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Os Máscaras

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Os Máscaras

Maciel T.

Kultuur Editorial

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em quaisquer meios, no todo ou em parte.

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Você pode fugir, você pode se esconder, mas...

Você ainda é o que é.

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Capítulo I

Aquela cidade era bem quente no verão. Muito mais que a


anterior. Ainda soa forte e claro na minha cabeça o ruído do
motor do carro quando chegávamos, atravessando uma
serra que separava aquela pequena cidade do resto do
mundo que eu achava na época que conhecia, em sincronia
com meus medos e desesperanças sobre a nova vida
naquele lugar. Uma coisa era certa: Eu não sabia
absolutamente nada.

-Vamos ser muito felizes aqui, não vamos querido?

-Sem dúvida, meu amor!

Meu pai havia conseguido um emprego na pequena cidade,


mas o motivo maior de abandonarmos tudo e de eu ser
obrigado a deixar para trás meu amigo Oliver, que me
conhecia desde que éramos bebês, era a agitação da cidade
grande. Era difícil dormir a noite com o som dos carros que
passavam em frente a nossa casa. Além disso, acordar de

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manhã e olhar para o jardim da vovó Troodle, que morava
ali, e não vê-la como de costume cuidando de suas plantas
também não ajudava em nada. Mesmo do alto dos meus
onze anos, tinha que reconhecer que talvez fosse mesmo o
momento de mudar de ares para poder continuarmos a
viver, mesmo que isso significasse não poder ver mais o
Oliver. Mas, ainda vivia em minha mente o nosso último
momento juntos.

Eu havia prometido a ele que continuaríamos nos falando


de algum jeito, e que aquela cidadezinha provavelmente
tinha algum serviço de correios. Então, eu prometi que
escreveria, e ele fez o mesmo. Mamãe disse que era de
cortar o coração ver nós dois daquela forma, mas que eu
agradeceria por isso quando chegássemos lá. E, dentro de
mim, é tudo por que pedia.

Paramos em uma velha, porém bonita casa. Me pareceu


naquele momento que ao menos teria bastante espaço para
brincar. Fiquei imaginando se talvez pudéssemos trazer
Oliver aqui nas férias. Talvez ele gostasse do ar puro e da
tranquilidade também. Foi assim que as coisas começaram
naquela cidade para mim.

-Hoje a tarde estarei no colégio da cidade para fazer a sua


transferência, filho. - Em seguida, se agachou e colocou as

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mãos em meu ombro. - Me desculpe pelo Oliver, de
verdade! Sei o quanto gosta dele, mas era preciso.

-Era meu amigo, papai, meu único amigo. Mas eu vou


esquecer. Eu espero...

-Sim, você tem muito a descobrir por aqui! Bem, em troca,


pode escolher o seu quarto! Fique com o que lhe agradar
mais! – Sorriu.

Fiquei com o quarto que tinha uma janela que permitia ver
tudo lá fora e que ficava no andar mais alto. Era espaçoso e
tudo se podia ver até a serra. Além disso, era possível subir
ao telhado de vez em quando. Eu tinha um certo medo de
cair, mas, mesmo assim, era bom sentir o vento no rosto.
Talvez eu fosse aviador algum dia.

***

No dia seguinte acordei cedinho, não por despertador ou


canto de galo, mas normalmente. Era estranho dormir
numa cama diferente, depois de passar a vida toda sobre o
mesmo colchão, então realmente tive uma noite estranha.
Mas estava cansado após passar o dia inteiro ajudando
meus pais a organizar as nossas coisas na nova casa.
Inclusive, tão maior que a nossa ela era que dois cômodos
ficariam por um tempo sem função no andar debaixo. Mas

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a velha escada tinha um corrimão de madeira que tornava
tentador descer por ele. Mas bastava lembrar os três
andares e a mesma vontade logo se ia.

-Ei, amigão! Pronto para o colégio novo? – Perguntou o


papai, me observando descer a escada.

Levava a mochila nas costas e vestia-me com a calça de


linho, a blusa e o colete cinza sobre ela, além dos óculos. E
claro, os sapatos devidamente limpos e novos, comprados
antes da mudança.

-Bem, estou vestido ao menos!

-Vejo que meu menino não está se adaptando a vida da


nova cidade, mas vai. E por enquanto, sei o que pode
remediar isso! – Disse a mamãe, se aproximando e me
fazendo um carinho no cabelo. Em seguida, me deu para
levar o lanche que havia feito.

-O que fez?

-Vai descobrir quando abrir na hora do lanche! – Sorriu.

Meu pai me acompanhou até o prédio da escola. Um


imponente castelo de concreto inundado pelo som de
centenas de crianças caminhando pelos corredores e sendo
recebidas antes das aulas propriamente ditas. Eu estava
completamente perdido naquele lugar. Parecia um lugar
muito bom.

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-É muito bom revê-lo, senhor Halley. Esse deve ser o seu
garoto, Jules! Como vai, amiguinho? – Me fez um carinho
no cabelo.

Era um senhor alto e gordo, com um bigode bem cuidado.


Usava um bonito terno e tinha um olhar bem simpático
para mim. E quando não sorria para mim, sorria para o
meu pai, enquanto falava das questões da escola, e do
quanto ela é uma escola tradicionalíssima, com quase cem
anos de história naquele lugar e da honra de ter sido a
primeira instituição na cidade a abrir portas após a sua
fundação por um homem com um nome qualquer que por
mais que me esforce não consigo me lembrar.

-Vai ser uma honra receber o seu garoto entre os nossos e


espero que se sintam bem vindos em nossa escola e na
cidade como pessoas como o senhor, sua distinta esposa e
seu pequeno merecem!

Me lembro perfeitamente de como me senti ao ouvir essa


frase e de cada palavra dela por uma simples razão: Não foi
bem isso que aconteceu, mas, eu levaria um tempo ainda a
perceber. Até ali, tudo estava bem e eu me sentia realmente
bem. Meu pai prometeu buscar-me quando a aula se
encerrasse.

Então, o senhor diretor me levou entre os alunos de minha


turma. E foi ali que as primeiras coisas aconteceram.

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-Jules, preciso te dizer algumas coisas, pequeno. Assim
como você está se sentindo deslocado aqui, alguns de
nossos alunos também se sentem. Mas eles passaram por
coisas que fazem com que eles se sintam diferentes pelo
resto da vida, e penso que precisamos protegê-los. Há vinte
anos recebemos um aluno que precisava frequentar a escola
usando uma máscara que cobria todo o seu rosto, porque
ele havia sido deformado por um acidente. Nós
permitimos, porque nada podia ser feito. Três anos depois,
correu uma notícia na cidade que um de nossos alunos que
receberíamos possuía uma doença grave, e que já estava
sofrendo preconceito por isso. Então permitimos que ele
também usasse uma máscara, para que pelo menos aqui
pudesse estudar em paz. Mas aí, outros casos acabaram
acontecendo.

-Senhor...

-Jebediah!

-Senhor Jebediah, eu não entendo.

-Estou lhe pedindo, Jules, que não trate diferente os alunos


que usam máscaras em nossa instituição, mas que os aceite.
Todos eles precisam disso. Isso você pode entender, não é?

-Sim, senhor.

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Olhei em volta e só então percebi. Consegui contar pelo
menos cinco crianças em todo o pátio que usavam máscaras
só em meu campo de visão, mas a maioria conversava
normalmente com os demais. Havia até mesmo uma garota,
com um bonito vestido rosa. Dava uma certa pena imaginar
que uma garota bonita tivesse que esconder o seu rosto.
Mas, com tudo o que o senhor Jebediah havia dito, acho que
fazia um certo sentido que as coisas tivessem que ser assim,
mesmo que eu nunca tivesse notado isso antes. As máscaras
eram todas brancas.

O diretor então se afastou e me voltei para as crianças em


volta. A grande maioria que não usava máscaras. Eu não
sabia, mas aquilo tinha um significado muito maior,
sobretudo para mim.

Nossa professora era a senhorita Rosanne Willians. Era


mais jovem que a minha mãe, e tinha longos e delicados
cabelos castanhos e cacheados. Ainda me lembro do vestido
cheio de linhas cor de rosa horizontais e verticais que usava
no primeiro dia em que estive com aquela turma. Mas
minha atenção se voltou ao aluno que usava máscara em
minha turma, quando notei que ele foi ignorado na
chamada.

-Ele não tem nome? – Perguntei, ao garoto ao meu lado.

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-Tem, mas não sabemos. Segundo a professora, ela inclui as
presenças deles depois que todos saímos para o intervalo. –
Respondeu.

-Jules! – Cumprimentei em voz baixa.

-Edgard! – Respondeu igualmente. Era moreno e tinha


sardas quase imperceptíveis.

Eu certamente já tinha alguma coisa para contar ao Oliver.


Assim que cheguei em casa, subi para o meu quarto e
comecei a escrever para ele e contar tudo o que vi por aqui,
sobre as crianças mascaradas e o novo colégio, por sinal
bem maior que o anterior. A carta dele em resposta deveria
chegar depois de quatro ou cinco dias de espera bruta.
Encerrei então meus escritos dizendo o quanto sentia a falta
dele e refazendo a promessa de que não deixaria de
escrever. O fato é que, estava tudo mudando para mim, e
Oliver era só um pedaço de tudo o que sentia sobre mudar
de casa. O pedaço mais importante, mas só um pedaço.

E outras coisas começaram a acontecer antes que sua


resposta chegasse.

Capítulo II

Enquanto isso, naquele ano, um novo professor entrava no


prédio da escola com o fim de começar a trabalhar em sua

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nova função, como professor de educação artística. Ao sair
de sua primeira aula, foi até a sala do diretor Jebediah sem
entender o que estava acontecendo.

-S-senhor Jebediah?

-Senhor Perour? – Levantando os olhos para quem entrava


em sua sala.

-Howard, por favor!

-Jebediah, nesse caso.

-D-desculpe!

O senhor Perour era um homem jovem e bem-apessoado.


Vestia um bonito terno azul-escuro com uma gravata branca
e alguns livros debaixo do braço, além dos óculos no rosto.
Tinha cabelos pretos e curtos, e um olhar sério, mas, ao
mesmo tempo, amigável.

-As crianças... Uma delas em minha turma de hoje usava


uma máscara. Disse que tinham autorização da direção
para usá-la. O que é isso, senhor Jebediah?

-Achei que já tinha explicado ao senhor, senhor Howard!

-Apenas Howard!

-Apenas Jebediah!

-Certo, certo! Eu entendi, mas... Isso me parece cruel! Eu


olho para elas e não sinto que estamos ajudando elas. Isso
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não parece fazer elas se sentirem parte do grupo. Parece
mais uma prática segregacionista do que de caridade. Sinto-
me mal ao vê-las com as máscaras.

-O que você sugere então, Howard? Tirar suas máscaras e


mostrar as outras crianças quem devem desrespeitar e
tratar com preconceito? Eu amo crianças e sei que você
também! Por isso trabalhamos pelos futuros delas! Mas
Howard, crianças podem ser cruéis quando querem, e não
importa o que façamos, não podemos garantir que vai
continuar havendo paz por aqui. Os mascaras são crianças
que sofrem muito lá fora por razões que ainda por cima
vazaram para a sociedade. Se o senhor tiver uma ideia
melhor para que não sejam vistos como diferentes, o senhor
me avise, mas até lá, essas máscaras são minha forma de
protegê-los dos demais, e de se proteger de suas próprias
dores, ao menos quando estão aqui.

-Você não entende!

-Você não entende, Howard! Graças às máscaras, aquele


garotinho que tem o rosto deformado pode sentir que tem
um rosto normal, porque ninguém olha torto para ele. Eles
não julgam nem o repelem. O garotinho que tem uma
doença degenerativa não deixa de ser tocado nem seus
apertos de mão são negados como acontece lá fora por
causa dessa máscara. O menino cujo pai é um assassino

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condenado é visto como igual. Se essas máscaras não estão
unindo eles como gostaríamos, ao menos não estão
separando-os como essas histórias de vida deles fariam. A
vida é muito cruel, Howard. Mas a máscara ajuda a
amenizar. Ainda assim, não acha que essas crianças
merecem um pouco de paz?

-Sim, mas...

-Nesse caso estamos conversados. Se tiver algum problema


com um dos máscaras, assim como qualquer criança,
apenas traga-o para mim e eu me encarregarei dele. Se não,
apenas faça seu trabalho como foi contratado para fazer.
Posso ajudar em mais alguma coisa, Howard?

-Bem... O senhor pelo menos sabe as identidades dessas


crianças?

-Tenho em meu poder uma lista com seus nomes e


informações específicas. Mas é confidencial, não posso lhe
entregar.

-Tenho que saber ao menos sobre os que estão em minha


turma!

-Já lhe dei as orientações para aplicação de notas e


presenças. É tudo o que você precisa, portanto negado.
Mais alguma coisa?

-Não. – Respondeu, com certa insatisfação na voz.

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Levantou-se e deixou a sala. Acomapanhando-o, um
pronfundo sentimento de irritação e frustração por aquela
conversa e mais ainda, por compreender tanto quanto antes
aquelas crianças. No corredor, a professora Rose se
aproximou. Percebeu seu olhar bem menos agradável de
receber do que o de quando chegou.

-Howard, não fique assim! Sei que é complicado de


entender no começo, mas Jebediah quer o melhor para as
crianças! Bem, ele pode parecer um pouco cruel, mas é o
homem mais honesto que já conheci, e sua empatia para
com as crianças é infinita!

-Eu imagino que sim, Rose. – Respondeu.

Começaram a andar juntos. Rose aparentemente o havia


achado interessante quando chegou, e a recíproca era
verdadeira, mas nenhum dos dois havia oficializado ainda.

-Ele é como um pai para mim. E foi ele quem me abraçou e


consolou no enterro da minha mãe.

-Rose, já perguntou a uma dessas crianças como elas se


sentem?

-Eu pergunto todos os dias, Howard. Pessoalmente, elas são


as que mais me preocupam o tempo todo. Mas isso não é
algo que as machuca, mesmo que as máscaras, na prática,

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sejam difíceis de encarar. E elas gostam muito do Jebediah
também.

-E quanto aos pais?

-Não posso contar quantas vezes Jebediah, eu e os outros


professores tivemos que conversar com os pais sobre isso.
Normalmente eles reagem assim como você, mas entendem
com o tempo. Jebediah contou que a criança que tem câncer
disse a ele que se sente curada quando está com a máscara.
E parando para pensar, isso é maravilhoso!

-Rose, da forma que vejo, ou Jebediah é o maior vilão dessa


história, ou será ele a maior vítima. Temo pelo que essas
máscaras realmente signifiquem para essas crianças!

Jebediah era praticamente um messias caridoso para Rose e


para aquelas crianças. Howard realmente ficou sem ter mais
palavras para continuar aquela discussão. Ao menos, não
poderia reclamar enquanto não tivesse uma ideia melhor. E
forçá-las a tirar as máscaras sem ter uma ideia seria tão
cruel quanto expor seus problemas. No fim das contas, era
melhor deixar tudo como estava. Se realmente estava certo
sobre as máscaras serem ruins, o que já começava a
duvidar, esse ainda assim era um jogo que não podia
vencer.

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***

Levei um forte empurrão no intervalo e caí no chão sobre os


braços. Alguém grande havia esbarrado em mim. Um dos
meninos maiores de outra turma. Olhei para trás para vê-lo.
Aos meus olhos, um gigante com um ar totalmente mal
intencionado. Parecia um aviso. Para respeitá-lo, talvez.

-Olha por onde anda, moleque!

-Você esbarrou em mim! Você deveria olhar!

-O que?

Senti o peso de um soco brutal vindo em direção ao meu


rosto naquele momento. Mas não veio.

-O que você quer? - Questionou outra pessoa.

-Já chega, Robin! Você esbarrou nele de propósito! Já


conversamos sobre isso!

-Se acha muito bom por causa dessa máscara, não é,


queridinho do diretor? – Zombou, com certa raiva na voz e
nos olhos, se retirando em seguida.

Era um máscara. Era um pouco mais alto que eu e magro e


vestia-se como todos os outros. Sua máscara era tinha o
sinal uma coruja. Ajudou-me a levantar. Em seguida, tocou-
me em meu ombro.

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-Novato, certo? Não posso dizer meu nome, mas é um
prazer conhecê-lo. – Cumprimentou-me.

-Jules.

-Robin é um babaca. Chihuahua em pele de Rotweiller. Não


diria que ele é um valentão, mas ele não gosta de nós,
máscaras. Não gosta pelo respeito que elas impõem. Talvez
porque nunca conseguiu o mesmo da maneira que age. Só
posso ter pena.

-Isso dói?

-O que?

-Ter que usá-la?

-Bem, no começo sim, e muito. Mas o diretor Jebediah sabe


o que é melhor para nós. É a melhor pessoa que já conheci.

Lembro que sua voz era doce e simpática, como a de Oliver


era, e como o rosto gracioso de uma coruja branca, que era a
marca em sua máscara, sugeria.

-Certo, Jules. Cuide-se. Se precisar, pergunte pelo coruja. E


sugiro que não confie em todo mundo. Há muitos Robins
que vão querer se passar por amigos aqui.

Cumprimentou-se e se afastou em seguida. Os máscaras


eram realmente misteriosos e, não consigo entender o
porquê, mas qualquer coisa na voz de Coruja fazia entender

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uma dor muito, mas muito grande dentro de si. Apesar
disso, seu tom de voz era acolhedor. Acho que realmente
havia feito um amigo ali naquele momento. Ou nem tanto
assim.

-Obrigado! – Respondi, ao vê-lo se afastar.

Acenou, de longe.

Capítulo III

Ao voltar para casa naquele dia, terminei a carta ao Oliver,


que havia começado no dia anterior. Eu pretendia colocá-la
no correio ainda no final do dia, depois que terminasse de
escrevê-la.

Oliver,

Não eram meus planos que as coisas tivessem acontecido dessa


forma. De verdade, nunca foram. Peço desculpas por não ter
conseguido te explicar antes de sairmos, mas meus pais não
conseguiram ficar em paz em nossa casa depois do enterro da vovó
Troodle, e, acho que meus pais têm outros motivos que não me
falaram também.

Tenho me sentido muito sozinho aqui desde que chegamos. Ainda


não conheci ninguém que pudesse chamar de amigo, ou que pelo

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menos achasse que podia procurá-lo ou que essa pessoa me
procuraria. Acho que isso vai demorar para acontecer.

Parece que a cidade é tranquila e pacífica até aqui, e as ruas são


estranhamente quietas. Ao menos o sol não é tão forte por aqui
como é por aí. Mas isso não é tão estranho. Nesse momento, ainda
estou descobrindo como lidar com a ideia de estar morando nesse
lugar. Não tem sido fácil fazer qualquer coisa e não me pegar
pensando na antiga casa.

A escola é bem grande e o prédio parece ser bem antigo. Fui bem
recebido e confesso que gostei de lá. É bem diferente da antiga
escola. Mas tem uma coisa que muito me incomoda ali. Há um
grupo de crianças que usam máscaras durante o tempo todo na
escola. Nosso diretor, senhor Jebediah disse que essas crianças têm
problemas que outras pessoas não podem saber e que isso é para
protegê-las. Essas crianças estão sempre juntas em seu próprio
canto, e é quase impossível ver elas conversando com crianças que
não as usam.

Eu conheci um deles. É um garoto e usa uma bonita máscara


branca com o símbolo de uma coruja branca. Ele me salvou de um
valentão qualquer, apenas mandando que se afastasse. Parece que
as máscaras fazem com que os outros os respeitem também,
embora eu não consiga pensar que eles estão sempre juntos como
um clubinho porque querem. Coruja, como me pediu para chamá-
lo, disse que estaria ali se eu precisasse dele. Mas não era um tom

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de voz seguro. No fundo, não consigo deixar de pensar que há
uma dor muito grande por trás dele. Mas aquela foi a única vez
que o vi. Acho que vai demorar até eu falar com ele de novo.

Bem, confesso que não sei mais o que posso te dizer sobre essa
cidade. Essas crianças com máscaras me deixaram tão aéreo que,
francamente, não consigo pensar em mais nada para lhe dizer.

Espero que não tenha me esquecido.

Jules.

Dobrei o papel e coloquei dentro do envelope. Desci até as


escadas e saí de casa. Fui até a caixa de correio e a coloquei
ali. Deveria chegar no dia seguinte a casa de Oliver.
Esperava que escrevesse de volta dizendo o que acha o mais
rápido possível. Foi quando tive uma visão do outro lado
da rua. Passando por ali, estava uma pessoa conhecida.

-Edgard! - Gritei, com certa empolgação, acenando.

-Jules! - Se aproximou. - Não sabia que morava por aqui! Eu


moro no fim da rua! - Apontou. Uma casa branca de médio
porte.

-Edgard, é muito bom ver você! Como sabe, eu acabei de


me mudar e não tem ninguém que eu conheço por aqui!

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-Sei bem como é, chegamos aqui faz alguns meses também.
Com o tempo você se acostuma a estar aqui! Ei, acabamos
de adotar um casalzinho de Hamsters, quer ver?

Talvez devesse ter avisado meus pais antes, mas nem me


lembrei. Ver o Edgard ali me deixou empolgado para fazer
qualquer coisa com ele. Qualquer coisa que fosse melhor do
que o que fazia sozinho. Acho que ficamos brincando a
tarde toda lá. Quando voltei, meus pais não estavam muito
felizes, mas entenderam.

***

Acordei cedo no dia seguinte para o colégio. Estava ansioso


para que chegasse a carta de Oliver com a resposta. Era algo
extremamente importante para mim, pois prometemos que
faríamos isso, que continuaríamos nos falando. Acho que,
em parte, sempre estaria ansioso para receber qualquer
coisa de Oliver, mesmo que não tivéssemos combinado de
nos falar. Uma carta, um telefonema, um sinal de fumaça,
qualquer coisa.

Fui para o colégio novamente com o mesmo colete cinza


sobre a camiseta branca como da outra vez. A mochila nas
costas. Até então não esperava que houvesse mais nada as
respeito dos Máscaras para se descobrir. Talvez eu estivesse
enganado, porque, aconteceu uma coisa.
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***

Enquanto eu estava a caminho do colégio, caminhando a pé


nas ruas frias da pequena cidade, o professor Howard já
chegava com seu carro recém-comprado. Carros como
aquele não eram exatamente uma novidade naquela época,
mas ainda eram algo relativamente caro para a maioria das
pessoas. Estacionou na grande área de estacionamento da
instituição, no piso inferior, e em seguida, se dirigiu a sala
do senhor Jebediah. Eu nem imaginava que um homem que
parecia ser tão simpático frente as crianças e os pais
pudesse ter algum vício.

Mas ele fumava um discreto cigarro em sua sala,


aproveitando não haver ainda ninguém na instituição além
de funcionários da limpeza e alguns professores, e portanto,
ele tinha esse tempo de relaxar. Embora a forma não fosse
muito apropriada.

-Senhor Jebediah?

-Belo terno, Howard! - Respondeu, ao vê-lo abrir a porta de


sua sala. Tirou rapidamente os pés na mesa e escondeu o
cigarro na gaveta entreaberta de sua mesa.

-Obrigado, senhor. Igualmente.

-Em que posso ajudar?

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Howard tirou os óculos do rosto com uma mão e um lenço
do terno com a outra. Começou a limpar as lentes.

-Colocamos mais açúcar no café dos professores, o senhor


percebeu? Andavam reclamando, até mesmo Rose! Então
mandei trocar a marca e a receita! Espero que fique mais
agradável para o senhor!

-Não vim para falar de café. - Respondeu, Sério.

-Certo. Como posso ajudar?

-Pode ser ousadia minha, senhor Jebediah, mas levei o caso


a secretaria de educação do estado. Queria ver o que
pensam a respeito do que o senhor está fazendo!

Jebediah respirou fundo antes de responder qualquer coisa.


Em seguida, levantou-se e atravessou a própria mesa. De
frente para ele, passou a observá-lo em seu nível e encará-lo
de frente.

-Ansioso por inimigos, não é, Howard?

-Ansioso por justiça, eu diria. - Respondeu. No fundo,


forçava-se para não recuar, porque acreditava muito
fortemente que estava fazendo algo bom.

-O que disseram?

-Que já estavam informados sobre isso. E que


compreendem que está instituição é um caso a parte em

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relação a outras instituições parecidas e que, uma vez que
não esteja infringindo a lei de maneira comprovada, devem
responder apenas a si mesmas e aos pais que confiam suas
crianças a elas.

-Isso porque essa não é uma instituição pública, nem possui


nenhum tipo de ligação com o governo que não a civil. Vou
lhe dar um conselho, senhor Howard: Se não está satisfeito,
vá embora. Ou isso, ou faça seu trabalho. Se continuar
tentando interferir, vai acabar tendo mais inimigos do que
imagina.

-Do que você…

-Da cidade, senhor Howard! - Sorriu. - É isso o que o senhor


ganha quando chega numa cidade nova achando que pode
mudar tudo ao seu bel prazer: Nós mudamos, mas somente
para com o senhor.

-Você…

-Senhor Howard, em vez de me transformar no vilão dessa


história, porque não experimenta sentar com uma dessas
crianças, e perguntar a eles o que pensam disso, como se
sentem sobre isso, porque concordam com isso? Porque não
tenta entender o que está acontecendo primeiro, antes de
saber se realmente é algo que precisa ser combatido, e não
apoiado?

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Novamente, o professor Howard, em início de carreira,
estava sendo vencido por Jebediah e mais uma vez
sentindo-se impotente sobre o que estava acontecendo ali.
Agora, nem tinha mais certeza do porque estava
questionando tanto aquilo. Por via das dúvidas, aceitaria o
conselho de Jebediah. Nisso ele não estava errado: Se
parasse para ouvir os máscaras talvez tirasse novas
conclusões. Retornou a sala dos professores para provar o
café com mais açúcar antes da primeira aula.

Enquanto isso, eu já me aproximava do prédio da


instituição, onde outras crianças aguardavam os portões
abrirem. Algumas com seus pais, e outras como eu,
sozinhas. A maioria porque morava perto dali, e a cidade
era tranquila o que tornava melhor que viessem sozinhas
mesmo, enquanto seus pais ficavam livres para irem
trabalhar, o que incluía meus pais.

-Bom dia! - Disse alguém.

Olhei para o lado para ver. Era a menina de vestido rosa


que eu tinha visto no outro dia, que usava máscara. Não
esperava falar com ela tão cedo.

Capítulo IV

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Acho que não tinha mencionado ainda. A face em sua
máscara era a de um passarinho, mas não sei ao certo qual.
Talvez um Robin ou um Gaio-azul. Não importa. O que me
lembro nitidamente, é que ela tinha bonitos cabelos loiros
que deixavam a máscara em direção aos ombros.

-B-bom dia!

-O Coruja me falou de você. - Sorriu. - É muito raro chegar


algum aluno novo no colégio. É porque a cidade é pequena,
eu acho.

-E-ele falou? O que disse?

-Só disse que vai ficar de olho em você. Por causa do Robin.

-E-eu não preciso disso!

-Não é por você! É pelo Robin! Coruja já foi amigo dele,


antes de usar a máscara! Mas não conte ao Robin! Ele não ia
perder a chance de se vingar do Coruja e contar a todo
mundo quem ele é! E você sabe, o Coruja tem uma história
muito triste. Como todos nós que usamos máscaras.

-Eu imagino que sim.

Até então eu nunca havia reparado em meninas. Pelo


menos não de forma diferente da que eu encarava qualquer
outra pessoa. Mas ela deveria ser muito bonita, e a máscara
me atiçava muito a curiosidade sobre como deveria ser seu
rosto e a cor dos seus olhos. Senti uma pontinha disso
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quando a vi de longe no outro dia, mas acho que não
prestei a devida atenção nisso.

-Ok, eu… Eu não devia dizer isso. Sobre o Robin e o Coruja.

-Tudo bem, o Coruja não vai ligar, eu acho. Anh, acho que
temos aula de matemática hoje!

-Sim, eu gosto! Bem, não muito…

-Algo errado?

