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POEMAS 1889.

Filha de Francisco de Paula Lins


dos Guimarães Peixoto,
Apresentar poemas para crianças é
desembargador, nomeado por Dom
importante não apenas para que
Pedro II, e de Jacinta Luísa do Couto
elas conheçam e descubram um
Brandão, cursou apenas até a terceira
importante gênero literário, do qual
série do curso primário.
o Brasil tem muitos representantes
fundamentais. Mas, também, porque
a poesia oferece uma oportunidade
valiosa para diminuir o ritmo,
contemplar a vida e refletir sobre
nossas emoções.

Quem é Cora Coralina

Confira, a seguir, algumas sugestões


de poemas de Cora Coralina que você
pode ler com as crianças e pequenos
trechos para se encantar.

Cora Coralina (1889-1985) foi uma


poetisa e contista brasileira. Publicou
seu primeiro livro quando tinha 75
anos e tornou-se uma das vozes
femininas mais relevantes da literatura
nacional.

Ana Lins dos Guimarães Peixoto,


conhecida como Cora Coralina,
nasceu na cidade de Goiás, no Estado
de Goiás, no dia 20 de agosto de
2. CORAÇÃO É TERRA QUE
NINGUÉM VÊ

Quis ser um dia, jardineira


de um coração.
1. ANINHA E SUAS PEDRAS Sachei, mondei – nada colhi.
Nasceram espinhos
Não te deixes destruir… e nos espinhos me feri.
Ajuntando novas pedras Quis ser um dia, jardineira
e construindo novos poemas. de um coração.
Recria tua vida, sempre, sempre. Cavei, plantei.
Remove pedras e planta roseiras e faz Na terra ingrata
doces. Recomeça. nada criei.
Faz de tua vida mesquinha Semeador da Parábola…
um poema. Lancei a boa semente
E viverás no coração dos jovens a gestos largos…
e na memória das gerações que hão Aves do céu levaram.
de vir. Espinhos do chão cobriram.
Esta fonte é para uso de todos os O resto se perdeu
sedentos. na terra dura
Toma a tua parte. da ingratidão
Vem a estas páginas Coração é terra que ninguém vê
e não entraves seu uso – diz o ditado.
aos que têm sede. Plantei, reguei, nada deu, não.
Terra de lagedo, de pedregulho,
– teu coração. Bati na porta de um
coração.
Bati. Bati. Nada escutei.
Casa vazia. Porta fechada,
foi que encontrei… na encruzilhada,
depois… depois…
carreguei sozinha
3. AMIGO
a pedra do meu destino.

Vamos conversar Hoje, no tarde da vida,

como dois velhos que se encontram apenas,

no fim da caminhada. uma suave e perdida relembrança

Foi o mesmo nosso marco de partida.


Palmilhamos juntos a mesma estrada.
Eu era moça.
Sentia sem saber
seu cheiro de terra, .

seu cheiro de mato,


4. MEU DESTINO
seu cheiro de pastagens.
É que havia dentro de mim, Nas palmas de tuas mãos
no fundo obscuro de meu ser leio as linhas da minha vida.
vivências e atavismo ancestrais: Linhas cruzadas, sinuosas,
fazendas, latifúndios, interferindo no teu destino.
engenhos e currais. Não te procurei, não me procurastes –
Mas… ai de mim! íamos sozinhos por estradas
Era moça da cidade. diferentes.
Escrevia versos e era sofisticada. Indiferentes, cruzamos
Você teve medo. Passavas com o fardo da vida…
O medo que todo homem sente Corri ao teu encontro.
da mulher letrada. Sorri. Falamos.
Não pressentiu, não adivinhou Esse dia foi marcado
aquela que o esperava com a pedra branca
mesmo antes de nascer. da cabeça de um peixe.
Indiferente E, desde então, caminhamos
tomaste teu caminho juntos pela vida…
por estrada diferente. Crédito: Correio Braziliense
Longo tempo o esperei
Pedra pontuda.
Cumbuco de coco.
Pisando alho-sal.

