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OS LUSÍADAS DE LUÍS DE CAMÕES

Considerações do Poeta – Plano das reflexões do Poeta: Camões faz algumas intervenções na
narrativa, sobretudo no início e no final dos Cantos, mas são reduzidas.
Estrutura Interna da obra:
Proposição era a primeira parte obrigatória de uma epopeia; funciona como uma apresentação geral da
obra, uma síntese daquilo que o poeta se propõe fazer.
A Invocação era também uma das partes obrigatórias da epopeia.
Por sua vez, a Dedicatória era uma parte facultativa da estrutura da epopeia, mas Camões incluiu-a ao dedicar a
sua obra ao rei D. Sebastião.

 1.ª parte: Proposição — Canto I (estrofes 1 a 3). Nesta parte da estrutura interna, o poeta propõe
apresentar, expor, anunciar, mostrar. O poeta mostra aquilo que pretende ao escrever a epopeia: "Cantando
espalharei por toda a parte". O verbo cantar tem aqui o sinónimo de exaltar, enaltecer ou celebrar. Quem é que o
poeta pretende exaltar? (Lê as estrofes 1 e 2.)
► "As armas e os barões assinalados" — todos aqueles homens que cheios de coragem descobriram, "por mares
nunca dantes navegados", novas terras, indo mais longe do que aquilo que alguém podia esperar de seres não
divinos, "Mais do que prometia a força humana".
► "Daqueles Reis que foram dilatando" — os reis que contribuíram para que a fé cristã se espalhasse por terras
que foram sendo descobertas, alargando assim o Império Português.
► "E aqueles que por obras valerosas — todos os que são dignos de serem recordados pelos feitos heroicos
cometidos em favor da pátria e que por isso nem mesmo a morte os pode votar ao esquecimento, "Se vão da lei
da Morte libertando", pois foram imortalizados.
Na 3.ª estrofe, ainda apresentando a sua intenção, Camões refere alguns heróis que na Antiguidade tiveram
muita fama, como Ulisses, "sábio Grego", o herói da "Odisseia, e Eneias, "Troiano", herói da Eneida, entre outros,
que são agora superados pelos portugueses, pelo "peito ilustre Lusitano". Camões afirma inclusivamente que até
os próprios deuses "Neptuno e Marte" se submeteram à vontade do povo lusitano.
Repara nas formas verbais da 3.ª estrofe, "Cessem", "Cale-se" e "Cesse", que, apesar de estarem no presente
do conjuntivo, transmitem a ideia de ordem (imperativo), revelando a consciência de que os feitos dos outros
heróis até agora venerados não têm comparação com os dos portugueses, que merecem, por isso, ser
dignificados - "Que outro valor mais alto se alevanta".

 2.ª parte: Invocação — Canto I (estrofes 4 a 5) - Invocar significa apelar, pedir, suplicar. Nestas estrofes,
Camões dirige-se às Tágides, as ninfas do Tejo, pedindo-lhes que o ajudem a cantar os feitos dos portugueses,
mas a cantá-los de uma forma sublime: "Dai-me agora um som alto e sublimado/Um estilo grandíloquo e
corrente". O Poeta suplica este auxílio às ninfas, utilizando vários argumentos para as convencer, pois necessita
de inspiração para o seu poema estar à altura da heroicidade do povo português. Ele próprio o diz: "Dai-me igual
canto aos feitos da famosa/Gente vossa, que a Marte tanto ajuda;/Que se espalhe e cante no Universo,/Se tão
sublime preço cabe em verso."
Para invocar as ninfas, Camões utilizou um vocativo. "E vós, Tágides minhas, pois criado". Neste caso o
vocativo encontra-se no meio do verso, logo, surge entre vírgulas. O vocativo associa-se à figura de estilo
apóstrofe.
Se reparaste, a forma verbal "Dai-me" está no modo imperativo e surge repetida três vezes sempre no início do
verso. Trata-se de uma anáfora.
A presença do vocativo, da apóstrofe, da anáfora e dos verbos no modo imperativo contribuem para que na
Invocação se verifique o predomínio da função apelativa da linguagem, que é própria do discurso que pretende
convencer alguém. Ao longo da obra são feitas outras invocações, não só às Tágides, mas também a Calíope, a
musa da História.

