e o próprio algoz dos filmes, um “Outro Assustador” (NOEL
CARROLL, 1990) pode servir até mesmo como uma modernização do arquétipo da
morte.
Para fins de Revisão de Literatura, aqui mencionamos que uma rápida pesquisa
do termo “Slasher” no site de pesquisa Google Acadêmico, retornou mais de 22 mil
resultados. É claramente um objeto de estudo densamente estudado. Porém, usando os
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métodos mencionados no tópico anterior dessa revisão (a do flâneur digital - e as


sugestões do professor orientador), iremos citar alguns poucos trabalhos, a título de exemplo.
Para o congresso da Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da
Comunicação - selecionamos alguns artigos. ‘O slasher do século XXI: aceleração do fluxo
narrativo e suas consequências para remakes de filmes de terror (2019)’, texto de Filipe
Tavares Falcão Maciel, da UFPE - é um breve artigo, que após definir as características do
subgênero slasher, percebe e busca comprovar (até mesmo matematicamente) uma aceleração
temporal e de dinâmica entre filmes de horror slasher clássicos e seus respectivos remakes,
realizados à partir da primeira década do século XXI. Pauta-se pelos conceitos da estética do
excesso e do hipercinema, dos teóricos Lipovetsky e Serroy.
"A fórmula matemática dos filmes de terror slashers e a estética da repetição” é outro
artigo enviado enviado à Intercom, dessa vez por Gleison Teixeira de Lima, Marília de Castro
Gomes, e Marcília Luiza Gomes da Costa em (UERN) em 2015. Aqui, o texto percebe
brevemente, as repetições inerentes ao cinema de gênero, qualquer que seja ele, e como essas
repetições (na esfera do clichê) tranquilizam o público médio, fazendo com que assim ele
(público) saiba o que esperar de determinada obra. O foco é no subgênero slasher, destacando
as repetições específicas desse tipo de filme.
A pesquisadora Laura Cánepa, escritora da tese de doutorado substancial e definitiva
sobre o gênero do terror no cinema brasileiro (“Medo de quê?” Unicamp - 2018), realizou
para a Revista Do Programa De Pós-Graduação Em Comunicação - Universidade Federal
Fluminense (Contracampo) o artigo “SHOCK! Slasher movie ‘made in Brazil’”. O principal
mérito do trabalho, seria o de ter resgatado para novas gerações de acadêmicos e cinéfilos, o
filme Shock, de Jair Correa. A obra seria, o principal (provavelmente o único) filme feito no
Brasil, com características análogas ao subgênero slasher, produzido durante o auge da era
clássica do gênero (anos 1970-80).
Porém, para falar sobre a produção científica interessada no cinema de horror
produzido no Brasil, há de se mencionar toda uma série de questões, dignas de um tópico
específico.

1.3 O Cinema de horror errático brasileiro.

Para jogar luz sobre a produção de cinema nacional de horror, é impossível (ou ao
menos, desnecessário) fugir da tese de doutorado da pesquisadora Laura Loguercio Cánepa,
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para a UNICAMP no ano de 2008, chamada ‘Medo De Quê? - Uma História Do Horror Nos
Filmes Brasileiros’. Trata-se de um potente trabalho, que em mais de 500 páginas de texto,
desnuda e compendia toda a história do horror produzida por meio de filmes, em nosso país -
até o momento da sua feitura.
Laura inicia seu trabalho com a seguinte pergunta anedótica: “Existe cinema de horror
no Brasil? Além do Zé do Caixão?”. O que é respondido é que sim, havia filmes com
elementos de terror produzidos no Brasil, antes do lançamento de "À Meia-Noite Levarei Sua
Alma" (José Mojica Marins, 1964). Mas, "antes do surgimento do cinema de horror de
Mojica, as películas produzidas no Brasil eram comédias, dramas e musicais, gêneros que
agradavam ao público da época". (CÁNEPA, 2014, p. 20).
Tendo visto essa ausência de filmes de ‘Terror Puro’ entre os filmes nacionais, a
dissertação de mestrado ‘O terror no cinema brasileiro contemporâneo: uma abordagem
monadológica de Trabalhar Cansa e Mangue Negro’ (2019) de Rafael Garcez Lima para a
Universidade do Valedo Rio dos Sinos se debruça no trabalho de Cánepa, e informa:

