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Verbena Córdula Almeida (org.

POLÍTICA, CULTURA E GÊNERO:


MEIOS DE COMUNICAÇÃO E
ITINERÁRIOS DO SENTIDO
POLÍTICA, CULTURA E GÊNERO: MEIOS DE
COMUNICAÇÃO E ITINERÁRIOS DO
SENTIDO

Alisson Leandro Carmo dos Santos


Ana Flávia Silva Nery
Bárbara Carvalho Gomes
Érica Fontes Latiff
Haísa Wilson Lima
Laíse Silva Galvão
Luíse Beatriz dos Santos Bispo
Mariana de Souza Ferreira dos Santos
Ronald Souza de Jesus
Verbena Córdula Almeida (org.)

2
Copyright © Verbena Córdula Almeida (org.)

Editor (a): A. F. S. Nery

Capa: R. S. de Jesus

Política, Cultura e Gênero: Meios de Comunicação e


Itinerários do Sentido / [Verbena Córdula Almeida], [org.].
Ilhéus, 2014.
Vários Autores
221 p.

Bibliografia

ISBN-13: 978-1495218040
ISBN-10: 149521804X

Ilhéus – Bahia, 2014

3
SUMÁRIO

Apresentação..................................................06

Introdução.......................................................09

Estudos de Comunicação, Contemporaneidade

e os Lugares dos Sujeitos................................21

Mulher e Discurso na Publicidade do Renault

Sandero............................................................38

A Visibilidade Lésbica na Teledramaturgia

Brasileira: Senhora do Destino como Modelo

para um “ideal”..................................................76

Televisão, Cultura e Música: Abordagens no

programa Radiola...........................................102

Cordel Encantado e a Representação do

Nordeste na Telenovela Brasileira..................122

4
O Espelho da Política Brasileira na Revista Veja:

Denúncias de Corrupção e o Poder da

Mídia...............................................................153

Produção de Enunciados e Relações de Poder:

A “arquitetura” das Capas da Revista Veja....176

Auto Esporte e Rede Globo: Informação ou

Propaganda?..................................................200

Para não Concluir.........................................216

5
APRESENTAÇÃO

Os meios de comunicação constituem um


sistema no qual agentes ativos, com objetivos
específicos, estão constantemente engajados
em um processo de construção de significado.
Neste sentido, em vez de concebermos as
mensagens por eles produzidas e disseminadas
como um conjunto de estímulos aos quais os
indivíduos respondem, devemos pensá-las
como a arena de uma disputa simbólica
complexa sobre a qual interpretação irá
prevalecer. Neste sistema cultural encontram-se
indivíduos pensantes e a consciência política
emerge a partir da intercessão destes dois
níveis.
Nesta perspectiva, a obra “Política,
Cultura e Gênero: Meios de Comunicação e
Itinerários do Sentido” é o resultado de vários
trabalhos produzidos no Curso de Comunicação
Social – Rádio e TV da Universidade Estadual
de Santa Cruz, de autoria de estudantes e
graduados do mesmo curso, sob minha
orientação, durante os semestres letivos de

6
2011.2 e 2012.1, cujo objetivo principal é
compartilhar os diversos olhares acerca da
comunicação mediada, com vistas a suscitar
reflexões dos leitores e leitoras a respeito dos
discursos produzidos e/ou disseminados pelos
mass media.
Trata-se, sobretudo, de exercícios do
olhar crítico, o qual é imprescindível aos sujeitos
e, em particular, aos professores e estudantes
de Comunicação Social, a fim de promover e
ampliar o debate em torno das possíveis
influências que os meios de comunicação
podem exercer nas sociedades
contemporâneas, principalmente por conta do
protagonismo destes em nossas vidas.
A referida obra pretende apresentar um
panorama acerca das representações de
variadas realidades disseminadas pelos meios
de comunicação, a partir de estudos de casos,
os quais representam os modos como a mídia
retrata questões relativas à política, à cultura e
ao gênero na sociedade brasileira.
Esta coletânea apresenta algumas
percepções e, portanto, não se impõe enquanto

7
verdade incontestável. Como o próprio título já
sinaliza, trata-se de itinerários de sentidos, ou
seja, de caminhos pelos quais as interpretações
podem trilhar, o que não significa desconsiderar
outros olhares distintos – e até antagônicos –
por parte dos leitores e leitoras.
Verbena Córdula Almeida

8
INTRODUÇÃO

O ser humano sempre sentiu a


necessidade de se comunicar. Comunidades
que antecederam a escrita já registravam
mensagens nas paredes das cavernas, as
chamadas pinturas rupestres. Pesquisadores
tendem a sustentar pelo menos duas hipóteses:
uma fundada na ideia de que as pinturas teriam
sido desenhadas para representar aquilo que
aqueles indivíduos e grupos gostariam que
acontecesse, como, por exemplo, registrar
animais para atrair caça; outra se refere às
pinturas como o registro de suas ações sociais.
Independentemente de qualquer coisa, essa
dupla interpretação serve para comprovar o fato
de que as mensagens não chegam aos
indivíduos de maneira uniforme.
Com o advento da escrita e da imprensa,
a comunicação assume um caráter mais
dinâmico e complexo, não somente porque
poucos tinham a possibilidade de escrever, de
imprimir – e também de ler –, como ainda
entram em cena questões ideológicas, visto que,

9
manter o direito à informação e ao
conhecimento como domínio desses poucos
representou, além de uma estratégia, uma
questão de sobrevivência para Estados e
governantes1.
É no sentido de compreender os
processos de mediação que desde a primeira
metade do século passado teóricos vêm se
debruçando sobre questões relacionadas à
construção, à emissão e à recepção de
mensagens veiculadas nas mais variadas
mídias. Estas reflexões geraram uma série de
teorias as quais tentam explicar causas e efeitos
das emissões e recepções de mensagens
através dos veículos como jornal, rádio, cinema,
televisão e, mais recentemente, a rede mundial
de computadores, ou internet.
Estas teorias, no entanto, não esgotam as
discussões que permeiam os processos
comunicacionais, principalmente por conta do
dinamismo oriundo das transformações nas

1
Para saber mais a respeito deste assunto consultar a
obra Historia de la Propaganda, de Alejandro Pizarrozo
Quinteros. Madrid: Eudema, 1993.

10
maneiras de comunicar e também nas
configurações societárias.
Na contemporaneidade, é cada dia mais
visível que os meios de comunicação massivos
são os responsáveis pela publicização de
grande parte dos acontecimentos de ordem
política, cultural, econômica, entre outras,
assumindo um protagonismo incontestável.
Neste contexto se explica o interesse de um
número cada vez maior de estudos cujo objetivo
principal é compreender as influências desses
processos mediadores, na tentativa de detectar
de que modo e com qual intensidade essas
mediações podem afetar indivíduos e grupos; e
também as influências que estes sujeitos podem
exercer socialmente, posto que não são mais
vistos como meros receptores, mas a partir de
uma condição híbrida, qual seja, de emissores-
produtores-receptores de mensagens, sobretudo
em consequência do advento da internet.
Dentre as muitas teorias que buscam
explicar os processos de mediação levados a
cabo pelos mass media estão aquelas que
sinalizam para o caráter alienador e conferem

11
papel nocivo a estes; há, também, aquelas que
atribuem aos meios um papel democratizante2.
Os estudos sistemáticos pioneiros sobre
os meios de comunicação foram desenvolvidos
na primeira metade do século XX, nos
Estados Unidos, pelos sociólogos funcionalistas3
Paul Lazarsfeld, Harold Lasswell e Robert
Merton. Abordam a comunicação sob o ponto de
vista da organização social. Neste sentido, as
funções da comunicação seriam variadas – a
exemplo da vigilância, da integração, da
educação, do entretenimento e da normalização.
Esta corrente teórica ficou conhecida como
Escola Funcionalista ou Escola de Chicago,
segundo a qual o ato de comunicar está preso a
um esquema básico: “quem”, diz respeito ao
emissor ou comunicador, e das circunstâncias

2
A primeira vertente é classificada de “apocalíptica” e a
segunda de “integrada”. Estes termos foram cunhados
pelo teórico italiano Umberto Eco.
3
De acordo com o funcionalismo, a sociedade deve ser
considerada com um “organismo”, um sistema articulado e
interrelacionado, formado por partes, sendo que cada uma
delas desempenha função de integração e manutenção do
próprio sistema. Para os funcionalistas, os meios de
comunicação, compreendidos como emissores de
informação, têm sempre a intenção de persuadir os
receptores.

12
em que ele inicia e direciona o processo de
comunicação; “diz o quê”, refere-se à análise de
conteúdo da comunicação; “por que meio”,
sugere uma análise da mídia; “a quem”, refere-
se a uma análise das reações da recepção e,
finalmente, “com que efeitos”, que sugere uma
análise dos efeitos proporcionados pela
mensagem.
De um modo geral, a Escola de Chicago
concentrou as suas pesquisas na sociologia
funcionalista, com o objetivo de medir os efeitos
que os meios de comunicação causavam aos
indivíduos e à sociedade. De acordo com
Mattelart (2005), a sociologia funcionalista
concebe as mídias como novas ferramentas da
democracia moderna, enquanto mecanismos
decisivos de regulação das sociedades e
defende uma teoria voltada para a reprodução
dos valores do sistema social, do estado de
coisas.
De orientação marxista, a Escola de
Frankfurt4 trata os meios de comunicação como

4
Sua origem remonta aos estudos marxistas iniciados na
Alemanha, nos anos de 1920, dos quais se originou o
Instituto de Pesquisa Social, em 1924. Para os teóricos

13
fundamento principal do sistema de alienação
gerado pelo capitalismo. Conforme os
frankfurtianos, o processo de libertação
consistiria em converter os veículos de
comunicação em agentes educativos, cujo
objetivo principal seria levar a alta cultura a toda
população. Destacam-se os teóricos Theodor
Adorno, Herbert Macuse, Max Horkheimer e
Jürgen Habermas. Dentro desta corrente, na
década de 1940 o teórico Theodor Adorno
formulou o conceito de Indústria Cultural (IC),
segundo o qual a produção dos bens culturais
aconteceria da mesma forma que os produtos
industrializados. Ou seja, de acordo com ele, os
produtos culturais estariam sendo produzidos no
mesmo esquema organizacional de uma
empresa fabricante de automóveis: produtos
padronizados, feitos em série. Esta percepção
põe a produção cultural imersa em uma lógica

desta corrente de pensamento, a ciência, a tecnologia e o


conhecimento, vistos pelos pensadores modernos como
possibilidade de diminuir as mazelas do mundo, perderam
a validade, posto que o capitalismo monopolista
neutralizou a dimensão emancipatória da razão Iluminista
dando lugar à sua dimensão pragmática a serviço do
poder dominante e da sociedade industrial.

14
de deterioração da cultura5, posto que a
conversão desta em mercadoria provocaria sua
desvalorização e consequente declínio.
Conforme o que postularam os teóricos
Adorno e Horkheimer, os meios de comunicação
apresentam um perfil de alienação e
entretenimento, sem deixar margem à reflexão
sobre as coisas. Para eles a Indústria Cultural
padroniza, pelo consumo, gostos e preferências.
De acordo com esses dois teóricos, a IC é tão
poderosa e eficiente que os indivíduos não
percebem a manipulação, o que contribui para a
incapacidade das pessoas de julgar e de decidir
conscientemente.
Adorno e Horkheimer utilizaram pela
primeira vez a expressão Indústria Cultural no
livro Dialética do Esclarecimento. O objetivo era
criar um conceito e estabelecer uma oposição
ao termo cultura de massas, que no capitalismo

5
Quando se referem à cultura os teóricos da Escola de
Fankfurt o fazem não considerando as práticas, hábitos ou
modos de vida, mas identificam-na com arte, filosofia,
literatura e música. Para saber mais, ver: ORTIZ, Renato.
A Escola de Frankfurt e a questão da cultura.
Disponívelem:<http://www.piratininga.org.br/images/ORTI
Z_Renato_A_ESCOLA_DE_FRANKFURT_E_A_QUESTA
O_DA_CULTURA.pdf>.

15
havia tido seu aspecto descaracterizado. Para
eles, a cultura de massas já não tinha
correspondência com o seu conceito, ou seja, a
partir da sua apropriação pelo capital passou a
ser vista ou trabalhada como uma mercadoria.
O conceito de Indústria Cultural formulado
pelos frankfurtianos, embora aceito por uma
quantidade considerável de estudiosos da
comunicação, também é rechaçado por outros,
como o teórico italiano Umberto Eco, para quem
a referida conceituação atribui um “caráter
divino” ao que busca criticar, isto é, ao poder
hegemônico. Eco critica os frankfurtianos e a
eles atribuiu o rótulo de “apocalípticos”, por
considerar catastrófica a visão desta escola
acerca da cultura de massas.
Outra corrente bastante emblemática, os
Estudos Culturais, ou Cultural Studies,
originados da Escola de Brimingham, na
Inglaterra, defende que os meios de
comunicação devem ser vistos a partir de uma
perspectiva cultural. Para os teóricos desta
linha, os indivíduos são considerados parte
integrante de uma via dupla: produtores e

16
consumidores, ao mesmo tempo. Também de
orientação marxista, mas centrada na cultura
das classes subalternas – mulheres,
trabalhadores, imigrantes, minorias de um modo
geral –, a Escola de Brimingham tem como foco
principal os processos de resistência à cultura
dominante. Entre os teóricos destacam-se
Raymond Williams, Stuart Hall, Homi Bhabha,
entre outros, cujos estudos se centram nos
aspectos culturais dentro de uma perspectiva
emancipatória.
Os teóricos desta escola consideram que
a cultura de massa é mais criativa do que
pensaram e pensam seus críticos. Para eles, os
consumidores, em vez de passivos, são ativos,
criativos e críticos, posto que se apropriam e
transformam esses objetos de consumo. O
consumo não é visto como reprodução de força,
mas, sobretudo, como produtor de sentidos. O
impacto desta corrente teórica se fez bastante
forte nas ex-colônias britânicas, tendo
influenciado muitos teóricos latino-americanos,
principalmente Jesús Martín Barbero e Néstor
García Canclini. Este, por exemplo, na obra

17
Consumidores e Cidadãos: Conflitos
Multiculturais da Globalização (2005), afirma,
entre outras coisas, que o consumo não deve
ser encarado sob a perspectiva da inutilidade e
da irracionalidade, mas como espaço que serve
para pensar. E sobre os meios de comunicação
ressalta que seria cegueira ver apenas as
manipulações nos materiais difundidos pela
mídia porque, conforme ressalta, as emissões e
recepções são heterogêneas.
Essas escolas e tendências - bem como
outras às quais não nos referimos - contribuíram
e contribuem para reflexões em torno dos
fenômenos da comunicação na sociedade
contemporânea, subsidiando inúmeros debates
acerca das influências dos meios massivos de
comunicação nas mais diversas sociedades.
Aqui, no entanto, não apontamos para o
seguimento de nenhuma das abordagens
mencionadas. Seus autores e autoras, através
dos textos que construíram, propõem reflexões
que podem direcionar os leitores a adotar suas
próprias conclusões acerca dos processos de
mediação. As reflexões aqui contidas

18
apresentam alguns ângulos de análise que,
embora revelem determinadas interpretações,
não a concebem como únicas. Até porque
acreditamos na autonomia e na capacidade
reflexiva dos sujeitos.
A presente obra analisa mediações
realizadas através de produtos de
entretenimento, de publicidade, de
teledramaturgia e de jornalismo impresso, a
partir de abordagens que dão conta de
discussões relativas a gênero, a cultura e a
política. Antes, porém, apresenta um capítulo
acerca da comunicação na sociedade
contemporânea e sua relação com os sujeitos
sociais.
Os textos contidos na maioria dos
capítulos são o resultado de análises de
conteúdos, portanto abordagens qualitativas.
Estas, por sua vez, estão permeadas por
elementos oriundos da teoria do framing6, bem

6
O objetivo da teoria do framing (enquadramento) é dar
respostas ao modo como os sujeitos compreendem seu
entorno e lhe atribuem sentidos. Esta teoria se consolida
cada vez mais no campo dos estudos dos meios de
comunicação e se baseia em questões de natureza
cognitiva e interpretativa, originada da sociologia. No

19
como dos estudos sobre discurso, os quais
funcionam como fios condutores das reflexões
propostas por cada autor(a).

campo da comunicação Maxwell McCombs e Donald


Shaw utilizaram o frame em seus estudos na década de
1970 y Tod Gitlin foi o primeiro a analisar o uso dos
enquadramentos pelos mass media e sua repercussão na
ação coletiva. In: SÁDABA, Teresa. Framing. El encuadre
de las noticias. El binomio terroriso-medios, Buenos Aires,
La Crujía, 2007.

20
ESTUDOS DE COMUNICAÇÃO,

CONTEMPORANEIDADE E OS LUGARES

DOS SUJEITOS

Verbena Córdula Almeida

A dinamicidade dos processos


comunicacionais tem alterado significativamente
as configurações societárias. Desde as
primeiras pinturas rupestres até os mais
recentes desenvolvimentos tecnológicos que
envolvem o ato de comunicar nas mais variadas
sociedades, a comunicação tem assumido um
protagonismo tal que não seria exagero afirmar
que esta se tornou, na contemporaneidade,
condição sine qua non da existência societária.
E foi a partir do advento da palavra impressa
que o ser humano passou a efetivar cada vez
mais a abrangência da capacidade de
comunicar, o que fez ampliar, de modo
gradativo, sua dependência dos meios de
comunicação.

21
O advento da imprensa no Ocidente
representou, no século XV, um avanço
tecnológico significativo para o processo de
dinamização da comunicação humana. A
ampliação do uso da imprensa possibilitou o
desenvolvimento de um fluxo informativo cada
vez maior e mais importante, através da
produção em série de livros e de outros
materiais, tais como folhas volantes e
posteriormente os jornais, que se tornaram cada
vez mais presentes na vida cotidiana das
pessoas.
A tecnologia de impressão alterou
radicalmente não apenas o processo
comunicativo de uma considerável parcela de
seres humanos, mas causou transformações de
caráter político, social e cultural, tais como a
criação de folhetos propagandísticos para uma
circulação mais efetiva, a criação de línguas
nacionais7 e, sobretudo, a ruptura de uma
tradição oral.

7
Entre outras coisas, o triunfo da imprensa representou a
consolidação de línguas vulgares, o que significava uma
“democratização” (grifo do autor), mas também uma
“provincialização” (grifo do autor). Mas se consolidaram

22
No decorrer dos séculos outras
tecnologias também contribuíram de modo
significativo para alterar não apenas o processo
comunicacional em diversas sociedades, mas as
configurações societárias: o rádio, o cinema e a
televisão, que não substituíram a cultura
impressa, mas serviram para complementá-la,
de maneira a dinamizar ainda mais as formas de
comunicação humana. Esse processo foi
“coroado” com o advento da internet, no século
passado, a mais recente “revolução” tecnológica
do campo da comunicação que vem alterando
de maneira muito veloz as formas de comunicar
das sociedades contemporâneas.
Levando-se em conta esse processo de
transformação pelo qual vem passando as
sociedades do ponto de vista comunicacional é
que, no mundo contemporâneo, marcado pela
predominância dos mass media, é improvável

somente algumas delas, sendo convertidas em línguas


nacionais, tirando de cena definitivamente outras que, por
razões políticas, não foram favorecidas pela nova técnica.
Por exemplo, na França, Francisco I proibiu qualquer
impressão que não fosse em francien (dialeto parisiense).
Isso ocorreu com muitos outros dialetos que coexistiam
naquele território. Para maiores detalhes consultar a obra
de Alejandro Pizarrozo Quinteros, Historia de la
Propaganda. Madrid: Eudema, 1993.

23
pensar o processo de sociabilidade sem a
participação destes.
Cotidianamente registra-se um esforço
cada vez maior de indivíduos e grupos no
sentido de obter acesso às tecnologias capazes
de facilitar os processos comunicativos e a
aquisição de informações. Mas, que tipo de
informações está à disposição dos sujeitos nas
sociedades contemporâneas? Ela dá conta da
diversidade existente?
Na década de 40 do século passado o
teórico Paul Lazarsfeld já ressaltava a existência
de um “bombardeio” de informações que, de
acordo com ele, levava a maioria dos sujeitos ao
allheamento. Para Lazarsfeld, o crescente fluxo
de informação não favorecia a participação ativa
do público, mas levava a uma atitude passiva
deste, porque criava uma falsa ideia de
informação, quando na realidade havia uma
desinformação, causada pelo que classificou
como “disfunção narcotizante”.
Os variados estudos sobre os meios de
comunicação, no entanto, apresentam teorias
que sugerem uma gama de direcionamentos

24
para analisar os processos de construção e de
recepção das mensagens. Neste sentido,
considerar os esquemas organizacionais, as
ideologias (hegemônicas ou não) pode
proporcionar uma discussão interessante com o
objetivo de compreender as teias de relações
que perpassam os processos comunicacionais
nas sociedades contemporâneas. Mas, será que
apenas isso é o suficiente? Não haveria outras
variáveis interferindo nessa complexa relação
entre os conteúdos disseminados pelos mass
media e os prováveis impactos causados por
estes nos mais variados contextos sociais?
Se a resposta a essas questões for
positiva, dever-se-á considerar, então, que tanto
as teorias que atribuem aos meios de
comunicação um poder incontestável de alienar
os sujeitos ou aquelas que advogam o seu
caráter democratizante se constituem como
incompletas, pois não dão conta da
complexidade que permeia os processos
comunicacionais nas sociedades
contemporâneas ou pós-modernas como se
queira conceituar.

25
Diferentemente das certezas apregoadas
pela Modernidade, baseadas na convicção de
que a humanidade poderia tomar conta do seu
destino através da ciência, a chamada Pós-
Modernidade8 aponta para a complexidade, para
a diversidade e multiplicidade dos fenômenos,
sejam eles sociais, econômicos, culturais ou
políticos.
A diversidade e a multiplicidade dos
fenômenos sociais, econômicos, culturais,
políticos, entre outros que os indivíduos e
grupos vivenciam na contemporaneidade
revelam a urgência de se encarar as sociedades
baseadas em múltiplas relações, “por meio das
quais os indivíduos e os grupos se expressam e
se formam” (IANNI, 2000, p.112); porque as
sociedades pós-modernas se constituíram como
sociedades da comunicação globalizada,
conforme Vattimo apud Droguett (2002, p. 24-
25) marcada “pela importância capital dos meios
de comunicação […]”. Assim, é imprescindível

8
Vários teóricos se debruçaram sobre este tema. Como
exemplos, temos Frederic Jameson, autor de Pós-
Modernismo; David Harvey, que escreveu Condição
pós-moderna e Zygmunt Bauman, autor de Modernidade
Líquida.

26
pensar a comunicação também a partir de
multiplicidade de códigos, pois não há como
ignorar o seu caráter polissêmico.
Se considerarmos a visão de Milton
Santos (2002) segundo a qual as ideias de
mundo podem frutificar proporcionalmente às
diferenças existentes entre as pessoas, é
importante compreender a comunicação como
um ponto de cruzamento entre realidades
distintas, porque, de acordo com o próprio Milton
Santos (2006) o cotidiano implica em uma busca
constante por política que resulte em uma
convergência de múltiplos interesses. Afinal,
conforme Santos, ainda que a globalização
anuncie uma homogeneização empobrecida, a
vida cotidiana demonstra o contrário: a
diversidade.
Ao se pensar nesta perspectiva,
considerando o fato de a comunicação se
configurar cada vez mais como um lugar
estratégico no social, no econômico, no político,
entre outros espaços, é importante a discussão
em torno dos fatores diretamente ligados a ela.
Sem esta visão é impossível alcançar a

27
produção de um conhecimento capaz de fazer
frente aos desafios que representam os avanços
tecnológicos neste campo e tantas outras
transformações deles decorrentes, responsáveis
por alterar o esquema básico emissor-receptor,
de modo a possibilitar diversos processos
comunicativos mais complexos. Implica pensar a
comunicação a partir de uma perspectiva
também de multiplicidade de códigos
comunicativos. Para isso é imprescindível
considerar a heterogeneidade de pensamentos
e manifestações quando se busca compreender
os processos comunicativos nas sociedades
contemporâneas.
Da mesma forma como Hall (2006)
destaca que a globalização tem como efeito
deslocar e contestar as identidades centradas e
fechadas e que, portanto, tem “efeito
pluralizante” (grifo nosso) sobre as identidades –
considerando-se aí uma série de variáveis tais
como etnia, gênero, nacionalidades, etc. –,
nesta mesma perspectiva pode-se pensar a
comunicação. Ou seja, a partir de uma visão
polissêmica, já que, conforme Dominique Wolton

28
(2005), “a informação é a ponta emergente
desse iceberg que é a sociedade democrática”
(p. 24).
É importante pensar, também, a respeito
das condições políticas, econômicas e culturais
que levaram os meios de comunicação a
funcionar em sua configuração atual e,
concomitantemente, refletir acerca de como as
sociedades e os indivíduos influenciam e são
influenciados (política, social, cultural,
econômica e até mesmo psicologicamente) por
essa comunicação contemporânea.
Do ponto de vista econômico, por
exemplo, a comunicação foi convertida em um
negócio muito rentável, gerando cifras
bilionárias, superando outras indústrias de
setores diversos da economia de muitos países.
Essa questão consta no Relatório MacBride9,
publicado há mais de 30 anos. Diz o documento,

9
Este documento foi redigido por uma comissão da
UNESCO, presidida pelo irlandês Sean MacBride, com o
objetivo de analisar problemas da comunicação no mundo
e sugerir ações visando a solução destes problemas. O
relatório é conhecido sob o título Um Mundo e Muitas
Vozes e foi publicado em 1980.

