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Parábolas
Segundo os filósofos Gilles como grandes quadros to, vários evangelhos contêm pa-
Deleuze e Félix Guattari, no livro explicativos para a vida humana. rábolas sobre passagens da vida
O que é a filosofia?, o pensamen- Esses ensinamentos não dão mar- de Cristo. O judaísmo também
to religioso é um “pensamento gem a dúvidas e implicam aceita- utiliza esse tipo de ensinamento.
por figuras”, enquanto a filosofia ção plena por parte dos fiéis.
é um “pensamento por concei- Podemos ver isso nos ensina-
tos”. O pensamento por figuras mentos dos sábios chineses anti- GALLO, Sílvio. Filosofia: experiên-
usa metáforas e parábolas, enun- gos, como Confúcio, e também no cia do pensamento. São Paulo:
ciando histórias que servem cristianismo: no Novo Testamen- Scipione, 2013, p. 27.
Filosofia e religião
Muitas das questões enfrenta- filosofia e religião em termos das tros caminhos para a verdade,
das pela filosofia são também tra- questões discutidas, como elas se como revelação e escritura. Algu-
tadas pela religião. Tipicamente, diferenciam? Um ponto em que mas chegam a desestimular a
as religiões tentam responder por podem divergir é na ênfase que aplicação da razão a certas ques-
que o Universo existe e por que, dão ao papel da razão. Obviamen- tões. Quando isso ocorre, filoso-
aliás, qualquer coisa existe. Algu- te, devemos admitir que a razão fia e religião se separam. Na tra-
mas supõem que Deus criou tudo. tem seus limites; não pode ser dição filosófica ocidental, o im-
Muitas consideram também capaz de decifrar todos os enig- portante é submeter afirmações
se possuímos algum tipo de es- mas filosóficos. a exame crítico, e tentar justificar
sência não física, ou “alma”, e o A filosofia simplesmente nos a própria posição racionalmente:
que torna as coisas certas ou er- estimula a aplicar nossas faculda- tentar fornecer pelo menos mo-
radas. De fato, muitos dos maio- des da razão da melhor e mais tivos razoavelmente bons para se
res pensadores religiosos foram ampla maneira possível. supor que é verdadeira.
filósofos, e alguns dos mais im- A religião também pode esti-
portantes filósofos foram teólo- mular a aplicação da razão. Em LAW, Stephen. Filosofia. Trad. Ma-
gos. geral, porém, as religiões insistem ria Luiza de X. de A. Borges. 3. ed.
Dada essa superposição entre ademais na importância de ou- Rio de Janeiro: Zahar, 2011, p. 16.
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Raciocínio filosófico
Vale a pena notar que o “raci- a verdade ou como ir de A a B necer respostas definitivas, pode
ocínio” feito pelos filósofos não é pelo melhor caminho. Seria um muitas vezes revelar por que cer-
de um tipo especial, esotérico. erro supor que a razão é capaz de tas respostas não bastam. Esta é
Trata-se, em geral, de raciocínio responder a todas as nossas uma das razões por que pensar
corriqueiro, comum, do tipo que questões mais importantes. Mas, filosoficamente ainda pode ser
você aplica quando tenta desco- sem dúvida, tem o poder de ilu- um exercício de valor, mesmo
brir o que há de errado com seu minar pelo menos algumas delas. quando nenhuma solução é en-
carro, se alguém está lhe dizendo E, mesmo quando não pode for- contrada.
As religiões orientais
No cerne das religiões orien- mo, o hinduísmo, o siquismo e o
tais está a instrução moral. Ética jainismo). É a noção moral de cau-
Confúcio, por exemplo, desejava A ideia de que devemos ten- sa e efeito, segundo a qual boas
acima de tudo ensinar as pesso- tar viver uma vida melhor é co- ações numa vida podem gerar
as a viver, e os escritos e ditos a mum a todas as religiões. Os tex- benefícios, e um renascimento
ele atribuídos são repletos de ori- tos sagrados e os ensinamentos melhor, na vida seguinte. O carma
entação moral. Valores como a posteriores estão cheios de instru- sustenta muitos princípios éticos,
bondade são centrais no ções morais de líderes precurso- desde o compromisso sique com
confucianismo, que ensina seus res, de profetas e do próprio Deus, a comunidade até a filosofia
formando um rico arcabouço de
seguidores a basear suas relações jainista da não violência. Tais pre-
valores éticos.
