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FACULDADE AUTÔNOMA DE DIREITO

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO “STRICTO SENSU” - MESTRADO

FUNÇÃO SOCIAL DOS INSTITUTOS DE DIREITO PRIVADO

ANA CAROLINA BERGAMASCHI AROUCA

EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO NOTÁRIO E SUA FUNÇÃO


SOCIAL

São Paulo

2009
FACULDADE AUTÔNOMA DE DIREITO

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO “STRICTO SENSU” - MESTRADO

FUNÇÃO SOCIAL DOS INSTITUTOS DE DIREITO PRIVADO

ANA CAROLINA BERGAMASCHI AROUCA

EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO NOTÁRIO E SUA FUNÇÃO


SOCIAL

Dissertação apresentada à Banca Examinadora


da Faculdade Autônoma de Direito, como
requisito parcial para obtenção do título de
MESTRE em Direito Civil – Função Social dos
Institutos de Direito Privado, sob a orientação do
Prof. Luis Paulo Cotrim Guimarães.

São Paulo

2009
Banca Examinadora

____________________________________

____________________________________

____________________________________
AGRADECIMENTOS

Este trabalho representa o final de uma caminhada de muito


aprendizado, amadurecimento e superação e o início de uma nova fase.

Agradeço primeiramente a Deus por permitir que eu viesse a esse


mundo com capacidade de aprender, desaprender, reaprender, errar, reconhecer os
erros com humildade, pedir perdão, e também acertar. Agradeço também porque me
concedeu a dádiva de estar em uma família maravilhosa que aquece todos os dias o
meu coração.

Agradeço com ternura aos meus pais que sempre acreditaram em


mim, me apoiaram mesmo nos momentos mais difíceis e me fizeram entender que
sou uma pessoa iluminada por ter todas as oportunidades para crescer.

Espero retribuir a Deus me transformando em instrumento de paz.

Espero retribuir aos meus pais dedicando a eles a realização de


todos os meus sonhos.

Aos meus pais dedico este trabalho com o meu amor eterno, pois
sem eles nada seria possível!!!
RESUMO

Este trabalho tem por objeto analisar a longa trajetória percorrida


pelos notários, desde o nascimento dessa classe de profissionais até os dias atuais,
demonstrando sua importância em cada momento histórico vivido.

Para tanto avalia as experiências estrangeiras e as principais


características dos notários de vários países e após, é feito um retrospecto histórico
da atividade notarial no Brasil para a compreensão do necessário avanço
experimentado e da imensurável contribuição desses profissionais para a formação
de nossa sociedade.

Em seguida analisa toda a estrutura da atividade notarial,


enfrentando questões atuais, divergentes na doutrina e na jurisprudência, para
melhor entendimento do tema, sem prejuízo do estudo dos princípios mais
importantes aplicados à atividade notarial que representam seu início e seu
fundamento.

Todo o estudo realizado tem como objetivo apresentar a nova


sistemática da atividade notarial, que tem como finalidade não apenas a consecução
do interesse público, mas a realização de um trabalho que transcende a letra da lei.
Com o exercício de sua função social o notário deve buscar a efetivação dos direitos
humanos e garantir a dignidade da pessoa humana, fundamento de nossa
República, contribuindo desta forma, para a construção de uma sociedade justa.

Palavras chaves: Evolução Histórica; Atividade Notarial; Função


Pública; Gestão Privada; Tabelionato de Notas; Responsabilidade; Fé Pública;
Segurança Jurídica; Dignidade da Pessoa Humana; Função Social; Justiça Social.
ABSTRACT

This paper aims at analyzing the long path followed by notaries,


since the birth of this class of professionals to the present day, demonstrating its
importance in every historical moment lived.

To evaluate both foreign experience and the main characteristics of


notaries from various countries and after it's made a historical retrospective of
notarial activity in Brazil to advance understanding of the need experienced and
immeasurable contribution of these professionals to form our society.

It then analyzes the whole structure of notarial activity, facing current


issues, differing in doctrine and jurisprudence, to better understand the subject,
without prejudice to the study of the main principles applied to the notarial activity
representing the beginning and foundation.

All study aims to present a new system of notarial activity, that aims
not merely to meet the public interest, but the realization of a work that transcends
the letter of the law. With the exercise of its social function the notary must seek the
realization of human rights and ensuring human dignity, the foundation of our
Republic, thus contributing to building a just society.

Key words: Historical evolution, activity Notary, Civil Service, Private


Management, Notary Notes, Responsibility, Public Faith, Security Law, the Human
Dignity, Social Function, Social Justice.
SUMÁRIO

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selecionados no Inspetor de Documento está sendo usado no documento.


8

INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como objetivo traçar os contornos da


atividade notarial, bem como sua natureza jurídica demonstrando a importância da
atuação do notário na sociedade ao longo dos tempos e a evolução da legislação
aplicada, ditada pelas transformações sociais.

O notário possui uma extensa gama de competências que serão


analisadas de forma detalhada, dentre as quais está a elaboração de instrumentos
públicos e a orientação das partes que antecede a formalização da vontade
exteriorizada pelos interessados. Restará demonstrado ao longo deste estudo a
imensurável contribuição do notário para prevenção de litígios prestando às partes
uma assessoria de qualidade e revestida da imparcialidade necessária para garantir
o equilíbrio da relação contratual.

O serviço prestado com profissionalismo pelo notário à sociedade é


um importante instrumento de garantia da dignidade da pessoa humana, porém a
atividade desenvolvida pelo notário poderá contribuir ainda mais para a garantia dos
direitos humanos e para a justiça social se prestado por um profissional devidamente
consciente de sua função social e de seu compromisso para a construção de uma
sociedade mais justa.

Para melhor compreensão do tema, “Evolução histórica do notário e


sua função social”, o estudo inicia-se com uma análise histórica detalhada da
atividade notarial, passando pelo seu surgimento na antiguidade, pelas experiências
de outros povos, sistemas notariais estrangeiros adotados atualmente e encerrando
a análise histórica com o estudo da atividade notarial no Brasil.

Em seguida será estudado o regime jurídico aplicado à atividade


notarial, que foi profundamente modificado pela nova ordem constitucional,
apresentando noções sobre o sistema notarial brasileiro, por se tratar de tema
polêmico, em face do rompimento com o regime anterior, e que influencia no
9

desenvolvimento da atividade, vislumbrando dessa forma, compreender os pontos


complexos e dúbios da legislação pátria.

No próximo capítulo serão analisados os princípios, que são a base,


o início de todo ordenamento jurídico, que norteiam a atividade, como o princípio da
fé pública, da segurança jurídica e da dignidade da pessoa humana e sua
importância no exercício da função social do notário na sociedade.

Atenção especial será reservada ao princípio supranormativo da


dignidade da pessoa humana, que é garantido com o desempenho satisfatório da
atividade notarial e com o exercício da função social. Para melhor compreensão
desse princípio foram analisadas sua evolução histórica, suas dimensões e como ela
é atualmente percebida pela sociedade e pelo ordenamento jurídico.

O capítulo seguinte é dedicado à função social. Primeiramente será


analisado o significado da expressão, em seguida estudado o seu surgimento, sua
evolução ao longo da história, sua importância nos dias atuais e por fim, será
analisado o exercício da função social no desenvolvimento da atividade notarial.

Nesta última parte do trabalho será avaliada a finalidade social dos


atos praticados pelo notário, que além de garantir a segurança jurídica, validade,
autenticidade e eficácia dos negócios jurídicos, contribui para a justiça preventiva e
assegura a aplicação dos direitos humanos.

Importante ressaltar, que no presente trabalho pretende-se


esclarecer que a atividade notarial é pautada pelas necessidades sociais e ao
buscar uma identidade jurídica consoante aos costumes vigentes deve-se respeitar
e observar experiências jurídicas externas, que serão oportunamente analisadas,
porém, a matriz principal deve ser o desenvolvimento da nação e isto ocorre quando
a sociedade, de forma soberana, define as suas necessidades e elabora uma
legislação que atenda a essas premissas.

Trata-se da dinamogênese, um processo em que as necessidades e


aspirações de uma sociedade são corretamente valoradas pelo Estado que, por
10

intermédio dos representantes do povo, estabelecem normas e regras jurídicas


eficazes a satisfazer a pretensão social.

Procura-se demonstrar, que para o bom exercício da atividade


notarial é necessário que o profissional dessa área esteja preparado juridicamente,
mas, sobretudo, que ele tenha sensibilidade para compreender a importância da
função social e os reflexos de sua atuação na sociedade, que constitui a base de
sustentação para a garantia da dignidade humana.

A pesquisa, no entanto, não se limita apenas a traçar os contornos


jurídicos da atividade notarial e da função social exercida pelo tabelião de notas,
pois se pretende com este estudo desmistificar a figura do notário e despir de
preconceitos a visão que a sociedade tem desse profissional, que é instrumento
fundamental para a justiça social, tão necessária ao desenvolvimento de uma nação.

A proposta deste trabalho tem ainda por motivação, fomentar o


estudo desse tema tão importante para a formação de sociedades justas, por meio
de uma abordagem geral, de uma linguagem simples e didática, que tenha o condão
de estimular o leitor a efetuar uma pesquisa ainda mais aprofundada deste complexo
e importante assunto.
11

1. O NOTÁRIO NO CONTEXTO HISTÓRICO

1.1 A origem da atividade

A origem do tabelião de notas é muito remota e confunde-se com a


própria origem da sociedade. Com a fixação do homem à terra, deixando de ser
nômade, surge a necessidade de viver em sociedade, para melhor se proteger dos
ataques de animais, dos ataques de outros homens e para otimizar a produção de
alimentos e, desta forma adere ao contrato social, que são regras que disciplinam a
convivência, surgindo assim, o Direito, para regular as relações sociais e dirimir os
conflitos existentes.

Nessa sociedade recém formada surge a necessidade de uma


pessoa que se possa ter confiança para relatar os fatos, perpetuando-os para a
posteridade e que auxilie as pessoas no momento de contratarem umas com as
outras.

Importante papel foi desempenhado pelo notário na história da


humanidade, pois seus apontamentos, verdadeiros relatos históricos, serviram e
ainda servem para a compreensão da evolução do homem e dos anseios da
sociedade.

Com as transformações sociais surge a necessidade de uma pessoa


cada vez mais preparada para, além de relatar fatos, perpetuando-os, e dar forma à
vontade das partes, garantir os direitos das partes envolvidas, gerando a
estabilidade das relações e a paz social.

A figura do notário surge dos anseios sociais, é um fenômeno social,


em princípio instrumento essencial para a formação dos Estados e somente mais
tarde será peça fundamental para o ordenamento jurídico.
12

1.1.1Hebreus

No início das sociedades, como a dos hebreus, as transações eram


feitas verbalmente, apenas garantidas pelas testemunhas que presenciavam os
atos. Segundo relatos de João Mendes de Almeida Júnior1 foi entre os hebreus que
se confeccionou o mais antigo contrato real de que a Escritura Sagrada faz menção
(Gênesis, XXIII, 8, 18). Referido contrato foi concluído sem intervenção de notário e
sem a forma escrita e por meio dele Abraão comprou de Efron um terreno para nele
sepultar sua esposa, Sara.

Porém, com a evolução das sociedades, como a dos hebreus, houve


a necessidade do contrato escrito. Importante destacar, que além da formalização
escrita da vontade das partes, são criados outros mecanismos de garantia das
transações feitas pelos hebreus, como a imissão na posse para os bens imóveis.

Havia entre os hebreus a figura dos escribas, cujas funções foram


bem delineadas nos ensinamentos de João Mendes de Almeida Júnior:

Desde 600 anos A. C., o encargo de receber e selar os atos e


contratos, que deviam ser munidos do sêlo público, competia a uma
espécie de notários chamados escribas. Êstes, na maior parte das
convenções, faziam simples notas ou abreviaturas, cada uma das
quais significava uma palavra, e eram escritas com tôda a
celeridade, como se depreende do versículo segundo do Salmo,
XLIV: Lingua mea calamus scribae, velociter scribentis. Eram
revestidos de caráter sacerdotal, tanto os escribas ou doutôres da lei,
que transcreviam e interpretavam a Sagrada Escritura, como os
escribas do povo, que ocorriam às necessidades quotidianas dos
cidadãos, redigindo memórias, cartas e semelhantes documentos 2.

Os escribas do povo tinham como funções, além de dar forma à


vontade exprimida pelas partes, redigindo pactos e convênios particulares,
formalizar a vontade do rei e ainda autenticar atos e resoluções monárquicas.

1 ALMEIDA JÚNIOR, João Mendes de. Orgãos da fé pública. São Paulo: Saraiva, 1963, p. 5.
2 Ibidem, p. 7.
13

Já os escribas da lei, como o próprio nome está a indicar, faziam a


interpretação das leis auxiliando os Tribunais de Justiça e ainda tinham um
importante papel no Conselho de Estado.

Os escribas hebreus também eram ocupantes de cargos


privilegiados e gozavam de uma preparação cultural especial para o bom exercício
de sua função.

1.1.2Egípcios

A sociedade egípcia sempre foi considerada avançada em muitas


áreas como na medicina, na engenharia, na astrologia. Era regida pelo monarca,
organizada em castas, imperando a forte influência sacerdotal.

A vida jurídica no Egito tornou-se muito expressiva após a


proclamação pelo rei Bochóris, no século VIII A.C. da liberdade de contratar, que até
então era apenas reservada para as castas superiores, compostas pelos sacerdotes
e pelos guerreiros.

Foi nesse contexto que surgiram os primeiros oficiais de notas que


se tem notícia, os escribas do Egito. Eram pessoas de altíssimo nível cultural,
ocupantes de cargos privilegiados nesta sociedade, considerados propriedade
privada, podendo transmitir por sucessão aos herdeiros 3.

Em que pese os escribas redigirem instrumentos jurídicos para o


monarca, sendo pessoas de sua confiança e também redigirem instrumentos
particulares, estes não eram possuidores de fé pública e por isso, os instrumentos
por eles lavrados, para ter valor probatório, tinham que ser homologados por uma
autoridade superior.

No início os contratos eram redigidos pelas partes ou por notários e


na maioria das vezes na presença de cinco testemunhas que transcreviam o

3 COTRIM NETO, Alberto Bittencourt. Perspectivas da função notarial no Brasil. Porto Alegre: Colégio
Notarial do Brasil – Seção do Rio Grande do Sul, 1973, p. 10.
14

contrato de próprio punho, fazendo verdadeiras cópias e assinavam em baixo, isso


como forma de garantia do negócio realizado pelas partes. Com evolução da
sociedade egípcia e o fomento da atividade notarial a transcrição do contrato pelas
testemunhas foi caindo em desuso.

O sistema notarial e registral egípcio era organizado conforme relata


João Mendes:

Na praxe egípcia, pois, se encontram a escritura, o cadastro, o


registro e o impôsto de transmissão ou siza, em sua origem histórica.
Encontram-se ainda o arquivo ou cartório, porque não bastava que
os contratos fôssem registrados; a lei exigia ainda que fôssem
transcritos no cartório do tribunal ou juízo e que fôssem depositados
no cartório do conservador dos contratos: era o uso de todos os
países onde penetrava a civilização helênica4.

Com a introdução do helenismo na civilização egípcia os notários


gregos ganharam destaque e os contratos começaram a ser elaborados perante
esses profissionais.

Importante ressaltar, que os escribas, ancestrais mais remotos dos


notários, apenas instrumentalizavam a vontade das partes, eram meros redatores,
pois não estavam investidos de fé pública, diferentemente do que ocorre nos dias
atuais, em que a fé pública é peça fundamental para o exercício da função.

1.1.3 Gregos

Continuando na evolução histórica do notário surge na Grécia a


figura dos mnemons ou epistates e hieromnemons, que a tradução em latim era
notarii, actuarii, chartularii, cuja tradução para o português seria notários, secretários
e arquivistas, considerados funcionários públicos pelo filósofo Aristóteles,
encarregados de redigir instrumentos particulares, podendo posteriormente ser
utilizados pelas partes contratantes como prova, de escrever os atos dos processos

4 ALMEIDA JÚNIOR, João Mendes de. Órgãos da fé pública. São Paulo: Saraiva, 1963, p. 14. João
Mendes elencou as características do sistema notarial e registral egípcio de acordo com a obra
Histoire Du Droit de Dareste.
15

judiciais, como as petições, acusações, defesas, citações e as decisões dos juízes e


por fim, e de suma importância, tinham a função de conservar documentos públicos
e particulares 5. Foram figuras importantes no desenvolvimento da sociedade e das
cidades gregas, segundo João Mendes de Almeida Júnior: “Depois que se
desenvolveu a vida civil na Grécia, êstes funcionários foram crescendo na
consideração pública”6.

A civilização helênica esteve presente em diversas regiões do


mundo, o que permitiu a popularização do notário, pois em todos os países com
influência da civilização helênica havia a figura do notário, de acordo com os estudos
de João Mendes de Almeida Júnior:

A verdade é que, em todos os países onde dominou a civilização


helênica, observa-se a existência de notários, incumbidos de dar aos
contratos o seu testemunho qualificado e, ao lado dos tribunais e
juízes, um secretário, incumbido não só de escrever peças do
processo, como de coordená-las, guardá-las na caixa selada
respectiva e transmitir essa caixa ao juiz ou tribunal. A expressão –
mnemons, literalmente traduzida, bem explica que o fim principal do
notário é guardar a lembrança dos contratos, isto é, preconstituir
prova7 .

1.1.4Romanos

Contudo, foi em Roma que a atividade notarial experimentou sua


maior evolução.

Assim como os hebreus, no início da civilização romana a realização


dos negócios era verbal, sendo fielmente cumprida a lei natural e imperando a boa
fé, porém, com o aumento da população romana e multiplicação dos negócios civis
foi necessária a instrumentalização desses negócios e neste momento há a

5 Ibidem, p. 16.
6 Ibidem, p. 16.
7 Ibidem, p. 16-17.
16

exigência de um profissional que dê forma à vontade das partes perpetuando-a e


possuindo este instrumento força probatória como um ato público.

Os atos praticados pelos tabeliães de notas romanos não eram


dotados de fé, dependiam de comprovação em juízo da assinatura e da letra
constantes no instrumento confeccionado pelo tabelião, coletando o depoimento de
pelo menos duas testemunhas para esse mister.

No início surgiram diversos profissionais responsáveis pela


instrumentalização de negócios, conservação dos documentos e por serviços
auxiliares da justiça, como os argentarii, que exerciam nos fóruns a função de
procurar empréstimos em dinheiro para particulares e confeccionar os contratos de
mútuo. Os notarii, cuja atividade era escrever com as notas, que consistia muitas
vezes na simples indicação das iniciais ou abreviaturas conhecidas se revelando
uma espécie de estenógrafos. Os tabularii, que eram funcionários fiscais e tinham,
dentre outras funções, a escrituração e a conservação dos registros hipotecários, a
direção do censo e posteriormente confeccionavam documentos legais. Por algum
tempo esses profissionais foram considerados escravos do povo, mas após,
somente foram admitidos para esse ofício homens livres.

Contudo, o profissional romano que mais se aproxima do notário


atual é o tabelliones, conforme leciona João Mendes:

Os tabelliones, assim chamados porque escreviam seus atos em


tabuletas de madeira emplastadas de cera, a princípio exercitavam
cumulativamente com os exceptores, os actuarii e os notarii, as suas
funções. Eram imperitos no direito, porém pessoas livres:
Tabelliones, diz PEREZIO, ao tít. X, Liv. X do Cód. Just. erant liberi
homines et poterant ad decurionatum adspirare. Mas, nos séculos IV
e V, os exceptores, os actuarii e os notarii mudam de natureza, isto é,
passam a exercer funções especiais e distintas, segundo observam
SAVIGNY e CONTI; em tal época, com o nome de expectores são
designados os secretários das autoridades administrativas e das
mais elevadas autoridades judiciárias; com o nome de actuarii, são
designados os escrivães dos juízes e empregados de menor escala;
17

e com o nome de notarii eram designados os escrivães da


chancelaria imperial8 .

A carreira de tabelião de notas somente foi institucionalizada com a


administração do imperador Justiniano I (Flavius Petrus Sabbatius Justinianus),
responsável pela unificação do império romano cristão9.

Após devidamente regularizada a profissão de tabelião de notas, ela


ainda experimentou significativo avanço no século VI, durante o governo dos
imperadores Leão I e Justiniano, com a criação de uma corporação, presidida por
um primicerius (primus in coera), que era responsável pela formação de tabeliães,
dotando-os de notável saber jurídico e aptidão para a escrita. Houve uma verdadeira
institucionalização da classe notarial.

Entre os anos de 527 e 565, elabora-se o Corpus Júris Civilis, obra


legislativa dividida em quatro partes: institutiones (institutas), que era um manual de
estudo, sendo mais simples e teórico, com noções gerais, definições e
classificações; digesto (pandectas), compilações de fragmentos de jurisconsultos
clássicos, obra mais complexa, de maior dificuldade na elaboração, era um código
com doutrinas seletas; codex, compilação das leges presentes nas constituições
imperiais que figuravam nos códigos Gregoriano, Hermogeniano e Teodosiano, era
uma espécie de código dividido em livros e títulos e por fim as novelas,
caracterizada pela reunião das constituições promulgadas depois de 535 por
Justiniano.

No digesto encontram-se as disposições legislativas que regulam a


atividade dos notários. Na parte denominada gema primeva, tem-se o primeiro
regulamento do notário do tipo latino, este, que transcreve a realidade e orienta com
relação à forma jurídica do ato.

Com as Novelas de Justiniano são veiculadas disposições sobre a


atividade notarial, o que demonstra a importância do notário para o desenvolvimento
da civilização romana. Para desenvolver de forma ordenada o império são previstas

8 Ibidem, p. 22.
9 MARTINS, Cláudio. Teoria e Prática dos atos notariais. Rio de Janeiro: Forense, 1979, p. 7.
18

sanções contra os tabeliães faltosos às suas obrigações delegadas, uma vez que se
tem a esse tempo, a delegação pública para exercício da atividade dos notários,
porém, em caráter privado.

É certo afirmar, que na cidade de Constantinopla no ano aproximado


de 550 DC, a atividade mercantil era muito desenvolvida, portanto, em qualquer
praça pública onde houvesse um notário, dando forma à vontade e aos negócios das
pessoas, o movimento era intenso. Em face do volume de serviço, o notário se
obrigava a delegar alguns serviços a auxiliares, lembra-se, entretanto, que essa
delegação como nos dias de hoje merecia todo cuidado quanto às qualificações do
preposto, para que desta forma, não houvesse prejuízo para as partes que
utilizassem os serviços desses profissionais.

Conta a história que uma mulher analfabeta, encarrega a um notário


a missão de elaborar um documento que expresse a sua vontade, ocorre que o
documento não traduz a verdade dita dos fatos e ela se queixa a um juiz
encarregado de resolver a questão, o qual, de imediato convoca o notário para
prestar esclarecimentos.

