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POESIA

Quando o regente de Siracusa perguntou ao poeta Simônides sobre o que é


a divindade este teria lhe pedido um dia de tempo para pensar; depois de se pas-
sar o prazo de um dia, de dois dias, de três dias e assim por diante e aquele, por
fim, exigir dele uma explicação de fato, ele lhe deu a resposta: que a questão lhe
parecia tanto mais obscura quanto mais ele a examinava. A pergunta; o que é a

poesia? eu seria inclinado a responder de maneira semelhante e, com isso, acredi-

to ter dito algo de fato, tal como Simônides. Com isso, a saber, que a divindade é
um pensamento destituído de limites, ele indicou uma ideia. Isso vale certamente
para a arte em geral: sua finalidade, isto é, a direção de sua aspiração pode bem
ser indicada em termos universais; mas o que ela deve e pode realizar no curso dos

tempos, isso não pode ser abrangido por nenhum conceito do entendimento, pois
é infinito. Mas, na poesia isso ocorre em grau ainda mais elevado, pois as artes

restantes, segundo seu médium e seus meios de representação, têm, contudo, uma

esfera determinada, que em alguma medida se deixa delimitar. O médium da poe-


sia, porém, é justamente o mesmo do que aquele pelo qual o espírito humano em
geral chega à consciência e consegue dominar suas representações em uma liga-

cão arbitrária e em uma exteriorização: a linguagem. Por conseguinte, ela também


não está ligada aos objetos, e sim cria para si seus objetos mesmos; ela é a mais
abrangente de todas as artes e, por assim dizer, o espírito universal que nelas está

presente por todos os lados. Aquilo que nas representações das artes restantes nos

eleva acima da realidade comum em um mundo da fantasia denomina-se o poético

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nelas; portanto, a poesia designa nesse sentido em geral a invenção artística, o ato encontra, por conseguinte, num estágio ainda mais elevado. Assim, ela pode con-

maravilhoso por meio do qual a mesma enriquece a natureza; como diz o nome, tmuar prosseguindo, já que a poesia não abandona o homem inteiramente em ne-

uma verdadeira criação e produção. Cada representação material exterior é ante- nhuma época de seu desenvolvimento (o qual realmente merece esse-nome"enão

cedida por uma representação interior no espírito do artista, junto à qual entra a e meramente uma unilateralidade e mortificação de certas disposições); e assim
linguagem sempre como mediadora da consciência, de modo que se pode dizer que como ela é o mais originário, a arte originária e materna [Ur- una Mutterkunst}^
a todo o momento aquela representação procede do regaço da poesia. A linguagem todas as artes restantes, assim ela também é a última consumação da humanÍda^
não é um produto da natureza, mas uma cópia [Âbdruck} do espírito humano, que de, o oceano no qual tudo retorna, por mais que dele tenha se afastado emmuïas

nela deposita o nascimento e o parentesco de suas representações e todo o meca- figuras^ Ela já anima o primeiro balbuciar da criança, e ainda permite ter visões
nismo de suas operações. Na poesia, portanto, o já formado é novamente formado; para além da especulação suprema do filósofo, que permitem novamente ao espíri^
e a capacidade de formação de seu órgão é igualmente sem limites, assim como a to, onde ele justamente renunciou a toda a vida para se intuir a si mesmo, retomar

capacidade do espírito para o recuo em si mesmo por meio de reflexões sempre mais magicamente para o centro da vida. Assim, ela é o topo da ciência, a intérprete, a

elevadas e potencializadas. Não é de se admirar, por conseguinte, que na poesia o tradutora daquela revelação celestial, tal como os antigos a denominaram com 'ra-

fenómeno da natureza humana pode se espiritualizar e se transfigurar mais do que zão, uma linguagem dos deuses.

nas artes restantes e que ela sabe encontrar uma trilha até nas regiões místicas e Justamente porque a poesia é o mais onipresente, o que mais penetra era tudo.
misteriosas. Ela não tem diante de si apenas o universo perceptível corporalmente, nós a apreendemos de modo mais difícil, assim como não percebemos em particular
e sim todas as formações artísticas, em particular tudo o que é poesia {Dichtung} o ar no qual respiramos e vivemos. Uma nação, uma época na qual ela se desen-

ela atrai novamente para sua natureza, que se torna desse modo um belo caos, no volveu desde a primeira origem sem perturbação, irá, na posse perfeita da mesma.

qual ela separa e provoca amor e ódio ou, com outras palavras, entusiasmo, o sen- pelo menos ter clareza sobre sua essência: esse era de fato o caso dos gregos/que
timento poderoso e dominante das simpatias e antipatias, das criações harmonio- foram demasiadamente felizes e favorecidos para compreenderem mteiram^üte ^ua
sãs novas. Achou-se sumamente estranho e incompreensível que se tenha falado da própria poesia. Nós, cuja formação não se desdobrou constantemente a partir da na-

poesia da poesia; porém, para aquele que tem um conceito da organização interna tureza simples, e sim se libertou aos trancos a partir do barbarismo confuso e, por

da existência espiritual é muito simples que a mesma atividade, por meio da qual conseguinte, em toda sua extensão ainda é isolada e desarmoniosa, podemos nos

primeiramente é produzido algo de poético, volte-se para seu resultado. Aliás, pode- aprofundar muito mais com a especulação sobre esse objeto, assim como as inten^
-se dizer sem exagero que toda poesia é propriamente poesia da poesia', pois ela já coes poéticas mesmas se tornaram muito mais especulativas, tal como se mostrará

pressupõe a linguagem, cuja invenção pertence, contudo, à disposição poética que na investigação sobre a poesia romântica: a qual nós agora, quando ela revive de
é ela mesma sempre um poema em devir, se transformando, nunca consumado, de novo, podemos novamente observar com mais profundidade do que foi possível em

todo o género humano. Mais ainda: nas primeiras épocas da formação se concebe sua grande época aos mestres e autores da mesma2.

na e a partir da linguagem, mas igualmente de modo necessário e não intencional Do que foi visto até agora conclui-se como é infrutífero e pobre o procedimento
como ela, uma perspectiva poética de mundo, isto é, uma perspectiva na qual do- de começar com uma aplicação conceituai da poesia e depois^querer articular7udo
mina a fantasia. Essa é a mitologia. Ela é, por assim dizer, a potência mais elevada a partir dela. Muitos analíticos inclusive acreditaram poder desenvolver, a partir de
da primeira representação promovida pela linguagem; e a poesia livre consciente uma passagem arrancada de alguma frase de um poeta, a essência da poesias opo-

de si, que continua construindo em cima disso, para a qual o mito se torna nova- siçao á prosa. Isso é justamente como se analisássemos uma pedra de um templo e

mente matéria que ela maneja poeticamente [dichterisch} e poetiza [poetisiert}, se outra de uma casa comum e, desse modo, quiséssemos tornar intuível a diferença de

^^^^^^^;:e^z'^
l. O tema da poesia da poesia surge na revista Ateneu I, 2, p. 240 (edição de Darmstadt,J960). ^Poe^a 2' ^° ^rce^parotedolcÏ/T '06W í;tóro^a Bela eArte- dedicados à "^tura romântica e pro-
só'sepoderfalar em poesia", diz F. Schlegel em sua Conversa sobre a Poesia (São Paulo, Ilummu^,

1994, p. 30).