nas de uma família ideal, harmo- ceitos mostram que mesmo um
niosa. credo rigoroso como o jainismo,
Outras religiões orientais des- ação, meio de vida, esforço, dili- com relativamente poucos adep-
crevem com clareza a ética que os gência e concentração. Esse Cami- tos, tem muito que ensinar aos
devotos devem seguir. Um dos nho e suas metas éticas abrangem outros, sejam quais forem suas
sentidos do termo Tao é “o cami- desde a ocupação diária até os ri- crenças.
nho moral”. O Nobre Caminho tos sagrados, desde o melhor tipo
Óctuplo do budismo instrui as de trabalho até a melhor manei- WILKINSON, Philip. Religiões.
pessoas a cultivar o comporta- ra de meditar. O conceito de Trad. Maria Luiza de X. de A.
mento correto nas áreas da com- carma sustenta várias religiões Borges. Rio de Janeiro: Zahar,
preensão, pensamento, fala, orientais (em particular o budis- 2011, p. 28.
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As religiões monoteístas
No judaísmo, no cristianismo do de certo modo as palavras e mente diversas da ética e da cren-
e no islã, os preceitos morais mandamentos da Torá (que reú- ça. Assim, o judaísmo ortodoxo
emanam de Deus. Os judeus al- ne os cinco primeiros livros do ensina os fiéis a obedecer rigoro-
mejam seguir a lei de Deus, tal Antigo Testamento), os cristãos samente aos mandamentos da
como exposta na Torá, conside- também levam em conta a orien- Torá, mas o judaísmo da Reforma
rando também as interpretações tação ética contida no texto judai- (movimento iniciado no séc. XIX
da Torá feitas por eruditos e rabi- co. para modernizar a fé judaica) in-
nos posteriores. Os muçulmanos Todos esses textos sagrados terpreta as leis da Torá de modo
seguem as instruções éticas ex- contêm instruções muito especí- condizente com as realidades da
postas no Corão, que consideram ficas sobre como viver uma vida vida moderna e dá forte ênfase à
a palavra de Deus tal como reve- ética, moral, e crentes modernos opção moral do indivíduo.
lada ao profeta Maomé. Os cris- enfrentam o desafio de uma lei-
tãos seguem os ensinamentos de tura que os torne aplicáveis aos
Jesus Cristo, registrados nos Evan- nossos dias. Esse desafio levou, WILKINSON, Philip. Religiões.
gelhos. sobretudo no cristianismo e no Trad. Maria Luiza de X. de A.
Como Jesus viu a si mesmo e judaísmo, a variadas ramificações Borges. Rio de Janeiro: Zahar,
sua ética seguindo e completan- da religião, com visões ligeira- 2011, p. 28-29.
A causa comum
Todas as religiões salientam é que os devotos podem, de al- se diversificar.
tanto a compreensão dos gum modo, experimentar o abso- Instituições religiosas — são
ensinamentos éticos quanto a luto, ou Deus. Essa experiência é os grupos de pessoas que se reú-
sua prática. As pessoas que vivem mais claramente reconhecível nem para liderar uma fé. Uma re-
inteiramente de acordo com sua como um estado de consciência ligião pode ter um único líder, à
fé inspiram grande respeito. En- exacerbado — êxtase, transe, frente de uma administração al-
tre a diversidade dos pontos de exaltação ou serenidade — que tamente organizada; pode ainda
vista éticos, sobressaem dois pre- transcende o cotidiano. ser governada menos formalmen-
ceitos. O primeiro é a noção de Religião e doutrina — Os prin- te, ou consistir em várias igrejas
reverência pelo absoluto e o res- cípios básicos de qualquer reli- com líderes locais.
peito pelas intuições morais que gião são as doutrinas, que os
isso pode gerar. O segundo é a crentes são ensinados a compre-
“regra de ouro” ética, comum a ender e aceitar. Entretanto, por
todas as fés: trate os outros como envolverem às vezes conceitos de WILKINSON, Philip. Religiões.
você gostaria de ser tratado. difícil alcance, estão atambém Trad. Maria Luiza de X. de A.
