Relacionar o ato poético com o artesanato intelectual, de Wrigt-Mills
Estabelecer que Octávio Paz fala principalmente da poesia escrita,
porém suas colocações não se limitam a ela – se estendendo a toda obra eu possa contar com a existência de um instante poético sequer que seja. Essa vontade não do poeta, uma vontade alheia, a inspiração, podem ser, inclusive, amplificadas e existir em camadas mais espessas em um produto cinematográfico, que, obra coletiva, está sucessiva aos efeitos da inspiração sobre cada um dos criadores.
Técnica e criação, utensílio e poema são realidades distintas. A técnica
é procedimento e vale na medida de sua eficácia, isto é, na medida em que é um procedimento susceptível de aplicação repetida: seu valor dura até que surja um novo processo. A técnica é repetição que se aperfeiçoa e se degrada: é herança e mudança – o fuzil substitui o arco. A Eneida não substituiu a Odisseia. Cada poema é um objeto único, criado por uma “técnica” que morre no instante mesmo da criação. A chamada “técnica poética” não é transmissível porque não é feita de receitas, mas de invenções que só servem para seu criador. É verdade que o estilo – compreendido como maneira comum de um grupo de artistas ou de uma época – confina com a técnica, tanto no sentido de herança e transformação, quanto na questão de ser procedimento coletivo. O estilo é o ponto de partida de todo projeto criador; por isso mesmo, todo artista aspira transcender esse estilo comum ou histórico. Quando um poeta adquire um estilo, uma maneira, deixa de ser um poeta e se converte em construtor de artefatos literários [...] O poeta utiliza, adapta ou imita o fundo comum e sua época – isto é, o estilo de seu tempo -, porém modifica todos esses matérias e realiza uma obra única (PAZ, 20-21).
O poeta se alimenta de estilos. Sem eles não haveria poemas. Os
estilos nascem, crescem e morrem. Os poemas permanecem, e cada um deles constitui uma unidade autossuficiente, um exemplar isolado, que não se repetirá jamais (p. 21).
No interior do estilo é possível descobrir o que separa o poema de um
tratado em verso um quadro de uma estampa didática, um móvel de uma escultura. Esse elemento distintivo é a poesia. Só ela pode mostrar a diferença entre criação e estilo, obra de arte e utensílio (p. 25).
Ser ambivalente, a palavra poética é plenamente o que é – ritmo, cor,
significado – e, ainda assim, é outra coisa: imagem. A poesia converte a pedra, a cor, a palavra e o som em imagens. E essa segunda característica, o fato de serem imagens, e o estranho poder de suscitarem no ouvinte ou no espectador constelações de imagens, transforma em poemas todas as obras de arte. Nada impede que sejam consideradas poemas as obras plásticas e musicais, desde que satisfaçam as duas características assinaladas: de um lado, fazerem regressar seus materiais ao que são – matéria resplandecente ou opaca – e assim se negarem ao mundo da utilidade; de outro lado, transformarem-se em imagens e desse modo se converterem numa forma peculiar de comunicação. Sem deixar de ser linguagem – sentido e transmissão de sentido – o poema é algo que está além da linguagem. Mas isso que está mais além da linguagem só pode ser conseguido através da linguagem (p. 27). - Transcender ao estilo; À linguagem. “quando você apura a linguagem” (Walter Carvalho).
A voz do poeta é e não e sua. Como se chama, quem é esse que
interrompe meu discurso e me obriga a dizer coisas que eu não pretendia dizer¿ Alguns o chamam de demônio, musa, espírito, gênio; outros o dizem trabalho, acaso, inconsciente, razão. Uns afirmam que a poesia vem do exterior; outros que o poeta se basta a si mesmo. Uns e outros, porém, veem-se obrigados a admitir as exceções. E essas exceções são de tal modo frequentes que somente mesmo por preguiça podem ser chamadas assim [...]. Não basta dizer: o poeta se viu numa circusntância, que o exaltou e o pôs fora de si por um instante. Nada vem de Nada. Onde estavam essas palavras¿ E, sobretudo: como nos ocorrem as “circunstâncias” poéticas? (192). (sobre a inspiração – relacionar com o instante poético e com o musement).