5. TODAS AS VIDAS Vive dentro de mim


a mulher do povo.
Vive dentro de mim Bem proletária.
uma cabocla velha Bem linguaruda,
de mau-olhado, desabusada, sem preconceitos,
acocorada ao pé do borralho, de casca-grossa,
olhando para o fogo. de chinelinha,
Benze quebranto. e filharada.
Bota feitiço… Vive dentro de mim
Ogum. Orixá. a mulher roceira.
Macumba, terreiro. – Enxerto da terra,
Ogã, pai de santo… meio casmurra.
Vive dentro de mim Trabalhadeira.
a lavadeira do Rio Vermelho. Madrugadeira.
Seu cheiro gostoso Analfabeta.
d’água e sabão. De pé no chão.
Rodilha de pano. Bem parideira.
Trouxa de roupa, Bem criadeira.
pedra de anil. Seus doze filhos
Sua coroa verde de são-caetano. Seus vinte netos.
Vive dentro de mim Vive dentro de mim
a mulher cozinheira. a mulher da vida.
Pimenta e cebola. Minha irmãzinha…
Quitute benfeito. Fingindo alegre seu triste fado.
Panela de barro. Todas as vidas dentro de mim:
Taipa de lenha. Na minha vida –
Cozinha antiga a vida mera das obscuras.
toda pretinha.
Bem cacheada de picumã.
A mina constante de teu poço.
Sou a espiga generosa de teu gado
e certeza tranquila ao teu esforço.
Sou a razão de tua vida.
De mim vieste pela mão do Criador,
6. HUMILDADE
e a mim tu voltarás no fim da lida.

Senhor, fazei com que eu aceite Só em mim acharás descanso e Paz.

minha pobreza tal como sempre foi. Eu sou a grande Mãe Universal.

Que não sinta o que não tenho. Tua filha, tua noiva e desposada.

Não lamente o que podia ter A mulher e o ventre que fecundas.

e se perdeu por caminhos errados Sou a gleba, a gestação, eu sou o

e nunca mais voltou. amor.

Dai, Senhor, que minha humildade A ti, ó lavrador, tudo quanto é meu.

seja como a chuva desejada Teu arado, tua foice, teu machado.

caindo mansa, O berço pequenino de teu filho.

longa noite escura O algodão de tua veste

numa terra sedenta e o pão de tua casa.

e num telhado velho. E um dia bem distante


a mim tu voltarás.
E no canteiro materno de meu seio
tranquilo dormirás.
Plantemos a roça.
7. O CÂNTICO DA TERRA Lavremos a gleba.
Cuidemos do ninho,
Eu sou a terra, eu sou a vida.
do gado e da tulha.
Do meu barro primeiro veio o homem.
Fartura teremos
De mim veio a mulher e veio o amor.
e donos de sítio
Veio a árvore, veio a fonte.
felizes seremos.
Vem o fruto e vem a flor.
Crédito: O Popular
Eu sou a fonte original de toda vida.
Sou o chão que se prende à tua casa.
Sou a telha da coberta de teu lar.
9. BECOS DE GOIÁS

Becos da minha terra…


Amo tua paisagem triste, ausente e
suja.
Teu ar sombrio. Tua velha umidade
andrajosa.
Teu lodo negro, esverdeado,
8. ASSIM EU VEJO A VIDA
escorregadio.
A vida tem duas faces: E a réstia de sol que ao meio-dia
Positiva e negativa desce fugidia,
O passado foi duro e semeias polmes dourados no teu
mas deixou o seu legado lixo pobre,
Saber viver é a grande sabedoria calçando de ouro a sandália velha,
Que eu possa dignificar jogada no monturo.
Minha condição de mulher, Amo a prantina silenciosa do teu fio de
Aceitar suas limitações água,
E me fazer pedra de segurança Descendo de quintais escusos sem
dos valores que vão desmoronando. pressa,
Nasci em tempos rudes e se sumindo depressa na brecha de
Aceitei contradições um velho cano.
lutas e pedras Amo a avenca delicada que renasce
como lições de vida Na frincha de teus muros empenados,
e delas me sirvo e a plantinha desvalida de caule mole
Aprendi a viver. que se defende, viceja e floresce
no agasalho de tua sombra úmida e
calada…”

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