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Fernando Pessoa nasceu em Lisboa, a 13 de junho de 1888.

Foi educado na África do Sul


e recebeu uma cultura tradicionalmente inglesa, tornando-o um poeta bilíngue.

Ao longo da sua vida, Pessoa viveu uma série de acontecimentos e circunstâncias


marcadas pelo fracasso (falhanço no percurso universitário e empresarial, morte do pai,
vício pelo álcool, frustrações amorosas, etc). Essas experiências negativas transformaram-
no num dos maiores escritores de todos os tempos e forneceram valiosas lições de vida.

Pessoa faleceu aos 47 anos devido a insuficiência hepática. Apesar de tudo isso, o poeta
possuía um conhecimento extenso e profundo. Pessoa sempre se manteve reservado,
mantendo uma natureza altamente introvertida.

Porém, a sua personalidade literária distancia-se destes fracassos existenciais, ainda que
por eles motivada, uma vez que mostra a busca constante de um sonho.

“Sinto-me múltiplo, (...) sinto-me viver vidas alheias em mim,


incompletamente, como se o meu ser participasse de todos os Homens,
incompletamente de cada, por uma suma de não-eus sintetizados num eu
postiço”

Esta frase expressa o desejo de encarar muitas


personalidades, o que se irá traduzir na sua escrita pela
presença de heterónimos.

De regresso a Portugal, em 1905, Pessoa vive uma série de acontecimentos históricos e


políticos na história portuguesa, desde a queda da monarquia, à implantação da
república e a ditadura do Estado Novo. Isto fez com que o panorama cultural fosse
estagnado e, portanto, Pessoa sente que é o seu dever empenhar-se na reabilitação das
letras portuguesas.

Em 1915, juntamente com Mário de Sá Carneiro e outros escritores, Fernando Pessoa


lançou os dois únicos números da revista Orpheu, marcando um momento significativo no
movimento modernista em Portugal.

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Essas revistas, juntamente com outras revoluções culturais da época, desencadearam
uma mudança de costumes e tradições, dando origem a uma nova corrente filosófica,
cultural e artística - o modernismo.

Foi dentro desse contexto modernista que Fernando Pessoa inovou a poesia do século
XIX. Até então, a poesia seguia predominantemente traços românticos e clássicos. No
entanto, Pessoa mostrou uma tendência marcante para a despersonalização, como
evidenciado pela criação dos seus vários heterónimos. cada um com a sua própria
personalidade, biografias, estilo de escrita e visão de mundo.

Por outro lado, a ortonímia refere-se à escrita de Fernando Pessoa sob o seu próprio
nome, como ele mesmo. Quando Pessoa escrevia como ortónimo, expressava as suas
próprias ideias e sentimentos pessoais, sem adotar uma personalidade fictícia. A ortonímia
representava a expressão mais autêntica e íntima de Pessoa como indivíduo, enquanto a
heteronímia lhe permitia explorar diferentes identidades literárias e perspetivas.

A distinção entre heteronímia e ortonímia é fundamental para compreender


a complexidade e a originalidade da obra de Fernando Pessoa. Esses
conceitos revelam a sua habilidade excecional de se desvincular de sua
identidade pessoal e criar uma multiplicidade de vozes e visões artísticas,
enriquecendo assim a literatura portuguesa e o movimento modernista.

A poesia do ortónimo

A poesia do ortónimo de Fernando Pessoa representa a expressão mais marcante e


intensa da explosão modernista na cultura portuguesa.

Através da poesia do ortónimo, Pessoa mergulha profundamente na sua própria essência,


explorando as suas emoções, reflexões e experiências pessoais. Essa abordagem íntima e
genuína oferece aos leitores uma perspetiva autêntica e confiável do próprio autor,
permitindo uma melhor compreensão das suas visões, dilemas e inquietações.

Existem algumas temáticas fundamentais comuns a vários poemas de Pessoa:

• Nostalgia da infância (saudade do tempo em que foi feliz)

Insatisfeito com o presente e incapaz de viver a plenitude, Pessoa refugia-se numa


infância, mas submetida a um processo de intelectualização.

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Por ser tão infeliz enquanto adulto, tem tendência a sofrer com a saudade do tempo em
que foi feliz, onde era mais ingénuo e desprovido de preocupações e responsabilidades.

