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CMB | Preparar a Prova Final Português 9ºAno

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Auto da Barca do Inferno, Gil Vicente


Características do teatro vicentino

Gil Vicente não é um autor da Idade Média nem tão pouco um autor
moderno, situa-se numa “zona de transição”: faz adivinhar novos tempos
sem ter assimilado totalmente os ideais do renascimento humanista.
O teatro vicentino é representado essencialmente em salões, palácios,
capelas, igrejas e mosteiros.
Uma das características das obras de Gil Vicente é o recurso a
personagens-tipo. As suas personagens não são individuais, isto é,
representam sempre um grupo, uma classe social, uma profissão. Desta
forma, são uma síntese dos defeitos e virtudes desses grupos. Assim, Gil
Vicente satirizava a sociedade, sem atacar diretamente alguma pessoa
em particular. Nem por serem tipos sociais estas personagens deixam de ser indivíduos vivos, de
impressionante presença.
Os tipos vicentinos abrangem o conjunto da sociedade portuguesa da sua época. Na base está o
camponês “pelado” por fidalgos e clérigos, a cuja voz Gil Vicente dá acentos comoventes. No cume
estão os clérigos de vida folgada e os fidalgos presunçosos e vãos, que vivem, uns e outros, de
confiscar o trabalho alheio, ajudados pelos homens de leis e pelos funcionários, que fabricam
“alvarás” em benefício dos seus afilhados.
A expressão latina “ridendo castigat mores”, que significa “é a rir que se castigam os costumes”,
foi o princípio que Gil Vicente aplicou à sua sátira – através do cómico, provocando o riso no
público, o dramaturgo denuncia os erros de cada classe social.
As suas obras são como um “espelho”, pois reflete fielmente a sociedade do séc.XVI e só são
completamente percebidas quando as vemos representadas em teatro, sendo esta a componente
cénica que as valoriza.

Auto: este termo aplicava-se a peças de teatro de gosto tradicional. Os autos ao mesmo tempo
que divertiam, moralizavam o público pela sátira de costumes.
No Auto da Barca do Inferno é apresentado um processo de julgamento: a absolvição ou a
condenação depois da morte.

Circunstâncias em que foi escrito


O Auto da Barca do Inferno foi composto por Gil Vicente, a pedido da Rainha dona Leonor, a fim de
ser representado ao príncipe e ao rei Dom Manuel.

Argumento da obra
O auto representa o julgamento das almas humanas na hora da morte.
No cais estão dois arrais, um conduz à Barca da Glória e outro à Barca do Inferno, por onde vão
passar diversas almas que terão de enfrentar uma espécie de tribunal, defender-se e enfrentar os
argumentos do Anjo e do Diabo que surgem como advogados de acusação.
Através da brilhante metáfora do tribunal, Gil Vicente põe a nu os vícios das diversas ordens
sociais e denúncia a “podridão” da sociedade. Assim, a grande maioria das almas são condenadas
ao Inferno.

Elementos alegóricos
O cais onde se encontram as barcas - Fim da vida terrena. O local de passagem para a outra vida.
As barcas – Caminho que conduz à salvação/perdição.

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O Diabo – O mal, condenação dos vícios.


O Anjo – O bem, a recompensa das virtudes.
O Auto da Barca do Inferno – O juízo final.

Cenário
O cenário representa a margem de um rio com duas barcas prestes a partir (alusão ao mito de
Caronte), a do Céu, cujo arrais é o anjo e a do Inferno cujo arrais é o diabo. Uma série de
personagens vai chegando ao cais: são as almas dos mortos que acabam de deixar o mundo e que
se apresentam perante o Juízo Final para serem julgados. Por estas razões classifica-se também a
obra como auto alegórico. Todas as personagens vão para o Inferno, com exceção do Parvo, que é
salvo devido à sua pobreza de espírito, e dos quatro Cavaleiros de Cristo que morreram a lutar nas
Cruzadas sendo logo acolhidos na barca da Glória.

Síntese
O auto representa o julgamento das almas humanas na hora da morte.
No porto estão dois arrais, um conduz à Barca da Glória e outro à Barca do Inferno, por onde vão
passar diversas almas que terão que enfrentar uma espécie de tribunal, defender-se e enfrentar os
argumentos do Anjo e do Diabo que surgem como advogados de acusação.
Através da brilhante metáfora do tribunal, Gil Vicente põe a nu os vícios das diversas ordens
sociais e denuncia a “podridão” da sociedade. Assim, a grande maioria das almas. Joane fica no
cais porque não é responsável pelos seus atos e o Judeu vai a reboque da barca porque, não se
identificando com a religião católica, não tenta embarcar na barca da glória e é recusado pelo
diabo.
Apenas os Quatro Cavaleiros vão embarcar diretamente na Barca da Glória porque se entregaram
em vida aos ideais do Cristianismo na luta contra os mouros. Ao definir este percurso para cada
uma das almas, Gil Vicente tinha por certo o objetivo de fazer desta obra alegórica um auto de
moralidade, através do qual o Bem fosse compensado e o Mal castigado.

CÓMICO: PROCESSOS UTILIZADOS:


(algo que resulta de uma coincidência, um contraste, um desajuste, seja comportamental ou
situacional)

1. Cómico de situação
- resultado da própria situação, das circunstâncias criadas pelas personagens

2. Cómico de carácter
- resulta do temperamento, da maneira de ser ou estar, da personalidade, do seu carácter
3. Cómico de linguagem
(resulta do uso de vários recursos linguísticos que têm como função provocar o riso)
.Uso de calão
.Diferentes registo de língua
.Ironia
.Jogo de palavras
.Pragas, rezas, provérbios
.Latim macarrónico

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Percursos cénicos

Símbolos

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Cena I

A peça começa com um diálogo entre o Diabo e o seu companheiro.


O diálogo que o Diabo tem com o companheiro mesmo antes de as almas começarem a chegar,
presenciado também pelo Anjo que se encontra no seu batel, é muito breve, mas apresenta aos
leitores/espetadores uma noção do que se irá seguir nas próximas cenas.
Podemos observar que o Diabo encontra-se muito alegre e confiante, pois certamente já saberá
que irá ter muitos remadores, por essa razão promove a sua barca, com chamamentos e
interjeições. Para que tudo esteja perfeito o Diabo vai dando uma série de ordens ao
companheiro, podemos ver assim que é autoritário, pois praticamente todos os verbos estão no
modo imperativo.
Cena II – O Fidalgo

Personagem / Classe social


Fidalgo/ nobreza

Elementos / Simbologia
- Pajem – simboliza a tirania e o desprezo pelos mais necessitados
- Cadeira – simboliza poder, o seu estatuto social

- Manto – simboliza a sua riqueza e vaidade (presunção)

Percurso cénico

Cais – Barca do Diabo – Barca do Anjo – Barca do Diabo

Caracterização psicológica
- Vaidoso – Infiel - Presunçoso - Tirano - Não ajudava os outros

Acusações

- Viveu a seu belo prazer - Foi tirano - Desprezou e não ajudou os mais fracos

- Foi vaidoso - Foi infiel

Não se embarca tirania / neste batel divinal (...) Pera vossa fantesia / mui estreita é esta
barca (...) e porque, de generoso /desprezastes os pequenos...
ver minha dama querida... e ...ver minha mulher.

Argumentos de defesa

- Deixa na outra vida, quem reze por ele “…quem reze sempre por mim”

- Morreu sem estar à espera, sem contar

- É Fidalgo de solar (condição social – nobre) “ Sou fidalgo de solar/ é bem que me
recolhais.”
Destino Inferno

Intenção crítica

Gil Vicente pretende:

- Acusar a Nobreza de tirania e desprezo pelos mais necessitados


- Denunciar a infidelidade conjugal

- Demonstrar a vaidade e presunção dos nobres

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Cena III – O Onzeneiro

Personagem / Classe social


Onzeneiro/ burguesia

Elementos / Simbologia

- Bolsão: simboliza a sua ganância/ avareza/ ambição desmedida/ o apego ao dinheiro

Percurso cénico
Cais – Barca do Diabo – Barca do Anjo – Barca do Diabo

Caracterização da personagem

- Pecador - Ganancioso - Mentiroso - Ladrão


- Usuário - Rico

Acusações

- Roubar, através dos Juros elevados

- Ter o coração cheio de pecados (ambição, maldade)

“porque esse bolsão tomara todo o navio, ...não já em teu coração,

Argumentos de defesa

- Tem muito dinheiro em terra e poderá pagar a passagem

“Quero lá tornar ao mundo / e trarei o meu dinheiro”

- O bolsão está vazio “Juro a deus que vai vazio”

Destino

Inferno
Cómicos

- caráter - “Quero lá tornar ao mundo / e trarei o meu dinheiro”

- situação – “Santa Joana de Valdês! / Cá é vossa senhoria?”

Recursos expressivos

Eufemismo – “Na safra do apanhar / me deu Saturno quebrando”

Ironia – “Onzeneiro, meu parente”

Intenção crítica

Gil Vicente pretende:

- Criticar a prática da usura, denunciando o enriquecimento rápido e fácil à custa dos mais
necessitados
- Fazer ver às pessoas que o dinheiro que tem não lhes vale de nada, quando morrerem o
importante é as boas ações que fizeram.

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Cena IV – O Parvo
Os Parvos têm, no teatro vicentino, uma função cómica, ocasionada pelos disparates que
proferem.
Assim acontece neste auto, embora, em certos passos, o Parvo se junte às personagens
sobrenaturais para criticar os que pretendem embarcar e sirva, algumas outras vezes, de
comentador.
Evidentemente que, nos termos desarticulados e ilógicos, ditos pelos Parvos, há, por vezes,
muito que refletir e analisar. Neste auto, isso acontece com a célebre resposta ao Anjo: «…
Samica alguém:» (ed. de 1518) ou «Não sou ninguém» (ed. de 1562) que tem sido comentada
por variadíssimos autores.
A decisão do Anjo de acolher o Parvo, na sua barca, está na lógica da doutrina católica: não
pode ser responsabilizado pelos seus atos quem nasceu irresponsável. É o que o Anjo exprime
muito sinteticamente com a palavra simpreza. Simplesmente, o Anjo não lhe ordena que
embarque imediatamente mas, pelo contrário, manda-o aguardar no cais os futuros
companheiros («espera entanto per i»).

Personagem / Classe social


Parvo/ povo

Elementos / Simbologia
Não tem

Percurso cénico

Cais – Barca do Diabo – Barca do Anjo – (fica no cais)

Caracterização psicológica

- Malcriado/ grosseiro - Inconsciente - Simples – Humilde - Cómico/ engraçado

Acusações

Não é acusado porque sendo um pobre de espírito não pecou por malícia ou maldade

Argumentos de defesa

Como não é acusado, não precisa de se defender. Tu passarás se quiseres / porque em todos
teus fazeres per malícia não erraste ... .

Destino

Fica no cais

Intenção crítica

Gil Vicente pretende:

- Enaltecer os pobres de espírito que, graças à sua simplicidade e humildade obtêm a


misericórdia divina

* A função desta personagem é fazer rir e vai acusar/comentar as personagens que estão
para chegar.

