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A transformação de uma na outra opera-se com a concentração nas mãos do Estado das fontes de produção
jurídica – de forma exclusiva ou quase.
Periodificação
1º Pluralismo jurídico- inicia-se com a independência de Portugal. Depende dos historiadores, sustentam
datas diferentes: Batalha de São Mamede (1128); Batalha de Ourique (1139); Tratado de Zamora (1143);
Bula Manifestis Probatum (1179)- Nesta altura, era o Papa que comandava, dizia quando o rei era
independente. É precisamente através da Bula Manifestis Probatum que reconhece a independência de
Portugal face aos demais reis- D. Afonso Henriques tem de pagar uma quantia militar- onças de ouro- que
acabaram por nunca chegar à Santa Sé.
Falamos de Pluralismo jurídico (vem de plural, jurídico) pois são várias as fontes de direito: coexistência de
múltiplas fontes de direito- manópia de fontes do direito a que podemos recorrer, sem que haja hierarquia
ente elas:
- Costume;
- Direito canónico;
- Direito romano;
- Direito natural;
- Direito castelhano;
- Lei régia: multiplicidade de ordenamentos jurídicos.
No primeiro período coexiste uma série de factos normativos de providência diversa (romana, germânica,
islâmica, judaica,…), formalmente correspondendo a uma heterogeneidade de fontes: costume, direito
prudencial, direitos locais, …), sem esquecer o pluralismo étnico- religioso correspondente à inserção de
comunidades judaicas e mouras no texto do reino, dotadas de direito próprio. Não há um domínio do direito
emanado do poder central, mas sim o direito de uma pluralidade de instituições, personalizadas ou não. Não
existia, ainda, o conceito moderno de Estado.
No primeiro período (pluralista), o Direito corresponde a uma conceção do mundo bem marcada. O Homem
tem um fim metafisico, não existem ações incolores: tudo possui uma dimensão espiritual. A comunidade
politica encontra-se em função dos próprios fins e da estrutura mais vasta da republica cristã.
A republica cristã constitui a unidade na qual o Homem encontra a máxima realização, razão de tudo o que
está para além desta ter de ser convertido. A guerra é, em simultâneo, um processo politico, económico,
militar e religioso. Tem, por isso, um valor ético traduzido na Guerra Justa. A Europa constitui um todo
conceptualmente hierarquizado, situação que só será alterada com os Descobrimentos (grandes alterações
ao nível do Direito Internacional e do Direito Interno – criação de um aparelho político-administrativo
próprio, fenómenos de descentralização,…).
As leis não podem continuar tão dispersas: tem de haver uniformidade → surge, assim, a necessidade de
legislar: rei vai impor a sua vontade aos demais- monarca D. Afonso V decide aprovar uma compilação de
todas as leis em vigor no reino e estipular uma hierarquia de fontes de direito → dita as fontes primárias e
fontes secundárias- havendo uma clara primazia da lei. É assim que se dá a passagem do pluralismo para o
monismo.
O monismo entende-se como a preponderância de uma fonte sobre as outras.
Monismo- mono- só uma fonte direito- obrigatoriedade – teoricamente é assim, na prática é sempre
diferente
A Justiça
A Idade Média não teorizou o Direito como um complexo autónomo. Concebeu-o, antes, enquanto função
da justiça.
Atualmente, o estudo do Direito inicia-se pela explicação da Ciência Jurídica como um fenómeno autónomo.
A justiça é o fim do Direito, não se identifica com ele. Há uma separação entre Direito, Moral, Justiça e
Direito Natural.
Quando se lê textos medievais ficamos com uma perceção diferente em relação ao fenómeno do
pensamento jurídico, para os homens dessa época a justiça era o fundamento da vida social e tudo o que
existe e há na sociedade tem, em primeiro lugar, uma origem divina. Acima do mundo dos Homens está o
mundo de Deus, a forma como esses mundos se organizam assenta na primazia da religião em relação ao
Direito. A própria Ciência do Direito é construída através da Teologia. → Justiça tem a sua base no direito
divino – algo intrínseco ao homem, deve-se aplicar habitualmente no dia-a-dia, se cada um de nós for justo,
teremos uma sociedade justa
A ordem social representava, numa palavra, a projeção comunitária da condição dos seus membros. Sendo
os Homens justos, justa seria a sociedade. O cumprimento da justiça correspondia ao acatamento pelo
Homem da lei divina e da lei natural. Justiça não seria mais do que “o hábito bom orientado para a ação”.
A ideia de Homem justo como Homem perfeito conduziu à conceção da justiça enquanto virtude universal
ou síntese de todas as virtudes.
A justiça revela-se, aqui, como o elemento sem o qual nenhuma sociedade, nenhuma ordem jurídica pode
subsistir → Justiça é a mãe de todas as virtudes, é a principal virtude: justiça conceção ligada ao Direito
divino- é uma obra de Deus- justiça procura alcançar a perfeição, regulando as injustiças e imperfeições
A Justiça Particular
A ideia de justiça, complexo de todas as virtudes, coexistiu com a conceção de justiça como virtude
especifica.
A justiça particular separa-se da justiça universal, enquanto esta considera sobretudo o mundo intra-
subjetivo a justiça particular considera sobretudo o campo das relações inter-subjetivas. O conceito de
justiça vai ser teorizado por vários autores, desde Aristóteles, a Santo Agostinho. Uma das definições mais
conhecidas foi, sem duvida, a de Ulpiano, ao dizer que “a justiça é a constante e perpétua vontade de dar a
cada um o seu direito” (justiça particular)→ Justiça- é dar a cada um aquilo que é seu (Ulpiano), isto é, a
vontade de cada um ter um mínimo indispensável para satisfazer as suas necessidades básicas, numa
perspetiva de que cada um receba, à luz da lei divina, uma recompensa por aquilo que lutou,
correspondendo esta recompensa à salvação da alma.
Viver honestamente
Dar a cada um aquilo que é seu é apresentada por Ulpiano
E não prejudicar o próximo
As Modalidades de Justiça
A partir da definição já referida, torna-se possível ordenar várias classes de justiça:
▪ Justiça Espiritual – Traduzida na atribuição a Deus de quanto lhe é devido pelo Homem;
▪ Justiça Contenciosa – Aquela que se aplica aos pleitos (processo judicial/ litígios);
▪ Justiça Política – Atribuição pela comunidade aos respetivos membros de quanto lhes cabe e por estes
àquela;
▪ Justiça Comutativa (ou sinalagmática) – Diz respeito às relações entre iguais, requere absoluta igualdade
entre o que se dá e quanto se recebe, justiça, nesta perspetiva, significa igualdade- não olhar para as
diferenças, estão na mesma condição social- existe uma paridade;
▪ Justiça Distributiva – Relação da comunidade com os seus membros/relação do conjunto politico com as
pessoas individualmente consideradas, ela impõe que os representantes da comunidade repartam os
encargos segundo a capacidade de resistência de cada membro e os bens públicos e prémios de acordo com
a respetiva dignidade e mérito. D. Fernando deixou esta ideia muito clara quando procurou mostrar que foi
Deus que fez tudo o que existe, e ao fazer o Homem não o fez igual, portanto, justiça não tem de ser
traduzida em igualdade. Um rei justo será aquele que atribuir a cada um o que é seu segundo a própria
ordem que foi criada e organizada por Deus. Tratar igualmente o desigual traduzir-se-ia numa desigualdade.
Requer contudo que a relação entre o mérito e a recompensa, a capacidade e o encargo, seja a mesma e
igual para todos. No fundo, consiste em dar a cada um o que é seu de acordo com o seu empenho, trabalho,
habilidades (reconhece as diferenças- pressupõe uma assimetria entre quem dá e quem recebe)
▪ Justiça Subjetiva – que é fruto direto da natureza humana e, por isso, é alterável. Tem a ver com o
comportamento padrão do próprio sujeito, correspondendo esse comportamento padrão do próprio sujeito
ao dum homem médio, designado “Bonnus Pater Familia”, acessível ao comum dos mortais. Álvaro Pais
apresentou 5 modalidades de justiça subjetiva:
• Látria – Justiça para com Deus;
• Dulia – Justiça para com os merecedores de honra e de consideração;
• Obediência – Justiça e respeito para com os superiores;
• Disciplina – Justiça e respeito para com os inferiores;
• Equidade – justiça para com os iguais → justiça do caso concreto (Menezes Cordeiro)- a lei de modo a
proporcionar a solução mais justa- apontar alguns defeitos que o caso tivesse, tornando a solução/decisão
justa para o caso concreto Justiça e equidade estão entreligadas
Justiça Objetiva
Pode ainda falar-se numa justiça em sentido objetivo, como forma de retidão plena e normativa (modelo de
conduta).
A Justiça, na sua forma pura, identificava-se com o próprio Deus, assim como com ele se identificava o
Direito Natural. Ora, sendo Deus o modelo dos homens, feitos à sua imagem e semelhança, seguia-se,
naturalmente, a consequência de uma justiça humana também objetiva, embora não perfeita, e apenas
reflexo da justiça divina.
É esta a conceção adotada por muitos autores, entre eles Santo Agostinho, onde se menciona “Cristo como
o sol e fonte de toda a justiça”.
Pela própria índole da justiça objetiva esta difere da subjetiva no tocante à respetiva constância. Enquanto a
justiça subjetiva permite em si mesma variações, a justiça objetiva há de entender-se como inalterada e
inalterável, postulante sempre das mesmas condutas.
Sob influencia da ideia romana de Bonus Pater Familias, a jurisprudência medieval determinou o conteúdo
da justiça humana objetiva com recurso à ideia de homem médio. Este, na racionalidade do seu atuar,
constitui o exemplo a seguir, e é, portanto, normativo.
Justiça e Direito
O pensamento medieval concebeu a justiça como a causa do Direito. A Idade Média figurou,
frequentemente, a justiça como fonte do curso de água com que representou o Direito. Imagem também da
época foi a da filiação: o direito está para a justiça como o filho para a mãe. De tais figurações decorria a
consequência da justiça e Direito possuírem a mesma natureza.
Entre justiça e direito, a diferença residia no facto de este traduzir aquela mediante preceitos
autoritariamente fixados. O Direito era assim apenas um instrumento de revelação da justiça. E aí se
apresenta a lei como demonstração simultânea do Direito e da justiça.
Para a conceção medieval não seria Direito a lei injusta, e o cumprimento desta não obriga ao súbdito e deve
ser por ele repudiado como um dever.
↓
O Direito tem de ser justo, se não for justo, não é Direito, qualquer norma, decreto de lei, etc.
A justiça está na base da sociedade, criação da norma jurídica e governo do monarca
O Direito
A perceção na Idade Média era diferente, havia uma árvore do conhecimento que
tinha como tronco comum às demais ciências a Teologia. Há uma relação entre
Direito e Teologia, da mesma forma em que existe uma relação entre Teologia e
Conhecimento. Para os grandes pensadores medievais, a justiça não se separa do
Direito
Rei Tem de ser visto, em primeiro lugar, como um justo juiz. Os Governantes devem exercer todos
o poder à imagem de Cristo, não é apenas uma imagem ou um retrato do Direito
O mundo foi criado por Deus, Deus imprimiu no mundo uma certa imagem. Deus pode tudo
como ser poderoso que é, mas Deus não quer tudo.
Esta conceção tem subjacente uma ideia de ordem, o Direito deve ser construído como uma
ideia racional – Direito Divino/Lei Divina
Há a governar as relações humanas uma Ordem Divina, à imagem de um Deus Racional, não há
contradição.
Existe um Direito Divino que é conhecido através da bíblia. A bíblia torna-se um texto jurídico.
Direito funda-se no texto mas assenta na necessidade de interpretação. Cristo falou por
parábolas, pode haver mais do que uma interpretação, a bíblia não é um código legislativo em
sentido moderno, Cristo não foi um legislador, texto sagrado precisa de um mediador que
consiga retirar consequências práticas do texto
Na idade média o domínio da cultura está ao alcance de poucos, os poucos livros que sobrevivem à queda do
Império Romano do Ocidente estão maioritariamente e de uma forma quase exclusiva nas mãos da Igreja.
Surgem muitas falsificações nesta altura, como os textos corriam em versões manuscritas os copistas podiam
ou copiar mal (ambiguidade linguística) ou intencionalmente deturpar o significado original dos documentos
introduzindo alterações que favorecessem a posição por eles seguida (interpolação).
Por estarem nas mãos dos clérigos, o Direito não se separa da religião. Estes autores vão utilizar um conceito
do Direito Romano mas com um significado diferente.
Direito Natural – Deus criou o mundo, criou o Homem à sua imagem, deu uma ordem à sociedade e
comunicou o seu pensamento através da bíblia. Agora era necessário retirar esse conhecimento da Bíblia
(Conhecimento Revelado). É necessário interpretar e retirar conclusões. O Direito Natural decorre do
Direito Divino mas vai para além dele.
O Direito Natural não é uma mera ideia, tem um conteúdo. Nesta teorização, S. Tomás de Aquino e outros
autores inspiraram-se em Aristóteles (Auctoritas – Autoridade fundamental) – Aristotelismo medieval –
modo como Aristóteles foi recebido pelos autores.
Para além do Direito Divino e do Direito Natural, as situações de vida necessitam de um Direito Positivo.
▪ Direito Divino; Necessidade de leis positivas e de autoridades positivas (reis, juízes,..), aqui se
▪ Direito Natural; encontra uma grande distinção entre o fundamentalismo islâmico e o cristianismo.
𝑶𝒓𝒅𝒆𝒎 𝑱𝒖𝒓í𝒅𝒊𝒄𝒂 = 𝑫𝒊𝒓𝒆𝒊𝒕𝒐 𝑫𝒊𝒗𝒊𝒏𝒐 + 𝑫𝒊𝒓𝒆𝒊𝒕𝒐 𝑵𝒂𝒕𝒖𝒓𝒂𝒍 + 𝑫𝒊𝒓𝒆𝒊𝒕𝒐 𝑷𝒐𝒔𝒊𝒕𝒊𝒗𝒐
Existe uma
Direito Natural Direito Positivo não
hierarquia
decorre do Direito pode ser contrário ao
Divino Direito Natural
Direito Autoridades positivas não podem ser as mesmas que as autoridades divinas. “A César o que é de
César, a Deus o que é de Deus”, separação entre o divino e o político como exigência da lei Natural e da Lei
Divina.
Balança da Justiça tem de estar equilibrada, o equilíbrio resulta da própria natureza das coisas
Contrato – Para o Direito Medieval o contrato que não fosse equitativo era nulo, alguém iria beneficiar de
terceiros. A partir do século XIX as coisas começam a ser vistas de forma diferente, a liberdade das pessoas
contratarem (Autonomia Privada) permitia a existência de contratos desequilibrados.
Juros -Proibidos na legislação medieval por violação do Direito Natural relativamente ao equilíbrio das
prestações, a justificação não é económica, é moral, os juros imorais juridicamente não podem existir.
Todos estes temas vão ser repensados a partir do séc. XVI no mundo protestante e mais tarde com o
desenvolvimento do capitalismo.
Guerra Justa – Foi um dos temas centrais do Direito Medieval: “Na guerra morre-se e mata-se”. É necessário
ponderar a natureza moral da guerra levada a cabo pelos teólogos. O que tem de estar em causa na
declaração da Guerra é a justiça.
Impostos Injustos:
▪Impostos não utilizáveis para um fim de interesse comum;
▪ Impostos excessivos, não suportáveis.
O rei que não governa para a justiça não é um verdadeiro rei. “Rei serás se o justo fizeres, se não o fizeres
não o serás”. D. Sancho II foi afastado do trono por esta razão.
Todo o período medieval é baseado numa relação dupla entre homem e Deus (relação intrínseca)- é
derivada na máxima na crença que tudo vai partir de Deus- quem criou o mundo foi Deus, também ele criou
a primeiras normas- traz a conceção de que as primeiras normas provém do direito natural- brota da
natureza- não está escrito- inato à natureza humana
Deus também criou o direito
Direito natural- Direito Divino – grande confusão no período Medieval- acabam por ser a mesma coisa-
encontra-se na Natureza, do Homem no seu estado natural; tem uma origem divina
Ao longo do período medieval (Santo António)- explica que ambos tem a mesma proveniência: a lei eterna- é
Deus- aquela que nunca mudou- constante- lei eterna faz nascer o direito natural e direito divino
Fontes do direito divino são diferentes do direito natural- Antigo Testamento e Novo Testamento (base de
toda a Cristandade); não tem uma base positivada, não está escrita- é a manifestação de Deus no homem –
origem comum que dá origem a dois direitos que estão interligados mas que se distinguem por terem fontes
diferentes- o direito natural nunca terá de ser positivado, é intrínseco à condição humana, dá-nos um
sentido de pertença, o direito divino é positivado
Lei eterna
Lei Humana
Isto resulta que subordinado ao Direito Natural e ao Direito Divino, vamos ter a lei humana (a lei dos
homens)- consequência desta teoria: toda a lei que é criada pelo homem tem de estar de acordo com o
direito natural e com o direito divino- sendo a sua base a mesma. A sua origem está dependente da lei
eterna – controlam os parâmetros da lei dos homens → são hierarquicamente superiores- os requisitos da
lei humana repousam no direito natural e no direito divino
A grande discussão nas conceções do Direito Natural do período pluralista, começou com a interpretação
das versões de Gaio e Ulpiano.
▪ Para Gaio, o Direito Natural era eminentemente racional;
▪ Segundo Ulpiano, o Direito Natural teria como base o instinto, comum a seres racionais e irracionais.
Todos os princípios, valores e regras subjacentes ao Direito Natural e ao Direito Divino tem um papel
preponderante durante a época medieval pois condicionam todo o setor jurídico e político.
