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O voo de uma borboleta

Terça-feira, 28 de setembro

6:30 - Manhã

Acordei fraca, como se eu tivesse sido esmagada por um urso gigante, levantei-me com dores nas
costas e abri as janelas do meu quarto. O céu estava nublado com um leve cheiro de chuva, eu
poderia ficar o dia inteiro sentada e admirando a paisagem, mas infelizmente um longo dia estava a
vir.

Fui ao banheiro e escovei meus dentes, eu estava um pouco suada, então achei melhor tomar um
banho para não sair por aí fedendo. Coloquei uma roupa confortável e fui até a cozinha coar o café,
geralmente não tomo café em casa porque acaba não dando tempo, mas hoje acordei mais cedo e
não vou precisar sair às pressas de casa.

Peguei minha bolsa e desci as escadas do prédio. Por algum motivo os dois elevadores estão em
manutenção desde o Natal, é um inferno ter que descer essas escadas enormes todo dia, mas
segundo o síndico, mês que vem eles começarão a reforma (Aposto que não vão arrumar isso tão
cedo).

7:00

Enquanto saía do prédio, via do outro lado da esquina o meu ônibus prestes a sair, fui correndo ao
ponto e entrei no ônibus. Graças a Deus não demorei muito para descer do prédio, se não
provavelmente teria perdido a passagem. Sempre que ando de ônibus, gosto de ouvir música para
passar o tempo, então coloquei os meus fones e me sentei no banco do fundo.

7:15

O caminho até a empresa não era muito longe, indo de ônibus levava aproximadamente 15
minutos, mas hoje por algum motivo estava um trânsito ENORME enquanto estávamos na metade
do caminho. Eu sabia que iria chegar atrasada, então comecei a ficar ansiosa pensando em como o
meu chefe me chutaria da empresa.

7:55

Finalmente desci do ponto, trabalho num pequeno prédio como assistente de telemarketing, não é
o que eu gostaria, mas por enquanto é a única coisa que tenho. Subi as escadas e entrei na sala onde
ficava os computadores, meu chefe estava me esperando próximo a minha escrivaninha, com uma
cara de que me daria um soco.

- Você tem ideia de que horas são? Deveria estar aqui as 7:30, já é a segunda vez que chega
atrasada nesse mês, pelo visto deve estar pedindo para ser demitida.

- Me desculpe chefe, estava muito trânsito enquanto eu estava vindo e...

- Não quero desculpas! - interrompeu o chefe Gerald – Você fala como se sua vida fosse difícil, a
única coisa que você tem que fazer é chegar cedo no trabalho e nem isso faz. Mais um atraso e eu te
mando para a rua, entendido?

- Sim, senhor.
Fiquei pensando no que ele disse “Você fala como se sua vida fosse difícil" Eu me cobro tanto todos
os dias, dando o melhor de mim mesmo que isso me machuque, e ainda sou obrigada a ouvir merda
dos outros sobre minha vida. Após ter levado um sermão do meu chefe babaca, fui até minha
escrivaninha e comecei a trabalhar.

14:30 – Tarde

Finalmente terminei meu turno, mas não tinha muito tempo para descanso, minhas aulas começam
às 15:00 e teria que ir direto do trabalho até a faculdade. Felizmente pego carona com meu amigo
Carlos, que estuda na mesma faculdade que eu e morava a alguns quarteirões do meu trabalho.

Após alguns minutos ele chegou, o carro dele era um corsa preto, não era um dos melhores, mas
ele batalhou muito para consegui-lo. Acenei para ele e entrei no carro.

- E aí, Jill.

- Oi Carlos, como cê tá?

- Hoje meu dia foi até que tranquilo, então tô de boa. E você, como vai?

- Sinceramente, minha vida está uma zona, acho que vou enlouquecer se continuar desse jeito.

- Jill...você faz tanta coisa ao mesmo tempo que as vezes fico até assustado, se não colocar sua
saúde em primeiro lugar você vai acabar ficando sobrecarregada. Eu não posso fazer muita coisa
para te ajudar, mas saiba que eu sempre estarei aqui quando você precisar.

- Obrigada, Carlos. Vou pensar muito no que você disse.

Ficamos em silêncio até chegarmos na faculdade.