29
entre outros fatores relativos à questão
econômica ligada aos meios de comunicação
que “[...] os orçamentos de publicidade
alcançam cifras de seis dígitos e os meios
massivos estabeleceram conexões entre eles
mesmos ou com outras indústrias para formar
enormes conglomerados” (p.132).
Do ponto de vista político, tem-se, entre
outros fatores, a fragilidade ou ausência de
participação do público na administração e na
decisão de questões relacionadas à
comunicação, o que implica em dificuldades
para o processo de equidade no acesso à
informação. Sobre esta questão o Relatório
MacBride também se refere e pontua que “o
direito à comunicação não recebe ainda seu
conteúdo pleno e sua formulação final. Longe de
ser um princípio bem estabelecido, como alguns
sustentam, ainda estão por explorar suas
implicações plenas” (p. 150).
Também é possível nos referir a questões
culturais. Considerando que a comunicação
massiva forma parte da cultura e, ao mesmo
tempo, exerce influências sobre as culturas nas

30
quais está inserida, pode atuar em dois
sentidos: reforçar o poder da elite dominante
através da exclusão das minorias, ou colaborar
no sentido de estabelecer um equilíbrio.
Os exemplos acima citados demonstram
que os estudos sobre a comunicação devem,
pois, buscar uma interpretação das práticas
comunicativas permanentes, ademais das
inovações que acontecem de modo acentuado e
acelerado; devem objetivar a recondução da
influência dos meios de comunicação dentro de
uma rede de outras influências sociais
complexas, evitando encarar o campo
comunicativo de modo funcional, como o fez a
Escola Funcionalista. É necessário interpretar o
fenômeno comunicativo como resultante de uma
configuração cultural bastante complexa,
corroborando com o que afirmam Barros Filho e
Sá Martinho (2003):

O principal elemento não é a


circulação isolada de uma
determinada mensagem, mas
a construção social do
significado que lhe é atribuído
e constantemente retrabalhado
pelos elementos constitutivos

31
da ação. A comunicação se
origina dentro de instituições –
os meios de comunicação [...].
O princípio de circulação de
um determinado bem cultural
obedece assim a princípios
homólogos aos da troca de
mercadorias, mas com a
decisiva ressalva de que há
etapas (p. 217).

Na visão desses autores, todo sistema


representativo e de significados está
diretamente ligado a uma multiplicidade de
fatores; afirmam, também, que a definição
arbitrária das formas de conhecer não passa
unicamente pela prerrogativa do produtor, mas,
da mesma forma, por uma determinação do
senso comum e dos subsistemas de
conhecimento e reconhecimento de mensagens.
Barros Filho e Sá Martino (2003)
advogam um caminho “contrário das premissas
frankfurtianas de atribuição de todo o poder de
dominação de uma Indústria Cultural mais ou
menos definida como detentora do monopólio de
atribuição de sentido aos fatos e mensagens” (p.
218). Eles ressaltam ainda a necessidade de se
atentar para o fato de que “os Estudos Culturais

32
apontam para novas formas de distribuição de
significados na forma de construção de um
complexo modelo de competências específicas
adquiridas no curso de uma trajetória social [...]”
(p. 218).
O advento da internet e a ampliação cada
vez maior do acesso por uma quantidade
significativa de sujeitos são outros fatores que
deve ser considerado nos processos analíticos
que envolvem a comunicação de massa. Há
muitos exemplos de iniciativas de indivíduos e
de grupos que se apropriam da internet como o
objetivo de empoderamento, como o portal
Indios Online10, classificado por seus
idealizadores como um canal dirigido ao diálogo
intercultural com o objetivo de facilitar a

10
Para acessar Indios Online ir a:
<http://www.indiosonline.net/>. Sobre o portal ver também:
ALMEIDA, Verbena Córdula. Internet, demandas
culturales y minorias em Brasil: Resistencia y voz activa
en Indios On Line y Central Hip Hop. Revista Diálogos de
la Comunicación, nº 86, ene-jul 2013. Disponível em:
http://www.dialogosfelafacs.net/wp-
content/uploads/2013/01/86_Revista_Dialogos_INTERNE
T_DEMANDAS_CULTURALES_y_MINORiAS_EN_BRASI
L.pdf.

33
informação e a comunicação para vários povos
indígenas e para a sociedade em geral.
De acordo com Manuel Castells (1997), a
sociedade da informação se destaca porque
conta com uma forma específica de organização
social, na qual as novas tecnologias propiciam
que as fontes fundamentais da produtividade e o
poder estejam na geração, no processamento e
na transmissão da informação. E, analisando a
partir desta perspectiva, é possível afirmar que a
internet se configura como suporte fundamental
ao possibilitar uma desverticalização do
processo emissão-recepção. A rede vem
favorecendo a participação ativa de variados
indivíduos e grupos no processo de produção e
circulação de mensagens, como é o caso dos
indígenas, através do portal a respeito do qual já
nos referimos anteriormente. Nesta linha de
pensamento pode-se inferir que a comunicação
midiática deve ser refletida a partir de um
processo de questionamento particular, ou seja,
aquele referente ao estatuto do sujeito nos
variados espaços que ele ocupa: como produtor,

34
como ator ou como espectador, conforme
assinala Marcos (2005).
Concordamos com esta perspectiva
porque, se consideramos o fato de os meios de
comunicação serem operados de maneira a
atribuir a condição de homogeneidade ao
público a que se destina, “o modo de
transmissão desse processo de comunicação
tende a aumentar a margem de
imponderabilidade da informação que é
transmitida e que escapa ao controle da
intencionalidade do ato comunicativo”
(SANTAELLA, 2003, p. 33).
É, portanto, imprescindível pensar a
comunicação a partir das complexidades que
perpassam as sociedades contemporâneas,
caracterizadas, entre outras coisas, por
ambientes de disputas, de hibridismo cultural,
pela mistura de códigos e processos sígnicos.
Ou seja, o processo de comunicação não deixar
de incluir discussões pertinentes a questões
culturais, políticas, linguísticas, étnicas, de
gênero, entre outras. Estas devem ser pautas
prioritárias se queremos começar a

35
compreender as teias cotidianas tecidas nas
mais diversas sociedades no que se refere aos
processos de mediação realizados pelos meios
de comunicação contemporâneos.

REFERÊNCIAS

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habitus na comunicação. São Paulo: Paulus, 2003.

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Editorial, 1997.

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São Paulo: Arte & Ciência, 24-25, 2002.

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Modernidade. (Tradução Tomaz Tadeu da Silva e
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no contexto dos novos mídia”. Biblioteca Online

36
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Disponível em: < http://www.bocc.ubi.pt/pag/marcos-
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SANTAELLA, Lúcia. Cultura das mídias. São Paulo:


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SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do


pensamento único à consciência universal. Rio de
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tempo, razão e emoção. 4 ed. 2 reimpressão. São
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WOLTON, Dominique. Salvemos la Comunicación.


Aldea global y cultura.Una defensa de los ideales
democráticos y de la cohabitaión mundial. Barcelona:
Gedisa, 2005.

37
MULHER E DISCURSO NA PUBLICIDADE DO

RENAULT SANDERO

Ana Flávia Silva Nery

Os estudos referentes às relações de


gênero se tornaram cada vez mais frequentes
na sociedade contemporânea porque tanto a
mulher quanto o homem estão redefinindo as
suas identidades e funções sociais, enraizadas
pelo patriarcado. A “crise de identidade”,
defendida por Hall (2006), sinaliza para o fato de
que, no mundo pós-moderno, as antigas e
estruturadas identidades estão em declínio,
possibilitando o surgimento de novas e
fragmentadas identidades – antes tidas como
unificadas.
As relações de gênero são caracterizadas
pelas divergências e convergências entre os
sexos em um meio social. Neste caso, a
diferenciação biológica não é levada em
consideração, pois tais estudos se referem às
construções culturais e sociais. De acordo com
Cabral e Diaz (1999), tais relações são

38
consequências de um processo contínuo de
aprendizado que ressalta as diferenças sociais
entre homens e mulheres.

O papel do homem e da mulher


é constituído culturalmente e
muda conforme a sociedade e
o tempo. Esse papel começa a
ser construído desde que o(a)
bebê está na barriga da mãe,
quando a família de acordo à
expectativa começa a preparar
o enxoval de acordo ao sexo.
Dessa forma, cor de rosa para
as meninas e azul para os
meninos. Depois que nasce um
bebê, a primeira coisa que se
identifica é o sexo: “menina ou
menino” e a partir desse
momento começará a receber
mensagens sobre o que a
sociedade espera desta
menina ou menino. Ou seja,
por ter genitais femininos ou
masculinos, eles são
ensinados pelo pai, mãe,
família, escola, mídia,
sociedade em geral, diferentes
modos de pensar, de sentir, de
atuar (p. 1).

Françoise Héritier (1996, apud GROSSI,


1999) afirma que o gênero se constrói a partir da
relação social entre homem/mulher. A

39
propagação de pensamentos ideológicos,
historicamente determinados, que afirmavam a
diferença sexual como forma de delimitar as
funções de cada um na sociedade, foi uma das
causas que incentivou a pesquisa teórica nesse
campo das ciências sociais.

Por “gênero”, eu me refiro ao


discurso sobre a diferença dos
sexos. Ele não remete apenas
a ideias, mas também a
instituições, a estruturas, a
práticas cotidianas e a rituais,
ou seja, a tudo aquilo que
constitui as relações sociais. O
discurso é um instrumento de
organização do mundo, mesmo
se ele não é anterior à
organização social da
diferença sexual. Ele não
reflete a realidade biológica
primária, mas ele constrói o
sentido desta realidade. A
diferença sexual não é a causa
originária a partir da qual a
organização social poderia ter
derivado; ela é mais uma
estrutura social movediça que
deve ser ela mesma analisada
em seus diferentes contextos
históricos (SCOTT, 1998 apud
GROSSI, 1999, p. 5).

40
Relatos históricos afirmam que as
primeiras civilizações viviam sob um regime
matriarcal, ou seja, eram as mulheres que
obtinham a capacidade máxima de influenciar o
meio social. O surgimento desse tipo de
comunidade ocorreu devido ao fato de as
mulheres – juntamente com os filhos – serem
responsáveis pelas colheitas, enquanto o
homem saía para caçar. A ausência prolongada
desses homens diminuía seus poderes de
influência social, passando esta incumbência
para as mulheres. Além disso, a crença em uma
divindade feminina também reforçava os valores
matriarcais. A Deusa-mãe, ou Mãe Terra,
simbolizava a fertilidade e a natureza, elementos
essenciais para a sobrevivência da sociedade.
De acordo com Engels, em sua obra A origem
da Família, da propriedade privada e do Estado
(1991):

Uma das idéias (sic) mais


absurdas que nos transmitiu a
filosofia do século XVIII é a de
que na origem da sociedade a
mulher foi escrava do homem.
Entre todos os selvagens e em

41
todas as tribos que se
encontram nas fases inferior,
média e até (em parte) superior
da barbárie, a mulher não só é
livre como, também, muito
considerada. Artur Wright, que
foi durante muitos anos
missionário entre os iroqueses-
senekas, pode atestar qual é a
situação da mulher, ainda no
matrimônio sindiásmico: "A
respeito de suas famílias, na
época em que ainda viviam
nas antigas casas-grandes
(domicílios comunistas de
muitas famílias) . . .
predominava sempre lá um clã
(uma gens) e as mulheres
arranjavam maridos em outros
clãs (gens) . . . Habitualmente
as mulheres mandavam na
casa; as provisões eram
comuns, mas - ai do pobre
marido ou amante que fosse
preguiçoso ou desajeitado
demais para trazer sua parte
ao fundo de provisões da
comunidade (ENGELS, 1991,
p. 50-51).

O matriarcalismo sobreviveu até o


surgimento da noção de Estado, que ocasionou
sucessivas lutas e guerras entre as tribos pela
posse das terras. As sociedades assim
passaram a se organizar de acordo com os que

42
lhes davam proteção e alimento. Neste
momento, o clamor a deuses fortes e corajosos
substituiu a devoção à deusa, antes venerada.
O patriarcalismo então passou a ser o modelo
vigente de poder social, no qual o homem
obteve todo o poder e influência dentro de uma
sociedade. A hierarquia e a subordinação dos
outros são características básicas do sistema
patriarcal. Neste momento, o homem – tido
como superior – passou a ser visto como um ser
inquestionável, cujas decisões deviam ser
acatadas por todos.
A subordinação e a hierarquia se
tornaram características básicas do novo
sistema. Stearns (2012) relata que alguns
historiadores defendem a teoria de que a rígida
proibição ao adultério feminino tinha a
intencionalidade de garantir que os filhos de
uma mulher fossem do marido, pois, “[...] Dada a
importância da propriedade em sociedades
agrícolas [...], os homens sentiam necessidade
de controlar a herança de gerações futuras, e
isso começou regulando a sexualidade das
esposas” (p. 32).

43
No período medieval, as concepções e
percepções sobre o gênero feminino, assim
como o comportamento da sociedade de um
modo geral foram estabelecidos a partir dos
Eclesiásticos11. Às mulheres não lhes eram
concedidos direitos político ou jurídicos.
Ademais, quase sempre elas nem podiam
expressar seus pensamentos. A predominância
do teocentrismo12 impunha que a mulher
estivesse diretamente subjugada à Igreja, à
família e ao marido. A figura feminina ainda era
vista como pecadora, tentadora, íntima de
Satanás e, por isso, lhe eram atribuídos todos os
males. Tanto foi assim que a Inquisição dedicou
especial atenção às mulheres. Dentro desse
contexto, muitas eram chantageadas, obrigadas
a manter relações sexuais com clérigos sob a
ameaça de serem queimadas vivas.
A partir da Revolução Francesa uma
pequena ruptura do pensamento patriarcal
ocorreu, já que os ideários franceses visavam

11
Eclesiásticos – Monges ou prelados seculares que
tinham a obrigação de pensar a humanidade, a sociedade
e a Igreja, de orientá-las no plano da salvação.
12
A concepção segundo a qual Deus está no centro de
tudo.

44
igualdade, liberdade e fraternidade entre todos
dentro de uma mesma sociedade. Mas foi a
Revolução Industrial que incorporou a mulher ao
mundo da fábrica e do trabalho remunerado. A
partir dessa conquista as mulheres passaram a
atuar na sociedade de forma mais significativa.
Todavia, mesmo nesse âmbito, a subordinação
ao homem continuava, pois exerciam funções
semelhantes e ganhavam salários muito
inferiores. Alguns relatos dão conta de que as
diferenças salariais chegavam à casa dos 60% a
menos e, por conta disso, a indústria –
principalmente a têxtil que era majoritária –
substituía o trabalho do homem pelo da mulher
em épocas de crise, como forma de baratear os
custos. Esse fato contribuiu sobremaneira para
que o gênero feminino fosse inserido,
definitivamente, no mercado de trabalho. A partir
de então muitos conflitos foram gerados entre os
gêneros, pois a maioria dos homens
substituídos sentira-se ameaçada e acusava as
mulheres de roubarem seus espaços. Mesmo
com esta “brecha” que o mundo do trabalho
acabava de abrir, a mulher continuou taxada

45
como inferior e incapaz, quase sempre vista
como aquela cujo principal dever era procriar e
cuidar dos filhos.

Hoje, na maioria dos casos, é o


homem que tem que ganhar os
meios de vida, alimentar a
família, pelo menos nas
classes possuidoras; e isso lhe
dá uma posição dominadora,
que não exige privilégios legais
especiais. Na família, o homem
é o burguês e a mulher
representa o proletário. No
mundo industrial, entretanto, o
caráter específico da opressão
econômica que pesa sobre o
proletariado não se manifesta
em todo o seu rigor senão
quando suprimidos todos os
privilégios legais da classe dos
capitalistas e juridicamente
estabelecida a plena igualdade
das duas classes. A república
democrática não suprime o
antagonismo entre as duas
classes; pelo contrário, ela não
faz senão proporcionar o
terreno no qual o combate vai
ser decidido. De igual maneira,
o caráter particular do
predomínio do homem sobre a
mulher na família moderna,
assim como a necessidade e o
modo de estabelecer uma
igualdade social efetiva entre
ambos, não se manifestarão

46
com toda a nitidez senão
quando homem e mulher
tiverem, por lei, direitos
absolutamente iguais. Então é
que se há de ver que a
libertação da mulher exige,
como primeira condição, a
reincorporação de todo o sexo
feminino à indústria social, o
que, por sua vez, requer a
supressão da família individual
enquanto unidade econômica
da sociedade (ENGELS, 1991
p. 80).

Apesar da predominância do homem


enquanto dominador na maioria das sociedades,
ao se realizar um retrospecto histórico é possível
constatar a existência de figuras femininas que
se destacaram na vida política e social, como os
exemplos de Budica, rainha celta que liderou um
levante contra as forças romanas que invadiram
a Bretanha no reinado de Nero, e Cleópatra,
rainha africana que reinou no Egito, ambas na
Antiguidade. Cleópatra, no entanto,
normalmente é retratada como aquela que
“despertou paixões” entre os homens, sendo
dois deles os mais destacados: o Imperador
romano Júlio Cesar, com quem teve um filho,

47
Ptolomeu, mais conhecido como “Cesarião”, ou
pequeno César; e mais tarde Marco Antônio, um
dos administradores da Antiga Roma, casado e
pai de uma filha. Mesmo com perfil de mulher
forte, governante, a rainha do Egito também foi
alvo do preconceito machista, sempre vista
como uma mulher bonita e sedutora. Cleópatra
foi o oposto da maioria das mulheres da
Antiguidade, mas, mesmo assim, até hoje
geralmente as referências a ela relacionadas a
tratam a partir da perspectiva de “mulher fatal”.
É interessante notar, no entanto, que o
sistema patriarcal não estabeleceu regras
apenas para as mulheres, ficando os homens
também “presos” a um perfil característico que
delimitava o que fazer e como agir perante a
sociedade.

Os homens,
independentemente da
personalidade de cada um,
deveriam assumir seus papéis
de dominantes. Deviam evitar
mimar as mulheres,
especialmente em público.
Com frequência, precisavam
estar prontos a assumir
deveres militares ou de outro

48
tipo de liderança e, em
princípio, eram evidentemente
responsáveis pela
sobrevivência econômica da
família (STEARNS, 2012, p.
34).

De acordo com o que ressalta Stearns no


parágrafo acima, é fato que o patriarcado
subjugou a figura feminina, mas também é
incontestável que este também afetou a figura
masculina, posto que definiu certos atributos de
masculinidade.

2. Mulheres e direitos iguais

No processo histórico das lutas em favor


dos direitos iguais entre os gêneros, o
13
feminismo surge e pode ser definido como um
movimento sociopolítico, teórico e intelectual em
defesa do reconhecimento e ampliação dos
direitos da mulher perante a sociedade, de

13
Assim como os movimentos estudantis, antibelicistas,
raciais, juvenis, entre outros, o feminismo compõe o grupo
dos “novos movimentos sociais”, que ganharam força a
partir da década de 1960.

49
modo a contribuir para uma igualdade de
participação social entre os sexos.

[...] a humanidade estruturou


seus modos de vida
considerando que esses seres
de corpos diferentes deveriam
ser tratados de forma também
diferente e, nesse particular,
opostos e assimetricamente
desiguais. Sobre a diferença
biológica (corpo), portanto,
estrutura-se uma diferença
cultural (simbólica) construída
na ação humana de
apropriação e transformação
da natureza. (DIAS, 2003, p.
16).

O movimento feminista vem buscando


desconstruir a ideologia segundo a qual as
diferenças biológicas entre homens e mulheres
são imprescindíveis para que ocorra uma
desigualdade de direitos sociais e uma
consequente subordinação de um sobre o outro.
A publicação do livro O Segundo Sexo (1949),
de Simone de Beauvoir, foi considerada um
marco para o movimento feminista, já que, a
situação da mulher na sociedade foi analisada.

50
A autora apregoa que a hierarquização dos
sexos não passava de uma construção social e
ideológica, determinada pelo pensamento
patriarcal vigente.
Este pensamento, de acordo com Stearns
(2012), nasce a partir do surgimento do sistema
agrícola nas comunidades primitivas – antes
baseadas economicamente na caça e na coleta,
nas quais homens e mulheres possuíam
atividades que se complementavam na
manutenção da subsistência –, pois, naquele
momento, a obtenção do alimento se tornou
mais segura, ocasionando, entre outros fatores,
uma maior taxa de natalidade feminina. Deste
modo, os homens se tornaram responsáveis
pelo cultivo e pelo sustento da família.

[...] Os homens agora eram


responsáveis, em geral, pela
plantação; a assistência
feminina era vital, mas cabia
aos homens suprir a maior
parte dos alimentos. A taxa de
natalidade subiu, em parte
porque os suprimentos de
alimentos se tornaram um
pouco mais seguros, em parte
porque havia mais condições
de aproveitar o trabalho das

51
crianças. Essa foi
provavelmente a razão
principal de os homens
assumirem a maior parte das
funções agrícolas, já que a
maternidade consumia mais
tempo. Dessa forma, as vidas
das mulheres passaram a ser
definidas mais em termos de
gravidez e cuidados de
crianças. Era o cenário para
um novo e penetrante
patriarcalismo. (STERNS,
2012, p. 32).

O patriarcado foi responsável pela relação


desigual de poder que os homens tinham com
as mulheres, estabelecendo,
consequentemente, mecanismos de proibição e
censura a estas. Um exemplo disto ocorreu na
China Imperial onde as mulheres possuíam os
pés enfaixados e atrofiados com a finalidade de
dificultar o caminhar14.

14
Para saber mais sobre o patriarcado, consultar:
STEARNS, Peter N. História das relações de gênero.
Tradução: Mirna Pinsky. 2 ed. São Paulo: Contexto, 2012.

52
No Brasil, os movimentos feministas se
intensificam a partir da década de 1970,
paralelamente aos movimentos sindicais. Antes
disso, porém, à luz dos acontecimentos
revolucionários que estavam ocorrendo na
Europa e nos Estados Unidos em relação às
mulheres no século XIX, algumas brasileiras
também começaram – de maneira contida – a
questionar as suas posições na sociedade. Tais
manifestações iam de encontro à postura
conservadora da sociedade, que excluía a
mulher de exercer seus direitos públicos, e
reservava ao gênero feminino uma condição de
subordinação em relação ao homem. Vale
salientar que na primeira Constituição
Republicana brasileira, de 1891, um artigo
concedia o direito de voto para as mulheres,
porém, foi posteriormente retirado, pois se
acreditava que a política era uma prática
desonrosa para a figura feminina.
Mas somente com a Constituição Federal
de 1988 as brasileiras conquistaram igualdade
jurídica. Apesar disso, até hoje o pensamento
machista, advindo do patriarcalismo, ainda é

53
bastante presente no imaginário social.
Inclusive, apesar da luta constante para a
aquisição da igualdade de direitos entre homens
e mulheres, além dos homens, muitas mulheres
mantêm o pensamento e o comportamento
machista.
A luta feminina é uma busca de
construir novos valores sociais,
nova moral e nova cultura. É
uma luta pela democracia, que
deve nascer da igualdade entre
homens e mulheres e evoluir
para a igualdade entre todos os
homens, suprimindo as
desigualdades de classe
(COSTA, 200(?), p. 1).

Após um longo período de lutas pelos


seus direitos, as mulheres vêm conquistando
significativos avanços sociais, alterando, em
parte, a ideologia vigente nos séculos passados.
As sociedades, de um modo geral, em virtude
das constantes lutas, estão adequando-se às
novas identidades femininas e,
consequentemente, alterando sua mentalidade,
seus modos de agir e de produzir conceitos
relacionados às noções de inferioridade e
superioridade. Todavia, tal ascensão não

54
significa afirmar que a mulher ainda não sofra
com a discriminação e o machismo cultural.
A grande presença da mulher no mercado
de trabalho brasileiro é, sem dúvida, o exemplo
mais utilizado quando nos referimos à ascensão
feminina neste país. Como consequência da
inserção da mulher no trabalho fora do domicílio
surgiram novos conflitos entre os gêneros. Os
homens passaram a se sentir ameaçados
enquanto as mulheres reivindicam cada vez
mais espaço na sociedade.
O perfil pluralista da mulher pós-moderna,
aliado à necessidade de “dar conta” das tarefas
preestabelecidas anteriormente faz com que
mulheres tenham que conciliar uma vida
profissional, doméstica, social e familiar.
Atualmente no Brasil, o gênero feminino
representa 64% do mercado de trabalho, quase
o dobro da quantidade (39%) em 198515. Cargos
de chefia também passaram a ser conquistados
por mulheres. Em 2012, 10 mulheres ocuparam

15
Informações retiradas de uma locução do blog
<http://www.midiaemulher.blogspot.com.br/>. Acessado
em 12 de abril de 2012.

55
simultaneamente cargos ministeriais do governo
federal brasileiro, representando mais de 26%
do total.
Lima (2008, p.1) afirma que “A mulher
pós-moderna é resultado da ruptura dos
costumes”. O reconhecimento que esta mulher –
antes discriminada e silenciada – passou a
adquirir ao longo dos anos também pode ser
considerado uma característica da sociedade
pós-modernista em que vivemos. A presidenta
Dilma Rousseff, a jogadora de futebol Marta e a
ministra do STF, Ellen Gracie foram – nas suas
áreas de atuação – pioneiras, marcando assim
os seus nomes na história no País.
Em relação à educação, 45 países
apontam que as mulheres estão em maior
quantidade que os homens no Ensino Médio.
Esse índice se eleva ainda mais quando se trata
das universidades. Em todo o mundo cerca de
60 nações possuem mais mulheres do que
homens nas instituições de nível superior.
No campo da sexualidade houve também
significativas mudanças comportamentais. A
mulher atual passou a escolher quem e quantos

56
parceiros poderiam ter, além de buscar
primordialmente o prazer na relação sexual. “A
pílula anticoncepcional afastou o risco de uma
gravidez indesejada e propiciou a mulher ver a
sexuação como um divertimento” (LIMA, 2008,
p. 1).

