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Disciplina: Literatura Portuguesa – Renascimento

Professora: Lúcia Helena Marques Ribeiro


Aluno: Guilherme C. da Fonseca
Turma: 01
Data: 05/10/2021

Estudo 2

O Auto da Compadecida é uma composição teatral escrita em 1955, por Ariano Suassuna e
sob os moldes característicos de um auto, isto é, cinge em si aspectos cômicos expressos por
linguagem simples e propende a uma finalidade de cunho moral. A obra foi adaptada em um
filme produzido pela Globo em 2000. Tal gênero manifesta elementos simbólicos mediante
alegorias ou constructos representados, sob fórmula de analogia de proporcionalidade, por A
está para B assim como C está para D – a ganância do padre João está para a obra assim
como a corrupção do clero está para a Igreja, por exemplo. É possível traçar certas
semelhanças entre o Auto da Compadecida e o Auto da Barca do Inferno, de Gil Vicente.
Quanto a este último auto, o autor empreende uma exposição da autenticidade da ventura
terrena das personagens, que vivem ou não conformes às suas respectivas posições sociais e
profissionais, transparecendo, assim, a consequente maneira de articular suas funções sob
critérios morais. Tornam-se evidentes essas mesmas disposições composicionais na obra de
Suassuna quando o padre João realiza um enterro para uma cadela como se o fosse para um
cristão, cuja dignidade humana ultrapassa a das outras criaturas terrenas por pressupor o
gênero de potência intelectivo na alma. Contudo, padre João consente em tal ato tendo em
vista não a doutrina eclesiástica, mas o dinheiro que supostamente lhe fora garantido pelo
testamento da cadela. Seria também conveniente citar o automatismo vazio de significado do
bispo, talvez causado pelo hábito, de proferir passagens do Código de Direito Canônico
desavergonhadamente avulsas e sem certeza de validação; há uma cena em que o bispo não
tem certeza se a Igreja permite determinado ato e de repente brada que é errado sob evidente
pedantismo, ou seja, ignorando o assunto em questão, ostenta um conhecimento que não tem
devido à soberba, que é elevar-se acima do que se realmente é. Segundo uma contiguidade
mais próxima entre as obras, poder-se-ia claramente comparar tal qualidade de sacerdotes
presentes no Auto da Compadecida com o frade acompanhado pela amante e carregando
armas de esgrima mostrado no Auto da Barca do Inferno.

Uma das diferenças entre as obras é que no Auto da Compadecida há o desenvolvimento das
personagens síncrono à apreciação da obra, que nos leva até a devida sentença final de cada
uma, ao passo que o Auto da Barca do Inferno já se inicia no julgamento das almas, no qual
se retoma de modo ou acusativo ou defensivo os atos passados. A inspiração vicentina é
prontamente apreendida no momento do julgamento: as almas se dirigem para seu designado
destino após uma circunstância de submissão e autoridade. No Auto da Compadecida,
diferentemente do Auto da Barca do Inferno, há Nossa Senhora como intercessora. O
demônio acusa e Nossa Senhora advoga, o primeiro emerge os pecados e a segunda extrai as
intenções dos atos. Segundo a doutrina católica, Cristo institui a ética do coração, isto é, a
necessidade de haver antes uma pureza interior do que atos falsamente virtuosos, e por isso o
pecado para sê-lo tem de valer-se da intenção. Diante disso, faz-se necessário notar certa
tomada de consciência de João Grilo, que a certo ponto do filme direciona sua astúcia não
mais ao proveito próprio, mas ao bem do próximo; por exemplo, quando logra êxito em
persuadir os cangaceiros a saírem da cidade ou todo aquele malabarismo que faz para que
Chicó se case com Rosinha. No seu julgamento, Nossa Senhora propugna a ideia de que o
pobre se vale da mentira para superar as vicissitudes adversas da vida, contudo, João Grilo,
tomado pela aceitação de que fez coisas erradas independentemente de suas condições, volta-
se para os portões do Inferno, mas não o faria sem antes sugerir que seus patrões e os
sacerdotes da Igreja fossem para o Purgatório. O resto das personagens em julgamento
arrependeram-se de seus erros e foram purificar-se – os patrões exprimiram com honestidade
o que residia em seus corações e morreram com um só tiro, como uma só carne; os sacerdotes
cumpriram verdadeiramente os seus votos, resignando-se com o fato de que, sob a condição
de sacerdotes, deviam abraçar suas cruzes e morrer em conformidade com o destino que Deus
estabelecera em suas vidas –, com a exceção do cangaceiro, que foi escusado do que fez por
conta da loucura que o consumiu após a morte de seus pais: mais uma vez o que impele o
coração é de mais valia que o ato per se. Por fim, João Grilo é convencido a não ir para a
condenação eterna e volta à vida, com Chicó e Rosinha, para um rumo que não nos é
revelado.
Os últimos momentos das obras divergem quanto à conduta tomada pelas personagens sobre
sua sentença. Aquele que protesta com indignação no Auto da Compadecida é o demônio, no
Auto da Barca do Inferno, as personagens. O sapateiro diz “Quantas missas eu ouvi/ não me
hão elas de prestar?”, ao que o Diabo responde “Ouvir missa, então roubar/ é caminho para
aqui”. Seria de oportuna sorte comparar a candura de Chicó com a do Parvo, contudo, aquele
não foi para o julgamento, e, caso contrário, só se poderia pressupor um destino semelhante
ao da personagem de Gil Vicente. A semelhança patente dos autos é algum conhecimento da
doutrina da Igreja e a exposição de contradições volicionais quanto o estado aderido pelas
alegorias. O cotejo das obras nos exibe inspiração de uma sobre a outra, mas cada qual
guarda sua singularidade, tão proveitosa tanto para apreciar quanto para estudar.

O seu trabalho está muito bom! Você fez uma ótima reflexão sobre as obras de Gil Vicente
em comparação com a obra de Suassuna! Você deveria participar mais nas aulas, pois iria
colaborar muito com seus colegas com esses tipos de comentários!

Referências Bibliográficas

VICENTE, Gil. O Velho da Horta, Auto da Barca do Inferno, Farsa de Inês Pereira.
(Introdução, Comentários e Estabelecimento de Textos Segismundo Spina). São Paulo: Ateliê
Editorial, 2020.

FP96. O auto da compadecida completo FULLHD. Youtube, 05 ago. 2021. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=H9Jtth2dsHQ>. Acesso em: 04 out. 2021.

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