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Cena V – O Sapateiro
Mestre Gil apresenta um sapateiro, carregado de formas, acusado pelo Diabo de roubar o povo. O
Sapateiro não nega o facto e começa a citar, em sua defesa, a cumprimento de preceitos
religiosos: faleceu confessado e comungado, ouviu missas, ofereceu donativos à Igreja e assistiu
às horas de finados. É o Diabo quem o elucida que tudo isso nada abona em sua defesa, uma vez
que roubava. Quando o Sapateiro roga ao Anjo que o acolha na barca, este objeta-lhe: «A
carrega te embaraça». Mais adiante, esclarece um pouco mais o seu pensamento, quando,
referindo-se às formas, adverte o Sapateiro: «Se tu viveras dereito, / elas foram cá escusadas.».
Para interpretar convenientemente estes dois passos, só vislumbramos uma solução: as formas
tinham sido compradas com o dinheiro que o Sapateiro roubara aos seus fregueses e eram como
que a materialização dos seus pecados. Se esta interpretação estiver certa, o dramaturgo não
considera as formas só como um elemento distintivo e caracterizador de tipo mas também como
objetos que o Sapateiro fora obrigado a levar para o seu julgamento como provas de acusação.
Com toda esta cena, procurou o autor incutir no espectador esta doutrina: os preceitos devotos
(ouvir missa, confessar-se, comungar, etc.) só ajudam os que levam uma vida verdadeiramente
honesta. É, portanto, mais uma cena moralista de carácter religioso do que a condenação dum
Sapateiro, acusado de roubar o povo. Aliás, em muitos outros passos, Mestre Gil defende este
ponto de vista: ser-se religioso consiste mais em atuar com espírito evangélico do que assistir ou
cumprir os atos externos do culto.
Personagem / Classe social

Sapateiro/ povo

Elementos / Simbologia

- Avental e formas dos sapatos – simbolizam a sua profissão e os seus pecados:


roubo, engano e desonestidade.

Percurso cénico

Cais – Barca do Diabo – Barca do Anjo – Barca do Diabo

Caracterização psicológica
- Mentiroso
- Malcriado
- Ladrão
- Hipócrita
- Falso religioso
- Trocista
Acusações

- Roubou o povo, não viveu honestamente

- É mentiroso

- A vida religiosa que exibia era falsa, pois não tinha uma verdadeira devoção.

tu roubaste/ bem trint’anos o povo/ com teu mester(...) Essa barca que lá está / leva quem
rouba de praça (...)

Argumentos de defesa

Em vida cumpriu os preceitos religiosos: morreu confessado e comungado; ouviu muitas


missas; deu esmolas à igreja e assistiu à hora dos finados.

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Destino

Inferno

Intenção crítica

Gil Vicente pretende:

- Denunciar a exploração dos indivíduos da mesma classe

- A hipocrisia daqueles que praticam, sem fé, os diferentes atos religiosos. Para G.V. era mais
importante uma verdadeira fé, baseada em ações espirituais do que em práticas, como
assistir a cultos ou cumprir atos externos de culto.

Cena VI – O Frade
Trata-se dum frade cortesão, dançarino, cantor e esgrimista que surge, no estrado, com a sua
amante pela mão. O Diabo sentencia que ele irá para o Inferno por viver amancebado,
desprezando assim os votos de castidade que formulara. Toda a defesa do Frade consiste em
acreditar que o hábito que enverga o livrará das chamas infernais. Mas repelido pelo Anjo,
resigna-se e entra, juntamente com a sua Florença, na barca da perdição.

Personagem / Classe social

Frade/ clero

Elementos / Simbologia

- Broquel/ capacete/ espada – simbolizavam o apego aos prazeres e vícios mundanos

- Hábito(capelo) – Condição sacerdotal (classe social – clero)


- Moça (Florença) – quebra dos votos de castidade, a sua imoralidade e infidelidade a Deus

Percurso cénico

Cais – Barca do Diabo – Barca do Anjo – Barca do Diabo

Caracterização psicológica

- Alegre - Bem-disposto - Convencido

- Vaidoso - Exibicionista - Namoradeiro

- Infiel a Deus - Mundano

Momentos psicológicos da personagem:

 Apresenta-se como cortesão, o que revela que ele frequentava a corte e os seus
prazeres (era um frade mundano)
 Usa o facto de ser Frade naquele tempo (pretende mostrar que o clero se mostrava
superior, poderia fazer o que quisesse sem ser condenado)
 Aceita a sentença porque se o Anjo se recusa a falar com ele é porque todos os
seus pecados foram graves

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Acusações

- Não cumpriu na totalidade as leis religiosas

- Quebrou os votos de castidade ao folgar com uma mulher

- Dedicava-se aos prazeres mundanos

Argumentos de defesa

- Rezou muitos salmos

- (“Este hábito não me vale”)

- Dizia que foi muito importante

- Era bom esgrimista

Defesa - autocaracterização Acusação - Diabo Acusação – Parvo


“Deo Gratrias! Som cortesão”, “Essa dama é ela vossa?” “Furtaste o trinchão,
“Por minha la tenho eu,/ e “Gentil padre mundanal” frade?”
sempre a tive de meu”, “Um padre tão namorado”
“E este hábito nom me val?” “Devoto padre marido”
“Eu hei-de ser condenado? / “ó padre frei capacete”
Um padre tão namorado”, “Dê Vossa Reverência
Por ser namorado/ e folgar lição de esgrima, que é
com uma mulher/ se há um cousa boa”
frade de perder”
“Nom ficou isso n’avença”
“com tanto salmo rezado”

Destino

Inferno

Intenção crítica

Gil Vicente pretende:

- Criticar os membros do clero que não viviam em conformidade com os preceitos religiosos/
cristãos

- Denunciar a contradição entre os atos praticados e os valores morais que o clero devia
assumir.

Cena VII – A Alcoviteira


A Alcoviteira é um dos tipos mais interessantes do teatro vicentino. Estas mulheres dedicavam-se
a fazer casamentos, a desencaminhar mulheres casadas e solteiras e o lançar rapariguitas na
prostituição.
Como esta profissão estava proibida por lei, para não caírem na alçada da justiça, fingiam que se
dedicavam a bordar e a fabricar perfumes e cosméticos. O povo tachava-as de bruxas ou
feiticeiras.
É o tipo que nos aparece, neste auto, com mais elementos distintivos e caracterizadores. É um
autêntico carregamento deles: além das moças que prostituía, importava consigo seiscentos virgos
postiços, jóias e vestidos roubados. Para poder montar o negócio no outro mundo, levava ainda
uma casa movediça, um estrado de cortiça e dez coxins.
A linguagem que a Alcoviteira emprega, nomeadamente com o Anjo, funciona também como

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elemento distintivo. Trata-se duma linguagem melíflua, lisonjeira, repleta de termos carinhosos,
embora empregados hipocritamente. É notar como a Alcoviteira tenta cativar o Anjo, chamando-
lhe mano, meus olhos, minha rosa, meu amor, minhas boninas, olhos de perlinhas finas, etc. Seria
certamente com esta lábia que ela conseguia atrair as jovens à chamada vida fácil.
A defesa arquitetada e posta em prática pela Alcoviteira revela mentira, hipocrisia, descaramento.
Considera-se uma mártir por ter sido açoitada diversas vezes e compara a sua missão à dos
apóstolos.
Chega até a afirmar que converteu mais moças do que Santa Úrsula, que nenhuma delas se
perdeu e que todas se salvaram. Trata-se duma linguagem ambígua, em que os termos converter,
salvar e perder-se, frequentes em textos religiosos, saem dos seus lábios com um significado
chulo.
O tipo está bem caracterizado mas Gil Vicente critica a prostituição e os seus agentes muito
superficialmente. Nem sequer alude às causas socioeconómicas que impeliam as moças a
prostituírem-se.
O nosso dramaturgo faz uma crítica a nível popular, explorando o pormenor faceto e foge ou é
incapaz de estudar os problemas que equaciona com uma certa profundidade.

Personagem / Classe social

Alcoviteira/ povo
Elementos / Simbologia

- Raparigas/ jóias/ Roupas/ estrato de cortiça/ casa movediça/ cofres de enleios/ armários de
mentiras/almofadas/ frutos alheios - simbolizavam a sua atividade profissional e seus
pecados (imoralidade, mentira, roubo)
Percurso cénico

Cais – Barca do Diabo – Barca do Anjo – Barca do Diabo

Caracterização psicológica

- Imoral - Mentirosa - Ladra - Fingida - Hipócrita

Momentos psicológicos da personagem:

 Diz que não é a barca do Diabo que procura


 Está sempre confiante de que vai entrar na barca do Anjo
 Defende-se dizendo que sofreu muito, como ninguém, que arranjou muitas “meninas”
para elementos do clero e que está orgulhosa por ter arranjado “dono” para todas as suas
“meninas”
 Quando vai à barca do Anjo muda completamente a sua atitude, usando mais o
vocabulário de cariz religioso e tentando seduzir o Anjo e fazer-se de boa pessoa

Acusações

- Viveu “santa vida” - Diabo

- Desencaminhou as raparigas

- Roubou e mentiu

Argumentos de defesa

- Serviu o clero (criava as meninas para os Cónegos da Sé)

- Foi martirizada, castigada e suportou tormentos

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- Considerava-se “angelada” (protegeu as raparigas)

Destino Inferno

Intenção crítica
Gil Vicente pretende:

- Criticar a prática da prostituição e seus agentes

- Denunciar a quebra dos votos de castidade dos membros do clero

Cena VIII – O Judeu

Gil Vicente descreve o tipo do Judeu, exagerando sobretudo dois traços: o apego à sua religião,
simbolizado no bode expiatório que ele não quer largar e o seu proverbial amor ao dinheiro,
expresso nas moedas com que tenta subornar o barqueiro. O transporte do bode redunda em
cena cómica quando o Diabo se recusa a conduzi-lo na barca e, mais tarde, resolve levar ambos
a reboque. Este pormenor de o Diabo não ter permitido a entrada do Judeu na sua barca é
muito significativo: marginaliza de tal modo o Judeu que o coloca num plano inferior ao dos
restantes condenados ao Inferno. Até o Parvo troca o seu papel de comentador pelo de
acusador e culpa o Judeu de profanar sepulturas cristãs e de comer carne em dia de jejum.
Evidentemente que o retrato da sociedade quinhentista ficaria incompleto se, no auto, não
figurasse um judeu. Apesar de, na carta dirigida a D. João III e nalguns passos da sua obra,
termos provas de que o nosso dramaturgo não concordava com a perseguição movida aos
judeus e cristãos-novos, a verdade é que, como cristão-velho, dirige, na sua mesma obra,
ásperas censuras ao judaísmo em geral. Gil Vicente procura demonstrar, nesta cena, que o
apego do Judeu à sua religião era tão forte que, nem mesmo depois de morto e com a verdade
à vista, abandonava as suas ideias.

O Parvo desempenha o papel de acusador. Insinua que o Judeu roubou o bode, acusa-o de
profanar as sepulturas cristãs e de não respeitar a abstinência e o jejum cristão (vv. 598-609).
Esta situação, à semelhança da forma como o Judeu é tratado em toda a cena, explica-se pelas
circunstâncias que os cristãos-novos viviam em Portugal: sendo excluídos da sociedade regular, é
lógico para a mentalidade da época que tenham dificuldade em serem aceites até na sociedade
dos condenados. Por isso, o Judeu e o seu bode são levados a reboque, sendo a personagem
colocada num plano inferior ao de todos os outros condenados.
O Judeu sabe, à partida, qual será o seu destino: se, em vida, nunca foi aceite pelos cristãos,
nunca poderia ter entrada na barca da Glória. Além disso, com essa atitude, o Judeu mostra que
nunca deixará de professar a sua religião.
Só gozando de grande prestígio na corte, Gil Vicente poderia atrever-se a fazer declarações como
as que aqui estão relatadas e que contrariavam, em tudo, a mentalidade da época.