Consultando o Dicionário de Filmes Brasileiros de Longa Metragem (2002),


a autora localizou somente 20 filmes auto-proclamados como filmes de
terror entre 3145 filmes nacionais, realizados entre os anos de 1937 e 2002.
Cánepa (2008) afirma que essa ausência é mais historiográfica do que
histórica, pois as características estéticas e narrativas do cinema de terror
estão presentes em muito mais filmes brasileiros do que os que se
identificam dessa forma. (LIMA, 2019, p. 60)

Então, segundo Cánepa, esse cinema com elementos de terror, pré Zé do Caixão eram
filmes que:

(...) eram títulos que nos remetem a experiências industriais e estéticas tão
diferentes como o cinema dos estúdios paulistas, as chanchadas, o cinema
erótico, as obras pouco conhecidas de autores consagrados, além de todo um
universo cultural de produções independentes que nem
sempre é referido nos estudos de cinema brasileiro.

Então, é concluso que o marco zero do cinema de horror no país, ao menos um que se
reconhecesse como tal, foi sim, o lançamento de ‘À Meia-Noite Levarei Sua Alma’ por José
Mojica Marins (1964), filme estréia de seu personagem símbolo ‘Zé do Caixão’. Segundo
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Cánepa "com esse filme, Mojica iniciou a carreira do que viria a ser um marco no cinema
brasileiro: o terror". (CÁNEPA, 2014, p. 20). E ela salienta ainda mais a importância de José
Mojica (que inclusive, outros autores identificam como um pioneiro do movimento do
Cinema Marginal no país) dizendo que “Segundo ela, o cineasta, ao contrário de seus pares
estrangeiros, inseriu em seus filmes elementos da cultura popular brasileira, como a crença
em entidades sobrenaturais, lendas urbanas e religiosidade" (CÁNEPA, 2014, p. 22).
Não pretendendo-se aqui fazer todo um histórico do cinema de terror no país, sendo
que o propósito desejado é o de fazer uma breve Revisão da Literatura acerca do tema, não
será mais alongado o relato sobre o cinema de José Mojica, tampouco enumerar muitos dos
filmes subsequentes do gênero aqui feitos. Mas desejamos mencionar, que após o sucesso
comercial dos filmes do Zé do Caixão, outros realizadores se aventuraram a fazer filmes de
terror. Destaco aqui as produções da ‘Boca do Lixo’, um polo de produção cinematográfica
localizado em São Paulo, que ficou conhecido por produzir filmes de baixo orçamento e de
diversos gêneros, incluindo o cinema de horror.
Sempre com temáticas gráficas, geralmente com pesado cunho erótico, os filmes da
Boca do Lixo usaram de ferramentas técno culturais (ISMAIL XAVIER, 2003) e estéticas do
gênero do horror. Filmes como ‘Excitação’ (Jean Garret, 1976), ‘Seduzidas pelo demônio'
(Raffaelle Rossi, 1977), e Ninfas Diabólicas (Jonh Doo, 1977) foram produzidos no eixo da
Boca do Lixo, e se beneficiaram do abrandamento da censura, na década de 1970 para usar de
nudez e violência em seus filmes. Segundo Cánepa (2014), os” filmes de horror da Boca do
Lixo apresentavam uma narrativa marcada pela violência, com cenas explícitas de gore e
sangue" (p. 24).
Na década de 1980, podemos destacar o cinema “Terrir” (mistura de terror, comédia e
ficção científica), criado pelo diretor Ivan Cardoso. Cardoso realizou filmes como "O
Segredo da Múmia" (1982), "As Sete Vampiras" (1986) e "Nosferato no Brasil" (1991), todos
com relativo sucesso comercial. Eram filmes com humor ácido, referências à cultura popular
brasileira e a presença de elementos do cinema de horror clássico, feitos com certo grau de
experimentação formal e com doses de subversão. O artigo de Bernadette Lyra, ‘Horror,
Humor E Sexo No Cinema De Bordas’ (2006) versa sobre o tema.
No que se refere ao sub gênero de horror Slasher, em 1984, o diretor Jair Corrêa
realiza o filme SHOCK - Diversão Diabólica. A autora Laura Cánepa publicou o artigo
“SHOCK! Slasher movie ‘made in Brazil’”, conforme falado no tópico anterior, jogando luz
sobre esse filme, que é o único representante de um filme Slasher feita no país, durante o
auge do período clássico deste tipo de obra. No filme, um assassino misterioso mata uma
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série de jovens, que estão em uma localidade afastada, e que desempenham comportamentos
desviantes no uso de drogas e / ou sexo. Tal qual os preceitos clássicos do gênero. Um outro
texto acadêmico, um trabalho de graduação de título “A Comparação Da Narrativa Slasher:
Shock (1984) Com A Hora Do Pesadelo (1984)”, do bacharel Pedro Da Cunha Germano
(UNILA, 2018), além de observar as características históricas e estéticas da obra, usa de um
método comparativo entre SHOCK e A Hora do Pesadelo (Wes Craven, 1984) para observar
como os dois filmes se diferenciam dos slashers clássicos, mas mesmo assim, são obras deste
tipo.
A década seguinte, dos anos 1990, foi um período de pouca produção de filmes no
Brasil. Rafael Garcez escreve que:

Em 1990, o então presidente Luis Fernando Collor de Mello (o primeiro


presidente eleito democraticamente no Brasil desde o golpe de 1964)
decidiu através do Programa Nacional de Desestatização (PND) rebaixar o
Ministério da Cultura a Secretária de Cultura, e extinguir os principais
órgãos estatais responsáveis pelo fomento ao cinema nacional, a
EMBRAFILME, a CONCINE, e a Fundação do Cinema Brasileiro. De
acordo com Lúcia Nagib (2002, p.13). Os dois primeiros anos da década de
90 estão certamente entre os piores da história do cinema brasileiro. [...] Em
1992, apenas dois filmes de longa-metragem foram lançados no Brasil.
(LIMA, 2019, p. 74.)

Então, podemos sem prejuízo da verdade, avançar alguns anos, e chegar ao século
XXI. A dissertação de mestrado “A renovação do cinema de horror no Brasil: permanências e
mutações do gênero a partir de 2008”, do pesquisador Gabriel Cardoso Borges Silva
(PUC-RJ, 2021) busca identificar a severa potência da produção do gênero de cinema de
horror realizada no país, de alguns anos até o momento presente.
Logo no resumo inicial da dissertação, Gabriel escreve que a partir do ano de 2008,
com o lançamento do último filme de José Mojica Marins “A Encarnação do Demônio"
(reprisando o papel de Zé do Caixão) há um enorme crescendo na produção de filmes de
terror no país. Se em 2008, identificaram-se o lançamento de 3 filmes de terror no país, no
ano de 2018 foram lançadas nove obras.
Para nosso destaque, conjugando os temas até aqui importantes (1. a de que a arte que
uma sociedade produz, espelham temores sociais e culturais - e 2. o sub gênero de horror
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Slasher) essa recente produção fílmica é extremamente digna de estudo e pode vir a
representar algum sentido no Brasil contemporâneo.
Cito aqui o lançamento de filmes com claro comentário social nas entrelinhas, como
‘Trabalhar Cansa’ (Marco Dutra e Juliana Rojas, 2011), 'Às Boas Maneiras’ (Marco Dutra,
2017), ‘Morto não fala’ (Dennison Ramalho, 2018), ‘A sombra do pai’ (Gabriela Amaral
Almeida, 2019).
Há ainda um exemplar curioso de filme Slasher com um claríssimo subtexto político /
social ‘O Animal Cordial’ (Gabriela Amaral Almeida, 2017), além de um slasher clássico,
com uma característica brasileira extrema ‘O Condado Macabro’ (André de Campos Mello,
Marcos DeBrito, 2015). Valendo ainda mencionar o misterioso pós-terror-slasher ‘Mate-Me
Por Favor’ (Anita Rocha da Silveira, 2015).
Sobre esses filmes, há uma produção acadêmica sendo realizada. A dissertação de
mestrado Rafael Garcez Lima já mencionada ‘O terror no cinema brasileiro contemporâneo:
uma abordagem monadológica de Trabalhar Cansa e Mangue Negro’ realiza justamente uma
analíse sobre filmes de horror recentemente realizados no país.
Sobre ‘O Animal Cordial’, encontram-se o artigo ‘O Animal Cordial: Cinema de
horror brasileiro e a produção de afetos através de reflexos da sociedade’ de Jéssica Patrícia
Soares e Miriam de Souza Rossini (enviada à Intercom, 2019, posteriormente publicado na
revista científica Políticas do Sensível - Corpos e marcadores de diferença na Comunicação)
que dialoga o filme com o conceito do Homem Cordial ou Brasileiro Cordial, cunhado pelo
sociólogo Sérgio Buarque de Holanda em seu livro "Raízes do Brasil", publicado em 1936.
Sobre Mate-me por favor, Natalia Christofoletti Barrenha, da Unicamp, publicou em
2021 o artigo ‘Mate-me por favor: Como ser uma Final Girl em tempos de medo, de terror, de
pesadelo’ no periódico Mistral - Journal of Latin American Women’s Intellectual & Cultural
History. O artigo lê no filme de Anita Rocha da Silvera subversões ao gênero do terror, e a
abordagem temática de tópicos de gênero, classe social e geracionais no longa-metragem.
Mencionamos a título de exemplo vários destes artigos, dissertações e teses
acadêmicas para demonstrar o imenso fôlego da produção de e sobre o cinema de horror no
país, de anos para cá. Essa breve Revisão de Literatura, tentou revelar as várias camadas e
problematizações sobre o objeto de estudo, sua pertinência enquanto tema - e o rico potencial
de leitura que advém do mesmo.
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REFERÊNCIAS