A mulher pós-moderna cultua a


liberdade sexual, mas odeia
assédios. Extrai gozo narcisista
de estar na tela ou
no website. Sua imagem
glamourosa, poderosa, deve
dominar sua realidade
cotidiana. Ela evita expressar
valores, mas fica indignada
contra as limitações,
principalmente à sua liberdade
sexual. Demonstra
preocupação ética com os
direitos humanos, a ecologia,
seu direito ao aborto, o direito
dos homossexuais de
adotarem crianças, etc. (LIMA,
2008, p.1).

3 Mediação da figura feminina

Nesse processo de inserção da mulher


nos variados âmbitos sociais surge também a

57
publicização da figura feminina pelos meios de
comunicação. Seja na teledramaurgia, na
programação humorística ou na publicidade, a
cada dia a mulher ganha mais espaço nos mass
media. Mas, que discursos estão sendo
cotidianamente construídos e disseminados
acerca da mulher pelos veículos de
comunicação?
Ao nos referirmos sobre os meios de
comunicação nas sociedades contemporâneas
torna-se redundante afirmar que estes exercem
um grande protagonismo. Nesta perspectiva,
pode-se afirmar, também, que nestas mesmas
sociedades os mass media são os principais
agentes do discurso, nos seus mais variados
formatos. A publicidade é um deles. Pode-se
afirmar, inclusive, que as peças publicitárias
constituem-se em dispositivos discursivos e
sugerem representações, modos de enxergar
determinadas realidades por parte dos sujeitos
que as consomem. A partir da perspectiva
foucaultiana é possível afirmar que os discursos
são os lugares onde poder e saber se cruzam,
se completam e se articulam.

58
As sociedades atuais são baseadas no
poder do mundo visual. De acordo com Omar
Rincón (2006), “somos imagem, somos
audiovisual”. Citando Berger (1980, p. 51),
Rincón afirma que “as imagens são tudo
enquanto narram e as narrações levam a
compreender-nos” (p. 16). Ainda conforme o
pesquisador, “as narrações constroem seres
infinitos em sua competência simbólica, já que o
significado se põe em cena, novamente, em
cada relato” (p. 16).
Neste contexto, é recorrente a
representação da mulher na comunicação, a
partir de alguns modelos preestabelecidos.
Carvalho (2001 apud LARA, 2007) diz que a
mídia reforça uma construção baseada nos
princípios patriarcais, os quais estabelecem às
mulheres a responsabilidade pelo bem-estar da
casa e da família. Essa percepção acerca da
mídia e os enquadramentos dados às mulheres
é reforçada nas palavras de Moreno (2008),
quando afirma que:

59
A mulher retratada na mídia
tem de ser casada ou aspirar
ao casamento, ter filhos ou
aspirar à maternidade, ser ou
parecer jovem, ser vaidosa,
cuidada. Ser branca,
heterossexual, monogâmica,
fiel, comportada, decidir mais
com a emoção do que com a
razão, ser sensível e delicada,
preocupar-se mais em cuidar
dos outros do que qualquer
outra questão, mesmo que
trabalhe e tenha grandes
responsabilidades profissionais
ou políticas (p. 45).

De acordo com Jodelet (apud CRUZ,


200(?), p. 1), tais representações sociais
ocorrem a partir das interpretações que temos
da realidade, em relação aos comportamentos,
práticas sociais e discursos propagados. Ao
normatizar o simbólico, a mídia – principalmente
a televisiva e a publicitária – seleciona aspectos
atraentes para os consumidores, de certa forma,
induz a uma manipulação dos seus anseios.
Rocha (1990) afirma que a publicidade visa
relacionar o produto anunciado às relações
sociais dos consumidores, já que, a partir da
identificação do público com as qualidades do

60
produto, o receptor é instigado a adquirir o
mesmo. “O anúncio projeta um estilo de ser,
uma realidade, uma imagem das necessidades
humanas que encaixa o produto na vida
cotidiana” (p. 139).
Rachel Moreno (2008), por sua vez afirma
que o corpo feminino é representado na mídia a
partir dos seus “pedaços”, mais especificamente
os seios e as nádegas. Essa representação,
consequentemente, desumaniza e reduz a
mulher “[...] à dimensão de uma fatia bem
torneada de músculo, de carne à espera do
consumo, o que deveria ser um ser humano
complexo. A parte pelo todo” (p. 40). Marcondes
Filho (1989) reforça essa tese, quando afirma
que:

[...] a indústria da erotização


feminina procura exaurir da
mulher a feminilidade e a
capacidade de troca, seu
caráter humano, deixando-lhe
apenas o signo do objeto. A
mulher, tornada produto do
consumo voyeurista, tem sua
sexualidade real neutralizada.
Reduzida a signos frios e
automatizados, ela funciona
como armadura abstrata de

61
uma idéia de prazer sexual (p.
33).

Peças publicitárias de cervejas, de roupas


íntimas, de automóveis, entre outras,
geralmente remetem ao público a dois tipos de
pensamentos diferentes: para o homem, aquele
produto anunciado possibilitará a posse da
mulher exibida; e para a mulher, a compra do
mesmo produto a tornará tão atraente quanto
aquela apresentada. Roso (2000 apud LARA,
2007) verificou que, na publicidade, as mulheres
são retratadas como objetos sexuais,
submissas, indefesas, jovens, belas e com
poucas ou nenhuma fala. E, de acordo com
Cruz (200?):

As representações nos
comerciais refletem padrões
estabelecidos socialmente,
sendo convencional a
construção de estereótipos dos
modelos masculinos e
femininos. Estes estereótipos
(representações de cunho
preconceituoso) passam
dissimuladamente pelos
receptores, os quais não vêem
necessidade de questioná-las,

62
uma vez que elas se apóiam
no senso comum. Além disso,
são assimilados e aceitos pela
pessoa como sua própria
representação, e assim se
torna real para ela, embora
seja de fato imaginário (p.1).

Não obstante o “bombardeio” de


mensagens transmitidas pela mídia, a mulher
“normal” – que sempre lutou para que a
sociedade a aceite como ela é – passa por um
processo de conturbação ideológica, no qual
prevalecem a infelicidade e a baixa-estima. Por
um lado, a mulher se encontra em um patamar
social nunca antes alcançado, porém sob outro
ponto de vista, essa mesma mulher é, do ponto
de vista midiático, muitas vezes subordinada,
inferior e estereotipada.

4 Renault Sandero: intenção x revelação

No dia 3 de junho de 2011 foi ao ar o


comercial do novo Renault Sandero, produzido
pela Neograma/BBH. A peça tem a duração de
aproximadamente 30 segundos e foi exibida
nacionalmente nas TVs abertas e fechadas. De
63
acordo com os responsáveis pelo marketing da
empresa, o comercial visou focar nas relações
sociais e humanas, ao invés de apontar
unicamente o carro e as suas especificações.
A “geração Y” constitui o público alvo da
campanha, já que os comerciais são exibidos
tanto pela TV, quanto pela internet. Pelo site da
automotiva, os internautas têm a oportunidade
de escolher entre três finais diferenciados e
constatar como o novo Renault Sandero pode
surpreender as pessoas.
Apesar de o slogan oficial da campanha
ser “Algumas pessoas são como o novo Renault
Sandero: quanto mais você conhece, mais se
surpreende”, o bordão que identificou esta peça
publicitária perante os consumidores foi a
expressão “Uau”, única fala dos personagens na
propaganda. A intencionalidade da palavra é
claramente percebida através da entonação
dada por ambos os personagens (o rapaz e a
moça).
Na peça publicitária, das quatro vezes
que o “Uau” aparece, a moça pronuncia três,
sendo a primeira indicando interesse pelo rapaz;

64
a segunda para expressar surpresa por causa
da mágica realizada por ele; e a terceira para
demonstrar o encantamento pelo gesto do
jovem. Percebe-se, neste ponto, que a figura
masculina é realçada, não somente pelas ações
que realiza, mas, sobretudo, pela admiração que
causa à moça.
O cenário parece mudar. Aparentemente,
a figura feminina assume o protagonismo da
peça publicitária. A moça realiza uma manobra
espetacular para estacionar o veículo,
conseguindo um “Uau” do rapaz – a única fala a
ele atribuída. No entanto, essa única fala do
personagem masculino é mais enfática.
A ideologia que afirma a inabilidade da
mulher na direção de um automóvel pareceu ser
rompida pela publicidade, que, de certa forma,
“enalteceu” a figura feminina. Ao colocar uma
jovem que supostamente não é uma profissional
de automobilismo revela a intencionalidade de
romper com esse estereótipo de que ser bom
dirigindo um carro é “coisa de homem”.
Orlandi (2004) afirma que a incompletude
que caracteriza qualquer discurso é a

65
multiplicidade de sentidos nele existente. Para
esta autora, a linguagem não é exata, tampouco
completa ou clara. No discurso, de acordo com
Orlandi, encontramos as questões referentes à
língua, à história e ao sujeito. E é neste sentido
que entra em cena o “Uau” dito pelo rapaz, que
revela uma constatação ímpar: a moça realiza
uma manobra supostamente não esperada
vinda de uma mulher. Neste momento, o
discurso do(a)s realizadore(a)s da publicidade
em questão deixa escapar um machismo
implícito, remetendo ao que afirma Lara (2007),
para quem mesmo nas peças publicitárias que
procuram ressaltar a independência da mulher, é
possível perceber traços de dependência e
inferioridade. O rapaz diz a mesma palavra que
a moça, uma única vez, mas o faz de maneira a
transparecer uma mistura de interesse, de
encantamento e sobretudo de surpresa.
De acordo com Orestes (2007):

A imagem da mulher como


objeto de apreciação do olhar
masculino não pode ser
dissociada da realidade em
que foi moldada, das suas
referências de tempo e espaço
66
e do seu contexto histórico e
social, dos quais emergem os
valores, os papéis, as
representações e os
significados que são distintos
para ambos os sexos (p. 234).

Isso significa afirmar que, ao enfatizar a


admiração da figura masculina diante da
manobra feita por uma mulher ao volante, o(a)s
criadore(a)s da publicidade do Renault Sandero
cometeram um “ato falho” (grifo nosso),
revelando que o discurso não foi superado pela
concepção machista ainda socialmente vigente
no Brasil e em muitas partes do mundo.
Outra observação feita referente a esta
peça publicitária diz respeito ao fato de a mulher
nela representada estabelecer suas ações a
partir do interesse que tem pela conquista do
rapaz. Nesse âmbito, a manobra realizada pela
moça foi efetivada exclusivamente para
impressioná-lo. É possível também observar que
a moça foi considerada surpreendente porque
“igualou-se” aos homens ao realizar aquela
manobra de estacionamento do veículo.

67
Em consequência dos pensamentos
subjetivos relacionados às relações de gênero e
da penetração ideológica patriarcal, homens e
mulheres apresentam comportamentos
diferenciados na sociedade, resultando, assim,
em uma desigual relação de poder entre eles.
Ao refletir sobre as relações de gênero, Santos
(2004) ressalta:

A utilização do gênero como


categoria analítica amplia e ao
mesmo tempo aprofunda o
olhar sobre o contexto social,
possibilitando a compreensão
do comportamento
diferenciado de homens e
mulheres e das distintas
formas de relação entre o
feminino e o masculino, tanto
no âmbito das relações sociais
como no âmbito da linguagem.
Propicia, também, a percepção
de que toda relação de gênero
é constituída de poder e que
esse poder se encontra
presente nos dois polos da
relação, de forma desigual. (p.
87).

É perceptível que, de maneira implícita, a


propaganda aponta duas questões básicas: a

68
moça precisou demonstrar atitude “tipicamente”
masculina para ser reconhecida e causar
surpresa ao rapaz; este, por sua vez - além da
beleza – foi tocado pela desenvoltura da mulher
ao volante; algo que, na visa machista
predominante, não acontece.
De certa forma, o discurso construído
pela referida peça publicitária buscou retratar a
mulher a partir de uma perspectiva não
estereotipada. Contudo, a construção discursiva
revela implicitamente um estereótipo por conta
de a manobra realizada pela moça causar tanta
admiração por parte do rapaz. Em situações
cotidianas, nem homens costumam estacionar
daquela maneira. Mas o fato de a ação haver
sido realizada por uma mulher causaria mais
impacto. Tanto é assim que a peça publicitária
termina com o “Uau” do rapaz.
De acordo com Foucault (1999), “os
discursos são elementos ou blocos táticos no
campo das correlações de força; podem existir
discursos diferentes e mesmo contraditórios
dentro de uma mesma estratégia; podem, ao
contrário, circular sem mudar de forma entre

69
estratégias opostas” (p. 97). E isso é perceptível
na publicidade em questão quando se atenta
para o fato de que a figura feminina é, mesmo
que implicitamente, relacionada, comparada à
figura masculina. Portanto, o estereótipo
permanece.

5 Discurso e concepção de mundo

Apesar dessa longa luta que vem abrindo


caminhos rumo ao reconhecimento das
capacidades da mulher e dos direitos igualitários
que necessitam ser-lhes garantido socialmente,
esse processo ainda tem uma longa jornada a
percorrer. Muitos direitos já foram conquistados,
mas a longa jornada continua neste sentido.
Não obstante a essas constantes lutas a
figura feminina ainda é vista, em grande medida,
a partir de uma perspectiva inferior em relação à
figura masculina. Do ponto de vista dos meios
de comunicação no Brasil a representação da
mulher ainda é, em grande medida, baseada em
estereótipos construídos historicamente a partir

70
do protagonismo das sociedades patriarcais, de
onde se originou o machismo.
A mídia – principalmente televisiva e
publicitária – em geral caracteriza a mulher sob
três perspectivas: a eterna dona de casa, que se
preocupa exclusivamente com a família; o objeto
sexual, que chama atenção pelo corpo
escultural; e a mulher moderna e independente,
mas vista muitas vezes como uma tentativa de
assimilação ao homem.
Na propaganda do Renault Sandero
analisada o protagonismo não é dado às ações
realizadas pela figura masculina, como na
maioria das peças publicitárias de automóveis;
percebe-se que houve a intencionalidade de
deslocar esse protagonismo para a figura
feminina. Porém, implicitamente o discurso
revela que esse destaque foi atribuído ao
feminino sem deixar de realçar a figura
masculina. Isso é perceptível porque o ápice da
peça publicitária se dá justamente quando a
mulher conduz o veículo de forma
“masculinizada”, surpreendendo o rapaz (e o
espectador).

71
A publicidade analisada neste capítulo
mostra uma mulher aparentemente
independente e atual, mas representada como
dependente da atenção e interesse masculinos.
Outro aspecto presente na publicidade em
questão - e que revela uma concepção machista
implícita - é a necessidade de essa mulher
realizar uma ação considerada masculina, a fim
de adquirir certo reconhecimento e admiração.
A análise desta peça publicitária do
Renault Sandero evidencia que a figura feminina
na publicidade brasileira necessita ser cultural e
ideologicamente modificada, a fim de
representar, futuramente, uma relação igualitária
entre os gêneros e, por conseguinte, servir
como referencial no auxílio para a compreensão
das relações de gênero de modo a dar vazão ao
respeito à diversidade e à igualdade de direitos.
Evidencia ainda o fato de as concepções de
mundo apresentar muito mais força do que
quaisquer tentativas de construção de discursos
politicamente corretos; porque os discursos são,
muitas vezes, reveladores - a partir e através
dos “não ditos” neles contidos. Portanto, os

72
discursos revelam as concepções de mundo
(explicitamente não), como no caso da
publicidade do Renault Sandero: aparentemente
se diferencia das demais, mas na essência
revela similaridade.

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quem? Poder e massas na indústria da cultura e
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74
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Surpreenda-se. Disponível em:
<http://www.youtube.com/watch?v=ChSVZR3jl6
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75
A VISIBILIDADE LÉSBICA NA

TELEDRAMATURGIA BRASILEIRA:

SENHORA DO DESTINO COMO MODELO

PARA UM “IDEAL”

Haísa Wilson Lima

Homossexualidade na tela da TV

Desde os anos 70 do século passado


diversas telenovelas brasileiras têm apresentado
personagens homossexuais em suas tramas. À
medida que os anos passam e temas
relacionados à diversidade sexual vão sendo
abordados com mais profundidade e seriedade,
tais personagens vão ganhando espaço e
visibilidade, colaborando, dessa forma, para a
inserção do cidadão homossexual na sociedade
de maneira igualitária. De acordo com a
exposição de Silvia Gomide (2006),

[...] o surgimento ou aumento


dado a esses personagens é
um sinal da presença na
ficção de novos tipos de amor
que surgem na sociedade.

76
Esses personagens refletem
mudanças políticas, afetivas e
nas práticas sexuais (p. 12).

Entretanto, é possível observar que a


aparição de personagens homossexuais na
ficção teledramatúrgica brasileira é de maioria
claramente masculina. Conforme consta no
anexo da lista de personagens LGBT em
telenovelas brasileiras16 divulgada na Wikipedia
Brasil desde dezembro de 2008 e atualizada
periodicamente em paralelo à veiculação de
novas novelas, a TV brasileira já apresentou 42
novelas com personagens homossexuais
masculinos e 12 novelas com personagens
homossexuais femininos. Mais precisamente,
foram, até a conclusão dessa pesquisa, 74
personagens gays e 24 personagens lésbicas
(algumas, creio eu, apenas pressupostas por
uma identificação comportamental ou
indumentária), excetuando-se transexuais,
bissexuais e assexuados. Trata-se de menos de
25% de representatividade feminina na ficção

16
<http://pt.wikipedia.org/wiki/Anexo:Lista_de_personagen
s_LGBT_em_telenovelas_brasileiras>. Acesso em 5 de
janeiro de 2012.

77
televisiva do nosso país no que diz respeito à
homossexualidade.
Cabe, então, o questionamento do motivo
pelo qual isso ocorre e a apresentação de uma
possível solução para uma maior visibilidade
lésbica na TV nacional através de um modelo
que deu certo – a novela Senhora do Destino.
Para tal, este capítulo terá como base
metodológica a referência a teóricos e
pesquisadores como Silvia Gomide, Stuart Hall,
Michel Foucault, Pierre Bourdieu e Annamarie
Jagose, e analisará 15 cenas específicas da
novela onde aparece o casal fictício Eleonora e
Jenifer, que serão devidamente datadas
conforme a primeira veiculação, brevemente
descritas e inseridas num contexto psicossocial
pertinente à sua importância para a elucidação
correta da figura lésbica na televisão.

A (falta de) visibilidade lésbica na TV


nacional

Desde 1974, quando o primeiro casal


homossexual, composto por Conrad Mahler

78
(Ziembinski) e Cauê (Buza Ferraz), foi formado
na novela O Rebu, de Bráulio Pedroso, exibida
na TV Globo, personagens masculinos
compõem o núcleo gay das ficções seriadas do
país, ainda que de início – e em sua maioria –,
tal aparição tenha sido basicamente cômica. Foi
apenas em 1988, na novela Vale Tudo, de
Gilberto Braga, com o casal Cecília e Laís (Lala
Deheinzelin e Cristina Prochaska,
respectivamente) que começaram a aparecer
personagens femininas no núcleo gay das
telenovelas (BRANDÃO e FERNANDEZ, 2009).
Ainda assim, do ponto de vista quantitativo, a
falta de visibilidade que a personagem lésbica
tem na televisão brasileira prevalece enquanto
fato.
Os motivos que embasam esse fenômeno
são plurais e, somados, dificultam uma maior
visibilidade da figura lésbica não só na
teledramaturgia, mas também em outras
instâncias midiáticas. Dentre elas, pode-se
supor que estejam principalmente: o
machismo/patriarcalismo cultural que, por irônico
que pareça, também atinge as relações sociais

79
dos grupos homossexuais; e a erotização da
figura feminina, inclusive da figura lésbica –
fenômeno também fruto no machismo cultural,
sobre o qual discorre Pierre Bourdieu (2007), o
que dificulta o interesse pela veiculação de
imagens homossexuais femininas na TV, por se
acreditar no suposto apelo erótico a elas
atribuído. Outro motivo possível é o fato de que
figura feminina, por muito tempo, não foi
considerada apropriada para a comicidade –
quadro que começou a mudar apenas nos anos
2000, com a difusão midiática dostand-
upcomedy no Brasil17 (WIKIPEDIA, 2011). Uma
vez que o personagem gay é visado como
elemento pícaro na ficção, não seria de
interesse das emissoras veicular nela a imagem
lésbica.
A telenovela brasileira que melhor expôs
personagens lésbicos foi Senhora do Destino,
de Aguinaldo Silva, exibida de 28 de junho de
17
O stand-upcomedy (do inglês “comédia em pé”) surgiu
nos Estados Unidos no final do século XIX. No Brasil,
começou a aparecer no fim dos anos 1970, mas foi
apenas na década de 2000 que a TV brasileira passou a
investir na exploração do gênero (JÚNIOR, 2011). Foi o
primeiro gênero de comédia a abarcar atuações de negros
e mulheres. (WIKIPEDIA, 2011).

80
2004 a 11 de março de 2005, no horário nobre
da Rede Globo. Contava com o casal Eleonora
(Mylla Christie) e Jenifer (Bárbara Borges), cuja
trama foi elaborada intensa e seriamente. Há,
aqui, pela primeira vez na história da
teledramaturgia brasileira, uma trama
homossexual explorada em várias das principais
instâncias geralmente percorridas por quem de
fato assume e exerce sua orientação
homossexual: descoberta, medo, crise
identitária, preconceito, discriminação/aceitação
familiar e até mesmo coabitação e adoção.

Senhora do Destino: teledramatúrgica e


visibilidade lésbica

Silvia Gomide relata em sua dissertação


de mestrado intitulada “Representações das
identidades lésbicas na novela Senhora do
Destino” (2006) que a receptividade do público
para com essa novela em relação a Torre de
Babel, de Sílvio de Abreu (1998), é bastante
diferente. Apesar de exibidas no horário nobre
da Rede Globo, e com apenas seis anos de

81
diferença, seus índices de audiência são tão
opostos quanto o caminho que seus
personagens homossexuais desenvolveram na
trama. Um indicador de maturação bastante
significativa do público com relação ao tema – e
talvez até mesmo alguma mudança de
abordagem que tenha favorecido a conquista da
empatia do telespectador. Conforme o Instituto
Brasileiro de Opinião Pública (IBOPE), Torre de
Babel - cujas personagens lésbicas foram o
casal Rafaela e Leila, interpretadas
respectivamente por Cristiane Torloni e Silvia
Pfeiffer – mantinha uma média de audiência de
35 pontos, uma vez que o comum é as “novelas
das oito” oscilarem entre 45 e 55 pontos. O
reflexo dessa baixa receptividade foi o desfecho
trágico da história das duas, que faleceram,
junto com outros personagens considerados
“negativos”, na explosão criminosa do shopping
center onde mantinham um negócio.
Em Senhora do Destino, porém, que
chegou a atingir 81 pontos de audiência, o
desenrolar e desfecho da trama foi bem
diferente. Apesar de diversas cenas terem sido

82
cortadas das edições que foram ao ar devido à
sua “intensidade” (se encontram disponíveis na
internet), a história do casal Eleonora e Jenifer
foi a mais completa no detalhamento e
exploração de problemáticas, comparada às
tramas homoafetivas da TV brasileira exibidas
até então. Com 220 capítulos e a maior média
de audiência da história da TV brasileira até os
anos 2000, a ficção analisada nesse estudo foi
exibida em 22 países e recebeu 24 prêmios.
Trata-se, no mínimo, de uma novela que marcou
sua década, com temas fortes como
prostituição, corrupção, violência doméstica,
gravidez na adolescência e
homossexualidade18. Ainda que mais de 75%
dos personagens homossexuais da
teledramaturgia tenham sido, até então,
masculinos, o casal lésbico da telenovela em
questão desenvolve uma trama com detalhes
psicológicos e verbais claros e diretos de uma
maneira nunca antes apresentada na TV
nacional. A problemática é explorada

18
http://pt.wikipedia.org/wiki/Senhora_do_Destino. Acesso
em: 20 de dezembro de 2012.

83
linearmente, passando-se por todas as etapas
clássicas do enfrentamento pessoal/social
realizado normalmente por quem é gay. E é
através dessa narrativa – quase sempre livre de
metáforas ou quaisquer outras táticas de
sugestão velada – que essa constatação pode
ser feita.

Eleonora & Jenifer: análise narrativa

O enquadramento das características


pessoais da personagem Eleonora é
evidenciado a partir do capítulo do dia 13 de
agosto de 2004, quando ela bate em Cigano
(Ronnie Marruda), por espancar a esposa Rita
de Cássia (Adriana Lessa). A partir dessa cena
a trama associa Eleonora a elementos
convencionalmente masculinos, como
agressividade, espírito protetor e coragem. Além
disso, suas roupas são sempre básicas e lisas
de corte ou estampa, assim como o corte do seu

84
cabelo, que é curto e sem movimento,
fornecendo-lhe uma androginia19.
A primeira alusão à questão do aparente
isolamento social, típico de um comportamento
discreto ou nulo por parte do homossexual, é
feita no capítulo que foi ao ar no dia 2 de
setembro de 2004, quando Regininha (Maria
Maya), irmã de Eleonora, critica o fato de esta
nunca ter tido namorado. A cena revela o
julgamento social comumente enfrentado em
função da heteronormatividade20. Tanto
Eleonora quanto Jenifer sofrem essa cobrança
no início da trama.
O casal então se conhece em uma
situação comum e cotidiana; ambas
demonstram afeição recíproca imediata. Elas
começam a sair juntas, como amigas, cumprindo
programações como idas ao cinema, pizzaria e
sorveteria. Eleonora, alguns anos mais velha,
médica, demonstra um interesse mais claro,
19
“Termo genérico usado para descrever qualquer
indivíduo que assuma postura social, especialmente a
relacionada à vestimenta, comum a ambos os gêneros”
(ABGLT, 2010, p. 16).
20
“Expressão utilizada para descrever ou identificar uma
suposta norma social relacionada ao comportamento
padronizado heterossexual” (ABGLT, 2010, p. 12).