Personagem / Classe social

Judeu/ povo
Elementos / Simbologia

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Bode – simbolizava o seu fanatismo religioso

Percurso cénico

Cais – Barca do Diabo

Caracterização psicológica

- Corrupto - Avarento - Fanático pela religião - Malcriado

- Teimoso - Persistente

Acusações

- Praticou o Judaísmo

- Tentou subornar os outros

- Não respeitou os dias de jejum e abstinência

- Profanou os locais sagrados


Argumentos de defesa

- Não se defende, pois se o Judaísmo era a sua religião, era essa que ele tinha que respeitar

Destino

Inferno

Intenção crítica

Gil Vicente pretende:

- Denunciar o fanatismo religioso dos Judeus e apego ao dinheiro

- Condenar a teimosia dos Judeus que recusavam em aceitar a salvação, representada em


Jesus Cristo

Cena IX – O Corregedor e o Procurador

Depois do Judeu ter embarcado, veio um Corregedor, carregado de feitos. Quando chegou ao batel
do Inferno, com sua vara na mão, chamou o barqueiro, pensando ser servido. O barqueiro, ao vê-
lo, fica feliz, pois esta seria mais uma alma que ele conduziria para o fogo ardente do Inferno.
O Corregedor era um dos eleitos para a sua barca, porque durante toda a sua vida foi um juiz
corrupto, que aceitava perdizes como suborno. O Diabo começa a falar em latim com o
Corregedor, pois era usado pela Justiça e pela Igreja, e era considerada uma língua culta. Os dois
começam a discutir em latim, o Corregedor por se achar superior ao Diabo quer também
demonstrar-lhe que, pelo facto de ser um juiz prestigiado, não poderia entrar em tal barca. O
Diabo vai perguntando sobre todas as suas falcatruas, cita, inclusive, a sua mulher, que aceitava
suborno dos judeus, mas o Corregedor garantiu que nisso ele não estava envolvido, esses eram
os pecados de sua mulher e não os seus.
Enquanto o Corregedor estava nesta conversa com o Arrais do Inferno, chegou um Procurador,
carregando vários livros. Depara-se com o Corregedor e, espantado por encontrá-lo ali, questiona-
o para onde ia, mas o Diabo responde pelo Corregedor e diz: para o Inferno e que também era
bom ele ir entrando logo.

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O Corregedor e o Procurador não queriam entrar na barca, pois diziam-se homens de fé, sabedores
da existência de outra barca em melhores condições que os conduziria para um lugar mais ameno
– o Céu.
Quando chegam ao batel divino, o Anjo e o Parvo mostram-lhes que as suas ações os impediam de
entrar na barca da Glória, pois tinham feito mal e era agora altura de pagar, com a ida das suas
almas para o Inferno.
Desistindo de ir para o paraíso, os dois entram no batel dos condenados e deparam-se com Brízida
Vaz, que fica satisfeita com esta entrada, pois enquanto viveu foi muito castigada pela Justiça.

Personagem / Classe social

Corregedor – juiz

Procurador - advogado
Elementos - Simbologia

- Processos/ Vara/ Livros – simbolizavam a atividade profissional e os pecados (processos


malconduzidos, os subornos)

Percurso cénico

Cais – Barca do Diabo – Barca do Anjo – Barca do Diabo

Caracterização psicológica
- Corrupto - Altivos - Presunçosos - Desonestos
- Mentirosos
- Falsos religiosos - Injustos - Parciais

Momentos psicológicos das personagens:


 A forma de como o Corregedor inicia diálogo com o Diabo aproxima-se da forma com o Fidalgo
também o fez, isto é, utilizando o estatuto social.
 O Corregedor usa muito o Latim porque é uma língua muito usada em direito e o Diabo
responde-lhe em Latim Macarrónico para mostrar que essa linguagem não servia de nada, que
poderiam sobre falar bem Latim mas não sabiam aplicar as leis.
 O Corregedor pergunta se o poder do barqueiro infernal é maior do que o do próprio Rei porque
ele na Terra tinha um grande poder e não admitia que mandassem nele.
 Quando o Corregedor e o Procurador se aproximam do Anjo, ele fica irritado e roga-lhes uma
praga (atitude nada normal do Anjo).
 No Inferno o Corregedor dialoga com Brízida Vaz porque já se conheceriam da vida terrena.

Acusações

- Aceitar subornos - Não ajudar os mais necessitados

- Mentirosos e injustos - Enriquecem à custa dos outros

- Deixou-se corromper - Não julgar com imparcialidade

- Não confessou os pecados todos

Argumentos de defesa

- Quem aceitou os subornos foi a mulher - Espera em Deus

- Confessou-se - Agiu com justiça

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Destino

Inferno
Intenção crítica

Gil Vicente pretende:

- Denunciar a prática fraudulenta da justiça e a corrupção de todos os agentes envolvidos nos


processos judiciais

- Atingir todos os que se vão confessar e que ocultam os pecados mais graves.

Cena X – O Enforcado
Após a entrada dos dois oficiais da justiça, Corregedor e Procurador, vem um homem que morreu
enforcado que, ao chegar ao batel dos mal-aventurados, começou a conversar com o Diabo.
Tentou explicar que não iria no batel do Inferno, pois já tinha sido perdoado por Deus ao morrer
enforcado acreditando no que lhe dissera Garcia Moniz. O Diabo diz-lhe que está enganado e
predestinado a arder no fogo infernal.
Desistindo de tentar fugir ao seu destino, acaba por obedecer às ordens do Diabo para ajudar a
empurrar a barca e a remar, pois o momento da partida aproximava-se.
Curiosidades:
o facto de esta cena ser diferente das outras cenas do auto, uma vez que a personagem
interveniente é mais vítima do que culpada;

Personagem / Classe social

Enforcado/ povo
Elementos / Simbologia

- Corda – Representa a forma como o Enforcado morreu e a crítica aos oficiais da Justiça que
condenavam injustamente

Percurso cénico
Cais – Barca do Diabo

Caracterização psicológica

- Ingénuo - Influenciável - Surpreso

Acusações

Não existem

Argumentos de defesa
Absolvição garantida por Garcia Moniz

Destino

Inferno

Intenção crítica

Gil Vicente pretende:

- Denunciar a cumplicidade dos altos funcionários da corte (Garcia Moniz) e dos criminosos.

Cena XI – Os Quatro Cavaleiros

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Depois do Enforcado, entraram quatro Cavaleiros a cantar, cada um trazia a Cruz de Cristo, para
demonstrar a sua fé, pois tinham lutado numa Cruzada contra os Muçulmanos, no norte da África.
Ao passarem na frente da barca do Inferno, cantando, segurando as suas espadas e escudos,
o Diabo não resiste e diz-lhes para entrarem, mas um deles responde-lhe que quem morre por
Jesus Cristo não entra em tal barca.
Tornaram a prosseguir, cantarolando em direção à barca da Glória, sendo muito bem
recebidos pelo Anjo que já estava à sua espera há muito tempo
Sendo assim, os quatro Cavaleiros embarcaram para o Paraíso, já que morreram pela
expansão da fé e por isso estavam isentos de qualquer pecado.

Personagem / Classe social


Quatro Cavaleiros

Elementos / Simbologia

- A Cruz de Cristo/ Os escudos/ as espadas – Simbolizam a fé e a luta em nome de Deus

Percurso cénico

Cais – Barca do Anjo

Caracterização psicológica

- Confiantes - Verdadeiros cristãos - Corajosos - Lutadores

- Orgulhosos na sua missão

Acusações Não existem

Argumentos de defesa - Morreram a lutar pela fé cristã

Destino Céu
Intenção moralizadora

Gil Vicente pretende:

- Transmitir a ideia de que só é verdadeiramente salvo aquele que viver uma vida dedicada a
Cristo, desprendida de bens materiais

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Argumentos
Personagens Símbolos Caracterização Sentença
de defesa de acusação

Um Pajem, ▪ deixa em ▪ os pecados que Vaidoso, Condenado a


um rabo terra quem cometeu; presunçoso, embarcar no
(manto com reze por altivo, tirano, batel infernal.
▪ a classe social
longa cauda) ele; infiel.
a que pertence;
e uma
▪ o seu
Fidalgo cadeira de ▪ a tirania e o
estatuto social.
espaldas. desprezo
pelo povo.

Um bolsão. ▪ traz o bolsão ▪ é avarento e Avarento (mesmo Condenado a


vazio. ambicioso. depois de morto, embarcar no
só pensa no batel infernal.
dinheiro que
Onzeneiro deixou em terra).

Argumento de defesa do Anjo: Irresponsável, Fica no Cais


sendo um pobre de espírito, os louco, “simples”,
Parvo erros que cometeu não foram desbocado.
premeditados.

Formas e um ▪ cumpriu os ▪ roubou o povo; Desonesto, falso. Condenado a


avental. preceitos ▪ a sua devoção embarcar no
religiosos: é falsa. batel infernal.
morreu
“confessado e
comungado”;
ouviu missas;
Sapateiro ofereceu
donativos à
Igreja; orou
pelos fiéis
defuntos.

Uma Moça, ▪ acredita que ▪ levou uma Folgazão, Condenado a


um broquel o hábito que vida mundana. namorador, embarcar no
(escudo), veste o materialista. batel infernal.
uma espada livrará do
e um casco Inferno;
Frade
(capacete). ▪ fez o que
todos os outros
frades faziam;
▪ rezou muito
salmo.

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As “moças ▪ considera-se ▪ a acusação é Mentirosa, Condenada a
que vendia”, uma mártir por tão evidente que hipócrita, embarcar no
seiscentos ter sido nem o Anjo nem descarada, batel infernal.
virgos açoitada várias o Diabo sedutora, falsa,
postiços, vezes; precisam de a manipuladora.
joias e ▪ compara a enunciar.
vestidos sua missão à
roubados, dos apóstolos;
Alcoviteira uma casa ▪ “converteu”
movediça, muitas moças.
um estrado
de cortiça e
dois coxins.

Um bode. ▪ profanação de Fanático, Condenado a


sepulturas; avarento. ir a reboque
▪ não do batel
Judeu cumprimento infernal.
dos preceitos
religiosos.

Feitos ▪o ▪ corrupção, Corruptos, Condenados a


(processos) Corregedor roubo, ladrões, embarcar no
e uma vara. alega que a parcialidade; presunçosos, batel infernal.
Livros. mulher é que ▪ odiosos mentirosos,
Corregedor e recebia as “pera as altivos.
Procurador prendas (o almas”;
suborno), não ▪ desrespeito
ele. pela Igreja.

Corda ao ▪ de acordo Ingénuo, Condenado a


pescoço. com o que lhe confiante, embarcar no
terá dito Garcia influenciável. batel infernal.
Moniz, o que
ele sofreu em
Enforcado vida faz dele
um santo
“canonizado”.

Cruz de Argumento de defesa dos Desprendidos dos Embarcam na


Cristo; Cavaleiros: morreram a combater bens materiais, Barca do Anjo.
Quatro espada e os Mouros, por Jesus Cristo. confiantes,
Cavaleiros escudo. Argumento de defesa do Anjo: seguros.
quem morre por Cristo merece
“paz eternal”.