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ambas as edificações. (O escolástico de Hierocles3.) Por esse caminho deparou com


^la:rteLcluando também Dãose pretende nada mais -°" "ma reunião
traços característicos tão incomparavelmente universais que eles são um verdadeiro
^^Ï<":umcotyunto de poemas- Infe"z'"»«e, porém, umaexper.ênciT^
nariz de cera da teoria; por exemplo, poético é tudo o que fomenta a vitalidade das
Ï"Zlderezesms ensmou que se pode fazer versos •nte"^e'pn,s^
representações. Não se compreende, pois, que a poesia está originariamente em casa
^devemos favorecer amda mais, por meio de belos títulos; 7oflctoi^^^ic
na linguagem, que essa nunca pode ser tão despoetizada que nela não se encontre
!vldoJxtra:rdmariamente-do versejador-Já entre os gregos;mesmonTperi7do
por todos os lados uma quantidade de elementos poéticos dispersos, mesmo no em-
.mlI\beloeflorescente.desuapoesia-quandoDâofacilme°t"^^
prego intelectual mais arbitrário e frio dos signos da linguagem, quanto mais na vida
uma,lnsplraçã°natura1'antes mesm° l"6 - va'dade CT"d'ta tivesse destruído Tua
comum, na linguagem rápida, imediata e muitas vezes apaixonada da convivência?
"Mcelume a tratado com artificiau^de arbitrária, essa opinião popular nao'era^
Muitos modos de falar, gírias, imagens e comparações que surgem inclusive em tom
taramente correta e Aristóteles por •sso mesmo a cmte^- P°>s existiam~oca's'Í5e's
plebeu, são também empregáveis sem modificação na poesia digna e séria; e inequi-
locais, apenas^válidas para uma certa época, para compor^ertas coÍsa's"em"Z"ocss
vocamente em uma briga de vendedoras ambulantes pode-se demonstrar tão bem,
oque^na verdade, justamente por essa espécie de surgimento, conservou~emto"da
como princípio, a vitalidade das representações como naquelas passagens poéticas
a.Iectía.çao-um-caráter diferente daprosa-mas l"6- segundo seu ^údo; não pe".
escolhidas. O nobre burguês de Molière fica assustado quando percebe que falou pro-
tencia propriamente à sua faculdade poética. Entretanto, para nós Oem^iado ^o
sá durante toda sua vida, pois ele nunca havia aprendido essa arte; ele ficaria mais
!CTa,sequermai"orret0'mesmo se &sse modificado da seeuinte maneira: é apenas
estupefato ainda se ouvisse que ele também sabe falar poesia, o que se poderia sem
p°.ïl°.quedeve.ser compost°em versos: mas entao Dão expenmentaríamoTnada
dúvida mostrar-lhe igualmente de modo fácil. Assim como o adornado, o figurado
a partir disso, ^pois se perguntaria antes: o que deve ser composto emyeïsosFNa"
na expressão isolada de modo algum são suficientes para provar a presença real da
poesia romântica, a saber, apresentou-se um género que não apenas podesubsisfe
poesia na conexão total: (também o orador pode se servir disso, e como se consegm-
^versos, mas em muitos casos despreza inteiramente a versificaçao: é o romanl
ria encontrar a diferença essencial da prosa e da poesia belas quando se fica preso a
^certamente seremos ca.utelosos quanto a construir no ar teorias semfundame'Z
tais exterioridades?), por outro lado, a falta disso em passagens isoladas tampouco
!;ist°"co^favor das quais-depois- ° âmbito '"comensurávelda poesÍa^nZ
comprova a ausência do princípio poético. Antes disso, exigiu-se com frequência, ser arbitrariamente estreitado.
quando se dissolve o verso em uma passagem poética por meio do deslocamento das
Com definições nominais e traços característicos simplesmente recolhidos, nor-
palavras, que se deveria ainda reconhecer o que fica além do discurso comum, os
tanto^nâo se realiza nada. A fim de nos aprox.marmos analiticamente'da'es^c,Ia
membros do poeta disperso, como diz Horácio; e essa prova tola é de vez em quando
ï poesm'.teriamos ao menos de emPreender "" todo poético-como"exenq,l'o,°afi^
ainda repetida e tornada como argumento por algum ingênuo. Como se a sequência
dlc°nstru!~10'investigá-10 se8undo s»a constituição interna e procurar ap'res"entó"lo"
e a ordenação das palavras, ao lado do ritmo, sendo ambos desse modo destruídos,
!°mlnec!ssári°'Mas'umtal todo pertencerá •"<-q"iv°camente a um certo género
não pudesse ser justamente aquilo em que reside o caráter poético? Não se compreen-
!?mpreestaremostateando n°escuro em rela»ão ao que é es^ncial a esse género
de de modo algum algo da organização do discurso quando se coloca tudo sobre as
e^apoesm em geral. O percurso sintético é, por conseguinte, o úmco verda°dei^
partes constitutivas isoladas, que são todavia determinadas inteiramente de maneira
temos de tornar compreeasivris as espécies de poeria a partir da poesia unr^saFe
diferente por meio da combinação feita a cada vez. Esse traço característico ocorre
.ospoemas.isola<los e suaspartes a partir de sua espécie poética. Para tanto; porem^
em alguns géneros, mas a partir disso não se percebe nada, e sim se deve primeira-
exige-se tomar a questão de um ponto de vista mais elevado.
mente deduzir da essência da mesma a necessidade de uma tal dicção.
Queremos tentar explicar geneticamente a poesia e acompanhá-la pêlos dife-
Uma opinião muito antiga, simples e burguesa consiste em tomar por poesia
rentes estágios que ela tem de percorrer desde a prime.ra manifestação domstmto
tudo o que é escrito em versos. Tal traço característico empírico é desculpável na
^ o propósito artístico consumado, até a obra. Trataremos, portanto, primeiramente

álpoma."atura''depois á'ipoesm ar"stica- Apenas "^saultima7urge'a7ep"ar'açâo


3. Provável alusão a Eneias de Gaza, nascido em 430, professor de filosofia e retórica em Gaza até 488 e ^gen!ros;ou melhor'essa separação desígna antes justamente o ponto de^artída
aluno de Hierocles, o mais importante representante do neoplatonismo alexandrino [N. da T.].
a. Iremos então percorrer historicamente seu desenvolvimento, uma vez que