Experiência religiosa — Uma abertas a interpretação, o que por Borges. Rio de Janeiro: Zahar,
ideia comum a todas as religiões si só leva os credos a mudar e a 2011, p. 20; 24; 26; 28-29.
Abordagens diferentes
Embora em geral enfatizem a resposta, mais ou menos como seja, correta (mais ou menos
importância da razão, os filósofos descobrimos a solução para qual- como Sherlock Holmes, mesmo
podem diferir enormemente em quer enigma lógico. Mesmo que quando ainda não pode determi-
sua abordagem das questões fi- você não possa estabelecer a res- nar exatamente quem cometeu
losóficas. O método mais óbvio posta certa, ainda poderia ser ca- um crime, é capaz de dizer que
de aplicar a razão a uma questão paz de mostrar que dada respos- não foi o mordomo). Essa abor-
filosófica é tentar “descobrir” a ta não é, ou é improvável que Continua na próxima página
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dagem “direta” no trato de ques- não há “nada”, entendemos que noção de nada absoluto não faz
tões filosóficas é comum. Mas há não há “nada” ali: há, digamos, sentido, a pergunta tampouco o
alternativas. uma extensão de espaço vazia, faz. Nesse caso, ela não requer
Uma abordagem mais radical assim como quando dizemos uma resposta.
é tentar mostrar que há algo er- “Não há nada nesta caixa”. Mas o Diante de um problema filosó-
rado com a questão. Por exemplo, tipo de “nada” que somos convi- fico aparentemente intratável,
poderíamos abordar a questão dados a conceber ao considerar a sempre vale a pena considerar
“Por que existe alguma coisa em questão “Por que há alguma coi- esse tipo de abordagem alterna-
vez de nada?” e tentar descobrir sa e não nada?” é muito mais ra- tiva.
a resposta. Ou poderíamos ten- dical — envolve a ausência até de
tar mostrar que, embora a per- tempo e espaço. Mas será que LAW, Stephen. Filosofia. Trad. Ma-
gunta pareça fazer sentido, na essa ideia de nada absoluto se- ria Luiza de X. de A. Borges. 3. ed.
realidade não faz. Quando consi- quer faz sentido? Muitos filóso- Rio de Janeiro: Zahar, 2011, p. 19-
deramos uma situação em que fos afirmaram que não. E se a 20.
Habilidades de pensamento
Há mais uma razão por que nais, razão por que muitas em- filosófico e crítico pode contribuir
pensar filosoficamente pode ser presas atribuem grande valor à para nos tornar menos vulnerá-
um exercício valioso: a atividade qualificação acadêmica em filoso- veis.
de filosofar pode ajudar a fomen- fia. De fato, há crescente evidên-
tar importantes habilidades de As habilidades críticas desen- cia de que estimular o debate fi-
pensamento, de que todos neces- volvidas pela filosofia têm ainda losófico coletivo em sala de aula
sitamos se quisermos permane- outros benefícios práticos: aju- pode ter benefícios educacionais
cer sensíveis à verdade. Costu- dam a nos imunizar contra as as- mensuráveis para as crianças,
mam ser habilidades altamente túcias dos políticos e charlatões, aumentando sua inteligência não
transferíveis que nunca ficam ob- dos que negam o Holocausto, dos só intelectual, como social e emo-
soletas. A capacidade de identifi- vendedores de carros de segun- cional. Parece que mesmo uma
car um disparate lógico, evitar pa- da mão e gurus de estilos de vida, pequena exposição à filosofia em
lavreado evasivo, ser relevante, e dos muitos outros tipos de far- tenra idade pode enriquecer pro-
expor uma ideia de maneira clara santes. Há certos erros básicos fundamente a vida.
e precisa etc. são habilidades con- que todos tendemos a cometer ao
venientes, seja qual for a sua ati- ponderar probabilidades e extra- LAW, Stephen. Filosofia. Trad. Ma-
vidade. Certamente elas são, vá- ir conclusões, e mesmo uma pe- ria Luiza de X. de A. Borges. 3. ed.
rias vezes, úteis para profissio- quena exposição ao pensamento Rio de Janeiro: Zahar, 2011, p. 20.