Fernando pessoa evoca imagens vívidas da infância, das brincadeiras, dos espaços
familiares e dos momentos de alegria e simplicidade. Essas lembranças são permeadas
por um sentimento de perda, pois o tempo passou, a inocência foi perdida e a realidade
adulta foi imposta.

Assim, a nostalgia da infância na poesia de Fernando Pessoa transcende a mera


lembrança pessoal. Toca em temas universais da condição humana, como o tempo, a
transitoriedade e a procura por um sentido mais profundo na vida.

Alguns dos poemas que ilustram este fascínio pela infância são: “Quando as crianças
brincam” ou “Não sei, ama, onde era,”.

• Sonho e realidade

Fernando Pessoa explora de forma marcante o contraste entre o sonho e a realidade na


sua poesia. O eu lírico retratado nos seus versos não encontra felicidade no quotidiano,
pois é dominado pela frustração, vazio e tédio existencial. Diante dessa condição
insatisfatória, o eu lírico idealiza o sonho como um refúgio onde acredita conseguir
realizar-se e alcançar a plenitude, a felicidade e o equilíbrio.

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No sonho, o eu lírico começa por imaginar-se como uma versão idealizada de si mesmo.
Esse eu sonhado pode habitar num espaço diferente, como uma ilha, país ou palácio,
onde, inicialmente, tudo parece perfeito, acreditando ter encontrado a felicidade e
harmonia desejadas. No entanto, num segundo momento, após uma reflexão mais
atenta, o sujeito lírico percebe que esse estado de perfeição é ilusório e que o sonho não
é a solução para os problemas existenciais que o afligem.

Desta forma, o sonho revela-se incapaz de resolver as insatisfações e ansiedades do eu


lírico. Isso ocorre porque o sonho, por mais atraente que seja, é apenas uma ilusão e não
uma resposta efetiva para os problemas que se originaram, como o tédio, o vazio
existencial e a saudade da infância perdida.

• Fingimento artístico

Para Fernando Pessoa, a criação artística implica a conceção de novas e significativas


relações, alcançadas através do distanciamento da realidade, o que pode ser entendido
como um ato de fingimento. O poeta parte da obra da realidade, mas distancia-se dela
graças à interação entre a razão e emoção, permitindo-lhe elaborar mentalmente a
obra de arte. Surge, então, a necessidade de intelectualizar o que sente ou pensa,
reconfigurando essa realidade através da imaginação criativa. Nesse processo, Pessoa
destaca a distinção entre sinceridade condicional e sinceridade intelectual, sendo esta
última a única que realmente importa para a poesia.

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"Fingir é conhecer-se". Ele acredita que ao fingir, ao criar personagens literárias e explorar
diferentes perspetivas, o poeta obtém um conhecimento mais profundo de si mesmo e do
mundo ao seu redor. O fingimento permite ao poeta transcender os limites da experiência
individual, alcançando uma compreensão mais ampla da condição humana.

Os poemas “Autopsicografia” e “Isto” têm a verdadeira arte poética de Pessoa, iniciando


uma aprendizagem do não sentir, que sobrepõe o conhecimento racional ao afetivo.

• Dor de pensar

A busca incessante pela racionalidade leva o poeta a viver uma tragédia íntima que o
aflige: o desejo de sentir de forma racional. Este drama é evidente em poemas como "Ela
canta, pobre ceifeira" ou "Gato que brincas na rua". Pessoa sofre por pensar demais. O
excesso da sua inteligência e pensamento faz com que entre numa espiral negativa que
o impede de vivenciar plenamente o sentimento, mantendo-se distante das emoções e
próximo da razão.

Com isto, Fernando Pessoa vive a dicotomia entre a necessidade de percecionar o


mundo de forma racional e a certeza de que esta realidade não lhe permite alcançar a
felicidade, resultando num profundo sofrimento e angústia.

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Para além destas temáticas presentes em quase todas as suas obras, também a forma de
escrever é característica do autor:

• Linguagem simbólica e misteriosa;

• Uso frequente de frases nominais;

• Pontuação expressiva (exclamação, interrogação, reticências);

• Adjetivos, comparações, metáforas;

• Ritmo: aliterações (repetição das mesmas sonoridades), onomatopeias e rimas


internas, cruzadas e emparelhadas;

• Estrofes curtas (quadras ou quintilhas).

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