3.ª parte: Dedicatória — Canto I (estrofes 6 a 18) - Nessa altura, D. Sebastião era ainda muito jovem e
por isso era visto como a esperança da pátria portuguesa na continuação da dilatação da fé e do império, uma vez
que passados os tempos áureos das descobertas se caminhava em direção a uma crescente degradação de
costumes.
Os primeiros versos da Dedicatória revelam de imediato esta certeza depositada em D. Sebastião: "E vós, ó
bem nascida segurança/Da Lusitana antiga liberdade, /E não menos certíssima esperança/De aumento da
pequena Cristandade". A Dedicatória inicia-se por uma apóstrofe, tal como a Invocação. Logo, o discurso desta
parte de Os Lusíadas será também um discurso argumentativo, cujo objetivo é convencer. Para isso o Poeta
preparou um discurso muito bem organizado, mais extenso em relação à Proposição e à Invocação, onde não só
oferece o seu canto ao rei, como lhe tece muitos elogios, aconselhando-o e, acima de tudo, apelando para que
veja o quão gloriosa foi e poderá ser a nação que governa. É notória a insistência do Poeta em chamar a atenção
do monarca, através dos muitos vocativos, apóstrofes e anáforas a que recorre, reforçando a sua linguagem
apelativa.
O elogio ao rei está presente em toda a Dedicatória, mas é desde logo visível nas três primeiras estrofes,
salientando-se as várias metáforas, como em "Vós, tenro e novo ramo florescente", realçando a jovialidade do rei,
e o aposto, como em "Vós, poderoso Rei, cujo alto Império". Na caracterização de D. Sebastião, há também uma
figura de estilo que surge muitas vezes. Trata-se da sinédoque.
Para além do elogio ao rei, Camões pretende convencê-lo a aceitar o seu canto, por isso recorre a uma
linguagem argumentativa. Há quem considere, inclusivamente, que o discurso da Dedicatória segue a estrutura
própria do género oratório.
Esta estrutura tinha cinco partes:
-exórdio, que correspondia ao início ou introdução do discurso;
-exposição, que era a parte do desenvolvimento;
-confirmação, que era o momento em que se apresentavam vários exemplos para demonstrar o que se tinha
dito;
-peroração, que consistia numa recapitulação de tudo quanto se dissera;
-e o epílogo, que correspondia à conclusão do discurso.
Pela estrutura apresentada compreendes que o género oratório era muito exigente ao nível da linguagem e da
organização. Mas como é que se verifica a presença deste género na Dedicatória? Atenta na seguinte divisão:
• exórdio: início da Dedicatória em tom de elogio ao rei (estrofes 6 a 8).
• exposição: o Poeta pede ao rei que aceite o canto que lhe é dedicado para que nele possa ver os gloriosos feitos
do seu povo (estrofes 9 a 11).
• confirmação: Camões apresenta vários exemplos de heróis da História de Portugal, demonstrando aquilo que
anunciara (estrofes 12 a 14).
• peroração: novamente se apela ao rei para que aceite o desafio de governar bem a sua pátria (estrofes 15 a 17).
• epílogo: Camões conclui, pedindo ao rei o seu favor, a sua aceitação desta obra (estrofe 18).
Assim, e em conclusão, pela necessidade de um discurso que convença D. Sebastião, Camões recorreu à
linguagem apelativa através de numerosos vocativos e apóstrofes e do uso frequente do modo imperativo
("Inclinai", "Ponde", "Ouvi"), que surge repetido ("Tomai", "Dai") sempre na segunda pessoa do plural ("Vós") que
é uma forma de tratar alguém com cerimónia, neste caso o rei. A utilização tão frequente do vocativo e do
imperativo revela uma chamada de atenção constante do destinatário desta Dedicatória para o que o poema vai
celebrar.
Daí que, no final do Canto X, nas últimas estrofes, na conclusão da obra, o Poeta retome a Dedicatória,
voltando a interpelar o rei, pedindo-lhe que atenda ao canto que foi feito e que, agora, melhor do que nunca,
conhecedor da história gloriosa do povo lusitano, julgue se é preferível dominar o mundo todo ou ser rei de gente
tão grandiosa, como lhe havia já perguntado na Dedicatória: "E julgareis qual é mais excelente,/Se ser do mundo
Rei, se de tal gente." (Canto I , estrofe 10).
Com a Narração inicia-se o desenvolvimento do assunto da obra, que vai desde a estrofe 19 do Canto I até à
estrofe 144 do Canto X. Ainda nesta parte está a conclusão do poema épico que se encontra nas últimas onze
estrofes, desde a estrofe 145 à 156 do Canto X.

