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José
E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?
E agora, José?
Sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio — e agora?
Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José!
José, para onde?
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Primeira estrofe
E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?
Ele começa colocando uma questão que se repete ao longo de todo o poema, se
tornando uma espécie de refrão e assumindo cada vez mais força: "E agora, José?".
Agora, que os bons momentos terminaram, que "a festa acabou", "a luz apagou", "o
povo sumiu", o que resta? O que fazer?
Quando o autor repete a questão, e logo depois substitui "José" por "você",
podemos assumir que está se dirigindo ao leitor, como se todos nós fossemos
também o interlocutor.
É um homem banal, "que é sem nome", mas "faz versos", "ama, protesta", existe e
:
resiste na sua vida trivial. Ao mencionar que este homem é também um poeta,
Drummond abre a possibilidade de identificarmos José com o próprio autor.
Coloca ainda um questionamento muito comum na época: para que serve a poesia
ou a palavra escrita num tempo de guerra, miséria e destruição?
Segunda estrofe
Repete que "a noite esfriou" e acrescenta que "o dia não veio", como também não
veio "o bonde", "o riso" e "a utopia". Todos os eventuais escapes, todas as
possibilidades de contornar o desespero e a realidade não chegaram, nem mesmo o
sonho, nem mesmo a esperança de um recomeço. Tudo "acabou", "fugiu", "mofou",
:
como se o tempo deteriorasse todas as coisas boas.
Terceira estrofe
E agora, José?
Sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio — e agora?
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Lista o que é imaterial, próprio do sujeito ("sua doce palavra", "seu instante de
febre", "sua gula e jejum", "sua incoerência", "seu ódio") e, em oposição direta,
aquilo que é material e palpável ("sua biblioteca", "sua lavra de ouro", "seu terno de
vidro"). Nada permaneceu, nada restou, sobrou apenas a pergunta incansável: "E
agora, José?".
Quarta estrofe
O sujeito lírico não sabe como agir, não encontra solução frente ao
:
desencantamento com a vida, como se torna visível nos versos "Com a chave na
mão / quer abrir a porta, / não existe porta". José não tem propósito ou lugar no
mundo.
Não existe nem mesmo a possibilidade da morte como último recurso - "quer
morrer no mar, / mas o mar secou" - ideia que é reforçada mais adiante. José é
obrigado a viver.
Com os versos "quer ir para Minas, / Minas não há mais", o autor cria outro indício da
possível identificação entre José e Drummond, pois Minas é a sua cidade natal. Já
não é possível voltar ao local de origem, Minas da sua infância já não é igual, não
existe mais. Nem o passado é um refúgio.
Quinta estrofe
Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse...
Mas você não morre,
você é duro, José!
Mais uma vez, é destacada a ideia de que nem mesmo a morte é uma resolução
plausível, nos versos: "Mas você não morre / Você é duro, José!". O reconhecimento
da própria força, a resiliência e a capacidade de sobreviver parecem fazer parte da
:
natureza deste sujeito, para quem desistir da vida não pode ser opção.
Sexta estrofe
Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José!
José, para onde?
Ainda assim, "você marcha, José!". O poema termina com uma nova questão: "José,
para onde?". O autor explicita a noção de que este indivíduo segue em frente,
mesmo sem saber com que objetivo ou em que direção, apenas podendo contar
consigo mesmo, com o seu próprio corpo.
O verbo "marchar", uma das últimas imagens que Drummond imprime no poema,
parece ser muito significativo na própria composição, pelo movimento repetitivo,
quase automático. José é um homem preso à sua rotina, às suas obrigações,
afogado em questões existenciais que o angustiam. Faz parte da máquina, das
engrenagens do sistema, tem que continuar suas ações cotidianas, como um
soldado nas suas batalhas diárias.
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:
Mesmo assim, e diante de uma visão de mundo pessimista, os últimos versos
sugerem um vestígio de esperança ou de força: José não sabe para onde vai, qual o
seu destino ou lugar no mundo, mas "marcha", sobrevive, resiste.
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