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10º Ano O problema da organização de uma sociedade justa.

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A TEORIA DA JUSTIÇA DE JOHN RAWLS

Problematização: o que é uma sociedade justa? Imaginemos uma sociedade em que a


grande maioria é pobre, mas em que existe um pequeno grupo de pessoas extremamente ricas. Será
uma sociedade justa? Imaginemos agora uma sociedade em que todas as pessoas usufruem da
mesma riqueza. Uma sociedade deste tipo será forçosamente justa? Este é o problema da justiça
social.
Para respondermos às questões apresentadas temos de saber o que é uma sociedade justa.
Temos de identificar os princípios da justiça corretos.

A TEORIA DE RAWLS

A posição original.
Rawls sugere que para encontrarmos os princípios da justiça corretos, devemos fazer uma
experiência mental. Imaginemos que cada um dos membros de uma sociedade, sabendo
perfeitamente qual o seu estatuto social e quais os seus talentos naturais, propusessem determinados
princípios de justiça. É certo que não haveria acordo. Por exemplo, os mais ricos tenderiam a
opor-se a princípios que os forçassem a pagar mais impostos, para benefício dos mais pobres. Os
mais talentosos favoreceriam uma sociedade que premiasse os seus talentos.
Segundo Rawls, temos de imaginar uma situação em que os membros de uma
sociedade sejam levados a avaliar princípios da justiça sem se favorecerem indevidamente.
Temos de avaliar os princípios da justiça de modo imparcial.
Rawls designa esta situação imaginária por posição original. As pessoas, na posição
original, estão sob um véu de ignorância: sofrem uma espécie de amnésia que as faz desconhecer
quem são na sociedade e quais são as suas peculiaridades individuais. As pessoas, na posição
original, são forçadas a avaliar os princípios da justiça com imparcialidade. As pessoas
desconhecem o seu projeto de vida, não sabem o que querem fazer na vida, mas estão interessadas
em escolher o melhor para si. Têm interesse em obter bens primários, ou seja, coisas que sejam
valiosas seja qual for o seu projeto de vida. A liberdade, as oportunidades e a riqueza são
exemplos de bens primários.

Os princípios da justiça.
Os princípios da justiça corretos são aqueles que seriam escolhidos na posição original. Os
membros da sociedade, estando sob o véu de ignorância, ficam numa situação equitativa. Que
princípios são esses?

1. Princípio da Liberdade:
Cada pessoa deve ter um direito igual ao mais amplo sistema total de liberdades básicas iguais
que seja compatível com um sistema semelhante de liberdades para todos.

2. As desigualdades económicas e sociais devem ser distribuídas de forma que,


simultaneamente:
A. Redundem nos maiores benefícios para os menos beneficiados (princípio da diferença).

B. Sejam a consequência do exercício de cargos e funções abertos a todos em circunstâncias de


igualdade equitativa de oportunidades (princípio da oportunidade justa).

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10º Ano O problema da organização de uma sociedade justa.


10º Ano O problema da organização de uma sociedade justa.
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Explicitação dos princípios da justiça de Rawls

Princípio da liberdade
O princípio da liberdade tem prioridade sobre os restantes. Diz-nos que numa sociedade
justa todos beneficiam das mesmas liberdades básicas. Entre estas, Rawls inclui a liberdade
política (direito de votar e concorrer a cargos públicos), liberdade de expressão e de reunião,
liberdade de pensamento e ainda as “liberdades de pessoa”, (que proíbem a agressão e a prisão
arbitrária). Por exemplo, a escravatura é incompatível com uma liberdade igual para todos.
Não se pode violar as liberdades básicas de modo a alcançar vantagens económicas e
sociais. No entanto, nenhuma das liberdades básicas é absoluta. Por exemplo, em algumas
circunstâncias pode justificar-se limitar a liberdade de expressão, proibindo, suponhamos, a
difusão de ideais políticos e religiosos extremamente intolerantes.

Princípio da oportunidade justa – (segundo princípio B)


Segundo este princípio, as desigualdades na distribuição da riqueza são aceitáveis apenas na
medida em que resultam de uma igualdade de oportunidades.
Exemplo: se numa sociedade há grandes desigualdades que se devem, por exemplo, ao facto
de os mais pobres não terem acesso à educação, então essa sociedade não é justa. Para garantir uma
efetiva igualdade de oportunidades, o governo deve providenciar, entre outras coisas, iguais
oportunidades de educação para todos.

Princípio da diferença – (segundo princípio A)


Este princípio favorece uma distribuição equitativa da riqueza. No entanto, este princípio
não afirma que a riqueza deve estar distribuída equitativamente. Se as desigualdades na distribuição
acabarem por beneficiar todos, especialmente os mais desfavorecidos, então justificam-se.
Exemplo: imaginemos duas sociedades.
1ª Sociedade: todos têm a mesma riqueza, mas todos são muito pobres.

