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PORTUGUÊS

9º ANO – AUTO DA BARCA DO INFERNO


RESUMO DE CENAS
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CENA 1

O diálogo entre o Diabo e o seu Companheiro constitui o primeiro momento da ação do auto. O Diabo, eufórico, dá
ordens ao seu companheiro para preparar rapidamente a barca antes de chegarem os passageiros. O Companheiro
executa as ordens recebidas com rapidez e entusiasmo. O ambiente é de festa e o Diabo anseia que tudo esteja
preparado para o embarque das almas e para a partida rumo ao Inferno.

CENA 2 – FIDALGO
O primeiro a embarcar é um Fidalgo que vem acompanhado por um Pajem, que lhe leva o manto e uma
cadeira. O Diabo, mal vê o Fidalgo, diz-lhe para entrar na sua barca. Este dirige a palavra ao Diabo, perguntando-lhe
para onde ia aquela barca. O Diabo responde que o seu destino era o Inferno. O Fidalgo resolve então ser irónico e
diz que as roupas do Diabo pareciam de uma mulher e que sua barca era horrível. O Diabo não gostou da provocação
e disse-lhe que aquela barca era a ideal para tão nobre senhor. O Fidalgo, admirado, diz ao Diabo que deixou quem
rezasse por ele, portanto, o inferno não será a sua paragem, mas acaba por saber que o seu pai também já
encontrara abrigo naquela barca.

O Fidalgo tenta entrar noutra barca e, por isso, resolve dirigir-se à barca do Anjo. Começa por perguntar ao Anjo,
para onde é a viagem e que aquela é a barca que procura, mas é impedido de entrar, devido à sua tirania, pois
aquela barca era demasiado pequena para tão grande fidalgo, ou seja, não havia ali espaço para todas os pecados
que cometera em vida. O Fidalgo demonstra não querer perceber tais verdades e começa a elogiar o Anjo. Mas o
Anjo nem o quer ouvir.

Assim, o Fidalgo, desolado, vai para a barca do Inferno. Porém, e antes disso, pede ao Diabo que o deixe tornar
a ver a sua amada, que se queria matar por ele. O Diabo diz-lhe que a mulher que ele tanto amava o enganava e que
tudo que ela lhe escrevia era mentira. Também a sua esposa dava já graças a Deus por ele ter morrido, o melhor era,
portanto, embarcar logo, pois ainda viria mais gente. O Diabo manda o Pajem, que estava junto ao Fidalgo, ir
embora, pois ainda não era sua hora.

CENA 3 – ONZENEIRO

A segunda personagem a entrar em cena é o Onzeneiro, que viveu a sua vida a amealhar dinheiro à custa dos
outros, emprestando dinheiro com um juro excessivo (11% - onzena). O Diabo quer que ele entre desde logo na sua
barca, mas o Onzeneiro, recusando, dirige-se à barca da Glória. Aqui, o Onzeneiro é expulso pelo Anjo que o acusa
de cobiça e ganância. De facto, o Onzeneiro traz uma bolsa tão grande que quase não cabe na barca, mas diz estar
vazia. Pede ao Diabo que o deixe voltar à terra para ir buscar o dinheiro e o Diabo obriga-o a embarcar. Através
desta personagem, Gil Vicente critica a ganância, a exploração e a cobiça do usurário e denuncia aqueles que fazem
fortunas desonestamente, explorando as necessidades alheias.

CENA 4- PARVO

A terceira personagem a entrar é o Parvo, chamado Joane, que insulta o Diabo, quando este o convida a
entrar na barca. Por ser uma personagem simples e ingénua, que não se pode responsabilizar pelos seus atos, o Anjo
promete levá-lo para o Paraíso e manda-o aguardar no cais. O discurso e o vocabulário insultuoso utilizado pelo
Parvo em relação ao Diabo provocam o riso. Também a sua maneira de ser, ingénua e irresponsável, é jocosa.
Contrariamente às outras personagens, o Parvo não transporta nenhum objeto, o que comprova a sua simplicidade.
Também não é feita nenhuma crítica ao seu comportamento. O Parvo tem, portanto, uma função cómica, ajudando
igualmente a caracterizar as outras personagens, mostrando os seus vícios e pecados.

