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Cena Inicial
Comentários – O Diabo ordena ao Companheiro que prepare a barca para partir, uma vez que prevê a
chegada de muitos passageiros. Para tal, emprega amiúde termos técnicos de marinharia, mostrando
inquietação e pressa em partir, tal como se poderá verificar em cenas subsequentes. O clima é de festa.
FIDALGO – O Fidalgo socorre-se de uma falsa religiosidade para recuar a entrada na barca infernal.
Sobranceiro e confiante, dirige-se à Barca da Glória e tenta impor-se invocando a sua condição social. O
Anjo mostra-lhe que, em vida, fora tirano e desprezara o povo. De volta à Barca do Inferno quer voltar à
vida para ver, primeiro, a amante, depois a mulher. O Diabo, sarcástico, revela-lhe que ambas o
enganavam.
PARVO – Esta cena exprime a candura dos pobres de espírito na sua agressividade instintiva e injuriosa
contra o Diabo e os pecadores orgulhosos.
SAPATEIRO – Nesta cena privilegia-se a crítica à falsa religiosidade do Sapateiro, porque é nas práticas
religiosas que ele procura a salvação. Confessar-se, ouvir a missa, comungar e dar esmolas são atos
religiosos que só fazem alcançar o céu àqueles que levam uma vida honesta. Não era o caso do
Sapateiro.
FRADE – Este pensa que o hábito e a sua ligação a Deus (por ser membro do clero) o livravam do
Inferno. Por isso, apresenta-se com uma namorada a dançar e a cantar (tal como se faz na corte) e até
dá uma lição de esgrima ao Diabo. O silêncio do Anjo é sentença final do Frade que é ainda tripudiado
pelo Parvo. Ele tem como função mostrar a devassidão/depravação do Clero.
JUDEU – O Judeu é “persona non grata”: retratado como uma figura da sociedade economicamente
favorecida e estigmatizada por práticas religiosas diferentes das do cristianismo, merece o repúdio do
próprio Diabo, que não tem outro remédio senão levá-lo “à toa”.
ENFORCADO – Personagem que desconhece a religião cristã e que se deixou enganar pela lei humana
(Garcia Moniz).
QUATRO CAVALEIROS – Os cavaleiros perecem lutando pela expansão da fé cristã. Eles mereceram a
“paz eternal”.
[Gil Vicente consegue tornar o Auto numa peça teatral, dando unidade de ação através de um único
espaço e de duas personagens fixas " diabo e anjo".]