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CONTEXTUALIZAÇÃO

Renascimento
Séculos XV e XVI
Época de mudança ao nível da Europa
Nasce na Itália do séc. XV, com a riqueza proveniente do comércio
Investimento em arte como mostra de riqueza
Os artistas e intelectuais criaram uma rede através de viagens e troca de correspondência
Humanismo; antropocentrismo (o Homem mentaliza-se das suas capacidades), contrariando o teocentrismo medieval
Valorização da razão e da experiência para certificação da verdade
Descobrimentos; repensar da relação do Homem com o mundo; valorização da Natureza
Abalo das crenças: aparecimento do Protestantismo e teoria heliocêntrica de Copérnico
Invenção da imprensa e maior facilidade de divulgação dos livros
Valorização da antiguidade clássica greco-romana. Representam equilíbrio, proporção e regularidade
Imitar os clássicos, imitar a Natureza

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CARACTERÍSTICAS DA EPOPEIA

Uma epopeia é a narrativa dos feitos grandiosos de um indivíduo ou de um povo. Nesta definição encontramos os
elementos essenciais de qualquer texto épico.
Enquadra-se no género narrativo - é sempre um relato de acontecimentos: o sujeito da enunciação assume-se como
narrador e dispõe-se a fazer o relato de um acontecimento ou conjunto de acontecimentos a um determinado público; a
dimensão e a natureza do público depende do assunto objeto do relato, presumindo-se que será sempre constituído pelas
pessoas nele interessadas; se o assunto disser respeito a uma determinada comunidade o público será mais restrito; se o
assunto tiver um interesse mais vasto, o público será mais alargado, podendo abranger potencialmente toda a
humanidade.
O assunto deverá ter um carácter excecional. Nem todas as ações são suscetíveis de serem tratadas de forma épica; é
necessário que, no entendimento do narrador (e do seu público), essas ações se distanciem dos acontecimentos vulgares,
assumam um carácter de excecionalidade. Nas epopeias primitivas os feitos narrados são de carácter lendário, embora
essas ficções tenham sempre um fundo histórico. Em algumas epopeias de imitação, no entanto, o assunto é histórico.
Os eventos exigem um agente e, tratando-se de eventos excecionais, o agente deverá ser igualmente um ser de
exceção, um ser que, pela sua origem, pelas suas características, se distancie, se imponha aos seus semelhantes (herói),
pouco importando que se trate de um indivíduo ou de uma coletividade (herói individual ou herói coletivo). Na Ilíada e na
Odisseia, escritas no século VI a.C., o herói é individual: num caso, Aquiles; no outro, Ulisses. N' Os Lusíadas o herói é, como
o título indica, coletivo - o povo português. Já na Eneida de Virgílio há uma certa ambiguidade: o herói parece ser individual,
Eneias, mas na realidade o objetivo do poema é exaltar o povo romano.
Característica de todas as epopeias é a utilização de um estilo elevado, correspondente à grandiosidade do assunto, e
que se traduz na seleção vocabular, na construção frásica extremamente elaborada e na abundante utilização de recursos
estilísticos.

 Remonta à Antiguidade grega e latina


 Tem como expoentes máximos a Ilíada e Odisseia (Homero) e Eneida (Virgílio)
 Normas:
 Grandeza e solenidade, expressão do heroísmo
 Protagonista: alta estirpe social e grande valor moral
 Início da narração in medias res
 Unidade de ação, com recurso a episódios retrospetivos e proféticos (analepse e prolepse)
 Os episódios dão extensão e riqueza à ação, sem lhe quebrar a unidade
 Maravilhoso: Os deuses devem intervir na ação
 Modo narrativo: o poeta narra em seu nome ou assumindo personalidades diversas
 Intervenção do poeta: reduzidas reflexões em seu nome
 Estilo solene e grandioso, com verso decassilábicos

ESTRUTURA D’OS LUSÍADAS

Externa:
Verso decassilábico, maioritariamente heroico (acentuação nas 6.ª e 10.ª sílabas) ou sáfico (acentos

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nas 4.ª, 8.ª e 10.ª sílabas)
Estrofes de oito versos com esquema abababcc (oitava heroica)
10 Cantos.

Interna:
Proposição: o poeta anuncia o que vai cantar (I, 1-3)
Invocação: pedido às divindades inspiradoras (I, 4-5; III, 1-2; VII, 78-82; X, 8)
Dedicatória: oferecimento a personalidade importante (facultativa)
Narração: ações do protagonista

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PROPOSIÇÃO (Canto l, estâncias 1-3)

Estrutura externa: Canto I, est. 1-3

Estrutura interna: Proposição

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O poeta apresenta ao Leitor o assunto que vai tratar ao longo do poema. Por
isso, o texto está escrito na primeira pessoa (quem fala é o próprio poeta):
«Cantando espalharei [eu] por toda parte, / Se a tanto me ajudar o engenho e
arte.» (est. 2).

1. ª parte (est. 1-2)


O poeta apresenta a matéria do seu canto: ele propõe-se celebrar os heróis
portugueses:
pessoas de grande valor que navegaram para além dos mares conhecidos
(«Por mares nunca de antes navegados» - est. 1); venceram perigos e guerras
(«Em perigos e guerras esforçados» - est. 1); construíram um reino novo no
Oriente («E entre gente remota edificaram / Novo Reino» - est. 1); os reis que,
nas terras de homens não crentes, de Ásia e de África, expandiram o Império e difundiram a religião
crista: «foram dilatando / A Fé, o Império» (est. 2); os que se tornaram imortais pelos seus feitos, ou
seja, que se libertaram da «lei da Morte» (est. 2) - a lei da morte mais não é do que o esquecimento
dos que morrem.
O herói d'Os Lusíadas é, portanto, um herói coletivo: o povo português, o «peito ilustre Lusitano» (est.
3). Este herói é constituído por homens reais, de carne e osso, que são, assim, superiores aos heróis
míticos de outras epopeias.

2. ª parte (est. 3)
Camões afirma que a nova epopeia (a sua) superará as epopeias antigas que cantavam
heróis fantasiosos - Ulisses e Eneias: «Sábio Grego e do Troiano» (est. 3); heróis reais cujos feitos
foram suplantados pelos dos portugueses: Alexandre Magno e o Imperador Trajano (est. 3).
O valor dos portugueses suplanta todos os feitos até agora cantados. O herói d'Os Lusíadas destaca -se
também na guerra (venceu Marte) e no mar (venceu Neptuno): «eu canto o peito ilustre Lusitano, / A
quem Neptuno e Marte obedeceram» (est. 3).
O poeta apresenta os feitos dos seus heróis como uma novidade, como algo nunca alcançado por seres
humanos, o que é destacado por expressões como: «mares nunca de antes navegados» (est. 1);
«Passaram ainda além da Taprobana» (est. 1); «Mais do que prometia a força humana» (est. 1); «outro
valor mais alto se alevanta» (est. 3).

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PLANOS
O da Viagem – “As armas e os barões assinalados/Que, da Ocidental praia Lusitana (…) / Passaram
ainda além da Taprobana/ (…) /edificaram/Novo Reino (…);
- O da História – “ (…) Reis que foram dilatando/A Fé, o Império (…)
- O do Poeta – “Cantando espalharei por toda a parte, /Se a tanto me ajudar o engenho e arte”;
- O da Mitologia – “Cessem do sábio Grego e do Troiano/As navegações grandes que fizeram; / (…)
A quem Neptuno e Marte obedeceram. /Cesse tudo o que a Musa antiga canta, /Que outro valor mais
alto se alevanta”.
RECURSOS EXPRESSIVOS
Emprego dos tempos e modos verbais
Pretérito perfeito: marca as ações passadas concluídas - «Passaram», «edificaram», «sublimaram»
(est. 1).
Presente: contrasta com o valor do pretérito; o poeta passa a referir-se aos heróis do presente ou
do futuro - «Se vão da lei da morte libertando» (est. 2).
Gerúndio: marca a duração das ações, pois apresenta-as no seu decurso, a realizarem-se
gradualmente - «dilatando», «devastando», «libertando» e
«Cantando» (est. 2).

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INÍCIO DA VIAGEM
A estância 19 marca a abertura do plano da viagem. Seguindo o modelo clássico, a ação inicia-se in
medias res, uma vez que os nautas se encontram já no Canal de Moçambique, a meio da viagem
marítima.
A primeira parte da viagem, desde a partida de Lisboa, será relatada posteriormente por Vasco da
Gama, por meio de uma analepse (relato de acontecimentos ocorridos anteriormente).

CONSÍLIO DOS DEUSES


Funções da mitologia:

- Obedecer a uma das regras da epopeia – intervenção do maravilhoso;

- Assegurar a unidade da ação, pela criação de personagens ativas e humanizadas que se contrapõe a
personagens humanas, navegadores;

- Engrandecer os portugueses porque são os deuses que profetizam as vitórias e feitos futuros dos
futuros.

1a. parte: Convocação do consílio (est. 20-21)

Imediatamente após o início do plano da viagem, surge o plano mitológico, dando ao leitor a ideia
de que estes dois planos funcionarão paralelamente ao longo de toda a obra, constituindo a ação
central d’Os Lusíadas.
O consílio é convocado por Júpiter, pai dos deuses, por intermédio de Mercúrio. Respondem a esta
chamada deuses de todos os lados, como se descreve na estância 21. Esta reunião tem como
objetivodecidir
«Sobre as cousas futuras do Oriente» (est. 20), ou seja, os deuses terão de decidir sobre o futuro dos
portugueses, nomeadamente seesteschegarão à Índia, vencendo os mares«nunca de antes navegados».
2a. parte: Descrição de Júpiter (est. 22-23)

A reunião tem lugar no Olimpo. Os deuses sentam-se por ordem de importância, tendo Júpiter um
lugar de destaque.
O pai dos deuses é apresentado, através de um processo de caracterização direta, como um deus
superior (o que é realçado pelos adjetivos «soberano» e «alto» – est. 22), que se encontra envolto
numa áurea divina («ar divino» – est. 22). O poder que se associa a esta figura é também marcado pelo
facto de ser aquele que «vibra os feros raios de Vulcano» (est. 22) e pelos símbolos que a ele se
associam: a coroa, o cetro e o próprio «assento de estrelas cristalino» (est. 22).

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Os deuses que se encontram na reunião sentam-se abaixo de Júpiter. A organização do espaço
corresponde à hierarquia dos deuses: «(Precedem os antigos, mais honrados, / Mais abaixo os menores
se assentavam)» (est. 23).

3a. parte: Discurso de Júpiter (est. 24-29)

Júpiter faz um discurso de abertura do consílio. É importante verificar que esta intervenção é
apresentada por meio de discurso direto, o que sinaliza a importância do que vai ser dito.
O discurso de Júpiter divide-se em vários momentos, que se relacionam com o passado, o presente e o
futuro dos portugueses, e tem como objetivo central convencer os deuses de que a decisão de ajudar
os nautas é a única possível e a mais justa. Os momentos do discurso de Júpiter são os seguintes:

1. momento (est. 24): dirigindo-se aos deuses (apóstrofe) – «Eternos moradores do luzente, /
Estelífero Pólo e claro Assento» –, Júpiter recorda-lhes que os Fados (o destino) já decidiram que os
portugueses teriam êxito na sua missão: «é dos Fados grandes certo intento / Que por ela se
esqueçam os humanos / De Assírios, Persas, Gregos e Romanos».

