Você está na página 1de 10

Auto da Barca do

Inferno
Resumo da obra

Marta Oliveira
2011/2012
Arrais do Inferno
Na primeira cena do Auto de moralidade ficamos a conhecer as circunstâncias em que foi
escrito, o seu argumento e as personagens.

A peça começa com um diálogo entre o Diabo e o seu companheiro.

Circunstâncias em que foi escrito


O Auto da Barca do Inferno foi composto por Gil Vicente, a pedido da
Rainha dona Leonor, a fim de ser representado ao príncipe e ao rei
Dom Manuel.

Argumento da obra
O auto representa o julgamento das almas humanas na hora da morte.

No cais estão dois arrais, um conduz à Barca da Glória e outro à Barca do Inferno, por
onde vão passar diversas almas que terão de enfrentar uma espécie de tribunal, defender-
se e enfrentar os argumentos do Anjo e do Diabo que surgem como advogados de
acusação.

Através da brilhante metáfora do tribunal, Gil Vicente põe a nu os vícios das diversas


ordens sociais e denuncia a “podridão” da sociedade. Assim, a grande maioria das almas
são condenadas ao Inferno. 

Personagens
Na didascália inicial também nos é apresentado todas as personagens que vão passar
pelo cais sendo elas: o fidalgo, o onzeneiro, o parvo, o frade, a alcoviteira, o judeu, o
Corregedor e Procurado e por último os quatro cavaleiros, e aquelas que as vão julgar o
Diabo mais o seu companheiro e o Anjo.

Diálogo entre o Diabo e o Companheiro


O diálogo que o Diabo tem com o companheiro mesmo antes de as almas começarem a
chegar, presenciado também pelo Anjo que se encontra no seu batel, é muito breve, mas
apresenta aos leitores/espetadores uma noção do que se irá seguir nas próximas cenas.

Podemos observar que o Diabo encontra-se muito alegre e confiante, pois certamente já
saberá que irá ter muitos remadores, por essa razão promove a sua barca, com
chamamentos e interjeições. Para que tudo esteja perfeito o Diabo vai dando uma série de
ordens ao companheiro, podemos ver assim que é autoritário, pois praticamente todos os
verbos estão no modo imperativo.

Marta Oliveira
2011/2012
Elementos alegóricos
O cais onde se encontram as barcas - Fim da
vida terrena. O local de passagem para a outra
vida.

As barcas – Caminho que conduz à


salvação/perdição.

O Diabo – O mal, condenação dos vícios.

O Anjo – O bem, a recompensa das virtudes.

O Auto da Barca do Inferno – O juízo final.

 Fidalgo

O Fidalgo representa a nobreza e critica, aqueles que só pensam no seu estatuto


social.

Símbolos cénicos

Paje - Simboliza a tirania e opressão que exercia sobre o seu povo.

Cadeira d’espaldas - Representa a falsa vivência da religião.

Manto - Símbolo do estatuto social e da sua vaidade.

Resumo da cena
O Fidalgo apresenta-se com toda a sua vaidade e presunção, ricamente
vestido.
Habituado a gozar de privilégios especiais, não coloca a hipótese de ir
para o Inferno, assim para justificar o seu direito a entrar na Barca
celestial, apresenta-se apenas ao Anjo na sua condição social, “ Sou
fidalgo de solar/ é bem que me recolhais.”
É acusado de viver a seu prazer, ou seja, fazer tudo o que queria, ser
tirano, vaidoso, materialista… Além disso, fora infiel à sua mulher, mas
Gil Vicente, na boca do Diabo denuncia também a corrupção da mulher
da corte. São satirizados, caracterizando a sociedade do seu tempo, a
hipocrisia, a falsidade, o fingimento, a infidelidade da mulher da corte.