 4.ª parte: Narração — Canto I (estrofe 19 até ao fim) - plano da viagem - Depois de apresentar o
destinatário da sua obra, o rei D. Sebastião, Camões assume o papel de narrador, não participante, mas
omnisciente e subjetivo, relatando, a partir da estrofe 19 do Canto I, a viagem de descoberta do caminho
marítimo para a Índia pelos navegadores portugueses, liderados por Vasco da Gama. Esta é a ação central ou
principal de Os Lusíadas, que começa, tal como era exigido no modelo clássico da epopeia, in medias res isto é,
com a viagem numa fase já adiantada. Os navegadores portugueses encontravam-se já no meio do oceano Índico,
"Já no largo Oceano navegavam" , e até esse momento tinham feito um percurso já conhecido. Daí para a frente
era o verdadeiro caminho da descoberta.
Nesta estrofe dá-se também ênfase ao plano da viagem. Há vários substantivos que se relacionam com
navegação: "Oceano", "ondas", "ventos", "naus", "velas", "escuma", "mares", "proas", "águas", constituindo
assim campo lexical, um conjunto de palavras que fazem parte da mesma área da realidade. Atenta também na
caracterização que é feita desses elementos, destacando:
• a anteposição do adjetivo em "largo Oceano", "inquietas ondas", "branca escuma" e "marítimas águas" ,
enfatizando as qualidades dos elementos;
• a utilização do advérbio de modo "brandamente", contribuindo para a criação de uma atmosfera de
tranquilidade;
• o recurso ao pretérito imperfeito "navegavam", "respiravam", que apresenta o aspeto verbal de continuidade
da ação, reforçado pelo uso da conjugação perifrástica "vão cortando" e do gerúndio "apartando", "inchando" .