Ao contrário das outras personagens, o Parvo não traz qualquer elemento distintivo que permita a sua
identificação, dado que não existe malícia nas suas ações.

CENA 5- SAPATEIRO

O Sapateiro, João Antão, é a quarta personagem a apresentar-se no cais, com o seu avental e carregado de
formas de sapatos, que, para além de identificarem a sua profissão, representam os seus pecados.

Como passou a vida a roubar o povo em solas e cabedais, será condenado ao Inferno. Uma vez que se
confessou e comungou, ouviu missas, deu esmolas / pagou promessas e rezou, tenta a salvação junto do Anjo. Este
rejeita-o e, sem alternativa, o Sapateiro entra na barca do Diabo.

O Sapateiro, apesar de executar as práticas do culto religioso, foi desonesto, não seguiu os princípios
religiosos e, por isso, foi castigado. Com esta personagem, o autor quis mostrar que o cumprimento das práticas
religiosas (como ir à missa, comungar ou oferecer donativos à igreja) não é suficiente para a salvação da alma. Assim,
estamos perante uma crítica à hipocrisia, à falsa moral religiosa, e também à desonestidade praticada pelos
pequenos artesãos no seu ofício.

CENA 6 – FRADE

O Frade Babriel é a quinta personagem e entra em cena a cantar, trazendo consigo uma moça, Florença, sua
amante.

Está convencido de que vai para o paraíso e que será perdoado graças à sua condição de frade. Por baixo do
hábito, o Frade traz o traje de esgrimista e faz uma demonstração ao Diabo para mostrar que é um bom praticante
da modalidade. Depois da lição de esgrima, o Frade, acompanhado da amante, dirige-se à barca do Anjo que o
ignora e o reprova de tal forma que nem sequer lhe dirige a palavra.

É o Parvo que denuncia a sua vida de pecado e de libertinagem. Sem mais alternativas, conformado, o Frade
entra com a sua amante na barca do Inferno. Através destes recursos, Gil Vicente tece uma crítica feroz ao Clero.
Temos um frade que gosta dos prazeres mundanos como o canto, a dança, a esgrima e o namoro quando deveria
dedicar-se exclusivamente às práticas religiosas e cumprir os seus votos.

CENA 7 – ALCOVITEIRA

A Alcoviteira Brízida Vaz é a sexta personagem a entrar em cena e, embora tenha vivido da prostituição das
moças, altiva perante o Diabo, acha-se digna de ir para o céu. A Alcoviteira considera-se uma mártir por ter sido
vítima de perseguição por parte da Justiça (açoitada), argumenta que fez “cousas mui divinas”, que “forneceu” as
moças para o clero, orientou-as para arranjarem maridos ou amantes, refere que “converteu” mais moças do que
Santa Úrsula, de forma que se acha meritória do Céu. O discurso argumentativo da Alcoviteira perante o Anjo,
pejado de palavras carinhosas, também não convence. Depois da condenação do Anjo, resignada, Brízida Vaz entra
na barca do Diabo. Mais uma vez, Gil Vicente critica a sociedade em que vive. A existência da profissão imoral de
Brízida Vaz e a sua pertinência na sociedade revela a decadência e a devassidão dos bons costumes no séc. XVI. O
próprio clero, que deveria simbolizar de alguma forma a castidade e os bons costumes, é denunciado.

O sentido da palavra alcoviteira na obra estudada e o que tem atualmente: O sentido da palavra alcoviteira
na obra refere-se àquelas mulheres que exploravam sexualmente outras mulheres levando-as a prostituírem-se.
Atualmente alcoviteira é a mulher que vive a falar mal das outras pessoas, a fazer intrigas.