Marta Oliveira
2011/2012
O Fidalgo ao longo da cena vai mudando o seu estado de espirito, de acordo com a
evolução do seu julgamento. Começa por ficar surpreendido, incrédulo passando
por momentos de ingenuidade, acabando por se resignar à sua sorte.
Os dois arrais utilizam argumentos de acusação e o fidalgo contrapõe com
argumentos de defesa. Gil Vicente condena toda uma classe social, através desta
personagem tipo, visível na fala do Diabo quando este afirma que o pai do Fidalgo já
tinha embarcado na sua barca.

Como sentença final, o fidalgo embarca na barca do Inferno e o paje não entra em
nenhuma das barcas pois representa um elemento do povo, a principal vítima da
opressão da nobreza.

 Onzeneiro

O Onzeneiro, representa a burguesia e um vício social da época. Era um usurário que


enriquecera à custa de altos juros do dinheiro que emprestara aos necessitados, a
quem o Diabo chama meu parente.

Símbolos cénicos

Bolsão - Representa a sua ganância pelo dinheiro.

Resumo da cena
Apresenta-se com um bolsão que ocupa quase toda a Barca, mas
informa-nos que vai vazia. Roga ao Diabo que o deixe voltar ao
Mundo para ir buscar os seus bens, mostrando assim o
materialismo, a ganância, a ambição que povoa o seu coração.
No entanto, apresenta-se em cena tão pobre que nem sequer tem
dinheiro para pagar ao barqueiro.

Tem como destino final a ilha perdida, sendo deste modo


castigado por todos os pecados cometidos e por conseguinte toda a classe que
representa, a burguesia.

 Joane, o Parvo
Marta Oliveira
2011/2012
Com esta personagem, Gil Vicente não pretende criticar nenhuma classe social, mas
sim tornar a peça não tão monótona e criar um pouco o cómico.

Símbolos cénicos
A personagem não transporta símbolos cénicos, pois tudo o que fez foi sem
consciência alguma.

Resumo da cena

Apresenta-se com toda a sua simplicidade, ingenuidade e graça,


autocaracteriza-se perante o Diabo como tolo. Queixa-se por ter
morrido mas há descontração nas suas atitudes e apenas se irrita
quando percebe que o Diabo o quer levar para o Inferno. Os insultos
que profere revelam o seu caráter de pobre de espírito. Ao
apresentar-se perante o Anjo sintetiza toda a sua simplicidade ao
afirmar que é “Samica alguém”.

Salva-se porque não há maldade nos seus atos. É como uma


criança a quem não se pode atribuir responsabilidade.

Este Joane é a concretização do preceito cristão, segundo o qual


são “ bem-aventurados os pobres de espirito porque deles é o reino
dos céus.”

 Sapateiro

O Sapateiro representa a baixa-burguesia, e um grupo de ofícios. Nesta


personagem, está novamente presente a critica às práticas erradas da religião.

Símbolos cénicos
 Avental e as formas de sapatos - Representam os anos que enganou os seus
clientes.

Resumo da cena

Marta Oliveira
2011/2012
O Sapateiro é acusado pelo Diabo de roubar o povo, este não nega e começa a citar em sua
defesa, o cumprimento de preceitos religiosos:

 Faleceu comungado e confessado;


 Ouviu missas;
 Ofereceu donativos à Igreja;
 Assistiu às horas dos finados.

É o Diabo quem o elucida que tudo isso nada abona em sua defesa, uma vez que praticava
o mal.

Quando o sapateiro roga ao Anjo que o acolha na Barca, este objeta-lhe “ a carrega
t’embaraça”, ou seja, as formas seriam a materialização dos pecados, pois foram
compradas com dinheiro roubado aos fregueses.

A crítica desta cena está na verdade que os preceitos devotos só ajudam os que levam uma
vida honesta.

 Frade

O Frade representa o Clero.

Símbolos cénicos

Moça – Quebra do voto de castidade

Equipamento de esgrima (broquel, espada, capuz e capacete) – Lado


mundano e leviano da sua vida.

