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1. O que é uma sociedade justa? Ao longo deste ensaio, procuraremos discutir este problema.

2. Este problema é importante porque a justiça é um dos conceitos morais e sociais mais fundamentais da vida
de todos. A definição de justiça, o que a justiça significa para nós, define o que a sociedade deve ser ou o que
achamos que ela deve ser.
3. Para compreender melhor a Natureza destes problemas, temos de esclarecer alguns conceitos:
 Entende-se por sociedade um sistema de cooperação que visa o bem daqueles que nele participam.
 A Filosofia política trata de saber quais as formas corretas de organização social.
4. Existem três principais respostas para esta questão:
 Libertismo: A justiça social consiste no respeito total pela liberdade de cada um para fazer o que
bem entende com a sua pessoa e com os seus bens.
 Liberalismo igualitário: A justiça social consiste num equilíbrio entre a propriedade das liberdades
básicas e a igualdade social.
 Igualitarismo: A justiça social consiste numa distribuição em partes iguais dos bens sociais primários.
5. A respeito deste problema filosófico, vamos analisar a teoria proposta pelo filósofo John Rawls, que se
enquadra no liberalismo igualitário. Para responder ao problema da justiça social, Rawls começa por
considerar que uma sociedade é justa quando se rege por princípios que pessoas livres e racionais
colocadas em pé de igualdade estariam dispostas a aceitar.
Rawls recorre a uma versão do contratualismo. Ele defende que os princípios de justiça são aqueles que
resultariam de um acordo (ou contrato) hipotético entre decisores igualmente livres e racionais acerca das
estruturas básicas da sociedade.
Para Rawls, as desigualdades na distribuição só são aceitáveis se trouxerem benefícios para todos, de modo
especial para os mais desfavorecidos.
Rawls defende uma teoria da justiça como equidade, dado que os princípios da justiça são aqueles que
seriam escolhidos numa situação de equidade/imparcialidade. Esta posição de equidade é alcançada através
da posição original. A ideia é fazer uma experiência mental (ou de pensamento) para encontrar os princípios
da justiça corretos.
Nessa posição original, as várias partes contratantes estão a coberto daquilo que ele designa “véu da
ignorância”, que as faz desconhecer quem são na sociedade e quais as suas peculiaridades individuais,
garantindo desta forma uma imparcialidade na escolha dos princípios da justiça.
Em situações de ignorância, como é o caso da posição original sob o véu da ignorância, segue-se a regra
maximin. De acordo com esta regra, se as partes não sabem quais serão os resultados que podem obter no
que respeita aos bens sociais primários, então é racional jogar pelo seguro e escolher como se o pior lhes
fosse acontecer.
Segundo John Rawls, adotando a perspetiva das partes em negociação na posição original, seríamos
conduzidos aos seguintes princípios:
 1. Princípio da Igualdade de Liberdades: “Cada pessoa deve ter um direito igual ao mais extenso
sistema de liberdades básicas que seja compatível com um sistema de liberdades idêntico para as
outras”. Neste princípio, afirma-se que a sociedade deve assegurar a máxima liberdade para cada
pessoa, compatível com uma liberdade igual para todos os outros. De acordo com este princípio,
cada um deve ter o maior conjunto de liberdades básicas que é possível ter, sem impedir que todos
os outros tenham acesso ao mesmo conjunto de liberdades. Entre o conjunto de liberdades básicas
encontram-se a liberdade de expressão, de religião, de reunião, de pensamento, de votar e ser
eleito, de deter prioridade, e.t.c. Uma vez que várias partes na posição original não sabem qual é o
lugar que vão ocupar na sociedade ou a que grupo irão pertencer, seria irracional prejudicar um
determinado grupo ( por exemplo, os pobres) ou tirar a liberdade a um certo setor da sociedade
( por exemplo, às mulheres), uma vez que poderiam estar a prejudicar-se a si mesmas. Assim sendo,
é racional querer uma sociedade em que todos têm a maior quantidade de liberdades possível, sem
prejudicar as liberdades dos outros
O princípio 1 justifica-se, pois a liberdade é um bem social primário e é fundamental para
concretizarmos os nossos objetivos e projetos de vida (devendo por isso, distribuir-se igualmente).