O que importa do prisma do historiador é salientar o facto de, no período medieval, se poder discutir o que
fosse o direito ou a lei divina, mas não a existência dessa ordem jurídica. A necessidade de ela ser
respeitada pelos governantes representava mesmo um dado axiomático e indiscutível. Os governantes
não estavam, aliás, apenas subordinados à lei divina, mas também à lei natural.
O Direito Natural configura-se como algo transcendente em relação aos titulares do poder e como
verdadeira ordem normativa, obrigatória ou vinculatória. Tratava-se de um setor jurídico que se
sobrepunha à vontade dos governantes e dos súbditos, de todo e qualquer membro de uma comunidade
(da Igreja ao Império, do Império aos Reinos, …) por anterior ao próprio poder político e à coletividade.
Era, aliás, da necessidade de sujeição da ordem jurídica humana ao Direito anterior ao governante, que
resultava a inviolabilidade do direito subjetivo para quantos entendiam o príncipe como fonte única e
exclusiva da ordem positiva.
Para muitos autores, o príncipe estava acima da lei positiva e abaixo da lei natural.
De tudo decorre como requisito e pressuposto fundamental do direito humano a imprescindibilidade da sua
adequação ou conformação com as ordens jurídicas superiores e com a justiça. Estas serão,
consequentemente, o critério da própria legislação dos príncipes e o aferidor da sua atividade política.
Outras separação tinha lugar, quanto ao Direito Natural, em preceitos primários e secundários (S. Tomás de
Aquino):
▪ Preceitos Primários – Autoevidentes, de fácil perceção, que não comportam, em momento algum,
qualquer possibilidade de alteração, por exemplo, o direito à vida);
▪ Preceitos Secundários – Exigem um esforço de raciocínio, por parte do Homem comum, para os perceber,
e, como tal, admitem a possibilidade de alteração, por exemplo, o usucapião).
No Direito Divino, só os preceitos móveis (preceitos secundários do Direito Natural) admitiam a mudança,
pelo que os preceitos imóveis (preceitos primários), não admitiam alterações, pois tratavam-se de princípios
de Deus que impunham proibições ou comportamentos.
Seja como for, interessa é considerar que historicamente se admitiu a variabilidade de uma parte do Direito
Natural, embora meramente superficial, o que permite compreender e justifica a possibilidade de
determinada ação ser considerada num momento conforme e noutro contrária àquele direito. O espirito
dele devia, porém, permanecer intacto.
Um último aspeto que tem relevância destacar está relacionado com a dispensa desses direitos, o que era
competência exclusiva do Papa, como representante da vontade de Deus. Com efeito, só o Papa, perante um
determinado caso concreto que lhe fosse apresentado, poderia dispensar alguém da observância de uma
norma de direito natural ou de direito divino, e fazer aplicar outra.
Porém, esse alguém não era qualquer cidadão, pois, apenas o monarca, em certas situações que não
pusessem em causa o bem comum, poderia pedir a dispensa das leis de direito natural ou direito divino. A
dispensa da lei poderia revestir duas formas: através da Magna Causa/Justa Causa ou através da Causa
Probabilis.
Há, no entanto, autores que defendem que o monarca, no uso de poderes concedidos pelo Papa, também
poderia dispensar os seus súbditos da observância da lei.
Bolonha vai ser o embrião de um movimento de grande importância. O modelo Bolonhês vai influenciar
todas as restantes universidades.
A universidade é, inicialmente entendida como um género de corporação, uma comunidade de estudantes e
de professores. Esta comunidade rodeava-se em torno da ideia de um grande mestre.
Na época medieval os textos são raros e muito caros, encontrando-se, grande parte, na posse da Igreja.
Esta comunidade de alunos e professores tem como objeto de estudo os livros.
A partir do modelo Bolonhês, por toda a Europa, um conjunto de matérias vão ser tidas como fundamentais
e vão caracterizar a universalidade do saber.
Da ideia medieval retirava-se que tinham de estar presentes um conjunto de saberes essenciais para a
formação académica.
A primeira universidade portuguesa, o Estudo Geral, fundada em Lisboa, consagrava esta mesma ideia, eram
lecionadas um conjunto de matérias e conhecimentos que, para a altura, eram a base das profissões que os
estudantes viriam a desempenhar futuramente.
O primeiro curso e que estaria necessariamente presente, excetuando o caso português, era a Teologia,
pode ainda falar-se na Medicina, Curso da Lei (Curso de Direito Romano) e Curso de Direito Canónico. Só no
século XIX é que se vai criar a faculdade de Direito por junção das faculdades de Leis e de Cânones
➢ Porquê que não se estudava o Direito Local até ao século XVIII (reforma pombalina)?
Só se começou a estudar Direito português nas universidades com a reforma criada pelo Marquês de Pombal
(1772). Durante longos séculos, na Europa, não se estudou o Direito local. O Direito Romano é a base dos
Direitos Europeus.
▪ Saber erudito, grande prestigio, cultura clássica;
▪ O próprio exercício de profissões vai ter como base a aprendizagem que era feita nas universidades
europeias.
O Direito Romano vai ser aplicado em toda a Europa desde a Idade Média e vai ser fonte subsidiária até à
codificação do Direito. É estudado nas universidades e é aplicado na prática. No caso português, o Direito
Romano é fonte aplicável nos tribunais até à publicação do Código de Seabra (1867).
A proximidade e a semelhança do Direito Europeu tem como uma das justificações o facto do Direito
Romano ter sido Direito estudado e praticado em todos os países de tradição Romano-germânica. Ficaram
de fora a Europa Ocidental (Igreja Ortodoxa) e o Direito Inglês. Inglaterra (Oxford e Cambridge) não fundou o
aprendizado jurídico semelhante ao Europeu.
Em Suma…
▪ O Direito Romano é estudado nas universidades;
▪ Será Direito aplicável até ao século XIX (Código Civil de 1867).
Porém, mesmo na época de Seabra, se não era aplicado como Fonte Mediata de Direito, o espírito do Direito
Romano continuava presente a inspirar os civilistas (não como Direito aplicado mas como ciência que explica
a quase totalidade dos conceitos utilizados pelos juristas no exercício da profissão e na resolução de
problemas).
Para haver diálogo entre pessoas de países diferentes, é imprescindível o cultivo de uma ciência jurídica que
tenha algo em comum:
▪ Se forem utilizados conceitos iguais (contrato, negócio jurídico, personalidade jurídica, …) o diálogo torna-
se possível. O Direito Romano vai permitir que isso aconteça.
O estudo do Direito Romano, inicialmente, era baseado na leitura e explicação do próprio texto. A
autoridade do texto romano é fundamental para se conseguir explicar este fenómeno. O Direito Romano é
um exemplo do ponto de vista jurídico e cultural. É a expressão de uma cultura superior.
Muitos destes textos da cultura antiga/clássica tinham desaparecido depois da queda de Roma, das invasões
e das guerras que marcam o inicio da Idade Média.
Ao longo dos séculos XI e XII dá-se um reencontro com esses textos e começam a ser ensinados nas
Universidades Antigas.
O Digesto era o livro por excelência da cultura jurídica romana. Em todas as universidades se estudam os
mesmos textos e de acordo com o mesmo método.
➢ Escolástica – Método Utilizado nas escolas antigas, comum a todas as faculdades.
▪ Escola dos Glosadores – Inicialmente, começa por ser um mero apontamento colocado no livro de Direito
Romano (Glosa). As glosas são anotações onde são explicadas palavras, expressões ou o conteúdo de
determinado texto. O latim utilizado no texto original era um latim clássico de difícil compreensão.
▪ Escola dos Comentadores - Está associado a modos de trabalho diferentes- vão dar nome à escola – os
comentadores faziam comentários (implicam uma compreensão do elemento literário que lá esta) e os
glosadores faziam glosas- podiam ser marginais ou interlineados (traduziam os documentos)- havia uma
preponderância nessas escolas para cada um dos métodos
Uso do elemento da autoridade
Domínio teleológico-filosófico
Finalidade prática
Adequação do direito romano
Lançam as bases da moderna ciência jurídica
Valoração dos iura própria
Liberdade perante o texto
Formulam princípios gerais/conceitos
Método dedutivo, dialético ou escolástico
Raciocínio silogístico
Criação de uma literatura jurídica
Analisam o direto romano+ direito canónico + direito feudal + estatutos da cidade
Combatem lacunas
Em torno da ciência jurídica surge um Direito que também é comum em todos os países da Europa – Ius
Communem.
Este Direito Comum não vai ser construído como um projeto politico, mas como um projeto cultural levado a
cabo e impulsionado pelas universidades – Unificação do Direito – A metodologia de ensino baseava-se na
autoridade do texto (Direito Romano).
Um grande contributo deu o professor Acúrsio que recolheu, num único trabalho, todas as Glosas feitas ao
Corpus Iuris Civilis (Obra Magna Glosa).
Este fenómeno não era só importante num ponto de vista teórico como, também, de um ponto de vista
prático. A opinião da Glosa foi seguida nos tribunais portugueses até ao séc. XVIII.
Um segundo grande jurista foi Bártolo. Publicou muitas obras, que consistiam em textos escritos em torno
de um dado instituto (compra e venda, por exemplo), onde eram feitos comentários às questões tratadas.
Associado às universidades:
▪ Direito Romano; Do ponto de vista histórico, com a queda do Império Romano, houve uma rutura com o
▪ Direito Canónico Direito Romano. Mais tarde, com a grande ajuda dada pelas universidades dá-se um
fenómeno de renascimento.
As universidades utilizam como base de aprendizagem os textos do Direito Romano, não num sentido de
fidelidade mas de adaptação aos problemas da época medieval. O Direito nasce a partir de grandes obras
académicas que vão, até mesmo, ser utilizadas como Fonte de Direito.
O modo de criação do Direito Português tem de ser correlacionado com a experiencia política. A
independência política não alterou nada do ponto de vista jurídico:
▪ Mesmas leis de Leão;
▪ Mesmos Forais de Leão;
▪ Costumes Antigos, alguns do tempo dos visigodos;
Independência Nacional não criou um Direito Português imediato. A ideia de Direito era um pouco diferente
da que existe atualmente, o reino estava dividido em senhorios, não existiam vias de comunicação tão
rápidas como as da atualidade, as fronteiras eram imprecisas, a própria aplicação do Direito dependia muito
e variava de região para região.
Por estas razões, as populações viviam necessariamente muito sobre si mesmas, consigo tinham de contar e
por si próprias haviam que resolver a maior parte dos problemas. Não havia, como agora, a possibilidade de
autoridades que providenciassem a todo o momento para qualquer parte.
A sociedade que estes homens formavam estava acentuadamente hierarquizada, correspondendo a cada
individuo a uma classe, com os seus direitos, deveres e funções próprias.
Fundamentalmente, havia que distinguir entre os homens livre ou ingénuos e os servos (individuo que não é
sujeito de direito, não tem capacidade jurídica, está equiparado aos animais, é uma coisa e, como tal, só
pode ser objeto de direitos, a origem primária da escravidão é a guerra mas podem juntar-se outras fontes
como a herança, a falta de pagamento de dividas ou a condição penal). Nos homens livres terão de se
distinguir as três classes dos clérigos, dos nobres e dos populares ou vilãos.
A historia da Europa é uma história complexa, as suas fronteiras vão sofrer muitas variações durante a Idade
Média, Portugal vai ficar à margem destes conflitos do ponto de vista geográfico.
Apesar desta fragmentação e divisão, havia um elemento de coesão e de unidade, não do ponto de vista
politico, mas do ponto de vista religioso. Havia uma ideia de unidade dos povos cristãos, uma comunidade
de povos obedientes a Roma, uma República Cristã. Esta unidade dos povos cristãos foi teorizada à luz da
ideia de Direito Natural. Um Direito que era Comum (Ius Comunem):
▪ Direito Romano;
▪ Direito Canónico.
O Papa começa a legislar para toda a comunidade Cristã, deixa de ser apenas o bispo de Roma, as leis
canónicas (Decreto Graciano) são para todo o mundo Cristão.
O Direito Comum era, por isso, o Direito Romano-Canónico.
Politicamente predominavam as monarquias. Estava presente a ideia de Paternalismo Político, ou seja, os
grandes autores vão opor a ideia de Rei à de Tirano. Um rei utiliza o poder para o Bem comum, um Tirano
utiliza o poder para o Bem próprio.
A visão medieval é a de que os reis têm fins a exercer e que têm de garantir o bem-estar da nação, o rei não
podia ser encarado como o proprietário do Reino e dos seus membros.
Constitucionalismo Medieval
(Os monarcas têm limites materiais ao exercício do poder)
Constituição Material
Pode-se falar na existência de um Direito Português, mas não se pode falar num Direito Geral para toda a
sociedade portuguesa.
Métodos de Trabalho
A Glosa
O principal instrumento de trabalho dos juristas pertencentes a esta escola foi a Glosa. Consistia num
processo de comentário textual. Cifrava-se, de inicio, numa simples palavra ou expressão, com o objetivo de
tornar inteligível algum passo considerado obscuro ou de interpretação duvidosa. Eram notas muito breves
que inseriam entre as linhas dos manuscritos que continham os preceitos analisados. Mais tarde, as
interpretações tornaram-se mais completas e extensas. Passaram a referir-se, também, não apenas a um
trecho ou um preceito mas a um titulo.
O Corpus Iuris Civilis foi estudado com uma finalidade essencialmente prática: a de esclarecer as respetivas
normas de forma a poderem aplica-las às situações concretas.
Os Glosadores encararam o Corpus Iuris Civilis como uma espécie de texto revelado e, portanto, intangível.
Deslumbrava-os a perfeição técnica dos preceitos da coletânea justinianeia, que consideravam a ultima
palavra em matéria legislativa. O papel dos juristas, nesta perspetiva, deveria reduzir-se ao esclarecimento
de tais preceitos com vista à solução das hipóteses concretas de vida. Não se procurava elaborar doutrina
que superasse e muito menos contrariasse as estatuições aí contidas.
A Glosa não é mais que uma simplificação do texto. O que os glosadores fizeram numa primeira foi o
trabalho de decomposição e simplificação do texto → Trabalho de enorme importância para a compreensão
do texto.
A Magna Glosa
A partir de um certo momento, já não se estudava diretamente o texto da lei justinianeia, mas a glosa
respetiva. Faziam-se glosas de glosas, cada autor acrescentava a sua glosa às anteriores.
No século XIII, Acúrsio, ordenou esse enorme material caótico. Procedeu a uma seleção das glosas
anteriores relativas a todas as partes do Corpus Iuris Civilis, conciliando ou apresentando criticamente as
opiniões discordantes mais credenciadas. A Magna Glosa encerra o legado cientifico acumulado por
gerações sucessivas de juristas.
A importância que a Glosa de Acúrsio alcançou reflete-se no facto de ser aplicada nos tribunais dos países do
Ocidente europeu ao lado das disposições do Corpus Iuris Civilis.
Foi bem aceite? O direito romano entrou no reino sem ser contestado?
Entrou, mas não entrou de qualquer forma- não foi necessariamente bem recebido
1º Direito romano era por excelência direito do império- se aceitássemos o direito romano como principal
fonte do direito- estaríamos de certa forma que eramos uns vassalos do império germânico (do ponto de
vista das relações internacionais) - algo que não queríamos de maneira alguma
1
Englobado pelo Papa e por bispos- convoca toda a comunidade eclesiástica. Decisões são tomadas em consílio pois é
necessário haver um grupo de pessoas, que unidas pelo espírito de Deus, consegue de uma melhor forma legislar-
decisões tomadas em consenso.
Uma primeira fase é marcada pela quase exclusividade das fontes de direito divino, posteriormente, seguiu-
se o processo do costume e de outras fontes de direito de direito humano.
Estas fontes tornaram-se cada vez mais complexas e passaram a regular cada vez mais aspetos, sentindo-se,
por isso, a necessidade de coletâneas que reunissem e sistematizassem essas normas.
O desenvolvimento do direito canónico postulava uma crescente necessidade do seu estudo. A elaboração
das respetivas normas e coletâneas reflete os progressos sucessivos da doutrina canonística. Apesar destes
avanços não se pode dizer que tenha havido até aos meados do séc. XI uma ciência do direito canónico
demarcada da teologia e do direito romano.
O Direito Comum
Designa-se Direito Comum (“Ius Commune”) o sistema normativo de fundo romano que se consolidou com
os Comentadores e constituiu, embora não uniformemente, a base da experiência jurídica europeia.
Alude-se ainda a direito comum romano-canónico.
Assim, a expressão tanto se encontra usada, restritivamente, para abranger apenas o sistema romanístico,
como, num sentido amplo, que compreende também outros segmentos integradores, muito em especial o
canónico.
Ao direito comum contrapõem os direitos próprios ou particulares que se distinguem devido às
circunstâncias politicas e económicas, formados por normas legislativas e consuetudinárias.
De um modo geral, durante os séculos XII e XII, o direito comum sobrepôs-se às fontes com ele
concorrentes, seguiu-se um período de equilíbrio e, posteriormente, os direitos próprios foram-se afirmando
como fontes primaciais dos respetivos ordenamentos e o direito comum tendeu a passar ao simples posto
de fonte jurídica subsidiária. O termo desse ciclo, em começos do séc. XVI, dá-se com a independência plena
do “ius proprium”, que se torna exclusiva fonte normativa imediata, assumindo o “ius commune” o papel de
fonte subsidiária apenas mercê da autoridade ou legitimidade conferida pelo soberano, que personificava o
Estado.
O estudo do direito positivo “supra regna” incide sobre o Direito Romano e o Direito Canónico. O Direito
Canónico é o que merce maior destaque.
O Direito Canónico regula as relações da comunidade de crentes com Deus e também a orgânica de
funcionamento da igreja. As leis de Direito Canónico designavam-se por Canones, os quais podiam ser
decretos pontífices ou estatutos dos concílios (assembleias eclesiásticas).
