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Resumo
Este texto busca fazer uma análise subjetiva de objetos constantes na obra
Nostalgia da Luz - Nostalgia de la Luz (2010) e justifica-lo enquanto um filme ensaio.
Introdução
“Há mais mistérios entre o céu e a terra do que a vã filosofia dos homens possa
imaginar”. A frase de Shakespeare apresenta bem o que é Nostalgia da Luz Algo
entre o céu e a terra do Atacama, varios misterios sobre a origem da vida e sobre o
fim dela.
Do autor e da obra
1
Graduando no curso de Cinema e Audiovisual pela Universidade Federal do Espírito Santo
(UFES). E - mail: maykon_ab@hotmail.com
pelos militares. Tendo documentado todo esse processo Guzmán foi preso no
processo e após ser solto se exilou fora do Chile, na Espanha e depois em Cuba
onde terminou de montar o filme.
Tendo feito mais de 20 filmes ao longo da carreira uma grande parte deles
aborda ou tem como pano de fundo o resgate da memória e a ditadura de Augusto
Pinochet além do já referido A Batalha do Chile pode-se citar também México
precolombino de 1985, (série sobre as culturas Maia e Azteca) , En nombre de Dios
de 1987 (sobre a luta da Igreja católica em favor dos direitos humanos durante a
ditadura de Pinochet) Pueblo en vilo de 1995 (sobre a memória histórica de uma
pequena aldeia mexicana), Chile, la memoria obstinada de 1997 (sobre como foi
recebido A Batalha do Chile no próprio Chile após tantos anos de censura da
ditadura além de um reencontro com personagens do filme original). El caso
Pinochet de 2001 (sobre a prisão de Augusto Pinochet), Madrid de 2002 (sobre a
capital espanhola e a relação de afeto e memória do próprio Gunzmán com a
cidade), Salvador Allende de 2004 (sobre a vida e a morte de Salvador Allende,
aprofundando no seu período de governo no Chile) Nostalgia da Luz - Nostalgia de
la luz de 2010, Chile, una galaxia de problemas de 2010 (sobre o esquecimento e a
indiferença do povo chileno para com o passado recente do país), María Teresa y la
enana marrón de 2010 (sobre a astrônoma que descobriu a primeira anã marrom se
movendo pelo espaço) e El botón de nácar de 2015 (uma analogia entre a dizimação
dos povos indígenas e o desaparecimento de presos políticos na ditadura de
Pinochet).
Dentre eles está o objeto deste artigo, Nostalgia da Luz lançado 35 anos depois de A
Batalha do Chile em 2010, ainda reflete a ditadura de Pinochet que marcou
profundamente Patricio Guzmán que fala neste filme ensaio sobre o tempo ao refletir
com os astrônomos dos grandes telescópios que residem no deserto do Atacama e
também fala sobre a memória ao abordar as mulheres que buscam pelos corpos
ausentes de seus entes que foram perseguidos e desapareceram durante a ditadura
e que estariam enterrados no mesmo deserto, a memória também é objeto em
entrevistas ao longo deste ensaio em entrevistas a um sobrevivente que conseguiu
sair vivo de um campo de concentração chileno e a uma filha de desaparecidos que
lida com a lembrança e a ausencia dos pais. Inclusive Gusmán fala da sua própria
memória ao introduzir o filme.
“O velho telescópio alemão, que eu voltei a ver depois de tantos anos, ainda
funciona em Santiago do Chile. A ele devo a minha paixão pela Astronomia.
Estes objetos que poderiam ter sido os mesmos que haviam em minha casa
durante a minha infância me recordam desse meu tempo de criança que eu sinto
ter perdido. [...] Eu amava os contos de ficção-científica, os eclipses da Lua e olhar
para o Sol através de um apanhador de luz feito de pedaços de vidro. Decorei o
nome de algumas estrelas e tinha um mapa do céu. [...] No Chile, a Astronomia é
uma paixão de muitos. Eu sou apenas um entre milhares de aficionados.”
Guzmán( 2010)
O ensaio
idéias). Machado(2006)
O ensaio seria então um gênero que estaria entre a formalidade da escrita formal
científica ou filosófica e a escrita livre e que se preocupa com a forma como a poesia
e a literatura. Não segue a objetividade da ciência e da filosofia nem seu rigor
todavia não seria literatura por não suspender toda a descrença e buscar por uma
“verdade”. E Brasil, ao citar Max Bense corrobora com essa idéia.
“Podemos admitir que entre a poesia e a prosa, entre o estado estético da criação
e o estado ético da convicção, há um terreno intermediário que é digno de nota.
De aspecto iridescente, oscilando numa ambivalência entre a criação e a
convicção, ele se fixa na forma literária do ensaio.” (BRASIL apud BENSE, 2014,
p. 2).