2. momento (est. 25-26): Júpiter evoca o passado glorioso dos portugueses, que venceram os mouros
e castelhanos, e, recuando até um passado mais longínquo, recorda as figuras de Viriato e Sertório,
que venceram os romanos. Neste momento do seu discurso, o pai dos deuses prova sobretudo que os
portugueses são um povo de heróis desde as suas origens.

3o. momento (est. 27): centrando-se no presente, Júpiter refere-se à viagem que os portugueses
fazem no momento, reiterando a fragilidade do homem face aos elementos da natureza
(«cometendo / O duvidoso mar num lenho leve»). Porém, esta fragilidade humana contrasta com a
coragem que caracteriza o povo português, que não teme as adversidades dos ventos contrários e «a
mais s’atreve», dirigindo-se para «os berços onde nasce o dia», o que faz dele um herói capaz do que
nunca foi feito.

4. momento (est. 28): Júpiter apresenta a primeira profecia do poema, quando refere que o «Fado
eterno» determinou que os portugueses tivessem o domínio do Oriente («o governo / Do mar, que vê
do Sol a roxa entrada»). Ora, como, segundo a crença, os Fados são mais poderosos do que os próprios
deuses, era certo que os portugueses chegariam à Índia, onde exerceriam o seu domínio.

5. momento (est. 29): atendendo a todos os aspetos gloriosos associados aos portugueses, Júpiter
decide que os nautas deverão ser «agasalhados / Nesta costa Africana como amigos», para, de
seguida, concluírem a viagem até à Índia

6. parte: Intervenção de Vénus (est. 33-34)

Vénus, por sua vez, coloca-se do lado de Júpiter, a favor dos portugueses. São três as razões que levam
a deusa do amor a adotar esta posição:
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• os portugueses têm qualidades semelhantes às do povo de Vénus, os romanos, em particular no espírito
guerreiro;
• a língua que falam é semelhante ao latim, a língua dos romanos;
• os portugueses celebrarão a deusa por onde passarem, pois são devotos do amor.

7. parte: Consequências das intervenções de Baco e de Vénus (est. 34-35)

A exposição das ideias por parte de Vénus e de Baco provoca grande agitação entre os deuses, que
começam a tomar partido. A violência da discussão é apresentada por meio de uma longa comparação,
que, recorrendo a várias aliterações (est. 35), evoca o tumulto que agitava o Olimpo.

8. parte: Descrição de Marte (est. 36-37)

Marte, deus da guerra, interrompe a discussão que estava a ter lugar no Olimpo, tomando partido por
Vénus, por razões que não ficam totalmente esclarecidas: «Ou por que o amor antigo o obrigava, / Ou
porque a gente forte o merecia» (est. 36).
Esta figura é descrita fisicamente como um guerreiro, pois traz consigo um elmo, um «forte escudo»
(est. 36) e um «bastão» (est. 37). A sua atitude impõe respeito, pois o deus apresenta-se «medonho e
irado» (est. 36), «armado, forte e duro» (est. 37).
O discurso do deus é antecedido de uma «pancada penetrante» (est. 37), dada com o seu bastão, que
termina bruscamente o tumulto que se vivia no Olimpo, situação que é ex- pressivamente trabalhada
por meio da hipérbole («O Céu tremeu, e Apolo, de torvado, / Um pouco a luz perdeu, como enfiado»
– est. 37).
Toda a descrição que é feita de Marte aponta para um deus associado à força, à coragem e à
determinação.

9. parte: Intervenção de Marte (est. 38-40)

Marte dirige-se a Júpiter, recorda-lhe o valor dos portugueses e pede-lhe que não tenha em atenção os
argumentos «de quem parece que é suspeito» (est. 38), referindo-se a Baco e às suas razões egoístas.
Refere ainda que, se Baco não fosse interesseiro, deveria proteger os portugueses, uma vez que estes
são descendentes de Luso, fundador mitológico da Lusitânia e suposto companheiro ou filho do próprio
Baco. Todavia, acrescenta que Baco não pode proteger os portugueses porque «vem de estâmago
danado» (est. 39), cheio de inveja da glória e das conquistas do povo português.
Finalmente, Marte diz a Júpiter que este não pode voltar atrás na decisão de ajudar os portugueses,
«pois é fraqueza / Desistir-se da cousa começada» (est. 40).

10. parte: Decisão final de Júpiter (est. 41)


Júpiter encerra o consílio dos deuses. Aceitando os argumentos de Marte, mantém a sua decisão de
proteger os portugueses na costa africana.
O episódio termina com a partida dos deuses «Para os determinados apousentos» (est. 41).

Recursos

 Perífrase: «Pelo neto gentil do velho Atlante» (est. 20) – expressão utlizada em lugar de Mercúrio.

 Comparação: «ceptro rutilante, / De outra pedra mais clara que diamante» (est. 22) – permite
destacar o ambiente divino e de grandeza que se associa a Júpiter.

 Apóstrofe: «Eternos mora dores do luzente, / Estelí- fero Pólo e claro Assento» (est. 24).

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 Sinédoque: «Tomar ao Mouro forte e guarnecido / Toda a terra que rega o Tejo ameno / Pois
contra o Caste- lhano tão temido» (est. 25) – Mouro e Castelhano são utilizados em lugar do plural
Mouros e Castelhanos.

 Metáfora: «lenho leve» (est. 27) – aponta para a fragilidade da embarcação num mar forte e
poderoso e, por extensão, para a fragilidade dos próprios marinheiros que nela navegam.

 Perífrase: «U~a gente fortíssima de Espanha» (est. 31) – expressão utilizada para referir os
portugueses.

 Comparação: «Qual Austro fero, ou Bóreas na espes- sura / De silvestre arvoredo abastecida»
(est. 35) – a violência da discussão é com- parada à violência da natu- reza numa tempestade.

 Aliteração: repetição de sons consonânticos: «Qual Austro fero, ou Bóreas na espessura / De


silvestre arvoredo abastecida, / Rompendo os ramos vão da mata escura, / Com ímpeto e braveza
desmedida, / Brama toda montanha, o som murmura, / Rompem-se as folhas, ferve a serra
erguida» (est. 35) – os sons, em crescendo, evocam todo o ruído e agitação produzidos pela
discussão que tinha lugar no Olimpo.

 Hipérbole: «O Céu tremeu, e Apolo, de torvado, / Um pouco a luz perdeu, como enfiado» (est. 37)
– permite engrandecer e ampliar o ruído produzido pelo bastão de Marte e as consequências
desta atitude em quem o ouviu.

 Perífrase: «quem parece que é suspeito» (est. 38) – expressão utilizada para referir Baco.

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Este episódio é narrado por Vasco da Gama ao rei de Melinde, após o rei ter manifestado o
desejo de conhecer a história do povo português.
Este relato tem lugar após o episódio da batalha do Salado, uma batalha onde se retrata D.
Afonso IV como um herói militar. A visão positiva que o narrador aqui deixa do rei vai contrastar
com uma visão negativa da mesma personagem no episódio de Inês de Castro.

1a. parte: Introdução (est. 118-119)

Apresentação da morte de Inês de Castro como um «caso triste, e dino da memória» (est. 118);
introduz-se o episódio com uma nota negativa.
Apresentação da personagem principal, Inês de Castro, como «mísera e mesquinha» (est. 118)
[mesquinha = infeliz] e aquela que «despois de ser morta foi Rainha» (est. 118), associando uma
nota trágica à apresentação da figura feminina.
Invocação do Amor como uma força superior aos homens, que os conduz à fatalidade e que se
alimenta do sofrimento humano; apresentação do Amor como responsável poético pela morte
de Inês de Castro (est. 119).

2a. parte: Vida de Inês de Castro (est. 120-121)

Descrição da felicidade vivida por Inês, apenas manchada pela saudade, que, du- rante o dia, lhe
ocupava o pensamento e, durante a noite, a fazia sonhar. Esta descrição introduz uma nota
trágica, pois o narrador afirma «Que a Fortuna não deixa durar muito» (est. 120), o que significa
que o destino não deixa os homens serem felizes por muito tempo.

3a. parte: Razões que justificam a morte de Inês de Castro (est. 122-123)

O narrador afirma que D. Pedro não desejava casar-se com outras mulheres («De outras belas
senhoras e Princesas / Os desejados tálamos enjeita» – est. 122), pelo que o rei decidiu matar
Inês porque julgou que, com esta morte, acabaria também com a paixão do filho.

4a. parte: Os algozes trazem Inês junto do rei (est. 124-125)

O rei sente piedade de Inês, mas o povo não o deixa mudar a sua decisão de mandar matá-la.
Inês é descrita num quadro de tristeza, banhada em lágrimas e atormentada pelo receio de
deixar os filhos órfãos.

5a. parte: O discurso de Inês (est. 126-129)

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Inês toma a palavra com o objetivo de tentar convencer o rei, «avô cruel» (est. 125), a não a
matar. O seu discurso divide-se em quatro momentos:
1o. momento: Inês pede ao rei, que é um ser humano com sentimentos, que tenha piedade dos
seus filhos, salvando-a, pois até os animais selvagens, incapazes de sentimentos humanos,
foram capazes de mostrar piedade com crianças: a loba salvou Rómulo e Remo, fundadores de
Roma, e as aves alimentaram Semíramis.
2o. momento: Inês apela ao espírito de justiça do rei, que soube dar a morte aos mou- ros,
porque a mereceram, pelo que deveria também saber dar a vida a quem não cometeu erros.
3o. momento: Inês apresenta lternativas à morte – o desterro num território gélido ou tórrido
ou mesmo entre animais selvagens.
4o. momento: Inês invoca oamor de mãe e de mulher e a orfandade futura dos seus filhos,
apelando aos sentimentos do rei.

6a. parte: Reação do rei ao discurso de Inês (est. 130)

As palavras de Inês afetam o rei, que queria perdoar-lhe, mas os algozes («peitos carniceiros») e
o «pertinaz povo» não permitem ao monarca que recue na decisão tomada.

7a. parte: Morte de Inês (est. 131-132)

É feita uma comparação entre duas figuras que sofreram uma morte injusta: Policena, que foi
morta por Pirro, e Inês, que é assassinada pelos «brutos matadores» (est. 132).

8a. parte: Conclusão – intervenção do poeta (est. 133-135)

Neste episódio há momentos em que o poeta toma a palavra para criticar a situação, os algozes
e defender a personagem feminina e a sua inocência. Estes momentos per- tencem ao plano
das considerações do poeta.
O poeta mostra-se revoltado com o desfecho do caso narrado:
invoca o Sol (est. 133), que, segundo ele, não deveria ter brilhado naquele dia trágico,
comparando a execução de Inês à trágica história de Tiestes, que comeu os próprios filhos sem
o saber;
invoca os «côncavos vales» (est. 133), que prolongaram o eco dos gritos de Inês;
compara a morte de Inês ao desfalecimento de uma flor «cortada / Antes do tempo» (est. 134);
refere a natureza, que chora a morte da sua confidente.
As ninfas choram a morte de Inês e as suas lágrimas transformam-se na água que corre na
fonte, a que foi dada o nome de Amores.

Recursos

Personificação: «puro Amor (…) Deste causa à molesta morte sua» (est. 119) – a personificação
do amor permite apresentá-lo como uma força superior aos homens, causa poética da morte de
Inês de Castro.