2ª Sociedade: há desigualdades na distribuição da riqueza, mas essas desigualdades acabam


por beneficiar todos, de tal modo que nem os mais desfavorecidos são muito pobres.

Segundo o princípio da diferença, a 2ª sociedade, apesar das desigualdades, é mais justa que
a primeira.
Conclusão: dado que o princípio da liberdade tem prioridade sobre os outros dois,
numa sociedade justa não se promove a igualdade de oportunidades ou a distribuição da
riqueza à custa do sacrifício das liberdades básicas.

PRINCÍPIO MAXIMIN
Na posição original, as escolhas obedecem ao princípio maximin. Segundo este princípio,
se não sabemos quais serão os resultados de cada uma das opções que se nos colocam, é racional
jogar pelo seguro, fazendo a escolha como se o pior nos fosse acontecer.
Princípio maximin: entre as alternativas disponíveis, devemos escolher aquela que tenha o
melhor pior resultado possível.

Pior resultado possível Melhor resultado possível


OPÇÃO A Pobreza extrema Riqueza extrema
OPÇÃO B Pobreza acentuada Riqueza acentuada
OPÇÃO C Pobreza moderada Riqueza moderada
A escolha mais racional é a opção C.
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10º Ano O problema da organização de uma sociedade justa.


10º Ano O problema da organização de uma sociedade justa.
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Exemplo: imaginemos que as partes estão a escolher entre o utilitarismo e os princípios da


justiça de Rawls. Na sociedade utilitarista podem existir grandes desigualdades. Por exemplo, se a
existência de escravos resultasse num maior bem-estar social, existiriam escravos na sociedade
utilitarista. Na sociedade que segue os princípios da justiça de Rawls, nada de tão mau me poderia
acontecer. Mesmo que fique na pior situação possível, terei garantidamente certas liberdades
básicas.

OBJEÇÕES À TEORIA DA JUSTIÇA DE RAWLS


Crítica libertarista de Robert Nozick
A crítica mais influente à teoria de Rawls foi apresentada por Robert Nozick.
Segundo o princípio da diferença, a riqueza deve estar distribuída de modo a que os mais
desfavorecidos fiquem na melhor situação possível. Imaginemos uma sociedade em que, num
determinado momento, a riqueza está distribuída em conformidade com o princípio da diferença.
Esta situação não seria estável. Algumas pessoas esbanjariam os seus rendimentos, outras
comprariam bens. Devido a estas mudanças, a sociedade acabaria inevitavelmente por se
afastar do princípio da diferença. Para que esse padrão fosse reposto, o estado teria de intervir,
distribuindo a riqueza e a propriedade através de meios como a cobrança de impostos.
Na verdade, manter a sociedade em conformidade com o princípio da diferença
exigiria uma constante interferência do estado na vida dos indivíduos.
Nozick defende que essa interferência constante do estado é eticamente inaceitável.
Respeitar a liberdade dos indivíduos implica não violar os seus direitos de propriedade. Ora,
para respeitar o princípio da diferença, o estado tem de tirar aos indivíduos parte daquilo que
legitimamente possuem para beneficiar os mais desfavorecidos.

Crítica comunitarista de Michael Sandel


O comunitarismo defende uma tese social sobre o ser humano, de acordo com a qual os
indivíduos não existem enquanto tal (isto é, de forma isolada e autónoma), mas sim existem no seio
das suas relações e interações sociais, em comunidade (daí a designação de comunitarismo). De
acordo com os comunitaristas, a forma como Rawls argumenta a favor dos princípios da justiça,
através do “véu de ignorância” numa posição original, não é bem-sucedida. Isto porque a avaliação
dos princípios da justiça é uma escolha moral. Ora, com o “véu de ignorância” de Rawls, tais
escolhas são realizadas apenas de forma egoísta e por interesses pessoais (pois, as partes na posição
original só se preocupam individualmente em maximizar a sua situação e em não ficarem na pior
situação possível). As decisões tomadas a coberto do “véu de ignorância” na posição original são
moralmente cegas, uma vez que as escolhas são feitas por indivíduos totalmente desenraizados
e desligados de qualquer laço social, interessados no seu próprio bem e sem se guiarem por
qualquer noção de bem comum ou de vida boa.
De acordo com Sandel, as escolhas também devem decorrer de laços comunitários que nos
moldam e onde temos as nossas raízes. Ou seja, os princípios da justiça também devem ser
justificados a partir de uma ideia completa de bem comum.
Assim, Sandel critica a metodologia que Rawls utiliza para encontrar os princípios da
justiça, mas também crítica a prioridade dada ao primeiro princípio, dado que as liberdades
devem também ser interpretadas em função da conceção de bem comum. Há uma prioridade do
bem comum na definição do que é justo.

Tarefa: “Para aplicar o princípio da diferença seria necessário restringir a liberdade dos indivíduos.
Mas, segundo Rawls, o princípio da liberdade tem prioridade sobre o princípio da diferença. Por
isso, a teoria da justiça de Rawls é inconsistente.”
1. Concorda com este argumento? Porquê?

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