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em sua série temporal reside realmente sua posição, desde o mais simples e puro até !slpre,smteum.estadonão natural-uma recaida numa estuP'd" '"Perfeita, que
o composto e mais misturado. O que eu tenho a dizer sobre a poesia natural também provavelmente foi causada por uma expulsão das regiões mais suavespormeicTde
será de espécie histórica, mas não no sentido de que concernirá expressamente aos outras nações. Entretanto, a mera experiência não pode nos ensmar o que', todavia"
fatos testemunhados, ocorridos em determinadas épocas e em determinados lugares. seáe"ïapresentar de manelra evldente- que a poes'a é 0 i°d.spensávell,~oprimue',ruo
Notícias históricas não são suficientes para tanto; temos de indicar apenas fatos eter- e^o ma,s origmário em todo atuar e fazer humanos. Se essa expressão não estivesse
nos e necessários, que decorrem da natureza humana e que propriamente se repetem exposta ao mal-entendido, eu gostaria de dizer que a poesia foi criada concomitante
sempre no desenvolvimento do indivíduo, assim como junto ao género humano intei- ao mundo. Mas, o homem cria sempre ele mesmo seu mundo e uma vez que7mÍcio
ro. No que vimos anteriormente foi mencionado de passagem a possibilidade de uma da poesia concorda com o primeiro movimento da existência humana, ent"ão7ambZ
história natural da arte. A história natural da arte é uma exposição de sua origem aquilo^ compreendido filosoficamente, é verdadeiro ao pé da letra.
necessária e de seus primeiros progressos a partir das disposições humanas univer- Temos de voltar, portanto, até a história mais antiga da humanidade, a fim de
sais e das circunstâncias que tiveram de surgir no despertar do género humano em procurar a raiz da poesia. Com o crescimento ^poesia natural podemos distineuir
seus primórdios para uma certa formação espiritual. Por conseguinte, ela pode ape- os seguintes três estágios ou épocas de formação: l. a poe.ia elementar na fom>a
nas ocorrer em tais artes cujo médium ou instrumento de representação é natural ao ta^guagem onginána [Ursprache]: 2. a separação das sucessões'poéticaFe^
ser humano; todas as artes cujo instrumento é artificial pressupõem uma observação nosso interior dos outros estados por meio de uma lei exterior da forma, a saber, do
da natureza e atos do arbítrio para a utilização da mesma, os quais podem apenas rumo; 3^ a ligação e a concentração dos elementos poéticos em uma visão do'todo
ser dados historicamente, mas não deduzidos filosoficamente. Os meios naturais da do mundo, a mitolog.a. Eu a situo depois do ritmo.mo porque se-pudeTse "afirma
arte são açÕes por meio das quais o homem manifesta exteriormente seu interior algo sobre a^sequência temporal de seu surgimento, po,s'é fato que'enco"ntramo7a
e tais não existem senão como palavras, sons e gestos. Esses são, pois, também as observação da medida temporal em nações nas quais'se pode apenas-primeir7men"
raízes e o fundamento da poesia, da música e da arte da dança. Junto ao panorama teencontrar inlcios escassos de mitos; e sim POT1ue 0 ritmo é em geral-apenas"a
das artes mostramos como a arte da dança pode, em certo sentido, novamente ser condição de toda existência autónoma da poesia; a mitologia parece'ao" Jntrório"
comparada com o primeiro germe da arte plástica. No decurso dessas preleçôes já !lumpotência maii\elevada da disposição poética contida'na linguagem origï-?
surgiram diferentes enunciados pertencentes à história natural da arte. Por exem- ^nlumseguDd,°simbolismo do universo """'•' daquele primeiro na designação
pio, o fato de que as três artes mencionadas surgiram ao mesmo tempo e em uni- linguística, o qual, manejado com liberdade, pode imediatamente passa~rpa"r7oute
dade indissolúvel; além disso, o nascimento do ritmo como a forma comum a todas verdadeiramente poéticas.

as três artes. O que afirmamos sobre isso não foi extraído da experiência, mas nós Iremos^portanto, tratar da linguagem, da medida silábica e da mitologia e,
pudemos comprová-lo em alguma medida com a observação de povos rudes, junto nesse caso, não noshmitaremos apenas ao que antecede a autêntica poesia artística;
aos quais as artes ficaram paralisadas em uma forma próxima à sua origem e, assim, mas reuniremos tudo o que tem de ser dito sobre esses objetos e também os consi-'
também ocorrerá com o que ainda iremos acrescentar da história natural da poesia. deraremos em sua formação a mais múltipla e bela. A linguagem, desde seu nascÍ-
No estado atual de nossa cultura, onde a poesia é considerada como uma arte meT:lamatéria origínária da poesia'a medída ^lábica (no mais amplo sentuio)
difícil, para a qual apenas alguns indivíduos destacados possuem a capacidade e e a^forma de sua realidade, a lei exterior segundo a qual ela entra no-mundo7os
que, todavia, apenas a exercem com muita reflexão e preparação intencional, somos s^a mitologia, por fim, é, por assim dizer, uma organização que o espíri-
inclinados, antes de sermos mais bem instruídos, a torná-la por um fruto tardio do ^poético forma para si desde o mundo elementar e por cujo médium e com'cujos
refinamento, por uma invenção que serve ao regozijo ocioso, em uma palavra, por órgãos ele intui e apreende todos os objetos restantes. Com essas três peças estaria
um mero luxo do espírito. Mas, isso, na verdade, já é refutado pela experiência, portanto, terminada a poética universal, que compreende em si aquilo\ue pode'ser
que nos indica inícios da poesia tanto nos testemunhos escritos mais antigos bem considerado sem uma relação com os géneros.

como entre os povos menos desenvolvidos nos mais desfavoráveis climas. Onde es- O método trazido nas poéticas comuns é inteiramente outro. Ali se trata, no
sés faltam inteiramente, como nas terras do fogo e talvez nos esquimós, certamente fim, primeiramente da dicção e da constituição do verso, como sendoc> último da

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execução. Assume-se que tanto o caráter imagético exigido da expressão quanto a ligam nossos pensamentos e as representações, as palavras de significado tão sutil
boa sonoridade dos versos são um mero enfeite, um refinamento da fantasia e da sen- que poderiam colocar um filósofo em apuros para explicá-las e das quais, todavia
sibilidade ociosas e desejosas por prazer; ambos são pendurados na poesia já pronta o menos culto se serve sem barreiras. Com tudo isso compomos discursos que, para
como uma exterioridade estranha, por meio da qual ela é rebaixada inevitavelmente o^outro, não toma meramente compreensíveis os fins exteriores, mas deixa que ele
a um exercício meramente gramatical e retórico, como se exercita infelizmente mui- olhe no mais íntimo de nossa mente; suscitamos com isso as paixões mais vaÏiadas^
tas vezes também na realidade. Por meio de nossa explicação genética, ao contrário, solidificamos ou destruímos resoluções éticas e inflamamos uma multidão reunida
chegamos à visão de como o emprego desses meios nasce de dentro da essência da para manifestações comunitárias. O maior e o menor, o mais maravilhoso, o nunca
poesia e, desse modo, é determinado com necessidade. A mitologia surge, na maio- ouvido, aliás^o impossível e o impensável passam com a mesma leveza por "sobre
ria das vezes, no poema épico apenas de modo muito incompleto, sob a rubrica do nossa língua. E essa força maravilhosa e ativa, essa verdadeira magia, junto à qual,
maravilhoso, e sem um significado claro, embora ela seja, todavia, capaz de fornecer permeio do auxílio de signos que parecem insignificantes, são domados os espíritos
indicações extremamente importantes. mais assustadores, esse pretexto para o universo, por meio do qual somos capazes