-Meu pai… Era matemático. B-bem, eu não quero falar


disso. Digo, não agora. Já teremos que ir no cemitério ver
ele amanhã. Ah, droga, eu não devia dizer isso também!

Ela parecia sentir-se muito culpada cada vez que falava


mais alguma coisa sobre sua identidade. Não queria sair de
trás da máscara, mas também não queria ficar. Era meio
atrapalhada, mas de um jeito que era muito meigo. Foi
então que Edgard chegou. A blusa verde escura com gola V
sobre uma camiseta branca e os óculos sobre o nariz, como
sempre.

-Jules!

-Edgard, bom dia!

Foi então que ele notou que ela estava conversando comigo.
Sua expressão de rosto mudou.

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-Jules, anh… Eu… A gente conversa depois! - Respondeu,
deixando-nos em seguida.

***

Quando voltei para casa, a carta de Oliver já havia chegado.


Estava ali, na caixa do correio. Foi bem rápido, dois dias. E
mesmo assim, tão ansioso estava que cheguei a duvidar se
ele responderia. Mamãe me deu a carta depois de me
cumprimentar quando cheguei. Subi as escadas e fui ao
meu quarto.

Tirei os sapatos e me deitei sobre a cama. Abri a carta.


Somente a letra bonita de Oliver já me trouxe um forte
sentimento de nostalgia momentâneo. A maneira como ele
fazia as curvinhas das letras com a caneta a tornavam algo
único. Algo que eu reconheceria em qualquer lugar.

-Ollie! - Sorri, por um segundo.

Comecei a ler.

“Jules,

Estamos bem aqui, eu e minha mãe. Também tenho pensado


bastante em você e foi um alívio receber sua carta. Saber que não

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se esqueceu da nossa cidadezinha e das coisas daqui. E nem da
vovó Troodle.

Ah, compraram a casa dela. Há uma nova família morando aqui


agora. Dois garotinhos e uma menina, além dos pais e um tio que
mora ali de favor. São boas pessoas, mas não sei ainda se são
amigos. Talvez eu acabe descobrindo com o tempo.

É realmente estranho o que você disse sobre essas crianças usando


máscaras, mas acho que faz um certo sentido. Se eu tivesse o rosto
deformado, ou algum passado triste e vergonhoso… Bem, não
sei… Acho que são coisas que qualquer pessoa gostaria de
esconder. Mas, pensando bem, muitas pessoas escondem o que são
de verdade sem precisar de máscaras. Não sei, Jules. Talvez o
verdadeiro mal esteja mesmo é em como aceitamos quem as
pessoas são de verdade. Talvez esteja em nós.

Certo, desculpe, estou sendo muito filosófico aqui. Tenho escrito


muito ultimamente, sabe? Depois que você foi embora, encontrei a
velha máquina de escrever do meu pai e alguns livros velhos que
ele escreveu mas nunca publicou. Acho que você estava certo, meu
pai era realmente uma pessoa boa e inteligente. Queria ter tido a
sensibilidade que você teve para perceber isso antes de ele…
Certo, não vamos falar sobre isso.

De qualquer forma, achei que seria legal continuar o que ele


começou. Ele pagou por aquela máquina, sabe? E tinha tinta nela
ainda. E ele pagou por essa tinta também. Isso me fez pensar que,

30
talvez, eu devesse continuar o que ele começou e escrever alguma
coisa. Pedi a minha mãe que tirasse cópias de um dos livros do
meu pai. Lembro-me que ele gostava muito de você e de sua
companhia. Achei que seria justo te enviar.

Bem, essa máquina se tornou uma terapia para mim. Sabe,


quando estou triste, ou com raiva, ou com saudades… Tenho
recorrido a ela nessas horas. E isso tem me feito bem. Ao menos,
acho que me sinto um pouco melhor, mesmo depois de tantas
coisas. E, quase não tenho tido mais aqueles pensamentos… De
fazer aquilo.

Estou escrevendo um livro também. Nada no nível do que meu


pai escrevia, mas a máquina me fez perceber que há coisas dentro
de mim que precisam sair de alguma forma, antes que acabem me
matando. E, Jules, não há nenhuma outra pessoa a quem eu confie
esses escritos. Porque só você será capaz de entender de verdade
toda a dor que vai encontrar neles. Sim, me machuca escrevê-los.
Mas, não se preocupe, eu estarei bem no final, prometo!

Até um dia, irmãozinho!

Olliver.”

Olliver ainda estava triste pelo pai. Não sei ao certo o que
aconteceu com ele. Ollie nunca me contou. Só sei que viajou
para um lugar muito distante, e, quando tiveram notícias

31
dele dias depois, ele tinha morrido. Também não sei o que
tirou sua vida. Mas lembro como foi triste e doloroso para
Ollie receber essa notícia. Então, ele dormiu em minha casa,
naquele dia. Foi melhor para ele afastar-se um pouco da sua
realidade, só um pouquinho. Por isso, eu pude ver como foi
difícil para ele digerir aquilo.

Eu também tenho lembrança do pai do Ollie, senhor


Eugene. Era um bom homem, e gostava de livros, chá e
xadrez. Inclusive, era este último que me levava a visitá-lo,
mesmo que Ollie não estivesse em casa. O senhor Humprey
nos viu jogando Xadrez uma vez em um jogo com peças
feitas de lápis-lazuli que ele tinha em seu escritório.
Ficamos assustados. Achamos que ele ficaria bravo. Mas ele
apenas sentou-se, sorrindo.

-Continuem, por favor! - Sorriu.

Lembro-me desse momento nos detalhes. Sua barba


castanha mal feita e o bigode, além do terno, que lhe
conferia um ar de lorde inglês.

-N-não está bravo? - Perguntou Ollie. Seus olhos azuis


aflitos.

-Não. - Sorriu. - Pelo contrário, qualquer pai ficaria feliz em


ver que o filho compartilha de seus interesses! Bem,
continuem, quero ver quem vai ganhar essa partida!

32
Oliver ganhou. Mas o prêmio maior veio para mim: O
senhor Humprey se comprometeu a me ensinar a jogar
Xadrez. Passamos a nos encontrar para jogar todos os dias
depois da aula. A senhora Humprey nos fazia biscoitos de
vez em quando. Com isso, eles acabaram se tornando
minha segunda família. Mas, o senhor Humprey viajou
depois de duas semanas, vindo a falecer onde esteve depois
de poucos dias. Não sabemos para onde foi e nem o que
tirou sua vida, se foi uma doença, se foi algum homem
mau, nada.

Era uma pena. Oliver não merecia passar por aquilo. Ele era
uma pessoa boa e gostava muito do pai. Mas, como mamãe
disse na época: É preciso ser bom para conseguir suportar
isso. Perguntei sobre os maus na época. Ela disse que
pessoas más são fracas, e precisam fazer maldades para se
sentirem fortes perante as outras. E isso dizia muito sobre
Ollie. Ninguém era bom como Ollie.

***

Pretendia escrever minha carta de resposta ao Ollie no dia


seguinte, quando chegasse do colégio. Por alguma razão,
após ler aquela carta, meus pensamentos ficaram por
bastante tempo em Ollie e em seu pai. E nas coisas que

33
poderia ter dito a eles antes de nós três nos afastarmos da
forma como aconteceu.

Quanto ao livro que Ollie me enviou, foi uma outra


surpresa, porque, já no título, era possível sentir que aquele
homem guardava uma tristeza muito grande dentro de si.
“As Rosas Morrem”. Não era um livro grande, porém era
cheio de poesia, apesar de ser uma narrativa, e cheio de
metáforas também. Tornou-se meu livro de cabeceira,
embora fossem apenas folhas grampeadas. E além do título
e do nome do autor, não havia nada na folha de capa. Nem
mesmo sinopse. Mas eu sabia que tinha alguma coisa
naquele livro que remetia Ollie a mim, pois ele o escolheu
para mim.

Abri a primeira página. No início, uma moça sentava-se e


tomava chá com a mãe na varanda de uma casa.
Conversavam sobre o destino de Júlia, uma irmã dela que
resolvera tornar-se cineasta e tentar a sorte no exterior. E a
primeira metáfora sobre nós, embora eu não tivesse
percebido naquele momento, estava ali:

“-Não sei mamãe. Acho que as pessoas precisam ter a liberdade de


ir buscar os seus sonhos. Não gostaria de vê-la sufocada nesta
casa se não estava de fato feliz em trabalhar em nossa floricultura.
E, bem, as rosas não se sentem felizes quando não são cuidadas
por pessoas felizes. Pode parecer loucura, mas aqui dentro, eu sei

34
que elas podem ver os nossos sorrisos e sabem quando não estão
em nós.”

Capítulo V

No dia seguinte, encontrei Edgard a caminho do colégio


novamente. A blusa verde de sempre e a gravatinha
borboleta preta. A primeira coisa que me lembrei de
perguntar foi sobre o outro dia quando ele se afastou com
certo receio ao me ver com a Rouxinol. Mais tarde soube ser
esse o pássaro em sua máscara.

-Edgard!

-Jules, como vai?

Começamos a caminhar juntos na rua movimentada, sobre


o concreto que compunha o chão da calçada.

-Vou bem! Chegou ontem a carta do Olliver!

Começamos a caminhar juntos por ali.

-Dá para ver que ele é importante para você!

-Sim, sinto falta dele. Posso perguntar algo?

-Bem, sim.

-Você tem medo deles? Dos Máscaras?

35
-Bem, eu, com certeza, não gosto deles. Eles são estranhos.
Estão sempre presos em seu próprio mundo. Quase nunca
falam com as pessoas.

-Eles falam comigo. Bem, ao menos o Coruja e a Rouxinol


falaram.

-Não pense que são seus amigos por causa disso. Eles não
são amigos de ninguém. Nem sei o que eles querem.

-Não acho que eles sejam assim porque querem. Mas tudo
bem então.

***

Outra hora, outro lugar. Uma espécie de sala de estar com


móveis de madeira num aspecto bem antigo. Um grande
lustre na parede. Na mesinha de centro, café para ser
servido em xícaras. Com a máscara ao lado, sentado, Coruja
tomava um copo.

-Não, só acho que essa é a forma mais rápida de fazer isso.


Ele acabou de chegar na cidade e não conhece nada daqui.
Também está deslocado. E acho... - Disse Coruja.

-Cale-se. - Respondeu o outro. - Os máscaras tem um


propósito e não quero arriscá-lo com uma maçã podre no
saco. Mas agradeço que tenha vindo falar comigo, mesmo o

36
assunto não sendo tão agradável. É sempre bom ter uma
companhia para o café da tarde.

-Acho que você não entendeu…

Ajeitou os óculos sobre o nariz.

-Então explique.

-Jules… Gostaria que evitássemos que isso acontecesse com


ele.

-Porque?

-Porque acho que ele nos compreende. - Segurou a máscara,


como que mostrando-a. - Não reagiu a isso com os mesmos
medos e temores que os outros. Eu sei que posso estar
errado. Mas vejo que ele é diferente. Acho que podemos
fazer isso e deixa-lo por perto por algum tempo sem
grandes problemas.

-Você é uma alma boa. - Disse o homem, chamando-o pelo


nome real, em seguida.

-Coruja. - Corrigiu o garoto. - Nunca sabemos quando


estamos sendo ouvidos.

-Se acreditasse mesmo nisso, não teria tirado a máscara


para falar comigo.

-Certo.

37
Colocou-a de volta. Em seguida, aproximou-se do homem.
Se abraçaram. Eu ainda não sabia, mas aquele homem tinha
grande importância na vida do Coruja. Importância essa
que estava além dos Máscaras. Colocou a máscara em
seguida e deixou lentamente o local, enquanto o homem
tomava mais uma xícara do café quente.

***

Alguma coisa estranha aconteceu naquele dia. Nenhum dos


meninos que usavam máscara apareceu naquele dia no
colégio com exceção de um. Um que até então eu não tinha
notado. Sua máscara era de um lobo branco. Os dentes
afiados estavam bem aparentes ali.

Mas não olhou para mim e nem falou com outras pessoas.
Cada vez mais eu via o comportamento dos máscaras como
fechado e restrito ao seu próprio grupo. Até então, somente
Coruja e Rouxinol tinham conversado comigo naquela
semana, mas, mesmo assim, por poucos minutos no
máximo e cada um por sua razão. Coruja somente para me
defender de Robin, e Rouxinol aparentemente estava
quebrando o que parecia ser uma regra deles. Mas, até onde
eu via, nenhum aluno se questionava a respeito. Deviam
pensar a mesma coisa que Edgard pensava. Que são
estranhos e que não é seguro se aproximar deles. Se bem

38
que o tom de voz de Edgard naquele dia mostrava um
medo muito mais real do que o de quem nunca nem se
aproximou deles.

Mesmo assim, o destino acabou me colocando frente a


frente com o Lobo também. Fui ver Jebediah em sua sala
naquele dia. Tinha algo a entregar-lhe. Uma carta de meu
pai. Não tinha muita certeza sobre o que era. Meu pai não
me disse na época e achei melhor não abrir por educação.
Foi nesse momento que o encontrei. Me aproximei e ouvi
Lobo conversar com o diretor.

-Ah, então é por isso que está aqui hoje? - Perguntou ele.

-Sim, foi o que o Coruja pediu. Normalmente não dou a


mínima para ele, mas lhe devia o favor.

-Certo. Qualquer coisa me avise.

-Claro.

Entrei em seguida, ao vê-lo se levantar, sem esperar que


saísse, o que fez com que ele esperasse.

-Jules, em que posso ajudar? - Sorriu Jebediah.

-Meu pai pediu que entregasse isso ao senhor. - Disse,


colocando o envelope sobre a mesa. - Disse que não tem
tempo de vir vê-lo, mas precisava lhe falar. Por isso
mandou esta carta.

39
-Oh, entendo. Adultos são sempre muito ocupados, sabe,
Jules? Mas, fico feliz que ainda assim seu pai tenha tirado
uns minutos para me escrever, seja lá o que for que precise
me avisar. Obrigado!

-Disponha, senhor Jebediah.

Me retirei em seguida. Lobo ainda estava no corredor.


Como se tivesse ouvido minha conversa com o diretor. Mas
não perguntei mais nada. Apenas segui meu caminho de
volta. Fui seguido por ele.

-O-o que você quer? - Perguntei. Minha voz certamente


estava mais trêmula do que me pareceu.

-Estava me perguntando sobre você. Coruja contou sobre


no outro dia. Sobre você e o Robin. Ah, ele disse que vai
querer falar com você de novo logo.

-Ele disse?

-Bem, não com essas palavras. E também não disse para eu


falar com você. Mas eu também não sou o garoto mais
obediente.

-P-porque estão falando comigo? V-vocês não falam com


mais ninguém aqui, não é?

-Pergunte ao Coruja! Ele começou essa bagunça toda!

-C-certo.

40
-Eu vou estar vendo você! - Disse isso e tomou outro
corredor.

Novamente, mais um deles estava quebrando uma regra e


falando comigo. Dessa vez, Coruja havia reforçado
pessoalmente que ele não deveria fazer isso. Mas, pelo que
entendi, parecia ser de seu interesse, entretanto, que Lobo
estivesse ali naquele dia. Comecei a me perguntar onde os
outros estavam. A partir daquele momento, para mim, algo
de muito estranho estava acontecendo sobre os máscaras.
Algo muito além do que Jebediah havia me falado.
Perguntei a ele quando o encontrei novamente naquele dia.
Ele disse que os máscaras as vezes tem atividades em outro
lugar. Alguma coisa sobre o sistema ser diferente para eles
em função de não poderem revelar a identidade. Nada que
me convencesse muito naquele momento. Sobretudo
porque Lobo estava ali.

***

Mandei outra carta para a Ollie, respondendo a última carta


dele.

Ollie,

41
Estou lendo o livro que me mandou e fico muito feliz que tenha se
lembrado de mim ao encontrar os livros do seu pai. Também sinto
falta dele. Era um homem bom e gentil. Teve sorte de ter um pai
como ele. Espero que Deus o tenha consigo nesse momento.

Também fiquei curioso sobre o que anda escrevendo na máquina


de escrever do seu pai. Posso estar enganado, mas você me parece
triste ao falar sobre isso. Parece machucado. Parece precisar da
máquina de escrever justamente porque está machucado. Isso é
sobre o seu pai, ou aconteceu algo mais com você? Como está se
sentindo?

Bem, devo lhe falar como as coisas tem acontecido por aqui. Essa
coisa estranha sobre os máscaras continua a me incomodar.
Depois de Coruja ter me defendido de Robin, outra pessoa veio
falar comigo. Dessa vez foi uma garota. E era bonita. De alguma
forma sei que era bonita, apesar de não ter visto seu rosto. Mas o
mais estranho é que ela não deveria ter falado comigo. Os
máscaras não falam com ninguém além dos adultos e do próprio
grupo deles. Era como se ela estivesse se arriscando. Mas, assim
como o Coruja, não conversamos novamente depois disso.

Também encontrei outra pessoa hoje mais cedo. Nenhum dos


Máscaras apareceu no colégio hoje, com exceção dele. Quando me
viu, disse que Coruja lhe disse para não se aproximar de mim,
mas que ele não era obediente. Lobo parecia ser meio rebelde. E,
naquele momento, me lembrei do que seu pai dizia, que toda

42
rebeldia esconde uma dor. Talvez a mesma que a máscara
escondia. Acho que muito ainda vai acontecer sobre isso.

Mudando de assunto, sinto saudades, Ollie. Queria que soubesse


disso. Queria que soubesse que tenho pensado em você e em tudo
o que passamos juntos. Eu não sei até onde vão essas cartas, mas
espero de verdade que elas nunca se percam. E, estou ansioso para
saber o que você está escrevendo que o vem machucando, mas que
vai valer a pena. Por que isso confirma que há muito mais dentro
de você do que você fala.

Estarei orando por você. Até um dia, irmão!

Jules.

Capítulo VI

-Mas qual é a droga do seu problema? - Berrou Coruja, em


outro lugar, ambos sem a Máscara. - Está nos colocando em
cada vez mais perigo!

-Você...

-Eu sei o que fiz, mas o senhor Waldor nunca concordou


com isso!

43
Sentou-se no sofá, deixando o corpo cair com certa força.
Marca da frustração que sentia. Olhou no fundo dos olhos
de Lobo, com quem falava até então.

-Por favor, cara, eu sei que você não é assim!

-O que quer dizer?

-Sei que tem problemas com regras, mas por recompensa


nenhuma jogaria isso fora, então por favor, cumpra nossos
combinados!

-Tá bom! Tá bom! Você é chato!

-Te chamou de chato! - Riu-se o outro.

Mesmo com a máscara, este terceiro seria facilmente


reconhecido pela voz um pouco mais aguda que a dos
demais meninos e pela risada estridente, que alias, qualquer
motivo servia para despertar. Não era necessário explicar
porque ele usava a máscara de uma Hiena.

-Cala a boca! - Disse Lobo, agora de mau humor. Em


seguida, olhando para Coruja, no sofá. -Só queria saber o
que viu nele que te fez quebrar nossa regra.

-Já disse. Robin ia bater nele. E Robin pode ser um idiota,


mas ainda gosto dele. Ainda é um amigo. E não te devo
satisfações disso. A não ser que queira falar um pouco para
nós sobre sua doença! - Desafiou.

44
-Vai para o inferno! - Desconversou.

Coruja se levantou e foi até a mesinha de centro. Pegou a


jarra de café e tentou colocar um pouco em seu copo. Mas
havia acabado. Olhou com certa raiva para Hiena.

-São as únicas coisas que você faz na vida, não é, seu


infeliz? Rir de tudo e tomar café! - Reclamou.

-Claro! - Riu-se novamente.

***

Eu continuei a ler o livro que o Ollie me mandou e que seu


pai havia escrito. Depois de a irmã ir embora e se negar a
trabalhar na floricultura, Sophia assumiu seu lugar. E ficou
trabalhando na loja com sua mãe por vários dias. Até que
um belo dia recebeu um cliente inesperado. Um homem.
Alto e bonito, provavelmente da alta sociedade daquele
lugar. Pretendia comprar flores para dar a futura esposa
junto com o anel de casamento.

Tinha qualquer coisa na escrita do pai de Ollie. Algo que


lhe conferia uma beleza única, que só ele sabia dar. Sophie
certamente faria as garotas se identificarem. E naquele
momento, eu começava a me interessar pela história. Por
ver onde aquilo ia dar. E principalmente, entender a razão
de Ollie me mandar justamente aquele livro.

45
***

A partir daquele dia, as coisas mudaram de maneira


drástica sobre os Máscaras e eu. Até o momento, tudo
conspirava para que eu os conhecesse um por um. Mas
naquele dia foi diferente. Dessa vez, foi Coruja quem
voltou. E não porque alguma coisa teria acontecido que o
fizesse falar comigo.

-Eu só vou dizer uma vez! - Deixou bem claro, no corredor.


- Nós não somos amigos! Eu sou um máscara! E você é só
um garotinho! O que fiz naquele dia foi te defender do
Robin! E fiz por ele, não por você. Entendeu?

Depois, apenas passou por mim e deixou-me em paz. E


aquele tom de voz... Eu entendi aquele tom de voz. Não
parecia algo que ele queria realmente dizer. Por alguma
razão, ele estava fazendo aquilo contra sua vontade, e isso
era perceptível.

***

-Está feito, como me mandou fazer, senhor Waldor. Ele não


vai mais incomodar.

A mesma sala de reuniões de antes. Sofás, café, livros na


prateleira, o homem com os óculos observando Coruja de
46
cima, mas dessa vez, um clima muito mais complicado a se
lidar.

-É o que espero. E quanto ao Lobo?

-Já falei com ele. Se comprometeu a seguir as regras. Sob


aquela ameaça é claro. Mas não sei quanto vai durar. E
francamente, senhor, não tenho mais a mesma vontade que
tinha antes, em liderar.

-Porque não te escutam? - Criticou.

-Porque cresceram! Quando começamos isso? Quatro, cinco


anos atrás? Vamos encarar os fatos: Isso não é uma
brincadeira! O senhor criou algo que, se não fizer alguma
coisa, vai perder o controle! Lobo e Hiena são só os
primeiros. Rouxinol já está começando. E francamente, eu
tenho uma vida para viver.

-Certo. Eu vou pensar nisso.

Aquilo confirmaria minhas suspeitas se eu tivesse visto


aquela conversa. Coruja realmente andava muito estressado
e triste nos últimos dias, ainda antes de eu chegar naquela
cidade.

***

47
No dia seguinte, chegou a resposta de Ollie para a minha
última carta. Curiosamente, dessa vez, ele a escreveu na
máquina de escrever do pai, e não mais de seu próprio
punho, sinal do quanto a máquina de escrever tinha se
tornado importante para ele e parte dos seus dias. Eu a
encontrei na caixa do correio ao chegar em casa do colégio
naquele dia.

Jules,

Continuo escrevendo, como pode ver. Ultimamente tem sido


praticamente tudo que faço além de ir ao colégio. Por sorte, minha
mãe sabe como me sinto sobre tudo isso e sobre o que aconteceu
com o meu pai, então está respeitando esses momentos. E ela
entendeu que eu estou bem.

Como eu disse em minha última carta, sim, escrever o que venho


escrevendo me machuca, e você vai entender porque quando ler.
Mas quero que se concentre nisso, Jules: Me machucará mais
ainda se eu não fizer isso. Se eu continuar tentando conter tudo
isso dentro de mim. E, se eu não fizer nada, eu sei que uma hora
toda esta dor vai estourar e eu vou perder o controle de mim.
Sempre dói, sempre dói, mas isto está me salvando. E você sabe,
não podemos querer que o remédio realmente funcione e ainda
tenha gosto bom. A vida real não é assim. Você está crescendo e
logo vai perceber isso.

48
E, eu sei que, no fundo, foi por isso que meu pai deixou a máquina
de escrever conosco quando se foi. Porque sabia que eu ia passar
por isso. Acho que você pode entender o que quero dizer. E
sinceramente, com tudo isso, acho que estou me compreendendo
melhor e até gostando um pouquinho mais de mim.

Sobre o que me contou, fiquei com duas impressões. Rouxinol


quebrou a regra porque te viu com bons olhos. Lobo quebrou a
regra porque queria desafiar uma outra pessoa. Não pareceu ter
realmente a ver com você. E francamente, acho que você também
gosta deles. Você entendeu que não estão felizes e eles sentiram
isso. Talvez você tenha uma surpresa nos próximos dias e espero
que seja agradável.

Bem, eu também sinto saudades, Jules. Já está completando um


mês que você se foi, e, sendo sincero, ainda não estou aceitando
isso completamente, como fui ficar tão sozinho de uma hora para
outra. E também tenho pensado em você. Em como as coisas ainda
seriam se estivesse aqui.

Da minha parte, não deixarei que estas cartas se percam. Sei que
você também não. Estou escrevendo como um louco nos últimos
dias e sei que sempre vai haver um momento e um pouco de tinta
no armário para responder ao que me manda. E Jules, muito
obrigado, de verdade, por entender tudo o que vem se passando
comigo desde que perdi meu pai e você foi embora. Isso tudo tem
sido muito importante para mim.

49
Agradeço pelas orações e prometo fazer o mesmo. Até breve,
irmãosinho!

Oliver.

Era bom saber que ele estava bem finalmente, apesar de


tudo pelo que tinha passado. Foi então que meu pai entrou
no quarto, e, vendo-me com a carta de Ollie na mão,
sentado na cama e tendo tirado apenas os sapatos para me
deitar, se aproximou, e sentou-se ao meu lado.

-Parece que estava mesmo ansioso para ler isso, não é?

-Sim.

-Ele ainda fala muito de Eugene? - Perguntou, referindo-se


ao pai de Ollie.

-Sim, mas isso parece doer menos a cada nova carta.

-Está superando finalmente, isso é bom!

-Acha que ele sabia, papai? Acha que ele sabia que ia
morrer e por isso viajou?

-Eu não sei. Eugene não gostava de falar muito de sua vida
pessoal nesse sentido. Não gostava que as pessoas se
preocupassem com ele, sabe? Se sentia alguma dor ou
estava se sentindo mal, nunca dizia a ninguém. A não ser é
50
claro que estivesse morrendo. Se tivesse uma doença
terminal, sei que não diria a ninguém no escritório, mas não
sei se esconderia isso de sua família. Quem sabe? Para nós
ele também disse que viajaria a negócios, mas negócios
pessoais.

-Ollie está usando a máquina de escrever do pai dele.


Encontrou alguns livros também e está lendo eles. Além
disso, está escrevendo alguma coisa dele. Algo próprio. E
quer que eu seja o primeiro a ler. Disse que só eu teria
sensibilidade para entender.

-Ele realmente tem grande apreço por você.

-Sim, acho que sim. Eu também por ele.

Levantou-se, em seguida.

-Você está bem, filho? Digo, com tudo isso?

-Acho que sim, eu não sei.

-Certo, qualquer coisa me avise. Vou deixa-lo sozinho para


trocar de roupa. Vai precisar de mais que os sapatos limpos
para ir ao colégio amanhã!

Capítulo VII

Uma semana se passou depois daquilo. Demorei um tempo


para escrever novamente para o Ollie. Não sabia bem o que
51
dizer sobre tudo aquilo que ele estava passando. E fiquei
pensando que, se a máquina de escrever do senhor
Humprey tem ocupado um espaço tão grande na vida dele,
talvez ele precise mesmo desse tempo para ele.

Os máscaras não voltaram a falar comigo. Nem Robin


apareceu também. Rouxinol ainda me direcionava olhares
discretamente quando passava por mim, mas não passava
disso. E um com máscara de Hiena, que ria discretamente
ao passar por mim. Por fim, voltei a me aproximar de
Edgard, que por sinal, era meu único amigo naquele lugar.
Assim como Ollie havia sido onde morávamos. E eu me
perguntava o porque de isso acontecer. Se eu era uma
pessoa tão ruim ou algo assim. Mas como mamãe sempre
dizia, é melhor olhar para o que possuímos do que lamentar
o que nos é ausente.