85
porém discreto; em contraponto, Jenifer,
graduanda em Fisioterapia, parece não perceber
o significado daquela empatia tão profunda. No
capítulo do dia 16 de setembro de 2004, data do
segundo “encontro amistoso” das moças, no
momento da despedida acontece um “selinho”
(beijo leve e rápido) acidental, que as faz rir. O
gesto teoricamente inocente se torna hábito
entre as duas. Esse tipo de contato físico mais
íntimo é mais comum entre mulheres do que
entre homens, o que permite, geralmente, uma
maior liberdade de demonstração de afeto sem
que haja repressão por parte de indivíduos
externos à relação. Na história em questão,
suscita-se um limiar entre o descompromisso
amistoso e a intenção amorosa.
Motivados por essa demonstração afetiva
das moças, a partir do capítulo do dia 2 de
outubro de 2004, rapazes que circulam nos
bairros onde elas residem começam a fazer
piadas insinuativas, começando então o ciclo de
cenas de discriminação. O mesmo ocorre em 21
de outubro de 2004, quando um dos rapazes
afirma que duas mulheres juntas são

86
“desperdício”. No dia seguinte tais provocações
ganham nomes pejorativos relativos à
homossexualidade, despertando a atenção e o
medo de Jenifer.
Em 5 de novembro de 2004 a família de
Jenifer chega em casa e encontra as duas
moças adormecidas no tapete da sala, após
aparente jornada de estudo. O pai da estudante
tira suas próprias conclusões e resolve
questioná-la a respeito, porém sem recriminar a
possibilidade. A recriminação parte da própria
Jenifer, que ao sentir-se obrigada a confrontar o
assunto, fica histérica. Inicia-se, nesse momento
da trama, a primeira etapa comum à
identificação da sexualidade gay: a crise da
descoberta e autonegação.
A homofobia internalizada, reforçada pela
intervenção familiar, leva Jenifer a distanciar-se
de Eleonora, temporariamente. Essa negação
por parte da jovem é expressa por uma
desesperada busca pela normatividade. No
capítulo levado ao ar no dia 9 de novembro de
2004 a moça começa a se relacionar com um
homem, o deputado Thomas Jefferson,

87
interpretado pelo ator Mário Frias. A partir de
então se passam duas semanas capitulares,
equivalentes a três meses da narrativa, sem que
as duas mulheres se encarem. Nesse período
Jenifer se dedica à tentativa da adequação,
forçando com o rapaz citado um relacionamento
ineficaz. A falta de sucesso a faz dispensá-lo
sob a desculpa de “necessidade de focar nos
estudos”.
Nessa altura, 18 de novembro de 2004,
ele resolve apelar, perguntado se o que a
prende é a “doutora”, afirmando para tal que
ouviu boatos a respeito. Histérica, Jenifer o
expulsa de sua casa. Ofendido, o deputado
destrata a médica ao encontrá-la, usando
termos pejorativos para agredi-la. Sua defesa é
feita pelos amigos, que afirmam a
homossexualidade da moça e ressaltam que
isso não lhe diz respeito. Nessa parte da trama
vê-se a exposição do machismo cultural. Em
contrapartida, a personagem assumida não se

88
permite vitimar, demonstrando “orgulho”21 pela
sua orientação.
No capítulo do dia 24 de novembro de
2004 Jenifer aceita conversar com a médica,
que a leva para um apartamento. Eleonora
questiona se Jenifer veio encerrar a amizade.
Esta, por sua vez, chora e confessa que não
quer se afastar, mas confessa ter medo do que
está sentindo. Em tom de apoio, Eleonora diz
também não saber ao certo o que está
acontecendo, mas assegura que vão descobrir
juntas. Jenifer concorda. Começa aí a
superação da crise identitária, dando-se início à
busca pela autoaceitação.
No dia seguinte as moças acordam juntas
na cama, nuas sob o lençol. Nesse momento
Jenifer questiona como vai ser a vida delas dali
em diante com relação aos outros. Vê-se ali o
galgar de um novo degrau, pois, resolvida a
crise pessoal, inicia-se a crise de enfrentamento
social, ou “saída do armário” (come out ofthe

21
O lema “orgulho de ser gay” surgiu em 1969, na revolta
de Stonewall, em Nova York, que foi batizada como Gay
Libaration (JOAGOSE, 2004, p. 30).

89
closet)22, ou o enfrentamento social da
exposição da “diferença” sexual em
contraposição à heteronormatividade.
Entretanto, Eve Sedgwick (1993) chama
atenção para o conceito do “sair do armário”. Em
função da “elasticidade da heterossexualidade
presumida”, o homossexual sempre estará
“dentro do armário” toda vez que enfrentar uma
situação que agregue novas pessoas: um novo
emprego, vizinhança ou amigo. Por essa razão,
a ditadura da heteronormatividade força essa
pessoa a reiniciar o ato de assumir-se com
frequência (p. 55).
Em uma espécie de manutenção dos
parâmetros do relacionamento é comum que os
pares estabeleçam “regras”, por assim dizer,
acerca dos pormenores da relação. Esse
fenômeno é constatado no capítulo do dia 9 de
dezembro de 2004, quando as moças têm uma
pequena discussão acerca da necessidade de
respeito de horários de trabalho uma da outra.

22
Termo que também surgiu com o Gay Liberation
(GOMIDE, 2006, p. 20); “Assumir publicamente sua
orientação sexual e/ou identidade de gênero” (ABGLT,
2010).

90
Esse tipo de “cobrança” demonstra a intenção
recíproca de se manter firmemente a relação,
polindo-a e construindo-a sem minar a
individualidade de cada uma.
Em 1º de fevereiro de 2005 o casal chega
ao apartamento onde vão morar juntas. Com um
colchão de solteiro nas mãos, elas reclamam do
elevador quebrado. Jenifer volta para fechar a
porta, Eleonora vai atrás e a abraça pelas
costas. Nessa posição, ambas declaram que se
amam23 e saem de cena, indo para o quarto.
Essa é a última cena de insinuação de sexo da
história das duas na trama. Superado o passo
da identificação e exposição social, inicia-se a
coabitação.
Seguindo o roteiro da construção familiar,
após a estabilização da coabitação, o casal
discute algumas vezes a possibilidade de terem
filhos. No dia 1º de março de 2005, Eleonora
adota oficialmente Renato, um bebê que ela
encontrou tempos antes abandonado em uma

23
Eleonora e Jenifer declaram que “se amam” várias
vezes durante a trama. Silvia Gomide elucida que tal
exposição verbal – direta e sem metáforas – por parte de
personagens homossexuais é inovadora na
teledramaturgia brasileira (2006, p. 85).

91
lixeira. Apesar do registro só poder ser feito por
uma delas, devido às impossibilidades da
legislação brasileira no que concerne aos
direitos homossexuais, o ato prático da adoção
é de ambas, que sob o mesmo teto criarão a
criança como quaisquer pais casados ou
coabitantes.
Por fim, também no capítulo do dia 1° de
março de 2005, uma das principais cenas de
encerramento da trama é o casamento da
personagem Isabel (Carolina Dieckman),
durante o qual vários casais se beijam
discretamente, inclusive as duas moças, que
trazem o filho no colo, em um desfecho de
alusão à igualdade. Além disso, no momento em
que o buquê é jogado (segundo a tradição
ocidental, acredita-se que quem pega o buquê
será a próxima pessoa a casar), ele cai nas
mãos de Eleonora. O irmão de Jenifer retruca
afirmando que elas jamais casarão; mas
Eleonora rebate e diz que sua união será
validada em Cartório, através de um contrato de
união estável. Nesse momento encerra-se a
construção da história do casal, com uma

92
mensagem lúcida, subscrita nessa fala, aludindo
aos direitos civis a serem ainda conquistados
pelos homossexuais.

Aplicação do modelo dramático

Como relatado nos parágrafos anteriores,


a história das personagens lésbicas Eleonora e
Jenifer segue uma lógica similar ao que
acontece comumente na vida real de quem se
assume homossexual, passando pelas fases da
identificação, autonegação, autoafirmação,
busca pela aceitação social, enfrentamento de
discriminação/homofobia, confronto familiar,
contrato implícito de relacionamento,
coabitação, composição de família (adoção) e
busca pela igualdade social24.
Essa conformidade com a realidade não
só gera identificação por parte dos grupos
representados como também traz para o resto
da sociedade uma conscientização a respeito de
como se dá legitimamente a trajetória de vida de

24
A autora do capítulo faz esta afirmação por experiência
própria somada à observação de muitos outros indivíduos
de orientação homossexual.

93
pessoas homossexuais. Essa representação
ficcional é importantíssima para o
reconhecimento da mulher lésbica (e, em parte,
de outras orientações sexuais) como um dos
múltiplos atores sociais, e para o
desenvolvimento da consciência e mobilização
social, assim como da legislação, que deveria
contemplar tais grupos e indivíduos, pois, como
afirma Stuart Hall (2003): “Na linguagem do
senso comum, a identificação é construída a
partir do reconhecimento de alguma origem
comum, ou de características que são
partilhadas com outros grupos ou pessoas, ou
ainda a partir de um mesmo ideal” (p. 106).
Por essa razão, a novela Senhora do
Destino pode ser vista como a telenovela
brasileira que melhor expôs a problemática
lésbica na teledramaturgia nacional, de maneira
mais elaborada, inclusive, em nível geral, que os
75% de representação masculina predominante,
sendo assim não só uma boa elucidação sobre
lesbianidade para o público comum, mas uma
excelente representação da homossexualidade
de maneira séria. Ela pode vir a servir de

94
modelo para posteriores elaborações de
personagens lésbicas na teledramaturgia, com
melhoramentos pertinentes, logicamente
paralelos ao desenvolvimento da consciência
social no que diz respeito à diversidade sexual.
Existe, ainda, uma necessidade de se
desmistificar a imagem da mulher lésbica com
relação à sua erotização. A novela abordou, de
maneira lúcida, a temática homossexual,
inclusive paralela ao combate ao machismo
(situação que pode ser ilustrada pela cena em
que Eleonora bate no agressor Cigano), ao
implementar corretamente a representação
dessa figura e procurar a conscientização social
para o desenvolvimento do respeito e da
aceitação dessa identidade como natural das
múltiplas identidades socioculturais que nunca
são completamente determinadas, mas
necessitam ser asseguradas:

[...] a abordagem discursiva


vê a identificação como uma
construção, um processo
nunca completado – como
algo sempre “em processo”.
Ela não é, nunca,
completamente determinada,

95
– no sentido de que se pode,
sempre, “ganhá-la” ou “perdê-
la”; no sentido de que ela
pode ser, sempre, sustentada
ou abandonada. Embora
tenha suas condições
determinadas de existência, o
que inclui os recursos
materiais e simbólicos
exigidos para sustentá-la, a
identificação é, ao fim e ao
cabo, condicional; ela está,
ao fim e ao cabo, alojada na
contingência. Uma vez
assegurada, ela não anulará
a diferença (HALL, 2003, p.
106).

Fato comum da realidade

A mídia televisiva pode ser considerada o


principal veículo de popularização de
problemáticas sociais da contemporaneidade, e
tem importância fundamental na conscientização
acerca das questões referentes aos direitos
humanos, à igualdade e à tolerância. Da mesma
forma, a representatividade proporcionada pela
telenovela ao telespectador revela que essa
ferramenta do entretenimento é também um
importante agente para a resolução dessas

96
problemáticas de forma mais ágil. Isso confere a
ela uma responsabilidade tão delicada que,
geralmente, veem-se freados os
desenvolvimentos de tramas que poderiam
trazer grande discussão popular. Essa cautela
tem fundamento, mas talvez precise ser revista,
frequentemente, pelas minorias que precisam
ser representadas, no intuito de se evitar um
abafamento – proposital ou não – dessas
temáticas.
A novela Senhora do Destino marcou a
história da teledramaturgia brasileira com sua
exposição inédita dos meandros que compõem
a realidade lésbica. Seu sucesso e aceitação
evidenciam a maturidade do telespectador
brasileiro para com a temática homossexual e,
mais especificamente, lésbica, visto que, frente
a outras tramas que abordaram lesbianidade, o
autor levou o desenvolvimento do romance em
questão até o fim, e de maneira positiva.
Mas algumas questões precisam ser
reavaliadas. Ainda que se possa tomar a ficção
em questão como exemplo, não se deve deixar
de salientar que avanços precisam ocorrer em

97
alguns quesitos como, por exemplo, a
valorização da afetividade sexual através de
cenas mais realistas, pois o esmaecimento
destas em comparação a explicitação, muitas
vezes exagerada, da intimidade heterossexual
denota ainda uma não aceitação da relação
homossexual como “normal” ou “natural”.
Por fim, no que diz respeito à visibilidade
quantitativa da figura lésbica comparada à
veiculação de personagens masculinos, há uma
necessidade clara não só de se equilibrar esse
quadro, como também resolver a questão da
ridicularização do personagem gay como
elemento de comédia, evitando assim a
continuação do menosprezo do homossexual
como cidadão igual em deveres e em direitos.
Resolvida essa pendência, ambas as
identidades terão representação igual na ficção,
proporcionando gradativas abordagens
temáticas até o dia em que a homossexualidade
se torne tão “normal” que não seja mais
observada como elemento “diferencial” da
teledramaturgia, mas como fato comum da
realidade por ela representada.

98
REFERÊNCIAS

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Curitiba: Ajir Artes Gráficas e Editora Ltda, 2010.

BRAGA, Cíntia. Vale Tudo? A representação


do primeiro casal lésbico da telenovela
brasileira. Campina Grande: Intercom, 2010 (XII
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Região Nordeste).

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Moreira. A recepção das personagens
homossexuais nas telenovelas da Rede
Globo: uma leitura da teoria dos Usos e
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Fora-MG. Juiz de Fora: UFJF, 2010 (Programa
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Universidade Federal de Juiz de Fora).

BORDIEU, Pierre. A dominação masculina. 5ª


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(Tradução: Edmundo Cordeiro). Paris: Éditions
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A vontade de saber. Rio de Janeiro: Edições
Graal, 1988.

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identidades lésbicas na telenovela Senhora
do Destino. Brasília: UnB, 2006 (Dissertação de
mestrado. Programa de Pós-graduação da
Universidade de Brasília).

99
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HALL, Stuart; SILVA, Tomaz Tadeu da;
WOODWARD, Kathryn. Identidade e
diferença: a perspectiva dos estados
culturais. 2ª ed. Petrópolis: Vozes, 2003.

JAGOSE, Annamarie. Queer theory, an


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2004.

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<http://www.recantodasletras.com.br/artigos/325
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MOTT, Luiz. O lesbianismo no Brasil. Porto


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______. Senhora do
Destino.<http://pt.wikipedia.org/wiki/Senhora_do
_Destino>. Acesso em: 20 de dezembro de
2012.

100
______. Stand-up
comedy.<http://pt.wikipedia.org/wiki/Stand-
up_comedy>. Acesso em: 20 de dezembro de
2012.

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Jenifer (Senhora do Destino).
<http://www.youtube.com/user/lwordemort2/vide
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dezembro de 2012.

101
TELEVISÃO, CULTURA E MÚSICA:

ABORDAGENS DO PROGRAMA RADIOLA

Laíse Silva Galvão e Ronald Souza de Jesus

As várias “faces” da Televisão

As mensagens produzidas e difundidas


pela televisão têm a característica de atuar de
modo mais efetivo sobre o público, por conta do
domínio da sensação sobre a consciência,
devido ao uso que em geral fazem da imagem.
Diversos estudos apresentam a televisão a partir
de aspectos negativistas, por meio da saliência
de características que definem este meio
massivo de comunicação como instrumento a
serviço da manipulação dos sujeitos, seja
através de programações informativas como o
telejornalismo, por exemplo, seja através da
grade de entretenimento.
Mas, será que existe apenas uma única
televisão, ou seja, aquela responsável por
disseminar conteúdos questionáveis do ponto de

102
vista da qualidade? De acordo com vários
estudiosos deste meio de comunicação, a
exemplo de Arlindo Machado (2000) e Omar
Rincón (2006), a TV não deve ser considerada
homogênea, referindo-se que esta pode
apresentar tanto aspectos negativos como
também positivos.
Dentro desta perspectiva se insere a
discussão proposta neste capítulo, que reflete
acerca dos enquadramentos dados à música
pelo programa Radiola, veiculado pela TV
Cultura, através do quadro “Meu Instrumento”.
Radiola é uma produção videofonográfica
seriada semanal, produzida pela gravadora
Trama, comandado por João Marcello Bôscoli,
que traz notícias da cena musical e tudo em seu
universo. Além da veiculação no Brasil dentro do
canal de TV aberta Cultura, o programa alcança
diversos países, através das tecnologias de
transmissão via satélite das empresas de TV por

103
assinatura e também via Vlog25, com o canal do
Trama Virtual no Youtube.

Cultura midiática e música

A facilidade de acesso às tecnologias de


reprodução musical para um público amplo,
assim como sua difusão, não apenas transmitem
o conhecimento: em função das formas de
enquadramento utilizadas em publicidades e
programas de TV, entre outros objetos da
comunicação de massa, fazem mobilizar
também profundas alterações culturais,
modificando os costumes de comportamento e
consumo (JAMESON, 1998).

[...] Há muito pouco, quer no


conteúdo, quer na foma da
arte contemporânea que a
sociedade contempôranea
ache intolerável e
escandaloso (sic). As mais
ofensivas formas dessa arte –
digamos, o punk, o rock ou o

25
Foschini e Taddei (2007) definem Flogs e vlogs como
páginas pessoais que permitem a comunicação por meio
de imagens pela internet.

104
que é chamado de material
sexualmente explícito – são
todas tomadas com certa
complacência pela sociedade
e, ao contrário das produções
do antigo alto modernismo,
fazem sucesso em termos
comerciais. [...] A produção
de mercadorias, em particular
de vestimentas, mobiliário,
edifícios e outros artefatos,
está agora intimamente ligada
à mudança do estilo que
deriva da experimentação
artística (p. 42).

Entendemos que discorrer acerca da cultura


musical contemporânea implica compreender
sua relação com a cultura de consumo
midiático, posto que concordamos com
McLuhan (1964) sobre o meio não ser apenas
suporte, mas também mensagem – ao abarcar
uma série de propósitos que define desde sua
escolha como sustentáculo, até o público que
se deseja atingir e as reações que nele
provocará. Ainda sobre os meios, Filho e Júnior
(2006) fazem um paralelo entre o consumo
musical e sua difusão, tanto das tecnologias da
indústria fonográfica quanto dos sistemas de

105
comunicação de amplo alcance de público e
não originalmente pensados em função da
canção, como a televisão e o cinema. De
acordo com eles:

O aumento do consumo de
músicas por uma parcela da
população que não possui
conhecimento de notação
musical está diretamente
ligado ao aparecimento dos
primeiros aparelhos de
reprodução sonora: o
gramofone, o fonógrafo, o
rádio e o toca-disco, e que,
por outro lado, a
popularização de expressões
musicais, como o Rock, a
partir da década de
cinquenta, está ligada não só
à indústria fonográfica, bem
como à televisão e ao cinema
(p. 12).

O advento das tecnologias de


comunicação global e redes telemáticas, além
das substanciais melhorias nos sistemas das
redes televisivas nas últimas duas décadas,
tornam a cultura e, de um modo especial, a
música, ainda mais difundíveis, ilustrando o que
Lévy (1999) aponta como "universal sem

106
totalidade". Universais pela conquista de
proporções globais, porém sem totalidade. Os
estilos e sabores de cada cultura das diferentes
locações do globo são bastante distintos e estão
em transformação e renovação constantes.
Sendo assim vias de interações, onde, em cada
uma delas, arte influencia cultura, e ambas se
modificam.

Cultura musical underground ou excêntrico à

massa

Abordar o tema música através de


recursos audiovisuais não é mais nenhuma
novidade, visto que isso já vem ocorrendo
desde a época do cinema mudo, através de
espetáculos musicais que se sobrepunham à
ausência do som direto. Torna-se ainda mais
forte a partir da década de 1970, com a
popularização das tecnologias de vídeo e o
emergir do vídeo arte e da pop-arte, canalizadas
para “o fluir” e difusão da linguagem de
videoclipe. Vê-se, então, que essa tecnologia,

107
que confere à música o que lhe é ausente em
sua forma fonográfica – a imagem –, enriquece-
a diante do espectador, antes apenas ouvinte.

De fato, o discurso musical


pressupõe, ao lado dos seus
atributos mais propriamente
acústicos, todo um sistema
kinésico, entendendo-se
como tal o conjunto dos
elementos motores invocados
pelo interprete durante a
performance. Em geral, todo
esse trabalho gestual se
perde no registro fonográfico
e não é considerado na
escrita formal da música: a
notação. Uma vez que os
estudos de musicologia se
baseiam quase sempre em
partituras ou em registros
fonográficos, eles
normalmente se restringem
apenas aos elementos que
podem ser anotados na pauta
ou materializados na fita
magnética de gravação
sonora (conteúdo melódico,
padrões rítmicos, nível
dinâmico, movimento
harmônico, timbre, textura,
etc.), deixando de lado todos
aqueles aspectos do discurso
musical que ocorrem no plano
visual (ou motovisual)
(MACHADO, 2000, p. 161 e
162).

108
Ao possibilitar a apreciação performática
da execução sonora, especialmente em tempos
de sociedade em rede (CASTELLS, 2007), esta
subverte as formas de relacionamento,
conhecimento e estudo da cultura musical. E é o
que faz o quadro “Meu Instrumento” do seriado
audiovisual Radiola, no qual, em cada edição,
um músico discorre sobre o instrumento musical
que toca.
O enquadramento deste quadro tem
enfoque didático, e, como são mostrados
instrumentos incomuns, é interessante à medida
que são apresentados e explicados, desde suas
características físicas/materiais à sua história
cultural. O caráter de inclusão está nas
entrelinhas, pois são mostrados instrumentos
que estão à margem, fora circuito mercadológico
e/ou midiático. Nesse quesito ressalta a
qualidade do programa de uma maneira tão
sutil, apresenta à sociedade culturas esquecidas
e tidas como exóticas ou underground26.

26
De acordo com Filho e Júnior (2006) o underground
segue um conjunto de princípios de confecção de
produto que requer um repertório mais delimitado para
o consumo. Os produtos “subterrâneos” possuem uma

109
O quadro não é veiculado em todas as
edições do Radiola. Possui características
atemporais e, assim, não se torna obsoleto, pois
não possui ligação direta com qualquer data ou
época, exceto talvez pelo suporte tecnológico
(aspectos relacionados ao formato de gravação,
resolução de imagem e outras questões
técnicas), o que não chega a provocar uma
defasagem de qualquer um dos produtos, mas
apenas uma troca de tecnologia de suporte. O
conteúdo em si não sofre com a corrente dos
anos. Isso é interessante diante da possibilidade
de, como um livro, o conteúdo permanecer
consistente, ainda que em um suporte de
características voláteis, que é o vídeo.

Diferentes e variadas experiências

No que se refere ao tema qualidade, no


contexto da televisão, Machado (2000) elenca

organização de produção e circulação particulares e se


firmam a partir da negação do seu “outro” (o
mainstream / pop), sendo quase sempre definido como
obra autêntica e não comercial.

110
as sete diferentes acepções da palavra
qualidade, de acordo com Mulgan (1990)27:

Qualidade pode ser (1) um


conceito puramente técnico, a
capacidade de usar bem os
recursos expressivos do
meio: a boa fotografia, o
roteiro coerente, a boa
interpretação dos atores, a
indumentária da época
convincente, etc. Esse
conceito encontra-se
difundido principalmente entre
os profissionais que fazem
televisão. Na direção
contrária, qualidade pode ser
(2) a capacidade de detectar
as demandas da audiência
(análise da recepção) ou as
demandas da sociedade
(análise de conjuntura) e
transformá-las em produto,
abordagem predileta dos
comunicólogos e também dos
estrategistas de marketing. A
qualidade pode ser também
(3) uma particular
competência para explorar os
recursos de linguagem numa
direção inovadora, como o
requer a abordagem estética.
Já a abordagem, que Mulgan
chama de "ecológica",
identificada como o ponto de
27
Geoff Mulgan, "Television's Holy Grail: Seven Types of
Quality", emThe Question of Quality
(Londres: British Film Institute, 1990). pp. 4-32.

111
vista dos educadores e
religiosos, prefere privilegiar
(4) os aspectos pedagógicos,
os valores morais, os
modelos edificantes e
construtivos de conduta que a
televisão está potencialmente
apta a promover. Mas se a
televisão é vista como ritual
coletivo, a qualidade pode
estar (5) no seu poder de
gerar mobilização,
participação, comoção
nacional em torno de grandes
temas de interesse coletivo,
abordagem melhor
identificada com oponto de
vista dos políticos, sejam eles
de esquerda ou de direita.
Outros, pelo contrário podem
encontrar mais qualidade (6)
em programas e fluxos
televisuais que valorizem as
diferenças, as
individualidades, as minorias,
os excluídos, em vez de a
integração nacional e o
estímulo ao consumo. Por
fim, se é difícil conciliar tantos
interesses divergentes, a
qualidade pode estar (7)
simplesmente na diversidade,
o que significa dizer que a
melhor televisão seria aquela
que abrisse oportunidades
para o mais amplo leque de
experiências diferenciadas
(MACHADO, 2000, p. 24 e
25).