de levantá-lo de seus anzóis, assim como Arquimedes pensou em empreendei com


a terra, caso lhe fosse dado um ponto firme fora da mesma, não é uma propneda-
Sobre a linguagem de exclusiva dos eruditos e sábios; também o mais tolo tem parte nela, segundo"a
medida de suas carências; aliás, ele aprendeu essa ciência maravilhosa de tal modo
Assim como o hábito torna embotado o espírito diante do mais extraordinário, e em uma tal época de sua vida que, em geral, não lhe fica nenhuma lembrança de
os homens certamente não refletiram em sua vida sobre que instituição maravilhosa é um esforço semelhante aplicado a ela e toma o discursar como sendo uma das dis-
a linguagem. Eles falam ininterruptamente, sem saber oque Jaze?, semjamais terem posições corporais que lhe são naturais.

apreendido o falar por meio da rejílexao sobre ele. Que nos seja permitido, portan- Junto a essas considerações impõe-se naturalmente a pergunta: como nos vera.
to. falar também uma vez sobre o falar. Nós produzimos sílabas por meio de certos pois, essa linguagem? De onde a temos? Vemos bem que ela é transmitida pêlos
movimentos para nós muito comuns da língua, dos lábios, dos dentes, da gengiva, adultos às crianças, contudo, numa reflexão mais atenta vemos que esse aprendiz^
que despertam em nós mesmos e em outros inevitavelmente certas representações. do por meio da comunicação já pressupõe a capacidade de inventar a linguagem.
Isso é mais apreensível nas coisas corporais sensíveis, pois essas podem se mostrar Como os adultos aprendem uma língua estrangeira? Na medida em que comparam
diante de nós, podemos unir o signo e o designado e, caso isso ocorra multas vê- os signos dela com os de sua língua, caso correspondam a estes, se-fazem/desse
zes. irá se fixar naturalmente na memória, de modo que o nome nos lembra a coi- modo, compreender e os imprimem na memória. Crianças, porém, têm de aprender
sá. Entretanto, palavras suscitam também a representação de coisas que não foram sua língua materna sem mediação de qualquer língua estrangeira, o que de fato ul-
intuídas e percebidas sensivelmente, nem por quem discursa nem por quem ouve, trapassa os esforços do maior erudito em línguas. Compreendemos certamente que
mas as quais eles apenas conhecem por meio de descrições através de outras pala- a apresentação real pode nos ensinar o nome das coisas corporais e assim a língua-
vras: ou também de tais coisas que sequer podem ser intuídas sensivelmente, pois gem gestual também nos auxilia em vários tipos de ações e coisas semelhantes; mas
têm apenas sua existência no mundo espiritual. Contudo, as palavras não são mera- todo o restante tem de ser adivinhado. E justamente essa adivínhação graduaFde
mente nomes que significam algo por si subsistente; elas designam também traços algo ainda inteiramente desconhecido e que não é passível de esclarecimento por
característicos que separamos em pensamentos das coisas, para então novamente nenhum signo para qualquer classe de representações comprova o pressentimento da
acrescentá-los como propriedades. Além disso, designam mudanças que ocorrem, o possibilidade de designar algo assim por sílaÏas^rticuladas e, assim, a capacidade
mero acontecer de algo, uma vez que tudo ocorre por meio de uma coisa determi- para escolhê-las por si mesmo. Também vemos que as crianças inventam realmente
nada em uma coisa determinada, sem consideração a essa. E então designam as re- a linguagem e que apenas a abandonam com o crescimento: repete-se nelas sempre
laçôes daquele que discursa com quem ele discursa e sobre aquilo que fala, também de novo em rastros fracos o que se passou na invenção da linguagem por meio do
as relações múltiplas das coisas entre si. Por fim, designam as espécies de como se género humano em geral.

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A UGUST WILHELM SCHLEGEL
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Foi colocado anteriormente o problema da origem da linguagem, o que já


rseeZnictmr:Ld::!.MXO:ssenama base de todaa linguasem. de acordo co»
ocupou os filósofos em tempos muito antigos e sobre o qual foram escritos muitos

livros na época moderna. Com frequência se misturou e se confundiu o elemento ^^^^e^:smo^w^^^::^^


mas^ïcil compreeader como.a p"'" dessa escassez; deve-ter'se'desZZ^
filosófico, isto é, a dedução da linguagem a partir da natureza do espírito huma-
^^er"lfaceteda:.allás; com"m^a;^z::z ^^:
no e a exposição do percurso que esse teve de tomar necessariamente junto a ela,
^zsm^ïu^rtl;gêDEro'poro:asia<;da:;OTm:^^^ê^s
com o elemento histórico, com o que realmente aconteceu, o que se acreditou po-
^r todaa.arte à imltação-nos estabel»^°^"» conce^^^^^
der saber disso; por exemplo, se ligou logo àquelas investigações a recondução de
Ï!'.leM :.umaaPrese»ta'ã° V^ell^ dos^objetos^eTer^s^^
todas as línguas a uma língua tronco comum. Disso se seguiu uma quantidade de
í"'idieïtohumano e.é designada coma""°fig"^d^^a^z;
hipóteses insustentáveis. Nós consideramos a origem da linguagem não como algo
2^umlT"mI; IgMlmenteJunt° à -sicajustificamos o^tin>ent^Z
assentado em um certo ponto do tempo, mas no sentido de que a linguagem sempre
^drenmaterïl-como pnncï'0 da-sn;;:^z:1:1:^:
ainda está nascendo, assim como a criação do mundo se renova a cada momento.
u^versal dasrePresenta<ões sob" "°-o estado, a qualidade do'sentido",nteno'r"SIea
Seria uma perspectiva errada acreditar que os homens tivessem talvez vivido em
Ï^tZls^menío:.í lmltaçã°- são assl»'°"-las:':'ape^^âZ
um certo tempo sem linguagem e que então a teriam inventado de repente; pois sem
í^^^^ti°^^sso"ficlertesp"aexplicaron^^t;^"^^'
linguagem, como veremos logo a seguir, eles não existem de modo algum como ho-
^tïo&s.ïetos que reslde em suafe»^"^f^L^^e^
mens. Nessa direção podemos dizer que a linguagem é inata aos homens; uma opi-
zr^t^;551"1 como a expressâo do sentí^^ ^^^
nião que também se encontra entre as explicações falsas da origem da linguagem. vimos, é a base da música. ~" ~~—"Y""?