Ao se convocar o dito notário, este alega desconhecer parte do


documento, pois delegou a confecção do documento a outrem, que convocado
também foi, porém ao ser indagado sobre a questão, responde que tampouco havia
sido de sua autoria a elaboração do documento, pois encarregara a outro a redação
do dito documento.

O juiz convoca ainda um terceiro envolvido, porém, não fora possível


encontrar quem realmente houvera redigido o documento, sendo que desta forma e
após exaustiva investigação, o juiz diante dos fatos, consegue afinal determinar a
verdade.

Relata-se que tal situação deu origem à elaboração da Constituição


XLV, Novela XLIV, abaixo transcrita:

O Imperador Justiniano, Augusto, por decreto a João, segunda vez


Prefeito do Pretório, Ex-cônsul e Patrício, o texto em sua íntegra:
19

Pois, nós cremos ser conveniente auxiliar a todos, fazer uma lei
comum para todos os casos, a fim de que aos mesmos que estão à
frente do trabalho dos notários, se lhes imponha de todos os modos
que formalizem por si o documento, e que estejam presentes até o
seu término, (...).

§1º – Para proibir todas estas coisas lavramos a presente lei,(...)


entendendo-se que se contra estas determinações tiverem feito
alguma coisa, perderão, em absoluto, as praças, e aquele que por
eles é designado para lavrar o documento e nele intervier será o
dono da praça com própria autoridade, (...)

§2º – Mas se por acaso for indigno de receber autoridade na praça


aquele a quem contra o que por nós tiver sido disposto na presente
lei lhe é encomendado um documento, perca-se a autoridade
certamente de todo modo por esta causa o notário, e seja constituído
outro em seu lugar;(...)

§3º - E não finjam os notários ocasiões para se irem, acaso por


doença, ou por ocupações de tal natureza; porque se tal acontecer,
ser-lhes-á lícito chamar aos que contratam, (...)

§4º – Mas para que não pareça que esta lei seja sumamente dura
para eles,(...). Pois lhes damos licença, a cada um deles, para que,
com motivo acaso de tais dúvidas sujas, nomeiem alguém para isso,
(...) para estar presente ao serem finalizados, e sem que
absolutamente qualquer outro que exista naquela praça tenha
licença para que lhe seja encomendado o começo,(...) Porque
sabemos que por medo à lei guardarão também eles no sucessivo o
que por nós foi decretado, e farão com cautela os
documentos” (Manuscriptum Florentium)10.

Do texto acima, percebe-se a preocupação em disciplinar a atividade


notarial e acolhe-se uma forte tendência de imputar ao notário a sua devida
responsabilidade, prevendo de forma clara as sanções a serem aplicadas. Estas
disposições têm por objetivo a prevenção e a repreensão dos erros ocorridos no

10 D. Idelfonso L. Garcia Corral; Francisco Tost, em tradução do latim para o espanhol e versão para o
português, De tabellionibus et ut protocolla dimittant in chartis do Manuscriptum Florentium, Séc.
VI.
20

exercício da atividade, estabelecendo assim, o equilíbrio necessário à atividade


mercantil. Nos dias atuais este equilíbrio se define como segurança jurídica.

Importante destacar, que na época do império romano não havia


tecnologia para armazenar as informações, e muito menos divulgá-las. Nesse
cenário se produz a documentação no local da transação, praças públicas, e tem-se
o efeito da verdade, desta forma, o império além de investir da autoridade
necessária o notário, age com extremo rigor em casos de erro, uma vez, que o seu
poder de fiscalização é frágil, e as transações tem em sua maioria caráter privado. O
império só tem conhecimento do erro em casos de contenda ou em casos que
envolvam o recolhimento de impostos.

Outra importante inovação disposta na Novela XLIV foi a criação do


protocolo, que era a determinação da prática de atos em papel que tivesse a marca
do nome do comes sacrarum largitionum e da época de sua fabricação. O protocolo
além de ser um mecanismo para dificultar falsificações, também era um meio de
imposto indireto

Justiniano sempre reconheceu a importância dos tabeliães de notas


para o desenvolvimento da sociedade romana e incentivou o progresso da atividade
notarial exigindo que estes profissionais fossem conhecedores do Direito para
melhor desempenhar a atividade. Prestigiando a função notarial Justiniano
determinou a intervenção obrigatória dos notários nos inventários, concedeu a
função de subscrever as denúncias onde não houvesse magistrado com o fim de
interromper a prescrição, mas também velando pelo bom desempenho das
atividades notariais previu pena de falsidade ao notário que não redigisse de acordo
com as declarações de última vontade prolatadas pelo testador.

Depois de Justiniano a institucionalização e aprimoramento do


notariado continuou com o imperador bizantino Leão VI, que exigia para o exercício
da atividade pessoas qualificadas, conhecedoras das leis, peritos na escrita,
habilidosos na comunicação, probas, de raciocínio rápido e ainda que tivesse em
21

mãos os quarenta títulos do manual das leis, e conhecesse os sessenta livros e as


regras para não cometer erros nas escrituras ou equivocar-se nas palavras 11.

Nesse contexto histórico há o surgimento do direito canônico


medieval e ocorre um importante processo de sistematização da atividade notarial
com a sedimentação do uso de fórmulas sacramentais para a confecção de
instrumentos públicos.

1.1.4.1 Direito Canônico

O Direito é uma ciência que surgiu como forma de atender aos


anseios sociais e garantir a convivência em sociedade. Antes do século XI não havia
uma separação definida entre o Direito e outros mecanismos de controle social,
pode-se afirmar que o Direito estava intrinsecamente ligado à idéia de regras morais
e costumes sociais muitas vezes ligados à religião.

O Direito somente ganhou autonomia, transformando-se em um


corpo estruturado de princípios e regras com a Reforma Gregoriana no século XI,
que teve início no século X com o movimento monástico de Cluny. A reforma buscou
a independência das autoridades eclesiásticas, separando a esfera temporal da
espiritual.

Antes da reforma havia apenas normas eclesiásticas, sem


autonomia, regidas pelos princípios eclesiásticos e intrinsecamente ligadas à
atividade exercida pela igreja. Com a reforma há a sistematização e estruturação de
normas autônomas de caráter jurídico, que deveriam reger a vida da igreja,
denominado Direito Canônico, considerado primeiro sistema jurídico ocidental
moderno.

Posteriormente ao surgimento do Direito Canônico houve o


surgimento de sistemas jurídicos não eclesiásticos, como o mercantil, o feudal, o
senhorial, conhecidos como sistemas jurídicos seculares.

11 Os quarenta livros compreendiam toda a legislação romana, compendiada em sessenta livros por
Basílio Macedón (apud Cláudio Martins, Teoria e prática dos atos notariais, Rio de Janeiro:
Forense, 1979, p. 9).
22

Em Roma a Igreja Católica constituía um dos pilares de sustentação


do império romano e nesse contexto de expansão do império com participação ativa
da Igreja o Direito Canônico tem uma função importante para o desenvolvimento e
organização da sociedade romana e também para o notariado de Roma.

O Direito Canônico contribuiu sobremaneira para o desenvolvimento


e prestígio da atividade notarial como revela João Mendes de Almeida Júnior:

Na ordem eclesiástica, desde os primeiros tempos da Era Cristã,


achamos alguns oficiais que traziam o nome de – notarii. Eram êstes
os notarii regionarii, notários regionais, instituídos pelo Papa S.
Clemente, no ano 98, os quais eram distribuídos pelas sete regiões
eclesiásticas, e tinham o encargo de receber os atos dos mártires, de
anunciar ao povo as procissões, as preces, etc.; os notários do
tesouro da Igreja, chamados também scriniarii, e os protonotários
apostólicos, instituídos pelo Papa Júlio I na primeira metade do
século IV. Êstes últimos se chamavam – participantes, e gozavam de
algum privilégio, como por exemplo, do direito a uma parte das taxas
pagas à chancelaria romana pela expedição dos atos e ad instar
participantium, se êste título era concedido por mera honorificência12.

A influência dos Papas na atividade notarial trouxe grande prestígio


para essa classe, respeitada por toda sociedade por estar revestida de caráter
sacerdotal. A fé pública que estava investido o notário possuía um caráter religioso
imputado pela Igreja Católica, que conferia mais credibilidade a esses profissionais
perante a sociedade.

O Direito Canônico foi o precursor do registro civil das pessoas


naturais e também, identificam-se traços de origem do registro de imóveis.

A administração pela Igreja Católica em Roma dos sacramentos de


batismo, matrimônio e extrema-unção deram origem aos assentamentos a cargo dos
curas d’almas dos nascimentos, casamentos e óbitos ocorridos, podendo ser
considerado o berço da atividade de registro civil de pessoas naturais.

12 ALMEIDA JÚNIOR, João Mendes de. Órgãos da fé pública. São Paulo: Saraiva, 1963, p. 53-54.
23

Em Roma iniciou-se o tombamento de bens eclesiásticos para


proteção da igreja católica e o registro desses tombamentos para fins de publicidade
e segurança jurídica fomentou o registro das propriedades, que num primeiro
momento eram efetuados sob a égide da igreja católica e posteriormente dando
origem ao serviço de registro de imóveis.

A forte ligação da atividade notarial à igreja católica deve-se também


ao fato de serem as pessoas ligadas ao clero dotadas de vasto conhecimento,
inclusive jurídico, dominando a escrita, e, desta forma, garantindo a confecção de
instrumentos de elevado nível técnico e dotados de perfeição nas formas.

Cumpre-se destacar, que a influência do clero não se restringiu


apenas à atividade notarial e registral, pois no âmbito judicial também tiveram uma
participação expressiva em face da grande quantidade de pessoas iletradas que
havia em Roma, carecendo o foro judicial de pessoas cultas e preparadas como os
cânones, que exerciam grande parte das funções judiciais.

O direito canônico foi responsável por regularizar a forma escrita,


tanto no foro judicial como no extrajudicial, saneando as incorreções e essas formas
canônicas introduzidas são conservadas, com as devidas atualizações, em muitos
países até hoje como em Portugal, na Espanha, na Itália, na França, na Alemanha e
também no Brasil.

1.2 Atividade notarial no período contemporâneo

A atividade notarial ao longo da história passou por diversas fases,


alternando momentos de reconhecimento e prestígio com momentos de decadência,
como ocorreu na Idade Média, com a instituição do feudalismo. Nesse momento
histórico a atividade notarial sofreu grande perda, pois com o domínio e poder
concentrado nas mãos dos senhores feudais, que inclusive validavam os atos
notariais, a seleção dos notários não levava em consideração sua aptidão para a
escrita e seu conhecimento jurídico, mas sim, sua influência política.
24

Após essa fase de degeneração o notariado volta a ganhar vida,


conforme os ensinamentos de Leonardo Brandelli:

No século XIII, na Itália, mais precisamente na Universidade de


Bolonha, com a instituição de um curso especial, a arte notarial
tomou um incremento tal a ponto de os autores considerarem-na a
pedra angular do ofício de notas do tipo latino, tendo acrescentado
uma base científica ao notariado13.

A Universidade de Bolonha era um centro de estudos e


ensinamento do direito romano, onde jurisconsultos medievais traduziam e
interpretavam o Corpus Juris Civilis, fazendo anotações à margem do texto romano
chamadas de glosas.

Com a Escola de Bolonha o notariado experimentou grande


evolução, aprimorando-se até os dias de hoje e delineando suas características de
pacificador de conflitos, garantindo a segurança jurídica necessária para o
desenvolvimento social e econômico das sociedades.

1.2.1Notariado Francês

Na origem do notariado na França a atividade de formalização dos


atos era confundida com a de fazer justiça, pois o notário executava funções em
nome do magistrado. Luís IX vislumbrando esta confusão seguiu os ensinamentos
da obra de Carlos Magno e separou em Paris a função do notário de formalizar a
vontade das partes, denominada de jurisdição voluntária, da verdadeira jurisdição,
identificada na função do magistrado de fazer justiça, tornando independentes essas
funções e em 1302, Felipe, o Belo, estendeu esta modificação a todos os domínios e
em julho de 1304 determinou que todos os notários, com exceção dos parisienses,
tivessem um registro de seus atos. A obrigatoriedade deste registro só foi estendida
aos notários de Paris em dezembro de 1437, por Carlos VII.

Neste período os notários formaram órgãos colegiados e compilaram


seus estatutos, fundando o primeiro colégio de Paris, em 1348.

13 BRANDELLI, Leonardo. Teoria Geral do Direito Notarial. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 11.
25

Francisco I, em 1542, por um edito fez a distinção dos notários e dos


tabeliães. O edito proibia a cumulação das funções de notário e de tabelião, exceto
para os notários de Paris. Segundo as disposições do edito os notários seriam
responsáveis apenas pela lavratura das minutas de contrato, que tinham valor de
simples convenção privada e que somente ganhariam força de instrumento público
depois de levados ao tabelião que tinha o encargo de conservar o documento e dar
cópias às partes.

Também nesta época foi determinado o caráter venal dos ofícios,


sendo para certos efeitos equiparados a bens imóveis, e a sua hereditariedade, que
significou grande perda para a classe notarial, já que com a natureza imobiliária e
transmissibilidade hereditária do ofício notarial a função já não era exercida apenas
por pessoas preparadas e vocacionadas, mas sim, pelos herdeiros, independente de
sua aptidão.

Contudo, foi apenas com a Revolução Francesa que o notariado


ganhou os contornos que possui atualmente.

João Mendes de Almeida Júnior leciona:

A Assembléia Nacional Constituinte, pelo Decreto de 29 de setembro


de 1791, confirmado a 6 de outubro do mesmo ano pela assembléia
legislativa, estabeleceu nova organização do notariado. Por êsse
decreto, dividido em cinco capítulos, foi abolida a venalidade e
hereditariedade dos ofícios notariais; suprimidos os notários públicos,
encarregados de lavrar os atos de sua competência e de imprimir-lhe
o caráter de autenticidade próprio dos documentos públicos. A sua
instituição era vitalícia e não podiam ser demitidos senão por
prevaricação; a determinação do número e residência dos notários
foi reservada ao poder legislativo, ao qual devia para isso servir de
base, nas cidades, a população e, nos campos, a distância dos
centros populosos e a extensão do território combinadas com a
população. Foi prescrita aos notários a obrigação de residência e
foram habilitados a exercitar as sua funções dentro de todo o
departamento para o qual eram nomeados. Foi declarado que os
26

atos notariados seriam executórios em todo o reino, ainda que


fossem impugnados por falsidade até julgamento definitivo14.

Além das mudanças citadas acima, outras ainda ocorreram na


atividade notarial, como o reconhecimento da firma do notário pelo juiz do tribunal ao
qual estivesse vinculado para a execução de ato que ocorresse fora de sua
circunscrição, prestação de caução em dinheiro, pelo notário, depositado no tesouro
nacional, para o exercício de sua função e que os ofícios seriam providos por
concurso, tendo o candidato que preencher uma série de requisitos, como a prática.

Após as estipulações acima referidas foi editada a lei de 25 Ventoso


do ano de XI, de 16 de março de 1803, que estabeleceu nova organização ao
notariado, contudo repetindo muitas das disposições da Revolução Francesa.

João Mendes de Almeida Júnior15 relata que os notários franceses


são funcionários públicos vitalícios, devendo residir no local determinado pelo
governo e tem competência para dar forma à vontade das partes, lavrando atos e
contratos dotados de autenticidade, assegurando sua data, além de serem
responsáveis pela sua guarda e conservação, podendo expedir cópias. São
obrigados a exercer seu mister sempre que necessário, salvo justo impedimento,
sob pena de demissão do cargo, contudo, vedada a sua prática fora de sua
circunscrição.

Outra importante inovação foi a proibição da lavratura de atos pelos


notários em que houvesse interesse próprio ou em que fossem interessados os seus
consangüíneos e afins em linha reta em qualquer grau e em linha colateral até o
grau de primo e de tio.Todos os atos eram lavrados por dois notários ou um notário
assistido por duas testemunhas, cidadãos franceses domiciliados na comuna onde
fosse lavrado o ato. Os impedimentos acima relatados também se estendiam para
as testemunhas e para os escreventes do notário. Não podiam figurar no mesmo ato
dois notários parentes ou aliados em grau proibido. As partes deveriam ser
conhecidas do notário, assim como sua residência, pois caso contrário, essas
informações deveriam ser atestadas por duas testemunhas.

14 ALMEIDA JÚNIOR, João Mendes. Órgãos da fé pública. São Paulo: Saraiva, 1963, p. 87.
15 Ibidem, p. 89.
27

Os atos notariais na França eram dotados de autenticidade e


gozavam de fé pública, possuindo força executória em todo território do país, salvo
se houvesse suspeita de falsidade, podendo a execução ser suspensa pelo juiz ou
pelo tribunal. Esses atos notariais eram protegidos, pois o notário era obrigado a
guardar a minuta dos atos que praticasse, com algumas exceções e somente
poderiam dar conhecimento ou expedição dos atos às pessoas diretamente
interessadas ou cumprindo mandado do presidente do tribunal de primeira instância.

Com todas as mudanças inauguradas pela Revolução Francesa o


notariado francês ganhou novos contornos, mais próximos dos atuais e continuou
sua evolução acompanhando as novas tendências sociais.

1.2.2Notariado Espanhol

Passando a analisar o notariado espanhol, nos dias atuais pode-se


afirmar que é, provavelmente, o mais desenvolvido do mundo e esta situação se
justifica pela grande importância que ao longo de sua história foi dada a essa classe
de profissionais.

Sobre a origem do notariado na Espanha Leonardo Brandelli, traz


informações de que:

Dividida em diversos reinos e em luta contra os mouros, a Espanha


regulava-se pelo Fuero Juzgo, pelo Fuero Real e pela Lei das Sete
Partidas, dentre outras. O Fuero Juzgo era o código das leis, no qual
se fundiram o Código de Eurico e o de Alarico, publicado no ano de
654 e que fazia menção aos notários reais 16.

O Fuero Real, elaborado em 1255 por Alfonso X, o Sábio, veio para


remediar a fragmentação legislativa em seus reinos, por meio de um código único.
Aqui se encontra o primeiro precedente da forma notarial no testamento outorgado
com a intervenção do notário e, por isso, é considerado a origem da instituição na
Espanha 17.

16 BRANDELLI, Leonardo. Teoria Geral do Direito Notarial. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 15.
17 VALLE, Germán Fabra. Código de legislación notarial. Madri: Neo Ediciones, 1990, p. 12. (apud,
BRANDELLI, Leonardo. Teoria Geral do Direito Notarial, São Paulo: Saraiva, 2007, p. 15).
28

A lei das Sete Partidas (1256-1263), obra de relevante valor jurídico


dedica uma parte aos notários, dispondo sobre os princípios aplicados à atividade,
sobre os requisitos exigidos para ser notário, como ser livre, cristão, de boa fama,
probidade, ter habilidade para a escrita, viver perto do seu local de trabalho para
conhecer melhor as pessoas, dentre outros requisitos.

Outra importante lei que disciplinou a atividade notarial foi a Lei do


Notariado espanhola, de 28 de maio de 1862, que se encontra vigente até hoje.
Após essa data tiveram quatro regulamentos sobre a atividade notarial e por fim, o
Decreto de 2 de junho de 1944, que regulamentou a organização e regime do
notariado.

Pode-se notar claramente a importância do notário na Espanha no


texto da obra de João Mendes:

Em Espanha, disse MORCILLO Y LEÓN, pessoas, autoridades,


tribunais, e demais poderes do Estado, prestam ao notário tôda a
consideração que merece o caráter de um funcionário público; nas
funções cívicas e nas solenidades do Tribunais ocupa um pôsto
imediatamente depois da toga do jurisconsulto; os contratos
encontram nêle a garantia de sua eficácia; êle conserva e mantém o
depósito sagrado das convenções; as últimas vontades, sancionadas
por seu intermédio, se convertem em preceitos e leis; os direitos do
órfão encontram nêle inexpugnável fortaleza, o filho natural
consegue por sua mão a paternidade que a tão alta consideração o
eleva na família; o Estado assegura por meio dêle essa troca
incessante de prestações recíprocas, que nascem, desenvolvem-se
e morrem ao calor da convenção; a sociedade considera nêle um
contrapêso exato que mantém em constante equilíbrio as fôrças
opostas resultantes do incessante torvelinho dos interêsses privados;
e o homem, enfim, na esfera de sua liberdade individual, encontra
nêle um instrumento seguro para regular as condições que hajam de
ligá-lo à família, a seus semelhantes, aos bens materiais, a tôdas as
relações que, já no fundo, já na forma, constituem sua maneira de
ser na vida cível18 .

18 ALMEIDA JÚNIOR, João Mendes de. Orgãos da fé pública. São Paulo: Saraiva, 1963, p. 77-78.
29

Os notários eram responsáveis por lavrar instrumentos que não


fossem de competência de autoridade judiciária, podendo fornecer expedições,
certidões e extratos e ainda, formalizavam o protocolo, que era a reunião dos atos
originais (las escrituras matrices), lavrados no decurso de um ano e organizados por
ordem cronológica.

Na Espanha o ministro da justiça exercia a função de notário


supremo do Estado e era responsável pela autenticação dos atos do rei e de sua
família.

Na Espanha, assim como ocorre no Brasil, a atividade registral e


notarial é uma função pública exercida em caráter privado, o que contribui muito
para o aprimoramento dessa função.

Atualmente, pode-se dizer que o notariado espanhol é um dos mais


desenvolvidos do mundo e isto decorre do fato de que na Espanha a atividade
notarial é reconhecida como essencial para a manutenção do Estado e desde sua
origem teve a necessária atenção dos governantes e dos legisladores. A sociedade
reconhece na figura do notário peça fundamental para o equilíbrio das relações
privadas.

O grande diferencial do notário espanhol é o seu avanço na função


de assessoramento jurídico imparcial das partes que é exercida de forma brilhante.

1.2.3Notariado Italiano

A Itália teve grande participação no aperfeiçoamento da atividade


notarial. Contribuiu de maneira expressiva com a Escola de Bolonha que deu vida
novamente ao direito romano por meio da interpretação da legislação romana e das
anotações feitas pelos glosadores, comentando a legislação.

Após a Revolução Francesa a Itália era um país composto por


regiões políticas que possuiam sua própria legislação, não havendo qualquer
uniformidade no exercício da jurisdição e na atividade notarial, que era regida por
30

dez leis distintas, todas confeccionadas seguindo os passos do 25 Ventoso do ano


XI.

Com a unificação política houve a uniformização da legislação de


todo o país, de suas instituições judiciárias, das ordens dos advogados e dos
procuradores. Entretanto, a atividade notarial continuou à deriva das leis esparsas
existentes.

