Você está na página 1de 5

1

Filosofia - 1º teste - 11º ano


O problema da organização de uma sociedade justa: a teoria da justiça de John Rawls
Uma questão predominante na sociedade é “Como é possível uma sociedade justa?”. De
algum modo, todos temos uma noção do que é justo e injusto, e todos queremos viver numa
sociedade justa. John Rawl respondeu a esta pergunta na sua obra Uma Teoria da Justiça.
Grande parte do problema com a teoria de Rawls é nem sempre sermos imparciais ao
pensarmos o que é justo ou injusto. Que tipo de sociedade escolheríamos se seguíssemos
o procedimento proposto por Rawls?
A sua resposta é uma sociedade na qual:
● uma série de liberdades fossem garantidas para todos;
● houvesse igualdade equitativa de oportunidades;
● a riqueza fosse distribuída de modo a beneficiar os mais desfavorecidos.
Imparcialidade
O ponto de partida da teoria da justiça de Rawls é o seguinte problema: como evitar que as
nossas ideias sobre a justiça sejam influenciadas pelos nossos interesses pessoais ou por
quem somos? Rawls diz que devemos ser imparciais, não olhando ao que nos pode
favorecer ou não, já que a justiça pressupõe a imparcialidade.
A posição original e o véu de ignorância
Rawls foi influenciado pelos contratualistas (grupo de filósofos que acreditava que as leis
de uma sociedade são legítimas e justas apenas se todas as pessoas as puderem aceitar).
Para identificar quais são as leis que foram escolhidas de forma imparcial e com as quais
todas as pessoas poderiam concordar, Rawls criou uma experiência mental a que chamou
posição original (situação hipotética na qual, não sabemos nada quanto ao nosso lugar
na sociedade, não existindo uma sociedade formada e temos que escolher, quais serão as
leis básicas da sociedade que iremos criar) para que deste modo pudéssemos elaborar um
contrato social (acordo sobre os princípios básicos dessa sociedade, incluindo direitos e
deveres, como será distribuída a riqueza e como será o governo).
Rawls defende que ao pensarmos o que é uma sociedade justa devemos fazê-lo de modo
imparcial, estando sob o véu de ignorância. Podemos imaginar este véu como uma venda
que impede que saibamos quem somos, ou seja, não conhecemos qualquer característica
que nos diferencie dos outros, é como sofrer uma espécie de amnésia que nos faz
desconhecer quem somos na sociedade e quais são as nossas peculiaridades individuais.
Rawls pensa que se uma pessoa ignorar as suas características individuais, será imparcial,
pois terá que pensar em si considerando que pode ser várias pessoas diferentes e sabendo
apenas que é um ser humano, dotado de razão e que a sociedade que irá criar é plural, tem
indivíduos com ideias, crenças, desejos diversos. De acordo com o filósofo, escolhemos
2

princípios que nos salvaguardassem, escolheríamos princípios equitativos que protegessem


todos de igual forma, de modo a garantir que nos protegessem também a nós.
A justiça como equidade
Rawls fala da justiça como equidade e não como igualdade (aritmética), já que a
desigualdade com que as partilhas são feitas justifica-se se impede a existência de
desigualdades maiores. Deve encontrar-se, portanto, o ponto de equilíbrio em que a
desigualdade só persiste por ser a forma mais justa de redistribuir. A equidade é equilíbrio,
e a distribuição equitativa e não meramente igualitária dos cargos e dos encargos, por ser
equilibrada, é justa. Equidade: Caracteriza a situação em que todas as partes envolvidas se
encontram nas mesmas circunstâncias, de modo a fazerem escolhas imparciais, que não
permitam obter vantagens injustas.
Os princípios da justiça
Os princípios da justiça corretos são aqueles que seriam escolhidos na posição original.
1. Princípio da liberdade
Numa sociedade justa todos os indivíduos beneficiam das mesmas liberdades básicas e o
melhor é escolher leis que garantam a mais ampla liberdade possível. Cada pessoa tem um
direito igual ao mais extenso sistema de liberdades básicas que seja compatível com um
sistema de liberdades idêntico para os outros.
John Rawls hierarquiza os princípios tendo o princípio da liberdade prioridade sobre os
restantes, seguindo o da oportunidade justa e só depois o da diferença. Para haver uma
sociedade justa não se pode promover a igualdade de oportunidades ou a distribuição da
riqueza sacrificando-se a liberdade e os direitos dos cidadãos, provando o liberalismo e a
oposição aos totalitarismos de John Rawls.
No entanto, nenhuma das liberdades básicas é absoluta. Qualquer uma pode ser limitada
para se obter uma maior liberdade para todos. Em algumas circunstâncias pode justificar-se
limitar a liberdade de expressão – proibindo, por exemplo, a difusão de ideais políticos ou
religiosos extremamente intolerantes – de modo a proteger a liberdade política.
2. Princípio da diferença
Segundo este, só são permitidas desigualdades que favoreçam os mais desfavorecidos.
Uma sociedade pode admitir desigualdades socioeconómicas mas apenas se estas
beneficiarem os menos favorecidos, garantindo-lhes melhores condições de vida.
O princípio da diferença não tem um caráter igualitário, ou seja, não diz que todos devem
ter o mesmo. A justiça não exclui a existência de desigualdades, mas se estas acabarem
por beneficiar os mais desfavorecidos, então justificam-se.
3. Princípio da oportunidade justa
As desigualdades são aceitáveis apenas na medida em que resultam de uma igualdade de
oportunidades. O Estado deve promover a igualdade de oportunidades e intervir, se
3