Nós compreendemos isso, a saber, no sentido filosófico mais autêntico, onde tudo
.ohomem é' a°mesm°tem1'0'animal e ser racionaL Como animal ele tem
o que, segundo a visão comum, parece ser inato ao homem deve ser pnmeiramen-
em,c.°mlmcom,:s outros 8êneros animais ° emPrc8° de - v-. 1-o'e'o'gnto nZ
te produzido por meio de sua própria atividade. Muitas hipóteses produzidas sobre
^adtquelhe"xtrau10 arbltrariament° P"m°:,odaduor7deZ,"s ^Z>
isso de modo algum tocam no problema propriamente dito, e sim já pressupõem o
^Z!: T^'"e8UInte'é apenas uma expressâo dessa dependência de^Z
que pretendem esclarecer; é assim com a hipótese de que Deus ensinou a lingua-
e^Alemdlss0^homem pode alnda produz'r sílab- articulada;:^^
gem aos primeiros homens ou que ela se fixou neles por meio de uma transmissão.
^ïÏl^seu!OT8aos nãoreside de modo aleum "apacróa.kZii^a^
Aquela primeira hipótese de modo algum pode se reportar à sagrada escritura, pois
llapenas:cond'çaonegativa dls5a DIferentes ^-"de^Ísï:^
aqui se diz antes que Deus apresentou ao homem os animais, para que desse nomes
^lm^toËrwe!wdem ^en^^^ ^ ^Z'^21
a eles. Entretanto, a teologia bloqueou, nesse caso, o espírito investigativo; houve
^l^!ldacoerçaoeda repetlçâ<) frequente em seus ^âojpro™^
uma época em que seria heresia duvidar que o hebreu era realmente a mãe-tronco
lmestímuIopara?rtosmovimeDtos; mas eles nunca emPre8^ de°modo;u"tôno"mo
de todas as línguas e que era também falado no céu. Faz parte do aprendizado, de
a^Tras/prendidas (mesm.°que devesse parecer •'^i°')°a-fim-d7de"siguna"^lgou
uma língua, como vimos a pouco, a mesma capacidade que em sua invenção è ativa

em grau mais elevado e, por conseguinte, a hipótese não explica nada. Tampouco a
^^ruco um falarautênti—^'-^^r
outra: pois para a fixação de uma língua tinha que se entrar antes em acordo e isso
podemos apenas fazer uma representação mu.to confusa da existênoa ani-
apenas poderia acontecer por meio de uma linguagem, mesmo que não fosse justa-
^l.No.eTto;.a partir.cla expllcaçâo idealista do organ""'° denossa7fu°nç'5els
mente uma linguagem de palavras, mas talvez uma linguagem de gestos. Isso sem-
eT"tuaisfica claro que eles não possuem nem um """do exterior nemummun"do
pré já pressupõe a capacidade de dar a conhecer representações por meio de signos
mterojLuma.pess,oa- Nao há Pr°Priame°te "bJetos par, eles, e sim apenaïesMos';
e de reconhecê-las nesses. Outras teorias se mantêm, na verdade, mais próximas da
e também esses eles não possuem muito bem, pois eles mesmo7sa:o7stadoTE"m
natureza, mas são unilaterais e insuficientes: que a linguagem teria surgido com o
geral apenas uma ilusão quando atribuímos aos an,ma,s um7existência"a"utôZ
grito animal do sentimento ou a partir da imitação de objetos externos ou, por fim,
ma: eles são, por assim dizer, apenas imagens de sonho da natoeza7ca7o L"'tr'ate-
que ela resulta de ambos em conjunto. Segundo a primeira teoria, as interjeições, as
das representações de animais, então apenas pode ser peDsada'na~alm7d7munZ

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DOUTRINA DA ARTE
AUGUST WÏLHELM SCHLEGEL

a mesma representação com os signos que ele?), então necessariamente irá alcan-

^SÏ^^^^^^^:^1^
universal que neles é ativa. Ass.rn cremos observar queosanlmals_sonham:ro^
çar um privilégio, como instrumento da linguagem, o movimento a partir do qual
o produtor pode perceber completa e imediatamente o efeito e este é o som da voz.
lZo"PróP^nohomem7que'diante de toda a aUernância a6™dg° ne^dej^ Em certa medida o homem também percebe o efeito de suas mímicas e gestos: ele
^^Z^^aUd^ aind;é mu,to fraca, na infância,^ se^^
os sente de dentro para fora e, assim como o são a expressão de certas excitações,
^eZe^^a^^POTassim dizer- mtenOTroenteemcada
eles também fazem efeito retroativo e as produzem, como cada um pode observar
SÏ^Z^^aç^^^»- desaparecemimT:ou,^ em si mesmo. Portanto, nessas também antecede uma prova em si mesmo, para que
Sa^a^Z"^^"0 -do..ls lmpIessoes"T!t:r:: o homem possa esperar com confiança o efeito objetivado nos outros. Muitas vezes
^idZc^a^a^"Opri^ip»ativo prôpno, q-^°^^ a
s^^^^-^p^l^6^,:^^:::
foi observado que o selvagem não fala apenas com palavras e sons, nem também
apenas com mímicas, mas com todo o corpo, com os braços e as pernas. Essa par-
3l^T^ncïa.Ek campar,, portanto, as pressões -nsivei^umas^^;
ticipação do corpo na linguagem da boca nunca cessa inteiramente, em virtude da
:^ ^^^^^ coex.ti. o que pressa, P°^^^ determinação recíproca orgânica universal; ou onde ela o faz e o costume inclusive
l^^lZ^es^E nisso que res.de, pois, o falar o"g-"°^
prescreve no falar essa apatia do corpo, ali é o ponto culminante da ausência de na-
^^^?ão e um sÏgno. Apenas nesse ^ ^^ turalídade e vitalidade. Entretanto, numa formação mais desenvolvida, o falar por
^^^^^^Ta^naÍidade^^^^^^^ meio de sons deve conquistar a predominância, sendo logo denominado de modo
^mTeamI^ug'ua"gaem"^o6p'odenapensai nem formar concetos "°"/ers^contrJ;
privilegiado por linguagem; em parte devido ao motivo já referido, de que o homem
^^Ï^^.^^^Íf-i°-c°»-—estre'to-com não percebe nenhuma espécie de movimento como seu efeito tão imediata e comple-
razão se apresentou o exemplo do surdo de nascença. _ _.__^ _ _ ^ tamente como o som de sua voz; em parte devido à relação próxima já muitas vezes
raza°^a^Z^falar e primeiramente uma açâo i^o,^ c^
referida do audível com o sentido interior. Ele não é, a saber, percebido no espaço;
faUve^^o^nica.íaocorp^^^^^^.^^^ por mais que aprendamos a argumentar em um lugar, de onde algo parte, isso não
uITntZmente^faciUdade com a qual percorremos as mais ^mPuradas^nra
reside todavia no sentimento. Além disso, o som não é algo autónomo, não é nenhuma
ZdÏ^Ï^^eir^^^ri.ecorporalm^e^axa^o^ característica duradoura dos objetos, e sim ele nos dá a conhecer uma mudança que
d^eZ^^^^°ICTmoumfeso que ele,procmamaÏ
^S^:i31T^^:^t°^^.^^^
ocorreu neles, justamente como em nosso interior mudam as representações, embora