Passava meus dias de ócio com Edgard, em minha casa ou


na casa dele, jogando algum jogo, conversando sobre
alguma coisa ou simplesmente fazendo nada. Não importa,
o fato é que, depois que os máscaras passaram a deixar de
falar comigo, ele voltou a se aproximar.

Mas, aconteceu uma coisa que fez tudo mudar. Naquele


momento, fazia mais de um mês que eu havia chegado
naquela cidade, e, por assim dizer, um mês que eu havia

52
conhecido o Coruja. Até então, ele nunca teria voltado a
falar comigo, salvo quando mandou que eu me afastasse.

***

-Então... Tenho mesmo seu aval para fazer isso, senhor


Waldor? - Perguntou Coruja. As sobrancelhas baixas.

-Embora eu ache seu motivo um tanto egoísta, tudo bem.


Mas saiba que ele não vai correr menos risco aqui por causa
disso.

O mesmo escritório de antes. Novamente com café na


mesinha de centro para que se servissem. Na poltrona, o
homem alisava o próprio bigode e observava o garoto,
fitando seu semblante frágil e inseguro. Em seus olhos,
ainda parecia o mesmo garotinho de cinco anos atrás,
apesar de ter crescido agora. Os olhos azuis, esses com
certeza eram os mesmos. A voz, se mudou, continuou tão
bonita quanto antes.

-Ainda não me aprova, não é? - Perguntou, entendendo seu


olhar.

-Nunca. - Chamando-o pelo nome real. - Houve uma razão


para que você nascesse, anos atrás. Uma esperança. E você
se mostrou indigno dela.

-Não prometi a ninguém ser nada! E não quero falar disso!


53
Uma lágrima quase saiu. Ele a sentiu, mas agora, o homem
precisaria ir muito mais longe para arranca-la. Como ele
mesmo sabia, Coruja cresceu. Não era mais o mesmo
garotinho de anos antes.

-O-o assunto que vim tratar não é esse!

Imediatamente pegou café e ocupou a própria boca. A


sensação do café quente na garganta o ajudou a trazê-lo de
volta.

-Eu... Pensei muito sobre isso, senhor. Muito mesmo. Quero


resolver isso com o mínimo de tumulto e dor de cabeça
possível.

-É por isso que você é fraco. Se envergonha de fazer


sacrifícios para continuar inteiro e feliz.

-Me envergonho de errar e terceiros terem que pagar por


isso. Sei que se fosse qualquer outro isto seria diferente.

-Com exceção de Henry, que não responde por si mesmo.

-Acho que sim. - Baixou as sobrancelhas.

-Essa situação ficará sob seu controle. Não quero nem ter
razões para pensar que terei de lidar com isso, porque se eu
tiver, você sabe. Esse erro pode se tornar ainda maior que o
primeiro.

-Certo.

54
Coruja se levantou em seguida, para deixar a sala. Mas
dessa vez, o homem caminhou até ele, ainda observando-o
em seus olhos. De impulso, lhe deu um tapa que o fez cair
com força sobre o assoalho. Ele levou alguns segundos para
voltar a si.

-Esse ódio... Nunca vai acabar, não é? - Murmurou,


tentando se levantar.

-Temo que não.

***

Como eu havia prometido ao Ollie que não pararia de me


corresponder com ele, depois de uma semana, achei que já
tinha deixado de fazer isso por bastante tempo. Ao chegar
da aula subi direto para o quarto, deixei minhas coisas
sobre a cama e me sentei na escrivaninha para escrever. Era
quase um ritual. Se num dia recebia uma carta dele, no
outro, chegaria do colégio sem falar com ninguém e me
sentaria para escrever, apenas lembrando de tirar os
sapatos.

Oliver

Peço desculpas pela demora em tornar a escrevê-lo. Achei que


precisasse desse tempo, como disse que andava escrevendo
55
bastante e que precisava disso. Achei que devia respeitar o seu
momento. Entretanto, senti falta de voltar a escrever.

Tem sido uma terapia te contar sobre tudo o que tem acontecido
conosco aqui no colégio, e confesso que tem me feito me sentir
melhor escrever para você e isso tem me ajudado muito a me
adaptar a esse lugar.

A surpresa que você disse, sobre os Máscaras, que viria, ainda não
veio. Não sei o que está pensando sobre eles, mas isso tudo parece
ser bem mais complicado do que realmente parece. Existe alguma
coisa muito estranha sobre eles e quanto mais me aproximo, mas
estranho tudo isso parece ser. Mas tenho pensado cada vez menos
nisso desde que se afastaram. Não são questões minhas, então não
tem porque continuar pensando.

Estive conversando com papai sobre o seu pai, sobre tudo o que
aconteceu com ele. Deve lembrar que trabalhavam juntos. Bem,
ele falou sobre o seu pai e disse que era muito reservado e nunca
falava quando se sentia mau ou estava doente, e preferia suportar
tudo sozinho a pedir ajuda para as pessoas. Então, foi por isso que
ele deixou vocês, não é? Porque sabia que estava gravemente
doente e não queria que você e sua mãe sofressem, não é?

Bem, se algo mais acontecer eu vou lhe contar nas próximas


cartas, mas acho que os próximos dias serão a mesma mesmice que
vem sendo por aqui. E vou continuar orando por você. Espero que
esteja melhor agora, depois de tanto tempo.

56
Até um dia, irmão.

Jules.

O fato é que não. Meus dias não continuaram sendo a


mesmice dos dias anteriores. Muitas coisas aconteceram a
partir dali, e tudo começou quando um dos máscaras
novamente quebrou a regra. E dessa vez, quebrou de
verdade, de uma maneira que jamais teria algum tipo de
retorno.

Foi quando retornei ao colégio no dia seguinte,


acompanhado de Edgard como sempre. Conversamos sobre
coisas aleatórias no caminho para o colégio e nem
imaginávamos nada do que se sucederia.

-Jules! - Coruja, se aproximando. Sua voz naquele momento


era mais séria do que eu jamais havia visto antes. - Quero
falar com você em particular. - Olhando para Edgard. -
Pode nos dar licença?

Ele se afastou, sem dizer nada, com a cabeça baixa. Mas,


ainda assim pude ver a expressão de quem não havia
gostado nem um pouco do que acabou de acontecer.

57
-Jules, quero que entenda, pelo que lhe é mais importante,
que, independente do que vai acontecer agora, não deve
contar a ninguém o que vai ver. Você entendeu?

-Anh... Tudo bem. - Respondi, totalmente inocente do


tamanho que aquilo tomaria.

-Certo.

Coruja então me levou para outro lado do prédio da


instituição e entramos por uma outra porta, para a qual,
curiosamente, ele tinha uma chave. E ele a usou naquele
momento. Em seguida, me puxou pela mão para dentro. Ele
segurava minha mão com certa força, como que não
querendo que eu deixasse aquele lugar sem que ele
percebesse. Como que querendo controlar o que eu veria ali
dentro.

Depois de um tempo eu não reconhecia mais nada ali


dentro. Entramos em um grande corredor, e, trinta metros
depois, entramos por uma porta. Era uma espécie de
biblioteca escondida. Tinha um jogo de sofás ali e uma
mesinha de centro. Outros máscaras estavam ali,
conversando e tomando café.

-O-o que vai fazer comigo? - Perguntei.

-O que acha que somos?

58
-E-eu não sei! Vocês não conversam com ninguém, só falam
entre vocês, sempre parecem esconder alguma coisa, e
nunca vemos vocês fora da escola! Vocês são as pessoas
mais estranhas que já vi e eu quero ir embora! - Disparei,
perturbado com aquilo.

-Calma, tudo bem, tudo bem! - Disse Coruja. Agora com a


mesma voz tranquila que tinha quando o conheci.

Em seguida, fez a última coisa que eu esperava que fosse


fazer. Ele tirou sua máscara.

Era um garoto magro com cabelos loiros, mas um loiro


envelhecido, numa cor que lembrava capim seco, mas que
por alguma razão ficava muito bem nele. A pele era pálida e
os olhos eram de um azul muito claro e ao mesmo tempo
profundo. Era um rapaz realmente bonito como sua voz
sugeria.

-C-coruja?

-Meu nome verdadeiro é Aldrich Waldor. Mas por favor,


nunca me chame assim em público. Estes são Lobo, Hiena,
Rouxinol e Esquilo. Alguns deles você já conhece. Vai saber
suas identidades quando conquistar a confiança deles. Até
lá, Jules, quero que preste atenção em mim: Eu nunca
deveria ter me aproximado de você naquele dia. Pelo nosso
código, devia ter deixado Robin Packalen te maltratar, mas
não foi o que fiz. O ponto é que, muitos de nós me seguiram
59
e também falaram com você cada um por sua razão. E eu
meditei muito sobre o que fazer a respeito.

-Ele está assustadinho! - Disse Hiena, se aproximando de


mim e rindo de um jeito que realmente me assustava.

-Volta para o seu lugar! - Ordenou Aldrich, ao que Hiena


baixou a cabeça e obedeceu.

-O-o que vão fazer?

-Nós somos como você. E vamos quebrar mais uma regra


agora, mas creio que é o melhor a se fazer sobre isso no
momento. Jules, temos uma coisa para você. Hiena, por
favor.

Ele se levantou e foi até um dos livros da estante. Tirou dali


um deles que era falso, na verdade uma caixa, e abriu.
Dentro dele, mais uma máscara branca, aquela ainda sem
dono. Era um porco.

-O-o que?

-Queremos que se junte a nós. O que me diz, Jules? -


Respondeu Aldrich.

Eu ainda não sabia, mas Aldrich estava fazendo aquilo para


tentar me salvar, literalmente. Por que eu havia me
aproximado mais dos Máscaras do que devia. E ele não
queria mais uma culpa entre tantas sobre si, mesmo
sabendo que as consequências poderiam ser piores.
60
Capítulo VIII

As coisas foram ficando estranhas de um jeito muito rápido


e que minha mente mal estava conseguindo acompanhar.
Pura e simplesmente. A situação naquele momento foi tão
inesperada que a sensação era de perder o chão.

Quando retornei para casa depois daquele dia, uma nova


carta de Oliver havia chegado. Certamente tornaria a
demorar a responder. Não por achar que ele precisava de
tempo para si mesmo, mas porque agora eu precisava.

Eu aceitei. Aceitei ser um máscara. Não sei porque, não sei


o que havia de errado em mim para precisar usar essa
máscara. Não sei o que havia de errado nem neles para
precisarem disso. Pelo menos no Coruja, Aldrich. Eu o vi, vi
seu rosto. Era branco e loiro. Era bonito. Vestia-se bem.
Parecia saudável. Porque usava aquilo?

As coisas começaram a mudar depois daquilo. Ninguém


soube até aquele momento, além do sr. Jebediah. Nem
mesmo os meus pais. Eu teria apenas que usar a máscara no
colégio. Ganhei uma cópia da chave da porta lateral do
prédio. Entrava por ali, pegava a máscara, e depois
aguardava ali os outros alunos entrarem. E isso explicava
porque ninguém os via chegando e nem os via ir embora. E

61
na verdade, na verdade mesmo, essa não é a única coisa que
pareceu mudar.

Aldrich deixou de ser distante depois disso. Era como se


estivesse se responsabilizando por mim e estava sempre me
explicando como ser um dos máscaras funcionaria. E isso
nos aproximou. Tanto que um dia acabei contando a ele
sobre Oliver. Basicamente, os máscaras tinham um
privilégio. Se não tinham vontade de ir a aula,
simplesmente ficavam naquela sala de estar com livros do
outro lado do prédio lendo, conversando, ou fazendo
qualquer coisa. Aldrich era um dos que menos fazia aquilo.
Mas numa bela quinta feira, ele resolveu ficar.

-Aldri...

-Coruja.

-Não tem ninguém aqui!

-Paredes tem ouvidos. Além disso, é para você não perder o


costume. Isso é importante.

-Certo.

Já estávamos atrasados, e mesmo assim, ele tomava seu


café, sentado preguiçosamente sobre o sofá. Mas não
parecia tranquilo. Parecia frágil.

-Bem, não vai aula?

62
-Hoje não. Não estou nos meus melhores dias. As vezes um
homem tem que se debruçar no café para não cair.

-Aconteceu algo?

-Uns problemas com minha família. Coisas pessoais, Jules.


Mas obrigado por se preocupar.

-Bem, ao menos estão todos por perto.

-O que quer dizer?

Me sentei ao lado dele, mas não da mesma forma. Ele


sentava-se preguiçosamente, como se quisesse transferir o
peso de suas dores para o sofá. Me sentei timidamente,
encolhido, cotovelos sobre as coxas, olhando para frente
como se houvesse um horizonte para ser visto ali. E então,
falei. Talvez eu confiasse em Aldrich, depois de tudo, um
pouquinho mais do que pensava. Desabafei sobre Oliver,
sobre como me sentia sobre ele, sobre como sentia sua falta
e sobre como ele estava sofrendo depois de perder o pai.
Fiquei por uma meia hora falando.

-Bem desculpe, acho que falei um pouco demais. - Disse,


encerrando meu relato.

-É uma questão bem interessante. Parece gostar muito dele.


E parece que o pai o amava muito também. Algumas
pessoas realmente nascem com sorte.

-O que quer dizer?


63
-Nada. Bem, sobre o pai dele. Nunca consegui me dar bem
com o meu pai.

-Porque?

-Quando nasci ele criou expectativas um pouco grandes


para mim. Expectativas que não me sinto capaz de atender.
Não, não é só que não me sinto capaz. É que meu pai tem
sonhos que não são os meus. E a vida corre muito rápido,
Jules. Rápido demais para que eu possa abandonar minha
felicidade para viver os sonhos de outra pessoa. Eu... Eu
não posso ser o que meu pai quer, porque... Eu não sou
como o meu pai. Eu não consigo ser como o meu pai, não
importa o quanto eu tente. Não importa o quanto eu queira.

Uma lágrima escapou de seu olho. E eu a percebi, mas achei


melhor não dizer nada. Aldrich tinha uma dor muito
profunda em relação a isso. Profunda o suficiente para ele
não conseguir falar muito mais do que isso.

-Ele... Briga muito com você?

-Temos discutido, sim. Várias vezes. E eu perdi as


esperanças de que um dia ele entenda. Aí, brigamos mais
outros milhões de vezes, e perdi as esperanças de que um
dia ele aceite. Agora, acho que estou perdendo as
esperanças de que eu possa viver em paz um dia.

64
Me calei. Não tinha nada que eu pudesse dizer a esse
respeito. Gostava muito do Aldrich e era horrível ter que
vê-lo abatido daquela forma. O sentimento que surgiu em
mim diante daquelas palavras era de impotência.
Puramente impotência.

-Diga, era essa pessoa abatida e sem vontade de viver que


esperava encontrar atrás da máscara quando nos
conhecemos?

-Bem, eu esperava uma pessoa de bom coração. E eu


encontrei isso. Eu acho.

-Obrigado, você também. - Um sorriso quase imperceptível


no cantinho da boca.

Aquilo me deixou feliz por dentro também. Parece que eu


tinha conseguido fazer ele se sentir um pouquinho melhor,
e isso era bom. Sentou-se corretamente no sofá e dessa vez,
passou a olhar diretamente para mim.

-Certo, desculpe fazer você perder a aula com meus


problemas.

-Tudo bem. Isso pode acontecer as vezes, eu acho. Bem, vou


me esforçar para retomar a matéria que a gente perdeu. -
Me levantei.

Comecei a andar por ali e olhar para os livros. Era um lugar


agradável, e o fato de não haver janelas e nem nenhum tipo

65
de abertura para luz natural, o tempo parecia não passar
quando estávamos ali. Havia livros de todos os tipos, desde
“Os Miseráveis” até um exemplar de “Culinária com
Cenouras”, dando a entender que era mais que uma
biblioteca de colégio. Era como se fosse a biblioteca de
alguém.

-Percebeu, não é? - Aldrich, ainda no sofá. - Acho que


esqueci de contar. Não estamos no colégio. Digo, estamos
no prédio, mas essa parte não faz parte da instituição. Essa
parte é uma antiga casa, e essa biblioteca foi reunida pelo
antigo dono.

-E quem mora aqui agora?

-Pessoalmente, não sei dizer. Durante algum tempo achei


que fosse o senhor Jebediah, mas o vi sair com seu carro há
algum tempo atrás. Um belo carro, por sinal. Só sei que essa
biblioteca é nossa. Dos Máscaras. E é por isso que estamos
aqui. Mas não sei o que tem nas outras portas do corredor,
ou se alguém ainda mora aqui.

-É um lugar bonito. Sobretudo essa biblioteca.

-Sim, eu também gosto muito daqui!

-Ei, Al...

-Sim?

66
-Ainda não me contou sobre isso. Sobre porque usa essa
máscara.

-Vai saber um dia, Jules. Vai saber um dia.

***

Voltei para casa naquele dia pensando em tudo que Aldrich


e eu conversamos. Sobre os problemas dele com o seu pai,
sobre a saudade que sinto de Ollie, e sobre o que existe
naquela parte do prédio em que estivemos, além da sala
dos máscaras. Por falar em Ollie, quando cheguei em casa,
outra carta dele estava sobre a mesa da cozinha. Minha mãe
já preparava o jantar.

-Mãe, cheguei...

-Olá, querido! Como foi hoje?

-Anh, foi bem! Vou subir para o meu quarto!

Apesar do cheiro bom de biscoitos que estava assando,


queria evitar de falar sobre a aula. Passei a tarde com
Aldrich na sala dos máscaras, mas não podia dizer. Ela não
aprovaria que eu tivesse me deixado perder uma aula.
Apenas fui até a sala de estar, subi as escadas e entrei em
meu quarto. Tirei os sapatos. Me sentei na cadeira da velha
escrivaninha de madeira. Abri a carta sobre o tampo e
comecei a ler.
67
“Jules,

Antes de mais nada, também senti falta das suas cartas, mas
desde o começo imaginei que tivesse um motivo realmente bom
para não estar escrevendo. Bem, tudo bem.

Ontem descobri que emagreci bastante. Tenho comido pouco por


causa das horas a sós com a máquina de escrever do meu pai.
Nada que vá me trazer algum problema, mas terei que ir mais
devagar com isso. Mas não quero parar, estou indo em frente com
meu livro, aquele que disse que quero que leia.

Alias, sobre ele, espero não estar colocando um grande peso sobre
seus ombros com esse livro, mas estou escrevendo coisas
importantes aqui. Coisas que estão presas dentro de mim há
muitos anos, e que não confiaria a outra pessoa para que
compreendesse. Sei que você pode entender isso.

Bem, continuo observando a família que está morando na velha


casa da vovó Troodle. Parecem ser boas pessoas. Um dos filhos do
casal tem a sua idade. Parece que se chama Michael. O vi certa
vez com um dos livros da pequena biblioteca da vovó. Acho que
ele cuidará bem dela. É melhor cuidar.

Ah, pensar nisso é nostálgico, certo? Deve se lembrar de quando


éramos pequenos, você tinha uns sete ou oito anos, e ela lia para
nós quando íamos a sua casa, ou as vezes, emprestava livros a sua

68
mãe para que lesse para você dormir. Espero que eles sejam bem
cuidados daqui para a frente.

Sobre os máscaras e todas as histórias que tem me contado,


imagino que, pelo tempo que demorei a retornar esta carta,
alguma coisa já tenha acontecido. Se não acontecer, bem, eu não
sei o que dizer. Pode ser que realmente não queiram mais nada
com você. Mas não acho provável, da maneira como as coisas
aconteceram. De qualquer forma, tem se concentrado demais
neles, pelas suas cartas. Talvez devesse pensar um pouco mais em
você mesmo por enquanto.

E eu, agora, tenho que sair do meu mundo dentro das paredes do
meu quarto e fazer qualquer coisa lá fora. Minha mãe tem
insistido bastante com isso depois que percebemos que perdi
alguns quilos. Mas praticamente não tenho mais vontade de fazer
nada lá fora, e depois que você se foi, também não tenho ninguém
para ver. Mas bem, agora se trata da minha saúde. Vou dar uma
volta por aí.

Fique bem, Jules.

Até um dia, irmãozinho.

As cartas de Oliver eram dotadas de qualquer coisa


diferente, que por mais que me esforçasse não conseguia
saber o que era, mas que fazia com que eu me sentisse bem

69
melhor depois de ler elas. Bem, dessa vez, estava feliz
também pelos livros da vovó Troodle. Lembro-me com
clareza das coisas que Oliver me contou em sua carta sobre
quando éramos mais novos sobre os livros da vovó. São
realmente uma nostalgia a parte.

Mas, pensando em tudo o que aconteceu desde que escrevi


para ele da última vez, claramente haviam ainda muitas
coisas a serem contadas. Na verdade mesmo, havia um
mundo de coisas dentro de mim. Um mundo de coisas que
eu sequer era capaz de controlar ou ao menos compreender.
A grande maioria sobre Aldrich. Sobre todo o mistério que
havia sobre ele. Parece que, mesmo tirando a máscara e me
dizendo seu nome, minha curiosidade sobre ele
permanecia. Continuava havendo ainda qualquer coisa nele
que ainda ansiava por ser descoberta. Uma tristeza muito
grande.

Mas ele havia dito naquela época. Era sobre sua relação
com seu pai. Acho que o pai dele não gostava dele. Mas não
consigo entender o porque. Não conseguia encontrar um
motivo para que alguém não gostasse dele. Pensando bem,
não conseguia sequer encontrar um motivo para que ele
tivesse que usar aquela máscara. Bem, também não havia
um motivo real para que eu usasse, mas ele pediu que eu a
fizesse. Parece que ele precisava disso.

70
-Coruja?

Eu não o vi na sala onde os máscaras se reuniam no dia


seguinte. Fui encontrá-lo somente arrumando suas coisas
em seu armário, no corredor do colégio.

-Hey, porco! - Respondeu, chamando-me pelo nome que


minha máscara identificava. Era muito estranho ser
chamado assim. Acho que levaria bastante tempo para
acostumar.

-Talvez... Você devesse ir a minha casa hoje. Podíamos fazer


alguma coisa.

-Não falamos de nossas vidas lá fora quando usamos as


máscaras. É uma das regras. - Aproximou-se Hiena, rindo-
se como sempre, com Lobo logo atrás.

-Tem razão, podemos falar sobre isso em nossa sala mais


tarde! - Disse Coruja. Por trás da máscara, de alguma forma,
sabia que ele sorria. E eu também. De alguma forma, sentia
nosso laço se estreitando, depois que ele me contou sobre
seu pai e seus problemas. Parece que finalmente havia
conquistado sua confiança. Mas então, me lembrei da
pessoa que faltava para completar o time.

-A Rouxinol não veio para o colégio hoje?

71
-Parece que não. É aquela questão com a mãe dela
novamente. Também explico em nossa sala. Alias, tenho
que falar com todos vocês. Algumas coisas vão mudar.

-É por causa dele, não é? - Lobo, em tom ríspido, sobre


mim. - Tudo está mudando, desde que ele chegou.

-Não, isso não tem a ver com Porco. Isso tem a ver comigo.
E tem a ver com você também, Lobo. Sei que nenhum dos
nossos problemas nesse momento é mais importante que os
seus. E se todos usamos máscaras, penso que, pelo menos
nesse momento, isso precisa servir para ajudar alguém.

-As vezes acho que você é quem melhor entende porque


nos escondemos das pessoas, Coruja. - Disse Hiena,
novamente, com um risinho. - E as vezes acho que você não
entende nada.

-Você é o caso a parte aqui, Hiena. Mas não falemos disso


agora.

-Eu sou o caso a parte? Porque não me apego as pessoas?


Não crio distrações sentimentais?

-Porque apesar de tudo isso, de todos nós, você é o que


menos suporta ficar sozinho. - Respondeu, desta vez em
voz mais alta, para encerrar a conversa. - Se isso não fosse
verdade, já teria tirado essa máscara, não teria?

72
E Hiena realmente se calou, como se tivessem roubado a
sua voz. Nem sequer um dos risinhos que lhe faziam a
fama. Coruja deixou no ar que conhecia sua dor e que
poderia usar contra ele. Seria assim com os outros também?
Será que ele também os machucaria para fugir? Eu
lembraria de perguntar mais tarde.

-B-bem, eu... Eu acho que nos vemos mais tarde! - Tentei


sorrir. - Bom dia, Coruja! Bom dia, todos!

-Bom dia. - Respondeu Lobo, sério.

-Bom dia, Porco! - Hiena, agora novamente com o risinho.

Os dois deixaram o armário de Coruja e foram para as suas


salas de aula, deixando-nos a sós novamente. Olhei para
ele. Só podia ver seus olhos, mas, depois que me tornei um
deles parecia ser o suficiente. Seu semblante havia mudado.
Agora parecia preocupado.

-Bem, perdoe eles, Porco. Eles não são exatamente pessoas


fáceis de lidar. Rouxinol também não é.

-Mas você parece gostar deles.

-São meus amigos. A grande coisa de usarmos máscaras


juntos, é que nossas dores são somente nossas. Mas,
precisamos fazer algo pelo Lobo. Por isso vamos nos reunir
hoje em nossa sala depois da aula. E Jules, sinto que você é
quem tem mais sensibilidade no nosso grupo para entender

73
o que ele passa. Então, espero que possamos contar com
você no que vamos fazer.

-Eu irei! - Sorri, por debaixo da máscara. Sei que ele


percebeu.

Lobo seria o primeiro. Eu ainda estava atônito naquele


momento com todo o universo que os máscaras guardavam
para si mesmos. Um universo de tristeza e dor que todos
eles suportavam juntos.

-Coruja...

-Temos de ter pressa, a aula já começou!

-Não os machucaria, não é? Pareceu uma ameaça o que


disse ao Hiena. Não parecia você por um instante.

-Bem, como eu disse, o Hiena é um caso a parte. Gosto


muito dele, e é um amigo assim como os outros. Mas ele...
Ele precisa ser controlado. E esse é meu recurso. Explorar o
que ele sente. Na verdade, é exatamente isso o que ele
precisa, mas seu orgulho não permite. É como seu ponto
fraco, sabe? Bem, eu não conseguiria, mesmo que quisesse,
passar da ameaça. Mas ele não precisa saber. Então não se
preocupe. Nunca o machucaria. Vamos para aula?

-Claro!

74
Capítulo IX

Enquanto isso, Rouxinol enfrentava seus próprios


problemas. Em sua casa, os pés não suportavam mais a dor,
mas mesmo assim, a madrasta a obrigava a permanecer de
pé e ser forte. Caiu, entretanto. Lágrimas nos olhos.

-Eu nunca quis fazer isso! - Protestava.

-Ser da alta sociedade requer sacrifício, menina! Sobretudo


por você ser filha da sua mãe! Você deve isso a ela!

-Eu nunca vou ser como ela! Ela... Ela era uma estrela. Mas
eu não posso.

-Sua mãe me pediu isso em seu leito de morte, você lembra?


E ela pediu que você se esforçasse. Ela disse...

-Que estaria viva enquanto eu continuasse o que ela


começou. - Respondeu, enxugando as lágrimas com os
dedos e se levantando.

A mulher estava certa. E aquela não era a primeira aula que


Rouxinol perdia para os treinos de dança. O fato é que sua
mãe deixou em seus ombros um fardo que era pesado
demais para ela carregar. Mas, mesmo assim, ela carregava.
Ela tinha que fazer.

-Olha, por menos que pareça, eu amo você, assim como sua
mãe te amava! - Com um sorriso de compaixão. - Estamos
suportando isso juntas, você sabe!
75
-Não fale como se entendesse. - Respondeu, seca,
rejeitando-a.

***

Quando o sinal bateu e a aula acabou, eu e os outros


máscaras separadamente fizemos o de sempre.
Aguardamos que a grande maioria dos alunos fossem
embora e voltamos para a nossa sala pela entrada secreta.
Era hora de saber o que estava acontecendo com Lobo.

Cheguei lá e me sentei. Era o quarto a chegar. Coruja estava


ali, com Lobo ao seu lado. Hiena também. Depois, Rouxinol
entrou.

-Fico feliz que tenha levado a sério meu telefonema. - Disse


Coruja.

-Terminei o meu compromisso o mais rápido possível e


inventei alguma mentira para minha tutora me deixar sair.
Nós sabemos o quanto isso é importante. - Respondeu, em
tom sério.