necessário, para garantir que todos têm acesso às diferentes funções e posições sociais em
condições de igualdade de oportunidades.
Em resumo, podemos dizer que a teoria da justiça de Rawls defende que uma sociedade
justa
● é aquela que garante uma série de liberdades básicas, iguais para todos;
● que permite a desigualdade, mas apenas na medida em que esta beneficie os
menos favorecidos e na condição de que exista igualdade real de oportunidade.
Rawls acredita que essa é uma sociedade justa porque seria a escolhida na posição
original, ou seja, ela é justa porque qualquer pessoa, ao refletir de forma imparcial sobre o
que é a justiça, optaria por essa sociedade e não por outra.
A regra maximin, o contratualismo e a rejeição do utilitarismo
Para determinar os princípios da justiça, Rawls aplica uma estratégia ou regra fundamental,
a regra maximin (maximização do mínimo). Esta é um princípio de tomada de decisão que
se concentra em maximizar o benefício da pior situação possível. Segundo a regra maximin
deve-se escolher a opção que minimiza o pior resultado possível, priorizando a segurança e
a minimização de riscos. É a opção do melhor pior.
Rawls defende o contratualismo já que este é uma perspetiva que defende que uma
sociedade justa, com os seus diferentes direitos e obrigações resulta de um contrato
hipotético feito a partir da posição original - contrato social.
Por que razão não as pessoas não escolheriam um princípio da justiça de caráter utilitarista,
estando na posição original? Se o fizessem, conceberiam uma sociedade justa
simplesmente como aquela em que há um maior total de bem-estar, sem que interesse o
modo como este se distribui pelas diversas pessoas. O utilitarismo é uma teoria ética que
argumenta que a ação moralmente correta é aquela que maximiza a felicidade ou o prazer e
minimiza o sofrimento, buscando o maior bem para o maior número de pessoas.
Imaginemos agora que as partes estão a escolher entre o utilitarismo e os princípios da
justiça de Rawls. À partida, numa sociedade em conformidade com o utilitarismo poderiam
existir grandes desigualdades na distribuição do bem-estar, já que, sob esta teoria, a
distribuição do bem-estar não é intrinsecamente importante. Rawls sustenta que as partes
prefeririam os seus princípios da justiça ao utilitarismo porque, na posição original, as
escolhas iriam obedecer ao princípio maximin, segundo o qual, cada alternativa tem vários
resultados possíveis, sendo uns melhores do que outros, entre as alternativas disponíveis,
deve-se escolher aquela que tenha o melhor pior resultado possível.
Nestas circunstâncias, uma pessoa raciocinaria do seguinte modo: se eu escolher o
utilitarismo, estarei a optar por uma sociedade na qual poderei vir a ser um escravo (já que
o que o utilitarista defende o maior bem para o maior número de pessoas, podendo outras
ser “sacrificadas” para esse bem). No entanto, se eu escolher os princípios da justiça que
4