Os notários necessitavam de uma lei orgânica que fosse aplicada


em todo o território nacional uniformemente e esta lei era importante não só para o
melhor exercício da atividade, mas também para resgatar o prestígio desses
profissionais que enfrentavam inúmeros problemas decorrentes da falta de
legislação uniforme.

Depois da confecção de diversos projetos de lei disciplinando a


atividade notarial, foi aprovada em 25 de julho de 1875 a esperada lei que
disciplinou a atividade notarial em toda a Itália, entrando em vigor em 1 de janeiro de
1876.

Contudo a referida lei não teve o efeito que se esperava de sanar os


problemas decorrentes da falta de uniformidade da legislação notarial, pois cada
região do país possuia uma atividade notarial pautada em princípios distintos e desta
forma, a lei que fez a unificação não atendeu aos anseios e às necessidades das
diveresas regiões.

Para realizar de forma mais efetiva a unificação da atividade notarial


foi confeccionado projeto de lei trazendo importantes modificaçães à lei de 25 de
julho de 1875, que foi aprovado, após várias emendas feitas pela Câmara dos
Deputados e pelo Senado e entrando em vigor em 1 de maio de 1879. O governo
autorizado pela nova redação da lei dos notários consolidou a lei de 25 de julho de
1875, a tarifa e seu regulamento de 19 de dezembro de 1875, de acordo com os
aditamentos feitos, dando origem ao Decreto n. 6.900 de 25 de maio de 1879, um
texto único, que reoganizou toda a atividade notarial e a disciplinou de forma
detalhada em seis títulos.
31

No primeiro título estão as disposições gerais, declarando que os


notários são oficiais públicos, incumbidos de lavrar instrumentos por ato de última
vontade ou inter vivos assistindo às partes, dando forma jurídica, atribuindo
autenticidade por meio de sua fé pública, conservando os instrumentos feitos para
deles extrair cópias, certidões e extratos.

O segundo título tratou dos notários, especificamente sobre os


requisitos para assumir a função, suas obrigações e as suas principais
características, como a vitaliciedade.

Na sequência, o terceiro título tratou dos atos notariais. O quarto


título disciplinou sobre os colégios, conselhos e arquivos notarias. O quinto título
trouxe regras sobre vigilância aos notários, conselhos, arquivos penas e processos
disciplinares e reabilitação. E por fim, o sexto título tratou das disposições
transitórias.

Posteriormente, para acompanhar a evolução social e atualizar a


atividade notarial italiana foi editada a lei 89, de 16 de fevereiro de 1913,
complementada pelo regulamento n. 1.326, de 10 de setembro de 1914, com
algumas modificações posteriores, que constitui o cerne da legislação notarial
Italiana.

A atual legislação italiana sobre a atividade notarial dispõe que o


notário é um particular exercendo uma função pública, permitida a livre concorrência
para obterem sua renda, respondendo pessoalmente por todas as imperfeições, sem
comprometer o Estado no exercício de sua função, são fiscalizado pelos Colégios
Notariais, representados por seus Conselhos superintendidos pelo Ministro da
Justiça.

Pode-se concluir que pelas características descritas na lei o notário


italiano está entre os notários mais avançados do mundo ao lado dos notários
espanhóis.
32

1.2.4 Notariado Alemão

A Alemanha experimentou grande período de obscuridade na


atividade notarial em decorrência do domínio feudal. No feudalismo a atividade
notarial foi muito desprestigiada e perdeu a confiança da população, pois o os
grandes feudatários da coroa e os condes palatinos direcionavam a atividade de
acordo com seus interesses.

A atividade notarial voltou a gozar de algum prestigio somente no


século XIII.

João Mendes de Almeida Júnior ensina:

No século XIII, quando alí começou a ser estudado o Direito


Romano, para o exercício do notariado eram exigidios os mesmos
requisistos prescritos para os notários italianos; mas, por outro lado,
não só eram instituídos os colégios ou corporações de notários,
como era o seu ofício muito dependente dos juízes e tribunais19.

Entretanto, a população não estava satisfeita com as mudanças


ocorridas e principalmente a classe jurídica, como os advogados, jurisconsultos e
juízes clamavam por uma modificação estrutural da atividade.

Em 8 de outubro de 1512 foi publicada em Colônia a Constituição do


Imperador Maximiliano I, trazendo profundas mudanças para a atividade notarial.

Dentre as mudanças mais significativas pode-se destacar a


proibição de pessoas improbas exerceram a atividade de notas, a obediência pelos
notários de regras na confecção dos instrumentos, como a obrigação de fazer
menção aos cancelamentos, interlinhas e postilas, proibição de fazer abreviaturas ou
utilização de palavras obscuras, estipulou ainda, regras para substituição do notário
no caso de legítimo impedimento, e obrigatoriedade de intervenção das testemunhas
em todos os atos.

19 Ibidem, p. 66.
33

Contudo, as mudanças realizadas não foram suficientes para


sustentar o prestígio da atividade notarial e no século XVIII houve grande
decadência dessa classe de profissionais. Nesse período os instrumentos
confeccionados pelos notários sequer tinham força de instrumento público, somente
sendo considerados documentos públicos os protestos de câmbio.

Atualmente na Alemanha a atividade notarial não possui o mesmo


prestígio que existe em outros países da Europa como Portugal, Espanha e Itália,
pois o país é dividido em Estados-membros (bundeslander) que são dotados de
autonomia legislativa, e, deste modo, cada Estado-membro possui um norma
relativa às atividades notariais, dando origem na Alemanha a três subtipos de
notários, cada um com suas características peculiares.

O primeiro subtipo é o notariado livre e suas características são bem


definidas por Hercules Alexandre da Costa Benício:

O notariado livre (adotado em unidades como Macklenburg-


Vorpommern, Sachsen-Anhalt, Bremen e Thuringen) não representa
autoridade pública nem órgão estatal. A função é desempenhada em
nome do notário e, por isso, o tabelionato não tem existência
independente de seu titular. Como profissional, o notário tem a
faculdade de declarar a validade dos atos jurídicos, mediante o
exercício da fé pública, reduzindo-se sua atividade oficial a
autenticações e consultoria. Nessas regiões, o tabelião exerce
função notarial concomitantemente com a advocacia e pela duração
do exercício de sua licença de advogado (este é o regime do
chamado Anwaltsnotar) 20.

A denominação “notariado livre” decorre do fato de que não gozam


de exclusividade de atribuição, de que não possuem uma demarcação territorial de
exercício, nem limitação quanto ao número de profissionais que podem atuar, pois a
pessoa que pretende o exercício da função e preencher os requisitos legais será
designada para a atividade.

20 BENÍCIO, Hercules Alexandre da Costa. Responsabilidade Civil do Estado Decorrente de Atos


Notariais e de Registro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 59.
34

O notariado restrito é aquele que mais se aproxima do notário latino,


pois exerce uma função pública em caráter privado, depende de criação pelo Estado
da Unidade de Serviço e de sua nomeação para o exercício da função, possuindo
atribuição exclusiva para prática de atos previstos em lei.

Por fim, o notariado é composto por titulares das serventias judiciais,


pertencentes à magistratura e o tabelionato é considerado orgão estatal. Possuem
atribuições para a prática de funções públicas, como a lavratura de testamentos,
execuções de sentença e o registro de propriedade, podem invocar as prerrogativas
do magistrados e são nomeados pelo Ministério da Justiça e pagos pelo Estado,
independentemente da atividade realizada21.

Conclui-se que a Alemanha possui um modelo peculiar de atividade


notarial, em face da divisão política e da autonomia legislativa dos Estados-membros
e por isso, destoando da tendência européia de fortalecimento dessa classe
profissional.

1.2.5Notariado Português

Sobre o início da atividade notarial em Portugal paira alguma


divergência. Segundo os ensinamentos de Mello Freire, em sua obra Historia Juris
Civilis Lusitani, no início da monarquia não havia a figura do tabelião, escrevente ou
qualquer outro profissional responsável pela instrumentalização da vontade das
partes, pois esses instrumentos eram confeccionados pelas próprias partes e os
conflitos de interesses decorrentes desses instrumentos eram dirimidos por pessoas
probas e boas, não havendo sequer a figura de juízes.

Entretanto, o notável tabelião de notas de Lisboa, Jorge Camelier,


defende que no princípio da monarquia portuguesa a atividade notarial era regida
pelo Código Visigótico, levemente alterado pelos forais e pelas côrtes e que as
primeiras disposições sobre notários em Portugal foram importadas do Direito
Romano e também da Escola de Bolonha no reinado de Afonso III (1283) e
revestiram o cargo de caráter oficial e investiram o notário de fé pública.

21 Ibidem, p. 59.
35

Disciplinando a matéria referente aos foros judiciais e extrajudiciais


vieram no século XV as Ordenações Afonsinas (1447), seguida das Ordenações
Manoelinas (1521) e das Ordenações Filipinas (1604).

Relata-se que o notariado português passou por longo período sem


inovações, preso às regras antigas e inadequadas para a nova realidade, que gerou
a insatisfação da classe que reivindicava constantemente reformas legislativas.

Em resposta às reivindicações foi promulgado o Decreto de 23 de


dezembro de 1899, criando o Conselho Superior do Notariado e também dispondo
sobre regras importantes para o avanço da atividade notarial como estipulação de
número de ofícios, regras para seu aumento ou supressão, garantiu estabilidade e
independência dos notários, exigiu idoneidade moral e civil, preparação jurídica para
o exercício do cargo, pois foram incluídos na categoria de magistrado de jurisdição
voluntária, além de garantir prerrogativas de inamovabilidade e independência
funcional.

Na evolução histórica do notariado lusitano foi promulgado o Decreto


de 14 de setembro de 1900, que acarretou mudanças na atividade, pois deixou de
considerar os notários magistrados de jurisdição voluntária e passou a considerá-los
funcionário públicos. Outro Decreto importante para a história do notário português
foi o 12.260 de 1926 que extinguiu o Conselho Superior do Notariado e criou o
Conselho Superior Judiciário que era responsável pela fiscalização dos notários e
que mais tarde com o Decreto Lei 35.590, de 1945 esta competência passaria para
o Ministro da Justiça e à Direção-Geral dos Registros e do Notariado.

Com as inovações e reformas da legislação o notário português


experimentou um importante avanço e agora estava mais próximo do modelo de
notário latino europeu, entretanto havia uma última barreira a ser superada para se
enquadrar neste modelo, que era a modificação da qualidade de funcionário público,
que ocorreu com a edição do Decreto-Lei n. 26/2004 que privatizou o notariado
português.

Importante as palavras de Leonardo Brandelli sobre a nova


realidade da atividade notarial em Portugal:
36

Com o novo estatuto do notariado, os tabeliães portugueses


ingressaram de vez no notariado do tipo latino, dando o passo que
faltava rumo à sua modernização, uma vez que revestido já das
demais características essenciais para tanto, indicativas da boa
evolução da função notarial. Nesse sentido, o notariado português,
além da evidente fé pública de que é dotado, possui uma (1)
independência no labor de qualificação típica dos melhores sistemas
notariais, realizando a polícia jurídica quanto à ilicitude dos atos que
pratica, além de (2) ser verdadeiro assessor jurídico das partes,
recebendo e moldando a vontade destas e informando-as sobre os
efeitos jurídicos de seus atos22.

Atualmente o notário português faz parte do grupo dos melhores


notariados europeus, pois atua com as prerrogativas de um oficial público investido
de fé pública e com a independência funcional necessária para exercer um serviço
imparcial de fiscalização da licitude dos atos e de assessoramento das partes com
muita qualidade.

22 BRANDELLI, Leonardo. Teoria Geral do Direito Notarial. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 20.
37

2. ATIVIDADE NOTARIAL NO BRASIL

2.1 Herança portuguesa ao notário brasileiro

É inegável a influência portuguesa na formação do notariado


brasileiro. Com as grandes navegações do governo português a figura do tabelião
era constante nas grandes expedições navais para relatar os acontecimentos e para
fazer o registro das formalidades oficiais de posse pelo colonizador das terras
descobertas em nome do monarca com a fé pública que lhe era inerente, assim
como para registrar a fundação de cidades.

Pero Vaz de Caminha, apesar de não ser nomeado pelo monarca D.


Manoel, o Venturoso, oficialmente escrivão da armada de Pedro Álvares Cabral, foi o
primeiro notário a pisar em solo brasileiro, pois documentou de forma minunciosa o
descobrimento do Brasil e fez o registro da posse da terra respeitando todo o
procedimento oficial.

Com a descoberta do Brasil em 1500, o Reino de Portugal


transformou a nova terra em colônia e a legislação aplicada eram as ordenações
editadas pelo Rei de Portugal 23. Por longos anos foram aplicadas no Brasil as
Ordenações Manuelinas e as Ordenações Filipinas que vigoraram até o século XX.

A legislação aplicada aos notários também era toda importada de


Portugal e dispunha sobre a forma como os notários deveriam praticar os atos
notariais 24.

A função exercida pelo notário no Brasil foi definida pela tradição


herdada dos tempos de colônia de Portugal e também pelos fundamentos que o
próprio Reino de Portugal havia enraizado no exercício da atividade, fatos estes que

23 COTRIM NETO, Alberto Bittencourt. Perspectivas da função notarial no Brasil. Porto Alegre:
Colégio Notarial do Brasil – Seção do Rio Grande do Sul, 1973, p. 11.
24 Ensina Maria Cristina Costa Salles, a “regulamentação do notariado nas colônias se deu pelo
simples transplante de legislação espanhola e portuguesa para a América, trazendo para cá os
mesmos defeitos de uma instituição jurídica ultrapassada, ou seja, a depreciação da lei que é a
diferença entre a sua formalidade e a sua aplicabilidade” (Revista Notarial Brasileira, cit., p. 8).
38

nos remetem às Ordenações Filipinas do ano de 1.603, que foram reproduzidas à


época com base no Regimento dos Notários de 1.305. Essas regras foram previstas
para reger os notários no exercício da sua função e foram elaboradas a pedido do
rei de Portugal, D. Diniz.

No início do Brasil-Colônia quem nomeava os tabeliães de notas, em


uma espécie de concessão, era o Rei de Portugal, que cobrava um tributo periódico
por essa nomeação conforme estava disposto nas Ordenações, mas com a
instituição das Capitanias Hereditárias quem recebia estas terras, chamado de
donatário, tinha a função de administrar, colonizar, proteger, desenvolver a região e
também nomear os tabeliães, como resta demonstrado nos dizeres de João Mendes
de Almeida Júnior: “As capitanias do Brasil tinham a atribuição de nomear tabeliães
e escrivães; mas, tendo a Coroa readquirido os direitos conferidos aos donatários,
passaram os tabeliães a ser nomeados pelo Poder Real”25.

A investidura no cargo de tabelião de notas era feita por doação,


tinha caráter vitalício e poderia ser transferido por sucessão causa mortis ou por
compra e venda. Essas doações do cargo eram pautadas por interesses políticos,
por vínculos de amizade e outros interesses estranhos à aptidão da pessoa
escolhida, que causou grande prejuízo para a atividade, já que a maioria das
pessoas escolhidas eram desprovidas de qualquer preparação para o exercício do
cargo.

Houve uma tentativa de aprimoramento da atividade, conforme


leciona Leonardo Brandelli:

Em 11 de outubro de 1827, foi editada, em nosso país, uma lei


regulando o provimento dos ofícios da Justiça e Fazenda. Dita lei
passou a proibir que tais ofícios se transmitissem a título de
propriedade, ordenando que fossem conferidos a título de serventia
vitalícia a pessoas dotadas de idoneidade para tanto e que
servissem pessoalmente aos ofícios. A ventilada lei pecou, porém,
por não exigir formação jurídica dos aspirantes aos ofícios ou nem

25 ALMEIDA JÚNIOR, João Mendes de. Orgãos da fé pública. São Paulo: Saraiva, 1963, p. 82.
39

sequer determinado tempo de prática na função, bem como por não


instituir uma organização profissional corporativa26 .

Assim como o notariado português, o brasileiro também


experimentou grande período de engessamento, sem inovações para acompanhar
as mudanças sociais e atender aos anseios da sociedade.

Fazendo uma análise histórica do notariado no Brasil, pode-se


concluir que num primeiro período o ofício de notas era auferido por doação, era
vitalício, considerado propriedade, podendo ser transferido por seu titular com
licença especial do Rei, por ato inter vivos ou causa mortis e somente havia a perda
da titularidade por sentença judicial confirmada pela relação, que era o tribunal de
justiça da época.

Um novo período foi marcado pela abolição da característica de


propriedade do ofício de notas. E com a Constituição Federal de 1946 ficou
constitucionalizada a vitaliciedade dos titulares dos Serviços Notariais e Registrais.

A classe notarial no Brasil sempre foi confundida com a dos


funcionários da Justiça como demonstra Alberto Bittencourt Cotrim Neto:

As nossas priscas leis de organização judiciária, máxime as que o


Congresso Nacional elaborava para o Distrito Federal (...)
constumavam englobar num único diploma de normas a todos
quantos, próxima ou remotamente, tinham ingerência nos serviços
da Justiça. Assim é que nelas figuravam os serventuários da Justiça,
stricto sensu, isto é, aqueles orgãos e pessoas que participam do
processo judiciário (...), ademais dos distribuidores, partidores,
contadores, depositários públicos, porteiros de auditórios, e todo o
enorme elenco dos que com propriedade são chamados às vezes
também serventuários ou funcionários da Justiça; figuravam, ainda,
nas leis de organização judiciária aqueles a quem Moacyr Amaral
dos Santos classificou como órgão do foro extrajudicial, isto é, os
tabeliães e os oficiais de registro públicos 27.

26 BRANDELLI, Leonardo. Teoria Geral do Direito Notarial. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 38.
27 COTRIM NETO, Alberto Bittencourt. Perspectivas da função notarial no Brasil, Porto Alegre:
Colégio Notarial do Brasil – Seção do Rio Grande do Sul, 1973, p. 15.
40

Por muito tempo o notário foi considerado funcionário público, o que


causou grande prejuízo ao avanço da atividade, pois isso acarretava na diminuição
de sua autonomia funcional e prejudicava inovações legislativas, necessárias para
acompanhar os anseios da sociedade.

Este fato pode ser comprovado com o exemplo do Estado do Rio


Grande do Sul, que por seu Tribunal de Justiça, em sessão plenária de 26 de agosto
de 1970, mediante resolução, classificou os registros públicos como auxiliares da
Justiça, mencionando expressamente os tabeliães e os oficiais de registro.

Em que pese toda a carga negativa da herança portuguesa para a


atividade notarial brasileira, este foi apenas o começo de uma caminhada constante
até o exercício da atividade com perfeição.

2.2 Espécies de notários

2.2.1Notário Latino

Em que pese a Constituição de 1988 não ter enquadrado


expressamente o notário brasileiro na classificação de notário latino, pode-se
identificar suas características no notariado brasileiro, pois estes profissionais
estabelecem uma relação de confiança com o interessado, prestando uma
assistência jurídica e desta forma, atende-se a vontade deste interessado no
documento e em cujo texto também se contempla a verdade, a legalidade, a
autenticidade, prerrogativas imprescindíveis para a eficácia desejada do ato.

As características do notário latino podem ser observadas na


legislação brasileira, nos artigos abaixo transcritos:

Lei n. 8.935/94
41

Art. 3º - Notário, ou tabelião, e oficial de registro, ou registrador, são


profissionais do direito, dotados de fé pública, a quem é delegado o
exercício da atividade notarial e de registro.

Art. 8º - É livre a escolha do tabelião de notas, qualquer que seja o


domicílio das partes ou lugar de situação dos bens objeto do ato ou
negócio.

Com o objetivo de atestar a relação de confiança entre o notário e a


parte, o texto legal prevê que a escolha do profissional deve ser de espontânea
vontade do interessado, não pesar sobre este, qualquer pré-qualificação ou
imposição da lei ou do Estado, e ter ainda, o interessado a condição de escolhê-lo
em qualquer ponto do território nacional.

Tal situação se deve ao formato de notário latino que a legislação


brasileira prevê para o exercício da função, pois, estabelece que o notário, recebe,
interpreta, assessora, dá forma legal à vontade das partes, redige os instrumentos
adequados e confere ao final, a autenticidade necessária ao ato e procedendo sua
perpétua conservação para a garantia da segurança jurídica. Pode-se destacar
como importante característica do notário latino o fato de sua atividade ser de cunho
jurídico, necessitando o notário do conhecimento jurídico para o bom exercício de
seu mister.

O traço mais marcante da atividade do notariado latino é a


orientação jurídica prestada ao interessado na forma de aconselhamento e o
assessoramento jurídico das partes, fundamental para a elaboração do ato. Cabe ao
notário estabelecer uma relação de confiança com as partes, atendendo à vontade
dos interessados no documento, desde que lícitas, atendendo aos atributos da
verdade, autenticidade e legalidade, prerrogativas imprescindíveis para a eficácia
desejada para os atos jurídicos.

Tais contornos de notário latino estão principalmente em países de


origem latina e tem como fundamento de sua atividade o direito herdado dos
romanos. O notário latino pode ser encontrado em Portugal, Espanha, Itália,
Vaticano, França, Alemanha, Áustria, Bélgica, Mônaco, Canadá, México, Argentina e
até no Japão.
42

2.2.2Notário Anglo-saxão

Ao notário do tipo anglo-saxão cabe a função de relatar os fatos


conforme a vontade das partes, sendo nesse caso, conveniente para formalizar o
ato, que este se elabore na presença de uma pessoa detentora de conhecimentos
jurídicos, que será o advogado de confiança do interessado, responsável pela
legalidade e eficácia do ato.

Esse tipo de notário não tem com a parte uma relação de confiança,
é mero formalizador da vontade, não presta assistência jurídica, que fica a cargo do
profissional de direito que acompanha a parte. Não é responsável pelos vícios dos
negócios formalizados, o que demonstra sua atuação limitada, pois não cuida para
que os requisitos legais sejam observados e sequer qualifica o ato e, desta forma,
somente tem a função de identificar as partes envolvidas no negócio realizado,
reconhecer as assinaturas apostas e colocar o selo e sua assinatura para garantir
que o documento não seja alterado. Esses documentos não são dotados de
autenticidade e fé pública.

Essa característica do notário anglo-saxão é explicada por Hercules


Alexandre da Costa Benício:

De uma maneira geral, no sistema inglês, por motivos históricos, a


prova é, por excelência, oral (testemunhal). Vigora o princípio da
liberdade da forma para os atos e negócios jurídicos, sendo que a
simples declaração de vontade, formulada oralmente ou por escrito,
desde que acompanhada da consideration (contraprestação recebida
pela parte que se obriga), é suficiente para obrigar os contratantes. O
fato é que o direito anglo-saxão, ao prescindir da fé pública para a
dação de força probatória aos documentos, criou um específico
sistema de autenticação das relações privadas, em que não se
conhece instrumentos públicos, tais como nos ordenamentos
jurídicos da família romano-germânica28.