-Nem todos. Ainda não contei ao porco. Bem, não gosto de


fazer isso, mas, em respeito ao Lobo, eu o farei hoje. Porco,
pode fazer isso também, já que todos aqui conhecem sua
identidade.

76
Aldrich retirou a própria máscara, deixando-os ver seus
cabelos loiros. Por sinal, um loiro envelhecido que em toda
a vida só me lembro de ver em seus cabelos. Fiz o mesmo.
Todos se sentaram, menos Aldrich e Lobo, ele nos olhava
em tom sério.

-Amigos, ontem chegou uma carta do hospital da cidade.


Novas informações sobre a doença de Lobo. Parece que
infelizmente não existe nenhum tipo de cura específica e a
doença seguirá em frente. Acreditamos que ele viverá mais
um mês ou dois se tivermos sorte. Por isso, não o veremos
mais aqui a partir da próxima semana. Acho que...

-Não. - Respondeu Lobo. - Não quero que façam isso.

Em seguida, retirou a máscara. Tinha cabelos castanhos e


olhos escuros. Era bonito. Entretanto, quase não tinha
bochechas. Seu rosto estava bem magro, provavelmente em
decorrência do desenvolvimento da doença.

-Meu nome é Adam Marsden. Eu estou deixando a escola.


E, por consequência, estou deixando os máscaras. Eu... Eu
amo vocês, pessoal. Mas agora é oficial, eu vou morrer.
Ainda estou descobrindo como se lida com isso. Mas...
Vocês não tem que sofrer isso junto comigo. Eu só... Só pedi
essa reunião hoje para agradecer. Agora preciso ficar
sozinho e me redimir comigo mesmo.

-Você está bem? - Perguntei.


77
-Exceto pelo fato de que provavelmente não vou poder
provar um whisky, já que nem vou chegar aos quinze anos,
bem, acho que sim. Ah, e dirigir um carro! Eu queria dirigir
um carro, e, talvez ter uma namorada e saber como é beijar
e... E... Eu...

Naquele momento, aconteceu uma das cenas mais tristes e


pesadas da minha infância até aquele dia. As lágrimas
tomaram o rosto de Adam. Aldrich o abraçou, oferecendo-
lhe o ombro. Era difícil para ele. Muito mais do que
qualquer outro naquela sala tinha condições de imaginar.

Fizemos o mais absoluto silencio por algum tempo, nem sei


quanto. Mesmo Hiena nos poupou de seu riso naquele
momento. Somente o choro contido de Adam chegava aos
nossos ouvidos. Era sério. Era de verdade. Quanto a
Aldrich, nunca o vi mais sério do que naquele momento.

-Obrigado por estarem aqui. - Sussurrou Aldrich.

***

Voltei para casa em silêncio naquele dia. Minha cabeça


totalmente fora do lugar. Mil pensamentos ao mesmo
tempo sobre tudo isso que estava acontecendo. Passei direto
pela minha mãe na cozinha. Sabia que estava sendo
deseducado, mas queria evitar conversas. Porque, havia

78
somente uma pessoa com quem gostaria de expor o que
sentia naquele momento.

Oliver,

As coisas tem sido bem difíceis por aqui. Há tanta coisa aqui
dentro e nem sei por onde começar. Estou começando a entender
os máscaras agora, e, para ser sincero, há muito mais dor do que
eu esperava envolvida nisso tudo. Bem, eu me tornei um deles.
Fui convidado a isso. Não entendo porque eu posso ser um, mas,
Aldrich me quer por perto. Me deram uma máscara, com o
símbolo de um porco. E passei a andar com eles. Ainda não sei
quem são eles. Digo, além de coruja.

Acho que já lhe falei sobre Aldrich em outra carta. Ele é o líder
dos máscaras, e é a pessoa sobre quem tenho mais curiosidade
entre eles. Tem uma voz muito bonita e suave, mas é bem sério, e
vejo que se preocupa com os outros meninos do grupo. Realmente
gosta deles e conhece suas dores. E, ele tem a sua idade.

Bem, Aldrich me tornou um dos máscaras. E isto é novo para


mim, mas ele disse que é necessário. Acho que essa era a grande
surpresa da qual você falava em suas outras cartas. E ainda não
sei ao certo como lidar com elas.

Ontem, aconteceu uma coisa. Um dos máscaras se revelou e disse


que ia deixar o grupo e se isolar. Ele tem uma doença grave que já

79
enfrentava há anos, e agora, em poucas semanas, a doença
finalmente vai terminar de consumir o seu corpo e mata-lo. E eu,
eu não sei o que pensar. Eu o vi triste. Vi falar das coisas que
queria fazer antes de morrer e talvez não pudesse. Vi ele chorar
sobre os ombros de Aldrich. E, bem, não estou nem perto de
entender sua dor. Mas, agora eu tenho alguma ideia de porque ele
usava aquela máscara. Vi algo profundo em seus olhos naquela
hora. Algo que não sei explicar. Não sei um nome que posso dar
aquilo. Só sei que, naquele momento, acho que pude sentir uma
pequena fração de sua dor. Mas também, um forte sentimento de
inutilidade. De vê-lo sofrer e não poder fazer nada para ajuda-lo.

Bem, talvez você saiba me dizer alguma coisa sobre, para que eu
possa me sentir um pouco menos perdido sobre isso.

Por falar nisso, você precisa viver, Ollie. Realmente fiquei


preocupado com você quando li sua carta, sobre estar
emagrecendo. Sei que gosta de escrever, mas não pode se debruçar
somente sobre o seu sentimento sobre o seu pai. Não quero que
fique doente e ele também não ia querer. Então, por favor, tome
mais cuidado.

Eu quero muito voltar a ver você um dia. Mas quero vê-lo bem.
Quero vê-lo feliz e sorrindo, e quando abraça-lo, quero que esteja
forte, pois vou usar o máximo de minhas forças. Além disso,
vamos ter muito a fazer juntos para recuperar o tempo perdido,
então quero que esteja bem!

80
Até um dia, irmão!

Jules.

***

-O que? Não! Aldrich, me desculpe! De verdade, me


desculpe, mas não posso fazer isso! Não posso aceitar isso!

-Mas porque não? - Perguntou, sem entender.

Minha reação nesse momento foi algo necessário. Na noite


anterior, depois que escrevi para o Ollie, recebi um
telefonema de Aldrich, onde ele me pedia para chegar mais
cedo ao colégio. Dizia ter algo importante para conversar
comigo. Assim o fiz. Quando cheguei a sala dos máscaras,
encontro ele com a máscara de Lobo nas mãos.

-Tenho algo difícil a lhe pedir, Jules.

-Está tudo bem?

-Bem, Lobo não está mais entre nós. Por enquanto, quero
visita-lo bastante e gostaria que viesse comigo algumas
vezes. Principalmente amanhã. Quero fazer algo por ele.
Mas, ele não é mais um máscara. E acho justo que seja você
a sucedê-lo. Pegue.

81
Estendeu-me a máscara dele. Foi então que tive essa reação.
Talvez um pouco alterada até para mim, mas não podia
aceitar aquilo.

-Porque Adam não morreu! - Respondi sua pergunta.

-Ele não precisa morrer. É o que fazemos aqui. Você não foi
o primeiro porco. Ele ainda está vivo. Apenas terminou
seus estudos e foi embora. Olha, Jules, os Máscaras é algo
que já existe há alguns anos neste colégio. Eu estou aqui há
alguns anos, mas também não fui o primeiro Coruja. É uma
história longa.

-Eu sei disso, mas... Quero que essa máscara fique com o
Lobo, pelo menos até ele... Até ele não estar mais entre nós.
Depois disso, eu prometo que assumo sua máscara. Farei o
possível para tentar mante-lo vivo entre nós, mas... Agora
não, por favor, entenda!

-Certo, tudo bem. Vou mantê-la guardada para você! -


Sorriu.

-Obrigado, Al!

Tive medo que não entendesse, mas Al como sempre


quebrou minhas expectativas. Era sempre um alguém
melhor do que podia imaginar. Talvez por isso gostasse
tanto dele e me sentisse tão bem ao seu lado.

82
-Pode vir comigo a casa do Adam hoje a noite? Telefonei
ontem aos pais dele. Mas, vamos fazer uma coisa proibida.
Lembra do que ele disse que queria fazer antes de ir?

-Conhecer uma garota, saber como é beijar e... E... O que


mais mesmo?

-Whisky. Ele queria provar um Whisky. Sei que vamos fazer


algo muito errado, mas, nossos pais gostam tanto de
Whisky, e provavelmente nós também vamos gostar. Acho
que isso não é justo com ele.

-Faremos isso! - Sorri. - Ele vai saber como é provar Whisky!


Vamos dar pelo menos um pouquinho de felicidade a ele
antes de partir, mesmo que seja algo errado!

-Ótimo, porque não chamei outra pessoa! - Sorriu de volta.

-O que?

-Não quero tumultuar a casa da senhora Marsden. Então


escolhi apenas uma pessoa.

-Porque não Hiena ou Rouxinol?

-Não escolheria Hiena! - Riu-se. - Gosto muito dele, mas


vamos aparecer sem as máscaras lá, e, bem, ele não gosta de
aparecer em público com sua identidade real. Rouxinol
também. Vai entender quando souberem quem são. E aí,
espero que o perdoe. Além disso, não confio nele para fazer
algo como levar Whisky para um adolescente encamado!
83
Além disso, tenho muita confiança em você! - Tocou meu
ombro. - Você entende a dor dele e sabe o que ela significa.
Nada será mais importante para ele do que ter pessoas
assim por perto em seus últimos momentos!

-Ele deve ser muito grato por você se importar tanto


também!

-Eu me importo! Com todos os máscaras! - Sorriu. -


Inclusive com você!

-Obrigado! Obrigado mesmo!

Eu o abracei. Lembro que ele era um pouquinho mais alto


que eu. Dava para pousar o rosto com tranquilidade em seu
ombro. Lembro como aquele momento me aqueceu por
dentro. Fiquei mais otimista: Adam realmente ficaria feliz
conosco!

Capítulo X

Enquanto isso, meu pai se encontrava com Jebediah em sua


sala para discutir algo importante. Muito mais importante,
por sinal, do que eu pensava. Era sobre mim, mas era muito
mais do que isso.

-Bom dia, senhor Jebediah. Aconteceu algo com meu Jules


que eu deveria saber?

84
-Li sua correspondência. Sua família tem uma história
muito bonita. Uma linhagem tradicional do interior, a
grande maioria dos homens dela tornaram-se alfaiates ou
sapateiros. Uma família de comerciantes, de todo o modo.
Mas o senhor não quis isso. Achei realmente interessante o
que me disse, por isso pedi que viesse.

-Sabe porque lhe escrevi, não é?

-Porque não houve tempo hábil para falar-me até o


momento, eu presumo.

-Mas...

-Por que isso nos leva diretamente ao Jules também. Você


rompeu com sua família em função de seu ofício na
juventude e se afastou com lady Mary – Referindo-se a
minha mãe. - Para casar-se com ela na capital, mudando-se
anos depois com o nascimento de Jules para o outro
extremo do estado, esta região.

-Não vim para ouvir um resumo do meu passado.

-Compreendo. No entanto, Jules tem amigos aqui. Mesmo


entre os alunos. Não está tendo grandes problemas para
enturmar-se. O senhor me disse que ele era bastante
emocional e tinha uma ligação muito forte com um amigo
na outra cidade, filho de seu vizinho. Como ele se chama
mesmo?

85
-Oliver. É um bom garoto e realmente gostava de Jules.
Sempre o tratou bem e ensinou muitas coisas boas a ele,
como xadrez, e a pescar.

-Deveria ter mais atenção com os amigos de seu filho. Tive


grandes problemas com um amigo de meu Aldrich. Mas,
bem, não vem ao caso.

-O que queria discutir comigo?

-Queria entender melhor seu receio. Essa escola tem mais


de 100 anos, o senhor sabe. E construímos algo grande aqui
porque em todas as gerações fizemos o que era realmente
importante: Ouvimos os pais e demos importância as suas
necessidades e as de suas crianças! - Sorriu.

-Bem, lhe escrevi porque não tinha tempo de vir. Mas Jules..
Jules é uma criança extremamente tímida e com problemas
para se adaptar a novas situações. E esta é a primeira vez
em sua vida que temos de mudar de casa para um novo
lugar. Além disso, posso perceber como a ausência de
Oliver está tendo um impacto nele.

-Estão trocando cartas?

-Sim. Achei bom que o fizesse. É uma maneira inteligente


de os dois lidarem com isso e ainda terem notícias um do
outro.

-Compreendo. E o que gostaria que a escola fizesse por ele?

86
-Desse mais atenção a essa necessidade. Compreendesse o
que ele está passando com toda essa mudança tão
repentina. O que lhes peço, resumidamente, é empatia e
paciência. Meu Jules precisa muito disso nesse momento.

-Compreendo. Vou conversar com os professores a respeito,


mas já recebemos casos muito mais difíceis. Sei que ele se
dará bem aqui, e acredito que continuará sendo o garotinho
bem educado e especial que o senhor e sua digníssima
esposa o educaram para ser. Bem, algo mais a ser discutido?

-Não. Isso é tudo, senhor Jebediah. Até mais ver. -


Levantou-se.

-Até mais ver! - Sorriu o diretor. - Deixarei pronto um bom


vinho para a nossa próxima visita!

-Agradeço!

***

Aldrich e eu guardamos as máscaras em nossos pertences e


fomos caminhando para a casa de Adam, com as mochilas
nas costas. Aldrich conseguiu uma garrafa de Whisky no
bar de seu pai, e ela estava escondida em seus pertences.
Era a primeira vez que saía da escola acompanhado, depois
de começar a usar a máscara.

-Está pronto, Jules?


87
-A-acho que sim.

-Você não parece ser o tipo de garoto que gosta de fazer


coisas erradas e desafiar os adultos.

-Bem, sim, eu acho. O que vamos fazer se os senhores


Marsden descobrirem?

-Você corre para a saída antes que guardem seu rosto. -


Sorriu.

-Mas e você?

-Eu vou conversar com eles. O que tenho a perder? Não


podem me dar um castigo pior do que os que já recebi de
meu pai por não ser como ele. Ninguém pode. Além disso,
Adam vai morrer logo e não há nada que eu, você ou quem
quer que seja possa fazer a respeito. E eu não sou a pessoa
que vai questionar Deus por isso. Mas, ele tem o direito de
sorrir e ser feliz no tempo que resta.

-Al...

-Você e sua família são muito religiosos, não é?

-Somos.

Íamos a missa todo domingo de manhã na igrejinha da


cidade, assistir as pregações do reverendo Edmund Dallan.
Era um senhorzinho de cabelo grisalho, mas que sempre
nos recebia com um sorriso no rosto. Convidou-me a ser

88
coroinha logo na primeira vez que estivemos ali, dias antes.
Rejeitei educadamente.

-Então, quero que pense no seguinte: Adam não vai crescer.


Não vai se tornar um adulto. Nunca vai saber como é. E não
é culpa dele. Não é culpa de ninguém. Acha que seria
errado se déssemos a ele... Pelo menos um pouquinho
disso?

-Sim, tem razão. Acho... Que não vai fazer mal.

Acho que eu era bastante pusilânime no que se refere as


regras da igreja. Mesmo que eu pensasse, por dentro, que
Deus nos perdoaria por atravessar o limite, já que se tratava
de fazer um amigo feliz, parte de mim também sentia medo
de ser pego e de ser julgado. Não fazia ideia de que fazer
algo bom pudesse ter um peso tão grande as vezes.

Enfim, chegamos a casa dos senhores Marsden. Um grande


casarão, maior que onde eu morava, com um grande jardim
em volta e protegido por grandes portões com grades de
metal sólido e forte. Uma propriedade que parecia ser tão
cara quanto era grande. Aldrich tocou a campainha
enquanto eu fitava as rosas vermelhas próximas as grades
do portão.

-Vamos, Jules! - Sorriu.

89
Imerso nas flores do jardim, fui tirado a força pelo chamado
de Aldrich. Uma empregada no portão aguardava que
entrássemos.

-O sr. Adam está em seu quarto descansando. - Respondeu


a senhora, já idosa. - Ele tem precisado ficar na cama cada
vez mais e está comendo cada vez menos, então, peço que
tenham paciência e que por favor entendam o que está
havendo.

-Não viemos dar adeus se é o que pensa, senhora. Viemos


encontra-lo. Despedidas sempre existem. Mas não há
despedida que não possua seu reencontro. Mesmo a
passagem que Adam fará.

-Queria ser capaz de sonhar como vocês, jovens. -


Respondeu, com um sorriso de canto de boca.

-A morte não deve ser odiada ou reprimida. Antes,


devemos entende-la como parte natural da vida e da
existência terrena. A natureza cria a vida com um propósito,
mas um propósito que não é finito. E a morte, é apenas uma
pequena parte em um processo muito maior que o homem
ainda nem sonha em compreender.

-Por favor, guarde suas palavras para o Adam. - Respondeu


a senhora. - Ele é quem deve precisar. Esta velha já refletiu e
encontrou tudo o que podia sobre seu destino.

90
Aquela conversa no portão foi bastante pesada e intensa
para mim. Aldrich, somente dois anos mais velho que eu,
falava com a sabedoria e a maturidade de um ancião, ou
talvez mais que isso. Mas, para mim, essa era uma conversa
da qual jamais sequer precisei me aproximar.

***

Entramos nos aposentos de Adam. Um silêncio sepulcral


até então. Ele não estava na cama.

-Achei que estaria deitado, senhor. - Disse a velha


empregada.

-Não podia receber meus amigos assim, ainda mais nessa


situação.

-Lobo... - Murmurei.

Estava sentado ao piano. Tocava algumas notas tristes.


Estava mais pálido que o de costume. As bochechas mais
fundas que o normal também. Aquele era um quarto
grande e bem mobiliado. Era bonito até e bem maior que o
meu. A empregada nos deixou a sós em seguida.

-Obrigado, por virem. Acho que serão os únicos além da


minha avó. Mas ainda assim, obrigado.

-Seu pai não veio? - Perguntou Aldrich.

91
-Os negócios na capital não podem esperar mesmo para
uma última visita. Paciência. Isso é a vida real. Não posso
mais ter olhos de criança para as coisas.

-Eu sinto muito.

-Sinto muito, Adam. - Repeti.

-Onde estão os outros?

-Vamos dar um jeito de trazer Rouxinol e Hiena logo que


possível. Mas hoje, somos só nos três. Nós temos uma coisa
para você.

-Sim, algo que queria muito! - Sorriu.

-Fiquem quietos, vocês falam demais. - Resmungou, em


tom impaciente. - Quando você fica perto de morrer, uma
parte das coisas é começar a apreciar o silêncio de cada
segundo. Ouçam.

Em seguida, começou a tocar bem lentamente algumas


notas. Um som triste e passageiro. Não podia nem começar
a imaginar o que acontecia em sua cabeça naquele
momento. Só sabia que ele estava tentando. Se esforçando
para viver o melhor de seu mundo enquanto podia. Mesmo
o silêncio. Então, quando terminou depois de algum tempo,
debruçou-se sobre o piano, em silêncio, ainda de costas
para nós, escondendo os olhos nas mãos. Me perguntei, a
princípio, se estaria chorando. Não estava.

92
Levantou-se bem lentamente como se os ossos lhe pesassem
mais que o normal. Caminhou lentamente até nós. Parou,
bem perto, diante de Aldrich.

-Sempre foi um irmão para mim, Al. Depois de tudo, espero


que isso não se perca no tempo.

-Não vai. Nada disso vai morrer na minha memória.

-Jules, sei que começamos de um jeito ruim. Sei que te


assustei aquele dia no corredor. Estava curioso porque sabia
que você ia me substituir quando esse momento chegasse.
Bem, eu gostei de você. Você parece ser muito bom e gentil.
Talvez seja um lobo melhor do que o que eu pude ser.

-N-não é verdade. E-eu não sei bem o que dizer, m-mas...


Al, por favor!

-Isso tudo tem sido demais para o Jules lidar. Sempre teve
uma vida muito pacata e tranquila na outra cidade. Nunca
teve nenhum trauma ou dor que tornasse seu coração duro
como o nosso. Então, ainda não consegue entender.

-Considere-se com sorte, Jules. Você é o primeiro a usar


uma máscara sem saber de fato o que ela significa. Acho
que é por isso que Hiena não gosta de você. Bem, o que
trouxeram?

93
-Oh, sim! - Sorriu Aldrich. - Você disse que queria provar o
Whisky que nossos pais gostam tanto, pois bem, acho que
você tem esse direito!

Aldrich retirou a garrafa de Whisky da mochila.

-Whisky quente? Eu agradeço, mas não acho que quente


seja bom.

-A gente não tinha como trazer uma geladeira junto.

-Bem, a casa está completamente vazia hoje, com exceção da


empregada que está cuidando de mim. Mas ela deve estar
no jardim. Não entendo, mas ela fica por horas cuidando
das flores e admirando elas. Queria poder entender o que
há de tão mágico nisso. Bem, acho que não terei tempo para
isso também. Venham.

***

A família Marsden tinha um refrigerador a querosene só


para as bebidas que guardava. Adam o abriu e trocou o
Whisky que trouxemos, morno, por uma garrafa gelada,
crendo que ninguém daria falta daquele que foi retirado,
por ser igual ao que deixamos ali. Minutos depois, sentados
a mesa de sua grande cozinha, Adam colocava o líquido
devagar em um copo.

94
-E-eu não acredito que estou mesmo fazendo isso! -
Murmurou.

-Pense apenas que tudo valeu a pena. E tudo ainda vai


valer, até o infinito. - Sorriu Aldrich.

Sugou o líquido devagar. Era meio ruim e forte, mas ele


aparentemente havia gostado de alguma forma. E, bem,
fechemos as cortinas sobre esse dia, por favor. Aquele foi o
último sorriso que nós vimos no rosto de Adam. Nas horas
seguintes, seu estado de saúde apenas piorou. No terceiro
dia não nos reconhecia mais. E no quarto, nós víamos seu
rosto pela última vez antes de finalmente ser enterrado.
Lágrimas salgadas em meu rosto e no de Aldrich, embora
ele parecesse lidar melhor.

Era duro pensar nisso. Adam havia acreditado muito na


vida. Até seu último segundo. Agora... Cabia a nós
vivermos por ele, por mais jovem que eu fosse para
entender isso.

Aldrich pousou o braço em meus ombros.

-Obrigado. - Me esforcei para sorrir, sem sucesso.

-Adam... É a pessoa mais forte que já conheci. Me sinto feliz


por poder tê-lo conhecido. Podemos chorar agora porque
acabou, Jules, mas, por favor, não vamos deixar nunca de
sorrir porque aconteceu, tá bem?

95
Capítulo XI

Uma semana se passou. Havia uma carta do Oliver que


havia chegado há três dias, mas que não tive coragem de
ler. Hoje, chegando do colégio, tomei coragem e a abri. Não
sei porque não o fiz antes. Mas Aldrich e eu nos vimos
bastante por esses dias. Os outros máscaras também. Al
disse que a melhor maneira de passar por isso era
continuando juntos.

Jules,

Sempre que se esconde alguma coisa, é porque aquilo tem


potencial de trazer dor a alguém em algum momento. E no caso
dos máscaras, parece que o simples fato de se esconderem para não
sofrer está sendo um motivo para sofrerem mais ainda pelo que
são. São questões bem complicadas. E agora, com você entre eles,
as coisas me parecem mais estranhas ainda. Mas, parece que
Coruja quer te proteger. É muito bom que você tenha alguém por
aí que se importe com você.

Sobre o seu amigo de quem me falou, que possui uma doença


terminal, realmente espero que estejamos todos errados, mas
também não quero te dar falsas esperanças. Mas, apesar de tudo o
que passou, parece que ele teve amigos entre os máscaras durante

96
a vida. Não acho que esteja triste. Mas é difícil para ele entender a
morte como o fenômeno natural que é, sobretudo quando está tão
perto. Ele deve ter piorado desde que me escreveu. O que posso
dizer é que deve fazer o que puder por ele até que ele se vá. No
mais, só podemos esperar pelo melhor. Tudo estará bem.

E, o nome do que sentiu quando o viu falar das coisas que não
conseguiria fazer, é empatia. É um sentimento muito singelo que
só pessoas especiais conseguem ter umas com as outras. Talvez
por isso eu goste tanto de você.

E, por fim, não quero que se preocupe comigo. Estou bem, agora
estou saindo mais lá fora e estou controlando meu tempo com a
máquina de escrever do meu pai. E também, estou finalmente
chegando perto de terminar aquele livro. Vou envia-lo a você
quando estiver pronto. E quero que guarde. Para sempre.

E, mal posso esperar por esse abraço!

Até um dia, irmãozinho!

Oliver.

Ollie! Engraçado como eu sempre terminava de ler suas


cartas com um sorriso bobo no rosto! Ele tinha qualquer
coisa nos dedos, que suas palavras sempre me faziam me
sentir melhor, independente do quanto as coisas estivessem
97
difíceis. Certo, ainda sentia-me triste por Adam. Um
sentimento estranho que não sabia explicar, principalmente
porque mal o conheci.

-Tem passado bastante tempo no quarto ultimamente. Está


tudo bem? - Meu pai, na porta, observando-me.

Mal tinha levantado os olhos para olhar para ele. Ainda


pensando em muita coisa, com a carta de Ollie nas mãos e o
envelope ao meu lado, e eu sentado sobre a cama. Ele se
aproximou.

-Outra carta de Ollie?

-Sim, temos nos falado muito.

-Eu posso...

-Por favor, não! - Pedi.

Até então, nunca havia dito não para os meus pais sobre
absolutamente nada, mas, eles não podiam saber sobre os
máscaras e sobre tudo o que estava acontecendo no colégio,
entre mim, Aldrich e os outros. Nem sequer podia saber
que Aldrich existia.

-Está me escondendo alguma coisa, Jules?

-Anh, não pai. M-mas, você sempre diz para não mexer nas
suas coisas do escritório, que são pessoais. B-bem, isso é
pessoal para mim.

98
Mentir talvez funcionasse melhor. Mas eu era daquelas
crianças que simplesmente não sabia como fazer isso. Não
sem ficar claramente óbvio que estava mentido, que dirá
sustentar uma mentira por muito tempo. Então, era melhor
apenas não deixar que ele a lesse.

-Entendo. - Respondeu, com o olhar desconfiado. - Isso é


muito legal da sua parte, que ainda sinta falta dele. A
maioria das crianças esquecem rápido, mesmo sofrendo um
pouco no começo.

-Obrigado, papai.

Eu ainda não sabia como mentir direito. Como ser ruim.


Como quebrar as regras. E, portanto, não sabia como
esconder as coisas das pessoas. Pelo menos não de forma
minimamente convincente.

***

Havia chegado o dia que, para ser franco, eu não queria que
chegasse, porque, ainda não tinha ideia de como lidaria
com isso. Uma semana após o enterro de Adam, voltamos
para a sala dos máscaras no horário de aulas. Era o dia em
que as coisas aconteceriam. Aldrich, sem a máscara,
Rouxinal e Hiena presentes.

99
-Está tudo bem em fazer isso, certo? – Perguntou Al, em voz
baixa.

-Sim, tudo bem. Ele me pediu para fazer isso.

-E isso faz com a responsabilidade seja bem maior. Mas é o


que somos e o que continuaremos sendo.

Hiena riu-se. Até então, Rouxinol e ele estavam sentados


nas poltronas de leitura. Ele me observava. Olhando seus
olhos castanhos por trás da máscara, era possível perceber
que, apesar dos risos, um semblante diferente estava ali. E
não era o de quem estava gostando da situação. Alheio a
isso, Aldrich pegou o falso livro novamente de uma das
estantes enormes que nos rodeavam naquela sala. Abriu-o e
o estendeu para mim. Nele, a antiga máscara de Lobo.
Hesitei.