Rawls propõe, nada de tão “mau” poderá acontecer-me. Mesmo que acabe por ficar na pior
situação possível, terei garantidamente certas liberdades básicas que me permitirão
desenvolver o meu projeto de vida.
Rawls nega o utilitarismo porque este vê a igualdade como um meio e não um fim em si
mesmo. Para o utilitarista a igualdade é um meio para satisfação da maioria das pessoas, e
Rawls defende que a igualdade é um princípio inviolável.
As críticas comunitaristas (Michael Sandel) e libertarista (Robert Nozick) a Rawls
A crítica comunitarista de Michael Sandel
Comunitarismo - Perspectiva segundo a qual qualquer conceção particular do bem surge a
partir do que é valorizado numa comunidade concreta, residindo aí a principal fonte de
justificação moral e dos direitos das pessoas.
Sandel critica o modo como os princípios são escolhidos (posição original e véu de
ignorância). Fazer escolhas na posição original, coberto pelo véu de ignorância, exige que
ignoremos a comunidade concreta a que pertencemos e quais os elos comunitários que
fazem de nós as pessoas que realmente somos. Acontece, porém, que na posição original o
que conta antes de tudo é a salvaguarda dos nossos interesses pessoais e segundo o
comunitarismo, as nossas escolhas seriam moralmente cegas, pois qualquer conceção
moral acerca do bem forma-se no seio de uma comunidade concreta. Para os
comunitaristas, um contrato não é justo só porque é imparcial ou acordado livremente, um
acordo é justo se é bom, e a noção de bem não pode decorrer apenas de preferências
individuais. Segundo o comunitarismo, o que torna uma escolha justa não é o facto de ela
resultar de um contrato, mas é uma questão moral, no entanto, sob o véu de ignorância, o
indivíduo é colocado numa situação amoral, desenraizada e desligada dos seus laços
comunitários, em que só contam os seus interesses pessoais. Segundo Michael, a moral
tem prioridade sobre a justiça e não o inverso, como defendido por Rawls.
Críticas de Michael Sandel
● Cada comunidade possui valores e regras, logo é impossível que a escolha dos
princípios de justiça não sejam influenciadas pelos valores existentes nessa
sociedade e, por isto, segundo Sandel, não há nenhuma garantia que os
contratantes escolhessem como princípios de justiça os que são apresentados por
Rawls, nem sequer podemos ter a certeza que escolhessem princípios de justiça de
forma imparcial e que fossem bons para todos os seres humanos.
● Nem todos os indivíduos têm as mesmas capacidades, por isso se não existirem
capacidades iguais, se não houver esforço suficiente ou se não houver vontade
individual, então talvez não se possa cumprir a igualdade de oportunidades.
A crítica libertarista de Robert Nozick
5

Libertarismo - Perspetiva sobre a qual não pertencemos a ninguém a não ser a nós
próprios, pelo que os laços que estabelecemos com os outros são os que livremente nós
escolhermos. A fonte de justificação moral é o respeito pelos direitos individuais de cada
um, os quais são invioláveis.
Como liberal, Nozick tende a concordar com o princípio da liberdade e critica o princípio da
diferença. A aplicação do princípio da diferença implica a violação dos direitos das pessoas,
o que é, segundo o libertarismo, moralmente inaceitável. Ao impor um certo padrão
distributivo do rendimento (a distribuição ser feita de modo a beneficiar os menos
afortunados), o princípio da diferença leva a que o Estado intervenha transferindo
rendimento de uns para outros. Defender-se a liberdade, e ao mesmo tempo impedir que
cada um faça com o que tem ou ganhou legitimamente o que bem entender, parece
inconsistente. Ao tributar para redistribuir, a intervenção do Estado interfere com a liberdade
de cada um. Quando, se queremos trabalhar, uma parte do que recebemos pelo nosso
trabalho vai obrigatoriamente, através de impostos, para o Estado, então estão a
obrigar-nos a “trabalho forçado”. O Estado está a forçar-nos a trabalhar para os outros e a
ajudar, quer queiramos quer não. Tirar a uns sem o seu consentimento para ajudar outros
equivale a instrumentalizar os primeiros, usando-se as pessoas como meros meios e não
como fins, o que faz com que a tributação justificada pelo princípio da diferença colida com
o princípio da liberdade. O que torna uma distribuição justa é o modo como aquilo que as
pessoas têm foi adquirido.. Se alguém obteve o que possui de forma legítima, então essa
pessoa é a única e a justa titular do que possui. Portanto, se a redistribuição é feita
forçadamente ou sem consentimento estamos, para Nozick, a tratar os outros como meios e
não como fins, e isso é eticamente inaceitável.
Críticas de Nozick
Tenho o direito de dispor livremente daquilo que ganhei e adquiri?
● Segundo Nozick sim, cada um de nós tem o direito de dispor do dinheiro que ganhou
e dos bens que adquiriu como muito bem entender. Não existe solidariedade social
nem redistribuição dos benefícios pelo Estado. As desigualdades sociais e
económicas não devem ser ajustadas de modo a que haja benefícios que revertam a
favor dos menos favorecidos (crítica ao princípio da diferença).
Nozick, defende o liberalismo radical que considera absolutos direitos individuais, como a
liberdade e a propriedade. Opõe-se ao conceito de justiça social de Rawls, defendendo que
o Estado Mínimo é o único poder legítimo (protege a segurança dos cidadãos e as
sociedades políticas, mas não interfere na vida económica) e cada indivíduo é titular
absoluto daquilo que ganha e das coisas que adquire.

Você também pode gostar