Fontes Essendi
Sagradas Escrituras
Abrangem o Antigo e o Novo Testamento.
No Antigo Testamento existiam 3 tipos de normas: as cerimoniais (dizem respeito ao culto), as judiciais
(dizem respeito à aplicação da justiça) e as morais (referem-se aos aspetos éticos).
No Novo Testamento existiam 3 preceitos: o direito divino (expressões direitas da vontade de Deus), direito
divino apostólico (normas de direito divino que advém da ação dos apóstolos) e direito apostólico (normas
ditadas pelos próprios apóstolos).
As disposições de cristo valem para sempre. O Antigo Testamento só obriga quando a elas conforme, seja
direta, seja tacitamente. Os evangelhos constituem a lei fundamental da Igreja.
Tradição2
Corresponde ao conhecimento translatício, oral ou escrito, que se transmite através das gerações. A tradição
pode ser classificada de 3 formas: inhesiva (está escrita explicitamente nas sagradas escrituras),
declarativa/interpretativa (está escrita implicitamente nas sagradas escrituras) e a constitutiva (não está
referida nas sagradas escrituras porque apareceu depois).
Costume
Corresponde aos usos próprios da comunidade eclesiástica, acompanhados da convicção de
obrigatoriedade.
O costume canónico, para ser considerado como tal, tinha de ser antigo, racional e consensual.
Os grandes problemas do costume vão aparecer, sobretudo, depois do renascimento do Direito Romano, é
então que se porá a questão de articulação do costume com a lei, debate que incidirá principalmente no
costume contra legem.
O costume foi uma fonte de direito canónico muito importante porque preencheu algumas lacunas.
2
Costume ≠ tradição
Base da tradição está numa base bíblica
Costume- prática consensual
Decretos e Decretais
A necessidade de completar a Revelação com normas adaptadas aos tempos e às circunstâncias da Igreja,
levou naturalmente ao recurso à autoridade do sucessor de Pedro, a que Cristo confiou a Igreja, o Papa, para
prover conforme os casos.
Segundo Graciano, como nem sempre os concílios estavam de acordo com o Papa, os decretos (decreta)
eram atos do Papa para formalizar a oposição aos estatutos conciliares, quando estes não eram coincidentes
com as suas ideias.
Graciano distingue decretos de decretais, alegando que os primeiros são normas que o Papa determina por
conselhos de cardeais sem que qualquer questão lhe tenha sido colocada, para se opor aos estatutos
conciliares discordantes, enquanto que os segundos (decretais) são normas que o Papa determina sozinho
ou com os cardeais para uma questão que lhe tenha sido colocada, destinada à generalidade dos fieis
(Decretal Geral) ou a um círculo limitado de fieis (Decretal especial)- iniciativa dos bispos feita ao Papa.
Cânones
Pode-se considerar os Cânones:
▪ Num sentido amplo, como qualquer regra ou norma jurídica;
▪ Num sentido restrito, como qualquer norma jurídica ou canónica;
▪ Num sentido ainda mais restrito, como normas que resultam dos concílios (assembleias eclesiásticas,
reuniões do clero).
Concilium designa toda e qualquer assembleia deliberativa ou consultiva, politica, eclesiástica ou mista.
Distinguem-se os concílios em ecuménicos (universais), nacionais, provinciais e diocesanos. Os concílios
ecuménicos são de convocatória pontifícia, os membros do concílio são os bispos, os cardeais, os gerais das
ordens religiosas e os abades isentos. Os bispos assumem funções de juízes e de legisladores.
Doutrina
Corresponde à atividade cientifica dos juristas, cuja importância foi enorme principalmente depois da aliança
entre a lei secular e a lei canónica. É no âmbito desta aliança que surge o Utrumque Ius, que constitui o
produto da superação da concorrência ou da rivalidade das duas grandes ordens jurídicas medievais,
representa como que uma simbiose.
Os doutores canonistas dividem-se em dois grandes grupos: os decretistas (escrevem sobre o decreto de
Graciano) e os decretalistas (escrevem sobre as decretais).
A partir da aliança entre o Direito Canónico e o Direito Romano, que se vai traduzir no direito comum, os
grandes canonistas são, também, em regra, grandes civilistas.
Concórdias e Concordatas
As Concórdias distinguem-se das concordatas porque as primeiras são acordos celebrados entre o Rei e o
Clero nacionais, enquanto que as segundas são acordos entre o Rei e a Santa Sé, representada pelo Papa, ou
seja, acordos de carácter internacional, que tinham como objetivo principal, o de estabelecer os direitos e as
obrigações de cada uma das partes envolvidas
Fontes Cognoscendi
A proliferação de normas explica-se por vários fatores.
Em primeiro lugar, a dimensão do povo cristão. Em segundo, o facto da Igreja ter realizado a respetiva
centralização muito tarde. Em terceiro, o facto de, consolidado o poder pontifício, a atividade papal ter rido
que se desdobrar pelos diversos aspetos da vida da época, sendo chamada a intervir nas mais diversas
matérias, Por fim é ainda necessário referir o desenvolvimento de novas ordens regulares, a prática de
reservas, dispensas da lei, excomunhões, indulgências,…
A obtenção da certeza do direito ditou um prolongado esforço, traduzido na organização de coletâneas de
textos, que culminariam em movimentos de codificação.
O direito canónico tem várias coleções divididas em direito velho e em direito novo.
▪ Beneplácito Régio
Criado por D. Pedro I, instituído que as regras apostólicas só seriam publicadas se fossem aprovadas pelo
Rei. Face à contestação do clero, D. Pedro I iludiu-os, argumentando que beneplácito régio se destinava a
garantir a autenticidade dos textos canónicos e a evitar a entrada de letras apostólicas falsas.
▪ Anticlericalismo da População
Os clérigos abusavam de certas situações, através da coação exercida sobre doentes terminais, para obter os
bens destes.
▪ A Existência de Numerosas Heresias em relação ao credo religioso, constituiu um obstáculo de relevo
• Doutrina Franciscana – que professava a pobreza e lutava contra o enriquecimento da igreja à custa da
população;
• Averroismo – que professava uma heresia radical, que defendia que toda a humanidade tinha sido
enganada pelos Deuses.
▪ Abolição do Juramento dos Contratos;
▪ Criação de leis que obrigavam os clérigos a responder nos tribunais civis em matéria criminal;
▪ Lutas entre o clero e a realeza;
▪ As próprias manifestações culturais, nomeadamente, a poesia trovadoresca destacavam esta polémica,
sobretudo depois do episodio que ocorreu com D. Sancho II. Os poetas tomaram decididamente posição
pela fação nobiliárquica apoiante do rei e contra o clero e a Igreja de Roma.
Em parte, a resistência à penetração do Direito canónico é, na verdade, um aspeto da resistência ao
próprio clero e às suas pretensões de imunidade e hegemonia.
Direito Comum Europeus (“Ius Commune” marcado pelo estudo e aplicação do direito romano justinianeu e
do direito canónico). Este fenómeno não foi diferente em Portugal, só se começa a estudar Direito Português
nas universidades com a reforma feita por Marquês de Pombal no ensino superior (1772). Porém, desde a
fundação da nacionalidade está em formação um “Direito Português”. Este Direito foi sendo criado a partir
de uma matriz comum, o Direito Comum. A Independência foi, acima de tudo, um fenómeno politico, não
provocou uma rutura cultural com o que se vivia anteriormente.
Apesar desta inicial imprecisão de fronteiras, a história mostra que Portugal é o país Europeu com fronteiras
mais estáveis e duradouras, para além disso, existe uma unidade e coesão cultural que não se encontra
presente em nenhum outro pais do velho continente (uma única língua, por exemplo), este fenómeno foi
resultado da história e foi sendo construído e definido com o decorrer dos anos.
Início da Monarquia:
▪ Principal Fonte de Direito é o Costume, essencialmente o costume local. Durante muitos séculos, o
costume não foi entendido pela generalidade e abstração, na idade média os costumes são essencialmente
locais;
▪ Fala-se, ainda, de um Direito que não é aplicado a todos de igual forma. O Direito Medieval assenta na
ideia de privilégios, era muito diverso e dependia da condição social, cada grupo social tem os seus próprios
costumes e as suas próprias regras.
Direito não é geral e abstrato, a sociedade medieval não assenta em costumes gerais e abstratos, assenta
em costumes locais e privilégios sociais assentes nesses costumes.
A grande rutura só ocorreu com o liberalismo. Esta sociedade medieval era uma “Sociedade de sociedades”,
não há uma sociedade igualitária, mesmo no seio dos grupos sociais existe desigualdade:
▪ Grandes titulares da nobreza têm privilégios que os elementos da baixa nobreza não têm, por exemplo, só
os grandes senhores, condes, podiam participar nas cortes;
▪ No seio do Clero existe uma grande diferença entre os Bispos, muito próximos dos reis, e os frades que não
tem privilégios na matéria política.
Até ao Liberalismo o Direito é fragmentário, não há costume geral. No inicio da monarquia não há
propriamente uma ciência jurídica, surge com as universidades.
Costume Prática Reiterada Antiga
Por ser antiga, torna-se obrigatória
Com a ciência jurídica a desenvolver-se que nem todo o costume deve ser válido, o costume deve respeitar
certos requisitos. Sobretudo, a partir do reinado de D. Afonso III exige-se a Racionalidade
Afastamento dos maus costumes, costumes errados ou irracionais devem ser afastados. Os costumes vão
ser analisados pelos reis. Aquando do momento em que D. Sancho II é afastado uma das causas invocadas
foi a de que ele não reprovava os maus costumes.
Os reis portugueses não só vão assumir a tarefa de proibir os maus costumes como a dos substituir por
outros.
▪ Por exemplo, no ocidente europeu havia a prática das provas ordálias (juízo de Deus), um tipo de prova
judiciária usado para determinar a culpa ou a inocência do acusado por meio da participação de elementos
da natureza e cujo resultado é interpretado como um juízo divino. Assentava na ideia de que deus não iria
deixar que um inocente fosse condenado. Uma das provas típicas era a prova do ferro em brasa. Depois de
uma acusação feita a alguém ele tinha de demonstrar a sua inocência (ao contrário do que acontece
atualmente, todos são inocentes até prova em contrário – Principio da Presunção da Inocência). Era
queimada a mão com um ferro e cobrido com trapos, dias mais tarde a comunidade voltava a reunir, se a
ferida estivesse sarada teria sido um sinal divino e a pessoa a ser julgada seria inocente.
A respeito desta prova, a Igreja dirá que é contrária ao principio da invocação do nome de Deus em vão.
Não basta acabar com um mau costume, é preciso que ele seja substituído:
▪ Provas;
▪ Testemunhas; Substituição dos maus costumes por novas
▪ Documentos Escritos; regras baseadas no Direito Romano e Canónico
▪ Prova Testemunhal.
No reinado de D. Afonso IV um dos costumes e privilégios da nobreza era a vingança privada. Os nobres não
deviam ser submetidos aos tribunais comuns devido à sua condição social, podia ser feita justiça pelas
próprias mãos, não existiam qualquer tipo de regras, a vingança era desproporcionada:
▪ Ideia de proporcionalidade e de culpa não existiam na sociedade medieval.
Os reis vão procurar impor limites a este costume irracional. No reinado de D. Afonso IV é proibida a
vingança privada e é substituída por um conjunto de novos institutos, nomeadamente, os juízes de fora.
Surge a ideia de que a justiça é um monopólio do monarca, só ele, como titular do poder, pode fazer justiça.
Aos poucos os costumes vão sendo reprovados, porém, nem sempre a observância das leis que reprovam
estes costumes se vai verificar, especialmente se se dirigirem contra os privilégios do clero e da nobreza.
No inicio da monarquia a ideia de Direito é o resultado de um Consenso, ou seja, de um costume (prática
reiterada). À medida que se avança na historia, o costume vai sendo substituído pela lei e sucessivamente
desvalorizado.
Atualmente, o costume é muito desvalorizado pelos códigos, não há como saber se o costume enquanto
prática reiterada é ou não injusto, deve ou não ter vigência. Por haver consenso e observância não tem de
haver necessariamente justiça, o Direito veio sendo moldado e alterado com o decorrer dos tempos.
Costume irracional e injusto vai sendo reprovado e substituído por novas regras. Um dos fatores de
racionalidade era a lei.
A lei era encarada como o elemento racional que permitia o avanço no ponto de vista civilizacional, é preciso
a existência de leis para proibir práticas aceites e que se revelam injustas e irracionais.
Os monarcas deviam ter como inspiração o Direito Romano e o Direito Canónico.
A relação entre costume e lei vai ser muito complicada em toda a história de Portugal. Na idade média uma
lei podia revogar um costume, mas o desuso de uma lei (através do costume) também podia ter um efeito
obrigatório e vinculativo.
Só com o Marquês de Pombal é que o costume deixa de poder revogar a lei, anteriormente, a doutrina
aceitava que o costume, através do desuso, podia revogar a lei.
A grande maioria das leis, na Idade Média, eram concretas, aplicavam-se a uma localidade, a uma
comunidade ou a uma família. A lei não tinha de ser necessariamente geral e abstrata. Como já referido, o
Direito Medieval assenta na Ideia de Privilégio.
Ius Regni
Direito Legislado
O Direito legislado é aquele que é produto da vontade humana e está positivado, isto é, escrito. O direito
legislado é o direito elaborado pelo poder político.
Com efeito, no período pluralista, o conhecimento da lei era efetuado oralmente pelos procuradores do rei.
Os procuradores liam as leis habitualmente aos domingos, sendo que a frequência das leituras tinham a ver
com a importância da lei.
Quanto à interpretação da lei, imperava a interpretação autêntica, ou seja, efetuada pelo próprio rei.
Em regra, a lei não era retroativa, porem existem muitos exemplos de aplicação retroativa das leis no
período pluralista.
Quanto à aplicação da lei no espaço, a lei era essencialmente local.
Inicialmente, a lei boa tinha de estar em conformidade com o Direito Natural e o Direito Divino. O monarca
começou por não afrontar o Direito Canónico e a colocar, no corpo da lei, regras consuetudinárias.
O Direito, assim como a história, não é um fenómeno isolado, é necessário conseguir perceber o contexto do
seu desenvolvimento. Nesse sentido, é fundamental ter conhecimento daqueles que foram os povos e as
comunidades que habitaram a Península Ibérica no período anterior à fundação da nacionalidade.
De um prisma cronológico a primeira referência deve ir para os povos primitivos (Iberos, Tartéssios,
Lusitanos,…) mas das suas instituições jurídicas pouco se sabe. Sobrelevam, pela importância que tiveram
para o direito português, o direito romano e os impropriamente chamados direitos germânicos.
Aos Visigodos, povo que dominou a Península durante séculos e cujo Império apenas terminou com as
invasões muçulmanas, ficaram a dever-se alguns dos mais famosos monumentos jurídicos.
Existem testemunhos de vigência do Código Visigótico no inicio da monarquia portuguesa, mas que se vão
progressivamente esbatendo. Continua a ser citado em alguns documentos portugueses do séc. XII, nos
mesmo termos em que vinha sendo anteriormente nos documentos leoneses (sob a forma de uma vaga
reminiscência, mantida apenas rotineiramente em formulários notariais). Mas, no séc. XIII, estas citações
desaparecem e o próprio fenómeno do renascimento do Código Visigótico operado em Castela através da
sua tradução para romance já não tem repercussões visíveis em Portugal.
É sabido que as populações cristãs sob o domínio muçulmano continuaram-se a reger pelo Código Visigótico
nos séculos da reconquista antecedentes da fundação da nacionalidade portuguesa; por outro lado,
conhecem-se numerosos documentos do séc. XII respeitantes ao território português em que o Código
Visigótico continua sendo invocado, o que demonstra uma linha de continuidade.
Só a partir do século XII, e em concomitância com o progressivo crescimento da legislação nacional e com a
“redescoberta” do direito justinianeu, as menções ao código visigótico principiam a desaparecer.
Em suma, antes da fundação da nacionalidade, vigoraram as leis contidas no Código Visigótico e as Leis de
Leão, Coiança e Oviedo, surgidas das assembleias de Leão, de Coiança e de Oviedo, as quais se classificam
em Cúrias e concílios.
• Reinado de Afonso V de Leão (1057) – Leis de Leão;
• Reinado de Fernando I (1050) - Leis de Coiança;
• Reinado de Urraca (1115) – Leis de Oviedo;
Leis Gerais Portuguesas
No quadro das fontes de direito relativas ao primeiro período estudado, as leis gerais começam por ocupar
um papel modesto. É necessário perceber que a principal preocupação dos reis portugueses foi, sem duvida,
a luta pela expansão territorial e a expulsão dos muçulmanos de território peninsular.
Aos poucos, todavia, foi-se processando crescente atividade legislativa dos monarcas. Inicia-se a marcha
lenta, mas segura, para a monopolização do direito positivo pelo príncipe. Decerto que ela será também
exercida nas cortes ou na cúria (conselho régio) juntamente com o rei
É também certo que o poder legislativo dos reis está subordinado aos preceitos das outras ordens jurídicas,
a começar pelo direito divino e pelo direito natural.
De qualquer forma, porém, torna-se cada vez mais acentuada a propensão para referir o monarca como
centro legislativo por excelência. Por outro lado, este, na sua luta pela supremacia e pela superioridade
jurídico-politica da Coroa, vai assumindo e reclamando para si o monopólio legislativo e o papel de árbitro
entre as diversas ordens jurídicas em presença. Torna-se, em suma, a fonte do poder e do direito.
O progressivo crescendo da legislação régia corresponde ao fortalecimento sempre constante do poder
real, para o que não pouco contribuíram os juristas educados na tradição e no culto do direito romano
justinianeu.