 2. Princípios da Oportunidade justa e da Diferença: As desigualdades económicas e sociais devem ser
distribuídas de modo a que, simultaneamente: a) decorram de posições e funções às quais todos
têm acesso; e b) se possa razoavelmente esperar que elas sejam em benefício de todos
(especialmente dos membros menos favorecidos da sociedade). De acordo com este princípio deve
promover-se a igualdade de oportunidades, e as desigualdades na distribuição de riqueza apenas
são aceitáveis na medida em que resultam desta igualdade de oportunidades. O mesmo, sustenta
que nem todas desigualdades económicas são erradas: numa sociedade perfeitamente igualitária
não haveriam razões sociais e económicas para os indivíduos desenvolverem carreiras que implicam
muito investimento, estudo, preparação, desgaste ou responsabilidade. Assim, certas desigualdades
económicas justificam-se, pois podem beneficiar toda a sociedade, funcionando com um sistema de
incentivos no que diz respeito a carreiras particularmente exigentes. Mas essas desigualdades só
são aceitáveis se satisfizerem conjuntamente o princípio da oportunidade justa e o princípio da
diferença.
O princípio da oportunidade justa sustenta que as desigualdades na distribuição da riqueza são
aceitáveis apenas na medida em que resultam de uma efetiva igualdade de oportunidades. Isto
significa que, se existirem cargos e funções que exigem mais investimento e que, por conseguinte,
são mais bem remunerados (como um incentivo à sua prossecução), então esses cargos e essas
funções devem estar igualmente acessíveis a todos (mesmo àqueles que nasceram em condições
socioeconómicas desfavorecidas). A ideia básica por detrás deste princípio é de que algumas pessoas
nascem numa família rica, outras nascem numa família pobre, mas ninguém é moralmente
responsável pelas circunstâncias do seu nascimento – ou seja, existe uma espécie de lotaria social.
Assim, precisamos do princípio da oportunidade justa para minimizar os efeitos negativos desta
lotaria social. Isto significa que o estado deve, entre outras coisas, garantir a todos o acesso à
educação, à cultura e aos cuidados básicos de saúde, independentemente do seu contexto social.
O princípio da diferença afirma que a distribuição de riqueza e de rendimento, na sociedade deve ser
igual, a menos que a desigualdade traga benefícios para todos (em especial, para os mais
desfavorecidos). Este princípio indica, assim, uma certa conceção distributiva da justiça, pois
considera que para haver uma sociedade justa, a riqueza tem de estar distribuída de acordo com um
certo padrão, designadamente, esta deve estar distribuída de modo a favorecer aqueles que estão
em pior situação, ainda que, por vezes, isso implique uma certa redistribuição da riqueza dos mais
ricos para os mais desfavorecidos.
A ideia básica por detrás deste princípio é a de que as pessoas nascem com diferentes talentos
naturais, existe uma espécie de lotaria natural. Mas estes talentos naturais são desigualmente
renumerados pelo mercado. Além disso, nenhuma forma de igualdade de oportunidades permite
minimizar ou retificar os efeitos negativos desta lotaria natural. Porém, estas contingências naturais
que conduzem a grandes desigualdades de riqueza são arbitrárias do ponto de vista moral, pois os
indivíduos não são moralmente responsáveis por elas. Logo, precisamos do princípio da diferença
para minimizar os efeitos negativos da lotaria natural. Isto significa que o Estado deve redistribuir a
riqueza (através da cobrança de impostos, por exemplo) para garantir um mínimo para os mais
desfavorecidos.
Para Rawls, o primeiro princípio tem uma prioridade sobre o segundo princípio e, dentro deste
segundo princípio, o princípio da oportunidade justa tem prioridade sobre o princípio da diferença.
6. Por exemplo, se aplicarmos o princípio maximin, temos aqui 3 sociedades: opçao A, B e C. Na sociedade A,
temos o pior resultado possível como pobreza extrema. Ao paço que, o melhor resultado possível seria a
riqueza extrema. Claro que se eu soubesse que ia ser rico, eu gostava de viver na sociedade A.
Bom, na sociedade B temos como pior resultado possível a pobreza acentuada, e como melhor resultado
possível a riqueza acentuada.
E na opção C o pior resultado possível é a pobreza moderada, e o melhor resultado possível é a riqueza
moderada.
Como é que funciona o principio maximin? Nós temos que olhar para todos os piores resultados possíveis, e
dentro dos piores, escolher o melhor.
Então, o que é melhor? Ser extremamente pobre, acentuadamente pobre ou moderadamente pobre? A
resposta é óbvia: moderadamente pobre.
Ou seja, imaginando-nos na posição original, a coberto do véu de ignorância, a escolha mais racional seria
optar por C. Apesar de nas opções A e B podermos vir a ser mais ricos, seria mais seguro optar por C, caso
em que o pior que nos poderia acontecer seria a pobreza moderada.