Este tipo de notário anglo-saxão pode ser encontrado em países


como, Estados Unidos da América, Inglaterra, Venezuela e outros.

28 BENÍCIO, Hercules Alexandre da Costa. Responsabilidade Civil do Estado Decorrente de Atos


Notariais e de Registro, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 65.
43

2.3 Regramento atual da atividade notarial

A competência para legislar sobre normas gerais de registros


públicos é privativa da União, segundo disposição do art. 22, inciso XXV da
Constituição Federal, e, conforme a redação do parágrafo primeiro, poderá ser
delegada para os estados membros da federação a capacidade de legislar sobre
matérias específicas da atividade notarial e registral, como estabelecer os
emolumentos, de acordo com a realidade social de cada região.

As diretrizes gerais sobre registros públicos foram fixadas pela Lei


Federal n. 6.015 de 31 de dezembro de 1973 e as diretrizes gerais sobre a atividade
notarial estão previstas na Lei Federal 8.935 de 18 de novembro de 1994, que
regulamentou o art. 236 da Constituição Federal, cabendo aos estados membros
legislar sobre matérias específicas.

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988 houve


importantes mudanças na atividade notarial, com a fixação de princípios
fundamentais e a previsão de diretrizes básicas, rompendo com as regras anteriores
que atribuíam aos notários e registradores o tratamento de funcionários públicos.

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 236, trata dos


serviços notariais e registrais. In verbis:

Art. 236 - Os serviços notariais e de registro são exercidos em


caráter privado, por delegação do Poder Público.

§1º - Lei regulará as atividades, disciplinará a responsabilidade civil e


criminal dos notários, dos oficiais de registro e de seus prepostos, e
definirá a fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário.

§ 2º - Lei federal estabelecerá normas gerais para fixação de


emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e
de registro.

§ 3º - O ingresso na atividade notarial e de registro depende de


concurso público de provas e títulos, não se permitindo que qualquer
serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de
remoção, por mais de seis meses.
44

Deste modo, pode-se identificar no texto constitucional a natureza


pública da função notarial e registral, ainda que haja a delegação para ser exercida
em caráter privado, assim como, a previsão constitucional de edição de lei federal
para regular essa atividade, o ingresso por concurso público, mediante seleção para
verificação da aptidão do candidato, preenchimento de requisitos legais e a
necessidade da realização de concurso para preenchimento das serventias que
estejam vagas por mais de seis meses.

Aberto o caminho para grandes transformações há muito tempo


reclamadas, a Lei 8.935 de 18 de novembro de 1994, denominada Lei Orgânica dos
Notários e Registradores trouxe mudanças estruturais na atividade notarial e
registral.

Anteriormente à promulgação da Constituição Federal de 1988 já


havia a Lei 6.015/73, conhecida como Lei dos Registros Públicos, que contém
normas gerais sobre registros públicos, como o registro de pessoas naturais, registro
de pessoas jurídicas, registro de títulos e documentos e registro de imóveis.
Contudo, referida lei não disciplinou a atividade notarial.

Como já exposto, no Brasil, tradicionalmente, os cartórios


extrajudiciais, como eram chamados, sempre foram considerados serviços auxiliares
do Poder Judiciário e os titulares destes serviços eram denominados serventuários
da Justiça, ainda que a doutrina de direito administrativo denominasse esses
profissionais como particulares em colaboração como o Poder Judiciário.

Com o advento da Constituição de 1988, este panorama mudou e os


notários e registradores deixaram de ser enquadrados no âmbito dos serventuários
ou dos auxiliares da Justiça. São hoje particulares que recebem a delegação do
Estado para desempenhar um serviço de interesse público.

Para disciplinar o parágrafo segundo do artigo 236 da Constituição


Federal foi editada a Lei Federal n. 10.169/2000, que fixou as diretrizes gerais sobre
emolumentos, deixando clara sua natureza jurídica de tributo, já que dentre outras
disposições, estabeleceu a necessidade de respeito ao princípio da anterioridade
tributária. Entretanto, esse assunto é tormentoso na doutrina e na jurisprudência.
45

Apesar de a fiscalização dos atos notariais ser de competência do


Poder Judiciário, por expressa disposição constitucional, os serviços registrais e
notariais não mantém qualquer relação organizacional nem hierárquica com o
referido poder e tampouco com qualquer outro órgão do Estado, estando o notário e
o registrador subordinados tão somente à lei, em cumprimento ao princípio da
legalidade, como resta demonstrado nos artigos transcritos:

Lei nº 8.935/94

Art. 1º - Serviços notariais e de registro são os de organização


técnica e administrativa destinados a garantir a publicidade,
autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos.

Art. 3º - Notário, ou tabelião, e oficial de registro, ou registrador, são


profissionais do direito, dotados de fé pública, a quem é delegado o
exercício da atividade notarial e de registro.

Trata-se de uma atividade de cunho jurídico em que a


independência funcional é pressuposto da segurança jurídica que o serviço deve
garantir. Tal independência não significa total liberdade, pois todos os seus atos e
decisões devem basear-se na lei e também não significa falta de controle, uma vez
que tal atividade é supervisionada pelo Poder Judiciário, por expressa disposição
constitucional.

Outra inovação bem vinda trazida pela Lei 8.935/94 foi a fixação da
denominação dos profissionais que estão a frente das atividades notariais. Por
longos anos as pessoas que entravam em um serviço notarial procuravam por
escrivães, escreventes, oficiais maiores, donos do cartório e, muitas vezes, essas
nomenclaturas tinham aspecto pejorativo e desvalorizava essa classe de
profissionais. Atualmente a lei dos notários e registradores acabou com esta
celeuma ao determinar que os profissionais da atividade notarial são os notários e
tabeliães.
46

O desconhecimento da classe dos notários não se restringia aos


leigos, pois eram desconhecidos até mesmo da classe jurídica, onde muitos
profissionais não sabiam sequer qual sua correta denominação, quanto mais qual a
função que exerciam. Contudo, esse desconhecimento foi abrandado pela edição da
Lei 8.935/94, que trouxe em seu corpo ampla explicação sobre a atividade notarial e
a função dos notários e registradores.

Contudo, a disciplina da matéria notarial não se restringe apenas à


Constituição Federal e à Lei 8.935/94, pois, diversas leis esparsas são editadas
tanto no âmbito federal, como no âmbito estadual para disciplinar a matéria
atualizando-a de forma a atender às necessidades sociais. Como é o caso da Lei
11.441/07, que permitiu a realização de separações, divórcios e partilhas na esfera
extrajudicial, trazendo maior celeridade para esses feitos.

Pode-se concluir que a nova ordem constitucional representou um


importante passo para a atividade notarial, assim como a edição da Lei 8.935/94,
que regula o art. 236 da Constituição Federal, e é considerado um marco histórico
na modernização do notariado brasileiro.

2.4 Autonomia do Direito Notarial

O Direito é uno. É fruto das necessidades e da evolução social, na


verdade um fim social a ser buscado, traduzido na justiça e na paz social. Contudo,
o Direito é dividido em ramos para facilitação do seu estudo, já que o fim social se
divide em várias vertentes, possuindo objetos distintos.

A divisão do Direito em ramos ocorre para acompanhar o


desenvolvimento social e a especialização das relações jurídicas, tornando mais
efetiva a prestação jurisdicional.

Para um ramo do Direito ser identificado como autônomo é


necessário que ele tenha autonomia científica, que seja independente dos outros
ramos, que possa ser regido por suas próprias normas, reunindo condições para dar
solução às lides envolvendo a matéria tratada por esse ramo sem ter que buscar
47

auxílio de outros ramos, salvo no caso de lacunas ou ineficiência do direito


positivado.

Contudo, importante lembrar que um ramo especializado não fica


isolado no mundo jurídico, pois mantém muitos pontos de contato com outros ramos
e com esses conserva estreitas relações.

Para ter autonomia científica são necessários dois requisitos: 1) ser


um conjunto sistematizado de normas jurídicas, isto é, ter autonomia estrutural; e 2)
ter princípios próprios regendo o sistema jurídico especializado.

O primeiro requisito, autonomia estrutural, traduz-se na idéia de um


conjunto de normas, denominado sistema jurídico, segundo Norberto Bobbio:

Uma totalidade ordenada, um conjunto de entes entre os quais existe


uma certa ordem e para que se possa falar em ordem, é necessário
que os entes que a constituem não estejam somente em
relacionamento com o todo, mas também num relacionamento de
coerência entre si29 .

Desta forma, não basta apenas homogeneidade entre as normas,


que elas possuam um objeto comum, é necessário que exista coerência, que as
normas estejam organizadas de forma que se relacionem mutuamente.

O sistema jurídico que possuir um objeto comum, isto é, autonomia


lógica ou homogeneidade e coerência já teria o primeiro requisito preenchido para
ser considerado um ramo autônomo.

O segundo requisito da autonomia científica pode ser verificado


quando as normas do ramo especializado estão pautadas em princípios próprios que
regem a atividade. Quando o nascimento do ramo do Direito está intrinsecamente
ligado à existência de princípios exclusivos, que possuem função interpretativa,
integrativa e norteadora na confecção das demais normas do sistema.

29 BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. Rio de Janeiro: Editora Campos, 1992, p. 71.
48

Passando à análise específica da autonomia do direito notarial,


pode-se concluir que o direito notarial possui autonomia sistemática, pois há amplo
regramento específico da matéria notarial com a necessária homogeneidade e
coerência. Há, indubitavelmente, uma legislação autônoma dedicada a essa matéria.

Contudo, alguns autores não reconhecem a especialidade da


legislação de direito notarial e sustentam que essa legislação está inserida no direito
civil. Entendimento que pode ser combatido tendo em vista que o direito notarial é
um direito eminentemente público e adjetivo e o direito civil é privado e substantivo.

Quanto ao requisito da exclusividade dos princípios surge grande


celeuma, pois autores como Roberto J. Pugliese sustentam que o direito notarial
possui princípios específicos, como o da fé pública, o da forma, da notoriedade, da
unidade formal, da rogação, entre outros. Entretanto, outros autores como Rufino
Larraud, com acerto, defendem que não há autonomia científica, pois estes
princípios citados como específicos da atividade notarial podem ser identificados em
outros ramos do direito.

Analisando todo o exposto, conclui-se que o direito notarial


experimentou enorme avanço com a edição de vasto regramento próprio, com
autonomia estrutural, e, dotado de operabilidade, garantindo a eficiente prestação do
serviço para a sociedade, sem gozar do título de ramo autônomo do direito, pois
está passando por uma fase de transição, caminhando rapidamente rumo à
autonomia plena.

2.5 Das atribuições e competências dos notários

Por atribuição entende-se o conjunto de poderes e faculdades


conferidos a alguém para a prática de determinados atos previstos em lei. Já
competência é a esfera de atuação, estabelecida em lei, de determinada pessoa.

As atribuições e competências funcionais do tabelião de notas estão


disciplinadas na Lei Federal 8.935/94, que regulamentou a atividade notarial.
49

O tabelião de notas, ou notário 30 é profissional dotado de


conhecimento jurídico adquirido tanto pela formação em direito, como pela
experiência prática na área durante o período de dez anos e são denominados na lei
de profissionais do direito.

O conceito de serviço notarial foi bem explicado por Walter


Ceneviva:

O vocábulo serviço caracteriza, no título de abertura da Lei n.


8.935/94, o trabalho técnico desenvolvido sob as ordens de um
delegado do Poder Público, para exclusivo cumprimento de funções
ali indicadas, delegado esse atuando com independência, mas
sujeito à fiscalização do Poder Judiciário31.

O serviço notarial visa garantir a publicidade, autenticidade,


segurança e eficácia dos atos jurídicos e para atingir esse fim o notário tem que
cumprir com eficiência sua atividade de compatibilizar com a lei a vontade das
partes.

O notário possui competência para formalizar juridicamente a


vontade das partes, intervindo, redigindo e autenticando negócios, atos e até fatos
jurídicos, com o objetivo final de garantir a segurança das relações contratuais e
interpessoais, prevenindo litígios e colaborando para o bem-estar social.

A esfera de competência dos notários está disposta no texto in


verbis:

Lei nº 8.935/94

Art. 6º - Aos notários compete:

I - formalizar juridicamente a vontade das partes;

II - intervir nos atos e negócios jurídicos a que as partes devam ou


queiram dar forma legal ou autenticidade, autorizando a redação ou

30 Em que pese a Lei 8.935/94 utilizar expressões distintas para designar o titular do tabelionato de
notas, “notário” no artigo 6º e “tabelião de notas” no artigo 7º, não há diferença entre eles, trata-se
do mesmo profissional, sendo os dois termos sinônimos na tradição brasileira.
31 CENEVIVA, Walter. Lei dos Notários e Registradores Comentada. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 21.
50

redigindo os instrumentos adequados, conservando os originais e


expedindo cópias fidedignas de seu conteúdo;

III - autenticar fatos.

Importante destacar, que nem todas as competências previstas no


artigo acima citado são exclusivas do notário. Por exemplo, um instrumento pode ser
confeccionado sob a forma jurídica por outro profissional do direito, como o
advogado.

Para formalizar tais situações, a lei relaciona os atos que podem ser
praticados pelo notário para o exercício de sua função pública no artigo abaixo
citado:

Lei nº 8.935/94

Art. 7º - Aos tabeliães de notas compete com exclusividade:

I - lavrar escrituras e procurações, públicas;


II - lavrar testamentos públicos e aprovar os cerrados;
III - lavrar atas notariais;
IV - reconhecer firmas;
V - autenticar cópias.

Parágrafo único. É facultado aos tabeliães de notas realizarem todas


as gestões e diligências necessárias ou convenientes ao preparo dos
atos notariais, requerendo o que couber, sem ônus maiores que os
emolumentos devidos pelo ato.

Neste artigo o próprio legislador fez questão de constar


expressamente que o rol de competências compete exclusivamente aos tabeliães,
porém, deve-se interpretar que essa exclusividade não compreende o ato material
em si, isto é, a função de redigir os instrumentos, mas somente o ato de conferir fé
pública ao que foi escrito sob sua responsabilidade pessoal e direta.

Segundo Walter Ceneviva o artigo 7º da Lei 8.935/94 apresenta


falha de técnica legislativa, e entende que andaria melhor o legislador se não
houvesse relacionado as atividades do tabelião, conforme o exposto: “O artigo
relaciona doze atividades que não esgotam as possibilidades. Melhor seria fugir
51

dessa especificação, até porque algumas das definições encontradas são


obscuras”32.

Em que pese o entendimento do doutrinador Walter Ceneviva o rol


elencando os atos que podem ser praticados pelo notário é um importante
instrumento norteador para o exercício da atividade notarial e de garantia da
segurança jurídica, pois evita a prática discricionária de atos pelos notários,
mantendo uma uniformidade em todo país.

A interpretação do rol do artigo 7º da Lei 8.935/94 deve ser feita de


maneira mais branda, permitindo a prática pelos notários de atos não previstos no
rol, para conciliar a realidade legislativa com a realidade fática e assim a norma
possa atender aos anseios da sociedade.

De acordo com a redação dos artigos 6º e 7º da Lei dos notários e


registradores pode-se elencar as principais atividades exercidas pelo notário, sem
prejuízo de outras funções de natureza acessória, mas tão importantes para o
cumprimento do serviço público delegado, tais como:

a) lavratura de testamento e sua revogação, e aprovação de


testamento cerrado;
b) lavratura de todos os atos para os quais a lei exija ou faculta a
forma pública;
c) reconhecimento de firma, letra ou chancela, bem como
autenticação de cópia de documento;
d) expedição de traslado, certidão, fotocópia e outros instrumentos
autorizados por lei;
e) abertura e encerramento dos livros do seu ofício e rubrica das
respectivas folhas;
f) assessoramento das partes sobre o ato notarial a ser realizado.

Cumpre ressaltar, que a Lei n. 11.441, de 4 de janeiro de 2007, com


publicação e entrada em vigor no dia seguinte, modificou dispositivos do Código de

32 Ibidem, p. 46.
52

Processo Civil e ampliou o rol de competências do tabelião de notas permitindo a


lavratura de escritura pública para inventários e partilhas, separações consensuais e
divórcios, desde que respeitados os requisitos legais.

Para o bom exercício das atividades supra relacionadas é


necessário que o notário observe os princípios aplicados à atividade e em especial o
princípio da legalidade que irá traçar os limites de atuação desse profissional, sem
prejuízo do respeito à dignidade humana.

Compete, portanto, ao notário cuidar da segurança dinâmica das


relações interpessoais, uma vez que atua na constituição dos atos e negócios
jurídicos, na formalização do “dictum”, na conformação e pré-constituição de prova
com a devida fé pública, além da prestação de um eficiente serviço de
aconselhamento e assessoria àqueles que o elegeram para dar validade jurídica às
suas vontades, garantindo o equilíbrio entre as partes e atingindo o fim econômico
ou social esperado pelos contratantes.

Para expor a importância do papel do notário na sociedade, valiosos


os ensinamentos de Rufino Larraud:

Por eso es posible afirmar que los derechos subjetivos de las


personas constituyen la matéria viva sobre la qual ejerce el escribano
su actividad. La función notarial tiende a asegurar el
desenvolvimiento regular de La que ha sido llamada, alguna vez,
biologia de los derechos em la normalidad; el nacimiento, desarrollo,
transformación y caducidad de los derechos subjetivos em el plano
de la normalidad jurídica. Ya hemos visto...que la función notarial
considera las relaciones de los indivíduos em su dimensión jurídica.
Vale a pena agregar que esta afirmación no excluye (...) las
consecuencias econômicas que son resultado directo e imediato de
su régimen jurídico33.

A intervenção do notário deve ser de forma ativa, observada a


necessária imparcialidade e participando do ato de modo a evitar a confecção de
instrumentos que não estejam aptos a produzirem os efeitos jurídicos descritos em

33 LARRAUD, Rufino. Curso de derecho notaria., Buenos Aires: Depalma, 1966, p. 168-169.
53

lei, exercendo uma função de prevenção de lides, sem, contudo, praticar qualquer
ato de natureza jurisdicional.

Esclarecedora é a doutrina de Serpa Lopes:

A função do Tabelião é comparável com a de um Juiz, de categoria


administrativa. Na maioria das vezes consiste em receber a
declaração de vontade das partes contratantes e fazê-la constar de
suas Notas. Por assim dizer, ele dá autenticidade ao ato praticado
em sua presença. Trata-se de um dever legal. A responsabilidade do
Tabelião assume de valor maior, intensificando-se a sua culpa, se se
tratar de um ato no qual tenha intervindo virus, auditus, et sentibus,
isto é, daquilo que resultou de sua atestação, baseada no que viu,
ouviu e sentiu. Assim, portanto, a identidade do testador num
testamento público, trata-se efetivamente da pessoa legitimamente
interessada na realização do negócio jurídico, são circunstâncias
sobre as quais mui grande é a responsabilidade no Notário, que deve
empregar todos os meios idôneos para a apuração exata dessa
identidade34.

Diante desse arcabouço de atribuições legais, fica patente que o


serviço que o notário presta à sua comunidade é de inegável essencialidade e
possui caráter eminentemente social, por isso tão importante a delimitação de suas
funções e de sua responsabilidade.

34 LOPES, Miguel Maria de Serpa. Curso de Direito Civil. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1999, p.
227-228.
54

3. ASPECTOS JURÍDICOS DA FUNÇÃO NOTARIAL

3.1 Poder delegante

Para que seja exercida a atividade notarial e de registro é preciso


haver a delegação que é o ato em que o Estado transfere a responsabilidade pelo
exercício de um determinado serviço público ao setor privado, por este ter melhores
condições para garantir a eficiência que a sociedade exige. É o caso específico das
atividades notarial e de registro, cuja importância para a população, requer a sua
efetiva presença em todos os lugares em que haja interação social, situação
verificada durante toda a evolução histórica, como a seguir exposto:

E, em cada Aldea, que tiver mais de vinte vizinhos, e estiver situada


fora da Cidade, ou Villa huma legoa, haja huma pessoa apta para
fazer os testamentos aos moradores da dita Aldea, que estiverem
doentes em cama. E sendo feitos segundo fórma de nossas
Ordenações, ser-lhes-ha dada a fé e auctoridade, como se foram
feitos per tabellião das Notas35.

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 236, caput, reza que,


"os serviços notariais e de registro serão exercidas em caráter privado, por
delegação do Poder Público". Nota-se um primeiro problema que decorre da
redação do texto constitucional que é saber quem será a autoridade competente
para a outorga da delegação, o chefe do Poder Executivo, com a natural atribuição
administrativa, ou o chefe do Poder Judiciário, que recebeu da Constituição Federal
expressa responsabilidade fiscalizatória sobre a execução desses serviços
delegados.

No Brasil, tradicionalmente, os cartórios extrajudiciais, sempre


estiveram vinculados ao Poder Judiciário, em face da herança do direito português,
mas com o advento da Constituição Federal de 1988, este panorama mudou, pois a
disciplina referente a estes serviços não está mais inserida no Capítulo III, referente

35 Ordenações Filipinas, de 1143.


55

ao Poder Judiciário, mas sim, no Título IX, que trata das disposições Constitucionais
Gerais e, também, no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Desta forma,
os notários e registradores deixaram de ser enquadrados no âmbito dos
serventuários ou dos auxiliares da Justiça.

Com a nova constituição houve para a atividade notarial e de


registro um importante rompimento com a sistemática do regime jurídico anterior,
conforme expõe Cláudio Luiz Bueno de Godoy:

No contexto da nova Constituição Federal, inegável a substancial


alteração que atingiu o serviço extrajudicial e, em especial, aqueles a
quem se delega o seu exercício. E a tanto deve se adequar qualquer
atual enfrentamento de questão que lhe seja atinente,
desprendendo-se de conceitos arraigados sob o manto de
normatividade de todo ultrapassada36.

Importante citar que o Projeto de Lei nº 16/1994, que originou a Lei


nº 8.935/1994, que regulamentou o artigo 236 da Constituição Federal, teve seu
artigo 2° vetado pelo Presidente da República, veto este que não foi rejeitado pelo
Congresso Nacional. Este artigo dispunha o seguinte, in verbis:

Art. 2º - Os serviços notariais e de registro são exercidos, em caráter


privado, por delegação do Poder Judiciário do Estado-Membro e do
Distrito Federal.

Devido a esse veto a discussão sobre a competência para outorga


da delegação dos serviços registrais e notariais ficou ainda mais latente. Com a
incerteza instaurada, esta competência vem sendo exercida pelo Poder Judiciário,
apoiada no entendimento do Superior Tribunal de Justiça.