A obra, toda obra, é fruto de uma vontade que transforma e submete a
matéria bruta segundo seus desígnios (193).
No caso do poeta reflexivo tropeçamos numa misteriosa colaboração
alheia, com a aparição não invocada de outra voz. No caso do romântico deparamo-nos com a não menos inexplicável presença de uma vontade que faz do murmúrio um todo arranjado e dono de uma obscura premeditação. Num e noutro caso manifesta-se o que, com risco de inexatidão, se chamará provisoriamente de “irrupção de uma vontade alheia”. Mas é evidente que damos esse nome a algo que pouco tem relação com o fenômeno chamado vontade. Algo, talvez, mais antigo que a vontade no qual esta se apoia. Realmente, no sentido comum da palavra, a vontade é aquela faculdade eu traça planos e submete nossa atividade a certas normas com o objetivo de realizá-los. A vontade que aqui nos preocupa não implica reflexão, cálculo ou previsão; é anterior a toda operação intelectual e se manifesta no momento mesmo da criação. Qual é o verdadeiro nome dessa vontade? Ela é realmente nossa? (194).
As fronteiras se extinguem: nosso discorrer se transforma
insensivelmente em algo que não podemos dominar totalmente; e nosso eu cede lugar a um pronome inominado, que não é inteiramente um tu ou um ele. Nessa ambiguidade consiste o mistério da inspiração. Mistério ou problema? Ambas as coisas: para os antigos a inspiração era um mistério; para nós, um problema que contradiz nossas concepções psicológicas e nossa própria ideia do mundo. Bem, essa conversão do mistério da inspiração em problema psicológico é a raiz de nossa impossibilidade de compreender corretamente em que consiste a criação poética (194).
Para Platão, o poeta é um possuído. Seu delírio e entusiasmo são
sinais da possessão demoníaca. No Ion, Sócrates define o poeta como “um ser alado, leve e sagrado, incapaz de produzir quando o entusiasmo não o arrasta e o faz sair de si... Não são os poetas que dizem coisas tão maravilhosas, mas os emissários da divindade que nos falam por sua boca”. Aristóteles, por sua vez, concebe a criação poética como imitação da natureza. (+\- 205) A experiêcia poética não é outra coisa que a revelação da condição humana, isto é, desse transcender-se sem cessar no qual reside precisamente sua liberdade essencial. Se a liberdade é movimento do ser, contínuo transcender-se do homem, esse movimento sempre deverá estar referido a algo. E assim é: um apontar para um valor ou uma experiência determinada, a poesia não escapa a essa lei, como manifestação da temporalidade que é. Com efeito, o traço característico da operação poética é o dizer, e todo dizer é dizer de algo. [...] O poeta consagra sempre uma experiência histórica, que pode ser pessoal, social, ou ambas as coisas ao mesmo tempo. Mas, ao nos falar de todos esses sucessos, sentimentos, experiências e pessoas, o poeta nos fala de outra coisa: do que está fazendo, do que está sendo diante de nós e em nós. Mais ainda: leva-nos a repetir, a recriar seu poema, a nomear aquilo que ele nomeia; e ao fazê-lo, revela-nos o que somos (p. 232-233).
[...] a função mais imediata da poesia, o que poderia se chamar de sua
função histórica, consiste na consagração ou transmutação de um instante, pessoal ou coletivo, em arquétipo (pag. 273-274).
Instante poético e instante metafísico
La poesía es una metafísica instantánea. En un breve poema, debe dar
una visión de universo y el secreto de un alma, un ser y unos objetos, todo al mismo tiempo. (pag. 93).
Y para construir un instante complejo, para reunir en ese instante gran
número de simultaneidades, destruye el poeta la continuidad simple del tiempo encadenado (93).