7. A teoria da justiça com equidade de Jonh Rawls é rejeitada por duas críticas:
Crítica libertista de Nozick
- A liberdade é a possibilidade de cada um fazer aquilo que quiser consigo mesmo e com as suas posses. O
libertismo económico foca-se na importância de um mercado livre e da sua proteção, um mercado que que
interfira o mínimo possível na vida das pessoas. Um libertista como Nozick critica a teoria da justiça pois
sustenta que não é possível defender consistentemente e simultaneamente o Princípio da Liberdade e o
Princípio da Diferença. De acordo com Nozick, uma conceção padronizada da justiça, como o Princípio da
Diferença, viola a liberdade individual e os direitos de propriedade.
A ideia central do argumento de Nozick é que: tributar o trabalho é ficar com os rendimentos de n
horas de trabalho da pessoa. Ora, ficar com o resultado do esforço associado a n horas de trabalho de uma
pessoa é como forçar essa pessoa, ou seja, é como ficar com o resultado do esforço associado a essas n
horas de trabalho. Ora, ficar com o resultado do esforço associado a n horas de trabalho de uma pessoa é
como forçar essa pessoa a trabalhar essas n horas para garantir a satisfação dos objetivos de outrem. Mas
isso é equiparável a trabalho forçado. Portanto, a tributação do trabalho é equiparável a trabalho forçado.
No entanto, podemos dizer que Nozick comete a falácia da derrapagem, porque este baseia-se numa cadeia
de implicações pouco plausível, defende que se a propriedade for distribuída de modo que os mais
desfavorecidos fiquem com o melhor possível, os direitos de propriedade dos indivíduos mais favorecidos
serão violados. No entanto, se fosse ele (Nozick) a pessoa desfavorecida ele quase de certeza que iria querer
que o Estado o apoiasse, logo o seu argumento cai em contradição.
Objeção comunitarista de Michael Sandel. No comunitarismo, defende-se uma tese social sobre o ser
humano, de acordo com a qual os indivíduos não existem de forma isolada e autónoma, são constituídos por
um conjunto de relações e interações sociais, fazem parte de uma comunidade. Sandel acredita que seria
injusto que os princípios fossem escolhidos por nos colocarmos sob o véu de ignorância, isto porque nós
somos constrangidos por certas relações sociais e por laços morais prévios que não escolhemos. Ele acredita
que na posição original a escolha dos princípios é feita de forma egoísta, visto que esse indivíduo só se
preocupa com ele mesmo. Para ele, os princípios da justiça devem ser justificados a partir de uma ideia
completa de bem comum. A sua crítica não recai sobre o Princípio da Diferença, mas sobre a prioridade do
primeiro princípio sobre o segundo, dado que, na sua opinião, as liberdades individuais também devem ser
interpretadas em função do bem comum.
Contudo, nós podemos dizer que escolhas como por exemplo, de religião, orientação sexual, entre outras,
são individuais e não devem resultar de laços comunitários prévios que não escolhemos, como defendem os
comunitaristas, mas sim de reflexões completamente individuais.
8. Começamos por observar um problema: considerar que as pessoas não inteiramente responsáveis pelo seu
contexto social e também pela sua condição biológica e essas circunstâncias podem mudar as nossas vidas
para melhor ou pior. Por isso, para fazermos uma análise imparcial devemos usar a experiência mental do
“véu da ignorância”: como se eu pusesse um véu a tapar os olhos e não saberia a circunstância que vou
ocupar na minha vida social, não sei onde nasci, se sou homem ou mulher, se sou rico ou pobre...
É nessa “posição original” que podemos encontrar os princípios da justiça que devem orientar toda a
organização social e o princípio mais fundamental de todas é o “Princípio da Igualdade de Liberdades”, que é
para Rawls um princípio absoluto (cada um deve ter o maior conjunto de liberdades básicas que é possível
ter). Mas, para garantir essa liberdade vamos precisar de mais mecanismos pelo meio o “Princípio da
Oportunidade Justa”(a igualdade de oportunidades deve ser promovida) e temos oportunidades justas com
o “Princípio da Diferença” (estabelecendo-se diferenças, garantindo aos mais desfavorecidos as mesmas
oportunidades) e assim conseguimos ter um nivelamento da sociedade.
Podemos afirmar, seguindo a regra maximin, que a sociedade mais justa é aquela que de entre todos os
piores resultados nós escolhemos o melhor porque assim estamos a olhar para os mais desfavorecidos e a
criar uma sociedade equitativa.
Os princípios da justiça corretos são aqueles que seriam escolhidos na posição original.
Concluímos, então, que esta teoria é a mais adequada para organizar uma sociedade.

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