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Auto da Barca do Inferno – Gil Vicente

Análise da obra e caracterização das


personagens
Cena I
O diálogo entre o Diabo e o seu Companheiro constitui o primeiro momento da ação do
auto. O Diabo, eufórico, dá ordens ao seu companheiro para preparar rapidamente a
caravela antes de chegarem os passageiros. O Companheiro executa as ordens recebidas
com rapidez e entusiasmo. O ambiente é de festa e o Diabo anseia que tudo esteja
preparado para o embarque das almas e para a partida rumo ao Inferno.

Cena II – O Fidalgo
O Fidalgo, Dom Anrique, é a primeira personagem a entrar em cena e traz consigo um
manto e um pajem (criado) que segura uma cadeira. Estes elementos cénicos simbolizam
os seus pecados (vaidade, tirania, poder) e também possibilitam identificar a classe social
a que pertence. O Fidalgo representa assim uma classe social - a Nobreza. Por pertencer
à Nobreza, o Fidalgo pensa que não vai para o Inferno. Além de se considerar superior
aos outros pelo estatuto social, mostra-se altivo quando se dirige à barca do Anjo, mas
este recusa-se a deixá-lo embarcar. De novo junto ao batel infernal, o Fidalgo acha que a
sua mulher e a amante rezam pela sua alma, de forma que pode ir para o Céu, mas é
humilhado pelo Diabo, que zomba dele. Acaba por demonstrar arrependimento por ter
acreditado que o seu estatuto social seria sinónimo de salvação e, por fim, resigna-se à
sua sorte, e entra na barca do Diabo. O pajem, que transporta a cadeira, é mandado
embora pelo Diabo.

Personagem / Classe social


Fidalgo/ nobreza

Elementos / Simbologia
- Pajem – simboliza a tirania e o desprezo pelos mais necessitados
- Cadeira – simboliza poder, o seu estatuto social
- Manto – simboliza a sua riqueza e vaidade (presunção)

Percurso cénico
Cais – Barca do Diabo – Barca do Anjo – Barca do Diabo

Caracterização psicológica
- Vaidoso
- Infiel
- Presunçoso
- Tirano
- Não ajudava os outros

Acusações
- Viveu a seu belo prazer
- Foi tirano
- Desprezou e não ajudou os mais fracos
- Foi vaidoso
- Foi infiel

Argumentos de defesa
- Deixa na outra vida, quem reze por ele
- Morreu sem estar à espera, sem contar
- É Fidalgo de solar (condição social – nobre)

Destino
Inferno

Intenção crítica
Gil Vicente pretende:
- Acusar a Nobreza de tirania e desprezo pelos mais necessitados
- Denunciar a infidelidade conjugal
- Demonstrar a vaidade e presunção dos nobres

Cena III – O Onzeneiro


A segunda personagem a entrar em cena é o Onzeneiro, que viveu a sua vida a amealhar
dinheiro à custa dos outros, emprestando dinheiro com um juro excessivo (11% - onzena).
O Diabo quer que ele entre desde logo na sua barca, mas o Onzeneiro, recusando, dirige-
se à barca da Glória. Aqui, o Onzeneiro é repelido pelo Anjo que o acusa de cobiça e
ganância. De facto, o Onzeneiro traz uma bolsa tão grande que quase não cabe na barca,
mas diz estar vazia. Pede ao Diabo que o deixe voltar à terra para ir buscar o dinheiro e o
Diabo obriga-o a embarcar. Através desta personagem, Gil Vicente critica a ganância, a
exploração e a cobiça do usurário e denuncia aqueles que fazem fortunas
desonestamente, explorando as necessidades alheias.

Personagem / Classe social


Onzeneiro/ nobre

Elementos / Simbologia
- Bolsão: simboliza a sua ganância/ avareza/ ambição desmedida/ o apego ao dinheiro

Percurso cénico
Cais – Barca do Diabo – Barca do Anjo – Barca do Diabo

Caracterização psicológica
- Pecador
- Ladrão
- Usuário
- Rico

Acusações
- Roubar, através dos Juros elevados
- Ter o coração cheio de pecados (ambição, maldade)

Argumentos de defesa
- Tem muito dinheiro em terra e poderá pagar a passagem
- O bolsão está vazio

Destino
Inferno

Intenção crítica
Gil Vicente pretende:
- Criticar a prática da usura, denunciando o enriquecimento rápido e fácil à custa dos mais
necessitados
- Fazer ver às pessoas que o dinheiro que tem não lhes vale de nada, quando morrerem o
importante são as boas ações que fizeram.