►O Consílio dos Deuses — Canto I (estrofes 20 a 41) - plano Mitológico - A ideia introduzida na
estrofe 19 não é terminada no último verso. Ela é continuada na estrofe 20. Por isso se utilizou a construção "Já...
Quando...", transmitindo a ideia de ligação temporal entre as duas estrofes: os navegadores portugueses já
navegavam no oceano Índico, quando os deuses se reuniram no Olimpo para decidirem se permitiam ou não
que os portugueses encontrassem um lugar onde pudessem descansar e recuperar novas forças para enfrentar
a viagem no desconhecido. A ligação entre as duas estrofes não é meramente sintática, mas revela que a viagem
de descoberta do caminho marítimo para a Índia depende do parecer favorável dos deuses, da sua vontade
perante estes humanos tão decididos. Logo, interligam-se também aqui o plano da viagem e o plano mitológico
e esta associação está presente em toda a Narração. Os deuses, ao dificultarem ou facilitarem a viagem dos
portugueses, permitem que a ação se desenvolva. O plano mitológico era fundamental numa epopeia, mas nesta
obra os deuses não têm apenas a função de embelezar a ação, eles são elementos geradores (provocadores) da
própria ação.
Depois de caracterizado o espaço onde se vão reunir os deuses, o Consílio inicia-se com o discurso de Júpiter,
o pai dos deuses (estrofes 24 a 29) que, após apresentar alguns feitos heroicos do povo português, se refere
concretamente ao novo feito que os navegadores pretendiam alcançar e que o destino, o "Fado eterno" , como
lhe chama Júpiter, lhes tinha reservado. A descrição que Júpiter faz da Nação portuguesa permite a exaltação
deste povo, capaz de atos tão grandiosos. Júpiter determina, então, que os navegadores sejam "agasalhados" na
costa africana, quer dizer, que possam descansar em lugar seguro. O discurso de Júpiter é apresentado através do
discurso direto.
Repara no exemplo: "Quando Júpiter alto, assim dizendo,/Cum tom de voz começa, grave e horrendo:". O
Poeta indicou a personagem que ia falar, utilizando para isso um verbo declarativo "dizendo" , os dois pontos e
a mudança de verso para iniciar o discurso de Júpiter: "Eternos moradores do luzente...".
Depois de apresentada a decisão de Júpiter, os deuses vão dando a sua opinião (estrofes 30 a 34), destacando-
se a de Baco, que é contra os portugueses, pois considera que eles se tornarão superiores a si no Oriente, e a de
Vénus, que defende com amor os portugueses. As suas opiniões não são, no entanto, transmitidas em discurso
direto, mas sim em discurso indireto.
Repara também no exemplo: "O padre Baco ali não consentia/No que Júpiter disse, conhecendo...". Neste
exemplo, não foi Baco que transmitiu a sua opinião, mas sim o Poeta que a deu a conhecer.
Há ainda uma terceira forma de discurso que não surge neste caso, mas que deves conhecer, o chamado
discurso indireto livre.
Apesar de não haver nenhum caso de discurso indireto livre no texto, imagina este exemplo: Entre os deuses,
Baco dava a sua opinião. Não consentia! Então, os portugueses iam tornar-se mais famosos do que ele no
Oriente? Nem pensar em perder a sua glória!
Se leres a estrofe 35, apercebes-te que a confusão gerada entre os deuses foi grande, até os próprios verbos
sugerem essa confusão: "rompendo", "Brama", "murmura", "Rompem-se", "ferve". O tom utilizado nesta estrofe
é hiperbólico, há um exagero intencional da realidade para enfatizar a confusão. É nesse momento que Marte, o
deus da guerra, colocando fim à questão "E, dando uma pancada penetrante" que até fez tremer o céu
(hipérbole) , apresenta a sua opinião favorável aos portugueses (estrofes 36 a 40), pelo seu amor a Vénus ou por
verdadeira admiração destes homens, aconselhando Júpiter a não voltar atrás na sua decisão, que, assim, acaba
por consentir no que Marte dissera e terminar o Consílio.
Quando um grupo de pessoas se reúnem para deliberar sobre alguma coisa, como foi o caso do Consílio dos
deuses, é necessário redigir uma ata dessa reunião. A palavra Ata teve a sua origem na língua latina e significa
"feitos".
Aquilo que se escreve numa ata deve ser inteiramente fiel ao que na realidade se passou na reunião, não se
podem inventar ou exagerar factos. Também não se pode, no caso de haver um engano, apagar ou rasurar o
texto. Deve-se escrever entre vírgulas "digo" e corrigir a informação errada que se deu. Imagina o seguinte
exemplo: Marte, digo, Júpiter presidiu o Consílio dos deuses.
Sempre que tiveres necessidade de escrever números na ata, deves fazê-lo por extenso, mesmo a data deve
ser totalmente em extenso, como, por exemplo: Aos vinte e quatro dias do mês de novembro de mil novecentos
e noventa e nove...
Para que ninguém altere nada do que foi escrito, todos os espaços em branco da ata devem ser trancados com
um traço. A linguagem a utilizar deve ser muito clara e objetiva e não se deve recorrer a siglas ou abreviaturas
para se escrever mais rapidamente.
Uma ata tem um número próprio que a abre e deve seguir a seguinte estrutura:
• introdução — onde se deve indicar a data de realização da reunião, o local e a hora, quem presidiu à reunião, o
número de pessoas que estiveram presentes e a identificação das que faltaram e ainda a ordem de trabalhos a
tratar.
• desenvolvimento — onde são referidos os assuntos tratados, as várias intervenções das pessoas presentes, as
decisões que foram tomadas, bem como os resultados de uma votação, se for realizada.
• encerramento — onde se termina a ata com uma fórmula própria que indique o encerramento da reunião por
não haver mais nenhum assunto a tratar, a que se segue a assinatura do presidente da reunião e do secretário
que lavrou a ata.
Quando tiveres de assinar uma ata, não o faças sem ler ou ouvir ler o que nela foi escrito. Uma ata é sempre
um documento de grande responsabilidade.

►A paragem em Melinde – Plano da Viagem


Tal como os deuses tinham decidido em Consílio, a armada portuguesa encontra um lugar para descansar
(Canto II, estrofe 73), na costa africana, em Melinde, onde os navegadores são muito bem acolhidos por toda a
gente, em especial pelo rei que já tinha conhecimento da fama dos portugueses. O rei revela a Vasco da Gama
a sua vontade de conhecer melhor o povo lusíada e pede que este lhe conte tudo sobre a sua pátria (Canto II,
estrofes 109 a 113).
É por isso que o Canto III abre com uma nova invocação, desta vez a Calíope, musa da epopeia e da eloquência,
a quem o Poeta pede que o ensine a narrar com exatidão aquilo que Vasco da Gama contou ao rei de Melinde.
A partir da terceira estrofe deste canto, há uma mudança de narrador da ação, pois deixa de ser o Poeta,
narrador não participante, para ser Vasco da Gama, um narrador autodiegético. Vasco da Gama revela nas suas
palavras o prazer que tem em contar ao rei a história do seu povo (Plano da História de Portugal):
"Mandas-me, ó Rei, que conte declarando/De minha gente a grão genealogia;/Não me mandas contar estranha
história,/Mas mandas-me louvar dos meus a glória." Vasco da Gama torna-se narrador, aquele que conta, e
o rei de Melinde, narratário, aquele a quem a história é narrada.
E é assim que Vasco da Gama inicia a narração da História de Portugal, através de uma longa analepse, desde a
fundação da nacionalidade até ao momento da viagem, dando-se lugar na ação a um outro plano diferente do
da viagem e da mitologia, o plano da história de Portugal.
Dentro da narração da História de Portugal ao rei de Melinde surge o episódio da morte de Inês de Castro.