Apóstrofe: «puro Amor» e «fero Amor» (est. 119) – o poeta dirige-se diretamente ao amor
personificado.

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Antítese: «puro Amor» e «fero Amor» (est. 119) – o amor é puro e atrai os homens para si, mas
também é «fero», agindo com cruel- dade e aspereza, o que provoca sofrimento nos corações
humanos.

• Adjetivação: «linda Inês», «doce fruto», «saüdosos campos», «fermosos olhos» (est. 120) –
enriquece a descrição que é feita de Inês de Castro e da sua vida enquanto era feliz com D.
Pedro.

• Antítese: «ledo e cego» (est.120) – introduz uma nota trágica na felicidade de Inês, pois tratava-
se de um «engano da alma», que lhe trazia felicidade, mas que era também um engano, pois
depressa terminaria.

• Antítese: «doces sonhos que mentiam» (est. 121) – destaca-se a oposição entre a felicidade
(«doces sonhos») e a tragédia eminente («mentiam»), o que remete para o facto de Inês viver
numa ilusão pouco duradoura.

• Eufemismo: «Tirar Inês ao mundo determina» (est.123)– apresentação mais suave da decisão
do rei de mandar matar Inês de Castro.

• Antítese: «furor Mauro (…) fraca dama delicada» (est.123) – contraste entre a força e
violência dos mouros e a delicadeza e fragilidade de Inês, referindo-se que o rei, com a mesma
espada que ergueu contra os mouros, pretende matar Inês. Esta oposição marca a injustiça da
decisão tomada pelo rei.

• Comparação: «Qual contra linda moça Policena (…) Tais contra Inês (…)» (est. 131-132) –
compara-se a brutalidade do assassínio de Inês de Castro com a violência da morte de Policena,
que foi sacrificada por Pirro sobre o túmulo de Aquiles, pai deste último; compara-se também a
fragilidade de Policena e de Inês com a violência de Pirro e dos «brutos matadores».

• Apóstrofe: «ó Sol» e «ó côncavos vales» (est. 133) – o poeta dirige-se-lhes diretamente para
exprimir a sua revolta e incompreensão perante o assassínio de Inês, que os elementos da
natureza também deveriam rejeitar.

• Comparação: «Assim como a bonina (…) Tal está, morta, a pálida donzela» (est. 134) – Inês,
morta, é comparada a uma flor que perde a cor e o perfume por ter sido cortada antes de
tempo.

• Antítese: «cândida e bela, / Sendo das mãos lacivas maltratada» (est. 134) – a beleza da flor
opõe-se à violência das mãos travessas, que, insensíveis, a colhem antes de tempo, condenando-
a a murchar.

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DESPEDIDAS EM BELÉM (Canto IV, estâncias 84-93)

• Estrutura externa: canto IV, est. 84-93


• Estrutura interna: Narração
• Narrador: Vasco da Gama
• Narratário: Rei de Melinde
• Plano narrativo: Plano da viagem

Este episódio, também conhecido como


"Despedidas em Belém", faz parte do plano da
viagem e é narrado por Vasco da Gama ao rei de
Melinde. No episódio, é uma analepse que permite
tomar conhecimento do sucedido na viagem dos
marinheiros desde a partida de Lisboa até ao momento em que chegam ao canal de
Moçambique (Canto I, est. 19 - recorde-se o conceito de narração in medias res).

1. ª parte: Os preparativos da viagem (est. 84-87)

Vasco da Gama relata os preparativos para a partida. O papel de Gama como narrador deste
episódio fica explícito na utilização do pronome pessoal me («pera seguir-me» - est. 84) e no
recurso à primeira pessoa do singular («[eu] Certifico-te» - est. 87). O Interlocutor de Vasco da
Gama, o rei de Melinde, é também assinalado através do pronome pessoal te («Certifico-te» -
est. 87) e do vocativo («ó Rei» - est. 87).
Neste momento inicial, Vasco da Gama situa a ação «no porto da ínclita Ulisseia» (est. 84) e, de
seguida, sublinha a coragem dos marinheiros e dos guerreiros que o acompanham na longa
viagem («não refreia / Temor nenhum o juvenil despejo, / Porque a gente marítima e a de
Marte / Estão pera seguir-me a toda a parte» - est. 84) e a sua determinação («E não menos de
esforço aparelhados / Pera buscar do Inundo novas partes» - est. 85).

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Estando aptos física e psicologicamente para a viagem, os marinheiros assistem a uma
cerimónia religiosa, de modo a preparar a «alma pera a morte» (est. 86), ouvindo missa,
comungando e pedindo a Deus proteção («Implorámos favor que nos guiasse, / E que nossos
começos aspirasse» - est. 86).
No final da descrição dos preparativos, Vasco da Gama relata a entrada nas embarcações,
referindo-se ao espaço físico que os marinheiros abandonam por meio de uma perífrase,
«Partimo-nos assim do santo templo / Que nas praias do mar está assentado, / Que o nome tem
da terra, pera exemplo, / Donde Deus foi em carne ao mundo dado» (est. 87), que faz alusão ao
topónimo Belém.
A sua afirmação final, «se contemplo / Como fui destas praias apartado, / Cheio dentro de
dúvida e receio, / Que apenas nos meus olhos ponho o freio» (est. 87), permite estabelecer um
contraste entre a determinação dos homens e os medos que os assaltam no momento da
partida. Os sentimentos evidenciados acabam por contribuir para engrandecer os heróis
portugueses, pois, para além de todos os seus feitos, venceram também os medos e as dúvidas
que poderiam tê-los impedido de conquistar o mar e de chegar à índia.

2. ª parte: A despedida (est. 88-92)

1. º momento - plano geral (est. 88-89): o olhar do narrador centra-se nas pessoas que ficam na
praia, assistindo à partida dos nautas. Começa por referir-se a esta multidão de forma
generalista como «A gente da cidade» (est. 88), oferecendo um plano geral sobre aqueles que
assistem à partida. São amigos ou familiares, embora lá se encontrem também meros curiosos
que foram «por ver somente» (est. 88). Neste momento, todos partilham sentimentos de
tristeza e de saudade, o que se fica a dever à crença generalizada de que quem embarcava
encaminhava-se possivelmente para a morte: «Em tão longo caminho e duvidoso / Por perdidos
as gentes nos julgavam» (est. 89). O narrador centra, de forma mais pormenorizada, o seu olhar
nas mulheres que sofrem com um «choro piadoso» (est. 89) e nos homens que suspiram.
Todavia, a atenção do narrador deter-se-á mais longamente nas «Mães, Esposas, Irmãs» (est.
89), ligadas por laços estreitos aos nautas e unidas pelos sentimentos de tristeza e de medo de
não tornar a ver os seus familiares.
2. º momento - plano de pormenor: a mãe (est. 90): o narrador centra-se, agora, em dois
grandes planos de pormenor: vai atentar numa mãe e numa esposa, deixando-nos ouvir as suas
palavras magoadas. Estas duas figuras, uma vez que representam todas as esposas e mães que
ficam na praia a ver os seus entes queridos partir, designam-se personagens coletivas. O
discurso da mãe é marcado pelas interrogações retóricas, que sublinham a sua incapacidade de
compreender a atitude do filho, que era o único «emparo / Desta cansada já velhice». A sua
perplexidade e revolta ficam fortemente marcadas na última questão: «Porque de mi te vás, o
filho caro, / A fazer o funéreo encerramento, / Onde sejas de pexes mantimento?», onde
sublinha a Injustiça da situação que leva o filho a uma possível morte, deixando o amor de uma
mãe sem resposta.
3. º momento - plano de pormenor: a esposa (est. 91): a mesma mágoa está expressa nas
palavras da mulher. Recorrendo, Igualmente, às interrogações retóricas, a esposa censura o
marido por ir para o mar, levando uma vida que não é dele mas dela. Esta afirmação tem como
base o forte amor que os une, e que faz deles um só ser. Acusa-o ainda de colocar em risco de
esquecimento o amor que os une: «Nosso amor, nosso vão contentamento, / Quereis que com
as velas leve o vento?» Note-se, nesta frase final, a sonoridade conseguida pela aliteração do -u,
que recorda o som do vento que leva o marido e com ele a vida da própria mulher.
4. º momento - plano geral (est. 92): após este momento de maior lirismo, o narrador volta a

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olhar a multidão de uma forma mais geral e destaca, de novo, os sentimentos de «amor e de
piadosa humanidade», referindo-se agora aos velhos e aos meninos que também ficam na
praia. Todos estes sentimentos influenciam a própria natureza envolvente, que, personificada,
entra em sintonia com o sofrimento que domina a multidão: «Os montes de mais perto
respondiam, / Quási movidos de alta piedade» e a «branca areia» chora com quem fica na praia.

3.ª parte: A partida (est. 93)

O episódio termina centrado naqueles que partem. Vasco da Gama decide que a partida se fará
«Sem o despedimento costumado», como forma de impedir o sofrimento («Por nos não
magoarmos») ou a alteração da decisão tomada («ou mudarmos / Do propósito firme
começado»).

RECURSOS EXPRESSIVOS

Interrogações retóricas: estão presentes no discurso da mãe e da esposa; marcam a dúvida,


incompreensão e revolta.

- Aliteração: «Nosso amor, nosso vão contentamento, / Quereis que com as velas leve o vento?»
(est. 91) - a repetição do som -u- recorda o som do vento que levará os barcos para longe das
mulheres.

-Apóstrofe: «ó Rei» (est. 87) -invocação do rei, que é o interlocutor de Vasco da Gama.

-Hipérbole: «Às mulheres cum choro piadoso, / Os homens com suspiros que arrancavam» (est.
89) - marca, de forma forte, os sentimentos que dominavam a multidão na Praia das Lágrimas.

- Perífrase: «Que nas praias do mar está assentado, / Que o nome tem da terra, pera exemplo, /
Donde Deus foi em carne ao mundo dado» (est. 87) - em lugar do nome Belém.

- Personificação: «Os montes de mais perto respondiam, / Quási movidos de alta piedade» (est.
92) - a atribuição de características humanas à natureza permite ampliar a forca dos
sentimentos de tristeza que dominavam a multidão.

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O ADAMASTOR (Canto V, estâncias 37-60)

Estrutura externa: Canto v, est. 37-60


Estrutura interna: Narração
Narrador: Vasco da Gama
Narratário: Rei de Melinde
Plano narrativo: Plano da viagem

O episódio do gigante Adamastor é central n’Os Lusíadas, pois localiza-se no Canto V, marcando
o meio do poema épico. Com este episódio encerra-se o primeiro cicio épico do poema.
A figura do gigante surge como uma personificação dos perigos e castigos do mar, dos monstros
que se acreditava habitarem nas zonas desconhecidas. Trata-se, em suma, de uma
personificação que condensa os medos que dominavam os homens da época relativamente ao
desconhecido.

1. ª parte: Circunstâncias que precedem o aparecimento do gigante (est. 37-38)

A viagem decorria calmamente, quando surge uma nuvem «que os ares escurece» (est. 37). Esta
nuvem negra é um presságio de que algo terrível se prepara para acontecer. Também o mar
ficou agitado, o que está expresso na repetição do som -r- («Bramindo, o negro mar de longe
brada» - est. 38). Esta alteração atmosférica desencadeou nos marinheiros um sentimento de
terror («pôs nos corações um grande medo» - est. 38) e levou Vasco da Gama a inquirir Deus
sobre a natureza daquela região que atravessavam.