Cena IV – O Parvo
A terceira personagem a entrar é o Parvo, chamado Joane, que insulta o Diabo, quando
este o convida a entrar na barca. Por ser uma personagem simples e ingénua, que não se
pode responsabilizar pelos seus atos, o Anjo promete levá-lo para o Paraíso e manda-o
aguardar no cais. O discurso e o vocabulário insultuoso utilizado pelo Parvo em relação ao
Diabo provocam o riso. Também a sua maneira de ser, ingénua e irresponsável, é jocosa.
Contrariamente às outras personagens, o Parvo não transporta nenhum objeto, o que
comprova a sua simplicidade. Também não é feita nenhuma crítica ao seu
comportamento. O Parvo tem, portanto, uma função cómica, ajudando igualmente a
caracterizar as outras personagens, mostrando os seus vícios e pecados.

Personagem / Classe social


Parvo/ povo

Elementos / Simbologia
Não tem

Percurso cénico
Cais – Barca do Diabo – Barca do Anjo – Barca do Diabo (fica no cais)

Caracterização psicológica
- Malcriado/ grosseiro
- Inconsciente
- Simples
- Humilde
- Cómico/ engraçado

Acusações
Não é acusado

Argumentos de defesa
Como não é acusado, não precisa de se defender.

Destino
Fica no cais

Intenção crítica
Gil Vicente pretende:
- Enaltecer os pobres de espírito que, graças à sua simplicidade e humildade obtêm a
misericórdia divina
* A função desta personagem é fazer rir e vai acusar as personagens que estão para
chegar.

Cena V – O Sapateiro
O Sapateiro, João Antão, é a quarta personagem a apresentar-se no cais, com o seu
avental e carregado de formas de sapatos, que, para além de identificarem a sua
profissão, representam os seus pecados. Como passou a vida a roubar o povo em solas e
cabedais, será condenado ao Inferno. Uma vez que se confessou e comungou, ouviu
missas, deu esmolas / pagou promessas e rezou, tenta a salvação junto do Anjo. Este
rejeita-o e, sem alternativa, o Sapateiro entra na barca do Diabo. O Sapateiro, apesar de
executar as práticas do culto religioso, foi desonesto, não seguiu os princípios religiosos e,
por isso, foi castigado. Com esta personagem, o autor quis mostrar que o cumprimento
das práticas religiosas (como ir à missa, comungar ou oferecer donativos à igreja) não é
suficiente para a salvação da alma. Assim, estamos perante uma crítica à hipocrisia, à
falsa moral religiosa, e também à desonestidade praticada pelos pequenos artesãos no
seu ofício.

Personagem / Classe social


Sapateiro/ povo

Elementos / Simbologia
- Avental / formas dos sapatos – simbolizam a sua profissão e os seus pecados

Percurso cénico
Cais – Barca do Diabo – Barca do Anjo – Barca do Diabo

Caracterização psicológica
- Mentiroso
- Ladrão
- Falso religioso
- Malcriado
- Hipócrita
- Trocista

Acusações
- Roubou o povo
- É mentiroso
- Não viveu honestamente
- Foi excomungado

Argumentos de defesa
- Morreu confessado e comungado
- Ouviu muitas missas
- Deu esmolas à igreja
- Assistiu à hora dos finados

Destino
Inferno

Intenção crítica
Gil Vicente pretende:
- Denunciar a exploração dos indivíduos da mesma classe
- A hipocrisia daqueles que praticam, sem fé, os diferentes atos religiosos.

Cena VI – O Frade
O Frade Grabriel é a quinta personagem e entra em cena a cantar, trazendo consigo uma
moça, Florença, sua amante. Está convencido de que vai para o paraíso e que será
perdoado graças à sua condição de frade. Por baixo do hábito, o Frade traz o traje de
esgrimista e faz uma demonstração ao Diabo para mostrar que é um bom praticante da
modalidade. Depois da lição de esgrima, o Frade, acompanhado da amante, dirige-se à
barca do Anjo que o ignora e o reprova de tal forma que nem sequer lhe dirige a palavra. É
o Parvo que denuncia a sua vida de pecado e de libertinagem. Sem mais alternativas,
conformado, o Frade entra com a sua amante na barca do Inferno. Através destes
recursos, Gil Vicente tece uma crítica feroz ao Clero. Temos um frade que gosta dos
prazeres mundanos como o canto, a dança, a esgrima e o namoro quando deveria
dedicar-se exclusivamente às práticas religiosas e cumprir os seus votos de castidade.