A atividade notarial é uma atividade jurídica em que a independência


é pressuposto da segurança jurídica que o serviço deve garantir. O notário deve
proceder à análise do caso trazido pelas partes e orientá-las com total
imparcialidade, isenção e sem qualquer tipo de pressão, garantidas pela

36 GODOY, Cláudio Luiz Bueno de. Poder Judiciário e a Delegação dos Serviços Notariais e de
Registros. In: FREITAS, Vladimir Passos de (Coord.). Corregedorias do poder judiciário. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2003, p. 251-276.
56

independência funcional. O tabelião de notas não pode sucumbir diante de posições


ideológicas ou políticas dos governantes.

Não se deve confundir a independência do notário com total


discricionariedade, pois todas as suas decisões devem ser motivadas, com base na
lei, respeitando o princípio da legalidade.

Recentemente a problemática da competência para delegação dos


serviços notariais e registrais veio à tona com o veto do Presidente da República ao
Projeto de Lei n° 160/2003, que visava a acrescentar o artigo 2-A à Lei 8.935/1994.
O referido projeto dispunha que a outorga da delegação para o exercício dos
serviços notariais e registrais é "ato privativo do Poder Executivo Estadual ou
Distrital".

Com esse veto ao pretenso artigo 2-A da Lei nº 8.935/94, que foi
diametralmente inverso do veto ao artigo 2º original, a tese que sustentava que a
competência para a outorga da delegação devia ser do Poder Judiciário, apesar das
divergências doutrinárias, passou a ter mais força. Portanto, o Poder Judiciário
Estadual continua sendo o órgão competente para esta função e, conforme
mandamento constitucional, também para fiscalizar os atos das atividades
desempenhadas pelos notários e registradores.

A função notarial e de registro é de natureza pública, pois está


intrinsecamente ligada à soberania do Estado e é por imperativo constitucional
exercida por meio de descentralização administrativa por colaboração, muito bem
definida por Maria Sylvia Zanella Di Pietro, “...é feita por acordo de vontades ou por
ato administrativo unilateral, pelo qual se atribui a uma pessoa de direito privado a
execução de serviço público, conservando o poder concedente sua titularidade”37.

A delegação é o ato inicial para o exercício da atividade notarial,


nesse sentido as palavras de Luís Paulo Aliende Ribeiro:

37 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na administração pública. São Paulo: Atlas, 2003, p.
65-66.
57

(...) o Poder Público conserva a titularidade do serviço e transfere


sua execução a particulares (pessoas físicas com qualificação
específica e que foram aprovadas em concurso público de provas e
títulos) em unidades (ou feixes de competências) definidas, pela
Administração, em função das necessidades dos usuários e da
adequação do serviço, mediante critérios relativos ao número de atos
praticados, receita, aspectos populacionais e conformidade com a
organização judiciária de cada Estado da Federação. Não há mais
que se falar em cartórios como unidades da estrutura administrativa
do Estado, nem cargos a serem providos, tampouco quadros,
classes ou carreiras38.

Importante nesta análise, compreender a necessidade do Estado em


substabelecer uma função pública ao exercício privado, senão pelo fato, do setor
privado possuir as características de eficiência que o mercado exige, sendo este, o
caso específico da atividade notarial e de registro brasileira.

A delegação estabelece um vínculo muito estreito com o poder


público, a ponto de muitas pessoas confundirem o titular do serviço notarial com um
funcionário público e, assim, pode-se concluir que os serviços notariais são de suma
importância para a manutenção do Estado e necessário entender a importância que
o ato da delegação tem para essa atividade, já que ela somente se inicia após tal ato
delegatório.

3.2 Natureza jurídica do serviço notarial

Para discorrer sobre a função social do notário é preciso entender o


que é a instituição notarial e por isso, muito importante uma breve passagem pela
natureza jurídica do serviço notarial, pois, entende-se de forma pacífica, que os
serviços de notas não possuem personalidade jurídica, portanto não são empresas
ou entidades, não possuem patrimônio, nem tem capacidade processual.

38 RIBEIRO, Luís Paulo Aliende. Regulação da Função Pública Notarial e de Registro. São Paulo:
Saraiva, 2009, p. 56-57.
58

A outorga da delegação de notas e de registro é feita a uma pessoa


natural, que exercerá a função em caráter privado, correspondendo à atividade
jurídica

Apesar da inexistência da pessoa jurídica "cartório", este é, de certo


modo, considerado "empresa" (lato sensu) para alguns fins específicos, como para a
gestão da unidade de serviço pelo particular aprovado em concurso, para
contratação de funcionários, possuindo registro no Cadastro Nacional de Pessoas
Jurídicas (CNPJ) do Ministério da Justiça para fins de recolhimento de tributos e
fiscalização pelo Poder Público, mas isso não transforma a figura do "cartório" em
uma pessoa jurídica, dotada de personalidade e capacidade para adquirir e
transmitir direitos.

A palavra “cartório” no âmbito popular nada mais é do que o


estabelecimento onde é desempenhada a atividade notarial delegada pelo Estado a
uma pessoa natural.

É freqüente a comparação do tabelionato de notas com uma firma


individual e o objetivo da comparação tem como premissa definir melhor como a
questão da responsabilidade do notário se instala, como ela se comporta diante de
fatos ocorridos no exercício de suas atividades, pois a firma individual não possui,
assim como o "cartório", natureza jurídica própria.

Outro ponto em comum, é que o notário atua por sua conta e risco
no exercício da atividade, como na firma individual, que tem o autor da atividade a
frente de qualquer responsabilidade, assim sendo, pode-se considerar em muitos
aspectos o oficial de notas e o titular da firma individual 39 como equivalentes na
questão da responsabilidade, uma vez que a totalidade do patrimônio de ambos
responde por eventuais danos causados a terceiros, pelas dívidas trabalhistas,
previdenciárias e tributárias.

Para finalizar esta análise e como forma de ilustrar o tema,


transcreve-se o ensinamento de J. X. Carvalho de Mendonça:

39 À rigor, firma individual e o seu titular são a mesma pessoa, pois todo o patrimônio da pessoa
natural responde pelas dívidas contraídas em nome da firma individual.
59

Usando uma firma para exercer o comércio o seu nome civil para
atos civis, o comerciante, pessoa natural, não se investe de dupla
personalidade; por outra, não há duas personalidades, uma civil e
outra comercial. As obrigações contraídas sob a firma comercial
ligam a pessoa civil do comerciante e vice-versa. A firma do
comerciante singular gira em círculo mais estreito que o nome civil,
pois designa simplesmente o sujeito que exerce a profissão
mercantil. Existe essa separação abstrata, embora os dois nomes se
apliquem à mesma individualidade. Se, em sentido particular, uma é
o desenvolvimento da outra, é, porém, o mesmo homem que vive ao
mesmo tempo a vida civil e a vida comercial.40

Os atos inexatos ocorridos no serviço de notas têm, na figura física


do titular, o centro de toda a responsabilidade civil. Pelo fato de o oficial estar na
qualidade de agente delegado pelo poder público, ele responde por qualquer dano
causado a terceiros. Ressalta-se, porém, que a sua responsabilidade está afeta
somente aos atos praticados no período de sua delegação e desde que sejam atos
típicos de gestão (de livre escolha do notário) e não referentes aos atos de império
(aqueles executados pelo notário em estrita obediência à lei).

A responsabilidade civil é uma forma de o notário responder pelos


prejuízos causados aos usuários do serviço público prestado, na prática dos atos de
gestão, restabelecendo o status quo ante. Contudo, muitos doutrinadores agregam à
responsabilidade civil o caráter punitivo do autor da ação ou omissão antijurídica e
pedagógico, pois com a punição do autor do dano fica demonstrado a toda
sociedade que o causador de um dano não fica impune, gerando na sociedade uma
sensação de que seus direitos estão garantidos por mecanismos criados pela lei.

Cumpre esclarecer que, no tocante à questão da reparação de


danos, não é raro a propositura de demandas visando à responsabilização civil em
face da figura do cartório. Tais demandas são extintas por ausência de legitimidade
passiva, pois o serviço notarial não possui personalidade jurídica.

40 MENDONÇA, J. X. Carvalho de. Tratado de Direito Comercial Brasileiro. Rio de Janeiro: Freitas
Bastos, 1957, p. 166-167.
60

Uma das razões para tal procedimento ainda persistir é que, no


passado, consideravam-se os cartórios figuras jurídicas, equivalentes a imóveis,
objeto de herança ou adquiridos por doação, porém, com o passar dos anos eles
deixaram de compor o patrimônio de seu titular.

Nos dias atuais eles têm a condição de ente fictício, constituem


unidades de serviços notariais e seu titular deve ter sido aprovado por concurso
público de provas e títulos, recebendo assim, a delegação do Estado para o
exercício de sua atividade em caráter privado, conforme art. 236 da Constituição
Federal.

Desta forma, os notários são habilitados por concurso público, sendo


os candidatos bacharéis ou aqueles que estejam no exercício da função notarial e
de registro por mais de dez anos, investindo-se nesta função por delegação do
Estado de acordo com o artigo in verbis.

Lei nº 8.935/94

Art. 15 - Os concursos serão realizados pelo Poder Judiciário, com a


participação, em todas as suas fases, da Ordem dos Advogados do
Brasil, do Ministério Público, de um notário e de um registrador.

§1º - O concurso será aberto com a publicação de edital, dele


constando os critérios de desempate.

§2º - Ao concurso público poderão concorrer candidatos não


bacharéis em direito que tenham completado, até a data da primeira
publicação do edital do concurso de provas e títulos, 10 (dez) anos
de exercício em serviço notarial ou de registro.

Apenas será aprovado por concurso o titular da unidade de serviço


notarial que tem por sua conta a administração do serviço notarial, arcando com
todas as despesas e tomando as decisões acerca da escolha dos seus funcionários,
estes, atuando sob sua responsabilidade e regidos pelas normas da CLT.

O tabelião de notas detém sob sua orientação todos os atos


praticados em seu cartório, podendo seus funcionários praticar somente os atos que
61

ele autorizar e deste modo, a pessoa física, titular do serviço notarial, deve
responder de forma solitária a todas as questões relativas à responsabilidade civil.

O notário responderá por todos os atos inexatos próprios da função


pública que ocorram na serventia, mas não de forma objetiva como sustentam
autores como Luís Carlos Fagundes Vianna e Yussef Said Cahali, pois o artigo 22 da
Lei dos Notários e Registradores apenas dispõe que os notários responderão
mesmo agindo sem dolo ou culpa pelos atos inexatos próprios do serviço notarial
praticados pelos seus prepostos, desde que tenham agido com dolo ou culpa,
cabendo ao titular da serventia o direito de regresso em face dos prepostos.

A única hipótese apresentada pelo artigo 22 que independe da


comprovação de culpa refere-se tão somente à substituição do preposto pelo titular
do serviço na responsabilização civil, não podendo o notário alegar ausência de
culpa in eligendo ou in vigilando, para se eximir da responsabilização.

Importante destacar, que o preposto tem que ter agido com dolo ou
culpa na prática de atos próprios do serviço público, para que o titular do serviço
responda em seu lugar. Caso não haja dolo ou culpa por parte do preposto o titular
da serventia não irá responder pelo ato inexato, pois não haverá responsabilidade
objetiva do notário. Nestes casos o Estado responderá pelo ato inexato de forma
objetiva, já que o dano teve origem em um ato de império no exercício da função
pública.

Assim, como o titular do serviço notarial responde pessoalmente


pelos atos praticados em seu ofício, por não ter o cartório personalidade jurídica,
conclui-se que não se aplica, em regra, a esse serviço o instituto da sucessão, pois
a responsabilidade é pessoal do titular e não do serviço notarial.

Neste sentido, para ilustrar o tema, o julgado abaixo:

PROCESSO CIVIL. CARTÓRIO DE NOTAS. PESSOA FORMAL.


AÇÃO INDENIZATÓRIA. RECONHECIMENTO DE FIRMA
FALSIFICADA. ILEGITIMIDADE PASSIVA. O tabelionato não detém
personalidade jurídica ou judiciária, sendo a responsabilidade
pessoal do titular da serventia. No caso de dano decorrente de má
62

prestação de serviços notariais, somente o tabelião à época dos


fatos e o Estado possui legitimidade passiva. Recurso conhecido e
provido41.

Apesar do exposto anteriormente definir de forma precisa a posição


a respeito da inexistência da personalidade jurídica do serviço notarial, e por esse
fato não poder estar no pólo passivo da demanda, existem divergências em torno
dos julgamentos sobre o tema, conforme o julgado transcrito:

Nesta Quarta Turma já assim foi decidido sobre a legitimidade das


pessoas formais: Desta forma, o réu estaria legitimado para
demandar e ser demandado, por defender um interesse próprio,
sendo ele equiparado a uma das várias figuras denominadas
“pessoas formais”, contempladas pela lei como titulares de
personalidade judiciária, conquanto não-detentoras de personalidade
jurídica, tais como a massa falida, o espólio, as heranças jacente e
vacante e o condomínio, sendo pertinente a lição de Thereza Alvim,
em O Direito Processual de Estar em Juízo (RT, 1996, n.º 1.7, pág.
71), no sentido de não ser taxativo o rol elencado no art. 12 do
Código de Processo Civil. (…) Assim, tenho que o cartório de notas
pode figurar na relação processual instaurada para a indenização
pelo dano decorrente da alegada má prestação dos serviços
notariais. Tanto ele está legitimado, como o tabelião, como o Estado:
“Nada impedia, ademais, que o lesado, para a recomposição do
dano patrimonial causado por quem atuava investido de função de
natureza pública, acionasse exclusivamente o Estado, como, da
mesma forma, poderia fazê-lo em relação ao responsável direto, ou a
ambos, conjuntamente. Afinal, a norma constitucional que estabelece
a responsabilidade objetiva do Estado, nitidamente posta para
proteger os administrados, não cria quaisquer restrições nesse
campo da legitimação passiva (Celso Antônio Bandeira de Mello,
Responsabilidade do Funcionário por Ação Direta do Lesado, in RDP
77/39)” (RE 175739-6/SP, 2ª Turma, rel. em. Ministro Marco Aurélio,
DJ 26.02.99). Posto isso, conheço do recurso, pela divergência, e
dou-lhe provimento, para afastar a preliminar de ilegitimidade
acolhida pela egrégia Câmara.42

41 RE 545 613/MG (2003/0066629-2). Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, julgado em 29/06/07.
42 RE 476.532-RJ (2002/0079415-2). Min. Rel. Ruy Rosado de Aguiar, julgado em 04/08/2003.
63

Demonstra-se, pelo julgado acima, existir divergência sobre o tema,


porém, pelo número expressivo de jurisprudências que corroboram o entendimento
de inexistência de personalidade jurídica da serventia e de ser controverso o
previsto no Código de Processo Civil, entende-se que o serviço de notas é
desprovido de personalidade jurídica e que o seu titular, a pessoa natural, responde
por inexatidões ocorridas no exercício da atividade.

Cumpre ressaltar que, ao abrir o precedente de admitir a


personalidade jurídica para o cartório, modifica em sua essência a responsabilidade
do titular no caso de sucessão do serviço, podendo, neste formato, o sucessor ser
responsabilizado por atos praticados antes de sua assunção. Ao se admitir a
personalidade jurídica do serviço notarial, se inviabiliza o atual sistema de ingresso e
remoção, pois desta forma, o novo titular assume a responsabilidade por um ato
inexato que foi praticado pelo antigo titular. Contudo, importante salientar, que há um
número expressivo de julgados reconhecendo a sucessão trabalhista nas Unidades
de Serviço Notarial e Registral.

3.3 Regime jurídico da atividade notarial

Excetuados dessa análise o regime jurídico dos serviços já


oficializados até 5 de outubro de 1988, ressalvados pelo disposto no art. 32 do ato
das Disposições Transitórias.

Dentro da realidade da Constituição Federal de 1988, há de se


considerar, como é difícil delinear qual é a configuração orgânica e funcional do
notário e do oficial de registro, assim como o seu estatuto disciplinar.

O texto constitucional dispõe em seu artigo 236, que os serviços


notariais e registrais serão exercidos em caráter privado, nos estritos limites da lei,
por delegação do Poder Público. A dúvida, porém ocorre, pois o texto ao abdicar de
uma definição clara das atividades notarial e de registro, não trouxe luz às questões
básicas, como, por exemplo, não talhar as suas características, tanto as
institucionais quanto as funcionais e não estabelecer qual o regime jurídico aplicado.
64

O texto cria diversas correntes de interpretação das atribuições da


atividade e carece desta forma, o exercício da função, de fundamentos básicos,
estes tão necessários para a configuração da função social do notário, como a
interpretação da expressão “caráter privado por delegação do poder público”,
constante no referido artigo 236, da Constituição Federal, pois necessário saber até
onde vai o serviço público e onde começa a gestão privada.

Os serviços, notarial e de registro, pelo texto constitucional, se


caracterizam como funções de soberania nacional, portanto, não por mera ficção,
afirma-se que, no Brasil da Constituição de 1988, são verdadeiros serviços públicos
e somente é delegado o seu exercício, mantendo o Estado sua titularidade.

Sempre que o serviço notarial ficar vago por morte, aposentadoria


ou perda da delegação haverá uma delegação originária do Estado para o novo
particular habilitado em concurso público.

Os fundamentos para se considerar a atividade notarial um serviço


público são as seguintes: caso não fosse considerado um serviço público a
Constituição Federal não faria menção em seu texto da necessidade de delegação,
já que só há delegação de serviços públicos; trata-se de uma atividade jurídica e não
meramente material, não podendo ser concedida à pessoas jurídicas como ocorre
nas permissões e concessões e ainda não é atribuída ao particular por meio de
contrato, mas por meio de delegação prevista na Magna Carta; o serviço notarial
prestado não é remunerado por tarifa ou preço público, mas sim, por emolumentos,
que tem natureza tributária de taxa e segundo disposição legal, somente pode ser
cobrada pela prestação de um serviço público; a delegação é feita a habilitado em
concurso público de provas e títulos e não em processo licitatório; e por fim a
fiscalização do serviço notarial é feito pelo Poder Judiciário e não pelo Poder
Executivo, como ocorre com os serviços que são concedidos ou autorizados,
restando clara a natureza jurídica da atividade e a importância deste serviço
prestado à sociedade.

Importante destacar que existem diversos regimes jurídicos públicos


estabelecidos de acordo com as especificidades do serviço prestado.
65

O primeiro regime jurídico é aquele aplicado aos serviços públicos


que apenas o Poder Público, como exclusividade, poderá prestar como os de
prestação da jurisdição, segurança pública, diplomacia, atividade legislativa, entre
outros.

Outro regime jurídico é aquele aplicado aos serviços públicos


previstos no art. 175 da Constituição Federal e por esse regime os serviços podem
ser prestados diretamente pelo Poder Público ou podem ser objeto de delegação por
meio de concessão, permissão ou autorização, sempre precedido de licitação.

Ainda há a possibilidade do serviço público ser prestado pelo Poder


Público e pelo particular conjuntamente, necessitando o particular de uma licença.
Os exemplos mais comuns são os serviços de saúde e educação constante nos arts.
199 e 209 da Constituição Federal.

Por fim, o último regime jurídico é o dos serviços notariais, em que a


Constituição Federal atribui a prestação da função pública diretamente pelo
particular habilitado por meio de concurso público, não podendo o Estado
desempenhar direta ou indiretamente essa atividade, nos termos do art. 236 da
Constituição Federal.

No entanto, não se pode fechar os olhos para situações


excepcionais onde ocorre descumprimento do dispositivo constitucional para garantir
o exercício do serviço notarial e de registro.

Em algumas regiões do país onde não há condições econômicas e


sociais para a instalação da serventia e não há meios de manter as atividades, seja
por problemas logísticos ou de viabilidade econômica, o Poder Público nomeia
funcionários públicos estaduais, como técnicos e analistas do Poder Judiciário para
assumir as atividades, já que nenhum particular aprovado em concurso se
interessaria em assumir uma serventia deficitária.

Por ser a atividade notarial e de registro uma atividade de caráter


social, há a necessidade da existência desses serviços, principalmente o registro
civil das pessoas naturais e por essas razões existem casos até hoje, em que o
66

notário e o oficial de registro são funcionários públicos estaduais e recebem


vencimentos do Estado e, também, os emolumentos devidos pelo serviço
extrajudicial prestado.

Esta anomalia ocorre, por exemplo, no Estado de Sergipe e


atualmente ganhou um contorno mais grave, pois os funcionários públicos
nomeados para assumir os serviços extrajudiciais de cidades sem viabilidade
econômica do serviço, depois de completado o prazo para remoção se removem
para cidades maiores, inclusive para a capital Aracaju, e continuam a ser titulares de
cargos públicos, recebendo os vencimentos do Estado e os emolumentos dos
particulares.

A delegação à gestão privada de serviços intrínsecos à soberania


política e à segurança jurídica é a forma mais eficiente do exercício da atividade
notarial para o Estado, pois possui um particular altamente qualificado que gerencia
a Unidade de Serviço e ainda responde pelos atos inexatos, de acordo com o artigo
in verbis:

Lei nº 8.935/94

Art. 21 - O gerenciamento, administrativo e financeiro dos serviços


notariais e de registro é da responsabilidade exclusiva do respectivo
titular, inclusive no que diz respeito às despesas de custeio,
investimento e pessoal, cabendo-lhe estabelecer normas, condições
e obrigações relativas à atribuição de funções e de remuneração de
seus prepostos de modo a obter a melhor qualidade na prestação
dos serviços.

O fato de que a atividade de notas e de registro é uma das vigas


mestras da soberania nacional fez com que o modelo adequado fosse a delegação
do serviço público para um particular, pois o exercício da atividade é complexo, já
que possui contornos de serviço público, contudo, devendo ser a serventia
gerenciada como se fosse uma verdadeira empresa.
67

O notário além de exercer diversas funções de caráter público,


como a de fiscal de tributos, ainda precisa ter conhecimentos de administração de
empresas para viabilizar economicamente a atividade, suportando os prejuízos que
eventualmente sofrer e respondendo civilmente pelos atos inexatos próprios e de
seus prepostos.

Os notários são representantes do poder público na categoria de


agentes delegados, isto é, pessoas incumbidas, definitivamente ou transitoriamente,
do exercício de alguma função estatal, pois a competência ou atribuição do agente
constitui a natureza da função estatal, uma vez, que não são funcionários públicos,
não exercem cargos públicos e não recebem do poder público qualquer provento.

Para reforçar o exposto, recorre-se aos ensinamentos de Hely Lopes


Meirelles:

São particulares que recebem a incumbência da execução de


determinada atividade, obra ou serviço público e o realizam em nome
próprio, por sua conta e risco, mas segundo as normas do Estado e
sob a permanente fiscalização do delegante. Esses agentes não são
servidores públicos, nem honoríficos, nem representantes do Estado;
todavia, constituem uma categoria à parte de colaboradores do
Poder Público. Nessa categoria encontram-se os concessionários e
permissionários de obras e serviços públicos, os serventuários de
ofícios ou cartórios não estatizados, os leiloeiros, os tradutores e
intérpretes públicos, as demais pessoas que recebem delegação
para a prática de alguma atividade estatal ou serviço de interesse
coletivo43.