CENA 8 – JUDEU

A sociedade portuguesa do século XV discriminava as pessoas em função da religião. A maioria cristã


considerava inferiores as minorias como os Judeus e os Mouros. No entanto, a rivalidade existiu sobretudo em
relação ao povo judeu devido à sua superioridade económica e intelectual. A riqueza dos Judeus era cobiçada pelos
cristãos.

A sétima personagem a entrar em cena é um judeu que traz um bode às costas. O Judeu, provavelmente
chamado Semah Fará, dirige-se diretamente à barca do Diabo com o objetivo de comprar a passagem para ele e para
o bode. O Diabo recebe-o com desprezo, ao contrário da satisfação com que recebeu os outros passageiros, e não o
quer deixar entrar na barca. Depois da discussão sobre o embarque do bode, o Parvo denuncia os seus pecados – a
profanação dos templos cristãos e o consumo de carne em dias de jejum. O Diabo acaba por permitir que ambos se
desloquem a reboque da barca - «ireis à toa».

O bode, que esta personagem traz consigo e que representa a sua religião, era usado pelos Judeus na
“cerimónia do bode emissário”, que simbolizava a remoção dos pecados de Israel. Durante a cerimónia, o sacerdote
colocava as mãos sobre o bode (chamado “azazel” ou emissário) e, simbolicamente, transferia para ele os pecados
do povo. O animal era, depois, levado para o deserto, onde não houvesse habitação. Assim, os pecados jamais
seriam relembrados. O bode significa, portanto, a salvação dos pecados, a purificação, o que explica o apego do
Judeu a este animal, mesmo depois da morte.

Com esta personagem, Gil Vicente dá-nos a conhecer como eram vistos os Judeus na sua época. De facto,
eles eram vistos como indivíduos fanáticos pela religião e muito apegados ao dinheiro. O Judeu deste Auto nem
depois de morto questiona a sua religião, nem se aproxima da Barca da Glória e insiste em levar o bode, assim como
em pagar a passagem. O Diabo não fica satisfeito com a presença do Judeu e decide transportá-lo a reboque da
barca, o que reflete a atitude discriminatória dos cristãos da altura.

CENA 9 - PROCURADOR E CORREGEDOR

É habitual considerar-se a entrada do Corregedor e do Procurador como fazendo parte de uma só cena, na
medida em que ambas as personagens pertencem ao mesmo grupo socioprofissional e percorrem o espaço cénico
simultaneamente, apesar de entrarem em momentos diferentes.

O Corregedor chega ao cais carregado de processos jurídicos e com a vara na mão. O Diabo acusa-o de
parcialidade, corrupção e exploração dos mais ingénuos. O Corregedor defende-se, argumentando que um juiz não
pode ser condenado e que era a sua mulher quem recebia os subornos.

Entretanto, o Procurador, carregado de livros, chega também ao cais e encontra o Corregedor, de quem foi
cúmplice na prática fraudulenta da Justiça. Os dois conversam e, enquanto o Procurador admite não se ter
confessado antes de morrer, o Corregedor afirma que o fez, mas omitindo alguns pecados para não ter de devolver o
dinheiro roubado.

Ambos se dirigem à barca da Glória para tentar a salvação e, depois de serem acusados pelo Anjo e
insultados pelo Parvo, veem-se obrigados a embarcar para o Inferno. A cena termina com uma discussão entre o
Corregedor e Brízida Vaz. Algumas das falas do Corregedor e do Procurador estão em latim. O uso desta língua
permite colocar as personagens num nível socioprofissional superior e é uma forma de mostrar a sua presunção e a
sua pretensa erudição. O Diabo e o Parvo também utilizam esta língua, embora de forma macarrónica, o que cria um
efeito cómico.