Personagem / Classe social


Frade/ clero

Elementos / Simbologia
- Broquel/ capacete/ espada – simbolizavam o apego aos prazeres e vícios mundanos
- Hábito – Condição sacerdotal (classe social – clero)
- Florença – quebra dos votos de castidade, a sua imoralidade e infidelidade a Deus

Percurso cénico
Cais – Barca do Diabo – Barca do Anjo – Barca do Diabo

Caracterização psicológica
- Alegre
- Bem-disposto
 - Convencido
- Vaidoso
- Exibicionista
- Namoradeiro
- Infiel a Deus
- Mundano

Acusações
- Não cumpriu na totalidade as leis religiosas
- Quebrou os votos de castidade ao folgar com uma mulher
- Dedicava-se aos prazeres mundanos

Argumentos de defesa
- Rezou muitos salmos
- (“Este hábito não me vale”)
- Dizia que foi muito importante
- Era bom esgrimista

Destino
Inferno

Intenção crítica
Gil Vicente pretende:
- Criticar os membros do clero que não viviam em conformidade com os preceitos
religiosos/ cristãos
- Denunciar a contradição entre os atos praticados e os valores morais que o clero devia
assumir.

Cena VII – A Alcoviteira


A Alcoviteira Brízida Vaz é a sexta personagem a entrar em cena e, embora tenha vivido
da prostituição das moças, altiva perante o Diabo, acha-se digna de ir para o céu. A
Alcoviteira considera-se uma mártir por ter sido vítima de perseguição por parte da Justiça
(açoitada), argumenta que fez “cousas mui divinas”, que “forneceu” as moças para o clero,
orientou-as para arranjarem maridos ou amantes, refere que “converteu” mais moças do
que Santa Úrsula, de forma que se acha meritória do Céu. O discurso argumentativo da
Alcoviteira perante o Anjo, pejado de palavras carinhosas, também não convence. Depois
da condenação do Anjo, resignada, Brízida Vaz entra na barca do Diabo. Mais uma vez,
Gil Vicente critica a sociedade em que vive. A existência da profissão imoral de Brízida
Vaz e a sua pertinência na sociedade revela a decadência e a devassidão dos bons
costumes no séc. XVI. O próprio clero, que deveria simbolizar de alguma forma a
castidade e os bons costumes, é denunciado.

Personagem / Classe social


Alcoviteira/ povo

Elementos / Simbologia
- Raparigas/ joias/ Roupas/ estrato de cortiça/ casa movediça/ cofres de enleios/ armários
de mentiras/almofadas/ frutos alheios - simbolizavam a sua atividade profissional e seus
pecados (imoralidade, mentira, roubo)

Percurso cénico
Cais – Barca do Diabo – Barca do Anjo – Barca do Diabo

Caracterização psicológica
- Imoral
- Mentirosa
- Ladra
- Fingida
- Hipócrita

Acusações
- Viveu “santa vida”
- Desencaminhou as raparigas
- Roubou e mentiu

Argumentos de defesa
- Serviu o clero (criava as meninas para os Cónegos da Sé)
- Foi martirizada, castigada e suportou tormentos
- Considerava-se “angelada” (protegeu as raparigas)