-Ele não é como nós. Ele não consegue suportar o peso das
nossas máscaras. Porco não significava mais que uma
brincadeira para ele. Mas a máscara do Lobo tem um preço
a ser carregado consigo. Chorou que nem uma garotinha
naquele funeral, não foi? – Disse Hiena.

-S-sim. – Respondi, apesar da provocação.

-Se não suporta vê-lo morrer, como acha que vai carregar o
peso de sua vida?

100
-Que engraçado! – Sorriu Aldrich. – E nostálgico também.
Pensamos a mesma coisa quando você assumiu a máscara
de Hiena.

-O anterior não tinha morrido!

-Carl não morreu. É fato. Está por aí em algum lugar


trabalhando como alfaiate pelo que soube. Casou-se
também, com a antiga Rouxinol por sinal, talvez crente de
que nenhuma outra garota entenderia a dor dele. Mas, para
todo esse colégio, Hiena continuou circulando por aí. E
continua também.

-Carl era um idiota! – Reclamou Hiena. – Não me compare


com ele!

-E mesmo assim, você aceitou continuar com essa máscara.

-E POSSO LARGA-LA A QUALQUER MOMENTO!

-E porque não o faz?

Tentou tira-la. Mas alguma coisa, alguma coisa dentro dele


o impediu. Consegui ver por um instante uma mecha loira,
mas apenas isso. Logo, a máscara tornou a esconder seus
cabelos novamente. Aldrich o pegou no ponto certo. Hiena
claramente precisava daquela máscara para continuar ali,
para continuar vivendo. Ainda não sabia exatamente o que
era, mas ele sofreria muito se a retirasse.

101
-Ótimo, acho que nos entendemos. – Disse Aldrich. –
Rouxinol, alguma observação?

-Eu sinto falta de Lobo. Acho que devemos honra-lo da


maneira como ele concordou que fosse feito.

-Com licença.

Hiena levantou-se. Com um risinho em voz baixa, deixou


nossa sala.

-Porque ele ainda está rindo? – Perguntei.

-Isso é algo que só ele mesmo pode te dizer. Da minha


parte, Hiena é teimoso e me afronta por várias vezes. E
ninguém mais do que ele me faz refletir se as máscaras
realmente têm conseguido... Ser aquilo que o diretor
Jebediah espera. Bem, eu vou tentar conversar com ele de
novo.

Em seguida, Aldrich deixou a sala atrás de Hiena,


deixando-me a sós com Rouxinol. Ela então se levantou,
sem piscar os olhos.

-Eles realmente tem muito o que conversar. Mas nada que


interesse a nós. Mas, eu fico feliz que tenhamos alguém
como você para carregar o legado de Lobo. Não é fácil fazer
isso. Ainda mais para ele que, você sabe, tão jovem se
perdeu. Como eu disse, Lobo era importante para mim,
então, obrigada por fazer isso.

102
Ela levantou-se e caminhou até mim. Tirou sua máscara,
causando uma grande surpresa. Tinha longos cabelos
castanhos e olhos verdes. Era realmente muito bonita.

-Sei que queria saber isso há muito tempo. Porco jamais


teria esse direito, mas Lobo o conquistou no passado. Meu
nome é Anastasia Pagloya.

-P-Pagloya...

-Anitta Pagloya, a dançarina de balé mundialmente famosa


que foi recentemente assassinada. Sim, eu sou a única filha
que ela teve em vida. E eu uso essa máscara por causa dela.
Para fugir de seu legado. Porque toda a sociedade tentaria
me obrigar a ser como ela e a sucedê-la. Mas eu tenho um
futuro, e eu não quero entrega-lo de mão beijada em nome
da corporatividade do show business.

-Não quer ser bailarina?

-Não quero. Nunca quis. Adam e eu compartilhamos nossas


frustrações. O que passamos era parecido: Ele perderia sua
vida toda por causa da doença, se não fosse a máscara, e eu,
a perderia continuando a vida de minha mãe, em vez de
viver a minha. Mas, quando Adam colocava a máscara, ele
não era mais só um garotinho doente, ao contrário, ele tinha
aquilo que pessoas em fase terminal mais anseiam:
Conexão. E eu, ao colocar a máscara, não sou mais a filha de

103
Pagloya. Sou uma garota comum, com liberdade de ter
sonhos e desejos.

-Mas, eu não sou o Adam.

-Para o resto desse colégio, você é o Lobo. E você continuará


sendo para eles o que ele foi. Como disse, de todos que
poderiam aparecer, estou grata que seja você a carregar o
peso da vida dele, Jules.

Em seguida, selou seus lábios aos meus. Ficamos assim por


alguns segundos. Então, um pouco corada, escondeu seu
rosto nas mãos e saiu dali, em silêncio, deixando-me
sozinho na sala sem saber o que pensar ou dizer.
Certamente, Rouxinol guardava muito mais em si do que
eu podia imaginar.

***

Hiena correu sem ter muita ideia de onde iria parar. Poderia
ter ido para qualquer lugar. Poderia ter deixado o prédio,
mas hesitou diante da porta, com a mesma apreensão com
que tinha hesitado em tirar a máscara antes. Virou-se para
trás para ir a outro lugar, mas era tarde. Aldrich o encarava
de forma bem séria.

-O que foi aquilo? Salvamos você! Salvamos sua vida!


Porque ainda me afronta?

104
-E isso é viver? Estar preso para sempre atrás dessa
máscara?

-Não haviam muitas opções para você! Achei que


entendesse isso!

-Você e seu pai... Acham que são os salvadores do universo


com isso! Acham que todo mundo vive em paz porque nos
deram um lugar para nos esconder! Mas ninguém pode se
esconder do que é, nem mesmo atrás dessa máscara!

-Não cabe a máscara curar ninguém! A máscara é um jogo!


Não podemos deixar de ser o que somos, mas podemos
viver sem que isso esteja no caminho! A máscara é um jogo
de tentar viver a vida que merecemos!

-E é isso que está acontecendo? Você está vivendo a vida


que acha que merece? Bem, Packalen não está sequer por
perto, está? Seu pai continua odiando você. E eu... Vivo
uma vida que me faz pensar constantemente se não seria
melhor se eu me...

-Cala a boca.

Aldrich o estapeou com força. Não por ódio. Estava


realmente cansado de ser afrontado por Hiena. De ser alvo
de seu jogo emocional de “vamos ver quem está certo”. Mas
foi por nervosismo. Por não saber o que fazer. Talvez...

105
Talvez Hiena até estivesse certo sobre as máscaras. Mas é o
melhor que ele tinha. É o melhor que todos tinham.

-É isso, então. - Murmurou Hiena. - Essa é sua melhor


resposta. Só quero saber... Até que ponto isso realmente tem
nos ajudado. O que sinto, é que temos sido apenas
brinquedinhos de seu pai.

-De uma vez por todas, você não vai fazer isso! Não vai nem
pensar nisso! Eu não vou perder nenhum dos máscaras!

-”Eu”. A última palavra para você é sempre “eu”. Achei que


não houvesse “eu” em “Time”. Eu sou um tolo, não é?

-Isso é tudo. - Disse, chamando-o pelo nome real. -


Concordando ou não, quero que respeite o que somos e o
que fizemos por você. Você está aqui, usando essa máscara,
porque esse é seu lugar de direito, se quer o direito de ter
sonhos. Eu não escolhi isso. Ninguém escolheu.

-O velho lance de “vítima das circunstâncias”, eu sei...

-Julgue como quiser, mas é assim que as coisas funcionam.


E quando quiser conversar sem me afrontar ou apontar seu
dedo acusador, estarei esperando! Como sempre espero!

Virou as costas e se foi. Hiena tinha uma grande dor a


respeito de ter que usar aquela máscara. Uma dor que eu
nem sonhava começar a imaginar. Seu conflito maior não
era com Aldrich, era consigo mesmo. E isso tomaria muito

106
tempo até ser realmente resolvido, se um dia realmente
fosse.

***

Mais tarde, ao chegar em casa, outra carta de Oliver havia


chegado antes que eu mesmo pudesse escrever uma
resposta a ele sobre sua carta anterior. Subi com pesar as
escadas para o meu quarto aquele dia. Queria poder não ter
que carregar o peso da máscara de Adam. Talvez não fosse
realmente capaz de fazer isso. E começava a me perguntar
porque o fazia. Talvez para agradar Aldrich. Bem, Al era
uma figura muito importante aos meus olhos, não só como
um grande amigo que me acolheu quando cheguei aqui,
mas algo mais. Algo que não sabia explicar, mas realmente
o admirava muito. Talvez porque Lobo acreditou em mim.
Ele disse antes de morrer que me aprovava para seguir com
sua máscara, e sua morte realmente havia mexido muito
comigo. E agora, talvez por Rouxinol. Porque ela
claramente tinha sentimentos por Adam, e, com sua
máscara ainda circulando pelo colégio, ao menos uma parte
dele ainda permaneceria viva.

Mas, enquanto isso, Oliver não estava tendo menos


problemas. Por isso me mandou outra carta antes que eu
pudesse responder sua última. Porque precisava muito

107
desabafar algo realmente complicado. Era sobre seu
falecido pai.

Jules,

Tive que interromper tudo o que estava fazendo para lhe escrever,
porque, nesse momento, você é a única pessoa com quem eu posso
falar sobre isso. Digo, falar sobre tudo, até a última gota, até o
ponto mais profundo de meu âmago. Sei que você saberá ouvir.

Recebi notícias sobre o meu pai. Não foram notícias boas. Não em
contraste com as memórias que tenho dele. Nos ensinando a jogar
xadrez, saindo juntos para comer fora só eu e ele, ou até mesmo
me ensinando a escrever em sua máquina quando eu era mais
novo.

Recebemos uma visita de uma pessoa. Cheguei em casa do colégio


disposto a voltar logo para a minha máquina de escrever. Nas
poltronas da sala, minha mãe estava com uma visita. Um homem
grande, de terno negro e voz grave. Falava sobre um homem que
logo reconheci ser o meu pai. Fiquei ali observando enquanto não
notavam minha presença.

Segundo ele... Meu pai foi assassinado. Não entendi bem os


motivos. Me lembro de ele falar alguma coisa sobre perseguição
política. Algo a ver com a ideia de que meu pai pagou pelos
sonhos que teve. Que tipo de sonhos eram esses que valiam uma

108
vida? Lembro de o meu pai dizer que apreciava a liberdade, e que
as pessoas deveriam saber o que isso realmente significava. Paz e
liberdade. Algo que soa tão bonito pode ser tão ruim?

Lembro que as lágrimas me tomaram naquele momento e meu


pensamento nublou completamente. Não soube o que falar, o que
pensar, o que dizer. Nem sei quanto tempo fiquei ali, apenas
levado pela sensação das lágrimas correndo pelo meu rosto.
Depois, subi até o quarto e me tranquei.

Estou escrevendo para você porque, nesse momento, é a única


coisa que minha racionalidade diz para fazer. Porque o outro
lado... O outro lado pede por coisas horríveis. Coisas que me
arrependeria muito depois. Coisas que me machucariam ainda
mais.

Enfim, me responda o mais rápido que puder, por favor. Até lá,
não sei quanto tempo consigo fingir que não sei sobre o que houve
com o meu pai, que não sei sobre aquela conversa, que não sei que
ele estava fugindo, e que não sei que meu pai foi injustamente
tirado de mim. Mas farei o que o resto de minha sanidade me
permitir.

Espero que as coisas estejam melhores do seu lado. Boa sorte para
nós. Vejo que estes são tempos muito difíceis para nós dois.

Até um dia, irmãozinho.

109
Oliver.

Se o que aquele homem disse era verdade, era no mínimo


devastador. Eu sei que deveria pegar um papel e escrever
algo para ele, mas não podia fazer isso. Se alguém sabia
alguma coisa sobre o pai de Oliver, e sobre porque ele
morreu, era o meu pai.

***

Uma das coisas que meu pai mais gostou na nova casa, é
que haviam duas garagens separadas ali, uma delas para
um suposto portão dos fundos que devia ter ali há muitos
anos antes. Por isso, ele a transformou em uma pequena
oficina. Ele podia ser um executivo em uma empresa
financeira, mas ainda gostava de trabalhos manuais. Entrei
em sua oficina. Ele serrava um pedaço de madeira com uma
serra.

-Pai?

-Jules... Veio finalmente aprender alguma coisa? - Sorriu.

-Ainda não. - Disse, meio sem jeito.

Não me interessava muito por marcenaria, mas meu pai


disse várias vezes que gostaria de me ensinar e não queria

110
decepciona-lo, então, nunca sabia direito como agir nesses
momentos.

-Quero... Perguntar uma coisa.

-Sim? - Disse, se aproximando e limpando os óculos.

-O pai de Oliver... Porque ele se mudou?

-Humprey era muito calado e sério. Nunca avisou ninguém


além da família que viajaria. Um belo dia simplesmente não
apareceu para trabalhar. E um mês depois, soubemos sobre
ter sido encontrado morto. Realmente não sei nada sobre
isso.

-Ele... Acreditava em alguma coisa?

-Você quer dizer, em Deus? Bem, acredito que sim, embora


não fosse um grande frequentador de igrejas. Lembro de ele
dizer várias vezes que acreditava na vida e na liberdade.
Mas sempre que ele dizia isso para mim e para os rapazes,
parecia ter algo mais em suas palavras.

-Ele... Tinha problemas com alguém por acreditar nisso?

-Eu não sei. Quem poderia ser contrário a ideia de paz e


liberdade? Bem, sei muito pouco de Humprey. Acho que
Ollie deve saber mais sobre isso para contar a você.

-Acha que ele pode... Ter sido assassinado?

111
-Eu não sei. Não gosto de fazer acusações. Mas da maneira
como deixou a cidade o mais rápido possível e de surpresa,
se ele foi assassinado, acho que ele sabia que isso ia
acontecer mais cedo ou mais tarde. Mas, porque está
perguntando essas coisas?

-Recebi uma carta do Ollie. Ele ainda não se recuperou bem


de perder o pai. Ainda está triste.

-E isso te assusta, não é? - Disse, com um sorriso de


compreensão, largando a serra sobre a mesa e me
abraçando. - Tudo bem, Jules. Eu nunca vou sair do seu
lado, eu prometo!

Na verdade sim, talvez isso me assustasse um pouquinho.


Mas não quis ter essa conversa por mim, quis tê-la por
Ollie, para saber o que dizer a ele. Bem, eu continuava
perdido sobre isso. Ainda não sabia como ajuda-lo. Se
pudesse estar lá, acho que apenas o abraçaria e ficaria por
perto quanto tempo precisasse, mas, a essa distância,
apenas podendo escrever, isso era muito mais difícil.

Capítulo XII

Encontrei Rouxinol novamente na sala dos máscaras no dia


seguinte, ao retornar ao colégio. Estava totalmente alheia a
mim, como se nada tivesse acontecido e como se nunca

112
tivesse me mostrado seu rosto ou contado sua história.
Aldrich e Hiena também estavam. Hiena bastante quieto
também. Pela primeira vez, eu usava a máscara que Adam
havia deixado para mim em vida.

Aos poucos começaram a sair para o colégio, sem falar uns


com os outros. Aquilo começou a incomodar. Algo parecia
estar errado. Aldrich foi o último antes de mim, a ir em
direção a porta. Então o chamei.

-Al?

-Sim?

-Está tudo bem?

Ele tirou a máscara, deixando-a de lado. Fiz o mesmo.

-Não, não está. Tivemos problemas ontem. Fui visitar o


Hiena em sua casa para tentar resolver isso de uma vez.
Parece que a morte de Adam mexeu muito com ele. Mas do
que o esperado. Ele regrediu de novo. E eu ganhei isso.

Aldrich desabotoou sua camisa, deixando ver seu peitoral


nu. E, um pouco abaixo do ombro, um curativo de mais de
dez centímetros.

-O-o que aconteceu? - Perguntei, assustado.

113
-Acho que precisamos mesmo conversar. Digo, eu e você. -
Começou a abotoar novamente a camisa. - Sobre Hiena.
Quero que se afaste dele por um tempo. Isso é sério.

-Ele fez isso?

-Não posso culpar somente ele. Também não fui muito


bonzinho naquele dia. Se viu o noticiário nos últimos
meses, sabe quem ele é. Henry Stamos.

Numa cidade bem distante dali, esse era o nome de um


garoto que teria sido condenado a morte pela justiça meses
antes pelo assassinato de uma criança de três anos com uma
faca. E não se tratava de qualquer criança, mas de sua irmã
mais nova. Quando ele me disse aquele nome, eu me
lembrei de tudo. De ver o noticiário e das palavras frias do
meu pai.

-Espero que você nunca nem chegue perto de pessoas


assim. Não me perdoaria pelo que seria capaz de fazer se
algo te acontecesse.

Olhei no fundo dos olhos de Aldrich. A conversa era muito


séria. Hiena... Hiena tentou mata-lo, exatamente como fez
com a irmã no passado.

-Porque ele fez isso?

114
-A família dele fugiu para esta cidade. Pagaram por
cirurgias plásticas com doutores que trabalhavam
ilegalmente e documentos falsos, mas no fim das contas,
alguns ainda o reconheciam. Henry é desequilibrado e
tirarem a identidade dele para protege-lo tornou isso pior.
Por isso ele está aqui e usa essa máscara. Ele tornou-se um
garoto comum depois dela e estava bem até agora. Mas
parece que perder o Adam, como posso dizer? Ligou
novamente o botão dentro da cabeça dele. Mas, até o
momento, só nós dois sabemos disso. E até que eu pense no
que fazer, mantenha isso em segredo e não se aproxime
dele. Tudo bem?

-S-sim, claro. Mas... Porque brigaram?

-Eu preciso ir, Jules. Mas, o mesmo de sempre. Ele me


afronta porque não concorda com o que fazemos aqui. O
grande problema é que, ao contrário de nós, ele não se
esconde só aqui no colégio. Ele precisa se esconder durante
o dia inteiro onde quer que esteja. Não posso culpa-lo por
isso tê-lo tornado ainda mais desequilibrado. Mas nós não
começamos isso. Estamos tentando fazer com que ele possa
viver de alguma forma. Mas isso não é nada fácil para ele e
nem para mim também. Como eu disse, é algo que me
machuca também, mas alguém tem uma ideia melhor?
Bem, vamos ver no que vai dar. Com licença, Jules.

115
As coisas com os máscaras naquele momento começavam a
ficar muito mais estranhas do que jamais foram. Mas,
enfim, eu conhecia a todos aqueles que as usavam e os
motivos de as usarem. Menos... Menos Coruja. Ainda não
sabia porque Aldrich usava a máscara de Coruja. E de
repente, era muito estranho que ele confiasse em mim para
saber quem ele e os outros são, mas não para saber o que o
levava a se esconder atrás da máscara. Ainda havia muito a
ser descoberto sobre o que estava acontecendo ali.

Então, respondi as duas últimas cartas de Oliver na


primeira oportunidade em que tive. Agora que também
tinha muita coisa a contar, acho que era esse mesmo o
momento certo.

Oliver,

Você tinha razão. As coisas por aqui estão tão confusas quanto
tudo o que tem acontecido com você. No fim das contas, as vezes
penso se não estamos ambos sozinhos da maneira que estamos.

Adam finalmente morreu, há duas semanas e foi sepultado. Foi


um momento muito difícil para todos nós, mas, entre os máscaras,
as coisas tem sido muito mais difíceis. Rouxinol parece estar bem,
mas sei que não está. Ela me agradeceu por seguir o legado dele e

116
começar a usar a sua máscara, mantendo-o vivo para o resto do
colégio, e... Ela me beijou. Isso... Isso foi estranho.

Enquanto isso, Hiena e Aldrich estão brigando mais do que o


normal. Perder o Adam fez com que Hiena se tornasse ainda mais
desequilibrado do que já fora. No passado, ele matou sua irmã
mais nova, e agora, se escondendo, sua mente tinha voltado a ficar
estável, como Al me explicou, ou pelo menos era o que pensamos,
mas, perder o Adam fez com que sua mente regredisse. Quando
me contou isso, Al mostrou um enorme curativo em seu peito.
Ollie... Aldrich quase foi assassinado pelo Hiena! Eu não sei o que
pensar sobre isso. Por enquanto, vou obedecer Aldrich e vou me
afastar dele. Isso não é mais seguro.

Engraçado, foi o próprio Hiena quem tinha me dito uma vez, na


verdade, várias vezes, que eu era inocente demais para entender o
peso que as máscaras realmente carregam. Parece que isso é
verdade. Finalmente as palavras dele fazem sentido para mim.

Não quero que se preocupe com isso, Ollie. Apesar de tudo, está
tudo bem. E eu sei porque Aldrich levou aquela facada. Porque ele
não queria que eu a levasse. Todas as brigas deles eram no colégio,
mas, de repente, sem razão aparente, resolveu conversar com ele
em sua casa. Ele queria discutir isso longe de mim, porque sabe
que, nesse momento, o problema de Hiena sou eu. É a ideia de eu
estar usando por vontade própria a coisa que ele mais odeia nesse
mundo: A máscara. Em resumo, tenho convicção de que aquela
117
facada era para mim. Aldrich está me protegendo agora, como me
protegeu de Robin quando nos conhecemos. Talvez isso signifique
mais.

Sobre seu pai, quero que me prometa que vai se esforçar para que
seu coração tenha a paz e a liberdade que seu pai sonhou. Isso
incomoda as pessoas, quando não são capazes de entender e menos
ainda de sentir essas coisas, mas o seu pai era diferente. Ele era
um homem admirável que espero que também sejamos um dia. Eu
sei que nunca o chamei assim antes, mas tio Humprey... Era uma
pessoa que tenho muito orgulho de ter conhecido, assim como
você. E você é filho dele, é a coisa mais preciosa que ele tinha. E foi
por isso que ele deixou para você seu segundo maior tesouro: Sua
máquina de escrever. Enquanto você usa-la para produzir coisas
boas e bonitas como ele a fazia, enquanto essa máquina estiver
produzindo sonhos, como sei que fazia nas mãos dele, então ele
estará vivo.

Sei que essas palavras não fazem você se sentir melhor, mas, é o
melhor que posso oferecer nesse momento para ajudar você. Quem
sabe te tirar um sorriso. Sei que seu pai não gostaria que você
abandonasse seu sorriso, e também eu quero vê-lo de novo em seu
rosto. Ollie, você é forte, e seu pai se afastou para resolver seus
problemas em outro lugar porque sabia disso, e sabia que você
ficaria bem sem ele. Hora de fazer jus a essa confiança e começar a

118
viver por ele. E sempre que precisar, escreva. Por favor escreva.
Eu vou sempre estar aqui para você. Do outro lado do papel!

Até um dia, irmão.

Jules.

Sei que essas palavras estavam longe de ser suficientes para


ajuda-lo, mas dei o meu máximo para que se sentisse
melhor naquele dia. E foi bom para mim falar um pouco
sobre o que houve com Aldrich. Aquele curativo em seu
peito não saía da minha cabeça. Da mesma forma, imaginar
que Hiena era uma pessoa violenta, mais do que isso, era
Henry Stamos, um assassino procurado pela polícia, e que
nós estávamos correndo esse perigo esse tempo todo, e
Aldrich sabia disso... Ora, Aldrich era mesmo admirável.
Correr um risco tão grande para poder ajudar o Henry. Ele
era realmente bondoso. No entanto, muito ainda estava
para acontecer.

-Coruja! - Exclamei, entrando na sala dos máscaras no dia


seguinte, mais de uma hora antes de nossa aula, como
sempre, ansioso para vê-lo. E aos outros também.

119
-Ele não está. - Uma voz séria, também com sua máscara,
acompanhada de um risinho.

-Você...

-Assustado? Não ache que sabe toda a história porque o


Aldrich contou a você o que houve. Você não entende.

-Você tentou mata-lo!

-É verdade. Apreciaria se não falasse isso alto. Mas é


verdade. No entanto, ele pediu por isso. Ele vem pedindo
por isso dia após dia nos últimos anos desde que nos
conhecemos. Olhe nos meus olhos, Jules. - Retirou a
máscara, deixando ver os olhos castanhos e os cabelos
loiros. - Realmente acredita que eu sou o vilão dessa
história?

-N-não.

-Estamos começando a nos entender.

-N-não tem vilão nessa história! V-você é um


desequilibrado! Precisa ver um médico! Precisa de algum
tipo de tratamento!

-Para esse ódio? Não. Isso é algo que eu tenho que resolver
sozinho. Colocar o Aldrich na defensiva, fazer ele saber que
eu não sou fraco foi um bom começo. Ele certamente não
120
vai mais me provocar. Não vai mais fazer parecer que é
melhor que eu.

-Ele nunca fez isso! Ele quer que você entenda que ele esta
tentando salvar você de você mesmo!

-Você é muito mais inocente do que eu pensei, Jules.

-Adam, não é? Isso tudo é por ele, não é?

-Era meu melhor amigo. Era quem fazia com que eu me


sentisse melhor cada vez que eu pensava nas coisas que já
fiz. Ele... Acreditava em mim. Ao contrário do Aldrich.

-Não é verdade!

-Infelizmente é. - Respondeu uma terceira voz.

E de repente, Aldrich estava lá. Evidentemente irritado e já


sem a máscara também, a uma certa distância de nós.
Aproximou-se mais um pouco devagar. Parou a cerca de
um metro.

-Jules... Eu disse para não se aproximar dele até eu dizer


que é seguro e que ele já está melhor.

-E-eu sei, mas, quando cheguei ele estava sozinho aqui!

-Não posso me atrasar um único dia sem acontecer um


desastre, não é? Henry, já conversamos sobre isso. Eu não
121
quero lutar com você de novo. Não quero que tenhamos
que viver aquele dia nunca mais, porque foi ruim para nós
dois. Mas você sabe que isso não depende só de mim.

-Quer protege-lo? Então toma para você!

Henry me empurrou com força para perto de Aldrich, que


me segurou antes que eu pudesse cair, ao custo de quase
cair junto.

-Você está bem? - Sussurrou.

-Estou.

-Ótimo. Quero que vá embora. Isso é entre ele e eu.

-Não posso...

-Vai logo! - Gritou.

Saí dali. Deixei o lugar sem olhar para trás e sem saber
como terminou. Sabia que teria uma grande surpresa sobre
isso no dia seguinte, mas nem queria imaginar o que
poderia ser. Nem queria imaginar de que mil formas ruins
aquilo poderia acabar. O problema é que, se por um lado o
maior conflito de Hiena naquele momento era a minha
presença ali, também a maior prioridade de Aldrich era me
manter por perto por razões que ainda não entendia bem. O
que claramente fez com que o conflito que já havia entre
122
eles se tornasse maior. Caminhando para casa, tomei uma
decisão para mim mesmo: Era mais do que hora de isso
acabar.

Capítulo XIII

-Jules, o que houve?

Tentei passar direto pela cozinha sem falar com ninguém.


Não pude. Não pude não atender a voz preocupada de
minha mãe ao largar as coisas que cozinhava e virar-se para
mim.

-Anh, nada. N-não é nada.

-Jules, você deveria estar na escola, agora! E está


lacrimejando! O que houve?

-E-estou?

Talvez tivesse chorado um pouquinho no caminho para


casa. Entretanto, não devo ter notado, talvez por toda a
preocupação com Aldrich e com Henry. Se, anteriormente,
Aldrich já terminou com uma faca em seu peito, tudo podia
acontecer. Mas novamente, eu não podia dizer nada, ou
denunciaria que conhecia qualquer coisa sobre os máscaras.

123
-Jules, se tem algo errado acontecendo, eu preciso que me
diga, e podemos conversar com o diretor Jebediah ou te
colocar em outro colégio, mas por favor, você não precisa
passar por isso sozinho!

-Mãe...

-Você não é assim, Jules. Você não chora por nada. Eu


preciso saber, quem te machucou?

-O-onde está o papai?

-Ele está no escritório, você sabe, ele está sempre lá nesse


horário!

Eu não sabia o que dizer. Como explicaria que duas


pessoas, uma das quais eu tinha uma profunda admiração e
era sem dúvida meu melhor amigo nessa cidade, estavam
se matando porque um deles era um assassino procurado
pela polícia e o outro está tentando salva-lo e a culpa desse
conflito é minha, mesmo eu não tendo feito absolutamente
nada além de usar uma máscara? Não, tudo isso era loucura
demais. Ainda mais para minha mãe que viveu muito
tranquilamente a vida toda como uma camponesa no
interior, antes de conhecer o meu pai.

