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ALGUNS EMPREGOS DA PALAVRA RELIGIÃO – Ken Wilber- livro: “UM DEUS SOCIAL”-
Capítulo 5
Uma das grandes dificuldades que envolvem a análise da religião - sua sociologia, sua possível
universalidade, suas dimensões "civis" -é que ela não possui um significado único. Na minha
opinião, há pelo menos uma dúzia de significados diferentes, importantes e amplamente
exclusivos, que desafortunadamente nem sempre, ou mesmo em geral, encontram-se
diferenciados na literatura. Indicarei alguns possíveis (e efetivos) empregos da palavra "religião"
e meu parecer sobre o que cada um encerra. Pretendo mostrar que todos os usos são sufi-
cientemente legítimos - somos livres para definir a religião da forma que desejarmos - porém
temos de especificar esse significado.
a religião lida com aspectos válidos porém não-racionais da existência, tais como
fé, graça, transcendência, satori, etc. Para os positivistas, significa que a religião não é
um conhecimento válido; podendo ser "significativa" para os seres humanos de um
modo emocional, embora não represente uma cognição real.
Esse emprego reflete-se em geral no senso comum. A maioria das pessoas diria
intuitivamente que o vodu mágico é um tipo de religião, apesar de primitivo, e que os
deuses míticos são certamente religiosos, embora talvez não muito "sérios". Diriam
também que o que os iogues, santos e sábios fazem é certamente religioso. Mas e a
ciência da racionalidade? Isso não é religioso. Esse uso global afirma que a religião
não se dá tanto em todos os níveis, e sim em níveis particulares e especificamente
naqueles não racionais-científicos em si. Para aqueles a favor da religião, essa
definição implica que a religião é algo com que se pode envolver; para os contra, algo
que se espera superar. Em qualquer dos casos, é não-racional; pertence a uma
dimensão estranha à razão, ou pelo menos aí se origina.
Tal utilização também se reflete no senso comum. Assim mesmo o indivíduo típico
que afirma inicialmente que os mitos, santos, sábios e que tais são religiosos mas a
ciência não em geral, entenderá o que se quer dizer com: "A ciência foi a religião de
Einstein." Os fãs de Jornada nas' Estrelas (Star Trek) dirão: "A lógica é a religião de
Spock." Nesse caso, até as atividades puramente racionais são consideradas
religiosas, porque, na minha opinião, estão, como todos os níveis, à procura do seu
mana específico de fase, e essa busca do mana em qualquer fase, alta ou baixa,
sagrada ou profana é naturalmente compreendida como religião.
Observemos que, embora tanto dr-l como dr-2 representam noções aceitáveis, são
bastante diferentes, quase contraditórias, e a menos que especifiquemos a qual nos
referimos, ocorrerão certos paradoxos e conclusões falsas. Por exemplo, dr-l nega a
religião secular, dr-2 exige-a; dr-l nega a ciência como religião, dr-2 aceita-a (ou a
2
possibilidade). Ambas são aceitáveis, desde que compreendamos que, por trás da
palavra "religião", existem diferentes funções. Com freqüência o senso comum usará
os dois significados sem especificá-Ios, criando assim um pseudo-paradoxo. A pessoa
poderá dizer: "o Sr. Jones não vai à igreja; ele não acredita em religião - o dinheiro é a
sua religião".
Uma crise na autenticidade ocorre sempre que uma visão de mundo (ou religião)
predominante defrontase com desafios de uma outra de nível superior. Isso pode
acontecer em qualquer plano, sempre que um nível novo e mais elevado (ou sênior)
começa a surgir e ganhar legitimidade. A nova perspectiva de mundo encarna um
poder transformativo novo e mais elevado, assim desafiando a antiga, não apenas com
relação à legitimidade mas também quanto à própria autenticidade.
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Quanto às autênticas porém ilegítimas, exemplos não faltam: o budismo mahayana morreu
na Índia não porque seus dogmas eram não-autênticos, pois ainda encarnavam a
prática do nível causal (9-10), mas porque o hinduísmo vedanta, regenerando-se
através de Shankara e alegando uma enraização mais histórica, tornou-se mais
legítimo para os praticantes. Da mesma forma, o Vedanta é uma religião perfeitamente
causal autêntica, mas parece que nunca alcançará ampla legitimidade na América,
com sua classificação girando em tomo de (1-2, 9-10). No Ocidente, de fato, a maioria
dos princípios espirituais esotéricos, não importa quão autênticos, nunca adquiriram
muita legitimidade (como por exemplo Eckart, al-Hallaj, Giordano Bruno, a própria men-
sagem esotérico-causal de Cristo).
Cada um dos nove (ou mais) usos precedentes da palavra "religião" tem seu lugar
adequado - algumas expressões "religiosas"são fixações/regressões, outras
constituem projetos de imortalidade, outras ainda geram mana; algumas são legítimas
e outras autênticas. Porém, devemos ter o cuidado de declarar de modo preciso o uso
a que nos referimos. Caso contrário, declarações como: "o impulso religíO'so é
universal", "todas as religiões são verdadeiras", "a religião é transcendental", "todas as
religiões são uma só nalgum nível profundo" e assim por diante configuram-se, na
melhor das hipóteses, estritamente sem sentido e, na pior, profundamente
enganadoras.