Destino
Inferno

Intenção crítica
Gil Vicente pretende:
- Criticar a prática da prostituição e seus agentes
- Denunciar a quebra dos votos de castidade dos membros do clero
Cena VIII – O Judeu
A sociedade portuguesa do século XV discriminava as pessoas em função da religião. A
maioria cristã considerava inferiores as minorias como os Judeus e os Mouros. No entanto,
a rivalidade existiu sobretudo em relação ao povo judeu devido à sua superioridade
económica e intelectual. A riqueza dos Judeus era cobiçada pelos cristãos. A sétima
personagem a entrar em cena é um judeu que traz um bode às costas. O Judeu,
provavelmente chamado Semah Fará, dirige-se diretamente à barca do Diabo com o
objetivo de comprar a passagem para ele e para o bode. O Diabo recebe-o com desprezo,
ao contrário da satisfação com que recebeu os outros passageiros, e não o quer deixar
entrar na barca. Depois da discussão sobre o embarque do bode, o Parvo denuncia os
seus pecados – a profanação dos templos cristãos e o consumo de carne em dias de
jejum. O Diabo acaba por permitir que ambos se desloquem a reboque da barca - «ireis à
toa». O bode, que esta personagem traz consigo e que representa a sua religião, era
usado pelos Judeus na “cerimónia do bode emissário”, que simbolizava a remoção dos
pecados de Israel. Durante a cerimónia, o sacerdote colocava as mãos sobre o bode
(chamado “azazel” ou emissário) e, simbolicamente, transferia para ele os pecados do
povo. O animal era, depois, levado para o deserto, onde não houvesse habitação. Assim,
os pecados jamais seriam relembrados. O bode significa, portanto, a salvação dos
pecados, a purificação, o que explica o apego do Judeu a este animal, mesmo depois da
morte. Com esta personagem, Gil Vicente dá-nos a conhecer como eram vistos os Judeus
na sua época. De facto, eles eram vistos como indivíduos fanáticos pela religião e muito
apegados ao dinheiro. O Judeu deste Auto nem depois de morto questiona a sua religião,
nem se aproxima da Barca da Glória e insiste em levar o bode, assim como em pagar a
passagem. O Diabo não fica satisfeito com a presença do Judeu e decide transportá-lo a
reboque da barca, o que reflete a atitude discriminatória dos cristãos da altura.

Personagem / Classe social


Judeu/ povo

Elementos / Simbologia
Bode – simbolizava o seu fanatismo religioso

Percurso cénico
Cais – Barca do Diabo – Barca do Anjo – Barca do Diabo

Caracterização psicológica
- Corrupto
- Avarento
- Fanático pela religião
- Malcriado
- Teimoso
- Persistente

Acusações
- Praticou o Judaísmo
- Tentou subornar os outros
- Não respeitou os dias de jejum e abstinência
- Profanou os locais sagrados

Argumentos de defesa
- Não se defende, pois se o Judaísmo era a sua religião, era essa que ele tinha que
respeitar

Destino
Inferno

Intenção crítica
Gil Vicente pretende:
- Denunciar o fanatismo religioso dos Judeus e apego ao dinheiro
- Condenar a teimosia dos Judeus que recusavam em aceitar a salvação, representada em
Jesus Cristo

Cena IX – O Corregedor e o Procurador


É habitual considerar-se a entrada do Corregedor e do Procurador como fazendo parte de
uma só cena, na medida em que ambas as personagens pertencem ao mesmo grupo
socioprofissional e percorrem o espaço cénico simultaneamente, apesar de entrarem em
momentos diferentes. O Corregedor chega ao cais carregado de processos jurídicos e com
a vara na mão. O Diabo acusa-o de imparcialidade, corrupção e exploração de lavradores
ingénuos. O Corregedor defende-se, argumentando que um juiz não pode ser condenado
e que era a sua mulher quem recebia os subornos. Entretanto, o Procurador, carregado de
livros, chega também ao cais e encontra o Corregedor, de quem foi cúmplice na prática
fraudulenta da Justiça. Os dois conversam e, enquanto o Procurador admite não se ter
confessado antes de morrer, o Corregedor afirma que o fez, mas omitindo alguns pecados
para não ter de devolver o dinheiro roubado. Ambos se dirigem à barca da Glória para
tentar a salvação e, depois de serem acusados pelo Anjo e insultados pelo Parvo, veem-se
obrigados a embarcar para o Inferno. A cena termina com uma discussão entre o
Corregedor e Brízida Vaz. Algumas das falas do Corregedor e do Procurador estão em
latim. O uso desta língua permite colocar as personagens num nível socioprofissional
superior e é uma forma de mostrar a sua presunção e a sua pretensa erudição. O Diabo e
o Parvo também utilizam esta língua, embora de forma macarrónica, o que cria um efeito
cómico. O Corregedor e o Procurador representam a justiça terrena, de forma que a
condenação de ambos permite a denúncia da corrupção dos magistrados e a crítica à
parcialidade por parte de homens cultos e responsáveis pela justiça humana. Gil Vicente
alarga a crítica de corrupção aos Judeus ( «E as peitas dos judeus») e aos escrivães
(«Irês ao lago dos cães / e verês os escrivaes / como estão tão prosperados»). Nesta cena
temos também uma crítica explícita à prática hipócrita da religião. O ato de confissão
religiosa consiste na responsabilização e arrependimento sincero do crente pelos seus
pecados e na absolvição dos mesmos por parte do confessor. Ora, o sacramento da
confissão do Corregedor não é válido pois este praticou-a de forma falsa e interesseira,
sem franqueza, humildade e verdade.
Personagem / Classe social
Corregedor – juiz
Procurador - advogado