-Eu... Acho que estou doente.

124
O padre disse em um sermão que um dos maiores pecados
que se pode cometer é mentir para seu pai ou sua mãe. E eu
imagino que pior do que isso seja mentir sobre algo tão
importante e sério. Mas, naquele momento, não havia
nenhuma decisão “certa” a se tomar, além do que já estava
disposto a fazer.

-O que você tem?

-Anh... Dor de cabeça! É, dor de cabeça! M-mas não precisa


de remédio. E-eu acho que vai melhorar se eu descansar um
pouco!

Como eu disse, nunca fui muito bom em fazer coisas


erradas. Sobretudo mentir. Então, eu sabia que não estava
funcionando, mas, de alguma forma, ela não quis insistir.

-Pelo menos deve tomar um chá que vou fazer para você,
tudo bem?

-C-certo. Desculpe.

-O que?

-N-nada! Vou subir, com licença!

Não pedi desculpas por querer. Foi algo completamente


involuntário. Um pedaço de minha consciência que não
queria nunca ter precisado mentir. Então, apenas subi para
125
o quarto em silêncio. Deitei-me na cama e não fiz nada mais
além de orar a Deus repetidamente, pedindo que nada de
mal aconteça a nenhum dos dois. Minha mente
simplesmente não me deixava fazer outra coisa.

***

Enquanto isso, na sala dos Máscaras, Aldrich e Henry se


encaravam sem que ninguém fizesse nada. Até que algo
interrompeu as coisas ali. Passos pesados em direção a eles.
Terno e uma máscara.

-Pai... - Murmurou Aldrich.

-Eu disse a você, Aldrich. Se chegasse o momento em que


eu tivesse que resolver isso com minhas mãos, eu faria do
meu jeito. Você se lembra, não é?

-Por favor, me dê mais tempo, eu imploro!

-Negado. Você teve sua chance. Além disso, devia ter


imaginado que Henry iria desestabilizar quando Adam nos
deixasse. E que seu amigo recém-chegado pioraria as coisas.

-Não me falou sobre isso!

126
-Eu precisava? Você é o líder da geração atual dos máscaras.
Devia saber quem eles são e o que acontece entre eles.
Robin, não é? Está nublando sua cabeça de novo, não é?

-Isso não é sobre ele!

-Isso é sobre você! - Henry interveio. - É sobre você


sacrificar os máscaras por causa daquele garoto. Jules não
tem uma causa como nós. Ele está do outro lado do muro. É
um daqueles de quem nos protegemos. Sempre quis me
convencer de que a máscara serve a um propósito de nos
proteger do que somos. Mas Jules é o que? Não é nada, não
tem uma causa, uma dor ou uma aflição que justifique estar
entre nós. -Voltou-se para o homem. - Senhor Waldor, eu
voto para que Jules deixe de ser um de nós. Sei que ele sabe
demais, mas compreendo que agora que viu a cicatriz em
Aldrich, sabe que corre perigo se algo a nosso respeito
chegar em outras pessoas.

-Você realmente não pode reclamar, Aldrich. Você mereceu


essa cicatriz. Henry está certo. Você subverteu o que as
máscaras significam para proteger o garoto. Mas, isso tem
muito mais a ver com Robin do que com Jules, não tem?

-É isso que quer saber? Bem, tem, tem sim. Isso tudo foi
sobre Robin, foi para protegê-lo de si mesmo. Mais que isso,
foi para trazê-lo de volta.

127
-Para você? - Questionou Henry.

-Para nós. Vocês estão certos, Jules nunca devia ter sido um
de nós. Mas Robin sim. Vocês sabem sobre ele. Mas ele não
pode voltar, não com a revolta que possui dentro de si.
Quando senti que ele faria de Jules seu novo alvo, imaginei
que essa era uma boa maneira de trazê-lo para perto de nós
de novo. Como eu te disse, preciso de tempo para que isso
aconteça, e aí, enfim a máscara de Lobo encontrará seu
herdeiro real!

-Ela já tem seu herdeiro real! - Rouxinol, entrando e


retirando a máscara, em tom bem sério, enfrentando os três.
- Ouvi conversas e não gostei! Adam queria que Jules o
sucedesse! Respeitem sua vontade!

Os três se entreolharam. O homem se aproximou dela.


Henry e Aldrich logo atrás. Rouxinol retirou sua máscara
para encara-lo, mas não recuou. Em seguida, o homem lhe
estapeou com força.

-O que esse moleque infeliz fez com vocês? - Berrou. - Ele


está desestabilizando tudo o que os máscaras são!

-Eu avisei desde o princípio! - Murmurou Henry.

-Quando ele vier ao colégio amanhã, tragam ele para mim.


Já está na hora de ele me conhecer. Vou falar com ele
128
pessoalmente. E isso é tudo, senhores. Vão as suas aulas,
estão atrasados. Rouxinol, você caiu da escada, bateu o
rosto contra o chão e se machucou, fui claro?

-Sim, senhor, mas... - Levantando-se com dificuldade. - Por


favor, não machuque o Jules!

-Não lhe devo nenhuma obediência. Saia da minha sala.

***

As horas se passando e fui ficando mais calmo até o pôr do


sol e com a calma, finalmente me ocorreu de dar uma
olhada na caixa do correio. Saí de casa para a rua. Mas,
antes que pudesse pegar a carta de Oliver, notei algo.
Alguém estava passando por ali: Um velho conhecido.

-Edgard! Ei, Edgard!

Ele olhou para mim por um instante, e depois seguiu seu


caminho, fingindo não ter visto nem ouvido nada. Com a
carta em mãos, fui até ele. Segurei sua mão.

-O que quer? - Disse, com irritação, puxando-a de volta.

129
-Não sou mais um deles! - Respondi. - Você estava certo,
eles são encrenca! Uma enorme encrenca na qual não quero
nem suporto mais estar envolvido!

-Você pode fazer isso?

-Não podem me obrigar a ficar!

-Eles são estranhos, Jules!

-O que você sabe sobre eles que eu não sei?

-Robin... Ele recusou o que você aceitou. Um pouco antes de


você chegar na cidade. E desde então... Bem, ele se tornou o
valentão acéfalo que ele é.

-Porque recusou?

-Eu acho que sim.

-E-eu não vou mudar. O-olha, quanto mais você chega perto
deles mais assustadores eles são, e ao mesmo tempo, mais
você os compreende. Bem, menos o Coruja. Ele nunca
pareceu assustador para mim. Mas eu não fui feito para
isso. Digo, para ser um deles. Está tudo bem, Edgard.
Finalmente está tudo bem.

-Certo. Eu tenho que ir, com licensa.

130
Edgard me deu as costas sem nem mesmo apertar minha
mão. Fiquei ali por um tempo observando-o ficar cada vez
menor aos meus olhos e em seguida sumir no horizonte.
Então, me voltei para a carta. Caminhando de volta para
casa até subir as escadas e voltar em silêncio para o meu
quarto, fiquei olhando para o envelope. O endereço de
Oliver, na mesma rua de minha antiga casa. O selo com um
desenho qualquer. Tudo remetendo a melancolia da
distância.

Sentei-me sobre minha escrivaninha e abri o envelope. A


carta nele nos mesmos papéis velhos com que costumava
me enviar, de uma caixa velha porém conservada de papéis
que ele tinha em sua casa. Os mesmos que usava na
máquina de escrever de seu pai. Por sinal, a mesma caixa de
onde tirou papéis para escrever seus livros.

-Ollie...

Não sabia ao certo porque estava hesitando em abri-la.


Talvez ainda estivesse digerindo todas as coisas que
estavam acontecendo comigo e não estivesse pronto para
saber o que acontecia com ele. Enfim, a abri. Sua letra era
bonita, como poucas que já tinha visto. Acho que ela
ajudava um pouco a senti-lo por perto.

131
Jules,

Acho que tem mesmo razão. Estamos todos sozinhos. É


exatamente isso que tenho pensado. Depois de tudo, estamos todos
sozinhos com nossos problemas.

Eu sinto muito pelo Adam. Espero que ele realmente esteja melhor
onde está. Mas posso imaginar a tempestade que está havendo em
cada um de vocês em função do luto. Digo, os máscaras. Estão
passando por momentos muito difíceis sem ele. É difícil entender,
mas parece que ele é que mantinha firmes os alicerces dos
Máscaras. Acho que Rouxinol gostava dele também. Um
pouquinho mais do que talvez você entenda agora.

Sobre Hiena, reforço o que Aldrich disse: Ele está certo em não
querer que você fique perto desse garoto, e também não quero que
fique. Não sei o que faria se encontrasse você severamente
machucado como aconteceu com Aldrich. E seja como for, o
problema de Hiena não é você, mesmo que ele pense assim. E,
bem, acho que devo agradecer ao Aldrich por proteger você, agora
que não posso mais fazer isso.

Agradeço pelas palavras sobre o meu pai. Ainda estou digerindo


tudo sobre isso. Tomei coragem por esses dias e contei a minha
mãe sobre a conversa que ouvi. Ela disse que meu pai foi morto
por pessoas más. Que o confundiram com um comunista. Ainda
não entendo bem o que essa palavra significa, ou o que esses

132
“comunistas” fizeram de errado, mas, meu pai não era um deles.
Digo, ele me contaria se fosse, não é? Ela disse que tem a ver com
uma guerra que está acontecendo bem longe daqui. Bem, mas isso
não importa mais. Estou feliz, porque, eu finalmente sei toda a
verdade sobre a morte do meu pai. Eu finalmente entendo. Seu
discurso sobre Paz e Liberdade deu início a essa conversa de que
ele tinha se posicionado sobre essa guerra. Mas ele não queria o
mal de ninguém, eu sei disso!

Bem, minha mãe acha que ele sabia que seria atacado por essas
pessoas e fugiu para minha mãe e eu não sofrermos o mesmo. Vida
e liberdade não tem a ver com “comunismo”, seja lá o que isso for.
Tem a ver com ser puro, correto, gostar das pessoas e ser livre. Foi
isso que ele me ensinou, e nada sobre essas coisas de política e
guerra. Enfim, estou ainda tentando entender toda essa história,
mas estou bem. Ou pelo menos vou ficar.

Até um dia, irmãosinho.

Olliver.

Eu também não sabia o que era “comunismo” ou quem


eram os “comunistas”. Tinha ouvido alguma coisa no rádio
sobre uma nova guerra estar acontecendo logo após nosso
133
país e seus aliados vencerem uma guerra maior ainda. Mas
pouco que eu, sendo tão novo, fosse capaz de entender
sobre isso. O importante é que o senhor Humprey não tinha
nem nunca teve absolutamente nada a ver com essa
história. Ele apenas acreditava em ser livre e ser feliz. E isso
está além de qualquer guerra ou ideologia política. E era
bom saber que Oliver finalmente estava melhor.

***

Voltei ao colégio no dia seguinte, decidido a acabar com


aquilo, como disse ao Edgard no dia anterior. Cheguei cedo
como sempre, abri a porta lateral do prédio do colégio com
minha cópia da chave e caminhei pelo corredor até a sala
dos máscaras. As outras portas chamavam a atenção, mas
estavam todas trancadas e minha chave não as abria.
Somente a sala dos máscaras poderia ser aberta por ela, mas
já estava aberta. Aldrich tomava seu café, mas dessa vez,
sua mão tremia.

-Al... Está tudo bem?

-Vai embora, Jules.

-O que está...?

134
-Vai embora, Jules, por favor! Eu ainda não terminei nada
disso! Eu preciso de tempo!

Seu tom de voz estava me assustando. Na verdade, não era


agressivo, era preocupado. Era uma espécie de desespero
contido, como poucas vezes eu tinha visto. Tomou um bom
gole do café com a mão tremendo.

-V-você está bem?

-Ok, tudo bem, deixe o garoto ficar. - Uma pessoa que não
tinha visto ali se aproxima. - Eu voltei agora da minha
viagem, ainda não sei muito bem quem você é, mas lembro
quando vi você chegar. Como está? - Num tom simpático.

Ele usava uma máscara similar as dos outros e a minha.


Uma máscara branca com a marca de um esquilo. Eu não
me lembrava dele. A não ser... Bem, ele estava certo.
Quando Aldrich me apresentou os máscaras, no dia em que
me deu a máscara de porco, ele estava presente.

Depois de um tempo eu não reconhecia mais nada ali dentro.


Entramos em um grande corredor, e, trinta metros depois,
entramos por uma porta. Era uma espécie de biblioteca escondida.
Tinha um jogo de sofás ali e uma mesinha de centro. Outros
máscaras estavam ali, conversando e tomando café.

-O-o que vai fazer comigo? - Perguntei.


135
-O que acha que somos?

-E-eu não sei! Vocês não conversam com ninguém, só falam entre
vocês, sempre parecem esconder alguma coisa, e nunca vemos
vocês fora da escola! Vocês são as pessoas mais estranhas que já vi
e eu quero ir embora! - Disparei, perturbado com aquilo.

-Calma, tudo bem, tudo bem! - Disse Coruja. Agora com a mesma
voz tranquila que tinha quando o conheci.

Em seguida, fez a última coisa que eu esperava que fosse fazer. Ele
tirou sua máscara. Era um garoto magro com cabelos loiros, mas
um loiro envelhecido, numa cor que lembrava capim seco, mas
que por alguma razão ficava muito bem nele, e eram um pouco
longos indo até os ombros. A pele era pálida e os olhos eram de um
azul muito claro e ao mesmo tempo profundo. Era um rapaz
realmente bonito como sua voz sugeria.

-C-coruja?

-Meu nome de verdade é Aldrich Waldor. Mas por favor, nunca


me chame assim em público. Estes são Lobo, Hiena, Rouxinol e
Esquilo. Alguns deles você já conhece. Vai saber suas identidades
quando conquistar a confiança deles. Até lá, Jules, quero que
preste atenção em mim. Eu nunca deveria ter me aproximado de
você naquele dia. Pelo nosso código, devia ter deixado Robin
Packalen te maltratar, mas não foi o que fiz. O ponto é que,

136
muitos de nós me seguiram e também falaram com você cada um
por sua razão. E eu meditei muito sobre o que fazer a respeito.

-Ele está assustadinho! - Disse Hiena, se aproximando de mim e


rindo de um jeito que realmente me assustava.

-Volta para o seu lugar! - Ordenou Aldrich, ao que Hiena baixou


a cabeça e obedeceu.

-O-o que vão fazer?

-Nós somos como você. E vamos quebrar mais uma regra agora,
mas creio que é o melhor a se fazer sobre isso no momento. Jules,
temos uma coisa para você. Hiena, por favor.

Ele se levantou e foi até um dos livros da estante. Tirou dali um


deles que era falso, na verdade uma caixa, e abriu. Dentro dele,
mais uma máscara branca, aquela ainda sem dono. Era um porco.

-O-o que?

-Queremos que se junte a nós. O que me diz, Jules? - Respondeu


Aldrich.

Eu ainda não sabia, mas Aldrich estava fazendo aquilo para


tentar me salvar, literalmente. Por que eu havia me aproximado
mais dos Máscaras do que devia. E ele não queria mais uma culpa
entre tantas sobre si, mesmo sabendo que as consequências
poderiam ser piores.
137
-C-como foi sua viagem a frança? - Perguntou Aldrich.

-Estive no Louvre. Digamos apenas que Leonardo da Vinci


é realmente tão fantástico quanto os professores dizem.
Jules, você chegou na hora, teremos um grande dia hoje!

-Não vou deixar machucarem ele! - Encarou Esquilo.

Aldrich parecia estar bastante fraco e cansado, como se


tivesse se exercitado por muitas horas até aquele momento,
ou não dormisse há dias, como que lutando para não
desmaiar. E, estava tomando café compulsivamente.

-E-eu não vim aqui ver ninguém! - Tentei tomar uma


postura séria. - Vim devolver isso!

Extendi a máscara de lobo. Esquilo a pegou. Aldrich


resmungou alguma coisa que não consegui entender. Foi
como se sua voz não saísse direito, mas estava claramente
assustado. Em seguida, Henry entrou, com a máscara de
Hiena, soltando os seus risinhos.

-Estou atrasado?

-Chegou na hora. - Disse Esquilo.

-Como foi a viagem?

138
-Me diverti muito. Estudei bastante também. Meu francês
evoluiu bastante, mostro a vocês dois mais tarde. Bem,
parece que nosso Jules aqui não se deu muito bem com todo
mundo!

-Vai para o inferno! - Resmungou Aldrich.

-O que vocês fizeram com o Al?

-Nós não fizemos nada! - Disse Esquilo.

-Você fez, Jules! - Disse Hiena, entre risinhos. - Eu venho


avisando desde que você chegou. Não sei como convenceu
Aldrich a querer você por perto, mas você é uma presença
indesejada aqui. Não queremos o seu mal nem o mal de
ninguém, mas temos de nos proteger. E isso inclui que você
não fique por perto.

-Aldrich deveria descansar, mas ele não quer. Está tonto e


seu cérebro está sentindo os efeitos. Por isso está se
enchendo de café para não cair. Ele quer estar aqui para ver
você. Ele quer saber o que vai acontecer. Todos nós
queremos. - Disse esquilo.

-J-Jules... - Al se esforçou para dizer. - Corre!

Naquele momento, minhas pernas estavam um pouco


travadas e não queria abandonar o Al, mas, havia pouco

139
que eu poderia fazer sozinho, então apenas obedeci. Corri
pelos corredores para fora da escola. Mas, alguém me
esperava.

-Jules...

-Anastacia! - Reconheci, pela máscara.

-Desculpe.

Abraçou-me com força, sem que eu entendesse. Ouvi


passos se aproximarem. Esquilo e Hiena caminhavam até
nós.

-Ana...

Ela tirou a máscara. Uma lágrima escorria pelo rosto. Mas, o


pior mesmo era o seu silêncio.

-Eu já devolvi as máscaras! Eu não quero mais estar perto


de vocês, o que mais vocês querem? E se isso é sobre mim
porque estão machucando Aldrich e Anastacia?

-Não machucamos a Rouxinol. - Respondeu Esquilo. - Me


parece que ela está cooperando como sempre cooperou
afinal de contas. Como eu disse antes, não quero que leve a
mal. Estamos nos protegendo, apenas. Você sabe, as
máscaras são importantes e não podemos permitir que haja
uma fruta podre no saco que ponha as demais em risco.
140
-Eu já disse que quero ir embora!

-Não é para mim que tem que dizer isso. É ao nosso senhor.
O senhor e líder maior dos máscaras. O homem que criou
isso.

-O-o diretor Jebediah?

-Garoto esperto! Gosto de você! - Pareceu sorrir atrás da


máscara.

***

Enquanto isso, outra pessoa chegava na escola com o seu


carro. O professor Howard. Entrou no prédio e foi até a sala
dos professores. Sentou-se calmamente, tirando o peso de
suas costas e tomou um gole do café que estava ali. Jebediah
tinha razão em pelo menos uma coisa que disse na última
vez que conversaram: O café da sala dos professores
realmente tinha ficado melhor com mais açúcar. Não olhou
mais aquele homem nos olhos e nem trocou mais palavras
com ele. Aquela história com as crianças mascaradas ainda
estava presa em sua garganta.

141
Caminhou devagar pelo corredor. Rose em seu caminho. O
mesmo sorriso de moça bonita e bem feita de sempre. Este,
impossível de ignorar para ele.

-Como vai, professor?

-Muito trabalho como sempre. Tomei agora uma boa dose


de café para poder fazer o serviço. Passei a noite em claro
ontem. Meu pai adoeceu em minha cidade e isso tem me
tirado um pouco o foco das coisas. Mas ele é forte, apesar
da idade, sei que vai ficar bem.

Começaram a caminhar pelos corredores do prédio até suas


salas enquanto falavam.

-Entendo. Também ando bastante cansada. Não é um


trabalho fácil, mas é muito gratificante quando vemos o
sorriso de cada criança!

-Nem todos... - Murmurou.

-O que?

-Aqueles garotos.

-De novo essa história?

-Desculpa, Rose, mas não dá! Ter que se esconder para ser
respeitado é um preço muito alto! Desculpe se eu estou

142
sendo infantil ou emocional demais, mas cada vez que vejo
uma daquelas crianças quero tirar as máscaras delas e
quebra-las contra o chão e gritar que estão livres!

-Se fizesse isso, elas realmente seriam?

-Pois é. Essa é a pergunta que me faço todos os dias quando


os vejo. E esse é o questionamento que me impede de
arrancar suas máscaras de verdade também. Jebediah diz
que estão felizes, mas quem pode saber ao certo se sorriem
ou choram atrás delas? Pelo que vejo, mesmo se chorarem
ainda não saberemos. E isso é muito complicado.

Então, Jebediah ouve um som atrás da parede. Uma voz,


mas da maneira como o som chega até ele é impossível
entender o que é dito, e depois outra.

-Está ouvindo? Achei que não tivesse mais nada para lá,
além da rua.

-Devem ser os pedestres conversando!

-Mas então, porque não ouço os carros? Rose, o que mais eu


não sei sobre essa escola? Isso tem a ver com os máscaras
também?

143
-Howard, por favor, eu também não sei o que está
acontecendo, mas temos trabalho a fazer. Tem crianças te
esperando!

-Certo...

***

Me arrastaram de volta para a sala dos máscaras a força,


enquanto Rouxinol assistia a tudo calada com o olhar
extremamente triste. A marca da lágrima mal enxugada em
seu rosto.

-Aldrich! - Gritei.

Seu corpo estava caído sobre o chão. O copo de café


próximo de sua mão.

-Vocês...

-Não, não matamos ele. Você insiste em não entender. Ele é


um de nós e queremos nos proteger, ainda que ele não
concorde em como fazemos isso. Como eu disse a você, ele
foi punido e está sofrendo as consequências. Agora, ele
precisa muito descansar e tomar café não ajuda, não
importa quanto ele tenha tomado. É isso, ele chegou em seu

144
limite. Nós o veremos em melhor estado nas próximas
horas. - Disse Esquilo.

-Vocês são loucos!

-Somos. - Disse Hiena. - A humanidade nos separou e nos


tornou o que somos.

-O-o que vão fazer com ele?

-Nada. Vai ficar aí até acordar. Quanto a você, também não


faremos nada com você. Quem vai resolver o seu caso...

-Sou eu.

Um homem entra na sala dos máscaras, usando uma


máscara própria e sem nenhum símbolo que a identifique. E
então, fez sentido o que Esquilo disse. O senhor, mestre e
pai dos máscaras não poderia ser um animal. Teria que ser
algo superior a todos eles. Algo que não existem símbolos
suficientes para representar.

-Jules, como está, garoto? - Tirando sua máscara.

-Senhor Jebediah! O que está fazendo?

-Ajudando crianças, como é minha função no cargo de


diretor e como sempre foi minha missão vital. Não estou
onde estou por acaso. E nem você. E nem nenhum de nós

145
aqui. Bem, talvez pelo fato de que você não devia estar
entre nós.

-Você tem razão... E-eu só vim aqui para devolver a


máscara! Eu quero ficar longe de vocês!

-Bom. Metade da conversa que estava querendo ter com


você hoje, com isso, já foi concluída. A outra metade é que
você sabe muito. Sabe coisas que não deveria saber e que
não tem a ver com você ou sua vida perfeita. Você não tem
traumas, não tem nada pelo que sofrer ou lamentar. Família
perfeita, necessidades todas sempre bem atendidas, tem
tudo sem fazer nada para isso. Vive como se nunca fosse
morrer, e vai morrer como se nunca tivesse vivido. É o jeito
mais nojento de viver. Bem, agora você não pode mais ir
embora. Precisa ser um de nós e precisa fazer o que Adam
lhe pediu: Seguir com a máscara dele. Mas, para isso,
precisa ter algo a esconder primeiro. E é isso que vamos
arranjar hoje. Esquilo.

-Sim, senhor!

Senti uma picada no braço. Minha visão começou a ficar


turva e então eu caí. Foi como morrer. Mas ainda não era
isso. Ainda não.

146
***

Quando acordei, estava em outro lugar, uma sala toda


branca. Aldrich me observava. Levantei-me rápido,
sentando-me sobre o que quer que estava deitado.

-Al! O que fizeram com você?

-Me envenenaram para que eu não pudesse fazer nada.


Deveriam ter feito pior, mas eu sou filho dele. Não podem
me machucar sem se tornarem alvos dele.

-J-jebediah?

-Sim. Ele é o meu pai. Eu não queria que você soubesse.


Ele... Me odeia porque não sou como ele. Bem, não, ele não
me odeia. Ele odeia o que sou. Mas ainda sou filho dele.
Uma parte dele ainda me ama por isso. Mas nunca é a parte
que fala mais alto. Eu... Eu acho que te devo explicações
sobre tudo, tudo mesmo. Tudo o que não lhe falei. Eu deixei
que começasse algo muito grande e que envolvesse você. E
não consegui resolver isso a tempo. No meio de tudo, o
Adam faleceu, mais tarde do que eu esperava, complicando
ainda mais todo o processo. Eu lhe devo minhas desculpas
por tudo. E, bem, não se preocupe. Conseguimos resolver a
tempo, seu rosto vai ficar bem.

-O-o que?
147
Aldrich me deu um espelho. Eu não sentia absolutamente
nada no rosto, mas, quando me olhei, um pequeno curativo
estava na minha bochecha.

-Tudo bem. Nós conseguimos impedi-los a tempo, mas não


sem custos. O professor Howard... Ele interrompeu as
coisas. Ele está em um hospital de verdade, nesse momento.
Meu pai o levou ao hospital para manter o disfarce social.

-O que quer dizer?

-Bem, se um professor se acidenta e ele é um diretor


bonzinho, vai querer resolver pessoalmente. Mas o
professor também vai ficar bem. Olha, temos bastante
tempo até qualquer um chegar aqui. Essa é uma das salas
que tem atrás das portas do corredor que dá para as salas
dos máscaras. Uma velha enfermaria. Há alguns anos era o
depósito da enfermaria da escola. Desativamos quando os
máscaras surgiram.

-Há muito que eu não sei sobre os máscaras, não é?

-Sim, você está certo. Temos muito tempo aqui. Já se


passaram algumas horas. É noite lá fora. Vai ter que passar
a noite aqui até eu ter certeza de que tudo está bem. Hiena e
os outros estão longe, em suas casas. Fugiram no meio da
confusão. Meu pai não vai voltar hoje. Se for visto por perto
tão cedo, as coisas vão complicar para ele.
148
-Estamos sozinhos?

-É desagradável para mim também. Mas, bem, você está na


minha casa. Uma parte desse prédio é a minha casa. É onde
moro com meu pai, mas não contamos isso para as pessoas.
Porque simplesmente não importa. E quanto aos seus pais,
bem, não tem o que fazer. Vamos explicar isso amanhã.

Me levantei e fui até o outro canto do quarto. As mãos


trêmulas e ainda sem entender o que estava acontecendo.

-Eu não gosto disso. Eu disse a eles, eu disse para todo


mundo. Eu queria ir embora. Devolver a máscara e ir
embora. Não ser mais um de vocês.

-E você estava certo. Se tivesse feito isso um dia antes, só


um dia, muita coisa teria sido evitada, mas eu não fui
inteligente o suficiente.

-Quer dizer que queria me fazer desistir?

-Quero que ouça com atenção, Jules.

Há vinte anos atrás, ainda um diretor dessa escola, mas ainda em


seus primeiros anos, meu pai recebeu aqui um aluno com o rosto
deformado. Conseguiu uma máscara para ele. Nesse caso, todo
mundo sabia quem era esse garoto, mas ele viu o efeito dessa
149
máscara sobre os outros. Eles o respeitavam, ao passo que, quando
esteve sem ela na escola anterior era maltratado e reprimido pelos
outros. E aquilo lhe deu uma ideia. Foi quando criou os máscaras.
Meu pai também teve seus problemas quando era uma criança.
Sofreu demais e lutou muito para ter tudo o que tem. Com isso,
acreditou que, as máscaras aliviariam a vida de crianças como
esse garoto como teria aliviado a sua.