permaneçamos junto a elas conscientes de nossa pessoa como sendo a mesma. Por
cv°allsT ^^educadas não sabem senão Pensarem^ alta; outras não
meio do som de nossa voz caracterizamos da melhor maneira o comunicado como
conseguem^empreender a ação de ler meramente de modo interior. ^ ^ ^ ^^
sendo nossas representações.
conse^^Js:^ideH>u:ori^dal,nguagemape^poT^^^
A linguagem originária, de acordo com o que vimos anteriormente, consistirá
dade ^^^^. De bom grado podemos admW ^ tane^ de signos naturais, isto é, de signos que estão numa conexão essencial com o desig-
^"i:^^i^as^doalgun> reportou-se a -Junto a ded^
nado: pois ela reside em movimentos dos instrumentos de fala, os quais são provo-
^^.T^^^gu^on^orga» ^—Irt0^^ cados por meio de afecções internas. Ela parte de impressões sensíveis e aspira ao
^ S^"^l^^:rt;ede:namiem filos&&ca'MC6!!armmel:
^d^S^^^;-de^^:^:
pensamento; seu caráter, portanto, irá pairar no centro entre a dependência animal e

o arbítrio intelectual. Na recitação isso se revelará como algo parecido ao canto: pois
:a^<al^^^"-^- - »utíos tambróe prï^^^ o canto, como vimos, é o som animal do sentimento, não formado humanamente;

^nZ™:::^^ ^^W^^Ze£. Ï^
^ub,°sea"r"seSo"n7confiança de que os outros o compreendem, isto é, que un.rao
é, por assim dizer, um grito articulado. A linguagem será, portanto, sonora em sua

mais primeira figura e fortemente acentuada. O articular (os membros do discurso)


reside em movimentos arbitrários, intencionais dos órgãos e corresponde, portanto,

4. A »press.o ato. e, ,r^< ^ign., .. v^,si^m^; ^T^com° la"lbim es res'el a açôes análogas do espírito. O articular isolado, não acompanhado pela expressão
4- t^TI^O^Z^ ^Mcao^ido d; .x.tênc,, [N. d. T).
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A UGUST WILHELMSCHLEGEL
DOUTRINA DA ARTE

sonora do sentimento torna-se tanto mais dominante quanto mais são manejadas as
nr^i fam!"ade desTçôes Iin8ufsticas análoêas- P" exemplo, a l.gaçâo do
representações expressas como pura matéria do entendimento, sem relação com uma

manifestação da mente. Originariamente, porém, o homem se serve da articulação,


^r^ico^^sl?ficaumm:;im^'i::::^S^Sï
tndL^ms'M [liso]-Assim- emmuita:~"n"^ZSS
por mais que ela seja dependente do arbítrio, para a produção de signos naturais: ele
imita, a saber, por meio dos mesmos. Assim como existe uma dupla espécie de ges-

tos naturais, expressivos e imitadores, assim também ocorre com os signos sonoros.
^ ^^^^"^^^^ ^Cd^eS
e^Ze^l slapresentaA)sapen" paraume^-°^^
quetodasas linguas estão imeasam»te d"tantesdesua"fò"r<na"orSnuárpi^ ^s
Essa imitação é tampouco um copiar meramente passivo, assim como a expressão

sentimental na linguagem por meio de interjeições etc. é o grito animal rude. Se ad-
^:r"itasvezes sãoperc»^-:m^: ^z: ^
também desapareceram completamente. * """ """""u"^ü llt1^ uu as mesmas

mitirmos, por exemplo, que o homem designou os animais primeiramente por meio
„ .tamp"açã°.da lin8uaSemJá Pressupõe na reg.âo sensível, portanto, uma ca-
do som que lhes é próprio, assim ele não teria, no caso da imitação crua, se aproxi-
^l^upte^comparaçoes-No entanto'oí—»^It^Z^^
mado de modo algum da linguagem articulada, nem ele teria podido encontrar uma
passagem para tanto. Contudo, ele humanizou essa voz animal, assim como tudo S Z^^^Zll ^SMSmde'^d:em =-S:
sael: AJ"iekparece encontrar-se diante'^""' abismo,~por"»b're"oaquZTe°
nos animais e, desse modo, submeteu-se à representação disso na designação. Da
g.undlape:Ïctiva do entendiment<). ele-apenas~pode"l:trauve^",r5puoDren,oeqoudal' ^
mesma forma ocorreu com as outras espécies de ruído. Essa transfíguração também

não se deixa explicar a partir da mera incapacidade de reproduzir exatamente tais


^r^^qu:semelhanca?;par:nt::^:s:I:^^^1^^
^aÍnJustameDteIl? é °post09 Entre;an^'e'<:^^°a::Z^^Z:
ruídos. Hoje ainda o homem pode fazê-lo em um grau muito mais elevado daquele
que exercita na linguagem e originariamente ele tinha uma disposição muito maior
^^°:^^.tod;"omod?dade-.elecmstl:6i:e^<:o:^^^
^PMrte Tena0^ de moáo aI8umdarPeI^^de^t^Z:^^
para tanto. Isso é lembrado particularmente contra as aplicações crassas da doutrina
^^°,í p:sí^Mas.peI°fato de ^ue-no'h—^^^^^
da origem da linguagem a partir da imitação.
^^:Ja,unldadldaquilovle separao ^•-"""a'^^^
A linguagem originária, tanto na relação subjetiva como objetiva, foi, por
lTtoaI<ksua natüreza; Isso ° le8'tima e ™P"l"°°a'a nâo^penaTcompTrZ'
Zs^^^tambémcom ^—^^^ï^Z^
conseguinte, uma representação transfiguradora, ao mesmo tempo natural e, con-

tudo, trazendo em si a configuração da liberdade humana. Ela não pôde ampliar-se


de nenhuma maneira quando começou, isto é, alguns signos análogos tinham de ser
^Z^±M paraamals,sublime mtui^es^-^^^!iS^
lutltlï_ima8em de tudo e- desse-modo"eI^^^n,Zal^orlaPIaDr8u^eem
procurados para as representações. Os signos sonoros têm uma analogia imedia-

ta e própria apenas com o audível. Aquilo, portanto, que recai em outros sentidos
^:,^^O^CTM^OdeTO'potí:d::::a:^^^^^
^JdenÏde de todas as coisas- J"^-"tepoi^^ Zqu^ ^^^^
tem de ser designado por meio de analogias mediadas. Essas residem em analogias
das impressões com os diferentes órgãos, da suavidade, da força etc. Um cego te-
Sl=m^^^^::=l:fq::t:^^ ^-
ïiladldafitolofia:qmna essência e una com a finaMade"d7pZ^aaraaqau°aI
ria comparado uma vez a cor vermelha com a ressonância de um trompete. Muito ela originariamente revela serventia perfeita. ~ " """""""' uü pucslü; para a (