► A morte de Inês de Castro — Canto III (estrofes 118 a 135) - Plano da História de Portugal
Inês de Castro, uma jovem castelhana de alta linhagem, era dama de D. Constança, esposa de D. Pedro. Este
apaixonou-se por D. Inês e tornaram-se amantes. D. Inês foi afastada de Portugal, mas depois da morte de D.
Constança, D. Pedro trouxe-a novamente e deste relacionamento nasceram quatro filhos. O pai de D. Pedro, o rei
D. Afonso IV, e os seus conselheiros aperceberam-se que a ligação do futuro monarca com D. Inês poderia
trazer graves consequências para a coroa portuguesa pela forte influência castelhana. Por isso, ouvido o
Conselho, D. Afonso IV condenou D. Inês à morte: era necessário eliminá-la para salvar o Estado. Quando D.
Inês teve conhecimento da decisão do rei, implorou-lhe misericórdia, apresentando como argumento os seus
quatro filhos, netos do monarca. O rei apiedou-se de D. Inês, mas o interesse do Estado foi mais forte e D. Inês foi
assassinada em 1355. Só depois do assassinato é que D. Pedro soube do sucedido, jurando vingança aos homens
que mataram D. Inês.

Este episódio é considerado um episódio lírico pela importância dada ao tema do amor, pela forma como
esse sentimento é vivido, e tornou-se num dos casos mais conhecidos no mundo e numa das histórias mais
celebradas.
Para uma mais fácil compreensão do episódio, podemos dividi-lo em três partes:
-Introdução (estrofes 118 a 119)
• Vasco da Gama anuncia que a história que se segue na narração era "O caso triste e digno de
memória", cujo responsável é somente o Amor: "Tu, só tu, puro Amor, com força crua" - este verso
apresenta uma apóstrofe do amor que surge personificado.

-Desenvolvimento (estrofes 120 a 130)


• As estrofes 120, 121 e até ao 4.° verso da estrofe 122 apresentam um quadro de tranquilidade e de
alegria. Inês de Castro é caracterizada como "linda Inês", recordando os bons momentos, "memórias de
alegria", que passara com o seu príncipe. No entanto, no 3.° e 4.° versos da estrofe 120, "naquele engano
de alma, ledo e cego,/Que a fortuna não deixa durar muito," / é já anunciada uma certa atmosfera de
fatalidade.
• No 6.° verso da estrofe 122 é indicado o oponente ao amor de Pedro e Inês, o rei D. Afonso IV,
caracterizado como "O velho pai sesudo" que determina matar D. Inês: "Tirar Inês ao mundo determina"
(estrofe 123). Repara nas palavras utilizadas para referir a sentença do rei; Vasco da Gama poderia ter dito
que o rei mandou matar Inês, mas essa seria uma forma muito drástica de anunciar a morte da dama, por
isso diz "Tirar Inês ao mundo". A este recurso linguístico dá-se o nome de eufemismo.
• A estrofe 124 mostra já o dia fatal em que a sentença será executada. D. Inês é trazida pelos
"horríficos algozes" à presença do rei, que por ela sente piedade. Salienta-se a adjetivação anteposta na
caracterização dos homens que vão executar Inês, realçando a sua falta de escrúpulos e de piedade, em
oposição ao carácter do rei.
• Diante do rei, D. Inês, rodeada pelos seus filhos, apela para que ele tenha piedade dela e não a mate
(estrofes 125 a 129). Inês não pede apenas que o rei seja justo, mas implora-lhe misericórdia: "A morte
sabes dar com fogo e ferro/Sabe também dar a vida, com clemência" (estrofe 128, vv. 2 e 3). Há duas ideias
que se contrapõem: a morte e a vida. Trata-se de uma antítese, que tem como valor expressivo realçar a
soberania do rei ao decidir sobre a morte ou a vida de uma pessoa. No discurso que profere, Inês de Castro
revela enorme coragem que se contrapõe com a fragilidade, que inicialmente apresenta.
• Depois de ouvir o discurso de D. Inês, o rei sente-se arrependido da sua decisão e "Queria perdoar-
lhe" (estrofe 130), mas o povo não permitiu: "Mas o pertinaz povo e seu destino".