Foi assim que tudo isso começou e prosseguiu. Não muito tempo
depois teve a ideia de criar a sala dos máscaras. Um lugar onde os
máscaras pudessem se reunir e conversar entre eles antes das
aulas. Um pátio próprio deles. Pessoas que se entendem. Meu pai
sabia que isso ainda não as fazia felizes. Mas de alguma forma as
ajudava. Convenceu seus amigos professores e educadores na
capital a apoiar a sua medida, de forma que ela fosse aceita pelo
estado. Mas, para eles, meu pai apenas oferecia as máscaras. Eles
sabem menos que você ou que qualquer um sobre o que acontece
aqui.

Ele se casou anos depois. Eu nasci. Ele se separou. Minha mãe


adoeceu poucos anos depois e faleceu. Mas isso não é importante.
O fato é que, eu nem sempre fui um máscara. Era um aluno
comum nos meus primeiros anos. Mas, eu não sou como os outros
meninos. Eu tenho uma diferença, e Robin, quando surgiu, fez
com que ela viesse à tona. Mas de uma forma boa, eu estava feliz
em finalmente me entender. Embora Robin também nunca tenha

150
gostado muito de mim. O ponto é que, foi aí que começou minha
guerra com o meu pai. Ele não me aceita, não me entende e não
me quer como eu sou. E por isso ele me colocou como um máscara:
Como uma punição pelo que não escolhi ser.

As coisas complicaram quando a nova geração de máscaras


chegou. Como eu era um remanescente da anterior, me tornei o
líder deles, também sem escolher isso. Anastacia pagloya e Adam
Marsden, Rouxinol e Lobo, foram os primeiros a chegar ao grupo.
Depois, Henry Stamos, um foragido da polícia, mesmo ainda um
menino. Ele dizia no começo que tinha um monstro na cabeça dele
que dizia coisas más. Dizia que ele não sentiria mais dor se fizesse
certas coisas. Segundo ele, foi esse monstro quem matou sua irmã.
No entanto, usar a máscara, ter a amizade dos máscaras e
principalmente, ter a compreensão do Adam estabilizou sua
mente. Depois, chegou o esquilo. Uma incógnita no começo. Até
tirar a máscara. Seu pai era químico e tinha um pequeno
laboratório em casa. Digamos apenas que ele não teve muita sorte
ao lidar com um frasco de um corrosivo potente quando era
criança. O lado direito de seu rosto não é muito bonito de ver.

Mas, de qualquer forma, eramos todos amigos. Mesmo Esquilo


era um amigo, e essa era a geração em que o projeto do meu pai
tinha dado mais certo. E tudo estava bem. Mas aí, você chegou.
Bem, mas eu preciso voltar um pouco na história.

151
Gosto muito de Robin, mas não exatamente como você gosta do
seu amigo Olliver. É um pouco diferente. Bem, ele era um cara
legal, apesar disso. Mas, quando passei a usar a máscara, como
você bem sabe, Aldrich desapareceu da escola e não foi mais visto
por anos até hoje, sendo substituído pelo Coruja. Mas ele nunca
soube que eu ainda estava por perto. E desde que seu amigo
Aldrich desapareceu, algo mexeu com sua cabeça, e ele foi se
tornando o valentão que você conheceu.

Bem, eu não gostava de vê-lo daquela forma. Nunca gostei. Por


isso interferi quando você chegou aqui e ele ameaçou você. Como
eu disse, realmente não foi por você. Foi porque não queria
acreditar que aquele era ele. Que aquele era quem ele se tornou.
Mas isso criou um ciclo. Quando me aproximei de você, os outros
ficaram curiosos sobre e também se aproximaram. Rouxinol
primeiro, vencida pela curiosidade, Lobo depois, porque nunca foi
bom em seguir ordens.

Então, eu tinha que dar um jeito de afastar você de nós, por ordem
de meu pai. Foi quando eu tive uma ideia. Eu podia fazer você se
juntar a nós e perceber o que somos. Não demoraria até saber toda
a dor e amargura que nos une, e então, sem saber lidar com isso,
pediria para ir embora. Quando Adam morreu e lhe pedi para
assumir sua máscara, achei que desistiria de nós naquele exato
momento, mas não o fez. Eu pedi mais tempo ao meu pai para te
fazer desistir, mas ele resolveu agir. Colocou veneno no meu café.

152
Algo para que eu apagasse a tarde toda e não pudesse interferir
quando tentassem machucar você. Tentei tomar o máximo de café
para atrasar o efeito e minha cabeça continuar funcionando, mas
você sabe o que aconteceu.

Acordei antes da hora. Estavam tentando deformar o seu rosto


para que você tivesse uma razão real para estar entre nós. Tentei
impedi-los. Derrubei Hiena, mas fui derrubado pelo esquilo. Foi
quando o professor Howard entrou. Não sei como nos descobriu
ali, mas surtou e atacou o meu pai, que reagiu atirando nele.
Assustados com os tiros, Esquilo, Hiena e Rouxinol fugiram. Em
seguida, meu pai me mandou cuidar de você, e saiu de lá
carregando o corpo dele. E aqui estamos. Agora você sabe a
verdade, Jules. Toda a verdade.

-Eu... Eu não sei o que dizer.

-Amanhã, não venha mais aqui. Digo, na sala dos máscaras.


Não há mais nada a se fazer aqui. Não sei o que vai
acontecer com os máscaras, mas, você não precisa mais
fazer parte disso. Olha, todos ficaram loucos. A máscara fez
isso com todos nós. A mínima possibilidade de você contar
para as pessoas quem somos fez com que todos nós
enlouquecêssemos, sobretudo o meu pai. E agora eu
entendo. Eu me deixei levar nos ultimos dois anos porque
eu estava feliz, mas, no fim das contas, a máscara é uma
maldição e só nos tornou ainda mais covardes sobre encarar
153
quem somos. E isso é terrível. Para ser sincero nem eu
quero mais a máscara. Mas eles precisam de mim.

Capítulo XIV

Voltei para casa no dia seguinte, pela manhã. Aldrich já


tinha ligado por conta própria e avisado que passei a noite
em sua casa. Não me salvei de levar uma grande bronca por
fazer isso sem avisar. E menos ainda, de ver minha mãe
chorando de preocupação. Mas, enfim, estava tudo bem.

A escola não abriu no dia seguinte. Um grande aviso na


porta dizendo que retornaria no outro dia. As coisas
estavam estranhas.

-Você fez bem o seu papel, mulher. - Suspirou Howard, ao


ver uma visita se aproximar em seu quarto de hospital.

-Desculpe. - Murmurou Rose.

-Sabia de tudo aquilo? O tempo todo?

-Eu fui um deles, Howard. - Sentou-se, próximo a sua cama.


- Aquela menina, com a máscara de Rouxinol. Vinte anos
atrás, eu usava aquela máscara. Minhas razões não
importam, mas era diferente há vinte anos. Apenas
usavamos a máscara e tínhamos nosso próprio espaço
154
privado para aguardar o início das aulas. Não tem nada de
errado nisso. O que aconteceu ali... Eu nunca vi nada
parecido. Estou assustada. Muito mesmo. Jebediah sempre
foi um amor de pessoa, e sua fé era inabalável, eu não
consigo entender porque...

-Ele estava machucando uma criança, Rose. Esse homem é


doente!

-Ele não era assim!

-Seja lá como for, agora ele é, e ele tem que ser parado, para
o bem dessas crianças, mas nós precisamos de provas. Para
conseguir isso preciso de informação. Você precisa ajudar.

-Tudo que sei sobre os máscaras é sobre o que aconteceu há


vinte anos, quando eu era uma garotinha. Depois que deixei
a escola me afastei por mais de dez anos para continuar
estudando e trabalhar. Depois de muito tempo retornei
como docente. Mas, assim como você, não tive acesso a
nada sobre os máscaras atuais. Também não sei quem são
ou quais são suas angústias. Mas me dói pensar que
Jebediah possa ser aquele homem cruel que vi ali!

-Rose...

-Tem que acreditar em mim, eu não sabia nada sobre


aquilo! Jebediah nunca fez algo assim antes!
155
-Devo sair em alguns dias. Se me ajudar a parar aquele
homem, eu posso lhe dar minha confiança novamente. Até
lá, estarei observando você. Rose, eu quero confiar em você,
de verdade. Mas você o protegeu até que isso se tornasse
impossível. E agora? Como vai ser agora?

-Eu preciso de tempo. Preciso colocar a cabeça no lugar. Até


lá, não acho que terei condições de responder essa
pergunta. Ainda estou muito chocada. Mas, fico feliz em ver
que você está bem. É um homem admirável, Howard. O
jeito como salvou aquele garotinho, bem, foi algo de um
verdadeiro herói.

-Fiz o que achei que devia fazer. - Sorri. - Obrigado.

***

Enquanto isso, de volta a sala dos máscaras.

-INFERNO! INFERNO! - Gritava o homem. - ATÉ ONDE


AQUELE MALDITO PRETENDE INTERFERIR?

-Você ia machucar o Jules, ia destruir uma parte do rosto


dele. - Aldrich, em tom bem sério, na poltrona do outro
lado da sala.

156
-Ele ia finalmente se tornar um de nós. Finalmente ia ter
uma razão para se esconder atrás de uma máscara. Não
teria mais a vida perfeitinha que sempre teve. Seria legítimo
que fosse um de nós. E você sabia que isso ia acontecer. Eu
disse que esse era o preço desde o início e você sabe que é
justificável. Esse garoto nos colocou numa situação
desesperadora, e isso pede uma medida desesperada. Bem,
acho que foi o suficiente.

-Ele tem uma pequena cicatriz no rosto agora. Uma que


nunca vai sair, mas ao menos, é pequena, e, você pode
enganar a qualquer um que foi um acidente. No entanto,
temos duas pessoas que sabem. Uma delas já confrontou
você duas vezes. O que vai fazer?

-Desculpe, você está do lado de quem?

-Do meu. E dos máscaras. Quero o bem de todos eles. Se


tivesse me dado mais um dia, só mais um, Jules teria ido
embora por vontade própria. Mas você quis fazer as coisas
do seu jeito. Agora temos uma situação ainda mais
complicada para lidar. Ou melhor, você tem.

-Você é uma desgraça para o nome dos Waldor por isso.


Porque é um tolo. Falho e tolo.

157
-As suas decisões é que trazem coisas boas para nós, certo,
senhor Waldor? Felizmente, Howard não tem provas, e
Rose ficou assustada demais para fazer qualquer coisa.

-Howard, já sei o que fazer sobre ele. Enviei um ofício a


secretaria com algumas histórias, solicitando o afastamento
dele para a capital. Disse a eles que Howard não se adaptou
as necessidades do lugar e estaria melhor em um colégio
um pouco menos tradicional. Quanto a Rose, eu sei como
fazer ela ficar no lugar dela.

-E quanto a mim? Considerando que me envenenaram...


Suponho que ache que sou um inimigo também.

-Vai saber quando chegar o seu momento. -Jebediah retirou-


se, bem sério. Com bastante raiva, é preciso dizer.

Aldrich sugou o último gole de seu café. Sabia que tinha


falhado comigo e com todos os outros, ao deixar que as
coisas chegassem nesse ponto, sobretudo com Howard, que
seria transferido com base em histórias falsas, e isso
complicaria sua aceitação em outro emprego. Mas, não
havia mais nada que ele pudesse fazer.

Enquanto isso, eu do meu lado, estava disposto a nunca


mais falar com Aldrich, com qualquer um dos máscaras ou
mesmo com Jebediah. Estava assustado e aparentemente só
a distância parecia oferecer alguma segurança. Para mim e
158
para o Aldrich também. Eu tinha começado tudo aquilo. A
melhor coisa que podia fazer é terminar me afastando.

***

Escrevi para o Oliver novamente naquele dia. Agora mais


do que nunca eu precisava mesmo escrever para ele e pôr
um pouco de tudo o que estava aqui dentro e de todo o
sofrimento para fora.

Ollie,

Acho que nunca fui o mais seguro de nós. Sempre fui o mais
medroso, o mais inseguro, o que sempre achava que as coisas iam
dar errado. Em todo esse tempo que vivemos como irmãos, eu
nunca fui o garoto que tinha ideias e que nos metia em encrencas,
nunca fui o “mestre” nas brincadeiras e você sabe, nunca fizemos
nada que fosse minha ideia. Não sou esse tipo de pessoa, não
consigo ser.

Tem acontecido tantas coisas aqui que tenho me sentido cada vez
mais afundado nesse buraco e não sei como sair. Ollie, me
prometa que não vai se preocupar, mas, as coisas começaram a dar
ainda mais errado.

159
Tentei devolver a máscara e dizer a eles que não queria mais
aquilo, juro que tentei. Mas parece que não querem mais que eu
saia. Ou querem, nem eu entendi direito. Tentaram machucar o
meu rosto para eu ter um motivo para estar entre eles. Tentaram
me punir por tudo ter começado. Me desacordaram e desmaiei.
Quando vi, estava com Aldrich na enfermaria e tinha curativos
em mim. Ele disse que um professor foi parar ali por acidente e me
salvou antes que algo ruim me acontecesse, mas, isso ainda não
me faz acreditar que acabou: Foi o diretor do colégio, senhor
Jebediah, quem estava liderando tudo aquilo.

A propósito, Aldrich não estava com eles. Ele tentou me salvar,


mas também foi desacordado, por sinal a mando do seu próprio
pai, que é o diretor. E ele me explicou porque: As máscaras os
tornaram tão covardes sobre o que são, incluindo Jebediah, que a
menor possibilidade de as pessoas saberem sobre eles os
transformaram em monstros. No fim das contas é isso que a
máscara faz: Os transforma gradativamente em monstros
covardes.

Bem, o professor que me protegeu está em um hospital por minha


culpa. Aldrich cuidou de mim, mas agora, sua situação com seu
pai está pior ainda, por ter preferido desafia-lo e me proteger. Nem
sei se ele está bem nesse momento. Tudo por minha culpa, Ollie.
Eu estar nessa cidade parece cada vez mais ser um grande erro.

160
Um erro maior do que posso corrigir. E não sei quanto tempo
mais aguento não dizer nada aos meus pais.

Sobre o seu pai, também sinto falta dele. Era um bom homem.
Sinto muito que tenha sido confundido com esses tais
“comunistas”. Também não sei quem são ou o que querem, ou
porque essa guerra está acontecendo e nem importa. Sei que seu
pai está feliz onde está e agora você precisa ser feliz também.

Olha, desculpe. Sei que lhe devo palavras melhores nesse


momento, mas simplesmente não consigo. Meu coração tem
tantos sentimentos ruins ao mesmo tempo que parece que vai
explodir. Enfim, perdoe-me.

Até um dia, irmão.

Jules.

Imediatamente não aguentei mais e comecei a chorar, após


escrever a carta. Nem lembro quando parei, acho que acabei
por dormir. As coisas estavam muito dificeis na minha
cabeça. Muito mesmo.

Não quis contar ao Ollie sobre minha cicatriz no rosto. Ollie


tinha muito apreço por mim. Saber que fui seriamente
161
machucado e estar longe de qualquer coisa certamente
também faria ele se preocupar demais, e sei que ele também
tinha os seus problemas nesse momento. Mas agora faz
muito mais sentido o que ele me disse em sua última carta.
Estamos mesmo todos sozinhos.

***

Fiquei alguns dias sem ir ao colégio novamente. Pelo menos


uns dois dias. Fingi estar doente, algo que nunca fiz antes,
para não ter que voltar tão cedo. Mas o dia chegou e fui
obrigado a retornar. Jamais poderia fingir para sempre.

Entrei no colégio pela porta da frente, junto com todos os


outros. Perdi a minha máscara no meio da confusão naquele
dia, mas ainda tinha a cópia da chave para a sala dos
máscaras que me deram. No entanto, não queria voltar a me
esconder como eles. Não queria voltar a ser um deles,
mesmo ainda sentindo o luto por Adam e ainda gostando
muito de Aldrich.

Dessa vez, outro clima se colocava sobre a escola. Um


silencio sepulcral pairava os máscaras e sobre Rose.
Howard não estava mais lá. Por certo já havia recebido a
notícia de que tinha sido transferido para a capital, mas eu
ainda não sabia sobre isso. Foi ela quem me falou.
162
-Rouxinol! - Me aproximei, ao vê-la com a máscara.

-Me deixa em paz! - Respondeu, tentando se afastar.

-Você está bem? - Segui.

-Estou. Não quero falar sobre isso. Aquele dia acabou. Para
nós dois. Agora você se afastou e tudo está em seu lugar.
Pare de falar conosco!

Sua voz estava estranha. Ela ainda estava sentindo muito o


que aconteceu naquele dia, e certamente, ver a pequena
cicatriz no meu rosto não ajudava. Achei melhor não segui-
la. Assim, o resto do dia se seguiu. Não encontrei mais
nenhum deles e nem mesmo o diretor Jebediah apareceu
para trabalhar nesse dia.

-Jules, quero que fique mais um pouco, por favor!

Estava quase dando a hora do intervalo. Contudo, a


professora Rose não me deixou sair. Não ainda. E eu sabia
porque.

-O-o que eu fiz? - Perguntei, voltando-me para ela.

Levantou-se da mesa e se aproximou.

-Eu... Acho que devo desculpas a você. Eu devo desculpas a


muitas pessoas, mas também a você. Jebediah me falou

163
sobre o que aconteceu aquele dia. Eu estou desapontada
comigo mesma e com ele por isso.

-O que quer dizer?

-Quero dizer, que eu acreditava no Jebediah. Acreditava de


todo coração que as máscaras ajudavam essas crianças, e eu
o protegi e falei bem sobre o Jebediah várias vezes para
muitas pessoas. Isso porque, eu fui a primeira Rouxinol.
Nesse momento, eu estou indo embora desta escola, assim
como Howard já se foi. E acho que você deve fazer o
mesmo. Jebediah é perigoso para você, Jules. Não sei sobre
as outras crianças, mas sinto que você está em perigo aqui.
E eu não quero mais fingir que não vejo como as coisas
estão erradas.

-Eu também estou com medo, mas, eu ainda não disse nada
aos meus pais.

-É sobre isso que eu queria conversar com você. Acho que


você deveria contar a eles. Essa escola não é mais o meu
lugar. E claramente não é o seu também.

-E quanto aos máscaras? Também disse isso a eles?

-Bem, eles são os protegidos de Jebediah. Ele não vai tocar


neles enquanto se mantiverem atrás das máscaras. Pelo

164
menos eu espero que não. Além disso, quantos deles e quais
não se tornaram como Jebediah?

Eu sabia do que ela estava falando. Tanto Hiena quanto


Esquilo apoiavam Jebediah, estavam de acordo com tudo o
que ele fazia. Rouxinol me fez achar que não concordava
durante muito tempo, agora, eu me perguntava se não
estava enganado sobre ela. Mas o Aldrich... Bem, somente
nele eu sabia que podia confiar porque ele era tão vítima
dos máscaras quanto eu. Mas, quanto aos outros...

-Certo, você tem razão, obrigado. - Agradeci.

Em seguida, deixei a sala. Não havia mais nada a ser


conversado. Rose estava certa, eu devia contar aos meus
pais. Devia falar sobre o que estava acontecendo e pedir
para sair. E finalmente fugir desse inferno. Fui para casa
nesse dia decidido a fazê-lo, mas tive uma surpresa. Uma
surpresa muito ruim.

***

-Jules, o que é tudo isso?

165
Nas mãos de meu pai, as cartas que Olliver e eu trocamos
desde que minha família e eu chegamos na cidade. O olhar
visivelmente irritado atrás dos óculos.

-D-desculpe! - Respondi, com grande nervosismo na voz,


como que involuntáriamente.

-Porque não me contou, ou a sua mãe sobre tudo isso?


Confia mais no Oliver do que em nós?

-E-eu não sabia como contar! Não sabia nem se acreditaria


em mim!

-Já basta! Não vai mais enviar nada ao Oliver! Isso já foi
longe demais! Você tem agido estranho desde que chegou,
Jules! Estava saindo mais cedo para a escola todos os dias,
deixou de assistir algumas aulas, Jules...

-Quanto disso você leu?

-Tanto quanto me houve tempo! Ainda não entendi metade


do que está acontecendo! Quando eu acabar de ler vamos
conversar melhor sobre isso. Até lá, nada de cartas ao
Olliver! Esse garoto foi seu melhor amigo por muito tempo,
eu sei disso. Mas ele não faz parte da sua vida, ele apenas
fez parte de um momento dela. Um momento que já se foi.
Agora, ele tem que lidar com a morte do pai dele sozinho, e

166
você, precisa se adaptar a essa cidade e fazer novos amigos
aqui sozinho também!

-Estamos todos sozinhos. - Murmurei.

-O que?

-Estamos todos sozinhos. É isso que Oliver e eu sentimos e é


isso que você acaba de me dizer! Que temos que resolver
tudo sozinhos, que temos que passar por tudo sozinhos e
que não podemos sequer dividir nossas dores um com o
outro! - Gritei, enquanto meus olhos lacrimejavam mais a
cada palavra.

-J-jules... - Agora com o tom de voz completamente


diferente e sentindo-se culpado. -E-eu não quis...

-Fique com as cartas, pai! Leia elas! E então talvez você


entenda porque eu preciso tanto dele nesse momento!

Me retirei em seguida, escondendo o rosto nas mãos. Me


isolei no primeiro lugar que achei possível, onde ninguém
me encontraria. No teto de casa. O lugar mais solitário e
tranquilo do casarão, por onde ninguém jamais passava
além de mim. Pulei a janela de outro quarto, que dava para
a parte mais baixa do teto e subi para a parte mais alta. Era
perigoso, mas naquele momento, realmente não queria
mais ver nem falar com ninguém.
167
Ele nunca tinha gritado comigo antes. Nunca. Em
absolutamente nenhum momento. Eu devia ter imaginado
que cedo ou tarde algo assim aconteceria.

Capítulo XV

As próximas horas foram difíceis. Uma carta de Olliver


chegou algumas horas depois. Mesmo assim, meu pai não
deixou que eu a abrisse. Guardou junto com as outras cartas
e disse que a leria primeiro, junto com as outras. E foi o que
vi várias vezes. Sentado sobre a mesa da cozinha, tomando
o seu café com alguma das cartas na mão e as demais ao seu
lado.

-Pai... - Me aproximei.

-O que é isso, Jules? Andou lendo George Orwell?

-Não sei quem é. - Confessei. - Acho que é um escritor ou


algo assim, não é?

-Um dos melhores deste século. Morreu há dois anos. Jules,


isso tudo é muito surreal. Essa é uma cidade muito
tranquila para que tudo isso que você contou ao Olliver
realmente seja verdade. Digo, vocês estão criando essa
história juntos, não estão?

168
-Eu queria muito ter inventado tudo isso, mas isso
realmente aconteceu. Você queria saber porque eu estava
indo mais cedo para a escola e porque estava agindo
estranho. Bem, é por isso. É por tudo isso. E você sabe que
os máscaras existem, você já os viu.

-Sim, todo mundo sabe. Jebediah esconde essas crianças


para não serem maltratadas pelas demais por suas histórias
tristes. Ele está cuidando delas, e você não tem perfil para
estar entre elas. É por isso que não consigo acreditar. E
Jebediah... Parece ser um homem muito bom e sério. Isso é
vida real e não um livro de suspense, Jules.

-Ele fez isso! - Apontei para a cicatriz em meu rosto. - Ele


queria me machucar, para que eu pudesse usar a máscara
como os outros! Ele não queria que eu os deixasse!

-Jules, você até passou a noite na casa dele há alguns dias,


brincando com o filho dele. Espere... Jules...

-Pai, tudo bem. Não precisa acreditar em mim. De qualquer


forma isso tudo já acabou.

-Jules...

Virei-me para ele. Extendeu-me de volta todas as cartas,


incluindo a última que Olliver tinha me enviado e que ele
não me deixou ler.
169
-Quer conversar sobre elas agora? - Perguntei.

-Ainda não. Minha cabeça está muito cheia e mal consigo


pensar. Amanhã falaremos sobre isso. Quero que descanse e
não pense mais nessas histórias hoje. E, sobre essa cicatriz,
eu ainda não tinha notado ela.

-Você não tem olhado para mim. Ou está sempre


trabalhando ou está na oficina fazendo qualquer coisa.
Quando fazemos as refeições, tem um jornal nas mãos.
Tudo bem. Eu entendo. Essas coisas dos jornais são mais
interessantes.

-Jules...

-Com licensa.

Me retirei em seguida. As coisas estavam ficando muito


difíceis entre mim e meu pai. É verdade que ele vinha
ficando mais distante de mim desde que chegamos nessa
cidade. Aparentemente, tudo de ruim que estava
acontecendo começou quando saímos da cidade. Quando
fui obrigado a me afastar de Olliver.

***

170
-Já faz alguns dias que o Jebediah não vem ao colégio. Ele
esqueceu que é o diretor dessa escola? - Hiena.

Na sala dos máscaras, todos eles se reuniam pela primeira


vez desde o fatídico dia em que Jebediah tentou me
machucar.

-As coisas também tem sido difíceis para ele. Ele conseguiu
afastar o professor Howard para a capital, acho que ele não
vai mais voltar. A professora Rose já pediu demissão. Ele
precisa decidir agora como a escola vai continuar. Mas de
algum jeito vai. - Aldrich, na outra poltrona.

-Ele não vai nos deixar desamparados. - Esquilo. - É um pai


para todos nós. Pessoalmente, gosto muito dele.

-Fale por você.

Rouxinol permanecia quieta do outro lado da sala. Alias, há


dias que andava quieta, sobretudo no que se refere ao que
aconteceu naquele dia. Eu ainda não sabia ao certo, mas ela
se sentia culpada pelo que aconteceu, e por ter me segurado
na porta e me impedido de fugir, mesmo tendo sido
obrigada a fazer isso. E ainda mais agora, sem o Adam, não
tinha mais razão de se sentir bem ali.

-Jebediah vai voltar quando estiver melhor. Até lá, acho


bom que se lembrem que eu ainda sou o líder aqui na
171
ausência dele. Pelo menos até ele dizer o contrário, o que
não acho que fará tão cedo.

-Ele tem um sério problema de favoritismo! - Resmungou


Hiena.

-Ele é sábio. - Corrigiu Esquilo. - Ele sabe o que faz. Aldrich,


até quando vai fazer isso com ele? Vai enfrenta-lo e dizer
que está errado? Ele é o seu pai, é a pessoa que mais te ama
no mundo!

As mãos de Aldrich estavam trêmulas, como quisesse fazer


algo e não podia. Henry e ele não cruzavam seus olhos. As
coisas ainda estavam mal resolvidas entre eles. Mais do que
antes após Aldrich derruba-lo no chão com violência para
tentar me salvar de Jebediah.

-Eu já disse, fale por você. Você não sabe nada sobre como
meu pai e eu temos brigado e nem sabe nada sobre metade
dos nossos problemas. Ou melhor: Guarde suas palavras
para você!

-Robin! - Murmurou Hiena.

-Não quero mais ouvir esse nome, muito menos da sua


boca! Robin está morto para mim, fui claro? O que
aconteceu um dia ficou naquele dia! No mais, é hora de
você começar a pensar em você mesmo! Você pode fugir de
172
você mesmo o quanto quiser, pode se esconder atrás dessa
máscara o quanto quiser, mas nunca, nunca vai deixar de
ser o que você é! O que por sinal, é a grande tragédia da sua
vida, não é?

-Eu acho que não deveria haver espaço para brigas quando
estamos todos juntos aqui! - Interviu Esquilo, em tom de
repreensão.

-Como eu já disse, fale por você. - Levantando-se e se


retirando, com certa raiva na voz. - Jules tinha razão, ele
não é o único que jamais se encaixou entre nós!

Puderam vê-lo colocar sua máscara novamente antes de ele


deixar a sala. Mas ele não foi para a sala de aula ou para
qualquer outro lugar. Não foi mais visto naquele dia. Foi
como se tivesse sumido no ar. Em seguida, Rouxinol
também se retirou, mas não chegou a vê-lo.