Até ao reinado de D. Afonso II, só se conheciam duas leis portuguesas, nomeadamente a lei do reinado de
D. Afonso Henriques sobre as Barregãs (grávidas) e a Lei do reinado de D. Sancho I sobre a isenção do
serviço militar.
Com efeito, as leis feitas pelos reis portugueses só surgiram, em numero considerado significativo, a partir
do reinado de D. Afonso II (Cúria de Coimbra de 1221).
Neste período as leis portuguesas foram proliferando e acabaram por ser compiladas em duas grandes
obras, nomeadamente:
▪ Livro das Leis e Posturas - Agrupa, sem qualquer critério de sistematização, as leis elaboradas entre os
reinados de D. Afonso II e D. Afonso IV.
▪ Ordenações de D. Duarte - Esta obra é mais complexa e perfeita que a anterior, já que organiza leis por
reinados e, dentro destes, sistematiza-as por matérias.
No período pluralista, com a formação e consolidação dos Estados, a lei foi-se gradualmente afirmando
como uma fonte de direito cada vez mais importante.
Assim, a lei tinha força vinculativa, ou seja, nenhum cidadão podia alegar a ignorância da lei pois estas eram
registadas no livro da Chancelaria e lidas na missa amiúde ou muito amiúde, conforma a sua complexidade e
grau de importância.
Geralmente a publicação das leis e de quaisquer atos do soberano estavam a cargo dos tabeliães que, depois
de as registarem nos seus livros, as deviam ler no tribunal do concelho, ordinariamente uma vez em cada
semana. Na maior parte dos casos a leitura publica das leis era, em geral, feita todas as semanas, todavia, a
própria lei estabelecia periodicidade diversa para a realização de tal solenidade.
Cartas de Privilégio
Em sentido lato, cartas de privilegio eram documentos que atribuíam prerrogativas, liberdades, franquias e
isenções de qualquer ordem. Em sentido estrito, embora de índole muito diversa, têm como denominador
comum a circunstancia de traçarem um regime jurídico especifico para certo território ou certa comunidade,
isto é, uma disciplina própria e diferenciada. As cartas de privilégio consubstanciavam um regime próprio
para uma comunidade especifica e delimitada, não eram gerais e abstratas.
Consoante os autores, as cartas de privilégio englobavam, entre outras, as cartas de povoação, cartas de
foral, foros, forais, cartas de doação, cartas de doação de terras, cartas de liberdade, cartas de franquia.
Cartas de Povoação
A carta de povoação visava atrair habitantes para certas zonas, escassamente povoadas ou despovoadas. O
monarca, um senhor ou a entidade que exercia a autoridade sobre o território nessas condições fixava na
carta de povoação um conjunto de normas definindo o estatuto dos futuros colonos, especialmente quanto
às condições de exploração da terra. Aí se estabeleciam quais as pretensões patrimoniais ou pessoais a que
os povoadores ficavam obrigados, e os modos de detenção e ligação à terra.
A Vindicta privada (vingança, justiça privada, justiça feita pelas próprias mãos) era uma prática comum e
considerada normal no período pluralista, porém não era aceite pelo monarca, o qual, no sec. XIII, para a
abolir e assim ganhar o controlo judicial, passou a definir o bom costume como sendo aquele que a ela se
contrapunha, substituindo-a por práticas ou normas de bom costume, por ele próprio definido.
O costume, à medida que vai sendo acolhido noutras fontes (leis, forais,..), perde o carácter especifico para
assumir, total ou parcialmente, a feição destas quanto à obrigatoriedade, vai também, adquirindo
generalização crescente.
O costume, para ser considerado bom, tinha de obedecer a alguns requisitos, nomeadamente: ▪
Antiguidade: O costume tinha de ser plural e antigo, o que lhe dava o carácter de prática reiterada, repetida
e com convicção de obrigatoriedade. A antiguidade deveria ser relacionada com o conceito de prescrição, o
que implicava o decurso de um determinado período (10 anos se invocado contra pessoas presentes e 20
anos se invocado contra pessoas ausentes)
▪ Racionalidade: O costume tinha de ser racional, isto é, estar conforme com a “direita razão”, com o direito
natural
▪ Consensualidade: O costume tinha de ter o consenso da comunidade e do legislador, que, à época, era
uma e a mesma pessoa, na medida em que era a comunidade quem introduzia o costume, logo, o costume
tinha de estar de acordo com vontade da maioria da comunidade. Alguns autores identificam, também,
neste âmbito o conhecimento do costume e aprovação voluntária, exceto se o costume for legalmente
prescrito.
▪ Conformidade com o direito divino: O costume tinha de estar em conformidade com a lei divina, a qual
ajustava a ideia de direito natural à utilidade pública, que, na época medieval, correspondia à salvação da
alma.
Não obedecendo a estes requisitos, o costume não era julgado como bom costume.
Quanto ao valor jurídico do costume, importa referir que, na época medieval, na falta de lei, o costume
aplicava-se como lei, além disso funcionava também como intérprete da lei.
O costume podia também ser integrado nas lacunas dos foros, corrigi-los ou mesmo revogá-los.
Quanto à aplicação do costume nos tribunais, isto é, ao denominado direito judicial, há a salientar que a
“jurisprudência” (na altura, não designada com esse nome) da época correspondia ao costume judiciário,
isto é, às decisões que mais eram utilizadas na aplicação dos casos.
Conhecem-se três formas de direito judicial, os estilos, as façanhas e os alvidros.
▪ Estilo
É uma espécie de direito não escrito, pois corresponde à prática de um tribunal que cria um estilo de
decisão, uma norma consuetudinária de direito processual, passando assim a ser o costume o orientador da
forma como se iria processar.
O estilo difere do costume consagrado pela generalidade das pessoas porque resulta do de determinado
pretório (juiz). O estilo também é designado pelo costume em casa del rei na cúria régia. Os requisitos do
estilo são a racionalidade, a conformidade ao direito suprapositivo (direito natural) e a pluralidade
• Façanhas
Eram decisões de tal forma complexas que entendia-se que deveriam passar a funcionar como um padrão de
referência para o futuro (regra do precedente britânico). José Anastácio de Figueiredo defende que as
façanhas são sempre de natureza régia, na medida em que a sua exemplaridade advém duma personalidade
superior que, na época, só poderia ser o monarca. Defende também este autor que as façanhas só se
aplicavam a casos duvidosos ou omissos na legislação pátria, querendo isto dizer que apenas poderiam
resultar da resposta a casos que não tinham sequer tutela na legislação geral.
▪ Analítica porque, na época, o jurista procurava, para cada caso, um preceito legal que lhe permitisse
encontrar a solução ideal, não se preocupando tanto com a consideração sistemática, isto é, com o
enquadramento no sistema jurídico, procurando primeiramente na norma a solução que mais lhe convinha,
e só depois a considerava no ordenamento jurídico.
O jurista olhava para a lei ou para a norma em causa e via nela algo de imediato, dotado de
individualidade, a apreender em si mesmo. Ou seja, o dado a priori para o jurista medieval não é sistema
jurídico, é a norma concreta.
▪ Problemática porque o jurista obtinha uma solução para o caso concreto, depois de discutir a questão,
recolher os argumentos pró e contra, ponderar as várias soluções possíveis, optando normalmente pela
solução que, para ele, lhe parecesse mais razoável.
Para o jurista medieval a solução não se obtia através da subsunção do facto à norma legal, mas pela
ponderação das soluções possíveis. Em função destas era achada a norma aplicável, determinado o seu
âmbito, estabelecida a interpretação competente. A aplicação das leis tinha de ser controlada em função das
respetivas consequências face a critérios de justiça de direito natural e de conveniência ou utilidade.
Enquanto o aspeto analítico antes referido por conexo, pelo menos num primeiro momento, ao texto
legislativo parte de uma consideração gramatical deste, a vertente problemática do pensamento jurídico
arranca de um conflito de interesses, senão real e explicito, pelo menos figurado ou pressuposto, para o qual
se busca a solução.
Com efeito, como o código de justiniano não continha uma lógica sistemática, isto é, com uma harmonização
de leis, pelo que os prudentes medievais, conscientes desse facto, analisavam as leis nele contidas
isoladamente e ao pormenor (analítica) e abordavam-nas com um ponto de vista crítico, criando Direito a
partir desse ponto de vista
Assim, com base nesta metodologia, a primeira preocupação do prudente medieval era analisar o caso
concreto e a segunda a de encontrar uma solução para o mesmo, ponderando todas as soluções possíveis,
sendo certo que a aplicação da lei tinha de ser controlada em função das respetivas consequências, face a
critérios de justiça de direito natural e de conveniência ou utilidade.
Leges
Corresponde à ciência jurídica medieval que se diz ser uma ciência de textos. Os preceitos jurídicos eram
analisados enquanto elementos de um texto, obedecendo a uma gramática especulativa. A Leges era vista
como uma técnica de interpretação.
A gramática é a arte pelo qual o espirito se exprime.
Rationes
São definidas por Lombardi como sendo os argumentos de equidade, e também, numa segunda perspetiva
complementar, como argumentos de direito natural, de oportunidade e de lógica.
As rationes correspondiam à arte de criar argumentos para dar resposta a um caso concreto.
A rationes podiam constituir uma decisão legal, construída em sede exclusiva de justiça, utilidade ou
racionalidade; noutras situações é através delas que se censura o preceito textual sobre o qual incide o juízo
de desfavor e se justifica, portanto, um ditame contra legem.
Podem ainda conceber-se como elementos de interpretação da lei.
As rationes funcionavam assim como instrumentos interpretativos da lei, sendo que quando esta se mostra
insuficiente, há que lhe juntar argumentos extralegais, baseados em critérios de direito natural,
oportunidade e lógica.
O conhecimento alcançado pela utilização das rationes não é entendido como o único e necessário, mas
sempre visto como um conhecimento provável.
Os argumentos criados pelos jurisprudentes medievais, apesar de partirem dos textos legais (código
justinianeu), iam para além deles, buscando apoio na equidade, no direito natural, na oportunidade e na
lógica, e não num qualquer texto de lei humana ou divina.
Pode assim dizer-se que na Idade Média, para além do necessariamente verdadeiro e do necessariamente
falso, se aceitou a categoria intermédia da verdade provável (suscetível de prova), daí a necessidade dos
argumentos.
De apoio à construção argumentativa, isto é, à interpretação dos textos e mesmo, para além desta, à criação
de direito, os jurisprudentes recorreram a 4 instrumentos ou ciências, nomeadamente:
• Dialética - Consiste na arte da discussão. Tem uma função de contraposição de argumentos, na base dum
debate controversístico e discursivo.
• Retórica- Corresponde à arte de persuadir e de convencer, entendendo-se que o jurista para além de
conhecer, tem de saber convencer. Formalmente reveste a forma de discurso, suscetível de longos
encadeamentos de conclusões, incorporando elementos de natureza psicológica.
• Lógica- Enquanto disciplina de pensar sem contradições.
• Tópica- Consiste em observar um problema de todos os seus ângulos e recolher o maior número possível
de argumentos em busca de uma solução. Do uso da tópica jurídica resultam os chamados depósitos de
argumentos que são conjuntos conseguidos pela observação de um caso nas suas diversas perspetivas,
podendo esses argumentos depositados ser a resposta a um determinado problema. São argumentos
possíveis os de semelhança, de diferença, de causalidade, de efeito, de antecedência, etc.
A maneira como se vê o problema depende da posição de onde se vê. O réu não vê o tema do processo da
forma pela qual o vê o autor. Cada um aduz tópicos diferentes de solução.
A tópica é como um armário com muitas gavetas, é a mesma coisa aplicada aos princípios do direito, a
nossa mente vai buscar ao armário do direito diferentes conceitos que se relacionem com o problema, a
tópica é um reservatório de argumentos.
O jurista medieval utiliza no seu operar essencialmente rationes que consubstanciam não postulados
racionais mas apenas razoáveis.
Auctoritates
A aceitação como premissas de asserções que em si mesmas não consentem a demonstração da respetiva
verdade ou falsidade e cuja legitimidade provém unicamente da sua probabilidade, coloca o problema de
qual o critério para julgar a credibilidade por elas merecida.
É definido como o saber socialmente reconhecido. A aceitação de uma solução concreta passava muitas
vezes pela autoridade de quem a defendia. Sabendo-se que a verdade jurídica era sempre meramente
provável, tornava-se particularmente importante o modo como ela se fundamentava e a sabedoria de
quem a defendia.
A opinião traduzia o ensinamento de um douto (daquele que era perito numa arte e cujo testemunho de
vivência e experiência respetiva se aduzia para dar credibilidade a uma asserção insuscetível de
demonstração em termos de verdade ou falsidade, de si impeditivos de qualquer discussão. O pensamento
de opiniões traduz, assim, e em ultima análise um pensamento de peritos (doutores). Mais uma vez, é
necessário reforçar que não havia uma resposta absoluta e imutavelmente acertada, os próprios doutores
garantiam respostas e proposições apenas prováveis, sendo prováveis podia haver lugar para divergência,
tornando-se, por isso, necessário averiguar o processo de conciliação entre as diferentes formulações.
Alguns problemas suscitaram uma pluralidade de opiniões e, nesses casos, era necessário distinguir qual
delas merecia maior credibilidade. A este propósito surgiu o conceito de opinião comum dos doutores,
entendida como aquela que era defendida por um conjunto de juristas com auctoritas.
A communis opinio traduz a ideia de que se deve seguir o parecer que tiver por si maior numero de
doutores, que recolher um sufrágio ou consenso mais amplo. A opinião comum é uma simples operação
quantitativa, reconduzindo-a à opinião que fosse sufragada por mais doutores, com alheamento de qualquer
aspeto qualitativo, ou seja, prescindindo de toda a hierarquização de depoimentos.
Este elemento não deve ser entendido como critério único, porque se em parte ele é verdade não deve ser
entendido de uma maneira exclusiva. Os próprios juristas também se distinguiam uns dos outros e as
opiniões de nomes como o de Bártolo acabavam por ter mais peso. Entram aqui as características individuais
dos juristas, o seu curriculum e a sua obra.
Ao longo do tempo, três critérios de fixação da opinião foram estabelecidos: o quantitativo (que estabelecia
que a melhor opinião era a defendida pelo maior número de juristas), o qualitativo (que estabelecia que a
melhor opinião era a defendida pelos juristas de maior prestígio) e o misto (que conjugava os dois critérios
anteriores e portanto era o mais exigente). Supõe-se que o critério quantitativo puro nunca terá sido usado,
porque ele implicaria uma mera contagem de opiniões.
O critério misto foi geralmente o preferido, já que fixava como opinião comum a mais defendida entre os
melhores. A solução que tivesse a seu favor a opinião comum dos doutores saía naturalmente reforçada e
impunha-se relativamente às outras.
Os juristas deveriam ser entendidos apenas como peritos da “ars”, ou seja, a opinião de cada doutor não era
tida como necessária, mas apenas provável e, portanto, sujeita ao contraste com as dos demais doutores.
Perante a multiplicidade de normas aplicáveis a cada caso (concurso normativo) a escolha da efetivamente
aplicada foi o fruto das justificações dos doutores.
O Direito Romano teve uma grande importância neste período inicial, constituiu um módulo da ciência do
direito através da interpretação dos prudentes (interpretativo prudentium) e não do poder da lei (potestas
legislativa).
É sempre importante ter bem presente a circunstancia do Corpus justinianeu representar a ordem normativa
de um imperador, falecido havia cerca de seis séculos, cujo poder se não exercera sobre a generalidade dos
países que constituem a maior parte da Europa Ocidental.
A iurisdictio imperii, porém, encontrou pela frente as afirmações de autonomia e independência dos
vários príncipes.
Assim, se o Direito Romano se apresenta como Direito Comum (ius commune) ao longo dos séculos que
decorrem de Irnério até ao fim da idade média, reulta isso não do poder Imperial, mas do trabalho
cientifico dos prudentes. São estes que o impõem como lei geral a todos.
O Direito Romano era aplicado, por isso, não pela razão do Império mas pelo Império da Razão.
É precisamente pela influência dos doutores que o Direito romano justinianeu será reelaborado em
termos de adequação às necessidades medievais, de tal modo que adquire novo sentido. Os juristas
manejá-lo-ão em concomitância com o direito canónico e com os direitos locais (iura própria) para
obterem um ordenamento eficaz em termos de realidade. Alguns autores consideram que o ius commune
é uma “fusão” entre direito canónico e direito romano. Porém, na opinião dos professores Albuquerque e
de grande parte da doutrina, consideram que o Direito Romano e o Direito Canónico atuaram
reciprocamente um sobre o outro, em relação de concorrência e em relação de conjugação, consoante as
épocas, as próprias relações entre os poderes e as ideologias. Houve dialética e simbiose, mas não fusão.
Trata-se de direitos diversos (untrumque ius), e não de um direito (unum ius). O direito romano é direito
comum modificado, ampliado, transformado pela interpretativo doctorum, mas direito romano.
Ius commune designa, assim, em regra, o direito romano e distingue-se do untrumque ius.
O uso desta metodologia, baseada no estudo dos textos romanos e adaptada às necessidades da Europa
medieval, acabaria por dar origem a um ordenamento de criação prudencial a que se chamou “ius
commune”, ou seja, o direito comum que é, portanto, direito romano estudado, modificado e adaptado pela
interpretação dos juristas às necessidades dos direitos nacionais da época. A base desse direito é o direito
romano justinianeu.