acertado! Assim Rote [vermelho} é designado em muitas línguas com a letra R, com
.,..c,°nstról-se na !mguaSem- POTtant°, -°bre a primeira representação do mundo
cuja letra começam as palavras rauscheln [murmurar], rieseln [manar], rasseln [ma-
!^ÍVel'una se8unda representa<ão'^—^S^"^^^(o^^
traquear], reem\ puras denominações de ruídos. Da mesma forma a sensação do

tato que se diz rauh [áspero]. Compare-se com rot a palavra blau [azul] que, assim

como a própria palavra, é o oposto dela. Ou, porém, a semelhança reside na ação ou
^ i^^^ï^^. ^^^ ^s
I^T;^nmeIra esfera: mas aqui Pnme—te^'^^'aT^^^
P^^TWesmbouzidoI!i emn6s.'p(~d° ^'^ :^':
no movimento dos órgãos da fala com aqueles atribuídos ao objeto: daqui descende
Ï"l^'!lcM"tí!u!dta partir dos elemeutosp°^^i,ïu^^,e
nana, a poesia propriamente dita.

^Os tropos e as metáforas, o mais belo adorno do estilo poético, eram, de acor-
5. Em grego no original [N. da T.].
' com ,sso, micialmente um recurso provisório, devido à pobreza'da designação.

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AUGUST W1LHELM SCHLEGEL DOUTRINA DA ARTE

Assim se relaciona em geral o desenvolvimento artificial das artes com sua origem
llmg!!gem.Nesse-sentldo-é verda(ieiro °que foi d'to tantas v"-'. q- a poe.a
natural: é sempre o progresso da carência para o livre jogo. Considerou-se antes esse Z8ilsDÏSÍProsa e naose deiM^^ ^ l^^^^
caráter imagético originário das línguas, o qual parece levemente estrepitoso para r.fama "tístiralgualmente estabelec^o ^""c^o^^^^^
os povos de uma imaginação mais domada, como sendo uma peculiaridade orien-
qlapr!"escrita pressupõe °emprego corrente da arte -^ e',u:»Z'aZ
tal: agora se sabe que em certo estágio ela é comum a todas as línguas. Certamen- Mnmam havCTPOemas transnutid—ln^ :q;eLl ^to^^l,^
te determinados climas e tipos de terras podem ter sido bastante favoráveis para a menos em muitas nações. ' ^ ~ ~ --— ^.^, pcio

permanência nesse estagio. ^D!Temodo então°prosaico chega à lmg"agem? Pelo fato de que o enten-
O homem não inventa a linguagem como um ser ociosamente contemplativo, ^to ^oderadc"SI8nosque aim^ã:^I^Z;<d^^
mas como um ser que procura afirmar sua existência sob o ataque das forças físicas,
^d:Larbeie"!.amblguIdade- wust~ o^oqu:^'^:^:
O movido, que se modifica, que faz efeito visivelmente irá, portanto, acertá-lo antes lma8em.?transformaemum conceito- semPre dea7ordo'Ic'on>'o^'od'oa"c'oZeaumea
e muito mais violentamente do que o que está em repouso. Por isso, pode-se afirmar IeseDtaçãodesígnada é relaclonada à imagina?ã°-°"-ao»"ten"dÍ'meZU^Z,m,osl^
no todo que primeiramente foram designadas as mudanças, a seguir as coisas, en-

tão as propriedades e, por fim, as relações. Por conseguinte, os verbos são a raiz de
^s^!araa.:mTl"um ^^^^2 ^
seÏhan!ado signo com °designado- taato no(lue °°°cerneTc"o'^u,uçÏoudZsa
tais línguas que jRcaram ainda mais próximas de sua origem, como o hebraico e, na A!;quaDt°aoraráter magétlco de palavras ^^adotZ;^^^
verdade, o tempo passado é o tempo originário. Reside nisso o significado que um ^T:!le1nÏtasCTPressoes para operações espmtuais. ~^^^Z
evento, assim como é apreendido, também já é passado. O presente parece ser uma

abstração tardia, por meio da qual o passageiro se transforma, em certa medida, em


^^m^oevm:^^:^^^^
!mZel^po"xemplo;.verateA''" [comPreend^ (P°^ A'"^^» tfica7jun^);ZV
algo permanente. Tendo em vista que o espírito humano está voltado primeiramente m[captï (po^ürs'ch 2" "eA'"- &">"" Pam'.i]):de":n'de"su^aZazZ
para efeitos e antes que ele reconheça o fundamento de algum efeito estranho reco-
T^ TOreconl'ec^ a~toete^^ZZ::Ï;
nhece o fundamento daqueles efeitos que ele mesmo sente imediatamente, então ele !les.tende.apena^s.I'alavras isoladas e seu SI8nificad°, mas mu,tomais'pa7a"a7s"
representa para si todas as mudanças sob a imagem de seu próprio modo de fazer pécie de sua composição, na qual de desdobra todas as formas lógicas"
efeito, isto é, como provocadas por uma vontade, como ações. Tais ações não são atn-
.,Adedu!ã°_das palavras toraa'se irrecoDhe':'vd com ° decurso do tempo, uma
buídas a outras criaturas vivificadas, mas vivificam forças mecânicas e humanizam Il^Ï.mesma se °rienta pela comodid^e dos falantes, aquele" s7mMisumZ
toda a natureza; um enunciado que é extremamente importante no que diz respeito a,qudeesquematismo universal da fantasia deve abrir esPa?° às deTerm,naçBe7m2
à mitologia6. À linguagem originária, portanto, no que se refere aos substantivos, "80rosas:.masmortas do ente'ld'ment- e, assi^^^g^^Z^^
é própria uma personificação completa, da qual ainda é um resquício a diferença toguagem irá aparecer modificada desde a unidade da desig^çâo'Z ^ Zurreaua
apagada deles em poucas línguas, segundo géneros, com os quais tais objetos foram ^MOdeagTarbitrariamente convenciona". I^° é levado^ mais longe ~pos^
pensados como análogos segundo sua espécie de efeito. (Anomalias nesse caso: sol,
^82e^^^ond;eladecaio máxlmo ^^^^^
lua. Nomes de animais apenas segundo um único género etc.) ate umarifra algébrica. Contudo, isso é apenas umadireçao unilatera7dete^d^
Por meio de tudo que vimos fica comprovado que as onomatopeias, a metáfora
nempre8°:pois uma lmguagem-tomada em 8eral.D- P°d° -r imriramente"
juntamente com todos os tipos de tropos e a personificação, as figuras do discurso, n»alpo!tIca:.STPrepermanecem elementos Poétlcos nela d-P^os,-po7m;Í:que
as quais a poesia artística procura intencionalmente, são por si mesmas familiares lambCTI"c.°ndam: e °retorno aointu'tiv's»°. à v.vacidadeeaoca^terTmar;
na linguagem originária, aliás, com uma necessidade incontornável e dominante lclslmpred!vepoder ser encontrada Inclus've na linguag^ Ja~tornada~pro'Za
em grau supremo, onde reside justamente a poesia elementar anunciada na origem ^senta-s^renoyadamente, no modo de falar da v,d, comum;que também7erve
meramente à carência e dispensa o cultivo artístico, uma certa naturaUdade"do^