Elementos / Simbologia
- Processos/ Vara/ Livros – simbolizavam a atividade profissional e os pecados (processos
mal conduzidos, os subornos)

Percurso cénico
Cais – Barca do Diabo – Barca do Anjo – Barca do Diabo

Caracterização psicológica
- Corrupto
- Altivos
- Presunçosos
- Desonestos
- Mentirosos
- Falsos religiosos
- Injustos
- Parciais

Acusações
- Aceitar subornos
- Não ajudar os mais necessitados
- Mentirosos e injustos
- Enriquecem à custa dos outros
- Deixou-se corromper
- Não julgar com imparcialidade
- Não confessou os pecados todos

Argumentos de defesa
- Quem aceitou os subornos foi a mulher
- Espera em Deus
- Confessou-se
- Agiu com justiça

Destino
Inferno

Intenção crítica
Gil Vicente pretende:
- Denunciar a prática fraudulenta da justiça e a corrupção de todos os agentes envolvidos
nos processos judiciais
- Atingir todos os que se vão confessar e que ocultam os pecados mais graves.

Cena X – O Enforcado
O Enforcado é a décima personagem a chegar ao cais e a dirigir-se ao batel do Diabo.
Este pergunta-lhe o que disse Garcia Moniz, um possível tesoureiro da Casa da Moeda de
Lisboa. Ora, o Enforcado foi convencido por Garcia Moniz de que a morte na forca era
uma forma de purificação dos pecados e que a prisão era o lugar dos escolhidos, da
“santa gente” e por isso acreditou que iria para o Paraíso. Desenganado e desiludido pelo
Diabo, resta-lhe entrar na barca do Inferno. Na cena do Enforcado, Gil Vicente satiriza a
tese da salvação da alma e da purificação dos pecados através da morte na forca. O
Enforcado parece ser mais uma vítima da sua ingenuidade do que propriamente culpado.
Como até hoje não se possuem dados documentais concretos sobre Garcia Moniz, esta
cena continua envolta em dúvida.

Personagem / Classe social


Enforcado/ povo

Elementos / Simbologia
- Corda – Representa a forma como o Enforcado morreu e a crítica aos oficiais da Justiça
que condenavam injustamente

Percurso cénico
Cais – Barca do Diabo

Caracterização psicológica
- Ingénuo
- Influenciável
- Surpreso

Acusações
Não existem

Argumentos de defesa
Não existem

Destino
Inferno

Intenção crítica
Gil Vicente pretende:
- Denunciar a cumplicidade dos altos funcionários da corte (Garcia Moniz) e dos
criminosos.
Cena XI – Os Quatro Cavaleiros
Quatro Cavaleiros, trazendo a Cruz de Cristo, entram a cantar no cais e dirigem-se à barca
da Glória. Ao passarem à frente da barca do Inferno, o Diabo, confuso com a indiferença
dos Cavaleiros, manda-os entrar na sua barca. Os Cavaleiros, com superioridade, afirmam
que quem morre em nome de Jesus Cristo, não entra na barca do Inferno. Na sua barca, o
Anjo já esperava os mártires da Igreja que refere merecerem “paz eternal”. O Auto termina
com os Cavaleiros a embarcar rumo ao Paraíso. Na cantiga dos Cavaleiros está
condensada a moralidade da peça, isto é, a vida terrena consiste numa preparação
definitiva para a condenação ou salvação depois da morte. Aqueles que vivem conscientes
da transitoriedade da vida e da inevitabilidade da morte, que temem a condenação eterna
e trabalham em nome de Deus serão salvos. Assim, temos a preparação para a vida
eterna como explicação para a vida terrena, segundo a ideologia católica.

Personagem / Classe social


Quatro Cavaleiros

Elementos / Simbologia
- A Cruz de Cristo/ Os escudos/ as espadas – Simbolizam a fé e a luta em nome de Deus

Percurso cénico
Cais – Barca do Anjo

Caracterização psicológica
- Confiantes
- Verdadeiros cristãos
- Corajosos
- Lutadores
- Orgulhosos na sua missão

Acusações
Não existem

Argumentos de defesa
Não existem

Destino
Céu

Intenção moralizadora
Gil Vicente pretende:
- Transmitir a ideia de que só é verdadeiramente salvo aquele que viver uma vida dedicada
a Cristo, desprendida de bens materiais

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