DELUMEAU, Jean. A história do medo no Ocidente, 1300-1800: uma cidade sitiada. São
Paulo: Companhia das Letras, 1989.

JAUSS, Hans. Robert. A literatura e o leitor: textos de estética da recepção. São Paulo:
Paz e Terra, 1975.

ISER, Wolfang. O ato da leitura: uma teoria do efeito estético. São Paulo: Ed. 34, 1996.

BENJAMIN, Walter. Sobre alguns temas em Baudelaire. In Charles Baudelaire: Um


lírico no auge do capitalismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.

SKAL, David, J. "The Monster Show: A Cultural History of Horror”, 1993

CLOVER, Carol, J. Her Body, Himself: Gender in the Slasher Film. Representations, No.
20, Special Issue: Misogyny, Misandry, and Misanthropy, 1987.

PETRIDIS, Sotiris. ‘Doing a Number on the Slasher Film: Class and Gender Politics in
Scream", (2002)

CARROLL, Noel. The Philosophy of Horror, or Paradoxes of the Heart. Routledge, 1990.

MACIEL, Filipe Tavares Falcão. O slasher do século XXI: aceleração do fluxo narrativo e
suas consequências para remakes de filmes de terror. Intercom, 2019.

LIMA, Gleison Teixeira de - GOMES, Marília de Castro - MENDES, Marcilia Luiza. A


fórmula matemática dos filmes de terror slashers e a estética da repetição. Intercom,
2015.

CÁNEPA, Laura. SHOCK! Slasher movie “made in Brazil. Revista Contracampo, 2005.

CÁNEPA, Laura. Medo De Quê? Uma História Do Horror Nos Filmes Brasileiros.
Unicamp, 2008.
13

LIMA, Rafael Garcez. O terror no cinema brasileiro contemporâneo: uma abordagem


monadológica de Trabalhar Cansa e Mangue Negro. Universidade do Vale do Rio dos
Sinos, 2019.

XAVIER, Ismail. O Olhar e a Cena: Reflexões sobre a Imagem e o Espetáculo. São Paulo:
Cosac & Naify, 2003.

LYRA, Bernadette. Horror, Humor E Sexo No Cinema De Bordas. Ilha do Desterro, 2006.

GERMANO, Pedro da Cunha. A Comparação Da Narrativa Slasher: Shock (1984) Com


A Hora Do Pesadelo (1984). Instituto Latino-Americano De Arte, Cultura E História, 2018.

SILVA, Gabriel Cardoso Borges. A renovação do cinema de horror no Brasil:


permanências e mutações do gênero a partir de 2008. PUC-RJ, 2021.

SOARES, Jéssica Patrícia - ROSSINI, Miriam de Souza. O Animal Cordial: Cinema de


horror brasileiro e a produção de afetos através de reflexos da sociedade. INTERCOM,
2019.

BARRENHA, Natalia Christofoletti. Mate-me por favor: Como ser uma Final Girl em
tempos de medo, de terror, de pesadelo. UNICAMP, 2021.

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