Géneros Jurídico-literários
No desenvolvimento do seu trabalho, seguindo a metodologia analítico-problemática (Ars Inveniendi), os
jurisprudentes medievais adotaram diversos géneros jurídicos e literários, dos quais importa apenas
destacar os seguintes:
Glosas
Correspondem a pequenos comentários clarificadores duma pequena passagem do conteúdo do texto, isto
é, correspondem a uma explicação sumária de uma palavra ou expressão de um texto jurídico de Direito
Romano, sendo certo que podem ser interlineares ou marginais, consoante fossem escritas entre as linhas
ou à margem do texto jurídico. Podem ser também de natureza histórica (quando esclarecem assuntos
ligados ás circunstâncias históricas referidas no texto), filológica (quando explicassem aspetos ligados à
origem das palavras), técnico-jurídica (quando explicam conceitos de direito) ou retórico- dialéticas (quando
explicam argumentos contidos no texto).
Distinctiones
É um género promovido ou consagrado nas glosas e corresponde à técnica de distinção, ou seja, pegando
numa norma geral vai-se estabelecendo divisões e subdivisões.
Commentarius
Caracterizam-se pela sua forma discursiva, ultrapassando a mera interpretação do texto, já que consistiam
em longas dissertações sobre um tema, assumindo uma especial importância por terem sido utilizados pelos
juristas na adaptação dos textos romanos aos direitos da época, os chamados direitos locais (iura própria).
Contrariamente às glosas, os comentários continham posturas criticas aos textos romanos, sendo por isso
que se diz que são géneros literários superiores, nos quais os prudentes se afirmavam na sua plenitude.
Bártolo, um dos principais juristas da escola dos comentadores, defendia que o jurista, ao analisar um texto,
deveria primeiramente saber qual era a solução correta e só depois é que deveria procurar um texto legal
para fundamentar e basear essa solução.
Consilia
Os Consilia são géneros literários que correspondem ao que hoje designamos por pareceres jurídicos,
consistindo na opinião de um jurista sobre uma consulta que lhe é feita, distinguindo-se, no entanto, dos
pareceres atuais nas formalidades e no grau de compromisso assumido pelo autor.
Os consilia eram elaborados com o fim de serem utilizados na resolução de uma situação concreta, tinham,
portanto, uma dimensão prática.
Muitas vezes e para terem mais força, os consilia eram elaborados e jurados em nome de Deus e da Virgem
perante o evangelho e eram selados, na presença de testemunhas, pelos notários das universidades a que os
autores pertenciam.
Lectura
A lectura corresponde ao que hoje é uma lição universitária, mas numa lógica em que o professor se limita a
ler os textos e não pode ser questionado, uma vez que é alguém que é considerado como sendo superior.
Quaestio
A Quaestio é um género complexo, sob a forma dialogada, que corresponde à aplicação do princípio do
contradictio como forma de apurar a verdade, podendo reportar- se a uma questão de facto (quaestio facti)
ou a uma questão de direito (quaestio iuris).
A Quaestio era muito utilizada nas aulas, onde o docente levava os alunos a aceitarem os seus argumentos.
A Quaestio, no fundo, tratava-se da resolução de uma questão contrapondo argumentos, a favor e contra,
para cada solução possível.
Quanto ao esquema formal da quaestio, esta compreendida quatro fases, primeiramente fazia-se a
enunciação dos factos (quaestio), depois enunciava-se o problema a resolver, depois discutiam-se os
argumentos negativos e positivos (debate) e finalmente passava-se à resolução (solutio ou determinatia).
Direito Prudencial
A primeira prova do conhecimento das obras de Justiniano em Portugal data de 1185, altura em que o bispo
do Porto, aquando da sua morte, doou em testamento à Igreja do Porto, entre vária obras, o Digesto, as
Instituições e as Novelas. É seguro dizer que nos finais do séc. XII o direito justinianeu era conhecido pelo
menos ao nível de uma camada mais erudita da população.
O fenómeno da receção do direito romano foi um processo essencialmente académico. Antes do poder
político ter assumido esse direito e o ter utilizado, foram os juristas, que em muitos casos eram mestres na
universidade, que estudaram e divulgaram o direito justinianeu. Muitos deles tinham estudado em
universidades estrangeiras, sobretudo em Bolonha, e já se tinham apercebido da sua importância.
A criação do estudo geral em Portugal (universidades) é datada de 1288/1290, e constituiu uma aceleração
decisiva no processo de receção do direito romano.
Até aí o ensino estava circunscrito às escolas das catedrais e dos mosteiros que ministravam as disciplinas
componentes do trivium (retórica, dialéctica, gramática) e o quadrivium (aritmética, álgebra, astronomia e
musica).
A universidade começou sob o signo do próprio direito romano. Ele passou a ser ensinado na Faculdade de
Leis e durante cinco séculos foi o direito que os juristas portugueses aprenderam. Só no séc. XVIII se
introduziu uma cadeira de direito pátrio. Até aí, a formação dos juristas portugueses era romanista, e isso
influenciou todo o trabalho autónomo ou integrado na esfera do poder. A par deste direito, ensinava-se
direito canónico na Faculdade dos Cânones.
Estes tópicos foram desenvolvidos anteriormente.
Articulação Geral
As leis canónicas, as leis imperiais, as normas consuetudinárias, como todas as restantes, vigoraram
enquanto factos autónomos e a título específico. A sua obrigatoriedade encontrava-se ligada ao processo
histórico da respetiva aceitação no meio social, originando-se diretamente na competência normativa
reconhecida à fonte de que provinham.
A liberdade dos monarcas em afastar normas cuja autoria não lhes pertencia revela apenas que todo o
direito tem uma causa ou função. Daqui não ser ele aplicável quando as circunstâncias se não
apresentassem de molde à realização do fim objetivo do preceito, cumprindo ao detentor do poder atuar de
forma a evitar que surgisse uma injustiça ou uma solução contrária às demais virtudes cívicas.
Todas as vezes que houvesse uma justa causa, pela especialidade da hipótese em relação à ratio do
comando, este careceria de valor vinculativo, podendo, assim, afasta os demais complexos normativos
(direito canónico, direito imperial, direito natural,…).
Poder-se ia traduzir tal teorização qualificando-a como exceção. O preceito mantinha a sua validade e
vigência inalteradas, mas não era aplicado. Assim resultava da consideração da justiça como causa do
Direito e deste como instrumento daquela e, simultaneamente, da preocupação casuística da mentalidade
coeva, fortalecida pela adoção do método dialético. Assiste-se, neste período, a uma concorrência entre os
diferentes extratos ou sistemas normativos que disputam a aplicação contra a própria lei nacional quando
estes têm por destinatários os mesmos sujeitos e as mesmas situações que visam regular. Daqui a eficiência
do pluralismo jurídico como limitação do poder.
Fontes de Direito Português desde os Meados do Século XIII até às Ordenações Afonsinas
O período tratado neste momento situa-se entre a fundação da nacionalidade as Ordenações do Reino.
Resoluções Régias
Ao lado das providências legislativas de iniciativa do monarca, havia outras, por ele tomadas, em Cortes,
perante solicitações ou queixas que lhe apresentavam. Eram resoluções régias→ traduziam-se nas respostas
do soberano aos agravamentos feitos pelos representantes das três classes sociais.
Concórdias e Concordatas
A tensão entre o clero e a nobreza sempre foi muito sentida mas aumentou a partir do reinado de D.Afonso
III. Daí que aumentassem os acordos que lhe punham termo, quer celebrados com as autoridades
eclesiásticas do Reino, quer diretamente com o Papado.
Um ponto de atrito foi o beneplácito régio, que se reconduzia à exigência de ratificação das determinações
da Igreja, respeitantes ao nosso país. Mas o instituto conservar-se-ia apenas com a abolição temporária de
D. João II.
Direito Subsidiário
Apesar das diferentes fontes de direito referidas, existiam vários casos omissos, isto é, situações que
careciam de regulação pelo sistema jurídico nacional. Só mais tarde, com as Ordenações Afonsinas, o
legislador estabeleceu uma regulamentação completa sobre o preenchimento das lacunas. Até então, o
problema foi deixado, basicamente, ao critério dos juristas e dos tribunais.
Quando as fontes portuguesas não forneciam solução para as hipóteses concretas, recorria-se com
frequência ao direito romano e ao direito canónico, assim como ao direito castelhano (natural, face ao
impacto da difusão romanística e canonística).
Na generalidade, os juízes, apresentavam-se manifestamente impreparados para um acesso direito às fontes
romano-canónicas. Daí que, numa fase inicial, se hajam utilizado textos influenciados por essas fontes ou
que ofereciam mesmo sínteses dos seus preceitos → Assim se explica que circulassem, no nosso país, desde
o séc XIII, com o carácter de fontes subsidiárias: as Flores de Derecho e os Nueve tiempos de los pleitos.
A aplicação supletiva das referidas obras de direito castelhano apenas derivava da autoridade intrínseca do
conteúdo romano-canónico que lhes servia de alicerce.
Em síntese, as fontes subsidiárias circunscreviam-se ao direito romano e ao direito canónico.
Parte III
Monismo Jurídico
Capítulo I
▪ Época Moderna;
▪ Pensamento Jurídico
Época Moderna
Do ponto de vista da História do Direito, a época moderna introduziu momentos de rutura, nomeadamente,
com o nascimento do Estado Moderno.
O séc. XVI foi o século do humanismo mas foi também, simultaneamente, o século de resistência ao
humanismo.
Há um conjunto de autores que vão procurar situar o Direito no domínio da razão. Para tentarem criar uma
forma de comunicação entre as diferentes religiões, o foco vai ser a razão.
A razão passará a ser a única coisa que os povos têm de comum. Até aqui o elemento religioso unia toda a
Europa, porém, começam a surgir as primeiras ruturas com o papado, e a respublica cristiana fica um pouco
abalada.
Depois de sangrentas guerras religiosas o diálogo só foi possível pelo domínio da razão.
Quem fundasse o direito na religião não veria qualquer futuro para a Europa e para o mundo. Porque razão
um príncipe católico deveria confiar num príncipe protestante?
A questão de Deus é posta entre parênteses, existindo uma necessidade de dissociar a questão religiosa para
tornar possível o diálogo entre as diferentes religiões e tornar possível a Ciência Moderna.
Surge então esta nova questão. Até este momento toda a história do direito português e da própria
nacionalidade estiveram muito ligadas com a religião (Bula Manifestis Probatum, escolha divina de D.Afonso
Henriques na batalha de Ourique; fundação de Lisboa por Ulisses).
A ciência moderna passou a ter de se confrontar com estas novas realidades.
As correntes jusracionalistas que defendiam que o Direito e que a ciência do direito se fundava na razão,
passaram a ter grande amplitude.
Importante ter em mente que no século XVI não se aplicava só o Direito Local mas também o Direito
Romano. Estes grandes autores passaram a encarar o Direito romano de uma perspetiva crítica. O direito
romano deveria ser utilizado só quando fosse racional. – USUS MODERNUS PANDECTORUM – uso
moderno do direito romano.
Grandes contributos também são dados por autores como Maquiavel ou Bodin, que fundam conceitos como
o de Estado Moderno. Este conceito diz respeito a uma realidade distinta da Idade Média, as regras sobre o
funcionamento do Estado moderno não podem ser todas baseadas no Direito Romano. O império romano é
um império antigo, a idade moderna apresenta novas exigências, é necessário que haja uma adaptação.
O direito público começa-se a afastar cada vez mais do direito romano, é uma realidade muito diferente do
império romano. A religião deixa de ser um elemento proporcionador de coesão.
Está patente, também, um ideal muito iluminista. A fundação de um Direito Natural de base racional. O
Direito deixa de ter como fundamento a teleologia e passa a ser fundado na Ciência.
O próprio Direito é encarado como uma Ciência.
Sucessivamente, a ideia de que o Direito se funda na teleologia começa a desaparecer, não se fundando na
religião, o Direito pode constituir uma ciência.
Ao longo da Idade Moderna, vê-se ocorrer uma transformação no plano das instituições, não sendo essas
transformações tão evidentes do ponto de vista social.
Permanece uma visão tripartida da sociedade e, mesmo dentro de cada ordem social há uma profunda
desigualdade. A Fonte de Direito que explica esta questão é o privilégio (costume). Só termina com o
liberalismo. Até se chegar ao constitucionalismo liberal há uma profunda desigualdade não só no âmbito
pessoal como no âmbito espacial (forais – diferenças estatutárias).
Com as revoluções liberais, com a luta pela igualdade perante a lei surge a exigência de Generalidade e
Abstração. Antes do liberalismo ter-se-ia que admitir a existência de leis individuais e concretas.
Ao longo da época moderna a lei, como fonte de Direito, vai ganhando muita importância, passa, até
mesmo, a ser a base do Estado.
O rei tem o primeiro papel na criação da lei, muitas delas são leis-medida (aplicam-se para uma situação em
particular, para um grupo social determinado).
Ao longo da segunda Dinastia alguns dos monarcas portugueses dão ordem para que se procedam a
compilações de leis.
A primeira compilação iniciou-se no reinado de D.João I, continuando no reinado de D.Duarte, D.Afonso V e
D.Pedro.
As ordenações afonsinas não são uma obra inovadora, o intuito foi sistematizador e não propriamente
inovador. Foi dividido em 5 livros:
1) Cargos Públicos;
2) Privilégios do Clero e da Nobreza;
3) Direito Processual (funcionamento dos tribunais em matérias civis);
4) Contratos;
5) Direito Penal e Direito Processual Penal.
Surge aqui uma diferença entre absolutismo e despotismo. As leis do reino passam a ser impostas ao próprio
rei. “um rei pode tudo menos alterar a lei que o fez rei”.
Por exemplo, o rei não pode alterar as leis de sucessão da Coroa, as leis da monarquia.
Pensamento Jurídico
Para a história do direito tem um grande simbolismo a data de 1415 (expansão portuguesa).
A base dos povos europeus, a religião, deixou de ser uma base comum, obriga a repensar o pensamento
jurídico.
Grócius, o fundador do direito internacional, alerta para o facto do mundo não estar dividido exclusivamente
entre católicos e protestantes, descobriram-se povos na América.
A descoberta destes povos pôs em causa algumas das ideias adquiridas desde S.Tomás.
Estes povos vivem de acordo com a natureza, não há leis escritas. Instituições de direito natural (contrato,
propriedade,…), provavelmente, não o seriam verdadeiramente.
Os grandes Estados Europeus tornaram-se Impérios.
Os autores da segunda escolástica vão adaptar as ideias de S.Agostinho às novas necessidade, há que
justificar a presença dos povos europeus nas colónias.
Com a reforma protestante surgiu, também, a necessidade de justificar a existência de um direito
internacional. A rutura religiosa significou o fim das autoridades comuns. Tendo todo o Direito uma base
religiosa não faria sentido um compromisso e a existência de relações entre católicos e protestantes.
Grócio veio dizer que estas relações eram possíveis, o Direito Natural é aquele que existiria mesmo que Deus
não existisse (visão racionalista do Direito Natural).
Os descobrimentos foram o resultado de uma organização e de conhecimento cientifico da realidade. Agora,
sim, surge verdadeiramente e ideia de Estado. Nasceram novas realidades politicas.
O conceito de Estado associado à noção de soberania de Jean Bodin põe em causa o poder dos grandes
senhores. Porque, verdadeiramente, só são sujeitos de direito internacional os estados soberanos. Estas
relações são diplomáticas.
Fontes de Direito
Entre o período de 1415 e 1820, em relação às fontes de direito, a lei ganha uma preponderância imensa e
crescente.
A partir do reinado de D.Afonso II a lei começa a ter um papel central e a atividade legislativa começa a ser
uma atividade normal para o monarca. De tal maneira se torna uma atividade normal que com o decorrer
dos tempos, a lei impõe-se perante as demais fontes de direito.
O facto assinalado está de acordo com o alargamento da esfera do poder régio e com o fortalecimento do
poder do príncipe.
O conceito de Estado, desenvolvido e introduzido por Maquiavel, aparece agora e muito associado ao
conceito de soberania (Jean Bodin).
Deste modo, a fragmentação política medieval principia a ser substituída por uma tendência convergente do
poder, também o pluralismo jurídico da Meia-Idade cede passo a uma linha unitária, de que a
predominância da lei é expressão.
As fronteiras dos Estados começam a consolidar-se e, com o rescaldo da expansão ultramarina, começam a
estabelecer-se novos contactos, começando, também, como referido a falar-se nas teses sobre os conceitos
de Estado e Soberania.
Neste período, começam a surgir, também, movimentos eclesiásticos de combate à estrutura da própria
Igreja, designadamente os livros da reforma e da contra-reforma.
O Estado assume a soberania em termos de fontes, chamando a si o poder legislativo.
A lei passará a ser definida essencialmente como preceito autoritário, ou seja, como norma ou regra
obrigatória imposta pela vontade superior, esta vontade superior será o poder soberano, seja um imperador,
um rei ou um príncipe.
Esta identificação entre lei e vontade do príncipe, que vai ser concebido como membro principal do Estado,
não deve levar à conclusão de que a lei, como emanação da vontade do governante é um ato arbitrário.
Por um lado, obsta isso à sua necessidade de conformação a conjuntos normativos superiores de direito
positivo (direito divino e direito natural).
Por outro lado, a ideia de que o poder do príncipe se deve orientar para o bem comum.
A lei para ser válida e eficaz deveria obedecer a certos requisitos.
Estava patente a ideia de que certas leis constituem o cerne da sociedade e do aparelho político pelo que
não podem ser derrogadas ou alteradas. Assim se chega à noção de lei fundamental, verdadeiro precedente
da lei constitucional.
A lei começa a ser, cada vez mais, o produto da vontade do Rei. Todavia, não era vista como arbitrária, pois
continuou a ter algumas limitações, nomeadamente a competência das Cortes nalgumas matérias e o
conceito de lei fundamental, como um antecedente da norma constitucional.
É também no período monista que se dá a divisão entre Direito Público e Direito Privado, regulando o
primeiro as relações entre o Estado e o particular e o segundo as relações entre os particulares (entre os
sujeitos colocados ao mesmo nível).