O Corregedor e o Procurador representam a justiça terrena, de forma que a condenação de ambos permite a
denúncia da corrupção dos magistrados e a crítica à parcialidade por parte de homens cultos e responsáveis pela
justiça humana. Gil Vicente alarga a crítica de corrupção aos Judeus ( «E as peitas dos judeus») e aos escrivães («Irês
ao lago dos cães / e verês os escrivaes / como estão tão prosperados»). Nesta cena temos também uma crítica
explícita à prática hipócrita da religião. O ato de confissão religiosa consiste na responsabilização e arrependimento
sincero do crente pelos seus pecados e na absolvição dos mesmos por parte do confessor. Ora, o sacramento da
confissão do Corregedor não é válido pois este praticou-a de forma falsa e interesseira, sem franqueza, humildade e
verdade.

CENA 10 - ENFORCADO

O Enforcado é a décima personagem a chegar ao cais e a dirigir-se ao batel do Diabo. Este pergunta-lhe o
que disse Garcia Moniz, um possível tesoureiro da Casa da Moeda de Lisboa. Ora, o Enforcado foi convencido por
Garcia Moniz de que a morte na forca era uma forma de purificação dos pecados e que a prisão era o lugar dos
escolhidos, da “santa gente” e por isso acreditou que iria para o Paraíso. Desenganado e desiludido pelo Diabo,
resta-lhe entrar na barca do Inferno. Na cena do Enforcado, Gil Vicente satiriza a tese da salvação da alma e da
purificação dos pecados através da morte na forca.

O Enforcado parece ser mais uma vítima da sua ingenuidade do que propriamente culpado. Como até hoje
não se possuem dados documentais concretos sobre Garcia Moniz, esta cena continua envolta em dúvida.

CENA 11 - QUATRO CAVALEIROS

Quatro Cavaleiros, trazendo a Cruz de Cristo, entram a cantar no cais e dirigem-se à barca da Glória.

Ao passarem à frente da barca do Inferno, o Diabo, confuso com a indiferença dos Cavaleiros, manda-os
entrar na sua barca. Os Cavaleiros, com superioridade, afirmam que quem morre em nome de Jesus Cristo, não entra
na barca do Inferno.

Na sua barca, o Anjo já esperava os mártires da Igreja que refere merecerem “paz eternal”. O Auto termina
com os Cavaleiros a embarcar rumo ao Paraíso.

Na cantiga dos Cavaleiros está condensada a moralidade da peça, isto é, a vida terrena consiste numa
preparação definitiva para a condenação ou salvação depois da morte. Aqueles que vivem conscientes da
transitoriedade da vida e da inevitabilidade da morte, que temem a condenação eterna e trabalham em nome de
Deus, serão salvos. Assim, temos a preparação para a vida eterna como explicação para a vida terrena, segundo a
ideologia católica.

Não se embarca tirania neste batel divinal, Gil Vicente

Tipos de cómico
O cómico é algo que faz rir. Como Gil Vicente trabalhava para a corte, procurando diverti-la, seguia a máxima “a rir,
corrigem-se os costumes”. Assim, nas suas obras recorre a vários tipos de cómico:
AUTO

As peças teatrais de Gil Vicente são chamadas autos porque estão estruturadas num único ato, com cenas
sequenciadas e independentes, rompendo com a “lei das 3 unidades” do teatro clássico - é um teatro medieval e
popular.

OBRA EM VERSO

A obra teatral de Gil Vicente está escrita em poesia, com versos, rimas e métricas. O autor escreve em
“medida velha”, que é a medida poética da Idade Média (redondilhas maiores e menores). É uma obra que reflete o
período de transição da Idade Média para o Renascimento – conhecido literariamente como Humanismo em
Portugal (1418/1527) – e demonstra a passagem dos conceitos teocêntricos para os antropocêntricos.

O teatro de Gil Vicente é essencialmente didático, moralizante: uma arma de combate a favor dos valores
religiosos e morais. Mesmo quando faz rir, ensina: “ridendo castigat mores” (rindo critica os costumes).

O Auto da Barca do Inferno é considerado um auto de moralidade pois é uma crítica à sociedade e serve para
que as pessoas reflitam sobre o que fazem e também sobre as ações praticadas pelos outros.

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