112
Por abordar a música de diversas formas,
com entrevistas, cobertura de shows e festivais,
reportagens sobre instrumentos, livros e discos,
podemos encontrar no programa as
características 6 e 7 descritas por Machado:
valoriza as minorias, individualidades e
excluídos em detrimento do estímulo ao
consumo, e abre oportunidade para diferentes e
variadas experiências. Não se limita a essas
características, mas são as que sobressaem.
Em uma edição do “Meu Instrumento28”
apresentada pelo músico Tuco Marcondes, foi
feita a análise do Ukelele, “um instrumento
havaiano, mas que na verdade descende do
cavaquinho, que foi inventado pelos
portugueses. Em uma passagem pelo Hawaii,
eles [os portugueses] deixaram o cavaquinho no
Hawaii e os havaianos modificaram o
cavaquinho, trocaram as cordas, botaram cordas
de tripa e mudaram a afinação [...] é um
instrumento comumente usado em música
havaiana, mas que com a globalização, muita

28
Disponível em:
<http://www.youtube.com/watch?v=xxJTn37uP6o>.
Acesso em: 7/2/2013.

113
gente do mundo pop e do rock e até da música
brasileira tem usado.” Essa análise reflete a
maleabilidade da cultura, exemplificando como
ela pode ser moldada de acordo com os
desejos.
Em outra edição do programa29, o músico
Marcus Rampazzo fala sobre a Sitar,
instrumento de cordas de origem indiana cuja
presença também pode ser percebida em
algumas obras de música nacionais, como em
trabalhos fonográficos do grupo musical
Nenhum de Nós30. Ao final do vídeo, o músico
diz:

"[...] esse tipo de instrumento,


pra você conseguir ganhar
dinheiro, você teria que estar
junto com dançarinas que vão
fazer um show com esse tipo
de música, em restaurantes, ou
no caso de filmagens, mas é
uma coisa bem restrita. Tenho
que reconhecer." Assim, o
programa apresenta o aspecto
da viabilidade de buscar

29
Disponível em:
<http://www.youtube.com/watch?v=bLAAWxV2Jd8>.
Acesso em: 7/2/2013.
30
Músicas "Deixa o Sol Entrar" (Faixa 7) e "Julho de 83"
(Faixa10) do disco Nenhum de Nós Acústico ao VIVO 2.

114
retorno financeiro ao se
dedicar a esse instrumento,
apontando que, para a
utilização profissional, o
mesmo traz possibilidades
bastante restritas.

Enquadrando a música a partir de uma do


olhar da inovação tecnológica, com a
apresentação de Bianca Jhordão, uma das
edições do quadro31 trata do theremim.
Inventado no início do século XX, na Rússia, é
um dos instrumentos eletrônicos mais antigos e
o único que responde contínua e imediatamente
ao movimento das mãos, sem, no entanto, ser
necessário o contato do tato com o mesmo no
momento da performance. O theremim é capaz
de produzir oscilações de alta frequência, puras
ou moduladas (efeito denominado heteródino)
através de dois osciladores de frequência
radiofônicas. São as antenas, ao redor das
quais as mãos são movimentadas para controlar
altura e volume. Além disso, Bianca Jhordão
aborda sobre o uso de efeito juntamente com o
31
Disponível em:
<http://www.youtube.com/watch?v=A0HGwcwIp80>.
Acesso em: 7/2/2013

115
theremim. Ela utiliza processadores de efeito
para guitarra, entre eles o delay, para provocar
uma continuidade maior e encorpar o som do
instrumento.
Além de instrumentos exóticos, como os
já citados, o quadro “Meu Instrumento” também
aborda sobre alguns mais comuns à cultura
global, como a guitarra elétrica32. Ela é
apresentada pelo guitarrista Mozart Mello, que
em sua explanação apresenta uma espécie de
“árvore genealógica” dos instrumentos de
cordas, partindo dos alaúdes, passando pelo
violão, chegando ao violão com captador, cuja
invenção é creditada a Les Paul. No entanto, de
acordo com Mozart Mello (2009):

Parece que todo mundo


concorda que o mentor da
guitarra mesmo foi o Léo
Fender, que já tinha criado o
amplificador e depois criou a
guitarra já com os captadores.
Ainda a guitarra “limpa”, sem
os efeitos, mas aquele som
maravilhoso já da guitarra.

32
Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=1yk-
rzEntMI>. Acesso em: 7/2/2013.

116
Essas informações são interessantes,
visto que ainda hoje as duas marcas mais
populares de guitarra no mundo são justamente
a Fender, que fabrica o clássico modelo
stratocaster, e a Gibson, cujo maior sucesso de
vendas é o modelo Les Paul. Mozart Mello
também se refere ao uso de efeitos no som,
que, conforme ele, é predominante na guitarra
contemporânea. O músico aponta como alguns
dos principais o drive (que adiciona ganho até
provocar certo grau de saturação, causando
uma distorção intencional) e o delay (que
provoca repetições). Ao falar de guitarra como
instrumento profissional, Mello diz o seguinte:

Tocar guitarra bem e ter


objetivo musical é uma coisa.
Ganhar dinheiro tocando
guitarra é outra coisa
completamente diferente.
Claro, você deve procurar
profissionais pra ter uma boa
formação, se possível uma
formação acadêmica, com o
seguinte detalhe: ser o mais
eclético possível. Tocar
sertanejo, axé, bossa
nova,jazz, MPB em geral. Tem
que ser eclético. Você pode se
especializar em gravação, em
software, ser professor, ser um

117
sideman - acompanhar
cantores -, é uma gama muito
grande que você não pode
descartar nenhuma (2009).

Qualidade X Mercado

Ao trazer e explicar instrumentos de


diversas origens, o programa intermedeia o
contato entre diferentes culturas e por muitas
vezes chega a explicar como porventura algum
desses objetos pode se integrar de forma
objetiva ao contexto da cultura receptora. É o
caso do berimbau, acerca do qual, ao se fazer
uma explanação sobre sua origem e vinculá-lo
contextualmente à história brasileira; podemos
encontrar resquícios do que seria o princípio dos
processos de globalização, iniciado pelas
grandes navegações.
O programa Radiola realiza uma
abordagem que transborda os limites das linhas
e impulsos fotoelétricos do televisor ou aparelho
de exibição de vídeo. É possível ter acesso a
tudo isso através das edições do quadro “Meu
Instrumento”, assim como nos demais contextos

118
do programa.
Programas como o Radiola não possuem
grande espaço nas emissoras comerciais.
Nessas, comumente a música é abordada
através da apresentação de bandas,
espetáculos ou, em casos mais raros, de
programas documentais, a exemplo do Por Toda
Minha Vida, transmitido pela TV Globo. Ainda
assim, quando encontrados nas TVs comerciais
abertas, cujo acesso da maioria da população é
muito mais fácil que os de sinal privado, esses
programas são exibidos em horários de menor
audiência, quando grande parte do público não
pode estar sintonizado. No caso da TV Cultura,
o Radiola é exibido nas sextas-feiras, às
20h:45min., e tem reprise aos sábados, às
23h:15min., horários nos quais as emissoras
comerciais exibem seus telejornais, telenovelas
ou programas de humor buscando uma maior
audiência. Diante dessas diferenças, a análise
em questão engloba questões de qualidade e
relação entre a música e a mídia.
Programas desse tipo não são produzidos
apenas para almejar grande audiência, mas

119
priorizam certos aspectos de qualidade menos
voltados para questões mercadológicas e mais
preocupados com a transmissão de
conhecimento e educação, especialmente
falando de som e música. Existem outros
exemplos a citar, como o “Som na Rural” - que já
foi veiculado pela TV Brasil e cujos vídeos estão
disponíveis em vlogs para apreciação a qualquer
momento - e como o “Som no Municipal”, um
site da web que utiliza de linguagem
videográfica e textual para tratar dos diversos
aspectos do som, sob diferenciadas
experiências e pontos de vista. Esses produtos
midiáticos têm em comum o enquadramento
exclusivo do som e da música sem a
preocupação com questões mercadológicas,
mas com o objetivo de atingir um público que
compartilhe desejos e necessidades de adentrar,
conhecer e compreender as questões do mundo
da arte sonora.

REFERÊNCIAS

FILHO, Jorge Cardoso; JÚNIOR, JederJanotti. A


música popular massiva, o mainstream e o

120
underground: trajetórias e caminhos da música
na cultura midiática.Intercom: UnB, 2006.

Página do Trama Radiola, do web-canal TV


Trama. Disponível em:
<http://www.youtube.com/user/TramaRadiola?bl
end=1&ob=5>. Acesso em: 7 de fevereiro de
2013.

MULGAN, Geoff. Television's Holy Grail: Seven


Types of Quality. In: The Question of
Quality.Londres: British FilmInstitute, 1990, p. 4-
32.

JAMESON, Fredric. Pós-modernidade e


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Cebrap: São Paulo, nº 12, pp.16-26, 1985.

LÉVY, Pierre. Cibercultura / Tradução de Carlos


Irineu da Costa. São Paulo: Ed. 34, 1999.

MCLUHAN, MARSHALL. Os meios de


comunicação com extensões do
homem(Tradução de Décio Pignatari). São
Paulo: Cultrix, 2005.

MACHADO, Arlindo. A televisão levada a sério.


São Paulo: Senac, 2000.

RINCÓN, Omar. Televisión, video y


subjetividad. Bogotá: Norma, 2006.

121
CORDEL ENCANTADO E A

REPRESENTAÇÃO DO NORDESTE

NA TELENOVELA BRASILEIRA

Alisson Leandro e Luíse Beatriz

Mídia e produção de sentidos

Parece não haver dúvidas acerca do


papel dos mass media enquanto contribuintes
no processo de construção de sentidos. Sendo
assim, torna-se imperativo pensar a edificação
subjetiva da realidade social aliada à influência
exercida pelos meios de comunicação. E, no
caso particular da sociedade brasileira, a
televisão, considerando o fato de esta se
configurar como presente na maioria dos lares,
de norte a sul do país. Tendo mais de 90% de
presença na maior parte dos países da região
(excetuando-se Guatemala onde esse número é
85%), os canais do sistema aberto de televisão
são os mis vistos na América Latina. No Chile o

122
número chega a 99%, na Argentina 95% e no
Brasil representa 97%. Essa penetração que
tem a televisão, a força de atrair a atenção de
uma quantidade expressiva da sociedade faz
deste meio de comunicação o que mais
possibilidades têm de exercer influências na
construção da subjetividade dos sujeitos sociais.
Nunca se fez tão necessário entender os
modos como são construídas as identidades
particulares e coletivas na contemporaneidade,
tendo em vista a complexidade que se encontra
a sociedade atual. Nesse processo é relevante
observar – sob a visão de Marshall McLuhan –
como elas estão expostas às influências das
mídias, e quais as causas e consequências
disso.
De acordo com Luís Felipe Miguel, “nas
sociedades contemporâneas, a capacidade de
disseminação de representações da realidade
social está concentrada na mídia” (2001, p. 44).
Ele argumenta que os conteúdos que os meios
veiculam ou deixam de veicular tem grande
significado no que se refere à percepção da
realidade social pelos indivíduos.

123
Eugênio Bucci (2005) o traduz muito bem
quando afirma que:

O que é invisível para as


objetivas da TV não faz parte
do espaço público brasileiro. O
que não é iluminado pelo jorro
multicolorido dos monitores
ainda foi integrado a ele [...] A
vida privada brasileira se
alimenta da mesma luz. É pela
TV que as crianças ingressam
no mundo do consumo,
aprendendo a desejar
mercadorias. É por ela que os
adolescentes aprendem a
namorar, que as donas-de-
casa descobrem como decorar
sua sala. Atelevisão consolida,
com suas novelas, seus
programas de auditório, os
trejeitos e gestos dos
apaixonados nas cidades do
interior, o modo de vestir, de
olhar ou não olhar para o
vizinho (p. 11-12).

Esta afirmação de Bucci é compatível


com as reflexões de Luckmann (1985) acerca
dos meios enquanto construtores da realidade
social. Para ele, os mass media interferem, de
modo considerável, nos processos através dos
quais os conhecimentos conseguem se
124
estabelecer enquanto realidade. E, nesta
perspectiva, muitas vezes contribuem para
reproduzir estereótipos, reflexo de um constructo
histórico e cultural, ou até mesmo fruto da
própria construção midiática.
Conforme Santaella (2002), a televisão
possui um voraz apetite e devora quaisquer
formas e gêneros de cultura, e tende “a
neutralizar todas as distinções geográficas e
históricas, adaptando-as aos padrões médios de
compreensão e absorção” (p.51). Ela afirma,
ainda, que a televisão é também produtora de
uma cultura que mescla entretenimento,
informação, educação, farsa e funciona como “o
mais almejado meio de difusão da cultura, dado
o alcance do público que ela pode atingir” (p.
53). Neste sentido, é importante considerar as
dimensões que podem alcançar as construções
de sentidos levadas a cabo por este potente
meio de comunicação na sociedade
contemporânea. De acordo com Loraci Hofmann
(199?) os meios de comunicação na construção
dos discursos transformam o conhecimento em
um instrumento eficaz para manipular as

125
consciências e conduzir as ações em direção da
concretização de uma realidade pré-
determinada. Correia (2008), nesta mesma
perspectiva afirma que “Sob o ponto de vista
temático, os media lidam com realidades
múltiplas ao suscitarem a interação entre o dia a
dia e outros campos de significados finitos”. E
complementa: “[...] na síntese do quotidiano,
procede-se a uma descontextualização de
imagens que ajudam a formar e a transformar a
percepção quotidiana das sociedades” (p.14).
Mas, de que forma essas construções de
sentido são apresentadas ao público por meio
de seus produtos audiovisuais? Quais aspectos
os caracterizam nessas mídias? É uma visão
isolada sem quaisquer antecedentes?
Conforme Michel Foucault (2000), não se
pode reconstruir um sistema de pensamento a
partir de um conjunto definido de discursos, mas
esse conjunto deve ser tratado de modo a nos
permitir ir além dos enunciados, buscando a
intencionalidade do sujeito falante, sua atividade
consciente, o que quis dizer. Esta afirmação
foulcaultiana traz imbuída uma advertência: a de

126
que não existe discurso livre de ideologia.
Torna-se relevante, então, atentar para o fato de
que a produção discursiva interfere nas relações
sociais estabelecidas entre os sujeitos, pois
quem constrói enunciados objetiva aceitação,
credibilidade.
Sobre essa questão vale trazer ainda
para a presente análise outra afirmativa
foucaultiana, a que estabelece uma estreita
imbricação entre relações de poder e discurso:
para Foucault, os discursos não são
espontâneos ou particulares, mas determinados
pelas relações de poder que controlam a práxis
humana. Em outras palavras, o filósofo francês
afirma que o discurso é permeado por relações
de poder, através de uma luta de vozes que
objetivam se difundir. E conforme o linguista e
doutor em Comunicação Milton José Pinto
(2002, p.27), “os modos de dizer podem ser
explicitados em modos de mostrar, de interagir e
seduzir”.
Partindo desta perspectiva, este capítulo
toma como base a telenovela Cordel Encantado,
exibida pela TV Globo (2011), a partir de uma

127
análise da forma pela qual a referida
teledramaturgia trata diferentes elementos da
cultura nordestina brasileira, através da análise
de 15 capítulos iniciais exibidos de 11 a 29 de
abril de 2011.
Assim, neste capítulo, serão expostas as
vertentes que cercam os aspectos da retratação
de uma cultura regional pelas mídias
audiovisuais, no intuito de questionar qual a
intenção de determinadas abordagens e o
porquê de terem sido construídas daquela
maneira, propondo dessa forma uma reflexão
acerca das muitas origens de estereótipos
presentes na vida societária.

A construção das identidades

Antes de partirmos para a análise do


objeto propriamente dito, consideramos
relevante tratar acerca do processo de
construção da identidade nas sociedades
contemporâneas. A complexidade do valor
atribuído à identidade abrange aspectos
interiores e exteriores ao ser humano. Diante de

128
uma sociedade multicultural, na qual é
necessário ao indivíduo descobrir-se enquanto
ser pensante e ativo, o desafio constante de
lidar com as suas múltiplas identidades poderá
fazer com que este saiba se relacionar bem ou
não com o outro e as suas diferenças.
Sobre isso vários teóricos têm
apresentado suas reflexões a partir da
perspectiva de que o conceito de identidade
deve ser retrabalhado com o intuito de dar
vazão às muitas transformações que ocorrem no
processo dinâmico das sociedades. Para eles –
a exemplo de Stuart Hall, Homi Bhabha e García
Canclini –, primeiramente é necessário deixar de
se referir à identidade (no singular) e passar a
considerar o seu plural, visto que, nas
sociedades contemporâneas – ou pós-modernas
como se queira chamar –, os indivíduos são
constituídos de várias identidades, que não são
fixas, mas fluídas. E é isso que Tomaz Tadeu da
Silva (2000) também aborda quando afirma que:

[...] a identidade não é uma


essência; não é um dado ou
um fato - seja da natureza,
seja da cultura. A identidade

129
não é fixa, estável, coerente,
unificada permanente. A
identidade tampouco é
homogênea, definitiva,
acabada, idêntica,
transcendental. Por outro
lado, podemos dizer que a
identidade é uma construção,
um efeito, um processo de
produção, uma relação, um
ato performativo. A identidade
é instável, contraditória,
fragmentada, inconstante,
inacabada. A identidade está
ligada a estruturas
discursivas e narrativas. A
identidade tem estreitas
conexões com relações de
poder (2000, p.96 e 97).

A televisão, em especial, com a utilização


de linguagens mais simples, vem conseguindo,
desde o seu advento, estreitar cada vez mais as
relações com seus telespectadores, tornando-se
uns dos agentes que auxiliam na formação das
subjetividades e, portanto, das identidades de
cada pessoa. Em suas teorias, Marshall
McLuhan (1979) já apregoava que o planeta se
aproximava cada vez mais do processo de
tornar-se uma “aldeia global”, onde a forma de
pensar, as habituações, o dito como “pessoal”,

130
“único”, seria cada vez mais parecido devido à
forte influência da televisão.
Os conteúdos disseminados pela
televisão não só podem influenciar os
telespectadores, como também podem sugerir
estereótipos. Como exemplo dessa afirmação,
podemos tomar a retratação das megalópoles
São Paulo e Rio de Janeiro, quase sempre
colocadas como sendo o padrão do Brasil, e
tudo o que está fora delas tende ao caricato.
Neste mesmo contexto, as regiões que mais
sofrem esta exclusão por parte da mídia são a
Norte e a Nordeste, mostradas em programas e
telenovelas com o olhar do Sudeste do país, que
as retrata, de modo geral, nos seus extremos.
Em O discurso enquanto constituinte da
realidade (199?) Hofmann afirma que “há
discursos capazes de produzir a realidade social
na medida em que determinam, para o conjunto
da sociedade ou para determinadas classes,
modos de pensar e agir que constituirão o seu
cotidiano e, portanto, a sua história”. Ao
considerarmos esta possibilidade, devemos
levar em conta, também, o fato de que os

131
conteúdos veiculados pelos diversos meios de
comunicação – em particular pela televisão –
são constituintes da realidade e,
consequentemente, formam parte de um
arcabouço formador das subjetividades dos
indivíduos e ou grupos sociais.
Outro ponto de vista, desta vez
conceituado pela pedagoga Maria Luíza Berlloni
(1992), trata da recepção dos jovens, em
especial, em relação ao conteúdo televisivo:

[...] As novelas, como os


seriados e desenhos
animados infantis, são
exemplos mais típicos de
escuta ritualizada. Enquanto
narrativas-sequênciais, estes
programas propiciam a
criação de relações afetivas
entre seus personagens e os
jovens. Criam também fortes
expectativas quanto ao
desenrolar da ação (do
enredo) assegurando um
público cativo todos os dias.
As telenovelas parecem ter
uma importância muito forte
na vida dos jovens estudados
(sua escuta ritualizada se
torna muitas vezes
compulsiva) (p.8).

132
Nordeste na mídia televisiva

A tarefa da retratação de um espaço, seu


povo e sua cultura, definitivamente não é fácil,
principalmente quando isso fica a cargo de
pessoas naturais de outros lugares. Neste
sentido, é mais comum retratar aspectos que
remontem ou façam lembrar determinado local,
através de observação e conhecimentos
superficiais, ou modelo já preestabelecido. Isso,
consequentemente, acaba dando margem para
a criação de estereótipos que resultam em um
preconceito regional e cultural muito grande.
A projeção da região Nordeste brasileira
nas diferentes mídias não foge a essa regra,
sobretudo, nas que se dirigem ao grande
público, como a TV e o cinema. Isso é notável
em diferentes produtos. Em telenovelas e séries,
nordestinos estão presentes, atrás ou na frente
das câmeras, mas raramente representando seu
próprio povo. O papel de retratar alguém dessa
região cabe quase sempre a atores originários
de diferentes lugares que se apropriam de
elementos linguísticos e comportamentais,

133
muitas vezes, preconceituosos, para dar vida ao
“personagem nordestino”. Este se enquadra em
um modelo que adapta tradicionalmente
diversos estereótipos. Nesse contexto, seu
espaço na trama se voltará para o núcleo de
humor da história, será um migrante de sotaque
“escrachado” que, com raras exceções, trabalha
em serviços gerais nos grandes centros, como
São Paulo e Rio de Janeiro – adota
“comportamento inadequado e rude” – além de
abusar de um linguajar “chulo”.
Desde a instauração do “novo cinema”
brasileiro, no início da década de 1990, os filmes
nacionais se voltaram para uma dramaturgia de
proximidade com a realidade nordestina. Para
isso, os diretores abusaram das paisagens
características desta parte do país para cenário
de suas produções. Na televisão isso acontece
há muito tempo. Mas em ambos há um aspecto
muito peculiar: diferentemente do que acontece
nas novelas de Manoel Carlos33, onde as praias
cariocas conciliam-se com o luxo e requinte de

33
Autor de novelas da emissora Rede Globo que costuma
retratar tramas teledramatúrgicos passados no Rio de
Janeiro.

134
prédios do Leblon – símbolo de uma abastada
classe média alta fluminense – no Nordeste as
belezas naturais ganham um contraponto com a
desigualdade social, e até a estetização do
sertão recebe como resposta a pobreza extrema
“causada” pela mesma, como fica subentendido
nas edições. São problemas sociais que afetam
todo o país, mas que adquirem um tom mais
agudo quando é o Nordeste em cena.

Cordel Encantado e “seu Nordeste”

Muito elogiada pela crítica especializada


e bem aceita pelo público, reflexo nos seus
consideráveis índices de audiência, a novela
Cordel Encantado inovou por trazer para a TV a
estética do cinema, tendo como consequência
uma fotografia impecável, além de figurinos
dignos de uma superprodução e um time de
grandes atores e atrizes, entre eles Zezé
Polessa, Marcos Caruso, Débora Bloch, Osmar
Prado, Matheus Nachtergaele e Reginaldo
Faria. Outro ponto importantíssimo e também

135
inovador dentro da sua produção está na
adaptação da Literatura de Cordel34 - daí o título
da novela - à produção audiovisual.
Tendo como base as mesmas que
qualquer outra telenovela, Cordel Encantado se
diferencia pela sua forma humorada de contar a
história, totalmente desprendida da realidade.
As histórias são desenvolvidas em um cenário
Europeu, em duas cortes denominadas Seráfia
do Norte e Seráfia do Sul e no sertão
nordestino, especificamente na fictícia Brogodó,
em um período que vai do final do século XIX ao
início do século XX. Cordel Encantado
apresenta uma mocinha que sonha em viver
feliz com seu grande amor; vilões que tentam
estragar tudo; e segredos que vão surgindo e se
revelando durante a trama. A telenovela conta
também com um emaranhado de diferentes
clichês que se encaixam coerentemente no
imaginário popular, remetendo o público às suas
fantasias de infância, confrontando em um

34
É um tipo de poema popular, presente principalmente
na Região Nordeste, que inicialmente era apenas falado e
depois passou a ser impresso em papeis ilustrados em
processo de xilogravura. Geralmente são encontrados em
folhetos.

136
mesmo espaço atemporal aspectos de
diferentes culturas: Cangaço x Nobreza Real e
Contos de Fadas x Literatura de Cordel.
Cordel Encantado faz referências a
diversos momentos históricos e importantes
filmes, dentre esses o Auto da Compadecida35·.
Entre as obras há muitas coisas em comum,
mas cabe ressaltar o misticismo, a cultura
popular e o humor despojado presente em toda
a trama, deixando-a divertida, tornando-a
atraente para muitos telespectadores. Assim
como no filme, a novela aborda e traz para o
debate um grande fenômeno da história do
Brasil, que foi o Cangaço, um movimento
instaurado no Nordeste muito antes do que se
imagina, tendo como uma de suas causas à
colonização do país descrito por Costa (1994):

Não o Brasil do índio, mas o


Brasil do português, das
capitanias hereditárias, o
Brasil dos donatários, o Brasil
dos flamengos de Mauricio de
Nassau, o Brasil do capitão-
mor, do senhor de engenho,

35
Filme de 2000 da Globo Filmes baseado na obra do
escritor paraibano Ariano Suassuna.

137
do latifúndio e do boi; o Brasil
das velhas ordenanças
manoelinas e filipinas. O
Brasil da Guarda - Nacional,
do Regente Feijó, o Brasil de
suas disputas internas,
eternas desavenças que
foram embriões, célula-ovo
de onde germinaram o
jagunço e o cangaceiro
(p.20).

O falho sistema de exploração do interior


da colônia para cultivo da agricultura em geral e
a criação do gado para o sustento da população,
já que o litoral havia sido todo tomado por
plantações de cana-de-açúcar para abastecer a
Europa – desde o século XVI –, fez com que o
latifúndio tomasse conta do sertão nordestino,
com grandes propriedades de terra nas mãos de
coronéis. Mais tarde, com o fracasso desse
modelo de exploração, aquela região e os
sertanejos foram abandonados, e como
consequência recorreram ao cangaço, como
saída.

A situação dos pobres do


campo, no fim do século e
mesmo em pleno século XX

138
não se diferenciava daquela
de 1856. Era mais do que
natural, era legítimo, que
esses homens sem terra, sem
bens, sem direitos, sem
garantias, buscassem uma
“saída” nos grupos de
cangaceiros, nas seitas dos
“fanáticos”, em torno de
beatos e conselheiros,
sonhando a conquista de uma
vida melhor. E muitas vezes
lutando por ela a seu modo,
de armas na mão. Eram eles
o fruto da decadência de um
sistema econômico-social que
procurava sobreviver a si
mesmo (FACÓ,1991, p. 21).