6, As observações de Lessing no Laocoorfte sobre a linguagem de Homero. Para os nativos do Senegal a s!BnosLque'.porêm' lmais Imltaçao rude do que a af™^o da dignidadedTuma
mimosa sensitiva significa "bom dia'" [Nota de August Schlegel]. representação livre. Donde decorre também nela a intromissão nao°nobre7baÍxau

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A UGUST WILHELM SCHLEGEL
DOUTRINA DA ARTE

uma vez que o selvagem americano sempre se exprime digna e inclusive majestati-
Queremos agora percorrer brevemente o que se deixa dizer sobre a linguagem
camente (quando ele provavelmente se encontra bem acima do camponês servo ou poética, sem levar em consideração os géneros.
das classes mais baixas do povo, os carregadores oprimidos da cultura na Europa).
Uma opinião inteiramente errônea, que encontrou, todavia, muitos adeptos, é
Tais peculiaridades da linguagem do povo são onomatopeias infantis; expressões que a que afirma ser uma excelência da dicçâo poética quando nela não se permite nada
contêm em si tantas determinações individuais acessórias que apenas cabem em uma (por exemplo, a favor do verso) que não possa também encontrar lugar na pró sá co"
esfera local; comparações bizarras e gritantes; aspiração por uma energia exagerada.
mum. Juizes de arte franceses, particularmente na época de Luís XIV, defenderam-
Tudo isso fornece um traço risível e, por conseguinte, é de se recomendar fortemente
-no de vários modos e eles foram certamente conduzidos a isso devido à natureza
o emprego de tais palavras e modos de falar para as espécies poéticas cômicas. O limitada de sua língua; entre nós alemães foi o princípio e a práxis de Gottsched
princípio de Bürger7, ao contrário, de que se pode e deve na poesia apanhar simples- que o introduziu em amplitude maior e por mais que o renome desse erudito tenha
mente expressões da mais viva linguagem do povo, poderá facilmente conduzir ao decaído inteiramente, sua doutrina, apenas sob outra figura, sempre novamente
desvio do não nobre, tal como se comprovou em seus próprios poemas. Vemos que
compareceu e mesmo na época mais recente foi acentuada entre outros por Wie-
também a maior parte dos provérbios trazem em si o caráter descrito anteriormente e land. Consíderou-se ser isso o corretismo do estilo, e essa é uma das asseverações
que ao lado de seu princípio poético se dá a conhecer também um princípio realista. principais dessa expressão infeliz. Mas, para a poesia é antes extremamente impor-
Se a linguagem também cessou no modo indicado de ser representativa, ou se
tante e vantajoso quando ela encontra na língua meios de distinguir sua expressão
ela ao menos representa de modo privilegiado as operações do entendimento em vez o máximo que pode da vida comum. Ela anuncia com isso imediatamente que ela
da intuição viva dos objetos: então apenas assim a finalidade, que persegue a neces- quer elevar-se acima da realidade comum e o ouvinte experimenta o fato de que se
sidade fora dela, de modo que a rebaixa a mero meio, é recolocada de volta na lin- encontra submetido à mensagem de outra força da alma do que aquela que costu-
guagem, o que ocorre pela aspiração da bela arte quando reconstitui sua disposição meiramente domina o discurso. Por meio do tratamento do entendimento é apagada
representativa. Nesse caso, ou o discurso se submete na escolha e na composição ao em certa medida a sucessão, porque a finalidade do discurso apenas se coloca no
emprego linguístico dominante, e assim nasce va prosa bela, ou ele dá a si mesmo a fim. O tratamento artístico a transpõe nele mesmo de volta, a sucessão adquire nele
lei, e assim nasce a poesia artística. Essa legislação da última, extraída da própria mesmo um valor, que também é designado por meio da medida silábica. O ouvinte
essência, também se estende ao audível na sucessão e, no que se refere a isso, chama- não deve passar de modo apressado pelas partes isoladas, a fim de apenas obter o
-se medida silábica, cuja necessidade já foi deduzida do conceito universal da poesia nítido do todo, mas se demorar em cada uma delas e isso é muito fomentado pelo
e a cujo assunto retornaremos novamente. Aqui temos de nos ocupar primeiramente
fato de que o incomum coloca em movimento sua atenção, uma vez que, de resto,
com a dicção poética. O que é peculiar a essa, em oposição à prosa, não raramente na vida comum muitas vezes não se percebe as palavras, e sim apenas seu senti-'
é compreendido sob o nome de licenças poéticas. Mas isso pode facilmente levar a do. As possíveis diferenças da linguagem poética diante da prosaica podem, pois,
uma representação errônea. São, a saber, apenas liberdades na direção do emprego ser reconduzidas aos seguintes pontos: I. palavras próprias não usuais no discurso
linguístico comum, não em relação ao emprego linguístico poético, pois senão se- comum; essas palavras podem ser ou as que estiveram antes em uso, envelhecidas
riam falhos. Segundo a espécie poética e o espírito de todo o poema, elas têm de ser ou meramente conhecidas em uma única província, universalmente conhecidas ou.
necessárias na passagem onde se encontram, isto é, serem lei. / porfim, deduzidas e compostas propriamente tendo em vista a poesia. 2. Espécies

de flexões próprias das palavras e com elas segundo sua constituição material, isto
é, segundo letras e sílabas nas quais consistem, modificações empreendidas, abre-
7. Gottfried August Bürger (1747-1794) foi poeta, autor de baladas e também da versão alemã traduzida
viações etc. Aqui temos apenas de nos precaver diante da dureza e da cacofonia. 3.
e ampliada das famosas Aventuras do Barão de Münckhawen (1786), que tinham sidopublic adas^um
anci antes, em inglês, por RudolfErich Raspe em Londres. Foi professor de August Schlegel emG^ Composições próprias de palavras. 4. Posições próprias de palavras. A poesia cer-
tineen. em 1786."Sob 'certo aspecto, August e também Friedrich Schlegel devem muito a Bürger para
tamente quer ser compreensível do mesmo modo como o emprego mais precário da
a percepção do conceito de "romântico". Bürger também foi o pivô de uma discordância dePrlnci1'10
entre os irmãos Schlegel e Schiller, uma vez que este escreveu em 1791 uma crítica fulminante â sua tínguagem: ela destruiria seu próprio fim se ela se desviasse tanto de toda a analogia
obra [N. da T.]. do emprego linguístico, de modo que teria de ser completamente incompreensível.

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