Hábito – Mostra a sua religião

Resumo da obra
Chega ao cais a dançar e a cantar, mostra-se alegre e amigo de se divertir.
Começa por se assumir como “cortesão”, frequentador da corte o que revela
o seu lado mundano e pouco dado a clausuras próprias da sua condição de
frade. Essa sua característica é confirmada quando afirma saber dançar e
esgrimir, atributos de jovens galantes nobres. Não é um frade que tivesse
cumprido os votos de pobreza e castidade como se comprova pela moça que
traz. Parece ter se limitado a fazer o que os outros frades faziam, com a arrogância de
quem pensava que tudo lhe era permitido só por ser membro da Igreja.

Marta Oliveira
2011/2012
Em suma, a intencionalidade crítica desta cena é apontar a devassidão do clero, o
materialismo e a corrupção dos valores da Igreja; o caráter artificial das orações e a cópia
dos costumes da Igreja.

 Alcoviteira, Brízida Vaz


A Alcoviteira representa os elementos do povo e baixa-burguesia que se dedicavam a
encaminhar as raparigas e mulheres casadas para a prostituição. Representa esta atividade
profissional.

Símbolos cénicos
Hímenes postiços, arcas de feitiços, armários de mentir, furtos alheios, joias de vestir, guarda-roupa
de encobrir, casa movediça, estrado de cortiça, coxins e moças - Estes elementos representam a
exploração interesseira dos outros, para seu próprio lucro e a sua atividade de alcoviteira ligada à
prostituição.

Resumo da Obra
Esta personagem apresenta-se com voz elogiosa e usa uma linguagem popular.
Brízida caracteriza-se a si própria, pois fala tanto sobre a sua atividade que não é
necessário lembrar-lhe dos pecados que cometeu.

Tanto o Diabo como o Anjo não a acusam, mas ela defende-se por não querer ir
para o Inferno, dizendo que casava muitas mulheres, que tinha sido muito
martirizara, que tinha convertido muitas raparigas, que as tinha encaminhado e
até que as vendia aos cónegos da Sé, argumentando que servia a igreja, deveria
ir para o Paraíso.

Quando descreve os objetos que transporta utiliza tantas palavras do campo


semântico da mentira, que ficamos a saber que enganar os outros e a sua
profissão, que é confirmado pela forma hipócrita como se dirige ao Anjo para conseguir que ele a
deixe entrar na barca da Glória.

Esta cena tem a intencionalidade crítica de denunciar a corrupção dos valores, criticar o lenocínio e
depravação do clero.

 Judeu

Marta Oliveira
2011/2012
O Judeu representa a religião e pretende salientar como os Judeus eram mal considerados
pelos cristãos.

Símbolos cénicos
Bode- Representa o apego à sua religião.

Resumo da Obra
O Judeu apresenta-se em cena com o bode às costas, símbolo do apego
à sua religião. Dirige-se ao Diabo, pois ao contrário das outras
personagens ele sabe que é condenado, que lhe recusa a passagem,
tentando o Judeu entrar através do seu dinheiro, o que revela outro
caráter dos Judeus – o apego ao dinheiro.

Tanto o Diabo como o Anjo não o acusam diretamente, pois o Diabo


não permite a entrada de Judeus na barca e resolve levá-lo, juntamente
com o bode a reboque. Isto mostra que o Diabo marginaliza de tal modo
o judeu que o coloca num plano inferior aos dos restantes condenados
ao Inferno. Até o Parvo troca o seu plano de comentador pelo de
acusador e culpa o Judeu de profanar sepulturas cristãs e de não
respeitar a abstinência e o jejum cristãos.

Apesar de sabermos que Gil Vicente não concordava com a perseguição


movida aos Judeus e cristãos-novos, a verdade é que, como cristão-
velho, dirige ásperas censuras ao judaísmo em geral.