15:55

Me despedi de Carlos e fui até minha sala, hoje parecia mais cheio do que os outros dias,
provavelmente porque era o dia da apresentação do trabalho. Sentei na minha carteira e comecei a
mexer no meu celular enquanto a professora não chegava.

O nome dela é Valentina, mas todos os chamam de Val. Ela é tão atenciosa com os alunos e explica
muito bem a matéria, um dos poucos professores legais que conheci.

A professora Val chegou com sua grande bolsa de livros pesados e papeladas. Mesmo cansada, ela
sempre estava com um sorriso no rosto, ao contrário de mim, que estava parecendo um zumbi.

Após alguns minutos de introdução, ela começou as apresentações em ordem numérica, e logo
seria minha vez. Eu estava nervosa, apesar de ter um domínio sobre o assunto, minha cabeça estava
uma loucura pensando em mil coisas.

- Próximo, Jill número 13. – Disse a Professora Val.

Me levantei e coloquei meu pen-drive no computador da sala, mas para piorar o meu dia, o arquivo
do slide estava corrompido

Comecei a entrar em desespero, colocando e tirando o pen-drive várias vezes.

- Algum problema, Jill?

- Professora Val, eu sei que isso vai parecer uma desculpa idiota, mas o arquivo do meu slide foi
corrompido.
Todos olhavam para mim.

- Jill, você devia ter checado se estava tudo certo antes de vir apresentar, eu sei que foi um erro,
mas não vou conseguir te dar uma nota se você não tiver o trabalho em mãos.

Naquela hora eu quis me enterrar num buraco, parecia que eu era uma aluna do ensino-médio
dando uma desculpa para não ter que apresentar o trabalho que não fiz.

- Eu realmente fiz o trabalho, mas por algum motivo deu um erro durante a transferência do
arquivo para o computador

- Olha... Eu posso te deixar apresentar amanhã, mas infelizmente isso terá uma alteração na sua
nota final. Tudo bem?

- Sim, claro. Mil desculpas por isso.

Sentei-me na minha carteira enquanto tremia de nervoso, como pode tanta coisa dar errado em só
um dia? Parece até que o universo planejou que hoje meu dia seria horrível.

17:30 – Pôr do sol

A aula havia acabado, durante a troca de professores eles deixam os alunos saírem para pegar algo
na cantina ou apenas irem ao banheiro. Eu precisava ficar um pouco a sós, então subi até o terraço
do prédio.

Me encostei na grade e fiquei admirando a vista, enquanto pensava sobre o que o Carlos me disse
no carro. Ele realmente estava certo, eu tô ficando sobrecarregada e não estou cuidando de mim.
Desde que os meus pais se foram, cresci na vida adulta com tudo jogado nas minhas costas.

Trabalho, faculdade, cursos, atrasos, cobranças, pagamentos. Tudo isso me gerou angústia e
ansiedade.

Eu não sabia mais o que fazer, minha vida estava determinada para ser isso até o fim? Por um
momento eu quis desistir de tudo, mas uma coisa me deu esperança.

Uma borboleta, uma linda borboleta azul voava, se destacando entre o cenário sem cor, aquela
borboleta parecia tão bem, tão livre. Mesmo com o caos de São Paulo ao redor dela, ela seguia seu
caminho com o seu brilho e beleza.

Uma simples borboleta me fez relembrar de tudo que eu passei, era como se eu estivesse presa
sobre aquilo. Eu tinha apenas 20 anos, eu não devia fazer tanto ao mesmo tempo, e sim o que eu
posso no meu tempo. O trabalho e a faculdade me deixaram tão ocupada que eu acabei esquecendo
de mim. Aquela borboleta abriu os meus olhos para que eu fosse livre.

Sexta-feira, 15 de dezembro

Eu consegui, eu finalmente consegui sair do buraco em que eu estava. Carlos me indicou a fazer
terapia, e isso me ajudou muito no processo de recuperação. Comecei a organizar minha rotina de
um jeito saudável, deixando aquela bagunça que era antes para trás. Saí do meu emprego horrível e
consegui um estágio como jornalista de um dos jornais da minha cidade.

Naquela terça, em que eu vi aquela borboleta, eu comecei a enxergar um novo caminho, eu


percebi que aquilo foi apenas um ciclo e que poderia mudar. O simples voo de uma borboleta virou
minha vida de ponta cabeça.

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