O olhar da sociedade daquela época,


induzido por uma minoria coronelista,
exemplifica um tipo de classificação denominada
pelo filósofo francês Jacques Derrida de
oposições binárias, processo pelo qual não há
uma mera divisão do mundo em dois lados
simétricos, mas sim onde um dos termos é
sempre privilegiado, recebendo então um valor
positivo, contrapondo ao outro lado que recebe
uma carga negativa. A forma pela qual constituiu
a classificação feita pelos coronéis é analisada
por Tomaz Tadeu da Silva (2000):

139
As classificações são sempre
feitas a partir do ponto da
identidade. Isto é, as classes
nas quais o mundo social é
dividido não são simples
agrupamentos simétricos.
Dividir e classificar significa,
neste caso, também
hierarquizar. Deter o privilégio
significa também deter o
privilégio de atribuir diferentes
valores assim classificados
(p.82).

Essa visão precipitada que o cangaço


recebeu se estendeu por décadas até que no
século passado houve uma inversão de valores.
A fim de criar heróis nacionais que
despertassem orgulho e patriotismo nos
brasileiros, o Brasil, por meio de seus
mecanismos de controle social, transformou
Lampião36, a figura mais emblemática e
conhecida entre os cangaceiros, em um mito
popular com forte apelo no Nordeste, o
representante de um estereótipo preconceituoso
construído para o homem dessa região, notável

36
Virgulino Ferreira da Silva, mais famoso e temido
cangaceiro do Nordeste, que viveu entre o final do século
XIX e início do XX.

140
nos personagens da novela a exemplo de
Jesuíno (Cauã Reymond), e reafirmado na
música tema de Herculano (Domingos
Montagner), onde a letra diz:

Lá no sertão, Cabra macho


não ajoelha, nem faz parelha
com quem é de traição. Puxa o
facão, risca o chão que sai
centelha,porque tem vez que
só mesmo a lei do cão [...] É
Lampa, é Lampa, é Lampa. É
Lampião meu candeeiro
encantado,meu candeeiro
encantado... Enquanto a faca
não sai toda vermelha,a
cabroeira não dá sossego, não
revira bucho,estripa corno,
corta orelha. Quem nem já fez
Virgulino, o Capitão37[...]

Partindo da análise dos quinze primeiros


capítulos da novela Cordel Encantado é possível
constatar que o Nordeste é representado em
tons terrosos como um local muito quente e de
paisagens bem secas. Poeira e sol são suas
maiores características, contrastando com as
paisagens frias e de tons escuros da Europa,

37
Música do cantor e compositor nordestino, Lenine.

141
representadas pelas Cortes de Seráfia. A cidade
cenográfica de Brogodó representa um
município humilde, em sua totalidade.
Os hábitos ditos como oriundos do
Nordeste são mostrados na novela a todo o
momento como, por exemplo, na festa de
noivado de Açucena (Bianca Bin) e Jesuino
(Cauã Reymond) cuja música foi o forró. A
novela, portanto, deixa transparecer que
independentemente da época, as
comemorações feitas neste local serão sempre
como o imaginário retrata as festas juninas, por
exemplo: com forró e comidas típicas. O elenco
protagonista é formado por atores do Sudeste
do Brasil que, apesar de terem sofrido
adaptações no sotaque e nas roupas, o jeito dos
seus personagens, em alguns momentos, não
parece “natural”.
As comidas apresentadas na novela
também são extremamente regionais, dando a
entender que os nordestinos só se alimentam
praticamente do que é comum em sua terra.
Exemplos disso ocorrem na cena que retrata o
café da manhã da família do prefeito (Marcos

142
Caruso), que oferece doce de abóbora, e nos
temperos utilizados por Maria Cesária (Lucy
Ramos) para cozinhar até mesmo as comidas
que não são originárias do Nordeste.
O linguajar dos personagens tenta se
aproximar do utilizado no sertão nordestino, mas
de forma muito exagerada. É comum dentro dos
diálogos a utilização de palavras como
“chamego”, “presepada”, “oxe”, “se lascou”
“mainha”, “painho”, além de fazerem
brincadeiras com este aspecto, como por
exemplo, o prefeito de Brogodó e sua esposa
(Zezé Polessa) referirem-se à rainha-mãe
Efigênia (Berta Loran) de “Rainha-Mainha” e
usarem de reverências exacerbadas na
presença do Rei (Carmo Dalla Vecchia), o que
causa um notável preconceito linguístico. É o
que afirma Marcos Bagno (2009) de maneira
bastante ilustrativa:

Como se vê, do mesmo modo


como existe o preconceito
contra a fala de determinadas
classes sociais, também
existe o preconceito contra a
fala característica de certas

143
regiões. É um verdadeiro
acinte aos direitos humanos,
por exemplo, o modo como a
fala nordestina é retratada
nas novelas de televisão,
principalmente da Rede
Globo. Todo personagem de
origem nordestina é, sem
exceção, um tipo grotesco,
rústico, atrasado, criado para
provocar o riso, o escárnio e
o deboche dos demais
personagens e do
espectador. No plano
linguístico, atores não
nordestinos expressam-se
num arremedo de língua que
não é falada em lugar
nenhum do Brasil, muito
menos no Nordeste. Costumo
dizer que aquela deve ser a
língua do Nordeste de Marte!
Mas nós sabemos muito bem
que essa atitude representa
uma forma de marginalização
e exclusão (2009, p. 59 e 60).

A novela mantém o Rio de Janeiro


próximo à trama nordestina, justamente para
não perder o referencial originário de um modelo
escolhido pela própria emissora. É possível
constatar isso quando Cordel evidencia que
aqueles pais que tinham um poder aquisitivo
melhor em Brogodó, mandavam os seus filhos
144
estudar na capital, como foi o caso de Doralice
(Nathália Dill), filha do prefeito Patássio (Marcos
Caruso) e Timóteo (Bruno Gagliasso), filho do
Coronel Januário (Reginaldo Faria), que, na
referida ficção, é representada pelo Rio de
Janeiro. Neste caso, fica claro um ponto
preconceituoso de que as capitais do próprio
Nordeste não têm estabelecimentos de ensino
de qualidade elevada, a ponto de ser preciso o
deslocamento até o Sudeste para obter um
ensino eficaz. No Nordeste, mais precisamente
em Pernambuco (Olinda), na primeira metade do
século XIX já havia faculdade de direito.
A novela deixa transparecer que os
sertanejos são pessoas muito boas, sempre
prontas para servir, porém, partícipes de uma
sociedade vista como retrógrada. Esse
enquadramento é retratado conforme a visão de
alguns personagens, como é o caso de Lady
Carlota (Luana Martau), que se refere aos
nativos como gente “pobre e primitiva”. A
sensatez e as ideias “inteligentes”, portanto,
cabem às pessoas que não são do lugar – como
os membros da corte de Seráfia – ou dos que

145
passaram muito tempo fora do Nordeste, a
ponto de “civilizar-se” (grifo nosso) o suficiente
na capital e nem falar como um nordestino nato,
como é o caso de Doralice (Nathália Dill), filha
do prefeito (Marcos Caruso).
Esse enquadramento atribuído pelas
autoras dá-se, possivelmente, pela forma como
as próprias enxergam esta região, ou, pode-se
dizer, a maneira como o Sudeste atribui valores
às terras nordestinas – e supostamente como
ele será recebido – é notado na maneira como a
novela, através de diversas situações, parece
colocar o Rio de Janeiro como o modelo, a
referência do correto, sugerindo, portanto, que
os aspectos da região Nordeste sejam
“inferiores” e que por isso “precisem” copiar o
comportamento e ideias de outra região.
No tocante ao Cangaço, a novela em
questão não dispensa estereótipos. A bravura
dos homens do Cangaço e o compromisso com
a sua “Lei” é notada na fala do personagem
Cangaceiro Herculano (Domingos Montagner)
quando diz que “palavra de cangaceiro vale
muito, temos honra”, “a lei do cangaço é severa,

146
entre nós não temos traidor”. O fato de as
autoras enfatizarem nas falas, principalmente do
chefe dos cangaceiros, que eles seguem uma lei
severa, onde aqueles que se dedicam a segui-la
precisam fazê-la integralmente, caracteriza o
enquadramento dado aos homens valentes do
sertão.

O outro lado do cangaço

Mas nem só de estereótipos foi


constituída a novela Cordel Encantado. Esta
obra deu um significado importante, desprendido
de estereótipos preconceituosos à ação dos
cangaceiros, deixando a entender que o que
eles fazem não é simplesmente pela maldade
do sertanejo, e sim por seu senso de justiça.
Esse aspecto é reafirmado na cena em que
Herculano (Domingos Montagner) fica entre o
dilema de cumprir a sua palavra dada à duquesa
(Débora Bloch) de encontrar a princesa perdida
ou preservar a felicidade do seu filho Jesuíno
(Cauã Reymond). Os conflitos internos
marcados pela escolha de manter a honra ou

147
contribuir para a felicidade daquele que mais
ama, põe em questão até onde vão os princípios
que marcam a vida de um homem destemido, e
qual identidade deve prevalecer: a de
cangaceiro ou a de pai. Neste caso, o instinto
paterno prevalece. Ao mencionar o senso de
justiça dentro do universo do Cangaço, Sinhá
Benvinda (Claudia Ohana), a mãe do
personagem Jesuíno (Cauã Reymond), comenta
que “Não é bandido aquele que rouba de quem
tem pra dar a quem não tem. Os cangaceiros
são a justiça dos pobres no sertão”.
Esses enquadramentos têm grande
importância, pois a novela atribuiu um valor
positivo àqueles considerados “do mal”, ao
contrário do linguajar caricato, e da
ridicularização de outros personagens, como por
exemplo, o do delegado Batoré (Osmar Prado),
que mesmo sendo autoridade policial tem muito
medo dos cangaceiros.

Lugares de identidades

Através da análise dos quinze capítulos


iniciais da telenovela Cordel Encantado foi

148
possível verificar como a mídia, sobretudo nas
telenovelas, consegue estereotipar os tipos
regionais brasileiros, a partir de determinados
enquadramentos – intencionalmente ou não –,
que podem ter com objetivo mostrar como é o
comportamento destes, ou mesmo, como os
autores enxergam aqueles que desejam retratar.
A referida teledramaturgia foi constituída por um
cenário basicamente nordestino, mas é possível
notar que quem rege o comportamento e o
desenrolar da trama dos personagens é a região
Sudeste, mantendo os nordestinos como os
coadjuvantes da sua própria história.
Os sertanejos são muito mais do que uma
forma “pitoresca” de falar e vestir-se, e que
residem em uma terra seca habitada por
pessoas “pobres e beatas” com homens
“valentes” e “rudes” dispostos a manter a sua
honra sobre qualquer circunstância. Em Cordel
Encantado, isso foi mostrado, infelizmente, com
base em preconceitos. As pessoas que
constroem produtos midiáticos precisam
desprender-se dos preconceitos e das
caricaturas atribuídos a determinados indivíduos

149
e/ou grupos que acabam disseminando em suas
produções.
Cabe, portanto, às mídias – em particular
à televisão – uma nova leitura acerca das
questões que giram em torno das diversidades
culturais. É preciso respeitar a pluralidade, a
diversidade e, sobretudo, considerá-las como
modelos para se explicar ou agir sobre uma
realidade.
Desta forma, é imprescindível considerar
que as identidades construídas ao longo da vida
fazem com o que o ser humano atribua relações
com os demais dentro do meio em que vive,
enxergando-se também no comportamento do
outro e, que, portanto, faz-se necessário
abandonar o velho esquema e apostar nas
diferenças como “lugares” que proporcionam a
construção de identidades coletivas e/ou
individuais. Neste sentido, os produtores de
conteúdos destinados aos meios de
comunicação têm papel importante a
desempenhar.

150
REFERÊNCIAS

BAGNO, Marcos. Preconceito Linguístico: o


que é, como se faz. 52 ed, São Paulo: Edições
Loyola,2009.
BELLONI, Maria. Luiza. O papel da televisão
no processo de socialização. Série Sociologia
nº 89. Brasília: UnB, 1992.

CORREIA, João Carlos. Jornalismo e a


construção do real: elementos para uma
abordagem sociofenomenológica da teoria da
notícia. Universidade Beira Interior,2008.
Disponível em:
<http://pt.scribd.com/doc/19085805/agregacaod
esenvolvimentodesenvolvidodesenvolvido-26-
de-julho>. Acesso em 11 de janeiro de 2012.

COSTA, Alcino Alves. Lampião Além da


Versão. Sociedade Editorial de Sergipe.
Aracaju, 1991.

FACÓ, Rui. Cangaceiros e Fanáticos. 9ed, Rio


de Janeiro: Betrand Brasil, 1991.

FOUCAULT, Michel. A Arqueología do Saber.


Rio de Janeiro: Forense, 2000.

HOFMANN, Loraci.Do discurso enquanto


constituinte da realidade (sem data). Disponível
em http://www.dacex.ct.utfpr.edu.br/loraci5.htm.
Acesso em 11 de janeiro de 2012.

151
LUCKMANN, Thomas. A construção social da
realidade: tratado de sociologia do
conhecimento. Petrópolis: vozes, 1985.

MCLUHAN, Marshall. Os Meios de


Comunicação como Extensões do Homem.
São Paulo: Cultrix, 1979.
MIGUEL, Luís Felipe. Meios de comunicação
de massa e política no Brasil.
DiálogosLatinoamericanos, número 003.
Dinamarca: Universidad de Aarhus, p. 43-70.
PINTO, Milton José. Comunicação e Discurso.
São Paulo: Hacker, 2002.
SANTAELA, Lucia. Cultura Midiática. In:
BALOGH, Anna Maria; ADAMI, Antonio et al
(org). Mídia, Cultura, Comunicação. São Paulo:
Arte e Ciência, 2002. p. 47 – 55.
SILVA, Tomaz Tadeu da. A produção social da
identidade e da diferença. In: SILVA, Tomaz
Tadeu da. (org). Identidade e diferença: a
perspectiva dos Estudos Culturais. Petrópolis,
RJ: Vozes, 2000.

TELENOVELA CORDEL ENCANTADO.


Disponível em:
<http://cordelencantado.globo.com/> . Acesso
em: 8, 9 e 10 de agosto de 2011.

152
O ESPELHO DA POLÍTICA BRASILEIRA NA

REVISTA VEJA: DENÚNCIAS DE

CORRUPÇÃO E O PODER DA MÍDIA

Bárbara Carvalho Gomes

A política no Brasil contemporâneo


perpassa por uma crise que se fundamenta,
entre outras coisas, na mercantilização de
cargos de confiança e na promoção de acordos
que beneficiem determinados partidos e/ou
grupos. Diante disso, percebe-se uma profunda
decepção e descrença dos cidadãos no que diz
respeito aos processos políticos. Pesquisa
realizada pela Fundação Getúlio Vargas38 em
2012 revela o ranking das instituições mais
confiáveis: as Forças Armadas lideram com 75%
das opiniões; seguida pela Igreja Católica
(56%); Ministério Público (53%); grandes
empresas (46%); imprensa escrita (46%);
governo federal (41%); polícia (39%); Poder
Judiciário (39%); emissoras de TV (35%);
38
Para maiores detalhes da pesquisa consultar site de
notícias da FGV: http://www.fgvnoticias.fgv.br/node/2847.

153
vizinhos (30%); Congresso Nacional (19%); e
partidos políticos (7%).
Isso pode explicar um dos fatores da falta
de participação política de muitas pessoas, que
as torna “passivas” diante das irregularidades de
determinadas gestões. E tendo em vista essa
situação, o presente capítulo analisa de maneira
descritiva e crítica publicações da revista Veja39
sobre os escândalos envolvendo os ministros do
governo de Dilma Rousseff, em 2011. Para
tanto, utiliza-se como metodologia a leitura e a
análise de diversas edições do semanário,
observando tanto os elementos textuais quanto
os icônicos. Assim, esta análise discute sobre as
formas de poder e a relevância dos
enquadramentos selecionados pelos meios de
comunicação.

39
Veja pertence ao Grupo Abril - de propriedade do
empresário Victor Civita. É a revista mais lida do País. Foi
fundada em 11 de setembro de 1968 - momento de
acirramento no cenário político nacional com a publicação
do Ato Institucional nº 5, mais conhecido como AI5, pelo
governo ditatorial militar instaurado no Brasil em 1964
que, entre outras questões, concedeu plenos poderes ao
Presidente da República, suprimiu o direito ao habeas
corpus, cassou os direitos políticos por 10 anos de
qualquer cidadão que se manifestasse contrariamente ao
governo.

154
O estudo é dividido em quatro partes, as
quais analisam oito publicações revista Veja, no
período compreendido entre os meses de
agosto e novembro de 2011. A análise torna-se
relevante por conta da discussão acerca do
atual panorama político do Brasil e o modo
como a mídia pode influenciar e até modificar
esse cenário. Logo, espera-se provocar uma
reflexão sobre o sistema político atual e mostrar
que o poder está onde há manifestações, onde
há atitudes que levam a um resultado
transformador.

Dinheiro por fora e a imprensa por dentro

Após a eleição de Dilma Rousseff como


presidenta do Brasil iniciou-se a disputa pelos
ministérios do governo brasileiro, e surgiu
também um novo cenário na política do país, a
“forçada transparência”, resultado da intensa
cobrança dos meios de comunicação com
relação à política. Na busca por denunciar a
corrupção, os mass media se empenharam em
produzir matérias de denúncias e investigativas.

155
Nessa perspectiva, a revista Veja, uma das
principais mídias impressas de âmbito nacional,
desempenhou função de destaque ao denunciar
a corrupção no governo e proporcionar, de certa
forma, o afastamento de seis ministros.
A primeira reportagem analisada traz à
tona a denúncia de Oscar Juca Neto, ex-diretor
da Companhia Nacional de Abastecimento
(Conab) que, indignado com a sua demissão,
acabou por entregar os esquemas entre os
partidos PMDB e PT. De acordo com ele, havia
uma espécie de consórcio entre os referidos
partidos para controlar o Ministério da
Agricultura, utilizando ainda a Conab para dividir
os cargos entre esses mesmos partidos em
troca de apoio político.
O texto da reportagem intitulada
“Dinheiro por Fora”, publicada no dia 3 de
agosto de 2011, inicia-se com a informação
sobre a publicação da exoneração de Oscar
Neto no Diário Oficial da União. No lead
destaca-se a referência do demitido: “Irmão do
líder do governo denuncia corrupção, fraudes e
propina no Ministério da Agricultura”; essa

156
informação é reforçada no primeiro parágrafo da
reportagem “irmão do poderoso líder do
governo, o senador Romero Jucá, foi indicado
para um cargo reservado na cota do PMDB e
não assimilou pacificamente a forma como
perdeu o emprego”. Para reforçar o discurso
denunciativo de Oscar Jucá Neto, há, no texto,
diversas frases em destaque, como por
exemplo: “A Conab é pior do que o DNIT”, a
partir da qual Jucá Neto faz alusão ao DNIT,
órgão que também foi palco de corrupção e que
culminou na demissão de vinte e um
funcionários do Ministério dos Transportes,
inclusive o próprio Ministro Alfredo Nascimento,
envolvido no esquema de propina entre os
órgãos DNIT e Valec (empresa pública
controlada pela União através do Ministério dos
Transportes); “O ministro é um homem de
Michel Temer. Faz o que ele manda. Deve
proporcionar ao vice-presidente muita coisa
boa”, referente ao ministro da Agricultura,
Wagner Rossi, acusando-o de oferecer propina
em troca de silêncio, além de favorecimento de
empresas em troca de financiamento de

157
campanha, e segundo Jucá Neto o Ministro tem
o apoio do vice-presidente.
Percebe-se, com isso, que a ênfase
dessas frases faz parte de um enquadramento
da revista Veja para direcionar o leitor a
interpretar os fatos de maneira a concordar e
acreditar na veracidade das denúncias.
Conforme Sádaba (2007) a seleção e saliência
de certos aspectos de um objeto agendado
funciona como um modo de encaminhar um
quadro narrativo, como uma etapa da
construção de um viés de abordagem. Neste
sentido, a revista Veja se pauta em objetivos
como: denunciar irregularidades, provocar
polêmica e fazer com que o leitor acredite no
que é enunciado.
Outro aspecto que se observa na
reportagem e reflete o enquadramento proposto
pelo semanário e questão diz respeito às
imagens publicadas. Conforme Martine Joly
(1996), de fato a imagem é uma linguagem,
específica e heterogenia; e que, por meio de
signos particulares propõe uma representação
escolhida e necessariamente orientada. Partindo

158
dessa ideia, observa-se, nas fotos: Oscar Jucá
Neto (aquele que acusa) aparece com o
semblante sério e fazendo sinal com o dedo
indicador como se tivesse apontando algo, como
se fosse o “enunciador da verdade”; enquanto o
ministro da Agricultura (o acusado) aparece com
um olhar vago, como se tivesse perdido nos
pensamentos, ainda fazendo um gesto com as
mãos – como se pegasse em algo, mas não há
nada em suas mãos; a imagem passa a ideia de
que ele foi pego de surpresa.

Figura 1: Oscar Jucá Neto e Wagner Rossi

Fonte: VEJA, 3 de agosto de 2011.

Na publicação da Veja do dia 10 de


agosto de 2011, o texto e as imagens trazem
mais denúncias de irregularidades no Ministério

159
da Agricultura, com a manchete “O homem da
mala”. A reportagem informa sobre um lobista
articulador de negociações ilícitas, Júlio Fróis,
que com o aval do ministro da Agricultura
transitava pelos departamentos do ministério,
propunha transações e oferecia propina sem ter
nenhum vínculo com a pasta.

Figura 2: Ministro Wagner Rossi

Fonte: VEJA, 10 de agosto de 2011:

Mais uma vez, nessa matéria publica-se


uma foto do Ministro Wagner Rossi com o
semblante de incerteza, como se tentasse
explicar algo. Sob o título “A dúvida do Ministro

160
Wagner Rossi” matéria apresenta uma
sequência de fotos: “O lobista da mala em
ação”, mostra o trajeto percorrido por Fróis, até
o ministério, e uma reunião realizada com os
assessores do ministro.
Tendo em vista que “as formulações
clássicas do agendamento sustentam que a
compreensão das pessoas sobre grande parte
da vida social se baseia nos temas pautados
pelos meios jornalísticos” (GUTMANN, 2006, p.
39), os elementos linguísticos e os signos
destacados na reportagem fazem parte de uma
pauta pré-estabelecida pela edição da revista, e,
com isso, tendem a direcionar os leitores ao
entendimento pretendido. A forma como o fato é
publicado interfere na interpretação; portanto, os
fatos e imagens são reconstruídos em uma
reportagem a fim de propor o ponto de vista pré-
agendado. A publicação dessa matéria
contribuiu diretamente para o afastamento do
Ministro da Agricultura, dando continuidade à
“limpeza” dos ministérios.
O próximo investigado, que também
obteve a imagem estampada na revista Veja foi

161
o ministro do Turismo, Pedro Novais, com a
matéria “A fila ainda anda”, publicada em 21 de
setembro de 2011. O ministro envolveu-se em
fraudes de convênios com organizações não
governamentais (ONGs) e desvios de dinheiro
público, que levaram dirigentes da pasta à
prisão, produziram um prejuízo estimado de R$
67 milhões.

Descontrole na política e controle na


imprensa

“A coisa fugiu do controle” é a matéria


da Veja publicada em 26 de outubro de 2011, a
qual traz a tona denúncias de irregularidades no
Ministério do Esporte. Na publicação anterior a
essa, em 19 de outubro, o policial João Dias
Ferreira, em entrevista, entrega um esquema de
corrupção ligado a Orlando Silva, Ministro do
Esporte. Logo, a publicação atual complementa
com mais esclarecimentos sobre o esquema,
afirmando que o planejamento partiu do próprio
ministro. Nessa transação, aliados eram donos
de ONGs beneficiadas que receberam e

162
desviaram 2 milhões de reais; os desvios
chegaram a 45 milhões no decorrer de três
anos.
Na matéria encontram-se informações a
partir da transcrição de conversas gravadas em
uma reunião, gravadas pelo próprio João Dias,
que provavelmente a usou por sentir-se sozinho
no “meio do fogo”, uma vez que este estava
sendo chamado de “bandido” por Orlando Silva.
“Eu só posso dizer a você duas coisas: primeiro
nós vamos apurar que m... é essa, a coisa fugiu
do controle, e por isso nós vamos abrir outra
frente.” Diz Fábio Hassen, assessor do
Ministério dos Esportes, a João Dias. Eles se
referem a um documento encaminhado à Policia
Militar pelo próprio ministério, que
responsabilizava o policial por irregularidades do
programa. Outra informação importante na
matéria em questão é que as imagens também
constroem a ideia que se pretende transmitir
através das denúncias. Em destaque tem-se a
foto do ministro Orlando Silva com os olhos bem
abertos, olhando para a direita e com a mão
cobrindo a boca – expressa surpresando, como

163
se fosse pego inesperadamente. E ainda, na
legenda: “NA LONA, Orlando Silva chamou o
seu acusador de “bandido”, mas não explicou
por que o bandido recebia tratamento
privilegiado.”. Na outra página encontra-se a foto
do acusador, o policial João Dias, gesticulando
com as mãos, como se explicasse algo muito
sério. Em seguida tem-se a imagem de Fábio
Hassen com a cabeça baixa, semblante
preocupado e com as mãos no lado direito do
rosto.

164
Figura 3: Orlando Silva, João Dias e Fábio
Hassen

Fonte: VEJA, 10 de agosto de 2011.