Así, en todo poema verdadero se pueden encontrar-los elementos de
un tiempo detenido, de un tiempo que no sigue el compás, de un tiempo al que llamaré vertical para distinguirlo de un tiempo común que corre horizontalmente con el agua del río y con el viento que pasa. De allí cierta paradoja que es preciso enunciar con claridad: mientras que el tiempo de prosodia es horizontal, el tiempo de la poesía es vertical. La prosodia sólo organiza sonoridades sucesivas; rige cadencias, administra fugas y conmociones, ron frecuencia, ay!, a contratiempo. Aceptando las consecuencias del instante poético, la prosodia permite acercarse a la prosa, al pensamiento explicado, a los amores tenidos, a la vida social, a la vida corriente, a la vida que corre, lineal y continua. Mas todas las reglas prosódicas con sólo medios, viejos medios. El fin es la verticalidad, la profundidad o la altura:, es el instante estabilizado en que, ordenándose, las simultaneidades demuestran que el instante poético tiene perspectiva metafísica. El instante poético es entonces necesariamente complejo: conmueve, prueba – invita, consuela -, es, sorprendente y familiar. En esencial, el instante poético es una relación armónica de dos opuestos. En el instante apasionado del poeta hay siempre un poco de razón; en la recusación razonada queda siempre un poco de pasión. Las antítesis sucesivas gustan al poeta. Mas para el encanto, para es éxtasis, es preciso que las antítesis se contraigan en ambivalencia. Pero es más, porque es una ambivalencia excitada, activa \ dinámica. El instante poético obliga al ser a valuar o devaluar. En el instante poético, el ser sube o baja, sin aceptar el tiempo del mundo que reduciría la ambivalencia o la antítesis y lo simultáneo a lo sucesivo (94-95).
A ideia de contiguidade; destempos; poesia no entre”; As
simultaneidades.
1 – Acostumbrarse a no referir El tiempo proio al tiempo de los
demás; romper los marcos sociales de la duración. 2 – acostumbrarse a no referir el tiempo propio al tiempo de os demás; romper los marcos sociales da la duración. 3 – Acostumbrarse – difícil ejercicio - a no referir el tiempo propio al tiempo de la vida: no saber si el corazón late, si la dicha surge; romper los marcos vitales de la duración. Entonces y sólo entonces se logra la referencia autosincrónica, en el centro de sí mismo y sin vida periférica. Toda la horizontalidad llana se borra de pronto. El tiempo no corre. Brota (96).
En equilibrio a la medianoche, sin esperar nada del soplo de las horas,
el poeta se despoja de toda vida inútil; siente la ambivalencia abstracta del ser y del no ser. En las tinieblas ve mejor su propia luz. La soledad le brinda el pensamiento solitario, un pensamiento sin desviación, un pensamiento que se eleva y se apasiona exaltándose puramente (97).
Todo aquello que nos desliga de la causa y de la recompensa, todo
aquello que niega la historia íntima y el deseo miso, todo aquello que devalúa a la vez el pasado y el porvenir está allí, en ese instante poético del lamento sonriente, en el momento mismo en que la noche duerme y estabiliza las tinieblas, en que las horas apenas respiran y en que la soledad por sí sola es ya un remordimiento. Los polos ambivalentes del lamento sonriente casi se tocan. La menor oscilación sustituye al uno por el otro. El lamento sonriente es por tanto una de las ambivalencias más sensibles de un corazón sensible. O poeta es entonces guía natural del metafísico que quiere comprender todas las fuerzas de uniones instantáneas, el ímpetu del sacrificio, sin dejarse dividir por la dualidad filosófica burda del sujeto y del objeto, sin dejarse detener por el dualismo del egoísmo y del deber. El poeta anima una dialéctica más sutil. En el mismo instante, revela a la vez la solidaridad de la forma y de la persona. Demuestra que la forma es una persona y que la persona es una forma. La poesía es así un instante de la causa formal, un instante de la fuerza personal. Entonces se desinteresa de lo que rompe y de lo disuelve, de una duración que dispersa “ecos. Busca el instante. Sólo necesita del instante. Crea el instante. Fuera del instante sólo hay prosa y canción. En el tiempo vertical de un instante inmovilizado encuentra la poesía su dinamismo específico. Hay un dinamismo puro de la poesía pura. Es el que se desarrolla verticalmente en el tiempo de las formas y de las personas (101).