 Corregedor e Procurador
O Corregedor e o Procurador aparecem juntos em cena, para
por um lado quebrar a monotonia e por outro para alargar a
crítica a todos os que trabalham com leis. Representam, assim a
classe dos magistrados, criticando o funcionamento da justiça.

Símbolos cénicos
Corregedor

- Processos e vara da Justiça - Representam a corrupção e a


magistratura.

Procurador

- Livros – Símbolo da magistratura.

Resumo da Obra

Marta Oliveira
2011/2012
Esta cena forma um amplo quadro de justiça humana, que
Gil Vicente opõe à justiça divina.

O Corregedor é quem se apresenta primeiro em cena, no


diálogo com o Diabo, mostra-se convencido de que a sua
posição social o irá salvar. Seguidamente aparece o
Procurador, que vem auxiliar o Corregedor, mostrando
assim a cumplicidade que existia nos membros da justiça.

Ambos dialogam com o Diabo em latim deturpado, que tem


função cómica e caracterizadora. A principal acusação que o
Diabo lança ao corregedor e a de não ter sido imparcial nas
suas sentenças, deixando-se corromper por dádivas
recebidas até de Judeus. O principal argumento de defesa
dos dois é a sua posição social, argumentando também com
o facto de dizerem que agiram sempre segundo a justiça e
quando o Diabo acusa o Corregedor de aceitar as dádivas
dos Judeus, este desculpa-se com a sua esposa, afirmando que ele não tinha nada a ver
com isso.

Gil Vicente também foca a confissão das almas, pouco antes de falecerem: o Corregedor
confessou-se, mas ocultou todos os seus pecados e o Procurador, nem sequer se
confessou.

Esta cena denuncia a prática fraudulenta da justiça, denunciando a corrupção, o


oportunismo e a parcialidade. Nesta cena vê-se a condenação da justiça Humana pela
Divina.

Ambos são condenados ao Inferno e no fim o Corregedor fala com Brízida Vaz (Alcoviteira),
pois conhece-a dos problemas com a justiça.

 Enforcado
O Enforcado representa as vítimas da justiça.

Símbolos cénicos

Baraço ao pescoço – Este elemento representa a sua vida terrena vil


e corruptível. A forma como morreu.

Resumo da Obra
O Enforcado trata-se de alguém que em vida preso e condenado à morte.

Marta Oliveira
2011/2012
Foi enganado por Garcia Moniz que o teria convencido que iria para o Paraíso visto ter-se já
purificado, na prisão do Limoeiro, dos pecados cometidos. Assim podemos dizer que esta
personagem nos aparece aqui como vítima, quem será verdadeiramente criticado é Garcia
Moniz por ter induzido em erro o enforcado sabendo que não havia solução possível para
ele.

Gil Vicente põe-nos face a uma personagem de responsabilidade que enganava os mais
fracos, como o enforcado, personagem sem vontade própria que se deixa enganar.

 Quatro Cavaleiros
Os Quatro Cavaleiros representam aqueles que combatiam pela fé cristã. 

Símbolos cénicos
Cruz de Cristo – Simboliza a fé dos cavaleiros pela religião católica.

Resumo da Obra
Aparecem em cena apregoando uma cantiga que lembra ás pessoas
que ficaram em Terra a necessidade de passarem por aqueles barcos e
como a vida é uma passagem. Nesta cantiga está contida a moralidade
da peça, que é o facto de a vida ser uma transitoriedade e de termos de
ser julgados ao chegar aquele cais.

Os cavaleiros nem sequer param na barca do Diabo e quando este os


interpela eles simplesmente lhe perguntam se sabe com quem está a
falar. Estes personagens não apresentam argumentos para ir para o
Paraíso, apenas o Anjo quando os vê chegar, diz que já os esperava e
que eles são que tinham sido verdadeiros mártires da fé cristã. Os seus
símbolos cénicos são as cruzes de Cristo.

Marta Oliveira
2011/2012

Você também pode gostar