Nota-se que há uma intenção na forma


como são colocadas as imagens; elas ajudam a
criar a “verdade do discurso” (grifo nosso) e, de
certa forma, direcionar a interpretação do leitor,
como menciona Foucault (2000, p. 20), quando
afirma que “a vontade de verdade [...] que se
impõe a nós há bastante tempo, é tal que a
vrdade que ela quer não pode deixar de
mascará-la” (grifo nosso). Nesse sentido, a
verdade é direcionada ao que se pretende
165
mostrar; a questão está em qual ideia o
consumidor da Veja assimilará.
Pode-se perceber que os meios de
comunicação constroem discursos e, com estes,
pressionam e, de certo modo, controlam. Trata-
se da descoberta do poder. De acordo com
Foucault (1979), o intelectual é visto como
agente da consciência, posto que deve
aproveitar-se do seu discurso de verdades para
ser aquele que luta contra as formas de poder.
Dessa maneira, a imprensa descobre um jeito
de impor controle. A forma como o discurso é
ordenado, o enquadramento e as imagens se
materializam em um discurso poderoso. Tanto é
que a revista Veja foi publicada no dia 26 de
outubro e o Ministro dos Esportes Orlando Silva,
deixou o cargo no dia 29 de outubro de 2011.

Reforma ministerial

No dia 9 de novembro de 2011 a revista


Veja revela ao público mais um escândalo:
“Extorsão no Ministério do Trabalho”. Trata-se
da matéria que acusa os assessores e o próprio

166
ministro de cobrar suborno para liberar
pagamentos a ONGs suspeitas de
irregularidades. Neste caso, funcionários do
ministério assinariam convênios com as
entidades e repassavam dinheiro a elas, após
alguns meses suspendiam os repasses, e,
quando estas questionavam a suspensão, os
assessores do ministro propunham resolver o
problema desde que as ONGs retirassem 5% a
15% do valor repassado para o PDT, partido do
ministro Carlos Lupi.
Na edição da revista Veja da semana
seguinte, 16 de novembro, encontra-se mais
uma informação que agrava a situação do
ministério em questão. Sob o título “O voo cego
do Ministro do Trabalho” a matéria faz uso de
uma metáfora para chamar a atenção do leitor
para a denúncia: “voo cego” porque o próprio
ministro Carlos Lupi afirmou não conhecer os
seus companheiros do voo (o ministro teria
viajado em avião particular cedido por um
empresário partícipe do esquema). Na legenda
de uma foto do ministro, tem-se: “O ministro
Carlos Lupi mentiu ao congresso, ele disse que

167
mal conhece Adair Meira, o dono da Fundação
Pró-Cerrado, e que nunca viajou em aeronave
cedida pelo empresário”; mas logo descobriram
que quem alugou o avião para essa viagem foi
mesmo o empresário das ONGs.

Figura 4: Agenda do ministro Carloso Lupi

Fonte: VEJA, 16 de novembro de 2011

Além das fotos do ministro, a revista


ainda publica recortes do Portal do Trabalho e
Emprego para confirmar a agenda do ministro,
onde consta a viagem ao Rio Grande do Norte e
o lançamento do projeto em parceria com a
ONG de Adair Meira. É perceptível, com esta
matéria, que as denúncias são reforçadas com
168
imagens, textos impressos, ou fala de algum
envolvido no esquema; “os frames apareceriam
assim como um resultado do conjunto de
informações associadas a determinado tema
que, segundo a hipótese, seria utilizado para
“empacotar” as histórias oferecidas pela mídia”
(GUTMANN, 2006, p. 46). Isto provavelmente
para causar efeito de verdade e tornar a matéria
séria, sem tom de especulações.
Diante de todo o escândalo do Ministério
dos Transportes, houve ainda dois episódios
inesquecíveis na história da política brasileira: o
primeiro quando o ministro Carlos Lupi desafiou
a presidente Dilma Rousseff ao afirmar “Só saio
abatido a bala” e “duvido que a Dilma me tire”;
declarações reprovadas e que geraram
polêmica. Mas não acabou neste ponto, pois o
ministro, ao tentar se desculpar, disse:
“Presidente Dilma, desculpa se eu fui agressivo.
Eu te amo”, o que levou a revista Veja fazer uso
de ironia: “Uma declaração de amor tão sincera
quantos as prestações de contas de certas
ONGs.”.

169
Os esquemas nos ministérios, as
revelações contra o Ministério do Trabalho e as
pérfidas pronúncias do ministro Carlos Lupi
renderam à revista Veja a publicação de 22 de
novembro de 2011: Com o título “O substrato da
corrupção” e o lead “O patético caso do ministro
Carlos Lupi dá à presidente Dilma Rousseff a
oportunidade de corrigir uma prática que está na
raiz da maioria dos escândalos: o loteamento de
cargos com o objetivo de obter apoio ao
governo”, a matéria em questão enfatiza por
meio de um gráfico, o número de cargos de
confiança existente no Brasil (23.579), de
acordo com o periódico, o triplo em comparação
aos Estados Unidos e oito vezes a mais que a
Inglaterra. Conforme o texto Veja, “Loteiam-se
ministérios, autarquias, fundações e até 23.000
cargos comissionados à disposição do governo
federal”.

170
Figura 5: Número de cargos comissionados
em quatro países

Fonte: VEJA, 23 de novembro de 2011.

Ainda de acordo com a revista, esses


fatores contribuem diretamente nos esquemas
de corrupção, e assim, aqueles interessados em
burlar a ética encontram nas fragilidades da
política brasileira uma oportunidade para atos
ilícitos e principalmente para beneficiar o partido
no qual se filiaram. O reflexo de tudo isso se
encontra nos casos dos ministros; em especial,
essa publicação da revista faz um resumo dos
ministros exonerados.
Essa matéria da Veja tem por objetivo,
aparente, destacar a necessidade da reforma
ministerial no governo brasileiro, a fim de
eliminar os esquemas de favorecimento de

171
partidos, de desvios de verbas, de
apadrinhamentos; além de eliminar as formas de
exercer o poder por parte dos partidos à frente
dos ministérios, que corrompem a democracia e
privilegiam minorias.

Mídia e povo

Percebe-se, nestas matérias analisadas,


“certo poder” da mídia impressa no tocante à
denúncia de corrupção. São publicados fatos
através de quadros construtivos de um discurso
carregado de intenções; enquadram-se certos
elementos linguísticos e icônicos para se chegar
aos objetivos esperados.
Veja e outros meios de comunicação
podem colaborar para alterar a estrutura política
e aperfeiçoá-la. Entretanto, há quem questione
sobre os interesses dos meios de comunicação,
na medida em que eles podem ser corrompidos
quando omitem informações relevantes em
detrimento das famosas propagandas,
financiadoras dos próprios meios.

172
A própria Veja é alvo de sérias
denúncias40 de falta de ética, por haver, em
muitos momentos, deixado de apurar
determinados fatos e trabalhar como
“informações duvidosas”.
Ao se considerar as matérias analisadas
neste capítulo, dois questionamentos podem ser
feitos: 1) A revista Veja publicou a corrupção
ministral e mostrou às gestões políticas o seu
“poder” (grifo meu) pela ânsia por democracia e
defesa da ética ou por não coadunar com as
ideologias dos grupos que estão no poder? O
referido periódico dedicou-se a fazer-lhes
oposição? Talvez essas sejam questões para
40
Podemos citar alguns exemplos, tais como: A triste capa
da Veja. Disponível em:
<http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/_e
d691_a_capa_%28infeliz%29_da_revista_veja>;Veja
ataca a democracia e educação pública. Disponível em:
<http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/vej
a_ataca_a_democracia_e_educacao_publica>;Veja aderiu
à imprensa marrom. Disponível em:
<http://www.observatoriodaimprensa.com.br/ews/view/veja
_aderiu_a_imprensa_marrom>;O direito de resposta que a
revista não publicou. Disponível em:
<http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/o_
direito_de_resposta_que_a_revista_nao_publicou>. Há
muitas outras que podem ser encontradas no site do
Observatório da Imprensa
(http://www.observatoriodaimprensa.com.br/.).

173
um estudo futuro: o que está por de trás das
publicações.
Neste momento, no entanto, cabe refletir
que o poder político não pode suplantar os
demais poderes; que os cidadãos e os meios de
comunicação devem e precisam mostrar a sua
força. E o controle não está apenas em
auditorias – muitas vezes “viciadas” –, mas pode
ser exercido pela comunicação, pela voz do
povo, pela mídia.

REFERÊNCIAS

FOUCAULT. Michel. A ordem do discurso. São


Paulo: Loyola. 2000.

FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder.


Organização e tradução de Roberto Machado.
Rio de Janeiro: Edições Graal, 1979.

JOLY, Martine. Introdução à análise da


imagem. 6 ed. Campinas: Papirus, 1996.

GUTYMANN, Juliana. Quadros narrativos


pautados pela mídia: framing como segundo
nível do agenda seting?. Contemporânea,
Revista da comunicação e cultura, Salvador,
Vol. 4, nº 1, p. 25-50. Junho. 2006.

174
SÁDABA, Teresa. Framing: el encuadre de las
notícias. El binomio terrorismo-medios. Buenos
Aires: La crujía, 2007.

175
PRODUÇÃO DE ENUNCIADOS E RELAÇÕES
DE PODER: A “ARQUITERURA” DAS CAPAS
DA REVISTA “VEJA”

Érica Fontes Latiff

As capas de revista são expostas em


diversos locais na sociedade. Formam parte do
arcabouço discursivo e manifestam uma
intenção da editora que pode ser a de informar,
de seduzir ou de convencer o seu possível leitor.
A capa é a primeira página de uma revista e tem
como propósito atrair a atenção do receptor.
Para isso, utiliza-se não somente elementos
linguísticos verbais como também os não
verbais. A partir desses conceitos, o presente
capítulo foi elaborado partindo de uma análise
da publicação de quinze capas consecutivas da
revista Veja, no período de 14/09/11 à 21/12/11,
especificamente as que tratam de manchetes
políticas. Para esta análise foi realizada uma
pesquisa no site (http://veja.abril.com.br) que
oferece gratuitamente o acesso a todas as
capas publicadas pelo periódico em questão.

176
A escolha da revista Veja como objeto de
estudo justifica-se pelo fato de ter grande
circulação no País, considerada, por muitos,
como uma grande formadora de opinião. A essa
reflexão não interessa o conteúdo das matérias,
mas como a revista em questão elabora suas
capas, ou seja, os elementos que a compõem.
Como referenciais teóricos foram utilizados
diversos autores, entre eles Mikhail Bakhtin e a
construção do enunciado, Michel Foucault e as
relações de poder envolvidas no discurso, Milton
José Pinto no que se refere à foto publicitária e
sua função de seduzir o leitor, além de Luciano
Guimarães e suas reflexões acerca da cor como
informação.
O resultado desse estudo poderá levar
leitores a uma melhor compreensão e
percepção de como uma capa de revista pode
se constituir de elementos reforçadores do
framing41, através de uma organização textual e

41
Compreendido aqui como a ideia central organizadora
dos conteúdos das notícias a partir de um processo de
seleção, ênfase, exclusão e elaboração, ou seja, a ideia
central que dá sentido aos acontecimentos. Ver SÁDABA,
Teresa. Framing: el encuadre de las notícias. El binomio
terrorismo-medios. Buenos Aires: La Crujía, 2007.

177
composicional, que buscam seduzir o leitor,
tornando-se um atrativo para o consumo do
produto em si e também das ideias contidas em
seu conteúdo.

Perfil da Veja

Criada pelos jornalistas Victor Civita e


Mino Carta, Veja é um periódico semanal
brasileiro, da Editora Abril, cuja primeira edição
foi publicada em setembro de 1968. Com
tiragem superior a um milhão de exemplares é a
revista mais vendida e conhecida no país.
Aborda temas do cotidiano da sociedade
brasileira e do mundo, como política, cultura,
economia, tecnologia, ecologia e religião. Os
textos são elaborados em sua maior parte por
jornalistas, mas nem todas as seções são
assinadas. A revista também possui seções
fixas de cinema, literatura e música, guias
práticos sobre assuntos diversos, entre outras
variedades. Este periódico publica,
eventualmente, edições que tratam de assuntos
regionais, como Veja São Paulo ou Veja Rio.

178
Conforme Magalhães (2003) Veja tem como
público alvo as camadas mais favorecidas da
sociedade, que têm a capacidade de influenciar
politicamente outros segmentos sociais. A
revista é entregue aos assinantes aos sábados
e nas bancas aos domingos, mas traz a data
das quartas-feiras. Inspirada no modelo
estadunidense, o periódico é composto por
matérias jornalísticas que procuram, além de
informar, interpretar os fatos.

A arquitetura das capas

Como acontece com todos os periódicos,


a capa é uma página cujo principal objetivo é
atrair o leitor. Nela, estão contidos os primeiros
textos e imagens, principalmente porque ficam
expostas para chamar a atenção dos possíveis
consumidores, podendo despertar ou não o
interesse pelo conteúdo e levar o público ao
desejo de leitura e consumo. As capas têm
natureza informativa, pois anunciam as
principais matérias contidas na revista. Essas
informações podem ser consideradas como

179
enunciados concretos, ao se configurarem como
gêneros discursivos, cumprindo um determinado
papel comunicativo. Os enunciados das capas
são cuidadosamente elaborados, levando em
conta interesses tanto de quem publica quanto
de quem lê. De acordo com Bakhtin (1997), a
construção do enunciado leva em conta as
atitudes responsivas, em prol das quais é criado.
O papel do outro, para quem o enunciado é
construído, é excepcionalmente grande, não
sendo estes passivos, mas partícipes ativos da
comunicação discursiva. Além disso, uma capa
de revista é constituída por três elementos de
grande importância: estilo, composição e
construção composicional.
O designer da referida revista e a
preocupação estética de suas capas é um dos
principais destaques. É possível observar uma
valorização da fotografia. Cerqueira (2007),
citando Dorneles (2004), diz que a Veja destina
60,35% de sua superfície gráfica à publicação
de imagens fotográficas; sendo assim,
considerando os periódicos semanais, esta
revista seria a que mais destinaria espaço às

180
fotos. Guimarães (2001) afirma que, ao longo do
último século, ocorreu um avanço do espaço
destinado às imagens em relação ao espaço
das palavras, ‘‘um cenário no qual as imagens
devoram sua própria cria, a escrita’’. De acordo
com Pinto (1999), a foto publicitária tem uma
função de seduzir o leitor.

A contribuição do receptor na
interpretação dos valores
expressivos é também
importante no caso das
imagens, cujas conotações são
sugeridas por meio de técnicas
de manipulação dos retratados
e do cenário, enquadramento,
iluminação, profundidade do
foco, utilização de recursos de
edição, como a diagramação
(p. 69).

Assim, na capa, além do discurso verbal,


pode-se observar a presença da produção do
discurso não verbal, o que possibilita aos
elementos visuais assumirem o papel de
operadores do discurso. Dessa forma, a imagem
também é texto. Para Maingueneau (1997), um
texto publicitário é, em sua essência, imagem e
palavra; e nele até mesmo o verbo se faz

181
imagem. Assim, as imagens também devem ser
concebidas como discurso.
Geralmente nas capas de revista há um
assunto destacado, para criar um maior impacto
e chamar mais atenção. As temáticas
secundárias são sintetizadas em chamadas
distribuídas na página, em lugares estratégicos,
levando em conta o seu grau de importância. O
conjunto dos elementos dispersos constitui uma
composição linguística e plástica. Nos
elementos de composição é possível observar
os tipos de letras e seus tamanhos, as cores, os
textos distribuídos ao longo da página e as
imagens. Nessa composição, nada é aleatório.
A cada edição pode-se observar uma
característica diferente. É possível observar,
também, que outros elementos constitutivos das
capas – tais como o nome da revista, o número
da edição, a data de publicação, a logomarca da
empresa que publica a revista – estão dispostos
em lugares estratégicos e são importantes na
produção de sentido. Sobre a estratégia de
produção do discurso Foucault (2009) diz que os
discursos não são espontâneos ou particulares,

182
ao contrário, são determinados pelas relações
de poder que controlam a práxis humana. Para
este filósofo francês, o discurso é permeado por
relações de poder, através de uma luta de vozes
que objetivam se difundir. No discurso
jornalístico essas relações acontecem da
mesma forma, uma vez que suas raízes estão
nas práticas culturais e nas relações de poder,
influenciadas pelas instituições: família, Estado,
religião. Por mais que esse discurso seja
aparentemente bem pouca coisa, as interdições
que o atinge revelam logo, rapidamente, sua
ligação com o poder.
Analisando as capas da Veja pode-se
verificar, ainda, que a cor que preenche as letras
é variável, e leva em conta o tema dos
enunciados e sua relação com as outras cores
presentes na composição. Guimarães (2000)
compreende a cor como informação. De acordo
com ele, as cores assumem forma e significado
regidos por códigos culturais. Guimarães ainda
diz que a mídia, no século XX, conferiu um
papel de destaque para a cor na comunicação
visual. Na mídia impressa, as revistas foram as

183
primeiras a saírem do preto e branco, tornando
as imagens mais exuberantes e dotando-as de
uma força ainda maior.

A política nas capas da Veja

As manchetes contidas nas capas da


revista Veja tratam de diversos temas. No
entanto, as análises de quinze edições
consecutivas objeto deste capítulo, no período
compreendido entre 14 de setembro a 21 de
dezembro de 2011, possibilitaram verificar que
em dez edições houve a presença de
manchetes de política, sendo que em cinco
edições – 28/09/11, 26/10/11, 9/11/11, 14/12/11
e 21/12/11 – a temática “política” constituiu a
manchete principal. Na soma de manchetes
secundárias e principais, tem-se o total de
dezesseis com o tema política. Considerando a
política nacional e internacional, pode-se
observar que apenas quatro das dezesseis
manchetes sobre política tratam de assuntos
referentes a outros países: as publicadas nos
dias 28/09/11, 09/11/11, 30/11/11 e 21/12/11. Ao

184
considerar as dezesseis manchetes sobre
política, observa-se a repetição de um subtema:
dez deles tratam diretamente sobre corrupção,
que talvez seja, atualmente, a palavra e/ou ideia
mais ligada à política brasileira; destas, quatro
trataram sobre os ministros Orlando Silva
(19/10/11 e 26/10/11) e Carlos Lupi (16/11/11 e
30/11/11). Analisando as imagens das matérias
de capa ligadas a política, percebe-se que em
apenas duas são utilizadas fotografias: as
publicadas nos dias 28 de setembro e 9 de
novembro; uma mescla fotografia e arte gráfica
verificou-se na edição publicada no dia 14 de
dezembro e, nos dias 26 de outubro e 21 de
dezembro, a revista fez uso somente de arte
gráfica. Percebe-se que imagem e texto
configuram-se como linguagens
complementares, pois em todas as cinco
edições as imagens não “falam por si só”,
precisam do auxílio do texto para ser
compreendidas. Conforme Scalzo (2004), a
imagem e a chamada principal da capa devem
se complementar e transmitir uma mensagem
coerente e coesa.

185
Em apenas uma das capas (9/11/11)
optou-se por utilizar a imagem de fato,
correspondente à situação, que foi a foto do ex-
presidente Lula. Essa matéria em particular,
apesar de também ligada à política, trata da luta
pessoal de Lula contra o câncer. Das onze
manchetes secundárias, apenas uma (9/11/11)
não é acompanhada por fotografia ou imagem,
manchete referente à corrupção em ONGs.
Quanto às cores, foi possível observar
que, em todas as matérias de capa, o colorido
utilizado influenciou a cor da logomarca da
revista. Na capa do dia 9/11/11, que traz Lula
como principal assunto, a cor da logomarca é a
mesma utilizada para destacar o nome do ex-
presidente, que por sua vez é também escrito
com um tamanho maior em relação às outras
palavras da mesma manchete. No plano de
fundo das manchetes secundárias que tratam de
política, observa-se apenas o uso de três cores:
preto, branco e vermelho. Em dez das onze
manchetes secundárias são utilizadas apenas
duas cores para o texto, exceto na revista do dia
9/11/11, já exposta acima, que utiliza três cores

186
no seu texto: cinza, branco e vermelho.
Entretanto, os textos das matérias de capa
abusam do uso de cores e fontes. Percebe-se
que para a matéria principal não há um padrão
estético.

Figura 1: Capa do dia 26/10/2011

Fonte: VEJA, 26 de outubro de 2011.

Na matéria de capa da edição do dia


26/10/11, percebe-se o uso de diversos
tamanhos de fontes, que totalizam seis
dimensões diferentes, bem como a utilização de
três cores de forma alternada. Exemplo disso é

187
o uso do amarelo que começa a manchete,
também utilizado para numerar tópicos de
chamadas e para finalizá-la, configurando-se
como um destaque referente ao texto
anteriormente mencionado. Sobre essa
arquitetura Cauduro (1998) citando Bertin (1975)
diz que, em termos visuais, tais diferenças
podem ser sentidas no que se refere aos
atributos da forma, tais como cor, tamanho,
figura, orientação angular, posicionamento
espacial e contraste. O texto tem em destaque
tanto de cor quanto de dimensão as expresões
‘‘Dez motivos para se indignar com a corrupção’’
e o valor ‘’85 bilhões’’. A palavra de maior
destaque é ‘‘indignar’’, ressaltada pela dimensão
da letra e por estar entre frases destacadas em
amarelo. A imagem dessa matéria também é
bastante significativa para análise. A máscara,
que geralmente representa o oculto, o não
identificado, é a imagem principal. Essa máscara
é uma crítica aos políticos que roubam,
sonegam e, muitas, vezes não são identificados.
A máscara da revista foi pintada com listras
verde e amarela na bochecha, cores que fazem

188
alusão às da bandeira do Brasil. A expressão
facial da máscara denota cinismo, ironia –
sentimento que comumente associamos aos
políticos que fazem um mau uso do poder e do
dinheiro públicos que deveriam administrar e
depois alegam que nada sabiam e que não
tinham nenhum tipo de envolvimento com tal
situação.
Também é possível observar, ao
analisar as matérias de capa, que tratam da
política, a existência de uma predileção em
colocar textos e não somente chamadas das
matérias. A única matéria de capa que
apresentou apenas a chamada foi na revista que
traz a luta de Lula contra o câncer como matéria
principal (edição publicada em 9/11). Na análise
também é possível observar a tendência de
mais de uma matéria ligada à política quando a
manchete principal aborda este tema. Isso
ocorreu em quatro capas, das cinco que contêm
a manchete principal ligada à política (28/9/11,
26/10/11, 9/11/11, 21/12/11).
Outro ponto observado é que os
elementos contidos nas capas também podem

189
denotar relações de poder. Fica claro, dessa
forma, que os editores da revista compõem as
capas contendo enunciados e elementos
ideologicamente persuasivos. Exemplo disso
pode ser visto na capa do dia 9/11/11. O ex-
presidente Lula é mostrado de cabeça e olhos
abaixados, com a mão fechada na boca,
transmitindo uma ideia de abatido, doente; muito
diferente do que costumeiramente apareceu nos
últimos anos – como um homem forte e ativo.
Além da imagem cabisbaixa de Lula, as cores –
preta, branca e cinza -, foram minuciosamente
eleitas como mais um recurso para dar vazão a
essa ideia de homem abatido, cansado, sem
vigor, denotando fracasso, ao contrário de toda
a imagem construída anteriormente em torno da
figura do ex-presidente da República do Brasil,
que o trouxeram preenchido com o vermelho e o
branco, em alusão Partido dos Trabalhadores
(PT), como no exemplo abaixo.

190
Figura2: Capa do dia 16/4/2008

Fonte: VEJA, 16 de abril de 2008

Assim, na capa do dia 9/11/11, o preto


foi utilizado reforçando palavras importantes –
‘‘luta’’ e ‘‘contra’’. A cor nos remete a várias
conotações, mas principalmente a de doença e
luto. A cor preta também serve para destacar a
informação que preencheu o restante do texto;
sugere menor expressividade.

191
Figura 3: Capa do dia 9/11/2011

Fonte: VEJA, 9 de novembro de 2011

A cor branca aparece no plano de


fundo. Através de sua neutralidade, ou ausência
de cor, o branco realça ainda mais o texto e a
imagem do ex-presidente. A cor branca contorna
ainda o nome VEJA. Essa estratégia permite
inferir que a intenção dos enunciadores é a de
transmitir a ideia de seriedade da revista diante
da doença de Lula. Assim como o cinza, usado
em grande parte do texto, talvez numa tentativa
de induzir o leitor a inferir que a revista terá
informações sérias sobre o assunto. Esta cor
também aparece no nome da revista,

192
ressaltando mais uma vez a seriedade da
notícia. Pode-se observar que a roupa do ex-
presidente também tem um tom de cinza, bem
como a barba e o cabelo grisalhos, que
combinam mais uma vez com o preto, o branco
e o cinza, cores ‘‘arquitetonicamente’’ escolhidas
para esta capa.
Outra capa que contém elementos
interessantes para análise, conforme o viés de
elementos ideologicamente persuasivos é a
publicada no dia 28/09/11. Nesta, pode-se inferir
que os editores procuram transmitir um
sentimento de indignação. A frase ‘‘NÃO DÁ
MAIS’’ em destaque, é escrita toda com letras
maiúsculas, em dimensão maior do que as
outras palavras e com uma exclamação no final,
bem como o destaque em amarelo para as
palavras ‘‘leis absurdas’’, que infere que a
revista busca provocar tal sentimento no
receptor.

193
Figura 4: Capa do dia 28/9/2011

Fonte: VEJA, 28 de setembro de 2011

O texto é acompanhado pela imagem de


um homem com expressão facial de raiva,
denotando visível indignação. Tal expressão é
cientificamente explicada a partir do
conhecimento da investigação de Paul Ekman
(2007). Esse psicólogo estadunidense realizou
um estudo empírico segundo o qual o ser
humano pode assumir sete expressões
primárias: tristeza, raiva, surpresa, medo, nojo,
desprezo e alegria. Conforme Ekman, essas

194
emoções são inatas a todos os seres humanos
e transversais a todas as culturas do mundo.