Até pouco tempo atrás, o Supremo Tribunal Federal considerava os


oficiais de registro e tabeliães funcionários públicos, porém este entendimento
mudou completamente com o julgamento da ADIn 2.602/MG, em que se firmou o
entendimento de que aos tabeliães e aos oficiais de registro não se aplica a
aposentadoria compulsória, já que pela EC/1998 a regra do artigo 40 da
Constituição Federal, que se referia apenas a servidores públicos, passou a tratar de

43 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 75.
68

servidores "titulares de cargos efetivos", não se enquadrando os oficiais de registro e


tabeliães nesta nova exigência.

A verdade é que se aplica à atividade notarial um regime jurídico


misto, em face da existência de atos de império e atos de gestão e a aplicação do
regime jurídico de direito público aos atos que envolvam a fé pública e do regime
jurídico de direito privado a outros atos não encontra qualquer óbice, convivendo
pacificamente, pois são diversos os campos de atuação.

Para confirmar a plena convivência do regime jurídico de direito


privado com a natureza de função pública, Luís Paulo Aliende Ribeiro afirma: “A
gestão privada, isoladamente considerada, não permite, por este motivo, a
caracterização da atividade notarial de registros como atividade econômica em
sentido estrito, permanecendo, em face do parcial regime jurídico de direito público,
sua natureza de serviço público”44.

Necessário fazer uma breve explanação sobre os atos praticados no


exercício da atividade de notas.

Atos de gestão são aqueles em que o Estado age como particular,


em igualdade de forças com este. Na atividade notarial são os atos de
gerenciamento administrativo, financeiro e de pessoal que estão elencados no art.
21 da Lei Federal 8.935/94. É aplicado o regime jurídico de direito privado a
referidos atos. Não havendo qualquer diferença de tratamento aos notários. Como
atos de gestão podemos citar a contratação de seus prepostos que será sob a égide
da CLT e a contratação de serviços terceirizados, como limpeza, informática e
telefonia.

Atos de império são aqueles que possuem submissão obrigatória


dos administrados, que a administração pratica usando de sua supremacia. Assim,
no tabelionato de notas, serão atos de império aqueles que o oficial é obrigado a
praticar da forma determinada pela lei, sem qualquer possibilidade de
discricionariedade, que estão intrinsecamente ligados à busca do fim social pelo

44 RIBEIRO, Luís Paulo Aliende. Regulação da Função Pública Notarial e de Registro. São Paulo:
Saraiva, 2009, p. 53-54.
69

notário. Entre outros podemos destacar a atribuição da fé pública aos documentos, a


publicidade oficial, a qualidade de autenticidade dos instrumentos e segurança
jurídica das relações.

Para o Estado essa forma de exercício da atividade notarial por meio


de delegação é vantajosa, pois possui um profissional preparado, devidamente
selecionado em concurso público, que garante uma série de direitos para toda a
sociedade, que responde civil, penal e administrativamente pelos seus atos de
gestão e é remunerado pelas próprias partes mediante os emolumentos, não tendo
o Estado que utilizar verbas públicas para garantir a prestação desse serviço
essencial para toda a sociedade.

4. PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DA ATIVIDADE NOTARIAL

4.1 Fé Pública

Atestar documentos ou elaborar atos jurídicos com fé pública teve a


sua concepção no Império Romano. A fides pública, matéria de direito privado,
estava reservada, às autoridades que possuíam o ius actorum conficiendorum,
considerada a faculdade de formar e autorizar expedientes, e os autos eram a acta
ou gesta. Ao proceder desta forma estas pessoas podiam transferir ao Estado a
legalidade que a sociedade necessitava, podendo ser em julgamentos de posse ou
70

outros atos em tribunais, pois somente quem tinha fé pública poderia produzir
expediente a ser julgado, dito à época, pública monumenta.

Segundo os dizeres de João Mendes de Almeida Júnior: “A idéia de


fé tem como notas características a sinceridade de quem afirma e a adesão
confiante do espírito de quem recebe a afirmação”45.

Desde os primórdios da humanidade, condiciona-se a formação de


uma sociedade à existência da fé, no início uma fé intimamente ligada à crença
religiosa. Ocorre que oriunda dessa força religiosa, se estabelece o dogma, de que a
fé e a crença religiosa vêm de uma mesma origem, tem um mesmo sentido, da
necessidade intrínseca ao homem de crer. Como essa crença religiosa, ficou sujeita
ao extremismo da verdade absoluta, se estabelece nos primórdios o mesmo
princípio básico para a fé, a verdade absoluta.

Quando um ato de fé se reveste de verdade jurídica, protegida pelos


ditames legais, denomina-se ato de fé pública e quando se exerce essa verdade por
indivíduos devidamente preparados para tal atividade, são denominados, atos
elaborados por indivíduos investidos de fé pública, no presente trabalho, atos
notariais e registrais.

Para a sociedade foi sempre complexa a relação da verdade


absoluta com o indivíduo encarregado de exercê-la, sendo que esta atribuição vinha
de um substabelecimento de poder, do Imperador, Rei, Igreja, Estado moderno,
enfim ela sempre foi fruto da necessidade de se elaborar as regras para convivência
do homem, no que concerne aos seus direitos e obrigações.

Desta forma foram criados órgãos revestidos de fé pública, conforme


a doutrina de João Mendes:

Constituído pelo Estado para assegurar e transmitir a verdade da


existência de certos fatos e atos jurídicos, os órgãos da fé pública
têm por função a “afirmativa geral”, e são incumbidos de lavrar atos e
contratos, de atestar a identidade das pessoas das letras e das

45 ALMEIDA JÚNIOR, João Mendes de. Orgãos da fé pública. São Paulo: Saraiva, 1963, p. V.
71

assinaturas e firmas, de registrar títulos de direito, de conservar os


respectivos formais, de autenticar atos processuais 46.

Para atender aos anseios da sociedade de estabilidade, certeza,


autenticidade e indiscutibilidade das diversas formas de relações jurídicas a fé
pública foi desmembrada em fé pública geral, especial, judicial, administrativa e
extrajudicial, que é a inerente aos notários e também aos cônsules, militares e
outras autoridades.

Nos tempos atuais, para o exercício da fé pública, o Estado delega a


função a um indivíduo devidamente credenciado por concurso público, o notário ou o
oficial de registro, estes, porém, devem ser isentos de qualquer suspeição. Para
compreender a linha de poder que esta designação contém, vale fazer breve
parâmetro, de que esse poder da delegação do Estado ao notário e ao oficial de
registro advém do substabelecimento do poder que o povo investe o Estado pelo
voto, ressalva-se, porém, que o poder investido ao Estado, é oriundo de ato de
confiança particular de cada indivíduo ao votar e o poder que Estado reveste o
notário e o oficial de registro é delegado após a avaliação de méritos.

A fé pública garante a representação exata e correta da realidade e


certeza ideológica e fornece evidência e força probante atribuída pelo ordenamento
jurídico, que constitui subsídio aos juízes em casos de possíveis disputas, para um
julgamento justo e assim transfere à sociedade a segurança necessária para
promover o desenvolvimento de suas atividades. Nesse sentido os dizeres de João
Mendes de Almeida Júnior: “Os fins da sua organização são a segurança dos
direitos individuais e a conservação dos interêsses da vida social, fins êsses que lhe
dão, pela identificação com certos fins do Estado, o caráter público”47.

A atividade notarial compreende uma gama imensa de atribuições,


das quais se destaca a fé pública, crença da sociedade na verdade dos seus atos,
desta forma, esta sociedade acredita no que se elabora no cartório, no que o
tabelião de notas diz, que ganha valor jurídico e acarreta em severo regime de

46 Ibidem, p. V.
47 Ibidem, p. V.
72

responsabilização civil, administrativa e criminal, caso ocorra incorreção no exercício


de sua função.

Entretanto, entende-se que os efeitos da fé pública não são


absolutos, são impostos limites, sendo assim, ela vem associada a uma série de
cuidados, proporcionais a importância que este efeito de fé pública pode gerar
dentro da sociedade.

A pessoa investida de fé pública está sujeita a controles


devidamente estabelecidos por lei específica, por órgãos específicos, que colocam a
atividade dentro da rigidez jurídica necessária ao desenvolvimento harmônico da
sociedade, sendo, porém, previstos erros que geram a responsabilidade civil, com
punições definidas em lei.

Assim, o notário é detentor da fé pública, sendo esta definida


quando, ele coloca seu sinal público em algum instrumento ou declara ser
determinado ato praticado absolutamente isento de inverdade, dúvida ou suspeita.

Ao atribuir a uma pessoa, fé pública, figura como pressuposto que


suas ações contenham a certeza jurídica, contudo relativa, a fim de revestir de
legalidade, autenticidade e estabilidade, todos os seus atos, portanto e para tanto,
condiciona-se que além de elaborar documentos que contenham a verdade, o
tabelião deve observar a realidade jurídica, pois somente assim, tutelado pelo
direito, é que serão fixados os parâmetros para produção dos efeitos da fé pública, o
oficial atestando a verdade protegida pelo direito.

Neste sentido a doutrina de Afonso Celso F. Rezende:

O valor jurídico e a certeza implicam que a fé pública pressupõe a


correspondência da realidade, cuja firmeza é tutelada pelo Direito. A
consistência desse efeito traduz-se na própria importância da função
exercida, esta, por sua vez, submetida a todos os tipos de garantias
e exigências, que necessariamente, derivam de normas jurídicas,
incluindo severo regime de responsabilidades civis, penais e
73

administrativas, caso ocorressem desvios, deslizes ou incorreções


no seu exercício48.

A função da fé pública é garantir que as relações patrimoniais e


sociais da sociedade estejam revestidas da presunção de veracidade, ainda que
relativa, de autenticidade e legitimidade necessárias para proteção dos direitos e
prevenção de litígios.

Corroborando esse entendimento, Afonso Celso F. Rezende ensina:


“O fundamento da existência da fé pública encontra-se na vida social, que requer
estabilidade em suas relações, para que venham alcançar a evidência e
permanência legal”49.

Este mecanismo de prevenção de litígios tem o poder de inibir


demandas e retira do judiciário uma parcela considerável do trabalho de julgar estes
possíveis litígios. Neste sentido, a atividade notarial exercida revestida dos efeitos
da fé pública, pode ser classificada como uma espécie de justiça preventiva e com
certeza constitui importante peça na construção de uma sociedade mais justa.

A atividade de notas tem um papel importante na sociedade e no


mundo jurídico, pois possibilita ao judiciário tomar decisões com base em
instrumentos confeccionados sob uma forma juridicamente correta, elaborados por
pessoas devidamente qualificadas e detentoras de fé pública.

A função do notário está intimamente ligada com os efeitos da fé


pública, pois não se concebe uma sem a outra, intrínsecos, o tabelião ao mesmo
tempo em que elabora um documento, comprova o fato perante a sociedade,
amparado pelos efeitos da fé pública, reveste o documento com legalidade jurídica,
dá proteção às transações, isto, dentro dos parâmetros que o mercado exige se
expressa, portanto, a vontade das partes de forma válida, verdadeira e juridicamente
correta, como dispõe o artigo in verbis:

Lei nº 8.935/94

48 REZENDE, Afonso Celso F.Tabelionato de Notas e o Notário Perfeito. Campinas, SP: Millennium,
2006, p. 31.
49 Ibidem, p. 30.
74

Art. 3º - Notário, ou tabelião, e oficial de registro, ou registrador, são


profissionais do direito, dotados de fé pública, a quem é delegado o
exercício da atividade notarial e de registro.

Importante destacar que, para estabelecer e compreender na sua


forma mais precisa tão importante instrumento para certificar a titularidade da
propriedade e para propiciar um tráfego imobiliário seguro, é necessário explicar
que, quando se refere à certificação da titularidade de propriedade é questão de fé
pública de registro e quando se refere à certificação das transações é questão de fé
pública notarial.

A quebra da fé pública, a prova de que um documento produzido em


cartório perdeu o efeito por erro ou má fé, tem um efeito devastador na crença da
sociedade no sistema instaurado e é por este motivo que existem órgãos
fiscalizadores que atuam com extremo rigor em casos de deslize ou mesmo erros,
como as correições ordinárias e extraordinárias feitas pelas Corregedorias
Estaduais.

A fé pública notarial é essencial para atestar a legalidade,


autenticidade e legitimidade das transações, garantindo um tráfego imobiliário
seguro e tem por princípio básico a confiança, pois, proporciona o grau de confiança
necessário ao andamento do negócio, o seu amparo jurídico, a sua segurança
jurídica, enfim, a situação de imutabilidade do fato quando observadas todas as
prescrições legais.

Em primeira análise a fé notarial, fundamento basilar da atividade,


segundo as leis e normas em vigor, tem por objetivo validar os atos praticados
dentro das serventias de notas, buscando a segurança jurídica esperada pela
sociedade.

O interessado expõe ao notário a sua vontade e, mediante a


orientação jurídica desse profissional, tem a convicção de que ela será preservada e
terá o formato jurídico adequado. Desta forma se produz os efeitos desejados
perante a sociedade, que é obter a eficácia jurídica do ato. Conforme explica
Leonardo Brandelli, “Por buscar a realização do melhor resultado jurídico de acordo
75

com a vontade de ambas as partes envolvidas, constituindo-se numa espécie de


magistrado extrajudicial”50.

Ao consumar este grau de confiança, entre o notário e o


interessado, fica satisfeito na sua forma plena o exercício da fé pública notarial,
desígnio próprio do notário latino, uma tradição do exercício da atividade notarial
através dos tempos.

4.2 Segurança Jurídica

A segurança jurídica é um princípio supranormativo da função


notarial e registral imobiliária, sendo irrevogável pela lei, sob pena de desnaturar por
completo o sistema.

No tabelionato de notas a segurança jurídica é a garantia do cidadão


de que sua declaração de vontade terá a forma jurídica adequada e gozará de
certeza e estabilidade social, produzindo todos os efeitos esperados. Cabe ao
notário impedir a realização de qualquer ato que não esteja de acordo com as regras
rígidas e formais do sistema notarial.

A atividade notarial é uma das bases da soberania nacional e isto


ocorre pelo fato de que tal atividade é, por sua essência e excelência, parte
intrínseca da estabilidade social. A atividade exercida pelo tabelião de notas está
ligada à garantia do direito à propriedade e o exercício de sua função social, por isso
tem a clara missão de manter a ordem social, conferindo à atividade um vínculo
sólido com a segurança jurídica do Estado e de seus cidadãos.

Para um desenvolvimento sustentável, o sistema social insere como


insumo básico a segurança jurídica, a qual gera a soberania política, por meio da
qual se estabelecem regras claras para as relações econômicas. Pressuposto para
tanto é a existência de instituições que garantem de forma eficiente a segurança das
transações, pois é consagrado, de forma absoluta, que quanto maior for a segurança
jurídica preventiva, maior será a possibilidade de crescimento econômico. Deste

50 BRANDELLI, Leonardo. Teoria geral do direito notarial. São Paulo: Saraiva, 2007, passim.
76

modo, conclui-se, que a atividade notarial está no centro desta relação, do mercado
com a segurança jurídica e estes estão diretamente ligados ao crescimento
econômico.

O estudo da origem do desenvolvimento sustentável define um


parâmetro de fundamental importância, ao compreender como a atividade dos
tabeliães de notas está diretamente relacionada com nosso cotidiano. Realiza-se
este estudo de forma básica, para se entender a precisa equação, mais capital no
setor produtivo mais trabalho, a partir do que se elabora a seguinte relação, quanto
maior for a segurança jurídica das transações, maior será o crescimento econômico,
este, fundamento básico para o desenvolvimento sustentável.

A definição básica das razões pelas quais o desenvolvimento


acontece tem em sua concepção diversas origens, no entanto, pode-se afirmar, com
certeza, que a qualidade das transações jurídicas e a sua adequada
instrumentalização é um dos pilares de um desenvolvimento sustentável de grande
confiabilidade.

A atividade do notário, investido da fé pública, desenvolve-se dentro


dos padrões técnicos e éticos estabelecidos, contribui de forma significativa para dar
segurança ao mercado e colabora sobremaneira para a circulação de riquezas,
favorecendo o setor produtivo.

O sistema notarial define as condições para garantir as transações


comerciais, mediante os princípios que regem o exercício da atividade. O mercado
solicita uma assistência jurídica de qualidade e precisa obter as informações com a
devida precisão e segurança.

Com o objetivo de atenuar a inevitável desinformação, são


necessários os esclarecimentos que atendam a essa exigência, que diminuam os
custos que a incerteza jurídica coloca sobre a negociação, de forma a fomentar
novos negócios, novas transações, mais circulação de riquezas.

O notário tem a função de produzir segurança e certeza jurídica por


meio de sua intervenção nas transações jurídicas produzindo nos dizeres de
77

Leonardo Brandelli, “uma documentação especial, pública, privilegiada, aos atos e


contratos, aos negócios jurídicos, dando-lhes mais qualidade e tornando-os mais
críveis, o que traz forçosamente, vantagens e soluções óbvias” 51.

4.3 Dignidade da pessoa humana

4.3.1Surgimento do Direito

Para entender o conceito da dignidade da pessoa humana e


estabelecer o seu fundamento, é necessária uma análise da origem das normas
protetoras até sua consolidação no ordenamento jurídico da atualidade.

O homem é indiscutivelmente um ser social, vivendo em sociedade


em constante interação com seus semelhantes por necessidade de sobrevivência.
Inexiste o homem independente, pois ele precisa relacionar-se com outros homens
para satisfazer seus interesses e necessidades.

Somente vivendo em sociedade, com o apoio de seus semelhantes,


conseguiu o homem suprir suas necessidades básicas. A caça em grupo era bem
mais proveitosa do que a executada de forma individual; os animais carnívoros
somente poderiam ser afugentados pela força e coordenação do grupo; e a
perpetuação da espécie dependia do convívio social entre famílias diversas e da
ocorrência de interesses comuns.

A vida em sociedade, apesar de motivada por objetivos comuns do


grupo, é também caracterizada pela existência de conflitos de interesses individuais.
Para que tais conflitos não resultassem na quebra da estrutura social, que levaria à
extinção da sociedade e da própria espécie humana foi necessário disciplinar tais
conflitos, com a criação de regras (direitos e deveres) impostas a todos. É a origem
do Direito.

Em um primeiro momento, esses direitos eram garantidos por um


modelo vertical, fundamentado na hierarquia, em que todos respeitavam as regras

51 Ibidem, p. 123.
78

que eram ditadas pelo indivíduo mais forte, ou mais esperto, havendo uma relação
entre dominantes e dominados.

Esse modelo vertical perdurou durante muito tempo, somente


perdendo espaço para o modelo horizontal nos tempos modernos, em que as regras
passaram a ser respeitadas em face da legitimação do governante.

4.3.2Origem e dimensões dos direitos fundamentais

No período em que estavam em curso as monarquias absolutas, o


soberano ditava as regras, sem qualquer interferência, e cabia ao povo apenas se
submeter às suas vontades. Esse tipo de governo se sustentava em face da
sistemática do modelo vertical de organização social, que dispõe que as regras são
respeitadas por todos devido apenas ao poder de coação que o soberano exerce
sobre seu povo e não pela legitimidade de sua função, ficando clara a hierarquia e a
submissão dos mais fracos.

Entretanto, em face das insatisfações do povo e até da nobreza


latifundiária, que não tinham garantidos os direitos essenciais à sua sobrevivência,
teve início a falência da monarquia absoluta, tendo como ponto de partida o Reino
Unido.

Depois de muita luta entre a monarquia absoluta e a nobreza


latifundiária foi inaugurado um novo modelo de Estado, que atendia aos anseios de
liberdade da sociedade, o Estado Liberal. A transição para o Estado Liberal tem
como marco histórico a Magna Carta de 1215, do Rei João, conhecido como “João
Sem Terra”.

Com o novo modelo de Estado em curso, paulatinamente foram


confeccionados instrumentos que limitavam o poder do Estado, garantindo direitos
fundamentais em todo o mundo em resposta a uma necessidade de toda sociedade
de ver assegurados os direitos necessários à sua sobrevivência. Dentre os principais
instrumentos, podem ser citados o Petition of Rights, Habeas Corpus Act, Bill of
79

Rights,52 a primeira Constituição escrita limitativa do poder, Instrument of


Government, a Revolução norte-americana e a Revolução Francesa.

Os direitos fundamentais, que são aqueles essenciais para garantir


a dignidade da pessoa humana, costumam ser classificados em gerações ou
dimensões. A Revolução Francesa é vista como o mais importante acontecimento
histórico contemporâneo e é, talvez, o marco histórico mais apropriado para ilustrar
essa classificação. Inspirada pelos ideais iluministas de liberdade, igualdade e
fraternidade, lemas da Revolução (Liberté, Egalité, Fraternité - frase de Jean-
Jacques Rousseau) a Revolução Francesa inaugurou um novo paradigma dos
direitos fundamentais, podendo ser considerada o marco que consolidou a
necessidade de se positivar todos esses direitos e, a partir do qual, passou-se a falar
em gerações ou dimensões de direitos humanos.

A primeira dimensão dos direitos, que remonta à Antigüidade, está


representada pelo primeiro ideal da Revolução Francesa, o da liberdade. Trata-se do
início da conscientização da importância do povo, em que o Estado passou a
garantir diversos direitos essenciais às necessidades primárias do homem, como
sua própria vida, sua liberdade, sua integridade física e o direito à propriedade
privada. Esta dimensão inicial abarcava os direitos civis e políticos, também
denominados liberdades públicas e tem como característica marcante o
individualismo dos direitos, que não são garantidos por uma prestação positiva
estatal, mas sim pela sua omissão, ou seja, os direitos de primeira dimensão eram
dos indivíduos em face do Estado, que teria que se abster de praticar qualquer ato
que ferisse esses direitos individuais. Era a proteção da pessoa humana em face
das ingerências do Estado contra a esfera jurídico-individual.53

Os ideais da Revolução Francesa se espalharam por muitos países,


que positivaram em suas Constituições os direitos fundamentais de primeira
dimensão, inaugurando uma nova realidade política e social, surgindo o Estado
Liberal.

52 FERREIRA, Luís Paulo Pinto. Princípios gerais de direito constitucional moderno. São Paulo:
Saraiva, 1983, p. 57.
53 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. Coimbra: Almedina, 1995, p. 517.
80

Importante um breve relato sobre o significado das expressões


“direitos fundamentais” e “direitos humanos”, nas palavras de Ingo W. Sarlet:

“Direitos fundamentais” se aplica para aqueles direitos do ser


humano reconhecidos e positivados na esfera do direito
constitucional positivo de determinado Estado, ao passo que a
expressão “direitos humanos” guardaria relação com os documentos
de direito internacional, por referir-se àquelas posições jurídicas que
se reconhecem ao ser humano como tal, independentemente de sua
vinculação com determinada ordem constitucional, e que, portanto,
aspiram à validade universal, para todos os povos e tempos, de tal
sorte que revelam um inequívoco caráter supranacional
(internacional)54.