2. ª parte: Aparecimento e descrição do gigante (est. 39-40)

Após a alteração climatérica, surge uma figura gigantesca, horrenda, que é descrita diretamente

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de forma negativa, por meio de uma adjetivação expressiva. O seu tamanho é de tal forma
espantoso que é comparado ao Colosso de Rodes, estátua gigantesca de Apolo, considerada
uma das sete maravilhas do mundo antigo. Atentando no rosto do Adamastor, o narrador refere
a sua barba desgrenhada, os olhos encovados, os cabelos crespos e cheios de terra, a boca
negra, os dentes amarelos e o tom de voz «horrendo e grosso» (est. 40).
A descrição do gigante é desenvolvida com base nas sensações visuais e auditivas e culmina no
efeito de terror que provoca nos marinheiros: «Arrepiam-se as carnes e o cabelo, / A mi e a
todos, só de ouvi-lo e vê-lo!» (est. 40). Do ponto de vista psicológico, é descrita sobretudo a ira
do Adamastor, que se justifica pela ousadia dos portugueses ao navegarem nos mares que
pertencem ao gigante. Daí o seu «rosto carregado» e a «postura / Medonha e má» (est. 39).

3. ª parte: Primeiro discurso do Adamastor (est. 41-48)

O discurso do Adamastor divide-se em dois momentos:


1. º momento: o gigante, assumindo-se como dono daqueles mares, que nunca tinham sido
navegados, elogia a ousadia dos portugueses («gente ousada» - est. 41), a quem se refere como
um povo de grandes feitos, incansável, disposto a quebrar os limites («pois os vedados términos
quebrantas» - est. 41).
2. º momento: o gigante anuncia terríveis castigos, que serão infligidos aos portugueses como
consequência da sua ousadia («sobejo atrevimento» - est. 42), dando voz a mais uma das
profecias d'Os Lusíadas. Os castigos consistem em tormentas, naufrágios, «perdições de toda
sorte» (est. 44). Começa por referir os destinatários dos castigos de forma generalista («quantas
naus esta viagem / Que tu fazes, fizerem» - est. 43) e, de seguida, aponta casos concretos de
figuras portuguesas que naquele local perderão a vida: Bartolomeu Dias, que dobrou pela
primeira vez o Cabo; D. Francisco de Almeida, 1.º vice-rei da índia; Manuel de Sousa Sepúlveda e
sua família.
O episódio trágico da morte da família Sepúlveda é relatado pelo Adamastor com algum
pormenor. O destaque dado a este acontecimento justifica-se por ser uma história trágica de
amor, realidade que se aproxima da experiência pessoal do gigante, dado ter vivido, também
ele, uma história de amor Infeliz.

4. ª parte: Interpelação de Vasco da Gama e 2.º discurso do Adamastor (est. 49-59)

Vasco da Gama Interrompe o primeiro discurso do gigante, mostrando-se não aterrorizado mas
«maravilhado» (est. 49), e pergunta-lhe «Quem és tu?» (est. 49). Esta questão afeta
profundamente o Adamastor, pois uai obrigá-lo a Identificar-se, a desvendar a sua história
pessoal. Daí a inesperada mudança que se produz nele: abandona o tom de voz ameaçador para
passar a falar com mágoa e dor («voz pesada e amara» - est. 49).
O Adamastor passa então a relatar a sua história de amor triste e infeliz. Apaixonou-se por Tétis,
que um dia tinha visto «Sair nua na praia» (est. 52). Foi este sentimento que levou o gigante,
que estava envolvido com os seus irmãos numa luta contra Júpiter, a abandonar tudo. Como era
muito feio (est. 53), decidiu conquistar a ninfa pela força («Determinei por armas de tomá-la» -
est. 53). Porém, a ninfa nunca poderia amar um ser gigantesco e feio (est. 53), mas, ainda assim,
marca com ele um encontro. Perdido de amor, julgando encontrar-se frente a Tétis, o
Adamastor beija um penedo. Quando se apercebe que tinha sido enganado, pois a ninfa não
tinha comparecido ao encontro, o gigante reconhece a sua ilusão. A dor que sente é tão forte
que acaba por se transformar num penedo, que deu origem ao Cabo que ele é hoje. Todavia, o

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seu sofrimento não está já acabado, uma vez que continua rodeado por Tétis: «por mais
dobradas mágoas, / Me anda Tétis cercando destas águas» (est. 59).
O momento de maior intensidade de sofrimento do Adamastor surge quando este se dirige à
ninfa, dizendo «Já que minha presença não te agrada, / Que te custava ter-me neste engano, /
Ou fosse monte, nuvem, sonho, ou nada?» (est. 57). A gradação final - monte, nuvem, sonho,
nada - é extremamente expressiva.

5. ª parte: O desaparecimento do gigante (est. 60)

Após ter relatado a sua infeliz história de amor, o gigante desaparece, soltando um profundo
grito de sofrimento: «cum medonho choro, / Súbito d'ante os olhos se apartou; / Desfez-se a
nuvem negra, e cum sonoro / Bramido muito longe o mar soou» (est. 60).
Vasco da Gama, de seguida, agradece a Deus e pede-lhe que retire os castigos que o Adamastor
tinha anunciado.

RECURSOS EXPRESSIVOS

Adjetivação expressiva: «grandíssima estatura», «olhos encovados», «postura / Medonha e má»


(est. - ao longo de todo o episódio, a adjetivação e muito expressiva, em particular na descrição
do gigante.

Aliteração: «Bramindo, o negro mar de longe brada» (est. 38) - repetição expressiva do som -r-,
que evoca os sons do mar agitado.

Comparação do Adamastor à estátua de Rodes, no que respeita à estatura desmesurada.

Comparação: «Tão grande era de membros, que bem posso / Certificar-te que este era o
segundo / De Rodes estranhíssimo Colosso» (est.

Metáfora: «as almas soltarão / Da fermosa e misérrima prisão» (est. 48) - o corpo é associado a
uma prisão da alma, pelo que a morte permitirá a libertação da alma.

Metáfora: «Nunca arados d'estranho ou próprio Lenho» (est. 41) - sugere a fragilidade de um
barco ao mar face a força cios elementos da natureza; a expressão arados é também ela uma
metáfora, extraída do universo agrícola, que permite associar a navegação dos barcos no mar ao
sulcar da terra por alfaias agrícolas.

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ILHA DOS AMORES [preparação] (Canto IX, estâncias 18-29)

Estrutura externa: canto IX, est. 18-29


Estrutura interna: Narração
Narrador: Poeta
Narratário:
Plano narrativo: Plano mitológico

As estâncias relativas à preparação da Ilda dos Amores têm como narrador o poeta e
fazem parte do plano mitológico. Este momento d'Os Lusíadas pode organizar-se em
várias partes.

1. ª parte: a decisão de Vénus (est. 18-20)

Vénus pretende dar aos portugueses um prémio pelas vitórias alcançadas e pelos
danos sofridos. Decide, então, pedir ajuda ao seu filho, Cupido.

2. ª parte: o prémio (est. 21-22)

Vénus decide preparar uma ilha divina, que será colocada nas águas, no caminho dos
marinheiros. Nessa ilha, encontrar-se-ão «aquáticas donzelas» (est. 22), que serão
escolhidas entre as mais belas e as mais devotas do amor. Estas ninfas terão como
missão aguardar pelos marinheiros e recebê-los com cânticos e danças, para
despertarem neles «secretas afeições» (est. 22).

3. ª parte: a ajuda de Cupido (est. 23-24)

Cupido é o ajudante ideal, pois já tinha colaborado com Vénus numa situação similar:
tinha levado Dido a apaixonar-se por Eneias.
Vénus vai, então, procurar Cupido no seu carro puxado por cisnes («as aves que na vida
/ Vão da morte as exéquias celebrando» - est. 24) e rodeado de pombas que se beijam.

4. ª parte: a missão de Cupido (est. 25-29)

Cupido encontrava-se em Idália, cidade da ilha de Chipre, famosa pelo culto de


Vénus, procurando reunir um exército de cupidos para realizar uma expedição com o
fim de emendar os erros dos humanos, pois «estão, / Amando coisas que nos foram
dadas, / Não pera ser amadas, mas usadas» (est. 25).
São apresentados vários exemplos de situações em que se ama mal, para a expedição
de Cupido:
 o caçador Actéon, que não soube amar a «bela forma humana» (est. 26) -
representa os que não sabem amar;

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 os homens que se amam a si próprios (est. 27);
 os aduladores (est. 27);
 aqueles que amam as riquezas e deixam de lado a «justiça e integridade» (est.
28);
 os tiranos (est. 28);
as leis feitas a favor do rei e contra o povo (est. 28).
Afirma-se, em síntese, que a expedição de Cupido tinha lugar porque «ninguém ama o
que deve» (est. 29). Por estas razões, Cupido juntou os «Seus ministros» para ajudar a
«mal regida gente» (est. 29) a evoluir no campo do amor.

RECURSOS EXPRESSIVOS

Antítese: «Dar-lhe nos mares tristes, alegria» (est. 18) - põe-se em relevo o contraste
entre a dureza e sofrimento da vida no mar e o prémio que Vénus pretende dar aos
marinheiros como recompensa pelas dificuldades passadas.
Antítese: «Os Deuses faz decer ao vil terreno / E os humanos subir ao Céu sereno»
(est. 20) - alusão ao poder de Cupido, aliado à força do amor, que é capaz de vencer
todas as barreiras.
Perífrase: «as aves que na vida / Vão da morte as exéquias celebrando» (est. 24) -em
lugar de cisnes; a descrição aponta para o facto de se afirmar que os cisnes cantam mais
suavemente quando estão próximos da morte.

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ILHA DOS AMORES (Leonardo) (Canto IX, estâncias 75-84)

Estrutura externa: canto IX, est. 75-84


Estrutura interna: Narração
Narrador: Poeta
Narratário:
Plano narrativo: Plano mitológico

Após o desembarque dos marinheiros portugueses na Ilha dos Amores, a atenção do


narrador centra-se em Leonardo. Este marinheiro persegue uma ninfa que parece ser
mais difícil de apanhar do que as restantes.

1. ª parte: Caraterização de Leonardo (est. 75 - v. 5 est. 76)

Leonardo é caracterizado, do ponto de vista psicológico, como «bem disposto /


Manhoso, cavaleiro e namorado» (est. 75). O narrador dá uma atenção especial aos
amores do marinheiro, referindo que este nunca tivera sorte neste campo.

2. ª parte: Discurso de Leonardo (v. 6 est. 76 – est. 81)

Enquanto persegue Efire, Leonardo procura convencê-la a parar, usando diferentes


argumentos:
 ainda que Efire esperasse por ele, o azar do nauta impedi-lo-á de a alcançar;
 ele gostaria de saber o que faria a sorte para o impedir de apanhar a ninfa;
 se ela abrandasse, já estaria a alterar a má sorte de Leonardo;
 ela estava a colocar-se do lado da má sorte do marinheiro, quando se deveria
colocar do lado do mais fraco;
 ela levava, com ela, a alma de Leonardo, que até ao momento tinha sido livre;
 ele continuava a persegui-la apenas porque tinha esperança de que ela mudasse o
destino dele, apaixonando-se.