-Parece que só nós ainda acreditamos em alguma coisa


aqui. O que houve com eles enquanto eu estive fora?

-Aquele garoto, Jules. Não sabe quantas vezes as vozes na


minha cabeça disseram para mata-lo. Acabar de uma vez
com ele. E quanto mais vejo nosso grupo desmoronando,
mais eu tendo a achar que elas estão certas.

-Não vai fazer nada sem ordem do Jebediah, ouviu?


173
-Sim, é claro. Eu sei disso. Mas, se eu ver aquela cicatriz, eu
com certeza vou querer torna-la ainda maior. No mínimo! -
Riu-se.

***

Subi novamente para o meu quarto e guardei todas as


cartas de Olliver na primeira gaveta de meu criado mudo.
Não me importei mais de escondê-las. Agora não tinha mais
sentido e eu nem estava bravo com meu pai. A senhorita
Rose estava certa no que disse antes de desaparecer: Eles
precisavam saber, ou talvez chegaria um momento em que
não haveriam mais oportunidades.

Me sentei sobre a cama e abri a última carta de Olliver.


Aquela que chegou hoje pela manhã, com a consciência de
que meu pai a leu primeiro, e portanto, nada do que estava
ali acabaria em mim:

Jules,

Vejo que você se sente completamente quebrado por dentro, diante


de tudo o que está acontecedo. É verdade o que disse, talvez eu
realmente tivesse sido muito mais imprudente que você em

174
diversas situações. Alias, não chame isso de coragem ou
segurança. Eu era imprudente, como qualquer criança. Acho que
era você que mantinha minha cabeça no lugar quando baixava os
olhos e murmurava que achava que aquilo não daria certo.
Felizmente nunca nos machucamos.

Bem, você disse muitas coisas que não é. Mas me deixe dizer
algumas coisas que você é. Você é bom, acredita nas coisas certas e
é sempre honesto. Você ainda é novo mas acredita em viver em um
mundo pleno e feliz. E espero que nunca perca isso. E por fim,
agora você está enfrentando coisas que enlouqueceriam qualquer
pessoa, mas você continua de pé depois de tudo. E sobretudo,
mesmo que eu não possa estar aí para te proteger e (perdoe-me se
isso não parece algo que eu diria) dar um bom soco na cara desses
idiotas, Henry e Esquilo, para nunca mais se aproximarem de
você, você continua de pé. E isso é admirável. É a conduta de um
homem.

Por falar nisso, diga a Aldrich que estou muito agradecido que ele
esteja protegendo você. Hei de dizer “obrigado” a ele pessoalmente
um dia. Tem sido muito importante para mim saber que você não
está totalmente sozinho, apesar de eu não poder estar por perto.

Sobre as máscaras, sobre o que elas tem feito com eles, isso me
parece perfeitamente compreensível. Eles fizeram das máscaras
sua zona de conforto, um lugar onde nada do que antes os
machucava poderia fazer isso novamente. Mas nada machuca
175
mais do que não poder ser livre. As máscaras, no fim das contas,
não são tão legais assim, mas, até que se libertem delas e se
aceitem, isso ainda trará muito sofrimento. E me parece que é
desse sofrimento que eles tem medo.

E é justamente por conta de tudo o que você está passando agora


que não quero que se preocupe com o meu pai. Eu estou melhor
agora que sei a verdade. Foi duro no começo. Saber que meu pai
morreu por um motivo tão idiota foram as palavras mais amargas
que já ouvi. No entanto, não há mal que sempre dure. Vai chegar
um momento em que isso não vai mais doer e poderei seguir com
a minha vida. Estou esperando por isso enquanto escrevo aquele
livro de que lhe falei. Estou bem próximo de termina-lo.

Por favor, me mantenha informado sobre tudo. E se afaste o


quanto puder dos máscaras. Parece que eles querem enfrentar
suas dores sozinhos e já mostraram isso de várias formas. E
realmente não há nada que você possa fazer por eles. Então, talvez
seja hora de apenas ouvi-los.

Até um dia, irmãozinho.

Olliver.

176
Olliver, além de fazer com que eu me sentisse melhor com
suas palavras novamente, como sempre me acontecia ao ler
suas cartas, me disse a mesma coisa que a professora Rose
tinha dito antes: Talvez fosse realmente melhor me afastar
para sempre deles. E agora que meu pai sabia sobre tudo o
que estava acontecendo, talvez pudesse deixar a escola
também. Sim, acho que seria um bom fim para essa história.
Seria.

***

Dois dias se passaram. Jebediah retornou para suas


atividades no colégio. Fiz o que foi possível para não chegar
nem perto dele. Os máscaras também me evitavam, e
quanto a Aldrich, eu já não o via há dias. Mas a vida é uma
caixinha de surpresas. Outro personagem estava prestes a
voltar em cena e da maneira mais surpreendente possível.

Fui atingido por algo muito forte e caí sobre o chão. Meu
lábio começou a sangrar. Virei-me. Várias das crianças do
colégio olhando para mim. E, me encarando com o olhar
mais sério e revoltado que já vira...

-Você sabe sobre ele! - Rugiu.

-Q-quem?
177
-Aldrich! Alguém me contou que você sabe o que aconteceu
com ele! - Era o Robin novamente.

-N-não podia apenas perguntar? - Questionei. - E-eu não sei


quem é ele! - Menti. - Não sei do que está falando! Me deixe
em paz!

-Você nunca foi o alvo. - Outra voz se aproximando. Era o


Coruja. Era como se tudo estivesse se repetindo e pronto
para começar outra vez. - Queria minha atenção, Packalen?
Agora você a tem. Me diga, o que quer?

-O outro cara com a máscara! Disse que vocês sabem sobre


o Aldrich! Você e os outros! Ele desapareceu quando vocês
chegaram, vocês tem algo a ver com isso, não tem?

-Então, é contra mim que você quer lutar?

-Maldito, o que fizeram com Aldrich? Ele não tem mais


nenhuma família além do diretor! Não pode ter sumido
assim!

É isso. Robin podia até estar lidando da pior forma possível


com a ideia de perder seu amigo Aldrich, mas tinha se
conformado. Até que Hiena ou Esquilo disseram a ele que
Aldrich tinha algo a ver com os máscaras. De alguma forma
reacenderam a saudade de Aldrich e fizeram ele pensar que
Coruja tinha algo a ver com isso. O que faria se descobrisse
178
que Aldrich e Coruja são a mesma pessoa? Bem, o fato é
que fomos bruscamente interrompidos. Por Jebediah.

-Já basta! Não sei que tipo de confusão está havendo, mas
isso vai parar agora! Coruja, Robin e Jules, na minha sala
agora!

O inferno estava para começar.

***

Entramos os três. Coruja nem parecia se esforçar para fingir


que não me conhecia e nem me olhar diretamente. Robin
ainda confuso e irritado. No entando, dessa vez eu o
entendia. Acho que também ficaria triste se o Oliver
sumisse do nada por tantos anos. Apesar de que Aldrich
havia me dito algum tempo antes que as coisas entre ele e
Robin são diferentes de como as coisas eram entre mim e
Oliver.

Nos sentamos os três, de frente para a grande mesa de


Jebediah. Ele parecia maior e mais assustador atrás dela.

-Senhor, o que aconteceu foi que...

-Quieto. - Jebediah interrompeu Robin. - Eu sei o que


aconteceu.
179
-Não estamos aqui para resolver conflitos. Ele não liga para
isso. - Coruja sussurrou. - Estamos aqui porque ele quer
proteger os máscaras de Robin.

-E não gosto de sussurros. Bem, Robin, meu filho, Aldrich


foi transferido para um colégio interno na capital. Está
morando com a mãe.

-Isso é mentira! Ele me disse que a mãe dele morreu! -


Protestou.

-Você está confuso. Confuso e culpado. Não quer aceitar


que ele se foi por sua culpa. Porque você o tornou alguém
que ele não é e que jamais desejou ser. Bem, ele está
protegido de você na capital. Sua família pobre nunca vai
poder chegar nem perto dele. Não enquanto depender de
suas plantações de cenouras e... O que mais mesmo?

-Milho... Alface... E outras coisas.

-Esse tipo de coisas que sua família pobre produz. Meu


respeito a sua família mas não os quero perto do meu filho
e por isso o mandei para a mãe dele. É o sacrifício que nós
pais temos que fazer. Os máscaras não tem nada a ver com
isso. Eles tem seus próprios problemas e dores e são meus
protegidos. Se tiver um problema com qualquer um deles,
pode vir falar comigo. Mais alguma coisa?

180
-Eu não suporto mais isso. - Coruja murmurou.

-Por favor, não! - Sussurrei.

-Tudo bem, Jules. Minha vida tem sido uma mentira por
todos esses anos como você bem sabe. Eu não suporto mais
me esconder e eu não tenho motivo nenhum para fazer isso.
Eu não sou um doente, um deformado, e estou plenamente
bem. Pai, eu renuncio a isso. Não serei mais líder e nem
mesmo serei um dos máscaras. Você pode pensar e fazer o
que quiser a respeito, pode me agredir e até me matar se
quiser. Ainda será melhor que viver essa mentira.

-Não ouse me enfrentar! - Rugiu.

-Agora é tarde! Se tem que haver uma guerra eu já a


comecei!

Coruja então tirou a máscara, revelando os cabelos loiros, os


olhos de um azul envelhecido e a face pálida de Aldrich.
Robin travou, como que se tivesse sumido sua voz e
perdido o controle do próprio corpo.

-O que acha que está fazendo? - Jebediah bateu com força


na mesa, gerando um estrondo.

-Enfrentando você! Abrindo seus olhos! Isso é loucura! Isso


não vai mudar, não vai mudar o que eu sou! Não adianta

181
fingir que eu estou na capital ou que minha mãe está viva!
Não quando a verdade continua nos atormentando!

-Já chega!

Levantou-se e deu a volta na mesa, aproximando-se de


Aldrich. Esperava que ele baixasse a cabeça quando se visse
próximo, o que não aconteceu e o deixou ainda mais irado.
Socou-o com força, derrubando-o no chão.

-Eu quero vocês três na minha sala novamente depois da


aula. Então, nós vamos terminar essa conversa. Os outros
máscaras também vão estar aqui. E aí, vamos saber se é
loucura ou se alguém esta sendo ajudado de verdade e está
feliz de verdade. Robin, quero que esteja aqui também.
Você já se envolveu mais do que devia nessa conversa.
Portanto, também deve saber o final dela, e saber o que
realmente houve com Aldrich. É do seu interesse, não é?

-Sim, senhor.

-Ótimo. Não quero ver a cara de nenhum de vocês até lá.


Estamos entendidos?

-Sim, senhor.

-Ótimo. Saiam da minha sala.

182
Obedecemos. Coruja colocou a máscara de volta no
corredor e em seguida olhou para mim.

-Vá para a sua aula. Robin e eu precisamos conversar.

-Certo. Espero que fique tudo bem.

-Vai ficar. - Respondeu. - Ainda que “tudo bem” não seja


exatamente aquilo que imaginamos, tudo vai acabar bem.
Até mais tarde.

Me deixaram sozinho no corredor. Eles estavam certos.


Mesmo estando por perto como Coruja, Aldrich não foi
visto por Robin e nem por muitas pessoas por anos. Eu
simplesmente não conseguia nem começar a imaginar o
quanto a mente de Robin estava confusa naquele momento.
Devia ser bem difícil lidar com isso.

Capítulo XVI

Minutos depois, na sala dos máscaras. A porta se abre.


Coruja entra e retira a máscara novamente. Robin entra em
seguida, ainda sem entender o que estava acontecendo. Mas
já pronto para o que viria. Também ele sabia que muito
entre os dois previsava ser conversado.

-Que lugar é esse?


183
-A sala dos máscaras. É aqui que nos reunimos antes das
aulas coneçarem. É como nosso pátio particular. Eu acho
que te devo desculpas. Explicações e desculpas.

-Qual é o seu problema? Foram três, quatro anos, eu nem


sei direito! - Exclamou.

-Olha, eu precisei disso!

-Você não tem problema nenhum, não tem nada, porque


esteve entre eles? Esses caras não são todos deformados ou
algo assim?

-Não, cada um tem seu próprio problema! A questão é que,


eu precisei fazer isso! Para proteger você! Meu pai... Não
gosta de você. Não gosta da ideia de que eu gosto de você.

-Eu sei disso.

-Eu me juntei a eles porque sabia que se eu desaparecesse


para você, meu pai deixaria você em paz. Pararia de
perseguir você como vinha fazendo.

-Eu me lembro. Me tirou da sua turma. Gritou comigo no


corredor várias vezes para que eu parasse de falar com
você. Agia como um louco.

-Ele sabia como eu me sentia. Antes de eu mesmo me


compreender. Até hoje ele me vê como um doente e uma
184
vergonha para o nome dos Waldor. E ele tem razão, o nome
dos Waldor não merece alguém como eu.

-Não fale assim! - Tocou seu ombro.

-É verdade. Eu sou o ponto fora da curva. Eu sou o cara que


não deu certo. Tudo o que eu sou é um grande erro. Eu não
pude nem ser eu mesmo por causa da máscara, e, assim
mesmo, tinha que convencer os outros de que eles eram. Eu
deixei que meu pai fosse cruel comigo e também fui cruel
com eles concordando com essa loucura!

As lágrimas começaram a cair, mas ele chorava em silêncio


e sem olhar Robin nos olhos. Não tinha essa coragem
depois dos últimos três anos.

-D-desculpe. - Murmurou, sob o olhar de empatia de


Packalen. - Me desculpe por tudo.

Robin então se aproximou e o abraçou. Parece que o


valentão violento novamente tinha desaparecido. Sem
entender, Aldrich levantou seus olhos devagar para encara-
lo.

-Isso não significa que eu concorde com isso. - Explicou. -


Sinto muito que não sinta o mesmo por você. Mas eu não
posso deixar um amigo chorar sozinho. E, tudo bem, você
não tem que se desculpar por nada e nem tem nada de
185
errado com você. Se algo está errado é com o seu pai, que é
um idiota!

***

Mas Jebediah tinha outros planos. Coruja e Robin chegaram


atrasados em suas aulas naquele dia, mas estiveram lá.
Horas depois, no final da aula, como Jebediah solicitou,
Coruja e eu estivemos em sua sala. Mas as coisas ficaram
estranhas quando, depois de mais de vinte minutos, ele não
apareceu.

-O que está acontecendo? - Perguntei.

-Ele deve estar brincando com a gente! Ou está fazendo


alguma coisa muito errada!

-Porque acha isso?

-Ele não é de perder tempo, não é de ficar jogando. Os


máscaras começaram com um investimento sério em algo
que protegeria as crianças. Um tiro cego no escuro que ele é
orgulhoso demais para admitir que deu totalmente errado e
alguns deles também. Isso é complicado.

-Bem, e Robin? Ele também deveria estar aqui, não devia?

186
-Robin... - Murmurou. - Você acha que ele...

Nos entreolhamos. Era óbvio, por causa do seu ódio,


Jebediah deveria estar fazendo alguma coisa contra Robin!
Em seguida, sem pensar duas vezes nos levantamos e
corremos para procurar. Sem mais ninguém na escola por
ter encerrado o horário de aulas, alguma coisa muito errada
deveria estar acontecendo. E estava.

***

Enquanto isso, na sala de química, Robin encarava


Jebediah, e o homem, no ponto alto de sua insanidade,
tornava-se cada vez mais ameaçador. Agora sim as coisas
finalmente haviam começado a acontecer.

-Então você sabia sobre o Aldrich! - Rosnou. - Sabia o tempo


todo que ele era o Coruja e sabia o tempo todo o porque ele
usava aquela máscara!

-Eu não provoquei nada disso!

-Você se tornou parte disso! É por sua causa que ele não
pode assumir o legado da família! É por sua causa que ele é
a aberração que é! Você destruiu minha família, Packalen, e
eu não vou terminar isso sem vingança!

187
-O senhor é louco!

-Acha que sabe o que é dor? Por sua causa, meu filho tem
que usar aquela máscara! - Pegou disfarçadamente um
maçarico a gás da mesa atrás dele.

-Vá para o inferno!

Robin tentou virar-se para sair. Mas Jebediah, mais rápido


segurou seu pulso com o máximo de sua força,
machucando-o, e forçando-o a virar-se para ele. Em
seguida, no mesmo momento, ligou o maçarico. Aldrich e
eu apenas ouvimos os gritos de Robin enquanto corríamos
no corredor em direção a porta do laboratório de química.
Quando chegamos, Robin escondia seu rosto nas mãos e
gritava muito alto. Com o maçarico nas mãos, Jebediah nos
encarava.

-Vão embora!

-O que você fez, seu maldito? - Gritou Aldrich, os olhos


começando a marejar.

Aquela cena, por assim dizer, esmagou toda a minha


inocência sobre os homens. Robin levantou lentamente o
rosto e olhou para nós. Seu olho direito chorava, mas agora
a dor parecia ser suportável, mas o esquerdo... Toda a área
do olho esquerdo estava... Engraçado, mesmo depois de
188
anos não encontro palavras que descrevam aquele
momento com toda a dor que fez parte dele. O fato é que, o
olho esquerdo de Robin e toda a área em volta estava
horrivelmente queimada. Se tivéssemos demorado mais um
segundo, Jebediah certamente teria penetrado com o
maçarico em seu rosto, fazendo muito mais do que apenas
cegá-lo.

Aldrich correu até ele. Nunca vi ninguém chorar com a


intensidade com que vi Robin chorando.

-Eu vinguei a nossa família!

-Robin não tem nada a ver com isso! Nunca teve! Eu sou
assim! Eu simplesmente sou assim! E se não gosta... É a
mim que devia matar! - Em seguida, pareceu acalmar-se. Só
pareceu.

-Al...

-Fica fora disso, Jules! Leva o Robin para a enfermaria!

Em seguida, olhou nos olhos de seu pai com uma expressão


forte. Uma expressão de muito ódio.

-Vamos, pai. - Ele levou a mão de Jebediah que segurava o


maçarico até o seu rosto. - Acaba com isso! Liga esse

189
maçarico! Não é o que quer? Não é o que queria desde o
começo?

-Aldrich, você não tem que fazer isso! - Implorei.

-Eu tenho! Ele não vai parar enquanto não machucar


alguém! Enquanto não vingar o legado da família Waldor.
Pois bem, eu sou a ovelha negra da família! Eu sou a fruta
podre no saco! Vamos, pode acabar com isso!

Eu não conseguia mais olhar aquilo. Não havia nada que eu


pudesse fazer para parar nenhum dois dois, nem para fazer
aquele maçarico sumir. Então, ajudei Robin a ir para a
enfermaria do colégio. Alguém também precisava ajudá-lo.

-É isso que você quer? - Questionou Jebediah. - Ter o


mesmo destino dele? Não vê? Eu libertei você!

-Acha que não sentirei mais nada por ele porque você o
machucou? Porque deformou o rosto dele? Você é um
idiota, mesmo! É a pior espécie de idiota que existe!

-Tem razão! Isso não acabou!

-O que vai fazer?

-Chore o quanto quiser agora, mas isso é importante, para


acabar com esse inferno! Vai me agradecer quando for mais
velho!
190
Jebediah tentou deixar o laboratório, mas Aldrich o
segurou, com o máximo de sua força. Sentindo-se
provocado, o homem o jogou com força contra uma mesa,
fazendo-o cair sobre o chão, e fazendo vários produtos
químicos caírem no chão também. Aldrich caiu de mau jeito
e machucou o tornozelo.

-Enfermaria, não é?

-Por favor! - Pediu Aldrich, tentando rastejar até ele.

Jebediah o chutou com força, fazendo voltar dolorosamente


para onde estava.

-Vai me agradecer! - Rosnou o homem. - Vai pedir perdão


por cada palavra e cada coisa que fez hoje! Pode demorar,
mas acredite em mim, você é só um garoto! Você não sabe o
que é esse mundo e você não sabe o que é melhor para
você! Mas eu sei! E eu vou trazer você de volta para esta
família, do jeito que ela merece você!

-Você é um louco!

-Eu amo você, Aldrich! Talvez isso me faça louco mesmo!


Bem, quem disse que amar é ser são?

Em seguida, deixou Aldrich caído no laboratório e correu


pelos corredores, até a enfermaria.

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***

Naquele momento, mesmo sem nenhum conhecimento de


primeiros socorros, eu tentava cuidar de Robin e lhe fazer
um curativo para parar o sangramento. Era tudo o que
conseguia fazer.

-Jules... Obrigado. - Murmurou.

-Ainda dói?

-Um pouco. Mas o Al... Vai dar tudo certo! Ele não vai
matar o próprio filho! Não pode fazer isso, pode?

-Eu tenho outros planos! - Jebediah se aproximando.

Meu coração palpitou. Imediatamente me levantei e me


coloquei na frente do Robin. Estava assustado. Assustado
demais para fazer ou dizer qualquer coisa além disso.
Minhas mãos tremiam. Era muito mais do que uma criança
como eu deveria passar.

-Não tenta bancar o herói. Você não é tudo isso, Jules. Você
não é nada. E isso nem é sobre você. Porque insiste tanto?
Porque está aqui, Jules?

Era assustador. Assustador demais para descrever.

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-Não vai sair da frente por bem?

-N-não!

-Tudo bem.

Me deu um soco no rosto, fazendo com que eu caísse no


chão e minha boca sangrasse. Em seguida, se aproximou de
Robin. E ele o olhou de volta.

-Vai deixar o Al em paz quando terminar, não vai?

-Ele ficará melhor sem você, acredite!

Eu não tive coragem de olhar. Ouvi um estampido. Um som


de uma arma sendo engatilhada e preparada para atirar. A
voz de Robin gritando que não o fizesse, gritando por
clemência. E por fim, o som da bala sendo disparada e
penetrando um corpo. Custei a abrir os olhos. Era
assustador demais. Era muita dor ao mesmo tempo. Mais
do que minha mente de criança podia processar. Mas então,
uma voz chegou até meu corpo no chão. Uma voz doce e
macia de menino. Do Al.

-Tudo bem agora, Jules. Digo, para você.

Então, eu abri os olhos. De um lado, um corpo inerte e


aparentemente sem vida no chão. Um buraco sangrando no
estômago. Do outro, Aldrich, que havia saído do
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laboratório de química e chegado ali usando os braços e a
perna cujo tornozelo não estava torcido, e tinha uma arma
na mão. Do outro, Robin observava a tudo perplexo.

-Você... Você atirou no seu pai! - Murmurou.

-Ele não é o meu pai, nunca agiu como meu pai. E eu... Eu
não tive escolha. Ele não ia parar... Por Deus, ele não ia
parar! - As lágrimas começaram a correr o seu rosto aos
montes. - Porque alguém tinha que morrer, droga?

-Calma, Al! - Robin se aproximou, abraçando-o. - Vai ficar


tudo bem!

Era isso. Assim, se encerrava a pior experiência da minha


infância: Ver um máscara sendo criado, um homem
ameaçando a vida de uma criança, e um filho rebelando-se
e tentando matar o próprio pai, tudo na mesma cena. E
absolutamente não havia quem estivesse certo ou errado
nessa conversa.

***

Ainda tentamos sair do prédio sem ser vistos e levar o robin


a um hospital, mas era tarde demais. A movimentação por

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certo chamou a atenção da vizinhança que, talvez por
algum tipo de precaução, chamou a polícia.

Eles nos ajudaram. Levaram Robin e Jebediah para um


hospital. Os dias seguintes foram muito movimentados e
angustiantes. Jebediah foi julgado e preso. Aldrich foi
absolvido pelo tiro, alegada legítima defesa, sua e de seus
amigos. Acho que o fato de ser muito novo também ajudou
sobre isso. O colégio fechou depois daquele dia para
maiores investigações. Foi quando descobriram todas as
coisas que o prédio guardava de verdade. E o segredo da
biblioteca: Livros antigos valiosíssimos, alguns na faixa de
milhões de dólares que Jebediah mantinha com ele para ir
retirando dinheiro da coleção aos poucos sem levantar
suspeitas. Um estelionato de longo prazo. Foram todos
confiscados pela polícia e doados pelo governo a uma
biblioteca da cidade, se tornando, mais tarde, parte do
acervo da Biblioteca Nacional de Londres, quando esta foi
inaugurada, muitos anos depois.

Ainda menor de idade e sem os pais, Aldrich ficou por


bastante tempo em um abrigo. Por meses, Robin e eu
visitávamos ele sempre que podíamos. Logo, foi adotado
por um casal. Por sinal, o casal que havia comprado a casa
onde a vovó Troodle morava. Ganhou uma família, irmãos,

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e os velhos livros da vovó. Nos vimos poucas vezes depois
disso. Mas começamos a trocar cartas também.

E, por falar em cartas... Olliver me enviou o livro que estava


escrevendo poucos dias depois do que aconteceu. No livro
estavam seus pensamentos sobre o mundo, as mais íntimas
confissões, as coisas de que gostava e não gostava e
principalmente, o quanto nossa amizade foi o que o
manteve de pé diante de tudo que estava acontecendo com
ele. E, bem, havia algo que ele não me contou: Ele não
estava emagrecendo apenas por passar tanto tempo com a
máquina de escrever do seu pai.

A carta que recebi em resposta era de Aldrich. Ele conheceu


Olliver em seus últimos dias. Pôde vê-lo extremamente
doente e regredindo em sua saúde. Olliver estava morrendo
aos poucos de tristeza e depressão e por isso queria
escrever. Queria que eu não o esquecesse. Queria continuar
vivendo em minha memória. Assim, sem que eu soubesse,
em todas as cartas, Oliver guardava sua própria dor para
me ajudar a lidar com a minha.

Olliver se foi em silêncio, para se juntar ao seu pai. Aldrich


disse que esteve em seu enterro. Sua mãe chorava muito,
mas ele, ainda que de canto de boca, sorria discretamente.
Eu também chorei muito quando soube, mas no fim das

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contas, ele se foi feliz. Não haviam mais angústias mal
resolvidas para ele.

Quanto a Sergei, o Esquilo, e Henry, o Hiena,


desapareceram após a escola fechar e nunca mais foram
vistos e nem tive qualquer notícia deles. Que estivessem
felizes onde estivessem.

Anos depois me casei com Anastácia, a antiga Rouxinol,


que então, havia crescido e se tornado uma excelente
advogada. Aldrich se casou logo depois com uma pessoa
que conheceu na cidade, mas sem se preocupar com
maiores formalidades. Anastacia e eu, informalmente, de
coração, fomos seus padrinhos de casamento. Robin
também se casou com uma mulher que conheceu por aí,
alguém que o aceitou mesmo com a deformação em seu
rosto e que o achava lindo assim mesmo. Acho que fomos
todos felizes.

***

Nos dias atuais. Em minha velha casa no povoado, com


meus sessenta e tantos anos, tomando chá. Um de meus
netos aparece de repente. Cabelos e olhos que curiosamente
lembravam muito Olliver, apesar de nenhuma ligação
genética especial. Ou talvez fosse só minha saudade falando
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mais alto sobre minha visão já não tão boa, mesmo que os
óculos ajudassem a melhorar.

-Vovô! Ei, vovô! Olha o que encontrei no sotão! - Sorri, com


um objeto nas mãos.

Perco o fôlego por um momento. Não me lembrava de ter


guardado isso. Não lembrava sequer que Aldrich tivesse
guardado isso. Achei que estivesse totalmente perdida no
tempo.

-O-onde você disse que encontrou?

-No sotão! Isso é seu, vovô?

-Eu... Eu achei que estivesse perdido para sempre, uma


velha poeira do passado. Mas, está aqui.

Ali estava, diante de meus olhos... A velha máscara do


Lobo.

FIM.

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Maciel T nasceu em 1992. Escreve desde os 11 anos. Atualmente é
professor e educador, sendo formado em Pedagogia pela Unesp e
ser atualmente mestrando em Educação Sexual pela mesma
universidade. Gosta muito de crianças e pré-adolescentes,
sobretudo seus alunos, e gosta mais de escrever para esse público.

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