Sob a designação de lei caem, ou podem cair, preceitos jurídicos de diversa espécie: A vontade imperativa
do superior assume-se pela origem (leis fundamentais), pela matéria (nem todas as matérias eram
reguladas de uma forma geral e abstrata e pela forma de redação.
A lei para ser considerada justa, teria de ser vista quanto a quatro aspetos:
❖ Quanto à matéria (não podendo, em caso algum, levar ao pecado, ou seja, não deve proibir a virtude ou
preceituar o vício)
❖ Quanto à forma (devia impor um sacrifício na proporção do que é suportável pelo súbdito)
❖ Quanto à autoridade ou agente (tinha de provir de legislador competente)
❖ Quanto ao fim (devia ser feita em harmonia com o bem comum).
Se a lei preceituasse pecado, isto é, se fosse injusta quanto à matéria (contrária ao direito divino e ao direito
natural), não só não obrigava como de modo algum devia ser guardada.
Se fosse injusta quanto ao fim, ao agente ou à forma, considerava-se que devia ser cumprida caso a sua não
observância resultasse num prejuízo maior para a comunidade do que a sua obediência. Porém, no caso da
lei injusta quanto à autoridade ou agente havia ainda a considerar e distinguir duas situações:
→ A lei feita por um monarca tirano “quoad titulum” (quanto ao título), aquele que usurpou o poder
ilegitimamente e, por isso e não tem sequer legitimidade para governar;
→ A lei feita por um monarca tirano “quoad regimen” (quanto ao exercício, à administração, ao regime),
aquele que chegou ao poder por forma lícita, mas ultrapassou os limites da sua autoridade, deixou de
governar para o bem comum e passou a governar para proveito próprio.
As leis feitas pelo tirano quanto ao título não deviam, em princípio, ser obedecidas;
As leis feitas por um tirano quanto ao exercício, deviam ser obedecidas se fossem justas quanto aos outros
aspetos (fim, matéria, forma).
Além da questão da justiça da lei, são também requisitos fundamentais, e mesmo fases do processo
legislativo: a publicação e a entrada em vigor.
A publicação da lei era feita através do registo nos livros de chancelaria e da notificação às autoridades
locais, porém exemplos há que nem sempre assim sucedia.
Os tribunais superiores também tinham livros de registo, nomeadamente a Casa da Suplicação tinha o Livro
das Posses e a Casa do Cível tinha os Livros das Esferas.
No período monista começou-se a estabelecer regras quanto ao inicio da vigência das leis. Num alvará de
1518, estabeleceu-se como prazo de “vacatio legis” o decurso de 3 meses após a publicação na Chancelaria.
As ordenações manuelinas estabeleceram dois prazos distintos: 8 dias para o Tribunal da Corte e 3 meses
para o resto do país.
Aceitava-se a ideia de que sendo a lei a vontade do príncipe, ele podia também isentar algumas pessoas do
seu cumprimento, atribuindo uma dispensa da lei.
A doutrina mais radical entendia que não devia haver dispensa da lei em caso algum, porém as teses mais
moderadas aceitavam a dispensa com algumas condições, nomeadamente a existência de uma justa causa e
a não lesão de interesses de terceiros.
A dispensa da lei podia ser atacada por duas formas: a subrepção (a atribuição de uma dispensa podia ser
contestada se ela tivesse sido atribuída por falsos motivos) e a obrepção (dispensa contestada se tivesse sido
atribuída na omissão de factos importantes).
Compilações de Leis
A mais antiga compilação de leis gerais portuguesas é o Livro de Leis e Posturas que reúne leis dos primeiros
reinados e não tem um critério de sistematização. As leis foram reunidas para mais fácil consulta e para
impedir que se perdessem.
A segunda compilação de leis é composta pelas Ordenações de D. Duarte, que data do séc. XV e foi
organizada por reinados. Tem esta designação por ter sido encontrada na biblioteca privada do rei D. Duarte,
o qual lhe juntou um índice e um discurso inicial que define um bom juiz.
Há mesmo quem sustente que tanto o livro de leis e posturas como as ordenações de D. Duarte constituem
trabalhos preparatórios relativamente às ordenações Afonsinas.
Foi D. João I que atendendo às queixas dos povos contra o estádio caótico da legislação, já bastante
considerável, em vigor no seu tempo, decidiu que se procedesse a uma sistematização legislativa. Esta
prolongou-se, contudo, por vários reinados.
Ordenações do Reino
As ordenações são compilações ou coletâneas das leis do reino e surgiram no séc. XV. Com o objetivo de
acentuar a prevalência da lei sobre outras fontes de direito. Com o decorrer dos tempos, com a consolidação
das fronteiras e com o fim da reconquista os monarcas passaram a fazer da legislação uma atividade normal,
chegando, nesta altura, a existir inúmeras leis.
As primeiras foram as Ordenações Afonsinas, seguiram-se as Ordenações Manuelinas (séc. XVI) e, por último
as Ordenações Filipinas (fins do séc. XVI e séc.XVII) .
As ordenações não obedeciam a qualquer lógica sistemática de arrumação, e chegavam mesmo a ter leis
contraditórias, pelo que não podem ser consideradas códigos.
As Ordenações estavam divididas em (5) cinco Livros e estes, em Títulos que, por sua vez, se dividem em
Parágrafos, apresentando os livros a seguinte estrutura:
Livro Conteúdo
1 Tratava dos regimes dos cargos públicos, tanto régios como municipais, compreendendo o
Governo, a Justiça, a fazenda e o exército.
2 Regulava os bens e privilégios da Igreja, os direitos do rei e a sua cobrança, a jurisdição dos
donatários e as prorrogativas da nobreza, o estatuto dos Judeus e dos Mouros;
3 Tratava do Processo Civil
4 Tratava do Direito Civil
5 Tratado de Direito Penal, sendo por isso designado de Livro Vermelho ou Livro de Sangue
O Livro I das Ordenações Afonsinas foi escrito num estilo decretório, enquanto que os restantes livros destas
Ordenações foram escritos num estilo compilatórios. Todos os livros das Ordenações Manuelinas e Filipinas,
foram escritos num estilo decretório.
Ordenações Afonsinas
Os elementos essenciais relativos à história das Ordenações Afonsinas constam do proémio do seu livro I→
Refere-se os pedidos insistentes, formulados em Cortes, para ser elaborada uma coletânea de direito vigente
que evitasse as incertezas derivadas da grande dispersão e confusão das normas, com graves prejuízos para
a vida jurídica e a administração da justiça (cada vez se tornava mais árduo apurar o direito aplicável aos
casos concretos).
Foi D. João I quem tomou a iniciativa de elaborar uma compilação oficial de leis, entregando esta tarefa ao
corregedor da corte João Mendes, o qual, por ter entretanto falecido, não chegou a concluir o trabalho. O
corregedor falecido foi substituído pelo Dr. Rui Fernandes, por determinação de D. Duarte. Porém, no fim do
breve reinado de D. Duarte a obra ainda não estava concluída.
O Infante D. Pedro, regente na menoridade de D. Afonso V, incitou o compilador a aplicar-se à tarefa, que
acabou por concluir a compilação em 28 de Julho de 1446. Após ter recebido alguns retoques, as ordenações
foram presumivelmente entregadas nos anos de 1446 e 1447, no reinado de D. Afonso V, e foram
designadas por Ordenações Afonsinas.
Difícil é a determinação da sua entrada em vigor, visto que não havia nesta época uma regra prática definida
sobre a forma de dar publicidade aos diplomas legais e o início da correspondente vigência. Além disso,
ainda não se utilizava a imprensa, pelo que levaria tempo considerável a tirarem-se cópias manuscritas,
necessárias à difusão do texto das Ordenações em todo o país, fora da chancelaria régia e dos tribunais
superiores.
Estas Ordenações sistematizavam-se em cinco livros (provavelmente por inspiração das Decretais de
Gregório IX), divididos por títulos e estes subdivididos em parágrafos.
→ O Livro I ocupava-se dos regimentos dos cargos públicos, tanto régios como municipais, compreendendo
o governo, a justiça, a fazenda e o exército- conteúdo jurídico-administrativo (abrange 72 títulos);
→ O Livro II disciplinava os bens e privilégios da Igreja, os direitos do rei e a sua cobrança, a jurisdição dos
donatários e as prorrogativas da nobreza, o estatuto dos Judeus e dos Mouros- providências de natureza
política ou constitucional (123 títulos muito heterógenos);
→ O Livro III tratava do Processo Civil, incluindo o executivo (128 títulos);
→ O Livro IV tratava do Direito Civil substantivo, designadamente de temas de direito das obrigações, direito
das coisas, direito da família e direito das sucessões (112 títulos);
→ O Livro V tratava do Direito e Processo Criminal (121 títulos).
O primeiro Livro das Ordenações Afonsinas, ainda redigido por João Mendes, foi escrito num estilo direto e
decretório, também designado por legislativo, que consiste numa forma de redigir a lei como se estivesse a
ser criada naquele momento, sendo um estilo mais perfeito do ponto de vista técnico.
O estilo utilizado nos restantes livros das Ordenações Afonsinas foi o compilatório, que consiste na
transcrição da norma jurídica, incluindo todas as versões anteriores da mesma, bem como todos os
comentários e anotações que se fizeram sobre ela, sendo um estilo mais perfeito do ponto de vista
histórico.
As Ordenações Afonsinas ocupam na galeria das fontes de Direito português um lugar importantíssimo, não
tanto pela sua vigência efetiva, mas pelo significado que revestiu a tentativa de reduzir o direito pátrio a um
corpo devidamente sistematizado e ordenado. Aí reside, em verdade, parte do seu grande valor, apesar dos
defeitos de estrutura e de simplicidade do método compilatório que consistiu em reunir e transcrever
normas anteriores. Como já referido não era o método mais perfeito do ponto de vista da técnica legislativa
mas foi o estilo mais perfeito do ponto de vista histórico: Permitiu que se conhecesse o direito anterior.
Quanto à técnica legislativa empregou-se, via da regra, o estilo compilatório. Quer dizer, transcrevem-se, na
integra, as fontes anteriores, declarando-se, depois, os termos em que esses preceitos eram confirmados,
alterados ou afastados.
Contudo, nem sempre se adotou este sistema. Designadamente, em quase todo o livro I, utilizou-se o estilo
decretório ou legislativo, que consiste na formulação direta das normas sem referência às suas eventuais
fontes precedentes.
Essa diferença de estilo tem sido explicada com a atribuição da autoria do livro I a João Mendes e a dos
restantes a Rui Fernandes, ou pelo facto de aquele texto conter matéria original, não contemplada em
fontes nacionais anteriores.
Importância da Obra
As ordenações afonsinas assumem uma posição destacada na historia do direito português. Constituem a
síntese do trajeto que, desde a fundação da nacionalidade, ou, mais aceleradamente, a partir de D. Afonso
III, afirmou e consolidou a autonomia do sistema jurídico nacional no conjunto peninsular. Além disso,
representam o suporte da evolução subsequente do direito português. As ordenações posteriores, pouco
mais fizeram do que atualizar as ordenações afonsinas.
Embora não apresente uma estrutura orgânica comparável à de um código moderno e se encontre longe de
oferecer uma disciplina jurídica unitária tendencialmente completa, trata-se de uma obra meritória quando
vista na sua época.
A publicação das Ordenações Afonsinas liga-se ao fenómeno geral da luta pela centralização. A coletânea
jurídica traduz uma espécie de equilíbrio das várias tendências ao tempo não perfeitamente definidas, ou
seja, uma área intermédia em que ainda podiam encontrar-se.
Acentua a independência do direito próprio do reino em face do direito comum.
As Ordenações Afonsinas oferecem à investigação histórica um auxiliar precioso: Sem esse texto, tornar-se-
ia difícil conhecer certas instituições, pelo menos de uma maneira tão completa.
Fonte Subsidiárias
Apesar de ser já considerável o número de leis contidas nas Ordenações Afonsinas, elas ainda não cobriam a
totalidade das questões que era necessário solucionar. Por isso, além das fontes principais do direito,
estabeleceu-se um sistema de fontes subsidiárias, isto é, uma hierarquia de fontes do direito para recorrer
na falta de direito pátrio, para deste modo se preencherem lacunas do ordenamento nacional.
A partir de D.João I, o sistema de fontes subsidiárias vai sofrer, porém, todo um processo de redefinição.
As Ordenações versam o problema das fontes de Direito, incluindo o Direito subsidiário, no livro II (relação
entre a Igreja e o Estado), título VIIII, sob a epígrafe: “Quando a ley contradiz a Degretal , qual dellas se
deve guardar”.
Se estas não tivessem solução para um determinado caso, recorria-se às fontes subsidiárias que eram:
1. O Direito Romano (para questões temporais, exceto se, contrariando o direito canónico, fizesse incorrer
em pecado);
2. O Direito Canónico (para questões espirituais e temporais de pecado- ex: usucapião de má fé, permitido
no Direito Romano e ainda para questões que não tivessem regulação pelo Direito Romano);
3. A glosa de Acúrsio;
4. A opinião de Bártolo;
5. A resolução régia.
O que as ordenações começam por estabelecer é que na omissão do direito nacional (“quando o caso, de
que se trauta, nom for determinado por ley do Regno”,) se decida conjuntamente com o Direito Romano e
o Direito Canónico (“mandamos que seja julgado, e findo pelas Leyx Imperiaaes, e pelos Santos Canones”).
Este preceito base, alicerça-se na unidade e na complementaridade das duas ordens jurídicas. Remete-se,
em suma, para o Utrumque ius.
Mas, o legislador nacional, não ignorou a diversidade e a alteridade possível de soluções entre os dois
ordenamentos. Por isso, logo de seguida, prevendo a contradição das soluções entre os dois ordenamentos,
define as áreas relativas a cada um deles conforme a lição de Bártolo.
De acordo com essas áreas conceder-se-ia preferência a um ou outro ordenamento e, só depois, manda que
se “guardem as glosas dÁcursio” e “quando pelas ditas glosas o caso não for determinado (…) se guarde a
opiniom de Bartholo”.
“Onde a lei do reino dispõe cessam todas as outras leis”, por outras palavras, o que o monarca quer dizer é
que existem fontes com primazia, o direito pátrio tem primazia sobre o direito subsidiário. Só se irá recorrer
ao direito subsidiário quando não haja solução no direito pátrio
Não havendo regulação da matéria nas fontes imediatas, a matéria é regulada pelo direito romano caso seja
temporal e pelo direito canónico no caso de ser espiritual. Com uma exceção, matéria temporal também é
regulada pelo direito canónico quando a aplicação do direito romano cause pecado.
Logo, o direito canónico regula matéria espiritual e matéria temporal de pecado.
Pressupunha-se que o legislador conhecia os dois direitos, o que se dava por fontes subsidiárias já havia sido,
em tempos, fontes principais.
A matéria não deixa de ser temporal, não é por ser regulada pelo direito canónico que passa a ser espiritual.
Aplica-se o Direito Romano pelo Império da Razão e não pelo razão do Império.
O cenário neste momento é totalmente diferente do ocorrido nas cúrias de 1211, neste momento, já existe
direito pátrio. No séc.XII, a atividade legislativa era uma atividade pontual, neste momento em questão,
passa a ser uma atividade normal, o monarca passa a ter uma enorme variedade de leis, podendo revelar,
por isso, independência face às antigas fontes primárias, agora subsidiárias.
Contudo, esta independência não foi total. Por um lado, porque apesar de já existir uma amplitude de leis,
ainda não existia em suficiente número para regular todas as situações a ser julgadas e, por outro lado,
porque ainda é de notar uma influência muito grande do papado (financiamento da expansão).
A doutrina diverge em relação à preponderância ou não da opinião de Bártolo e da glosa de Acúrsio sobre o
Direito Canónico (considerando a opinião e a glosa, também, direito romano).
Porém, as glosas e os comentários não são verdadeiramente direito romano, partindo deste, evoluíram e
adaptaram-no.
Ordenações Manuelinas
A vigência das Ordenações Afonsinas durou relativamente pouco tempo. Em 1505, tratava-se da sua
reforma: D. Manuel encarregou três destacados juristas da época, Rui Boto, Rui da Grã e João Cotrim, de
procederem à atualização das Ordenações do Reino, alterando o que entendessem necessário.
Tem-se conjeturado sobre os motivos que levariam o monarca a determinar tal reforma. Encontra-se uma
primeira condicionante na introdução da imprensa (finais do séc.XV), uma vez que se impunha levar à
tipografia a coletânea jurídica básica do país, para a facilidade da sua difusão, convinha que a mesma
constituísse, objeto de um trabalho prévio de revisão e atualização.
Além disso, não seria indiferente a D. Manuel, que assistiu a pontos altos dos descobrimentos, ligar o seu
nome a uma reforma legislativa de vulto.
Em 1512 e 1513 imprimiram-se os livros 1 e 2 destas ordenações que ficariam conhecidas por Ordenações
Manuelinas, mas apenas chegou até nos, em 1514 uma edição integral dos cinco livros. Daí que certos
autores sustentem que apenas nesse ano existiu uma edição completa, enquanto outros admitem que se
tenha já realizado, antes de 1514, uma impressão dos 5 livros das Ordenações. A querela não parece ainda
de todo esclarecida. Propende-se, no entanto, para a última hipótese.
De qualquer modo, considerou-se o projeto legislativo insatisfatório, talvez por demasiado preso à coletânea
afonsina e os trabalhos prosseguiram. Só em 1521, ano da morte do rei, se verificou a edição definitiva das
Ordenações Manuelinas
A fim de evitar confusões, em Carta Régia de 15 de março de 1521, impôs-se que, dentro de três meses, os
possuidores de exemplares da impressão anterior os destruíssem, sob pena de multa e degredo. A isso se
deve hoje a raridade da obra.
Os compiladores das ordenações manuelinas foram os juristas Rui Boto, Rui da Grã e Cristóvão Esteves.