Figura 5: As sete expressões faciais


primárias de Cal Lightman,
protagonista de Lie to me, série de
televisão baseada nos estudos de
Ekman42

Fonte: Site Biscoito Sortidos

A microexpressão de raiva, apresentada


na revista, é, então, facilmente reconhecida pelo
leitor. Para os leigos, é apenas possível
identificá-la por ser uma emoção básica, que
todos os seres humanos têm contato durante a
42
Disponível em:
<http://www.biscoitossortidos.com/2010/02/06/li
e-to-me-3/>. Acesso em: out 2011

195
vida por diversas vezes. Entretanto, para os
estudiosos, a expressão é composta de
características faciais. Mandler (1997) afirma
que Ekman, em sua análise, afirma que a face
tem 43 músculos que, combinados, produzem
10 mil expressões. A microexpressão de raiva,
conforme ele está composta pelas seguintes
características: pupila dilatada, narinas
alargadas, a parte interior das sobrancelhas
contraídas simultaneamente para baixo, os
lábios pressionados um contra o outro, ficando
mais finos e a margem vermelha dos lábios mais
castanha. Além disso, à fotografia foi aliada
uma edição de imagem que colocou uma
‘‘fumacinha’’ saindo dos ouvidos. A fumaça é
associada a tal emoção, o que reforça ainda
mais a expressão e a intenção da revista. Fica
claro, dessa forma, que os editores compõem as
capas contendo enunciados e elementos
ideologicamente persuasivos.
Com o papel de apresentar as matérias,
as manchetes são cada vez mais elaboradas,
levando em conta estratégias de marketing, e
formam uma espécie de pacote, cuja

196
embalagem é bastante atrativa ao consumidor.
Após a análise de quinze capas consecutivas da
revista Veja e suas manchetes sobre política foi
possível perceber quão rica elas podem ser
através de suas linguagens verbal e não verbal,
bem como dos demais elementos
composicionais dispostos estrategicamente. As
leituras e observações feitas neste capítulo, sem
dúvida, não esgotam as possibilidades de outras
reflexões. Esta análise buscou não somente
refletir sobre os elementos presentes nas capas
de revistas, tomando como base a Veja, mas
levar o leitor deste trabalho a instigar suas
próprias reflexões e entendimentos dos
ingredientes desse tipo de mídia impressa.

REFERÊNCIAS

BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal.


2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997.

CAUDURO, Flavo Vinícius. A prática semiótica


do design gráfico. São Paulo: Verso e reverso,
1998.

197
CERQUEIRA, Antônio Aílton Ferreira de.
Representação visual da morte nas capas
das revistas Veja e Istoé. In: Encontro do
Mestrado em Letras - UFPI, 2006, Teresina. I
Encontro do Mestrado em Letras - UFPI, 2006.

EKMAN, Paul. Emotions Revealed:


Recognizing Faces and Feelings to Improve
Communication and Emotional Life. New York:
Owl Books, 2007.

FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso:


aula inaugural no Collège de France,
pronunciada em 2 de dezembro de 1970. 18.ed.
São Paulo: Loyola, 2009.

GUIMARÃES, Luciano. A cor como


informação: a construção biofísica e cultural da
simbologia das cores. São Paulo: Annablume,
2000.

MAGALHÃES, Laerte. Veja, isto é, leia.


Teresina: Edufpi, 2003.

MAINGUENEAU, Dominique. Novas


tendências em analise do discurso. 3.ed. São
Paulo: Pontes, 1997.

Mandler, George. The Psychology of Facial


Expression. Cambridge University Press, 1997.

PINTO, Milton José. Comunicação e Discurso


- Introdução à análise de discursos. São Paulo:
Hacker Editores, 1999.

SCALZO, Marilia. Jornalismo de Revista. São


Paulo: Contexto, 2004.

198
REVISTA VEJA. http://veja.abril.com.br

WIKIPEDIA. http://pt.wikipedia.org/wiki/Veja

199
AUTO ESPORTE E REDE GLOBO:
INFORMAÇÃO OU PROPAGANDA?

Mariana de Souza Ferreira dos Santos

Voltado para o cenário automobilístico, o


programa Auto Esporte, exibido na Rede
Globo nas manhãs de domingo, às 9 horas,
é apresentado por Millena Machado e Álvaro de
Oliveira, com direção de Konrado Reys. O
programa tem por principal característica o
merchandising. À luz desta perspectiva, este
artigo trata sobre o programa com
direcionamento ao tema “Auto Esporte e Rede
Globo: quando a propaganda é apresentada
como informação”.
Alguns programas televisivos se
encarregam de levantar para a emissora a que
pertencem um ganho capital astronômico ou
simplesmente uma receita de manutenção. No
caso do Auto Esporte, o enquadramento cabe
na primeira colocação – o “motor” do programa é
o merchandising de marcas nacionais – e
especialmente – internacionais. Analisando a

200
programação que se configura como sustento
da emissora, o ponto de referência deste artigo
é o mascaramento da propaganda como
informação. À luz de Gutmann, no Auto Esporte,
o frame, ou enquadramento, é a propaganda
como suporte da informação. É o merchandising
quem faz a notícia.

O enquadramento da geração de receita

O programa global Auto Esporte possui


39 patrocinadores multinacionais que se tornam
notícia a cada programa. Este artigo tem
respaldo em 15 edições “publieditoriais” que
contemplam essa realidade. Somente em uma
matéria, o programa arrecadou uma receita de
300 mil reais de uma das marcas, o que
fortalece o argumento de que o programa é um
dos maiores sustentos da emissora em que é
veiculado.
Pode-se verificar nas matérias analisadas
que o programa se pauta nas necessidades e
curiosidades dos motoristas-telespectadores
para promover marcas ligadas ao cenário

201
automobilístico. Como exemplo, os programas
que trataram das diferenças entre tipos de
lubrificantes e qual seriam mais satisfatórios
para cada público, e de como cuidar bem de
uma moto; além de matérias que no próprio
nome carregam o nome de alguma marca,
como: “A rivalidade entre o Pegasus E 102 e a
Ferrari 195 Inter”; “Alba é exceção honrosa de
carro esportivo em Portugal”; “Novo carro da Kia
desembarca no Brasil”; “Versão 2012 do GTR
tem motor mais potente”; e “SubaruForester S-
Edition preserva o conforto dos passageiros”.
Notório e explícito, o Auto Esporte faz uso
direcionado de marcas nacionais e
internacionais sob enquadramento
mercadológico e propagandístico. As palavras-
chave – como “o melhor para você”; “saiba as
diferenças”; “saiba como conservar”; “aprenda a
cuidar” – utilizadas durante as matérias
identificam a intenção do programa, como
produto, de promover as marcas, através do
merchandising capitalista.
Nessa perspectiva, o enquadramento do
programa é direcionado à integração

202
necessidade-consumo, perpassando pelo
consumismo, fazendo de forma constante a
propaganda das marcas através desta
necessidade do telespectador, que, em relação
ao framing, recebe a informação, julga e, se
condições tiver, copia, e se não adere àquilo
veiculado, tem pelo menos a atenção chamada
e a curiosidade excitada.
À luz de Trevisan e Rosa (2008), a lógica
do novo espaço televisivo tem levado os
programas a tomar essa postura de novos
conceitos, novos gostos, e o mesmo poder de
persuasão, agora, com novas formas de
sobrevivência.

Olhamos para a televisão


como o principal meio de
comunicação de massa. É no
espaço televisivo que vai se
construir a cultura midiática
que privilegia novos valores,
novos conceitos, novos
comportamentos, novos
gostos. [...] A televisão tem
um forte poder de persuasão
diante dos milhões de
telespectadores que a
acompanham. [...] Para os
autores MACHADO (2003),

203
ARBEX (1995), ECO (1979),
BORDENAVE (2003) e
BOURDIEU (1997), ela se
apresenta como novas
maneiras de sobrevivência e
reprodução. Um comércio
eletrônico que está trazendo
grandes mudanças para o
cenário da publicidade e do
marketing. E também como
um grande palco público de
exposição para obter
visibilidade (TREVISAN,
ROSA, 2008, p. 2/16).

No âmbito da visibilidade, o Auto Esporte


ganha um espaço elitista dentro da sociedade
consumidora, que adquiriu, diante da nova
situação econômica – levando aqui em
consideração a ascensão das classes sociais –,
um novo gosto e comportamento. Dentro do
público-alvo foi fabricado um ambiente para os
denominados “automaníacos”, que são
representantes do público não apenas
consumidor, mas consumista. O programa usa a
curiosidade do telespectador como sua principal
fonte de sobrevivência, sanando e também
fabricando curiosidades.

204
Neste cenário de desenvolvimento de
mercado, o elitismo vigente no programa é
assumido no decorrer das matérias.
Inicialmente, a matéria em questão utiliza-se do
pretexto de sanar a curiosidade sobre algo e
logo faz a inserção do merchandising capitalista.
Como exemplo, a matéria chamada “Novo carro
da Kia desembarca no Brasil”. Este nome só é
possível de ser visto na página da internet,
quando em vídeo na televisão, a matéria é
veiculada sem o título.
Nesta matéria específica, os
apresentadores começam falando sobre as
cegonhas que transportam os carros saídos das
fábricas e sugerem que falarão sobre como é
feito esse processo quando é realizado pelo
mar. Mas, o ponto nevrálgico da megaprodução
desta matéria vem à tona quando em um minuto
e meio é lançada a frase: “entre tantos carros,
uma novidade, o Koup [da Kia]”43. A partir daí, o
programa completa o seu papel mercadológico e
propagandístico a que veio ser veiculado, como

43
Disponível em:
<http://www.g1.globo.com/videos/autoesporte/v/novo-
carro-da-kia-desembarca -no-brasil/1534146/>.

205
do design, desde o desenho esportivo dado ao
carro e da retirada do arco das janelas, até o
motor 2.0 de 156 cavalos e as rodas com alto
nível de estabilidade.
O jornal Folha de São Paulo divulgou em
2009 que para anunciar somente o modelo Soul,
a Kia disponibilizou 300 mil reais como
pagamento da matéria. Somente nesta matéria
foram usados 18 adjetivos e palavras ou
expressões positivas, com média de 1 a cada 15
segundos. “Mais explícito impossível: diferente,
elegância, inovar, recriar, personalidade própria,
cara jovem, robustez, conforto, segurança,
privacidade, proteção, facilidades, estabilidade,
respostas rápidas, bom de jogo, solução
engenhosa, eficiência e economia.” (BLOG
ESPORTE FINO, 2009)
É importante lembrar que TV comercial se
sustenta pela propaganda, a linguagem do Auto
Esporte é bem propícia para o sustento dessa
realidade. Disse Heloisa Buarque de Almeida
sobre como esse tipo de TV se mantém:

206
Uma televisão comercial
aberta não é apenas um
modelo brasileiro. Ela se
desenvolve a partir do modelo
norte-americano de televisão,
e do rádio brasileiro. Onde
quer que o meio televisivo
tenha se desenvolvido de
modo comercial, com todas
as diferenças locais e
nacionais que o perpassam,
um ponto é central: a
televisão se mantém com os
anúncios publicitários – sejam
eles feitos sob forma de
patrocínio, intervalo
comercial, merchandising,
etc. É assim também que a
maior parte dos meios de
comunicação comerciais
funcionam: rádio, revistas,
jornais e internet são pagos
pelos anunciantes. O que a
televisão vende de fato é a
sua audiência – e é isso que
seus clientes, os anunciantes,
compram (ALMEIDA, 2000,
p.1).

No episódio “Eletrônica muda jeito de pilotar


motos esportivas”, Millena Machado e Álvaro de
Oliveira abordaram o tema Dia do Motociclista para
inserir o merchandising de várias marcas ao mesmo
tempo. Sob o pretexto da data, eles falam em

207
educação e segurança no trânsito. No decorrer do
vídeo é feita uma verdadeira feira virtual de motos.
Somente nesta matéria, foram citadas quatro
marcas internacionais. Nessa miscelânea, o
programa ressalta os pontos de destaque de cada
uma: fala-se que a Suzuki foi a primeira a lançar o
controle de potência, que o forte da Honda são os
freios ABS, que a Kawasaki investiu mais no
controle de tração, e, por último, reuniu todas essas
características na BMW S1000 RR.
O automóvel na sociedade atual representa
muito mais do que o luxo de tempos passados, ele
passou a ser para a população mundial uma
necessidade – apesar de que somente aqueles que
estão inseridos na realidade das sociedades
desenvolvidas e em desenvolvimento podem
desfrutar desse novo conceito. Mas, é claro, esta
nova relação com o ser indivíduo depende muito da
disponibilidade financeira de cada um, e não é a
necessidade dos menos favorecidos nesse aspecto
que configura o tom do programa. Aqui, estamos
falando de marcas caras nacionais e internacionais.
É assim que se configura a integração Rede
Globo + Auto Esporte. O canal de televisão que

208
mais vende e mais repercute no Brasil utiliza-se de
sua programação para atingir a meta de
lucratividade, obviamente que este processo
mercadológico está intimamente ligado à
manutenção de uma TV comercial. O Auto Esporte
difere das demais programações, no entanto,
quando se trata da prestação de serviço social. Não
cabe a este programa a ligação a um cunho social,
porque nele não há espaço para isso, já que o seu
foco é a propaganda comercial no público abastado.
O dinheiro pode não vir diretamente desse público,
mas é ele quem viabiliza as negociações, porque,
afinal, o que as marcas compram é a audiência da
programação.

A televisão, [...] a fim de


obter audiência, busca novas
maneiras de sobrevivência e
reprodução, para obter lucros
que, no mínimo, cubram suas
despesas. Sabe-se que não é de
hoje essa busca das emissoras
por receitas publicitárias, mas é
notável, cada vez mais, a grande
exposição de empresas/ marcas/

209
produtos na mídia. Há programas
que se encarregam de garantir
milhões para a emissora,
(TREVISAN, ROSA, 2008, p.1).

À luz de Juliana Gutmann (2006), a


análise de frame do objeto de estudo deste
capítulo parte da sugestão de pauta feita pelo
programa e da intenção que há por detrás desta
abordagem disfarçada.
Com relação ao framing da mídia, o
programa Auto Esporte se encarrega de focar a
notícia de acordo com o que a marca em
questão tem para oferecer – se a pagante do dia
for o óleo Mobil, então o assunto abordado será
óleos lubrificantes, se a cliente for a moto da
BMW, então a abordagem será a segurança do
piloto de moto nas pistas.
Quanto à relação ao framing da
audiência, a pesquisa deverá ser mais afinada
junto aos telespectadores e as informações mais
apuradas junto à Rede Globo, que não
disponibiliza seus números contratuais. Mas,
ainda assim é possível avaliara recepção por

210
alguns públicos: de um lado a parte menos
informada sobre mecânica, mas abastada, que
acata as informações passadas como exemplo a
seguir, e a outra parte, que, mais bem informada
sobre o universo automobilístico, sabe discernir
o que são vantagens e o que são apenas
informações providas de valor comercial no que
é mostrado pelo programa.
A partir desta análise, pode-se classificar
o programa Auto Esporte como uma das
maiores fontes receituárias da emissora que tem
como público-receptor a elite, fazendo uso da
curiosidade e/ou necessidade do telespectador
como co-pauteiras do programa. O outro e
principal pauteiro é a marca que pagará a
matéria do dia.

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Heloisa Buarque de. Na TV -


pressupostos de gênero, classe e raça que
estruturam a programação. Disponível
em:http://www.desafio.ufba.br/gt4-008.html

211
GUTMANN, Juliana Freira. Quadros narrativos
pautados pela mídia: framing como segundo
nível do agenda setting?. Contemporânea,
Salvador, v.4, n. 1, p. 25-60, 2006.

LOPES, Luis. Calos. O culto às mídias:


interpretação, cultura e contratos. São Carlos:
EdUFSCar, 2004.

MACHADO, Arlindo. A Televisão levada a


sério. São Paulo: Senac, 2009.

TREVISAN e ROSA, Vanessa e Karine


Jarzynski. Big Brother Brasil: Comércio de
produtos e de celebridades. Cadernos da
Escola de Comunicação, Curitiba, 06: 1-16,
2008. Disponível em:
http://apps.unibrasil.com.br/revista/index.php/co
municacao/article/viewFile/208/160

Programa Auto Esporte da TV Globo é feito só de


matérias pagas? Kia paga 300.000 reais para
divulgar o Soul. Disponível em: <
http://www.noticiasautomotivas.com.br/programa
-auto-esporte-da-tv-globo-e-feito-so-de-materias-
pagas-kia-paga-300-000-reais-para-divulgar-o-
soul/>.

Saiba quais são as diferenças entre os óleos


lubrificantes. Disponível em:
http://g1.globo.com/videos/autoesporte/t/manute
ncao/v/saiba-quais-sao-as-diferencas-entre-os-
lubrificantes/1574406/>.

Aprenda a cuidar bem da sua moto.


Disponível em:
<http://www.g1.globo.com/videos/autoesporte/t/

212
manutencao/v/aprenda-a-cuidar-bem-da-sua-
moto/1567212/>.

A rivalidade entre o Pegasus E102 e a Ferrari


195 Inter. Disponível em:
<http://www.g1.globo.com/videos/autoesporte/t/c
lassicos/v/a-rivalidade-entre-o-pegasus-e102-e-
a-ferrari-195-inter/1574407/.

Alba é exceção honrosa de carro esportivo


em Portugal. Disponível em:
<http://www.g1.globo.com/videos/autoesporte/t/c
lassicos/v/alba-e-excecao-honrosa-de-carro-
esportivo-em-portugal/1560408/>.

Eletrônica muda jeito de pilotar motos


esportivas. Disponível em:
<http://www.g1.globo.com/videos/autoesporte/t/
motos/v/eletronica-muda-jeito-de-pilotar-motos-
esportivas/1574404/>.

Novo carro da Kia desembarca no Brasil.


Disponível em:
<http://www.g1.globo.com/videos/autoesporte/t/s
uper-carros/v/novo-carro-da-kia-desembarca-no-
brasil/1534146/>.

SubaruForester preserva o conforto dos


passageiros. Disponível em:
<http://www.g1.globo.com/videos/autoesporte/t/s
uper-carros/v/subaru-forester-s-edition-preserva-
o-conforto-dos-passageiros/1560407/>.

Saiba como conservar a palheta do limpador


de para-brisas do carro. Disponível em:
<http://www.g1.globo.com/videos/autoesporte/t/

213
manutencao/v/saiba-como-conservar-a-palheta-
do-limpador-de-para-brisas-do-carro/1596224/>.

Tecnologias das pistas são transferidas para


os carros do dia-a-dia. Disponível em:
http://www.g1.globo.com/videos/autoesporte/t/su
per-carros/v/tecnologias-das-pistas-sao-
transferidas-para-os-carros-do-dia-a-
dia/1546909/>.

Carros compactos se adaptam a


necessidades de famílias grandes. Disponível
em:
http://www.g1.globo.com/videos/autoesporte/t/su
per-carros/v/carros-compactos-se-adaptam-a-
necessidades-de-familias-grandes/1582024/>.

Motoristas devem redobrar o cuidado com as


lâmpadas e faróis. Disponível em:
<http://www.g1.globo.com/videos/autoesporte/t/
manutencao/v/motoristas-devem-redobrar-o-
cuidado-com-as-lampadas-e-farois/1574405/>.

Saiba como lavar as rodas do carro


corretamente. Disponível em:
<http://www.g1.globo.com/videos/autoesporte/t/
manutencao/v/saiba-como-lavar-as-rodas-do-
carro-corretamente/1611638/>.

Dois SafetyCars fazem sucesso fora das


pistas. Disponível em:
http://www.g1.globo.com/videos/autoesporte/t/to
dos-os-videos/v/dois-safety-cars-fazem-sucesso-
fora-das-pistas/1611641/>.

PorscheCup reúne apaixonados por


velocidade. Disponível em:

214
<http://www.g1.globo.com/videos/autoesporte/t/t
odos-os-videos/v/porsche-cup-reune-
apaixonados-por-velocidade/1611639/>.

215
PARA NÃO CONCLUIR

É importante considerar a necessidade


que têm cada vez mais os sujeitos de receber
informações que valorizem a diversidade, a fim
de ampliar suas possibilidades de interpretação
sobre as realidades que os cercam e aquelas
mediadas pelos veículos de comunicação de
grande alcance, com vistas a interpretações
diversas. Porque uma comunicação plural
certamente contribuirá para opiniões plurais e,
consequentemente, para sociedades ainda mais
plurais, onde indivíduos e grupos se respeitem
mutuamente.
A teoria do framing advoga que não
existe captura da realidade sem que esta esteja
influenciada pela filtragem de um ponto de vista
que constrói um fragmento do real. Desta
maneira, os meios de comunicação podem
construir suas realidades e, neste sentido,
utilizam os frames com o objetivo de selecionar
alguns aspectos da realidade e enfatizá-los em
suas mediações.

216
Não raramente vemos entre estudiosos
da comunicação as afirmações referentes ao
que disse Lippmann (2008) acerca da
proximidade entre nossas ações e as imagens
que se encontram em nossas mentes, bem
como o fato de ambas se relacionarem com as
informações disponibilizadas pelos mass media;
porque de acordo com Lippmann, nossa relação
com o mundo não acontece de maneira direta,
mas mediada por imagens que construímos em
nossas mentes. Isso significa afirmar que os
meios de comunicação têm papel relevante em
nossas visões sobre o mundo, ainda que não
devamos ser deterministas a ponto de afirmar
categoricamente que estas visões sobre o
mundo sejam completamente formadas pelos
conteúdos que recebemos dos meios.
As empresas ou instituições públicas que
controlam os meios de comunicação devem ter
como objetivo principal a informação. E nesta
perspectiva, informar deve significar prover os
sujeitos sociais do máximo de dados possível,
com vistas à compreensão de acontecimentos,
de fenômenos, de fatos que ocorrem nas mais

217
diversas realidades mediadas. Sob nenhum
ponto de vista as informações devem estar
pautadas por qualquer intencionalidade de
“guiar uma interpretação44” (grifo nosso), seja
qual seja, porque ao sujeito lhe deve ser
garantido o direito à informação para que possa
adotar determinadas posturas, tomar partido,
construir suas opiniões de maneira livre.
Quanto mais os sujeitos possam estar
livres de estereótipos, de juízos de valor de
qualquer espécie; quanto menos as informações
estejam carregadas de etnocentrismos, de
julgamentos; quanto menos estejam adjetivadas,
mais possibilidades terão os sujeitos sociais de
construir opiniões mais sólidas, baseadas no
princípio da diversidade. Afinal, se as
sociedades são diversas, as opiniões também
devem sê-lo. O princípio democrático o prevê,
as teorias que defendem a liberdade também o
fazem, e, por consequência, os meios de

44
É importante salientar que, quando dizemos “guiar” não
queremos validar a teoria da Agulha Hipodérmica, porque
sabemos das capacidades de cada indivíduo para formar
suas subjetividades; nosso intuito é assinalar que os
esquemas interpretativos podem ser influenciados pelos
esquemas discursivos.

218
comunicação deveriam estar na vanguarda
desta defesa.
Os veículos de comunicação devem ter o
compromisso de tratar as audiências de modo a
enxergá-las como sujeitos cognoscentes, como
indivíduos e grupos dotados da capacidade de
refletir e de tomar decisões. Apresentar uma
mediação que considere essas questões
constitui condição sine qua non para contribuir
com a formação de uma opinião pública
consciente, principalmente referente a temáticas
polêmicas que põem em xeque concepções
políticas, econômica, culturais, religiosas, entre
outras.
As questões mediadas pelos mais
diversos mass media não devem visar um
resultado determinado, como se aos sujeitos
lhes fosse solicitada unicamente a ratificação,
porque a opinião pública não deve ser,
necessariamente, a opinião publicada. Nossa
perspectiva de opinião pública se funda no
princípio de que esta somente ocorre a partir da
comunicação e do processo de interação social.

219
Os estudos sobre os meios de
comunicação devem considerar as
subjetividades dos indivíduos e grupos. Neste
sentido, as reflexões propostas devem
apresentar as mediações como um processo
complexo que envolve múltiplas questões,
sobretudo aquelas referentes aos diferentes
lugares ocupados pelos sujeitos, as múltiplas
identidades, os múltiplos interesses, as múltiplas
linguagens e, por conseguinte, as múltiplas
possibilidades de interpretações.
As reflexões contidas nesta obra
buscaram apresentar, sobretudo, algumas
possibilidades de interpretações acerca de
conteúdos mediados por mass media brasileiros.
A intenção não foi apresentá-los de modo a
sugerir uma classificação como “apocalípticos”
ou “integrados”, mas como fruto das
subjetividades, tanto por parte dos produtores
como também dos sujeitos consumidores das
informações.

220
O(a)s autore(a)s

Alisson Leaandro Carmo dos Santos


Ana Flávia Silva Nery
Érica Fontes Latiff
Haísa Wilson Lima
Laíse Silva Galvão
Luíse Beatriz dos Santos Bispo
Mariana de Souza Ferreira dos Santos
Ronald Souza de Jesus
(Graduados em Comunicação Social -
Rádio e TV, pela Universidade Estadual de Santa Cruz –
UESC).

Bárbara Carvalho Gomes


(Graduanda em Comunicação Social -Rádio e TV).

Verbena Córdula Almeida


(Doutora em História e Comunicação no Mundo
Contemporâneo pela Universidad Complutense de Madrid;
Professora do Departamento de Letras e Artes da
Universidade Estadual de Santa Cruz-UESC); Autora dos
livros Prensa y Propaganda en la Emancipación
Hispanoamericana, Universidad de León, Espanã, 2011;
Da Pesquisa para a Sociedade: Reflexões sobre a
Comunicação Científica e Tecnológica, Editus, Ilhéus,
Bahia, 2013.

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