Luz e Sombra – Affonso Beato
“O estilo de uma pessoa não pode ser maior do que o roteiro”
(Affonso Beatto).
Ricardo Aronovich impressionou Affonso Beato.
“Nós não tínhamos luz! A gente inventava algumas coisas. Comprávamos photoflood, lâmpadas equilibradas nas casas de fotografia e e fazíamos o que a gente chama de gambiarra. Nós mesmos fazíamos os bocais, punha as lâmpadas, botava um pau de luz, bem colocado, pra subir. Isso deu um treino também porque a nossa fotografia nessa época era muito árida, era muito documental, no sentido de que a gente fotografava com a luz existente. Não se super iluminava. Você vê o filme dessas épocas... tem contraste, tem tudo, até pela força da necessidade.
O dragão tem muita textura visual. Ele é um filme diferente
visualmente. Eu usei o que sabia de sensitometria pra forçar o negativo de cor por 2 stops. [...] E por isso que as cores de Antônio da Morte são tão vivas. Eu saturei as primárias com esse tipo de revelação. E também criei mais Velocidade. A ASA do filme subia. Então, era uma coisa toda métrica. Eu acreditava nisso. Eu não fiz teste nem nada. Esse filme era assim: vamos montar a coisa e vamos ir. Foi feito em 21 dias e eu não vi um fotograma do filme enquanto estava rodando. Nós rodamos o filme inteiro sem eu ter visto nenhum copião, só medindo tudo. Eram coisas incríveis que a gente fazia na época. Não tinha grana, não tinha nada. Eu acho eu acho que não tinha nem folga; a gente trabalhou direto, uma coisa assim.[...] Era um cine bastante guerrilheiro, nesse sentido.
O cinema novo, nesse momento, tinha um lugar sério
internacionalmente.[...] O Antônio das mortes é um filme que mexeu até na fotografia internacional nesse momento. Aliás, ele é o denominador comum de todos os outros diretores importantes com quem eu trabalhei depois.
Memória do cangaço – Paulo Gil Soares, 1964
Pindorama – 1970
O capitão bandeira contra o dr. Moura Brasil, Antônio Calmon, 1971
(Anamórfico, metalinguagem)
A embrafilme talves seja a empresa multinacional mais eficiente que o
Brasil já tenha tido. Na naquele momento, era uma empresa enxutérrima. A gente vivia sempre correndo em Brasília buscando ensumos para melhorar isso. Com 8 milhões de dólares nós co- produziamos cem filmes por ano e distribuíamos. Fazíamos cem, duzentos curta-metragens por ano. A gente mantinha o centro técnico audiovisual, ajudava escola de cinema, arquivo nacional... era um negócio incrível. Com poucos funcionários. Nós tínhamos duzentos e cinquenta funcionários. Trabalhava como uma joia. Agora, tinha um problema sério, porque o poder de escolher filme era do diretor geral. Digamos: oitenta entravam com seus pedidos de roteiro e vinte levavam. E o que acontecia: sessenta se tornavam inimigos da Embrafilmes, por que se sentiam rejeitados. A embrafilmes foi destruída por isso. Por falta de um mecanismo democrático pra escolher os longas-metragens.
Orfeu foi fotografado por Affonso Beato, assim como Deus é
Brasileiro. Deus é brasileiro foi feito em cinemascope. O filme foi praticamente storybordado por Ruy, junto a Affonso.