As Ordenações Manuelinas sistematizam-se também em cinco livros e estes em parágrafos e títulos
(sistematização interna é idêntica), todos os livros foram escritos no estilo decretório ou legislativo.
Quanto às matérias, mantém-se, no essencial, a distribuição das Ordenações Afonsina. Houve alterações no
tríplice sentido de eliminações, acrescentos e mudanças. Os cortes mais relevantes são as relativas às
normas concernentes aos judeus, o que compreende dada a sua expulsão, verificada ainda no séc.XV.
As Ordenações Manuelinas, até pelo estilo em que estão redigidas, constituem uma compilação mais
apurada. Alguns autores falam já dum código, entendido obviamente de acordo com o conceito da época.
Por isso, as ordenações manuelinas representam progresso no ângulo de técnica jurídica, um passo em
frente.
As Ordenações Manuelinas mantiveram o elenco de fontes principais e fontes subsidiárias das Ordenações
Afonsinas, porém, ao nível das segundas, introduziram também, como fonte de direito subsidiária, a opinião
comum dos doutores como critério filtro de utilização e de tutela da glosa de Acúrsio e da Opinião de
Bártolo.
Com efeito, a glosa de Acúrsio só seria utilizada como fonte subsidiária se não fosse contrariada pela opinião
comum dos doutores. (“E, se o caso de que se trata não for determinado pela Lei do Reino, ou estilo, ou
costume, ou Leis Imperiais, ou Santos Canônes, então mandamos que se guardem as glosas de Acúrsio,
quando por comum opinião dos doutores não forem reprovadas…”).
No que respeita à opinião de Bártolo, esta só poderia ser utilizada como fonte subsidiária se não pudesse ser
contrariada pela opinião comum dos doutores proferida em momento posterior à opinião de Bártolo (“e,
quando por ditas glosas o caso não for determinado, mandamos que se guarde a opinião de Bártolo,
exceto se a opinião de alguns autores, que depois dele escreveram, for contrária, porque a sua opinião é
comumente mais conforme à razão”).
Esta consagração da opinião comum dos doutores foi entendida por alguns autores como uma cedência às
ideias do humanismo, que criticava as escolas medievais e particularmente as suas maiores figuras. Outros
autores explicam duma outra forma esta opção das Ordenações Manuelinas, defendendo que Bártolo não
foi posto em causa porque a opinião comum dos doutores foi produto da sua escola e, além disso era
preciso deixar em aberto a possibilidade dos juristas posteriores terem opiniões mais válidas e atualizadas
do que ele. Estes autores fazem aliás notar que a prevalência da opinião comum dos doutores só funciona
em relação a juristas futuros, nunca se contestando a autoridade de Bártolo em relação aos juristas
anteriores ou do seu tempo.
A adoção da opinião comum como critério retor subsidiário se representava uma limitação da opinião de
Bértolo, representava também a vénia devida à escola de que ele era cabeça e figura principal, pois traduzia
um pensamento ou tradução dessa mesma escola.
O que foi feito a partir daqui foi fechar o passado em benefício de Bártolo, mas sem se fechar a porta ao
futuro. Ou seja, com exclusão da glosa, fez-se tábua rasa de tudo o que ficava para trás de Bártolo,
admitindo-se contra ele apenas a opinião comum dos juristas posteriores.
Do ponto de vista material não houve uma transformação radical ou profunda do direito português. Foi,
acima de tudo, uma atualização e um ajustamento.
Do ponto de vista formal, a obra marca um progresso de técnica legislativa, que se traduz, sobretudo, no
facto, de os preceitos se apresentarem sistematicamente redigidos em estilo decretório, ou seja, como se de
normas novas sempre se tratasse. A esta vantagem corresponde a contrapartida de um interesse menor
para a reconstituição do direito precedente.
Edição
Enquanto estiveram em vigor, as Ordenações Manuelinas foram objeto de várias edições, que levantam
algumas dificuldades bibliográficas. Após a sua substituição pelas Ordenações Filipinas, em 1603, as
Ordenações Manuelinas conheceram ainda uma nova edição universitária de 1797, destinada a facilitar a
investigação histórica.
Legislação Extravagante
O aparecimento das compilações ou sistematizações oficiais de fontes de direito não impedia, nem impediu
que se continuasse a legislar. Às grandes leis que não ficaram incluídas nos grandes corpos legais se deu o
nome de extravagantes (permaneciam mas fora da compilação).
Ordenações Filipinas
No tempo de D. Filipe I desenvolveu-se consideravelmente a atividade legislativa, o que fez como que
houvesse a revisão das Ordenações Manuelinas.
Com efeito, para esse trabalho foram encarregados juristas, nomeadamente, Jorge Cabedo, Afonso Vaz
Tenreiro e Duarte Nunes de Leão.
As Ordenações Filipinas ficaram prontas em 1595 e entraram em vigor em 1603, incorporando muita
legislação avulsa ou organizada em coleções que se tinha produzido desde 1521 (Ordenações Manuelinas).
As ordenações filipinas mandavam cessar a vigência de todas as leis extravagantes com exceção:
• Das Ordenações da Fazenda;
• Dos Artigos das Sisas;
• Das que se encontrassem transcritas em um livro da Casa da Suplicação.
O preceito expresso da revogação não obstou, porém, que se considerassem em vigor muitas outras
disposições.
No que respeita à estrutura e sistematização destas ordenações, apenas há a salientar que a matéria relativa
ao direito processual, onde se incluem das fontes subsidiárias, passou para o livro terceiro. A explicação para
esta mudança está no facto da aplicação do direito ter deixado de ser uma questão de conflito de poderes
entre o Estado e a Igreja, para ser vista como uma mera questão de processo. Encontrar o direito aplicável
era já no séc. XVII um problema de direito processual.
As ordenações filipinas apresentam-se, por isso, como uma cópia atualizada e retocada, nem sempre o
resultado foi o mais feliz, visto o trabalho dos compiladores haver sido, por vezes, pouco claro e não raro
isento de contradições. Estes defeitos ficaram conhecidos por filipismos.
Fontes Subsidiárias
As ordenações filipinas conservaram na integra o sistema de fontes de direito subsidiário estabelecido nas
Ordenações anteriores.
Foi mudada a sua localização, passou do livro II (relações entre o Estado e a Igreja e privilégios eclesiásticos)
para a parte do direito processual.
Só em começo do séc XVII, se rompeu a última amarra que prendia o problema do direito subsidiário à
ideia inicial de um conflito de jurisdição entre o poder temporal, simbolizado pelo Direito Romano, e o
poder espiritual/eclesiástico, simbolizado pelo Direito Canónico. Só com a reforma filipina, o legislador
tomou consciência da necessidade de cortar esse cordão umbilical, dando ao título em causa um
enquadramento formal inteiramente diverso.
Apesar da delimitação da autoridade de Bártolo pela opinião comum dos doutores, que persiste nas
Ordenações Filipinas, pode dizer-se que o bartolismo atinge no período da História do Direito Português que
se inicia com aquela codificação jurídica um dos momentos senão o momento de maior intensidade,
imperará em tribunais, no foro e na jurisprudência e até com prejuízo da opinião comum, como também no
ensino.
As fontes principais e fontes subsidiárias mantiveram-se, porém foram introduzidos alguns conceitos mais
específicos, tais como:
• O estilo da corte passou a ter correspondência com o costume judiciário, ou seja, uma prática repetida nos
tribunais superiores que se transformava numa norma a ser seguida pelos tribunais inferiores. Passou
mesmo a consignar-se que o estilo da corte tinha de ser plural (usado por mais de um tribunal), antigo (com
pelo menos 10 anos) e conforme à razão.
• O Costume, para ser aceite como fonte principal, passou a ter de ser plural, antigo (com pelos menos 100
anos), conforme a razão e conforme a lei.
As fontes subsidiárias mantêm a mesma hierarquia das ordenações anteriores, mas a opinião de Bártolo
ficou mais reforçada, o que foi consequência da valorização das opiniões deste jurista na prática judiciária,
ocorrida durante o séc. XVII. É nesta época que alguns autores falam de uma fase bartolista do direito
português.
Foram encontrados diversos erros e contradições nas Ordenações Filipinas, as quais passaram a ser
conhecidas por filipismos.
Os Filipismos
Os compiladores filipinos tiveram, sobretudo, a preocupação de rever e coordenar o direito vigente,
reduzindo-se ao mínimo de inovações.
Intentou-se uma simples atualização das Ordenações Manuelinas, só que o trabalho não foi feito mediante
uma reformulação adequada dos vários preceitos, mas apenas aditando o novo ao antigo. Daí subsistirem
normas revogadas ou caídas em desuso, verificarem-se frequentes faltas de clareza e, até, contradições
resultantes da inclusão de disposições opostas a outras que não se eliminaram.
A ausência de originalidade e os restantes defeitos mencionados receberam o nome de “filipismos”. Essas
imperfeições revelam-se de difícil explicação fora da ideia de um respeito propositado pelo texto manuelino.
Edições
As ordenações filipinas tiveram múltiplas edições, o que não admira dado a longa vigência quer em Portugal
quer no Brasil. A primeira edição é datada de 1603.
Espécies de Diplomas
Continuava a centralizar-se no monarca a criação do direito. Todavia, a sua vontade legislativa manifestava-
se de formas diversas. Daí que, paralelamente, se distinguissem vários tipos de diplomas:
• Cartas de Lei -disposições destinadas a vigorar mais do que um ano;
Mais importantes
• Alvarás – disposições que tivessem vigência inferior a um ano;
• Decretos – introdução de determinações respeitantes a casos particulares- endereçada ao destinatário;
• Cartas Régias – constituíam verdadeiras cartas, destinadas a pessoas determinadas- formulário variava
consonante a sua categoria social;
• Resoluções – diplomas em que o rei respondia às consultas que os tribunais lhe apresentavam,
normalmente acompanhadas de pareceres dos juízes respetivos;
• Provisões – diplomas que os tribunais expediam em nome e por determinação do monarca;
• Portarias e Avisos – ordens expedidas pelos secretários de Estado em nome do monarca, as portarias eram
diplomas de aplicação geral e os avisos destinavam-se a um tribunal, a um magistrado, a uma corporação ou
até a um simples particular.
Estilos da Corte
As Ordenações indicam como fonte de direito nacional, ao lado da lei, o estilo da Corte e o Costume.
Tanto o estilo como o costume têm uma natureza não legislativa, pois alicerçavam-se no uso. Subsistiam, no
entanto, discrepâncias quanto ao critério distintivo.
Para certos autores, o costume resultava da conduta da coletividade, ao passo que o estilo seria introduzido
pela prática de entidades públicas, em especial de órgãos judiciais.
Entre nós, o conceito de estilo adquiriu o sentido generalizado de jurisprudência uniforme e constante dos
tribunais superiores.
De acordo com a opinião dominante, exigia-se que o estilo obedecesse a um conjunto de requisitos:
▪ Não se apresentasse contrário à lei;
▪ Tivesse prescrito, ou seja, possuísse uma antiguidade de dez anos ou mais;
▪ Fosse introduzido, pelo menos, através de dois atos conformes do Tribunal Superior.
Costume
O costume constitui a fonte predominante do sistema jurídico dos começos da nacionalidade, mas que
principiou a ceder essa posição à lei, desde meados do séc. XIII. O direito novo passa a criar-se, em regra, por
via legislativa.
Contudo, as Ordenações mandam a observância do costume a par da lei e dos estilos da Corte, ou seja, o
costume mantinha a eficácia de fonte de direito tanto se fosse conforma à lei (secundum legem), ou para
além desta (praeter legem) como se a contrariasse (contra legem).
As Ordenações Afonsinas limitam-se a consagrar a vigência do costume do Reino antigamente usado. Já as
Ordenações Manuelinas estabelecem alguma especificação: por um lado, salienta-se a validade dos
costumes locais no mesmo plano dos costumes gerais, tal como o objetivo de evitar dúvidas que surgissem a
propósito da formulação antecedente; por outro lado, restringe-se a observância do costume, geral ou local
como fonte de direito imediata, aos casos em que a doutrina romanística e canonistica admitisse a sua
vigência.
O legislador, a este segundo respeito, apela à fundamentação e aos requisitos da validade do costume,
dotado da mesma força de lei que resultava da harmonização da sua génese (consenso coletivo
exteriorizado numa certa conduta reiterada) com o princípio de que a vontade do monarca representava a
fonte básica ou única da criação do direito positivo.
O legislador só mais tarde viria a fixar os requisitos de força vinculativa do costume, mas o direito canónico
aceitava a validade do costume contra lei, desde que ressalvados os preceitos de ordem pública.
3. Resolução do Monarca
Sempre que, através dos sucessivos elementos indicados, não se conseguisse disciplina para o caso
omisso, impunha-se a consulta do rei, cuja estatuição valeria, de futuro, para todos os efeitos
semelhantes.
Determinava-se o mesmo procedimento quando a hipótese considerada, não envolvendo matéria de
pecado, nem sendo disciplinada pelos textos de direito romano, tivesse soluções diversas no direito
canónico e nas glosas e doutores das leis. Nestes casos, “ seja remetida à nossa Corte, e guarde sobre ele a
nossa decisão”.
Algumas alterações são introduzidas que diferenciam as Ordenações Manuelinas e as Ordenações Filipinas
do precedente texto afonsino:
→ Quanto à aplicação dos textos de direito romano e de direito canónico, deixa-se de referir a distinção
entre problemas jurídicos temporais e espirituais. Apenas se consagra o critério do pecado, que fornecia o
único limite à prevalência subsidiária do direito romano sobre o direito canónico, qualquer que fosse a
natureza do caso omisso (“e sendo matéria que não traga pecado, mandamos que seja julgado pelas Leis
Imperiais (…) as quais Leis Imperiais mandamos somente guardar pela boa razão em que sejam
fundadas”).
→ A respeito da glosa de Acúrsio e da opinião de Bártolo, cuja ordem de precedência se conserva,
estabelece-se o requisito da “comum opinião dos doutores” não contrariar essas fontes (“quando por
comum opinião dos Doutores não forem reprováveis”), relativamente a Bártolo, a restrição seria definida
tão-só pelos autores que tivessem escrito depois dele (“porque a sua opinião era comumente mais
conforme com a razão”). A respeito de Acúrsio não fala de antes ou depois.
O facto de a letra da lei colocar a “communis opinio” como filtro da Glosa de Acúrsio e da opinião de Bártolo
levou à interpretação, posto que não pacífica, de que aquela constituía uma fonte subsidiária. Por outras
palavras, na falta de direito nacional, de direito romano e de direito canónico, caberia recorrer à opinião
comum, antes da Glosa e da Opinião.
Assentos
Além do poder para legislar, os Reis detinham também o direito de interpretar as suas leis. Aliás, as próprias
ordenações esclareciam que as dúvidas de interpretação da lei deveriam ser remetidas para monarca.
No período pluralista, faziam-no pessoalmente através de leis aclaratórias, porém durante o período
monista passaram também a fazê-lo através dos tribunais superiores, nomeadamente da Casa da Suplicação
e da Casa do Cível.
Em 1518, D. Manuel delegou na Casa da Suplicação o poder de resolver os casos duvidosos através de
assentos com autoridade legal.
De acordo com esta lei, o valor dos assentos restringia-se ao processo em que a dúvida se tivesse suscitado e
não poderia ser utilizada como regra para outros casos.
Porém as Ordenações Manuelinas ampliaram este valor, atribuindo a alguns assentos valor genérico.
Em 1582, a Casa do Cível foi extinta e foi criada a Relação do Porto, que também passou a poder emitir
assentos. A mesma faculdade veio a caber às Relações Ultramarinas (duas no Brasil e uma no Oriente).
Com a Lei da Boa Razão de 1769, atribuiu-se-lhes valor interpretativo e, portanto, não constituíam forma de
integração de casos omissos, tendo uma função meramente interpretativa não constituíam via adequada
para resolução de casos omissos, que deviam ser levados ao conhecimento do soberano, para este os
integrar.
Estilo
O estilo era uma fonte principal de direito no período monista, embora estivesse sujeito a requisitos de
validade.
Nesta época, o estilo da corte não podia contrariar a lei, tinha de ser plural (não bastava um ato judicial para
ser tratado como estilo) e tinha de ser prescrito (com mais de 10 anos).
De acordo com a disciplina das ordenações, os estilos valiam como lei e deviam ser aprovados por assento.
O estilo tratava-se de um costume de origem judiciária, isto é, aparecido em tribunal.
Em 1605 determinou-se que só seriam válidos os estilos aprovados por assento da Mesa Grande da Casa da
Suplicação
E, depois de 20 de Dezembro de 1757, exigiu-se que fosse conforme à boa razão.
Costume
O costume foi fonte principal de direito nas ordenações, apesar de em termos práticos ter sido sujeito a
requisitos sucessivamente mais exigentes.
No estudo doutrinário prestava-se atenção a alguns requisitos que deviam ser cumpridos para que a
invocação do costume pudesse ser vinculativa.
→ Por um lado, a necessidade de um período de 10 anos de vigência para o uso adquirir a natureza de
costume, quanto ao costume contra legem, apontavam-se 40 anos;
→ Com grande divergência, aceitava-se um mínimo de 2 atos para a conduta poder ser entendida como
juridicamente vinculante.
As ordenações não apontavam diretamente quais os requisitos.
Outro ponto merece destaque, as Ordenações Manuelinas referem a comum opinião dos doutores, como
fonte subsidiária. Se, por um lado, se explica a sua validade como exigência racional, por outro, se dirá que a
opinião comum vinculava porque tinha a força de costume.
Para além da pluralidade e da racionalidade (conformidade com a razão) sempre exigidas, no séc. XVIII, o
costume passou a só ser válido se tivesse pelo menos 100 anos, se fosse conforme à boa razão e não se
opusesse à lei.