No Brasil, os direitos fundamentais de primeira dimensão foram


incluídos no artigo 127 da “Constituição Política do Império do Brazil”, de 25/3/1824,
a primeira Carta Política do Brasil independente. In verbis:

Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Políticos dos Cidadãos


Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual e a
propriedade, é garantida pela Constituição do Império, pela maneira
seguinte: (…)

Com a previsão dos direitos fundamentais na Carta Magna o Brasil


adere ao novo modelo de Estado, defendido em muitos países e considerado a
solução para as mazelas da sociedade.

O Estado Liberal pregava o individualismo e, em um primeiro


instante, isso foi fundamental para o desenvolvimento da economia e das
sociedades. No entanto, esse liberalismo somente se sustentou do século XVII até
início do século XX, quando a omissão do Estado, tão defendida outrora, foi
identificada como a principal causa de diversos problemas sociais irreversíveis, que
levariam a queda desse liberalismo desenfreado.

54 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
1998, p. 22.
81

O liberalismo causou conflitos sociais, pois já não atendia às


necessidades da sociedade que está sempre em constante evolução. As aspirações
do povo não se restringiam apenas aos direitos individuais, precisando ver
garantidos direitos outros que lhe garantissem melhores condições de vida.

Surgem, então, os direitos de segunda dimensão tendo como


fundamento a igualdade, o segundo ideal declarado pela Revolução Francesa.
Nesta fase, surgem os direitos que necessitam de uma ação positiva do Estado. São
os direitos sociais, que dão início ao Estado Democrático e Social de Direito, que
tem que agir de forma ativa para garantir que todo o povo tenha plenas condições de
acessar esses direitos.

As palavras de Cunha Jr. retratam o momento de transição do


Estado Liberal para o Estado Democrático e Social de Direito:

Toda essa transformação, portanto, ocorreu em virtude do fracasso


do Estado liberal, que não logrou concretizar materialmente as
conquistas formais e abstratas da liberdade e, sobretudo, da
igualdade. Com a ascensão do Estado social, surgem os direitos de
segunda dimensão, caracterizados por outorgarem ao indivíduo
direitos a prestações sociais estatais, como saúde, educação,
trabalho, assistência social, entre outras, revelando uma transição
das liberdades formais abstratas, conquistadas pelo liberalismo, para
as liberdades materiais concretas55.

Diante das insatisfações sociais agravada por uma grande crise


econômica em todo o mundo, tem início a 2ª Grande Guerra Mundial, e nesse
momento histórico surge a terceira dimensão de direitos fundamentais, que pode ser
representada pelo terceiro ideal da Revolução Francesa, a fraternidade. Nessa
dimensão enfatizam-se os direitos de fraternidade, solidariedade e desponta a
importância dos direitos difusos. Essa idéia de solidarismo transcende o conceito de
coletividade e os limites dos territórios dos Estados soberanos, pois está
intimamente ligada à noção de cosmopolitismo, de sustentabilidade das

55 CUNHA JÚNIOR, Dirley. Controle judicial das omissões do poder público: em busca de uma
dogmática constitucional transformadora à luz do direito fundamental à efetivação da Constituição.
São Paulo: Saraiva, 2004, p. 204.
82

comunidades internacionais independentemente de fronteiras físicas, políticas ou


ideológicas.

Nesse processo de internacionalização dos direitos humanos, houve


a criação da ONU - Organização das Nações Unidas, em 1945, e, a partir de então,
diversos assuntos receberam tratamento especial mediante a criação de organismos
específicos, como o direito do trabalho com a criação da Organização Internacional
do Trabalho (OIT), o direito à saúde com a Organização Mundial da Saúde (OMS), o
direito à educação com a Organização Educacional Científica e Cultural das Nações
Unidas (Unesco), o direito à alimentação com a Organização de Comida e
Agricultura (FAO), dentre vários outros.

CARTA DAS NAÇÕES UNIDAS

PREÂMBULO

NÓS, OS POVOS DAS NAÇÕES UNIDAS, RESOLVIDOS a


preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra,que por duas
vezes, no espaço da nossa vida, trouxe sofrimentos indizíveis à
humanidade, e a reafirmar a fé nos direitos fundamentais do homem,
na dignidade e no valor do ser humano, na igualdade de direito dos
homens e das mulheres, assim como das nações grandes e
pequenas, e a estabelecer condições sob as quais a justiça e o
respeito às obrigações decorrentes de tratados e de outras fontes do
direito internacional possam ser mantidos, e a promover o progresso
social e melhores condições de vida dentro de uma liberdade ampla.

E PARA TAIS FINS, praticar a tolerância e viver em paz, uns com os


outros, como bons vizinhos, e unir as nossas forças para manter a
paz e a segurança internacionais, e a garantir, pela aceitação de
princípios e a instituição dos métodos, que a força armada não será
usada a não ser no interesse comum, a empregar um mecanismo
internacional para promover o progresso econômico e social de
todos os povos.56

56 Preâmbulo da Carta das Nações Unidas, assinada em São Francisco, em 26/6/1945, após o
término da Conferência das Nações Unidas sobre Organização Internacional, entrando em vigor a
24 de outubro daquele mesmo ano.
83

Assinada em 1948, a Declaração Universal dos Direitos Humanos é


um dos documentos básicos das Nações Unidas que enumera os direitos
fundamentais a serem seguidos por todas as Nações do planeta.

Vários doutrinadores defendem a existência de outras dimensões,


como Paulo Otero e Ricardo Dip, que sustentam que os direitos fundamentais
podem ser classificados até a sétima dimensão.

Ricardo Dip enfatiza que a utilização do termo “geração” em vez de


“dimensão” é equivocada, pois traz a idéia de sucessão de uma geração pela outra,
o que não é verdadeiro. Cada uma dessas fases representa uma nova forma de
interpretar e valorar a dignidade da pessoa humana, positivando novos direitos para
garanti-la de forma plena nos termos em que ela é compreendida numa determinada
época.

Para complementar esse entendimento, valiosas as palavras de Ingo


W. Sarlet:

A teoria dimensional dos direitos fundamentais não aponta, tão


somente, para o caráter cumulativo do processo evolutivo e para a
natureza complementar de todos os direitos fundamentais, mas
afirma, para além disso, sua unidade e indivisibilidade no contexto do
direito constitucional interno e, de modo especial, na esfera do
moderno “Direito Internacional dos Direitos Humanos”57.

Não se pode falar em sobreposição de direitos humanos de


diferentes épocas. Não há substituição de direitos, há apenas complementação com
uma convivência harmônica entre todos os direitos fundamentais para a existência
humana.

Os direitos fundamentais nada mais são do que resultado da


evolução histórica da humanidade. Possuem um início e estão em constante
evolução. Eles nasceram com a revolução burguesa e com o passar do tempo vem

57 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2001, p. 199.
84

agregando valores e cada vez mais o rol dos direitos fundamentais vem ampliando
para suprir as necessidades sociais.

Corroborando esse entendimento, as palavras de Dirley da Cunha


Júnior:

Que eles não são apenas resultado de “um” acontecimento histórico


determinado, mas sim, de todo um processo de afirmação que
envolve antecedentes, evolução, reconhecimento,
constitucionalização e até universalização. Os direitos fundamentais
são históricos na medida em que emergem progressivamente das
lutas que o homem trava por sua própria emancipação58 .

Com fatos históricos como revoluções e guerras há quebra de


paradigmas e a instalação de uma nova realidade política, econômica e social,
devendo nesse contexto ser compatibilizado os primeiros direitos fundamentais que
surgiram com os novos direitos que irão surgir, frutos da evolução social.

4.3.3Conceito e positivação da dignidade da pessoa humana

Em que pese a dignidade da pessoa humana ser fundamento para


inúmeras construções jurídicas, justificando a aplicação da lei a casos concretos, ela
não é uma ficção jurídica e tem suas raízes na própria criação do homem.

A existência da dignidade está ligada à própria existência do ser


humano. Sempre existiu a dignidade humana, porém vista sob diversos prismas
ditados pelo momento histórico.

Na antiguidade clássica a dignidade do homem estava ligada à


posição social que ele ocupava na sociedade. Com a propagação do pensamento
judaico-cristão o conceito de dignidade da pessoa humana ganhou novo contorno e

58 CUNHA JÚNIOR, Dirley. Controle judicial das omissões do poder público: em busca de uma
dogmática constitucional transformadora à luz do direito fundamental à efetivação da Constituição.
São Paulo: Saraiva, 2004, p. 142.
85

passou a ser entendido como um atributo intrínseco a todo ser humano


independente de sua condição social.

Na Idade Média filósofos como São Tomás de Aquino lançaram as


sementes do conceito moderno de dignidade da pessoa humana, ligado à
valorização do indivíduo. Com a Renascença o homem foi colocado no centro do
universo e esse período foi campo fértil para a evolução do conceito de dignidade da
pessoa humana, independente de raça, religião ou civilização.

O jusnaturalismo contribuiu sobremaneira para a formação do


conceito moderno de dignidade da pessoa humana, pois essa escola jurídica
defendia a idéia de que os direitos dos indivíduos são naturais, isto é, inerentes a
eles somente em virtude de sua condição humana.

Nessa esteira, contribuição importante foi dada por Immanuel Kant


que construiu a fundamentação filosófica a respeito da dignidade da pessoa humana
transportando a moral popular para o campo da metafísica dos costumes,
estabelecendo um princípio a ser seguido, uma lei moral que se traduz na afirmação
do referido autor “Age como se a máxima da tua ação se devesse tomar, pela tua
vontade, em lei universal da natureza 59”.

Kant defendia que o ser humano seria uma existência em si mesma,


que possui um fim em si mesmo, estando acima de qualquer circunstância e desta
forma, é portador de dignidade, um tributo inerente a todo ser humano.

A dignidade humana é um direito fundamental intangível que


antecede a criação do Estado. É um princípio supranormativo que tem caráter
absoluto, pois não pode ser restringido pelo legislador e, diante da colisão com
outros princípios, “seu peso ou importância”, segundo Ronald Dworkin60, tende a ser
maior, devendo o caso concreto ser analisado com a devida cautela.

59 KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. São Paulo: Abril Cultural, 1990, p.
130.
60 O termo é de DWORKIN, Apud SANTOS, Fernando Ferreira dos. Princípio constitucional da
dignidade da pessoa humana. São Paulo: Celso Bastos Editor, 1999, p. 44.
86

Ingo Wolfgang Sarlet conceituou juridicamente a dignidade da


pessoa humana da seguinte forma:

Temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e


distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo
respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade,
implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres
fundamentais que asseguram a pessoa tanto contra todo e qualquer
ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir
as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de
propiciar e promover sua participação ativa co-responsável nos
destinos da própria existência e da vida em comunhão dos demais
seres humanos 61.

Com a evolução da sociedade, surgem novas aspirações, interesses


e necessidades, que vão sendo valorados pela própria sociedade (dominados, que
sentem a necessidade) e pelos governantes (dominantes, que decidem pelo sim ou
pelo não). Dessa valoração, despontam alguns interesses que, paulatinamente, são
inseridos no ordenamento jurídico como direitos fundamentais. Trata-se do
fenômeno da dinamogênese, que reflete diretamente no conceito de dignidade da
pessoa humana, que passa a ser dinâmico, evolutivo, adaptado aos usos e
costumes de uma determinada época e de um determinado povo.

Portanto, para assegurar o respeito à dignidade humana na Idade


Média, bastava o Estado não matar, não aprisionar e não molestar o seu povo, além
de não lhe confiscar os bens de sua propriedade. Tais direitos eram dirigidos apenas
aos cidadãos de seu território ou a apenas uma determinada classe de cidadãos,
além de estarem subordinados ao exato cumprimento das rígidas regras de
submissão ao soberano.

Após o iluminismo, o liberalismo e a revolução industrial, surgem os


direitos sociais como necessários para garantir um mínimo de dignidade ao ser
humano. Trata-se de uma nova dimensão do conceito de dignidade da pessoa
humana, pois abarca tanto os direitos de liberdade (civis e políticos, da 1ª

61 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2001, p. 60.
87

dimensão), como também os direitos de igualdade, que carecem de ações efetivas


do Estado para gerar empregos, moradia, alimentação, saúde, lazer.

O dinamismo dessa evolução social é constante, não ocorre apenas


em um determinado momento histórico, mas a evolução jurídico-legislativa
normalmente ocorre apenas diante de um acontecimento de grande vulto. As
aspirações, os ideais, as vontades e necessidades vão surgindo dia-a-dia. Algumas
são ignoradas pelo Estado e abandonadas pela sociedade (devido à sua pouca
importância), enquanto outras são fortemente enraizadas no anseio popular e
passam a ser objeto de constantes reivindicações em face do poder dominante.

Esse confronto de aspirações entre dominado e dominante pode


gerar diferentes situações, dependendo de vários fatores, como o grau de
submissão do povo, a qualidade dos governantes, o teor das reivindicações, o
sistema democrático (ou ditatorial) existente e o cenário político interno e externo.

Devido a todos esses complicadores, as evoluções legislativas no


tocante ao respeito da dignidade da pessoa humana têm ocorrido de forma pontual,
gerando reflexos em todo o planeta após acontecimentos históricos de valores
incontestáveis, como a Revolução Francesa e as duas Grandes Guerras Mundiais.

Foi diante do grande impacto causado pela 2ª Grande Guerra


Mundial nos campos econômico e social de todo o Mundo, que as constituições de
vários Estados passaram a positivar outro lote de aspirações do ser humano,
aspirações agora voltadas para a solidariedade, ao mundo sem fronteiras, à paz do
ser humano independentemente de sua origem, raça, religião, sexo, cor, grau de
instrução ou idade. Assim, a dignidade da pessoa humana continua dependente do
respeito de sua liberdade (direitos civis e políticos - 1ª dimensão) e da garantia de
igualdade (direitos sociais - 2ª dimensão), mas, de acordo com as atuais aspirações
já positivadas, a dignidade da pessoa humana somente é plenamente garantida pela
inclusão, aos demais direitos já consagrados, da garantia da fraternidade (direitos de
solidariedade - 3ª dimensão), que engloba o respeito aos direitos difusos, à
exploração do meio ambiente de forma sustentável e uma incessante busca da paz
mundial.
88

Portanto, o termo “dimensão” mostra-se mais apropriado do que


“geração” para denominar cada uma dessas fases históricas dos direitos
fundamentais, pois todas elas, desde o início mais remoto, tiveram por objetivo tão-
somente estabelecer um mínimo de garantias para preservar a dignidade da pessoa
indispensável para a existência humana, como sustenta Rousseau:

Renunciar à própria liberdade é o mesmo que renunciar à qualidade


de homem, aos direitos da Humanidade, inclusive aos seus deveres.
Não há nenhuma compensação possível para quem quer que
renuncie a tudo. Tal renúncia é incompatível com a natureza humana,
e é arrebatar toda moralidade a suas ações, bem como subtrair toda
liberdade à sua vontade. Enfim, não passa de vã e contraditória
convenção estipular, de um lado, uma autoridade absoluta, e, de
outro, uma obediência sem limites.62

Hodiernamente, as declarações de direitos internacionais e as


constituições de diversos países com conteúdo substancial sobre os direitos e
garantias fundamentais, asseguram a dignidade da pessoa humana e a manutenção
da vida em sociedade, sendo esta conquista um importante avanço da civilização,
conforme os dizeres de Norberto Bobbio: “Todas as declarações recentes dos
direitos do homem compreendem, além dos direitos individuais tradicionais, que
consistem em liberdades, também os chamados direitos sociais, que consistem em
poderes” 63 .

A Constituição de 1988 elevou a dignidade da pessoa humana ao


mais alto patamar dos direitos fundamentais, pois traz tal princípio de forma
expressa no artigo 1º, in verbis:

Art. 1º - A República Federativa do Brasil, formada pela união


indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-
se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I - a soberania;

II - a cidadania;

62 ROSSEAU, Jean-Jacques. O contrato social. São Paulo: Martins Fontes, 1989, p. 132.
63 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Editora Campos, 1992, p. 21.
89

III - a dignidade da pessoa humana;

IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

V - o pluralismo político.

Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por


meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta
Constituição.

Os direitos fundamentais que dão suporte a esse princípio


supranormativo estão relacionados em várias passagens da Constituição Federal,
destacando-se o artigo 3º (objetivos fundamentais), o artigo 5º (direitos e garantias
fundamentais), os artigos 6º e 7º (direitos sociais) e o artigo 14 (direitos políticos).

Além dos direitos e garantias expressos na Lei Maior, outros direitos


serão elevados a “status” constitucional, nos termos do §2º do artigo 5º, reconhecida
como “cláusula de abertura”, in verbis:

Artigo 5º

§ 2º - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não


excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela
adotados, ou dos tratados internacionais em que a República
Federativa do Brasil seja parte.

Todos os direitos individuais dessa espécie, que compõem o


conceito de dignidade da pessoa humana, não podem ser expurgados do
ordenamento jurídico, por se tratar de cláusula pétrea, conforme desejo expresso do
constituinte originário, in verbis:

Art. 60 - A Constituição poderá ser emendada mediante proposta


(…)

§ 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda


tendente a abolir:

I - a forma federativa de Estado;

II - o voto direto, secreto, universal e periódico;

III - a separação dos Poderes;


90

IV - os direitos e garantias individuais.

A formalização escrita dos direitos fundamentais não garante a


concretização da dignidade humana, contudo, essa formalização demonstra a
finalidade do Estado de garantir esse direito fundamental e fornece à sociedade a
segurança de que a pessoa humana não poderá ter sua dignidade violada de forma
lícita.

Apesar das abalizadas críticas quanto à extensão e quanto ao


conteúdo da Constituição Brasileira, ela se apresenta como uma das mais completas
cartas políticas do Mundo no tocante à positivação dos direitos e garantias inerentes
à dignidade da pessoa humana. Cabe, agora, torná-los uma realidade no cotidiano
do povo brasileiro.
91

5. FUNÇÃO SOCIAL

5.1 Significado da expressão “função social”

Para melhor compreensão do sentido da expressão “função social”


necessária uma breve passagem pela etimologia das palavras função e social.

O vocábulo função tem sua origem no latim. A palavra functio é


derivada do verbo fungor o qual significa exercer uma função, cumprir uma missão,
desempenhar um dever ou tarefa, tornar algo funcional. Estabelecido um primeiro
conceito de função, segue-se na análise, e a definição mais adequada para a
atividade notarial é de natureza sociojurídica dada por Sílvio de Macedo, “conjunto
de atividades e papéis exercidos por indivíduos ou grupos sociais, no sentido de
atender necessidades específicas”64.

Função não é atuar para alcançar os objetivos próprios, não é


desempenhar uma atividade apenas em seu benefício, é atuar a serviço de algo que
transcende a própria pessoa, para fazer funcionar um sistema que depende da
atuação de cada um visando o interesse coletivo.

64 MACEDO, Sílvio de. Função, in Enciclopédia Saraiva do Direito. São Paulo: Saraiva, 1979, p.
480-483.
92

Já a palavra social, está ligada à idéia de sociável, de sociedade.


Tudo que está ligado à palavra social tem caráter coletivo, sendo que o coletivo nada
mais é do que o conjunto de interesses individuais. Social é aquilo que transcende a
esfera individual, é tudo que atende às necessidades de várias pessoas, é a
harmonização do interesse individual com o interesse coletivo.

Nos dizeres de Cláudio Luiz Bueno de Godoy, citando Louis


Josserand:

As prerrogativas, mesmo as mais individuais e as mais egoísticas,


são ainda produtos sociais, seja na forma, seja no fundo: seria
inconcebível que elas pudessem, ao grado de seus titulares, se livrar
da marca característica original e ser empregada para todas as
necessidades, mesmo fossem elas inconciliáveis com sua filiação e
com os interesses os mais urgentes, os mais certos, da comunidade
que as concedeu65.

Deste modo, a expressão “função social” poderia ser traduzida no


exercício do dever de tornar algo funcional para satisfazer o interesse social. O
exercício da função social não é uma faculdade, mas sim, um dever imposto a todos,
de forma a garantir uma convivência harmônica em sociedade para que ela seja
sustentável ao longo dos anos.

5.2 Natureza jurídica da função social

Questão controvertida na doutrina é a natureza jurídica da


expressão “função social”. Alguns autores entendem ser um princípio, outros
acreditam ter natureza jurídica de diretriz, ou cláusula geral e há ainda quem
defenda ser uma idéia-princípio.

65 JOSSERAND, Louis. (apud GODOY, Cláudio Luiz Bueno de. Função Social do Contrato. São
Paulo: Saraiva, 2007, p. 115). De l’ espirit dês droits et de leur relativité, Paris: Dalloz, 1939, p. 320.
Versão original do texto: “(...) lês prérrogatives, même lês plus individuelles et les plus égoistes,
sont encore dês produits sociaux, soit dans la forme, soit dans le fond: Il serait inconcevable
qu’elles pussent, au gré de leurs titulaires, s’affranchir de l’empreinte originalle et être employées à
toutes besognes, fussent-elles inconciliables avec leur filiation et avec lês intérêts lês plus
pressents, lês plus certains, de La communauté qui lês a concedées”
93

Aprofundando na análise da natureza jurídica da expressão “função


social” cabe fazer uma breve passagem no campo dos princípios.

Princípios jurídicos são diretrizes dispostas em lei, positivadas, com


forma normativa e com função interpretativa, integrativa e norteadora do sistema
jurídico. Já os princípios gerais do direito não são normas, não estão positivados,
são proposições descritivas e atuam de forma a apontar a tendência do Direito, que
é uma ciência em constante evolução. Os princípios gerais do direito são fixados
pela doutrina de modo a adequar o sistema às necessidades sociais.

Porém, os princípios gerais do direito podem vir positivados quando


formulados pela jurisprudência e o fato de um princípio estar ou não positivado não
interfere na sua eficácia. Um princípio expresso não é mais importante que um
princípio implícito.

Todos os princípios, implícitos ou explícitos, têm a função de


enunciar valores fundamentais para o ordenamento jurídico, pois são o início, a base
do sistema, o fundamento para confecção de outras normas. Eles têm uma mesma
função que é de dar unidade ao sistema. Desta forma, as normas do sistema jurídico
serão ordenadas de acordo com as diretrizes ditadas pelos princípios.

A função social que sempre esteve implicitamente presente em


nosso ordenamento jurídico, atualmente, além de continuar gozando da posição de
um princípio geral do direito, está prevista expressamente em nosso Código Civil,
influenciado pela Constituição Federal.

Na seara da função social uma importante definição de princípio foi


dada por Luís Roberto Barroso66 ao afirmar que os princípios são “comandos de
otimização” ao contrário das regras jurídicas positivadas que são “comandos de
definição”.