3. ª parte: Descrição de Efire (est. 82)

A ninfa já não corria para fugir de Leonardo, mas apenas para ouvir as suas belas
palavras. Por fim, parou e entregou-se ao marinheiro.

4. ª parte: A união amorosa (est. 83)

O narrador descreve o enlace amoroso e termina, afirmando, relativamente ao que


foi descrito, «Milhor é experimentá-lo que julgá-lo; / Mas julgue-o quem não pode
experimentá-lo».

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5. ª parte: O casamento (est. 84)

Os marinheiros são coroados como heróis, recebendo Louro e ouro. Por fim, celebra-
se uma cerimónia de casamento com as ninfas.

RECURSOS EXPRESSIVOS

Adjetivação expressiva: "soldado bem disposto, / Manhoso, cavaleiro e namorado» (est.


75) - d tripla adjetivação permite destacar os traços principais de Leonardo.

Frases exclamativas: «Oh, que famintos beijos no floresta, / E que mimoso choro que
social / Que afagos tão suaves! Que ira honesta, / Que em risinhos alegres se
tornava!» (est. 83) - reforçam a emoção associada a união entre a ninfa e Leonardo,
que lembra o clima vivido em toda a ilha.

Imperativo: «Espera» (est. 76. 78) - permite dar a conhecer o desejo de Leonardo e o
objetivo do seu discurso.

Interjeições: «Oh, não na creias, porque eu, quando a cria, / Mil vezes cada hora me
mentia» (est. 77), «Oh! Não me fujas!» (est. 79) - marcam, o sentimento forte de
Leonardo, que expresso, com convicção. o desejo de levar a ninfa a deixar de fugir.

Interrogações retóricas: «Tu só de mi só foges na espessura? / Quem te disse que eu


era o que te sigo?» (est. 77), <Pões-te aa parte da desdita minha?», «Ou, despois de
presa,
/ Lhe mudaste a ventura e menos pesa7» (est. 80) - apresentam os argumentos com
os quais Leonardo tenta convencer a ninfa.

Apóstrofe: «Ó formosura indina de aspereza» (est. 76) - situada no início do discurso


de Leonardo, permite identificar o interlocutor do marinheiro e ainda caracterizar a
ninfa como uma mulher bela, que suscita sentimentos de carinho.

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CONSIDERAÇÕES DO POETA
(Canto X, estâncias 142-146, 154-156)

Estrutura externa: canto X, est. 142-146,154-156


Estrutura interna: Narração
Narrador: Poeta
Plano narrativo: Plano mitológico (a), da viagem (b) e das considerações do poeta (c)

[a] Despedida de Tétis (est. 142 – v. 2 est. 143)


Tétis, antes de avisar os portugueses que já podem partir, recorda dois factos fundamentais:
que lhes foi concedido o privilégio de conheceremos feitos gloriosos que Portugal ainda há de
vir a realizar e que realizaram, eles próprios, grandes feitos que lhes proporcionaram o contato
com as ninfas.

[b] Regresso a Portugal (v. 3 est. 143 – 144)

Os portugueses levam da ilha provisões e memórias dos tempos que passaram com as ninfas,
recordações que os acompanharão para sempre. Em mar sereno, com vento calmo, fazem a
viagem de regresso, até ao Tejo.

[c] Considerações do poeta (est. 145-146,154-156)

As estâncias finais d'Os Lusíadas são momentos em que o poeta reflete sobre o país que lhe era
contemporâneo e dirige conselhos ao rei D. Sebastião.

Est. 145

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O poeta, que, por diversas vezes, ao longo do poema, convocou as ninfas para que estas o
inspirassem, vem agora afirmar que não precisa mais da sua inspiração. Tem a lira
«Destemperada» e a «voz enrouquecida», ou seja, não consegue mais continuar o seu canto, o
seu poema. Este cansaço dele-se não ao Longo poema construído, mas à consciência de que
está a cantar para uma «gente surda e endurecida».
Constata, assim, tristemente, que a pátria não o protegerá, por que «está metida / No gosto da
cobiça e na rudeza / Düa austera, apagada e vil tristeza». Os portugueses do tempo de Camões
são, assim, apresentados como totalmente diferentes daqueles que o poeta louvou ao longo do
poema, pois vivem dominados pela cobiça e pela tristeza.

Est. 146

O poeta mostra não compreender por que razão a pátria (os portugueses do seu tempo) não
encara, com alegria e vontade de trabalhar, os desafios que vão surgindo.
Dirige-se a D. Sebastião, apelando a que este se rodeie de «vassalos excelentes», ou seja, de
portugueses que ainda sejam capazes de grandes sacrifícios e que não estejam dominados pela
tristeza, pela preguiça e pela cobiça.

Est. 154-56

Dirigindo-se a D. Sebastião, o poeta autocaracteriza-se de forma humilde, mostrando a sua


pouca Importância: «humilde, baixo e rudo, / De vós não conhecido nem sonhado». Não
obstante, oferece os seus serviços ao rei, mostrando as suas mais-valias: o honesto estudo, a
experiência e o engenho, «Cousas que juntas se acham raramente», como conclui Camões.
Deste modo, o poeta declara-se pronto para servir D. Sebastião tanto na guerra como enquanto
poeta, cantor dos grandes feitos a serem praticados. Se D. Sebastião o aceitar, o poeta cantará
de forma gloriosa todas as grandes vitórias que terão lugar, numa nova epopeia.

RECURSOS EXPRESSIVOS

Adjetivação: «gente surda e endurecida» (est. 145), «humilde, baxo e rudo» (est. 154) - permite
caracterizar e destacar os traços que o poeta pretende associar à pessoa descrita.

Imperativo: «Olhai» (est. 146) - marca a exortação feita pelo poeta ao rei D. Sebastião.

Anáfora: «Pera servir-vos, braço às armas feito, / Pera cantar-vos, mente às Musas dada» (est.
155) - está ao serviço da enumeração das características pessoais que o poeta oferece ao rei D,
Sebastião.

Apóstrofe: «Musa» (est. 145), «o Rei» (est. 146) - permitem indicar o interlocutor do poeta, d
quem ele se dirige em cada momento.

Metáfora: «Lira tenho / Destemperada e a voz enrouquecida» (est. 145) - associando a lira,
instrumento musical, a voz que canta, o poeta pretende referir a produção poética, feita de voz
e musicalidade.

Repetição: «Não mais, Musa, não mais» (est. 145) - o poeta reitera a desconvocação da musa, o
que expressa o seu desânimo.

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FUNÇÕES SINTÁTICAS

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Coordenação e Subordinação

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Discurso direto / Discurso indireto

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Conetores do discurso

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Prof. Sofia Carvalho _

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Nota

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PrEP
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ASAp

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VALOR MODAL

VALOR DE CERTEZA  Estamos sem internet.


o falante (ou o sujeito da frase) considera a proposição  Acho que estamos sem internet.
verdadeira ou falsa  É falso que o sol gire à volta da Terra.
 Os alunos consideraram que o teste até era fácil.

VALOR DE PROBABILIDADE  Talvez me saia o Euromilhões.


sem ter certezas, o falante avalia a probabilidade de a  É possível que te deem um carro nos anos.
proposição ser verdadeira ou falsa  – Leva um impermeável, pode chover.
 O telemóvel da Rita deve estar avariado.
 adjetivos – verdadeiro, falso, possível, provável;

 advérbios ou locuções adverbiais – possivelmente, provavelmente, certamente, talvez, sem dúvida, de certeza;

 verbos auxiliares – poder, dever;

 nomes – possibilidade, probabilidade;

 verbos principais – pensar, achar, crer, considerar


VALOR DE OBRIGAÇÃO  É obrigatório o uso do cinto de segurança.
uma situação é imposta a uma ou mais entidades  Temos de entregar o trabalho até sexta-feira.
 É proibido fumar em recintos fechados.
VALOR DE PERMISSÃO  Quem acabou o teste já pode sair.
concede-se autorização a uma ou mais entidades  O professor deixou-nos ouvir música na aula.
 adjetivos – verdadeiro, falso, possível, provável;

 advérbios ou locuções adverbiais – possivelmente, provavelmente, certamente, talvez, sem dúvida, de certeza;

 verbos auxiliares – poder, dever;

 nomes – possibilidade, probabilidade;

 verbos principais – pensar, achar, crer, considerar


MODALIDADE APRECIATIVA  Infelizmente, perdi o meu livro preferido…
Exprime avaliações positivas ou negativas sobre situações.  Seria bom que eles se calassem um bocadinho!

 Jantar naquele restaurante foi um pesadelo!

adjetivos – bom, mau, agradável, desagradável, horrível;

advérbios ou locuções adverbiais – felizmente, infelizmente, graças a Deus;


nomes – maravilha, horror, pesadelo;
verbos principais – lamentar, alegrar-se

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Como se escreve

a é um artigo definido, feminino, singular. Utilizamos sempre antes do substantivo com função de
determinante feminino.
á nunca é utilizado isoladamente, é usado para acentuar a sílaba tónica de uma palavra.
Veem é a forma
à é sempre verbal
utilizado da terceira pessoa
isoladamente (exceto:donas
plural do verbo
palavras às, àquele, àquela, àqueles, àquelas, àquilo)
ver. Ex: Eles veem tudo.
Deem
e implicaadvém do verbo
um sentido oudar na terceira pessoa do plural do presente do conjuntivo ou na terceira
ação.
Vêm
pessoa é a forma
do plural verbal da terceira
do imperativo. Épessoa
escrito do
semplural do circunflexo.
acento verbo (dêem nãoAexiste)

vir.éEx:
a terceira
Eles vêm pessoa
da do singular
praia do presente do indicativo do verbo haver. forma de determinar
Que eles deem valor a este trabalho. Deem lá isso!
se usamos há é substituir, na frase, pelo sinónimo existe. Se fizer sentido então é porque o devemos
usar. ah é uma interjeição que exprime admiração, alegria, compaixão, desejo, dúvida, espanto,
impaciência, ironia, dor, tristeza, etc.
De entre estas dúvidas a principal aponta para a questão de usar à ou há uma vez que as outras são
mais fáceis de compreender. Como apontado em cima, memorize que há pode ser sempre
substituído

Põe - Trata-se da forma verbal na terceira pessoa do singular do presente do indicativo (Ele/Ela põe)
e na segunda pessoa do singular do imperativo do verbo pôr.
Põem - Trata-se da forma verbal na terceira pessoa do plural do presente do indicativo do verbo pôr.
(Eles/Elas põem)

De repente - correto Derrepente – incorreto

Tem é a forma do verbo TER quando escrita no presente, ele é utilizado para definir posse de
alguma coisa, e pode ser escrito de duas formas “tem” no singular e “têm” no plural. Muitas
pessoas utilizam, de maneira errada, as palavras teem e têem, porém nenhuma dessas duas formas
existem na língua

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Que – pronome ou conjunção

O "que" é pronome relativo quando o seu sentido depende de uma antecedente e quando introduz uma oraçã

Cumprimentei a pessoa que me fez adeus. [o antecedente de "que" é «pessoa»; o "que" é sujeito da oração «q

Detiveram o homem que viram na loja. [o antecedente de "que" é «homem»; o "que" é também complement

O "que" é conjunção quando serve para completar o sentido de um verbo, por exemplo, «dizer»:

Disseram que não tinham visto ninguém. [o "que" é um elemento de ligação entre «disseram» e
«não tinham visto ninguém»]

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