A Lei da Boa Razão de 1769 veio a proibir o costume “contra legem”.
Com efeito, a doutrina tem alguma dificuldade em explicar o facto de no período monista, em que a vontade
suprema era a do rei, se tivesse dado algum valor à chamada “voluntas populi”, na qual se traduzia o
costume → A lei tornou-se um elemento que permitiu a própria centralização de poderes no monarca. Havia
agora que conciliar duas realidades que, aparentemente se excluíam, de um lado a situação de facto
decorrente da tradição consuetudinária, do outro a vontade do rei, houve necessidade de conciliar
inteligivelmente a simultânea vigência dos dois. A explicação foi então tentada através da presunção da
vontade régia em querer ver tal fonte aplicada.
Por isso, dir-se-ia também que o costume tinha força de lei, considerando-o a manifestação da vontade
tácita do monarca.
Em suma, nesta época, a própria estruturação do poder político não dava grande relevo à expressão da
vontade popular. Por isso, e em face da resistência do costume, os teóricos da época vieram dizer que o
costume era a vontade tácita do Rei, pelo que valeria não por ser originário na vontade popular, mas porque
era uma manifestação indireta da vontade do próprio Rei.
Ainda hoje o costume é fonte de direito, embora, só em casos muito restritos e permitidos pela própria lei,
ele constitua fonte criadora de normas.
Direito Canónico
A posição do direito canónico perante a ordem jurídica civil portuguesa esteve sempre relacionada com as
questões de poder entre a Igreja e o Rei.
No período pluralista a supremacia da Igreja foi aceite e as teses hierocráticas dominaram em Portugal.
Se é certo que a linha hierocrática ou teocrática em que tal facto se integra foi sofrendo erosão à medida
que se caminha da Idade Média para os tempos modernos, não é menos certo, também, que por parte dos
nossos monarcas continuou subsistindo interesse na manutenção do papado como autoridade internacional,
devido à expansão portuguesa. De facto, os direitos de Portugal sobre os mares e terras descobertas, além
de outros fundamentos eram sustentados em bulas pontifícias, cuja força provinha da autoridade política
internacionalmente reconhecida ao Sumo Pontífice.
No período monista, apesar do direito canónico ter sofrido uma grande evolução e de, em termos teóricos, a
supremacia da Igreja não ter sido posta em causa, o facto é que, na prática, essa supremacia foi contrariada,
já que a lei pátria tinha supremacia sobre as outras.
Uma das medidas instituídas durante o pluralismo e que persistiu nos séculos do período monista foi o
beneplácito régio, limitador da aplicação do direito canónico.
O Beneplácio Régio, instituto jurídico de autorização de publicação das letras apostólicas no reino, em vigor
desde o reinado de D. Pedro I, suscitou da parte da Igreja múltiplas diligências tendentes a uma revogação
pelos monarcas portugueses. Estes resistiram a todas as tentativas. Apenas com D.João II foi consentida e
desejada a revogação. A carta revogatória não expõe diretamente os motivos, mas atendendo ao contexto
da política interna e internacional portuguesa no período em causa enxerta-se num conjunto de
circunstâncias que interessavam ao Papado e Portugal em uma otimização de relações. Nomeadamente, e
pelo que toca ao nosso país, estava em causa a consolidação interna da realeza e toda a política de
expansão.
Esta revogação foi apenas temporária entre 1487 e 1495 com D. João II e foi depois reposto em vigor,
permanecendo até aos tempos do constitucionalismo.
Porém, o alinhamento político de Portugal com as nações que desencadearam a contra-reforma e a
tradicional obediência a Roma dos nossos monarcas, aliado ao tradicional cariz religioso da população em
geral, originou uma atitude de acatamento de parte do ordenamento católico, nomeadamente a constituída
pelos Decretos do Concílio de Trento (aberto em 1545 e encerrado em 1563).
E, 3 de Julho de 1564, através da Bula Papal “Benedictus Deus”, a Santa Sé apelava aos monarcas a
colaboração no cumprimento das normas aprovadas pelo Concilio de Trento, o que foi aceite pelo Rei
português, através de um alvará régio datado de 12 de Setembro de 1564, que foi posteriormente
regulamentado, condicionando a aplicação das sentenças do Concilio de Trento à certeza de que o Processo
Canónico tinha decorrido de forma justa.
O passo seguinte na limitação imposta ao direito canónico veio a ser dado com a Lei da Boa Razão, em 1769,
quando se dispôs que o direito canónico só poderia, a partir daí, ser utilizado nos tribunais civis em quatro
situações possíveis:
▪ Nos casos em que a própria lei civil o mandasse aplicar;
▪ Nos casos em que os seus preceitos fossem utilizados pelas nações civilizadas da Europa, como forma de
correção às normas do direito romano;
▪ Nos casos em que fosse impossível o recurso a qualquer outra legislação;
▪ Nos casos em que se devesse tomar conhecimento da norma canónica para impedir os excessos e a
opressão praticada pelos Juízes Eclesiásticos, isto é, para evitar os abusos desses Juízes.
Fora destas situações, o direito canónico não devia aplicar-se nos tribunais civis.
A lei da boa razão, recorrendo às palavras dos professore Albuquerque, veio vibrar o golpe mortal no
sistema vigente. Esclareceu definitivamente que: “aos meus ministros seculares não toca o conhecimento de
pecados; mas sim, e tão somente dos delitos; e ordenando, como ordeno, que o referido conflito fundado
naquela errada suposição cesse inteiramente; deixando-se os referidos textos de Direito Canónico para os
Ministros, e Consistorios Eclesiásticos o observarem (…) seguindo somente os meus Tribunais, e Magistrados
Seculares nas matérias temporaes da sua competência as leis Pátrias, e subsidiárias, e os louváveis
costumes, e estilos legitimamente estabelecidos.”.
Direito Prudencial
No período monista o Direito Prudencial foi uma fonte subsidiária do direito português.
Com efeito, o Direito Prudencial teve uma relevância nas ordenações do reino, quer pelo trabalho dos
juristas, que eram chamados a analisar e estudar o direito romano que também era subsidiário das
ordenações, quer pelas obras dos juristas Acúrsio e Bártolo, quer ainda pela opinião comum dos doutores.
O objetivo e resultado do trabalho dos juristas era o desenvolvimento da ciência jurídica, e nesta época, ela
progrediu essencialmente através dos estudos e pareceres formulados pelos prudentes, muitas vezes
concluídos pela formulação de uma opinião comum.
Neste período o critério preferido de fixação da opinião comum foi o qualitativo (que constava que o peso
da opinião de alguns juristas que devia prevalecer). Antes do séc. XV e nos sécs. XVII e XVIII, usava-se o
critério misto ou de maioria qualificada. Contrapondo estes dois critérios existe também o critério
quantitativo, onde pesa o maior número de opiniões iguais.
A cultura jurídica no período que vai das ordenações ao liberalismo desenvolveu-se quer por impulso de
fatores internos quer externos. Entre os fatores externos, considera-se os movimentos ou correntes do
pensamento jurídico que divulgados na Europa tiveram, com maior ou menor intensidade, influência em
Portugal.
A Universidade, criada entre 1288 e 1290 por D. Dinis, com a designação de Estudo Geral, foi a instituição
fundamental para o desenvolvimento da ciência do direito ao longo dos séculos.
Depois de mudanças sucessivas entre Lisboa e Coimbra, fixou-se em Coimbra em 1537 com D. João III.
Seguia-se o método escolástico, em Direito continuava a usar-se o método casuístico e não havia ainda
qualquer cadeira dedicada ao ensino do direito pátrio. Depois de D. João III e deste período de maior
atividade nos estudos universitários, voltou-se a um período de estagnação.
Em 1591 foram elaborados os Estatutos Filipinos da Universidade, revistos e repostos em vigor em 1598 e
mais tarde conhecidos por Estatutos Velhos por oposição aos Pombalinos.
A primeira corrente do pensamento jurídico divulgada na Europa a partir do séc. XV foi o humanismo
jurídico, também conhecido por Mos Gallicus.
Mos Gallicus contrapõem-se à expressão de Mos Italicus. A escola de Mos Gallicus traduziu-se pela
contestação e crítica da metodologia dos prudentes medievais, e dos seus maiores juristas.
Seguiram-se-lhes outras correntes de pensamento, designadamente o Usus Modernus Pandectorum e no
sec. XVIII o Racionalismo jurídico, criticando todas o trabalho dos prudentes.
Ensino do Direito (Almeida Costa)
1) Antes de D. João III
O ensino jurídico, em Portugal, recua à fundação do Estudo Geral Dionisiano. Os domínios de ensino
universitário português com mais longa tradição são em direito canónico e direito romano.
Todavia, relativamente ao período que decorre até D. João III, não existem conhecimentos pormenorizados.
Até ao século XV, manteve-se o sistema duplo reitorado, como se verificava em todas as escolas de tipo
bolonhês: os reitores eram dois estudantes eleitos anualmente, devendo sempre um deles sair da Faculdade
de Leis e o outro da Faculdade de Cânones.
Tanto D. João II como D. Manuel I procuraram melhorar o nível dos nossos estudos superiores, chamando às
universidades alguns professores estrangeiros e proporcionando subsídios pecuniários a estudantes que
pretendessem deslocar-se aos centros culturais além-fronteiras.
Em texto de 1431 aparecem já expressos os graus universitários de bacharel, de licenciado e de doutor.
Os textos e os métodos adotados no ensino foram, sem dúvida, os mesmos que, sob inspiração italiana, por
toda a parte, serviram de base aos estudos romanísticos e canonisticos medievais. Não admirará que a
escola nacional estivesse muito longe de poder rivalizar com o prestígio do ensino jurídico de certas
Universidades estrangeiras que continuaram a atrair numerosos estudantes portugueses.
O esquema do ensino, de raiz escolástica, era fundamentalmente o mesmo nas duas Faculdades: o professor
lia os passos do Corpus Iuris Canonici ou do Corpus Iuris Civilis e, em seguida, comentava-os, expondo as
opiniões e os argumentos considerados falsos e os considerados verdadeiros, refutando as razões contrárias
e concluindo pela interpretação tida como mais razoável.
Verificou-se, no período posterior à instalação da Universidade em Coimbra, uma certa abertura às ideias do
humanismo jurídico, que eram adversas ao predomínio da autoridade. As instruções régias relativas ao
modo como deveria ministrar-se o ensino apontavam claramente para uma maior liberdade interpretativa
do jurista. Em simultâneo, procurava-se impedir uma análise extensiva e dispersiva dos textos, que
prejudicaria a extensão das matérias versadas durante o tempo letivo.
Contudo, o surto não sobreviveria ao desaparecimento de alguns mestres mais progressivos e à nova
decadência dos nossos estudos universitários, pouco depois de dobrada a primeira metade do século XVI:
pouco tempo depois os métodos bartolistas retornaram.
Humanismo Jurídico
Este movimento surgiu nos fins do séc. XV e desenvolveu-se no séc. XVI, por oposição ao Direito Prudencial,
numa lógica de que o conhecimento só seria verdadeiro se pudesse ser demonstrado.
Este movimento defendia o Mos Gallicus, por oposição ao Mos Italicus, que era o conhecimento do Direito
Prudencial.
Para fazer vingar as suas teorias e, em clara oposição aos prudentes, os humanistas jurídicos elencaram uma
série de críticas ao trabalho dos mesmos, nomeadamente:
▪ Acusaram-nos de se terem limitado ao estudo do código justinianeu quando este não continha certamente
o melhor do direito romano. Por outro lado, esse estudo era incompleto porque não sabiam grego e o
código justinianeu tinha uma estrutura histórica grega.
▪ Acusaram-nos de não se ter preocupado com a veracidade das fontes jurídicas e não jurídicas dos trabalhos
que produziram, e, portanto, de terem efetuado um trabalho com base em fontes erradas, já que eles
(humanistas jurídicos) tinham constatado que as fontes do código justianianeu estavam erradas.
▪ Acusaram-nos de não terem técnicas de raciocínio jurídico e de, para ultrapassar tal defeito, se terem
baseado na autoridade dos doutores, quando o que se deve promover é a liberdade de pensamento.
Com efeito, os humanistas jurídicos defendiam que no estudo dos textos romanos, deveria-se confirmar a
autenticidade das fontes, fazer um estudo filológico dos textos e substituir a autoridade pela liberdade de
pensamento.
Racionalismo Jurídico
Este movimento surgiu no séc. XVIII e corresponde à manifestação jurídica do iluminismo, realçando a
importância da razão, mas uma razão humana diferente da que era considerada no séc. XII.
A razão que deveria ser considerada era a reta razão, iluminada pelo conhecimento humano e não pelo
divino.
As principais manifestações desta razão encontravam-se descritas numa obra de Luís António Verney, onde
o mesmo critica a opinião de Bártolo e a metodologia dos prudentes, adiantando ainda que os prudentes
não tinham aprofundado a história do Direito Romano, escondendo essa falha grave com a imposição da sua
autoridade.
Os racionalistas do Direito Natural defendiam a existência de um direito natural eterno e imutável assente
na razão humana, a que chamava “recta ratio”.
Outras manifestações racionalistas foram encontradas no séc. XVIII, nomeadamente na elaboração da Lei da
Boa Razão, na Reforma dos Estatutos da Universidade de Coimbra e nos movimentos da codificação.
Em suma, o racionalismo jurídico é uma corrente de pensamento profundamente nacionalista, que pretende
afastar o Direito Romano e substitui-lo pelo Direito Nacional.
Uso moderno
Relacionada com o jusracionalismo, surgiu na Alemanha, uma nova metodologia de estudo e aplicação do
direito romano conhecida por “usus modernus pandectarum”.
De um modo geral, o “usus modernus” traduz o reflexo da penetração das ideias jusracionalistas no campo
do direito. Influência que se fez sentir em dois planos:
1ª fase- as ideias jusracionalistas só se repercutiam indiretamente na vida jurídica. O fenómeno constitui um
esforço de adaptação do direito romano, não ocorrendo, todavia, qualquer alteração no estilo de exposição
e no método exegético-analítico herdados dos Comentadores. Tratou-se de juristas sem preocupações
teóricas. Apenas a partir dos finais do século XVII se verifica a influência do jusracionalismo ao nível da
doutrina e da prática do direito.
2ª fase- aferição da atualidade dos preceitos romanísticos beneficiou do refinamento teórico da referência
ao direito natural racionalista, tendo-se em conta o direito pátrio: integrava o ordenamento vigente ao lado
dessas normas suscetíveis de prática atualizada. A atenção conferida ao direito nacional, foi uma das
maiores consequências ou advertências do “uso moderno”.
Relativamente à penetração desta corrente no nosso país, não parece que haja lugar a uma distinção nítida
das duas fases assinaladas ao “uso modernus”. Os seus reflexos apenas se sentiram de forma significativa, ao
que tudo indica, durante a segunda delas.
Traço comum a ambas as fases- encarava-se o direito romano com os olhos postos na realidade. Os juristas
procuravam distinguir, no sistema do Corpus Iuris Civilis, as normas suscetíveis de “uso moderno” (direito
vivo), ou seja, adaptadas às circunstâncias do tempo- só estas devem ser aplicadas, das que correspondiam a
circunstâncias romanas particulares (direito obsoleto).
Junsprudência Elegante
O século XVI correspondeu à época áurea do humanismo jurídico francês. Porém, no século imediato, o
ponto de gravitação da escola deslocar-se-ia para a Holanda. Entre as causas que explicam o fenómeno,
apontam-se a fixação, nesse país, de hugenotes eruditos, como resultado das lutas religiosas ocorridas em
França.
Despontou, assim, com sede holandesa, a Escola dos Jurisconsultos Elegantes, apesar da difusão crescente
do “usus modernus”. O nome adveio da preocupação de rigor das formulações jurídicas e dos cuidados da
expressão escrita dos seus adeptos.
Iluminismo
Uma linha de pensamento que muito influenciou as reformas efetuadas no ciclo pombalino foi o Iluminismo.
Do ponto de vista político, o Iluminismo desenvolveu-se sob a égide das monarquias absolutas que
configuraram o “Despotismo Esclarecido” ou “Despotismo Ilustrado”, com Luís XIV e Luís XV de França,
Frederico II da Prússia, entre nós, limita-se praticamente aos reinados de D. José e D. Maria I.
O Iluminismo foi um período voltado para o sentido antropológico e experimentalista da compreensão do
mundo e da vida→ No centro, situa-se o homem. Assiste-se a uma hipertrofia da razão e do racionalismo.
Tudo, em suma, se alicerça na natureza e tem a sua validade aferida pela razão do indivíduo humano, ou
seja, uma razão subjetiva e crítica.
O Iluminismo não foi um movimento de sinal homogéneo. Tendo surgido na Holanda e na Inglaterra, não
viria a desenvolver a mesma forma ou todos os seus traços característicos em todos os países a que se
alargou. Produziram-se compreensíveis limitações e ajustamentos, mercê do ambiente e das circunstâncias
que encontrava ou das suas fontes inspiradoras.
Sabe-se que o Napoleão gostaria de ver publicado em Portugal o seu Código Civil. Dúvida não há de que
Joaquim Ferreira de Moura promoveu a tradução e a impressão do Código Civil francês. O desembargador
Francisco Duarte Coelho foi acusado de, em plena Casa da Suplicação, ter alvitrado a aplicação do Code Civil
em vez das nossas Ordenações.
A ofensa do direito francês viria a perder algum ímpeto imediatista quando Junot escreveu a Napoleão,
advertindo-o de que as leis do nosso país eram muito diferentes das francesas. Apontava, inclusive, a
necessidade de se levar a cabo um estudo sobre as vantagens e inconvenientes da promulgação dos novos
códigos. O certo é que Portugal não chegou a ser invadido “oficialmente” pelas fontes do direito francês.