-Conclusão (estrofes 133 a 135)


• Inês de Castro é morta pelos "brutos matadores" (mais uma vez a anteposição do adjetivo a
caracterizar os algozes).
• Nas estrofes 133 a 135 que ainda integram o episódio, o narrador tece alguns comentários ao
assassínio cometido, dos quais se realça a referência à Natureza que, personificada, participa deste
sofrimento, refletindo a morte de Inês, que, agora em oposição ao quadro inicialmente apresentado, "Tal
está, morta, a pálida donzela" (estrofe 134).

É chegado o momento de Vasco da Gama narrar ao rei de Melinde a partida da armada para a viagem de
descoberta do caminho marítimo para a Índia – Plano da História de Portugal/Plano da Viagem.
► Despedidas em Belém — Canto IV (estrofes 84 a 93)
Esta parte da ação só agora é narrada em analepse, através da retrospetiva que o narrador faz, visto ser
obrigatório que a narração se iniciasse in medias res.
Nas estrofes 84 e 85 é descrito o ambiente festivo que se vivia no dia da partida, contrapondo-se aos
momentos apresentados nas estrofes seguintes quando os navegadores, preparando-se para a viagem
("Aparelhámos a alma para a morte"), imploram o favor divino e escutam os lamentos e o choro das muitas
pessoas que acorreram à praia (estrofes 88 a 92), e até da própria Natureza que participa destes sofrimentos
(estrofe 92). Dentre essas muitas pessoas, destaca-se a figura de uma mãe (estrofe 90) e de uma esposa (estrofe
91), que, transmitindo a dor de todas as outras, revelam a sua tristeza pela incerteza do regresso dos seus
familiares. O discurso de ambas apresenta várias interrogações. São as chamadas interrogações retóricas, para as
quais não se espera uma resposta direta, mas pretende-se realçar, neste caso, os sentimentos de dúvida e
aflição destas pessoas.
Mas o propósito de partir era firme, por isso Vasco da Gama diz ao rei de Melinde que, apesar de "Cheio
dentro de dúvida e receio" (estrofe 87), embarcaram "Sem o despedimento costumado" (estrofe 93) antes que se
arrependessem. É notória nesta estrofe a emotividade do capitão, que revela também a sua experiência vivida.
A partida fez-se da praia de Belém, "Que o nome tem da terra, para exemplo, /Donde Deus foi em carne ao
mundo dado." Esta perífrase poderia substituir-se por uma simples palavra, Belém, mas perder-se-ia toda a
beleza da comparação entre o lugar onde Cristo nasceu e o lugar de onde partiram as naus portuguesas.
Ainda antes de partir, os navegadores vão escutar o discurso do velho do Restelo, um episódio
simbólico, no qual é apresentada a perspetiva de oposição aos Descobrimentos. A narração da partida só se
efetua na 1.ª estrofe do Canto V.
Já no meio da viagem, os portugueses encontram-se face a face com o maior dos perigos e dos medos: o
gigante Adamastor. Vasco da Gama narra também este episódio ao rei de Melinde, revelando toda a sua
experiência e sentimentos (narrativa principal).