Desta forma, pode-se concluir que o princípio da função social


determina uma nova leitura das normas dispostas em nossa legislação, que foram
dotadas de otimização por esse princípio, mas não mais no âmbito individual, e sim,

66 BARROSO, Luís Roberto. Temas de direito constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 358.
94

no âmbito coletivo, em prol do interesse social acarretando uma relativização do


individualismo.

Leon Duguit entende que o caráter individualista dos direitos deve


ser substituído pela idéia de função social dos direitos. Ele sustenta que o sistema
individualista é precário, pois o direito subjetivo nada mais é, do que um poder de
querer algo, de impor aos outros indivíduos sua vontade, contudo, no momento em
que todos exercem esse poder de querer é difícil identificar qual vontade deve
prevalecer, gerando conflitos. Considerando que os indivíduos exercem uma função
social, não há mais um poder, mas sim, um dever de exercício de sua
individualidade física, intelectual e moral da maneira mais vantajosa para toda a
sociedade, assim, evitando conflitos sociais. 67 .

5.3 Evolução histórica da função social

A origem da função social dos institutos do direito não pode ser


estabelecida com precisão. Muitos sustentam que o exercício da função social
estaria inicialmente ligado ao conceito filosófico de felicidade que seria alcançada
pela convivência dos indivíduos em uma sociedade harmônica, com atuação direta
do Estado garantindo os direitos fundamentais do homem, prevenindo e dirimindo
conflitos com o fim de alcançar justiça e paz social. Este sentimento de felicidade,
que justificaria o exercício da função social é denominado sentimento eudaimonista
teleológico.

Partindo para um plano mais concreto pode-se afirmar que a função


social foi traçada no período do jusnaturalismo e do cristianismo.

O cristianismo teve grande influência na delimitação do conceito de


função social, inicialmente ligada ao conceito de produtividade da propriedade
privada, pautada na doutrina de São Tomás de Aquino que sustentava que a
propriedade pertencia a todos e somente provisoriamente poderia haver apreensão
individual. A propriedade era vista pelo catolicismo como um bem de produção, que

67 DUGUIT, Leon. Las transformaciones del derecho (público y privado). Trad. De Adolfo G. Posada e
Carlos G. Posada. Buenos Aires: Heliasta, 1975, p. 175.
95

tinha como função proporcionar o bem-estar comum. Estava clara a idéia de


relativização do interesse individual em prol do interesse coletivo, vislumbrando a
função social desse instituto.

Com o jusnaturalismo foi trazida a idéia de equidade, de justiça


supranormativa. Entendia-se que a propriedade era um instrumento de justiça divina,
devendo ser utilizada para a realização da justiça social.

Essas concepções filosófico-cristãs foram vencidas com a


Revolução Francesa que pregava a liberdade social e política e considerava a
propriedade um direito absoluto, irrestrito e incondicional aniquilando desta forma, o
modelo feudal de propriedade existente.

Contudo, o modelo de Estado Liberal introduzido pela Revolução


Francesa teve sua decadência com o advento das duas Guerras Mundiais e com a
criação do Estado Democrático e Social de Direito.

O novo modelo de Estado mais intervencionista nas relações


privadas, provedor do equilíbrio entre a esfera particular e coletiva e garantidor dos
direitos fundamentais, reavivou o exercício da função social dos institutos de direito.

Atualmente no Brasil pode-se identificar a presença da função social


em toda legislação, e em especial, nas normas constitucionais que tratam dos
direitos fundamentais, assim como nos mecanismos criados para alcançar e
assegurar esses direitos que são peças essenciais para a consolidação de um
Estado Democrático e Social de Direito.

A função social, como já se viu, não é criação do legislador


moderno, entretanto está mais presente em nosso ordenamento jurídico, devido às
necessidades decorrentes da evolução social. Fatores sociais determinaram a
necessidade da aplicação da função social dos institutos, para preservar os direitos
fundamentais que estavam sendo violados, principalmente pela política de
liberalismo econômico e de não-intervenção do Estado nas relações particulares.

Com o abandono do modelo de Estado Liberal e a adoção do


modelo de Estado Social a “Constituição Cidadã” de 1988, confirmou a quebra de
96

paradigmas do passado e traçou um novo rumo a ser seguido e descreveu um novo


modelo de Estado, mais condizente com a realidade social vivida.

Com a atual disposição constitucional foi estabelecida uma política


de “despatrimonialização” dos direitos e criados mecanismos de solidarismo e
valorização da pessoa. Foram previstos inúmeros deveres extrapatrimonias nas
relações privadas de forma a assegurar os direitos fundamentais.

Na moderna visão do Direito, a função social é um instituto de


inestimável importância. Diversos direitos ganharam nova roupagem com a
aplicação da função social dos institutos e pode-se dizer que ela é uma espécie de
lente, através da qual, pode-se verificar uma nova dimensão dos direitos.

5.4 Função social do notário

A função social é um fim a ser buscado nos institutos jurídicos para


satisfazer os anseios de toda sociedade. Esses institutos não são mais vistos sob a
ótica do interesse individual, mas sob a ótica do interesse coletivo, para atender a
necessidade de sociabilidade imposta pela função ordenadora do direito.

O atual exercício da função social está vinculado à funcionalização


dos direitos subjetivos, garantindo real efetividade e concretizando os fins buscados
pelo legislador.

O exercício dos direitos não pode ser efetuado de forma egoísta,


atendendo apenas o desejo de seu titular. Segundo a sistemática da função social,
todo exercício de um direito tem que ter um motivo justificado e não ferir o interesse
coletivo, pois caso contrário, estaria havendo abuso de direito, que é considerado
ato ilícito e está sujeito a indenização.

Com a Constituição Federal de 1988, o princípio da dignidade da


pessoa humana foi elevado a fundamento da República Federativa do Brasil e deste
modo, todo exercício de um direito tem que cumprir sua função social e garantir a
97

dignidade humana, que é alcançada no momento em que os direitos têm efetividade


e contribuem para a construção de uma sociedade livre, justa e solidária.

O antigo entendimento de que apenas o Estado deveria assegurar


os direitos fundamentais, cedeu lugar a essa nova visão, cujo caráter mais voltado
ao solidarismo, influenciado pelos direitos fundamentais de terceira dimensão, leva à
conclusão de que toda e qualquer pessoa deve respeitar e privilegiar a função social
de cada atividade, de cada instituto, de cada direito. Além disso, muitas atividades
delegadas à iniciativa privada têm por escopo prestações positivas de cunho social,
que remetem principalmente aos direitos fundamentais de segunda dimensão.

A atividade notarial, devido à peculiaridade de suas funções


específicas, encontra-se entre as atividades que têm grande responsabilidade na
manutenção da paz social, contribuindo sobremaneira para que os direitos
fundamentais sejam respeitados.

Desde o surgimento da atividade notarial os notários sempre


exerceram uma função social, já que tutelam administrativamente os interesses
privados, formalizando juridicamente a vontade das partes e garantindo a
autenticidade, eficácia, publicidade e segurança jurídica dos atos praticados.

Para que a atividade notarial possa ser exercida com eficiência, o


legislador previu características técnicas, das quais se destaca a fé pública que é a
qualidade de presunção legal de verdade, autenticidade ou legitimidade do que é
produzido no serviço notarial. Desta forma, o notário é depositário da fé pública “juris
tantum”, que é inerente à função exercida, sendo exteriorizada quando coloca seu
sinal ou declara que determinado ato jurídico foi praticado pelas partes com isenção
de fraude, dúvida ou suspeita.

A função social do notário brasileiro é uma característica


identificadora do notário do tipo latino.

De acordo com os ensinamentos de João Teodoro da Silva:

O notariado genuíno, identificado como notariado de tipo latino,


firmou prestígio como instituição que se destina a garantir
98

publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos,


que congrega profissionais do direito dotados de fé pública para o
exercício de função pública concernente à tutela administrativa de
interesses privados, quais sejam os estabelecíveis ou declaráveis
sem controvérsia judicial68 .

Cumpre ressaltar, que a atividade notarial nem sempre foi exercida


com a efetividade, imparcialidade e transparência que se observa nos dias atuais.
Na Idade Média, época do feudalismo, prevaleceu a nomeação de notários por
critérios políticos, o que levou à nomeação de pessoas despreparadas para o
cumprimento das funções, dando início à degradação da atividade, cuja
recomposição ocorreu apenas no Século XIII, na Universidade de Bolonha, na Itália.

O atual notário brasileiro é um profissional do Direito, muito mais


preparado para o desempenho de sua importante missão. A exigência de concurso
público, realizado pelo Poder Judiciário e atualmente, principalmente após o início
da fiscalização externa pelo Conselho Nacional de Justiça, tem selecionado
excelentes profissionais, com vasto conhecimento jurídico para o bom desempenho
da função. Outro fator essencial é o reconhecimento de uma maior autonomia dos
notários para o exercício da atividade, fato este, que proporciona melhores
condições para fiscalizar e intervir nos atos em que se verifica a existência de
tentativa de fraude ou qualquer outro vício que possa macular a qualidade do
negócio jurídico para o qual é chamado a instrumentalizar.

Desta forma, o notário possui o respaldo legal para o exercício da


atividade notarial assegurando os direitos fundamentais do homem, em especial a
dignidade da pessoa humana e com a nova roupagem dos direitos imposta pela
nova ordem constitucional a função social inerente à atividade notarial foi
potencializada e deverá ser observada por todos os profissionais dessa área.

Para o exercício da função social o notário deve além de cumprir o


que está descrito em lei, dando efetividade ao princípio da legalidade, enxergar o

68 SILVA, João Teodoro da. Função notarial da atualidade: importância e forma de atuação do notário.
Instituto de Educação Continuada da Pontificia Universidade Católica do Estado de Minas Gerais.
Belo Horizonte: 2004, p. 2.
99

aspecto teleológico da norma e atender aos fins econômicos e sociais das relações
jurídicas, buscando sempre garantir os direitos fundamentais.

Ao receber os interessados para formalização de um negócio


jurídico, compete ao notário, inicialmente, as seguintes atribuições:

g) ouvir das partes qual negócio jurídico pretendem realizar;


h) analisar todos os elementos intrínsecos e extrínsecos levados
pelos particulares;
i) identificar a real vontade das partes;
j) atentar se algum deles não está consciente das conseqüências
do ato que pretende realizar;
k) dar seu parecer jurídico sobre o ato que se pretende concretizar.

Sendo o negócio jurídico lícito, não havendo vício aparente e


cumpridas todas as exigências legais, compete ao tabelião instrumentalizar o ato
pela forma mais condizente com o sistema jurídico-normativo. No entanto,
identificando qualquer vício, seja do consentimento de uma das partes ou quanto à
ilicitude do que se pretende obter, compete ao tabelião intervir, de forma imparcial e
em nome da lei, para indicar às partes a maneira correta de se proceder ou, diante
da recusa das partes ou de sua impossibilidade, negando-se a utilizar o seu sinal
dotado de fé pública estatal para acobertar negócios irregulares.

Essa função interventora do notário se justifica e não pode ser


confundida como “atividade policial do Estado”, pois isso é feito no exclusivo
interesse das partes, com base na justiça contratual. Em face da nova teoria
contratual, os negócios jurídicos ganharam uma nova dimensão, devendo ser
assegurada na relação contratual a autonomia da vontade, que precisa ser exercida
de forma racional, para garantir que o hipossuficiente possa expressar sua vontade.

A função notarial também é uma atividade acautelatória de litígios,


pois o notário atua preventivamente na busca da tutela dos direitos subjetivos dos
particulares, evitando futuros conflitos que acabam em longas contendas judiciais.
100

A função social do notário transcende o âmbito das partes


envolvidas na relação jurídica e ele tem como atividade precípua garantir a
funcionalização dos institutos do direito.

5.4.1Responsabilidade social

Com as transformações sócio-econômicas e culturais ocorridas nos


últimos 20 anos, nasceu um novo conceito de atuação dos profissionais de todas as
áreas, e não podia ser diferente com os profissionais da área notarial e registral.

Trata-se da responsabilidade social, que pode ser colocada em


prática na comunidade em que o notário exerce seu mister.

Os notários e registradores por terem uma participação expressiva


na vida da sociedade também possuem uma grande responsabilidade social, tanto
em cidades grandes como nas pequenas cidades.

Em que pese o conceito mais antigo de responsabilidade social


estar ligado à transparência dos atos praticados em uma empresa ou na serventia
notarial e de registro, atualmente o conceito de responsabilidade social está bem
mais ampliado.

Contudo, não se deve confundir responsabilidade social com


filantropia, já que na primeira não se busca apenas um bem estar desinteressado,
pois, procura-se conciliar a realização de medidas para garantir o bem estar da
sociedade com a otimização da atividade exercida. É o exercício do bem gerando
frutos para a própria atividade.

A responsabilidade social é o exercício de uma atividade da maneira


mais transparente possível, garantindo o amplo acesso das pessoas ao conteúdo do
acervo da serventia, sempre atuando em conjunto com outras instituições, firmando
parcerias para beneficiar toda a população e também para otimizar o serviço,
tornando-o acessível à todos, como é o caso das parcerias firmadas para
implantação da Infraestrutura de Chaves Públicas nos cartórios.
101

O exercício da atividade com responsabilidade social tem caráter


distributivo, pois seus efeitos serão propagados por toda sociedade e não ficam
restritos apenas a quem foi beneficiado com o exercício dessa responsabilidade
social.

A finalidade da responsabilidade social é o desenvolvimento


sustentável de toda a sociedade, seja no setor social, econômico e ambiental,
garantindo que não ocorra a escassez dos recursos.

O exercício na prática da responsabilidade social pelo notário ou


registrador deverá ser feito de maneira a não desrespeitar as previsões legais sobre
a atividade e também não podendo modificar a natureza jurídica de serviço público
prestado por particular.

O primeiro ponto a ser analisado é a instrução e a profissionalização


dos funcionários da serventia. Por serem contratados pelo regime da CLT, o notário
e o registrador tem grande mobilidade para criar mecanismos de incentivo ao estudo
e à profissionalização, como a concessão de bolsas escolares, realização de
convênios com instituições de ensino para obtenção de descontos para os
funcionários das Unidades de Serviço Notarial e Registral.

O notário ou registrador pode ainda, para fomentar o estudo, fazer


em sua serventia uma biblioteca para que todos os funcionários possam ter acesso
a livros, inclusive os mais carentes, que provavelmente não teriam condições de
comprar livros sem prejuízo de seu próprio sustento.

Comprometimento do titular da serventia em discorrer sobre


assuntos controvertidos ou complexos com seus funcionários e também com os
usuários do serviço para aclarar essas questões.

Com essas medidas o notário e o registrador, além de contribuir para


o crescimento pessoal e profissional de seus funcionários, proporcionando uma
inclusão social, também torna o trabalho realizado na serventia mais eficiente.

Outra conduta que o notário e o registrador podem ter é a


organização de mutirões com os funcionários da serventia para a realização de
102

ações sociais ou ainda ambientais, da prefeitura ou outro órgão, promovendo além


do bem para a sociedade, uma maior interação entre os funcionários.

Sempre que o notário ou registrador no exercício de sua função


vislumbrar violação de direitos, ainda que alheia ao seu campo de atuação deverá
ter uma postura ativa e informar as autoridades competentes para serem tomadas
as medidas cabíveis. Em especial deverá levar informações para o membro do
Ministério Público que é o fiscal da lei, para que ingresse com Ação Civil Pública,
quando necessário.

Para ajudar na preservação do meio ambiente o notário ou


registrador poderá prestar orientação para toda a sociedade sobre a legislação
ambiental, por meio de palestras ou até mesmo individualmente para quem tenha
alguma dúvida. Poderá contribuir ainda, adotando uma política de economia de
papel e também um sistema de reciclagem do papel utilizado nos ofícios.

O incentivo ao estudo, profissionalização e realização de projetos


sociais e ambientais contribui sobremaneira para o crescimento pessoal e com uma
satisfação interior todos exercem seu mister de forma mais prazerosa, melhorando a
qualidade de vida de todos.

Os notários e registradores são profissionais que atuam de forma


decisiva na vida das pessoas, deste modo, uma atuação ética em todas as
atividades praticadas na serventia viabiliza uma boa interação dos titulares dos
ofícios notariais e registrais com os seus funcionários, com o Estado, com o meio
ambiente, com os usuários do serviço e de uma forma geral, com toda a
comunidade. A responsabilidade social exercida em prol da sociedade é
recompensada pela confiança depositada nesses profissionais.

Não há uma limitação fixa para a responsabilidade social, já que as


necessidades sociais são ditadas pela evolução humana. A responsabilidade social
transcende o conceito de postura legal da serventia, que cumpre corretamente os
dispositivos legais, que paga corretamente todos os impostos, transcende o conceito
de filantropia ou apoio à comunidade.
103

Muito se discute acerca da amplitude da responsabilidade social das


serventias notariais e de registro, mas atualmente ela deve ser exercida por todos,
pessoas físicas ou jurídicas, prestadoras de serviços públicos ou privados, desde
que respeitados as disposições legais sobre a atividade, pois vai além do âmbito
econômico, ultrapassa fronteiras e atualmente é uma necessidade de sobrevivência
da população.

Com o novo modelo de Estado surgiu um processo de evolução


social fundada no solidarismo, na fraternidade, de forma que todos garantem o
desenvolvimento sustentável da sociedade. Esse processo está em fase avançada
em muitos países e em outros está apenas começando, mas aos poucos está
propagando por todo o mundo.

O que se espera dos registradores e notários é uma nova postura,


fundada em valores éticos contribuindo para a construção de uma sociedade justa,
onde todos tenham seus direitos garantidos e não apenas teoricamente. A postura
esperada deve ser ativa de verdadeiro compromisso social, buscando solucionar
necessidades públicas que já não são mais um problema apenas do Estado.
104

CONCLUSÃO

Com o presente trabalho procurou-se demonstrar de forma clara os


verdadeiros contornos da atividade notarial, mostrando seus principais aspectos
através de uma análise detalhada e seguindo a cronologia da evolução histórica
desta atividade.

Inicialmente, foi identificado seu surgimento nas sociedades da


antiguidade, em face das necessidades sociais. Foram destacadas suas principais
características, tão diferentes da atual realidade e de forma cronológica foram
estudadas as mudanças ocorridas na atividade notarial, que moldaram o notário dos
dias atuais.

Em que pese às profundas mudanças ocorridas na atividade notarial


e na figura do notário, importante destacar sua imensurável contribuição para toda a
humanidade. No início dos tempos uma contribuição de cunho histórico, em face de
sua função de historiador, relatando importantes fatos e perpetuando-os, permitindo
dessa forma, que se pudesse entender melhor a história de um povo. Por algum
tempo essa classe foi desprestigiada por funcionar como um instrumento de
satisfação de interesses políticos e pessoais, atuando de forma parcial, atendendo a
interesses escusos, maculando a sua imagem. E atualmente está ganhando
prestígio novamente, com a implantação da seleção dos notários por concurso,
conforme reza nossa Constituição Federal.

Os notários atuais são profissionais muito bem preparados


juridicamente e conscientes de seu papel diante da comunidade. Seu ofício não
deve ater-se mais à letra da lei, deve se moldar à sociedade que atua e cumpre ao
notário fazer um trabalho que vai além dos limites legais.
105

O notário atual deve ir além do cumprimento da lei. Deve conseguir


fazer um trabalho além dos limites legais, sem, contudo descumprir os princípios da
legalidade, segurança jurídica e dignidade da pessoa humana, fundamentos básicos
de todo ordenamento jurídico.

Os princípios norteadores da atividade notarial são as diretrizes do


notário e o seu cumprimento viabiliza o bom exercício da função notarial. Por isso,
tão importante o estudo do alicerce do direito notarial, para a boa compreensão de
todo o sistema informador da atividade.

O princípio da fé pública foi estudado desde a sua origem, no início


uma fé de cunho religioso passando por suas modificações até a formatação da fé
pública atual e neste momento analisada sua ligação umbilical com o direito notarial,
na verdade, o principal instrumento do notário.

O estudo da segurança jurídica e da dignidade da pessoa humana


possibilitou o entendimento da importância da atividade no cenário sócio-econômico.

Com o novo modelo de Estado Social e com toda a disposição


jurídica de nossa Constituição Federal a atividade notarial deve estar voltada para a
garantia da dignidade da pessoa humana, considerado um princípio supranormativo,
que se amolda de acordo com as evoluções sociais.

Para garantir a dignidade da pessoa humana o notário deve


assegurar o cumprimento de todos os princípios informadores do sistema jurídico e
em especial os princípios da função notarial.

Um dos principais instrumentos para assegurar a dignidade da


pessoa humana é o exercício da função social do notário, considerado um princípio
norteador não só da atividade notarial, mas de todo ordenamento jurídico. O objetivo
do exercício da função social é plena realização da cidadania e da dignidade da
pessoa humana.

O notário que já era importante peça na consecução da justiça


social, com a “Constituição Cidadã” ganhou mais insumo para o desempenho de
uma atividade de inestimável importância para toda sociedade.
106

Cumprindo sua função social o notário garante a função social de


outros institutos de direito, como a função social do contrato, peça chave para a
circulação de riquezas e desenvolvimento econômico do país. Por isso, pode-se
dizer que a atividade notarial está intimamente ligada à soberania de um Estado.

Porém, a atividade que deve ser desempenhada pelo notário


ultrapassa os limites jurídicos e avança no campo social. O notário atual além de
cumprir sua função social de aconselhamento, de prevenção de litígios, de
garantidor dos direitos das partes, em especial dos hipossuficientes, de equilíbrio
dos contratos, deve desempenhar um novo papel na sociedade, de cunho mais
humanitário.

Trata-se da responsabilidade social, instrumento necessário para o


desenvolvimento sustentável de toda a sociedade.

A responsabilidade social do notário é a atuação deste profissional


visando ao interesse público, social, ambiental e econômico.

Os notários podem ser considerados co-responsáveis pelo


desenvolvimento da sociedade, com o fomento dos estudos, com a formação
acadêmica e a profissionalização de seus funcionários, realização de projetos
sociais, que também tem o condão de otimizar até a própria gestão da serventia.

Em suma, o presente trabalho teve como objetivo traçar as


características da atividade notarial e os contornos do próprio notário para fomentar
o estudo dessa atividade tão nobre e desta forma, fazer com que toda sociedade
entenda e enxergue esses profissionais como peças essenciais no cenário jurídico e
não meros profissionais de atividades administrativas burocráticas, que tem como
único fim dificultar a vida das pessoas, fomentando o estudo dessa atividade tão
nobre. Entretanto, o objetivo dessa dissertação ultrapassa os limites legais da
atividade notarial e procura demonstrar que o notário, além de ser importante
instrumento na área jurídica, também tem um importante papel na sociedade,
enaltecendo ainda mais esses profissionais.
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