O filme ensaio
Um dos primeiros teóricos a pensar numa correlação entre filmes e ensaio literário
foi André Bazin ao resenhar Lettre de Sibérie (Chris Marker, 1957) se refere a ele
como “um ensaio documentado por meio do filme” e descreve que Marker trouxe
para o filme uma noção totalmente nova de montagem que chamou de “horizontal”,
contrário à montagem tradicional que trabalha com a sensação de duração por meio
da relação tomada- a-tomada. Aqui, as imagens não se referem umas às outras a
anterior com a seguinte, mas sim se referem “lateralmente”, de alguma maneira, ao
que é dito. E antes de Bazin em 1940 Hans Richter um cineasta experimental
alemão publicou um manifesto (O Ensaio Fílmico: uma Nova Forma de Filme
Documentário) no qual fala de uma nova forma de cinema que tornaria visível o que
não é visível, expondo problemas pensamentos e até mesmo idéias.
“Se o ensaio é, como afirma Adorno, uma forma literária que se revolta contra a
obra maior e resiste à idéia de “obra-prima” que implica acabamento e totalidade,
podemos pensar que é contra a maneira clássica de se fazer documentário que
os filmes ensaísticos se constituem. São filmes em que essa “forma” surge como
máquina de pensamento, como lugar e meio de uma reflexão sobre a imagem e
o cinema, que imprime rupturas, resgata continuidades, traduz experiências.”
(LINS, Consuelo. 2015)
“Ele pode ser construído com qualquer tipo de imagem-fonte: imagens captadas
por câmeras, desenhadas ou geradas em computador, além de textos obtidos em
geradores de caracteres, gráficos e também materiais sonoros de toda espécie. É
por isso que o filme-ensaio ultrapassa longinquamente os limites do documentário.
Ele pode inclusive utilizar cenas ficcionais, tomadas em estúdio com atores,
porque a sua verdade não depende de nenhum “registro” imaculado do real, mas
Patricio Guzmán fala de sua própria memória enquanto jovem no Chile, conta ao
espectador como quem conta uma história em volta da fogueira,em um tom calmo e
quase professoral fala de sua própria experiência e faz uma transição cruzando de
sua memória para com a astronomia para a história de como se irrompeu a ditadura.
Nisso ele já apresenta algum dos objetos que irá abordar.
Guzmán(2010).
“-Então, nós não vemos as coisas no mesmo momento em que olhamos para
elas?
-Não, isso é uma ilusão. O presente não existe. Essa é a verdade.
-O único presente que existe, se é que existe, é o que eu tenho dentro da minha
mente, dentro da minha consciência.
Esse é o máximo do que nós podemos chegar perto do presente absoluto.
[...] O presente não existe. Essa é a verdade.
-O único presente que existe, se é que existe, é o que eu tenho dentro da minha
mente, dentro da minha consciência. Esse é o máximo do que nós podemos
chegar perto do presente absoluto. E talvez nem isso. Porque, na verdade,
quando eu penso, leva alguns segundos para o sinal viajar pelos meus sentidos.
Entre eu dizer "este sou" e eu me tocar, já há um certo atraso… O passado, eu
creio, que é o grande objeto dos astrônomos. Nós manipulamos o passado.
Nós estamos acostumados a viver no passado. É bem isso.[...] O presente é uma
linha muito tênue. Um pequeno sopro a destruiria.” trecho de Nostalgia da Luz
“Estou convencido de que a memória tem uma força da gravidade. Ela sempre nos
atrai. Os que têm memória são capazes de viver no frágil tempo presente. Os que
não a tem não vivem em nenhuma parte.” Guzmán(2010).
“Quando eles encontraram uma mandíbula do Mário, eu disse a eles que eu não
queria isso. Eu disse para a médica, Patricia Hernández: "Eu o quero inteiro. Eles
o levaram inteiro, eu não quero um pedaço [...] Se eu encontrá-lo hoje e eu morrer
amanhã, eu partirei feliz. Mas eu não quero morrer. Eu não quero morrer sem
encontrá-lo. Como eu te disse outro dia, eu adoraria que os telescópios não
observassem somente o céu, mas também vissem através da terra para poder
encontrá-los.” Guzmán(2010)
Neste filme o que Patrício Guzmán é muito além de apenas documentar fatos, ele se
expõe enquanto autor, coloca suas memórias, se coloca dentro do filme e não em
volta. Sua voz, seu julgamento e suas idéias estão no seu ensaio. Ele se usa de um
texto poético, narra de uma maneira de quem conta histórias e monta um quebra
cabeças com falas de pessoas improváveis que compartilham o espaço improvável
do Atacama, e lá buscam vestígios do passado. Através de pedaços garimpados no
deserto ele cria um corpo de um discurso. Ao qual ele afirma, a importância da
busca pela memória e de não se deixar esquecer, como a ditadura algo que ele viu
de perto e que faz questão de reavivar em seus filmes bem como faz em Nostalgia
da Luz.
Toda preocupação com a forma da mensagem, a opinião do autor e sua vivência
expostas dentro da obra, a sua não preocupação com o rigor técnico esperado de
um documentário nem a pretensão de se chegar a um ponto de conclusão
confirmam Nostalgia da luz enquanto ensaio.
REFERÊNCIAS