► Adamastor — Canto V (estrofes 37 a 60) – Plano da Viagem


Antes de mais, é importante considerar que se trata de um episódio simbólico. O Adamastor é o
símbolo dos perigos e das dificuldades que se apresentam ao Homem que sente o
impulso de conhecer, de descobrir. Só superando o medo, o Homem poderá vencer
(Humanismo). O Adamastor é, portanto, uma figura mitológica criada por Camões
como forma de concentrar todos os perigos e dificuldades a transpor pelos
portugueses.
Não é por acaso que o episódio do Adamastor ocupa o lugar central no poema épico. O Canto V marca o
meio da obra e é com ele que termina o primeiro ciclo épico da narração . O Adamastor marca também a
passagem do mundo conhecido para o desconhecido, a passagem do Ocidente para o Oriente.
A viagem decorria calmamente quando, de repente, surge a figura gigantesca e tremenda do Adamastor. Há
um grande contraste entre a atmosfera amena em que decorria a viagem inicialmente, apresentada na estrofe
37, e o terror que logo de seguida é apresentado, levando o capitão a invocar a proteção divina para os
momentos que se iam seguir.
Nas estrofes 39 e 40, é feita a descrição do gigante, realçando-se sobretudo a adjetivação utilizada:
figura "robusta e válida,/De disforme e grandíssima estatura", "rosto carregado", "barba esquálida", "olhos
encovados", "postura/medonha e má e a cor terrena e pálida", "Cheios de terra e crespos os cabelos", "boca
negra", "dentes amarelos,/tom de voz" horrendo e grosso", e por esta descrição pode compreender-se a
razão do medo dos navegadores.
Como se isso não bastasse, este gigante ainda profetiza, a partir da estrofe 41, num discurso assustador,
graves perigos e mortes para os navegadores. Uma profecia diz respeito a um acontecimento futuro.
O gigante começa por se dirigir aos navegadores com uma apóstrofe "Ó gente ousada", revelando
conhecer bem a coragem daqueles a quem se dirige, procurando intimidá-los com o seu discurso
ameaçador e castigador, levando-os a desanimar e a desistir da viagem.
Mas, na estrofe 49, Vasco da Gama dá mais uma prova da ousadia desta gente lusitana, mesmo mediante as
trágicas profecias, dirigindo-se ao gigante e perguntando-lhe quem era. Esta simples pergunta "Quem és tu?"
provoca uma brutal mudança na intenção, na postura e até no tom de voz do Adamastor que, da estrofe 50 à
estrofe 59, narra a história da sua vida, fazendo a sua triste biografia, fruto de um amor frustrado, que vai
dando conta de uma forma lastimosa e magoada, comovendo-se e até chorando (narrativa secundária).
Com esta história, o Adamastor retira-se, tal como tinha surgido, deixando o caminho livre para os
navegadores passarem (estrofe 60), e Vasco da Gama intercede pela sua vida e a dos marinheiros dirigindo-se a
Deus, pedindo-lhe que fossem guardados dos males anunciados pelo gigante: "A Deus pedi que removesse os
duros/Casos, que Adamastor contou futuros." Este adjetivo "futuros" refere-se a "casos", mas como podes
verificar está bastante afastado desse substantivo. Esse afastamento tem o nome de hipérbato.
A ousadia de Vasco da Gama abriu a passagem para a Índia. O medo estava vencido. E aquele "cabo de
tormentas" passou a designar-se cabo da Boa Esperança. Depois de relatar este episódio, Vasco da Gama
termina a narração ao rei de Melinde. Agora é o momento de prosseguir viagem e continuar a fazer História.
Dentro já do segundo ciclo épico, surge este episódio naturalista, por envolver elementos da Natureza, e é a
última grande dificuldade que surge aos navegadores antes da chegada à Índia.
► Tempestade — Canto VI (estrofes 70 a 91) - Plano da Viagem
Baco, não superando a ideia de os portugueses se tornarem iguais ou superiores aos deuses, reúne os deuses
do mar para um novo consílio onde procura destruir os navegadores antes da conquista do Oriente. Dando razão
a Baco, os deuses marinhos decidem ajudá-lo, ordenando a Éolo, deus do vento, que origine a tempestade
marítima que acabe com os portugueses: "Solte as fúrias dos ventos repugnantes,/Que não haja no mar mais
navegantes!" (estrofe 35). Por aqui podes comprovar de novo o entrelaçar dos dois planos narrativos: o da
viagem e o mitológico.
A tempestade é, por isso, mais uma tentativa de destruição da glória dos portugueses, mas em que, como em
todas as outras, se assistirá à vitória dos humanos sobre todos os elementos que os afligem.

Este episódio pode ser dividido em três partes:


• o desenrolar da tempestade (estrofes 70 a 79);
• a súplica do Gama por proteção divina (estrofes 80 a 84);
• a intervenção de Vénus e das ninfas (estrofes 85 a 91).

Na descrição da tempestade há a realçar:


• a abundância de frases de tipo exclamativo, reforçando os sentimentos de aflição dos navegadores e a
necessidade urgente de agir: "Amaina (disse) amaina a grande vela!", "À bomba, que nos imos alagando!";
• o recurso aos verbos de movimento que fazem desta descrição uma descrição dinâmica, impondo um ritmo
muito acelerado, quer na progressão da tempestade, quer na aproximação iminente da morte: "Amaina", "Alija"
"Correm", "subiam", "desciam", "derribaram", "arrancaram";
• a presença da sinestesia sugerida nas várias sensações apresentadas: visuais "Daquela nuvem negra que
aparece."; auditivas - "O céu fere com gritos nisto a gente"; e, sobretudo, cinéticas (movimento) - "Correm logo os
soldados animosos/a dar à bomba...".
O clímax desta descrição é atingido quando, diante da perspetiva de naufrágio, Vasco da Gama, em nome de
todos os marinheiros, e vendo que, tão perto de atingirem o seu objetivo, iam perecer, suplica novamente a
proteção divina "Divina Guarda, Angélica, celeste", utilizando no seu discurso argumentos poderosos que se
prendem sobretudo com a dilatação da fé cristã. É Vénus que, confirmando a sua admiração pelos portugueses,
surge juntamente com as suas ninfas para salvá-los das obras de Baco.

► A chegada dos Portugueses à Índia —Canto VI (a partir da estrofe 92)


Vencidos todos os medos e perigos, os portugueses avistam finalmente a terra desejada, a Índia. A sua luta é
coroada de êxito e de vitória. Por isso, na viagem de regresso eles vão ser premiados com a Ilha dos Amores
(Canto IX), preparada por Vénus, onde recebem a recompensa pela sua coragem.
No último canto, os portugueses conhecem profecias feitas por Tétis, favoráveis a novas descobertas.
Finalmente, os navegadores regressam à pátria, onde poderão contar os seus feitos.
Antes de terminar o poema, Camões dá conta da sociedade vil em que está inserido, sabendo que nunca será
reconhecido pelos seus contemporâneos, e volta a apelar ao rei D. Sebastião para que, olhando para estes feitos
relatados, faça da sua nação novamente uma nação gloriosa, colocando-se à disposição do rei quer nas armas,
combatendo se necessário fosse, quer nas letras, estando pronto a celebrar novos feitos da pátria.

No mito da Ilha dos Amores é relatada a vontade da deusa Vénus em premiar os heróis lusitanos, com um
merecido descanso e com prazeres divinos, numa ilha paradisíaca, no meio do oceano, a Ilha dos Amores.

► Ilha dos amores — Canto X (estrofes 75 a 84)


Tal como planeado por Vénus e Cupido, a Ilha dos Amores recebe os bravos navegadores portugueses. Um
desses navegadores é Lionardo, soldado corajoso e com boa presença. Mas, apesar de namoradeiro, Lionardo não
tinha sorte ao amor (estrofe 75).
Efire, uma bela ninfa, chama a atenção de Lionardo. E, tal como os seus companheiros corriam atrás de outras
ninfas, Lionardo tenta alcançá-la. Contudo, o seu esforço parece ser em vão, pois a ninfa foge mais do que as
outras (estrofe 77).
O marinheiro pede a Efire que pare de fugir e que, rendendo-se, acabe com a má sorte que o acompanha
(estrofe 79). Lionardo não desiste. Apaixonado, tenta seduzir a ninfa com as suas palavras (estrofe 80).
Efire deixa-se seduzir pelas doces palavras de Lionardo e rende-se (estrofe 82).
No final do episódio, celebra-se a união entre as ninfas e os portugueses — os heróis que Vénus decidiu
premiar com a Ilha dos Amores (estrofe 84). Chega a hora de sair da Ilha dos Amores e voltar a Portugal. Depois,
Camões faz as considerações finais da obra.
► Despedida da ilha — Canto X (estrofes 142 a 143)
Chegou a hora da despedida e do regresso a Portugal. A deusa Tethys explica a Vasco da Gama que o encontro
que tiveram foi uma recompensa pelos imensos esforços que fizeram durante a viagem (estrofe 142). Os nautas
partem agora com destino a Portugal levando na memória as ninfas…( a sua companhia há de ser… para
sempre…) (estrofe 143).
► Regresso a Portugal— Canto X (estrofes 144 a 156)
A viagem corre tranquilamente até que, finalmente, a nau de Vasco da Gama alcança Lisboa… a aventura
termina e com ela termina também a epopeia de Camões (estrofe 144).
O poeta despede-se revelando o seu desagrado perante a desvalorização da sua obra épica e o cansaço de
cantar as glórias do seu povo sem que a sua mensagem seja ouvida (estrofe 145). Humilde nas suas palavras, ele
exprime o valor do seu trabalho e da sua cultura e tenta alertar o rei para o mérito dos seus súbditos,
comparativamente com povos de outros reinos (estrofe 146 e 154). Camões aproveita ainda para reforçar a
dedicatória ao rei D. Sebastião e oferecer os seus serviços, quer seja para o servir na guerra ou para cantar os
seus feitos futuros (estrofe 155).
O poeta acredita que o rei vai conquistar as terras do norte de África e será ele próprio, Luís Vaz de Camões, a
cantar os seus feitos por todo o mundo (estrofe 156).

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