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Interpretação

do
poema "José "
-Carlos Drummond
A Luz do Novo Estado
Principais
características
do novo estado:
— A principal característica —Na área econômica, o — O Estado Novo valorizou
do Estado Novo foi o Estado Novo se a cultura nacional e sua
autoritarismo. Isso se caracterizou pela produção artística. Por
materializou na Constituição intervenção do Estado na isso, as músicas exaltavam
de 1937, que legitimou as economia por meio de as belezas da nação, como
ações centralizadoras do incentivos às indústrias de o cantor e compositor Ary
governo. Getúlio Vargas, logo base e da nacionalização Barroso fez em Aquarela
após a instalação do Estado da economia, primando do Brasil. A cantora
Novo mediante um golpe, pelo capital nacional. As Carmen Miranda se tornou
governou o país com amplos questões sociais estavam grande símbolo desse
poderes. Apesar dessa diretamente ligadas às período ao ser a primeira
característica autoritária, o decisões do Poder artista brasileira a fazer
Estado Novo se apresentou à Executivo, sendo os sucesso nos Estados
opinião pública como um órgãos representativos Unidos, levando até lá as
governo que atendida às de classe uma parte do cores, as danças e as
demandas da classe governo. músicas do Brasil.
trabalhadora.
Poema Jose:
E agora, José? Está sem mulher,
A festa acabou, está sem discurso,
a luz apagou, está sem carinho,
o povo sumiu, já não pode beber,
a noite esfriou, já não pode fumar,
e agora, José? cuspir já não pode,
e agora, você? a noite esfriou,
você que é sem o dia não veio,
nome, o bonde não veio,
que zomba dos o riso não veio,
outros, não veio a utopia
você que faz versos, e tudo acabou
que ama, protesta? e tudo fugiu
e agora, José? e tudo mofou,
e agora, José?
E agora, José? Se você gritasse,
Sua doce palavra, se você gemesse,
seu instante de febre, se você tocasse
sua gula e jejum, a valsa vienense,
sua biblioteca, se você dormisse,
sua lavra de ouro, se você cansasse,
seu terno de vidro, se você morresse...
sua incoerência, Mas você não morre,
seu ódio — e agora? você é duro, José!

Com a chave na mão Sozinho no escuro


quer abrir a porta, qual bicho-do-mato,
não existe porta; sem teogonia,
quer morrer no mar, sem parede nua
mas o mar secou; para se encostar,
quer ir para Minas, sem cavalo preto
Minas não há mais. que fuja a galope,
José, e agora? você marcha, José!
José, para onde?
Interpretação
do poema:
1° estrofe
Ele começa colocando uma questão que Quando o autor repete a questão, e logo depois
se repete ao longo de todo o poema, se substitui "José" por "você", podemos assumir que
tornando uma espécie de refrão e está se dirigindo ao leitor, como se todos nós
assumindo cada vez mais força: "E fossemos também o interlocutor.
agora, José?". Agora, que os bons É um homem banal, "que é sem nome", mas "faz
momentos terminaram, que "a festa versos", "ama, protesta", existe e resiste na sua
acabou", "a luz apagou", "o povo sumiu", o vida trivial. Ao mencionar que este homem é
que resta? O que fazer? também um poeta, Drummond abre a
Esta indagação é o tema e o motor do possibilidade de identificarmos José com o
poema, a procura de um caminho, de um próprio autor.
sentido possível. José, um nome muito Coloca ainda um questionamento muito comum
comum no Brasil, pode ser entendido na época: para que serve a poesia ou a palavra
como um sujeito coletivo, símbolo de um escrita num tempo de guerra, miséria e
povo. destruição?
2° estrofe
Aqui se reforça a ideia de vazio, de ausência e carência:
está sem "mulher", "discurso" e "carinho". Também refere
que já não pode "beber", "fumar" e "cuspir", como se seus
instintos e comportamentos fossem vigiados, como se não
tivesse liberdade para fazer o que tem vontade.

Repete que "a noite esfriou" e acrescenta que "o dia não
veio", como também não veio "o bonde", "o riso" e "a utopia".
Todos os eventuais escapes, todas as possibilidades de
contornar o desespero e a realidade não chegaram, nem
mesmo o sonho, nem mesmo a esperança de um
recomeço. Tudo "acabou", "fugiu", "mofou", como se o
tempo deteriorasse todas as coisas boas.
3° estrofe

Lista o que é imaterial, próprio do sujeito ("sua


doce palavra", "seu instante de febre", "sua gula e
jejum", "sua incoerência", "seu ódio") e, em oposição
direta, aquilo que é material e palpável ("sua
biblioteca", "sua lavra de ouro", "seu terno de
vidro"). Nada permaneceu, nada restou, sobrou
apenas a pergunta incansável: "E agora, José?".
4° estrofe
O sujeito lírico não sabe como agir, não encontra solução frente ao
desencantamento com a vida, como se torna visível nos versos "Com a chave
na mão / quer abrir a porta, / não existe porta". José não tem propósito ou
lugar no mundo.

Não existe nem mesmo a possibilidade da morte como último recurso - "quer
morrer no mar, / mas o mar secou" - ideia que é reforçada mais adiante. José
é obrigado a viver.

Com os versos "quer ir para Minas, / Minas não há mais", o autor cria outro
indício da possível identificação entre José e Drummond, pois Minas é a sua
cidade natal. Já não é possível voltar ao local de origem, Minas da sua infância
já não é igual, não existe mais. Nem o passado é um refúgio.
5° estrofe

O trecho coloca hipóteses, através de pretérito imperfeito do


subjuntivo, de possíveis maneira de escapar ou de se distrair
("gritasse", "gemesse", "morresse") que não se concretizam.
Essas ações são interrompidas, ficam em suspenso, o que é
marcado pelo uso das reticências.

Mais uma vez, é destacada a ideia de que nem mesmo a


morte é uma resolução plausível, nos versos: "Mas você não
morre / Você é duro, José!". O reconhecimento da própria
força, a resiliência e a capacidade de sobreviver parecem
fazer parte da natureza deste sujeito, para quem desistir da
vida não pode ser opção.
6° estrofe
No verso "Sozinho no escuro / Qual bicho-do-mato" é
evidente seu isolamento total. Já em " sem teogonia" a ideia é
a de que não há Deus, não existe fé nem auxílio divino. "Sem
parede nua / para se encostar": sem o apoio de nada nem de
ninguém; "sem cavalo preto / que fuja a galope" traz a falta
de um meio de fugir da situação em que se encontra.

Ainda assim, "você marcha, José!". O poema termina com


uma nova questão: "José, para onde?". O autor explicita a
noção de que este indivíduo segue em frente, mesmo sem
saber com que objetivo ou em que direção, apenas podendo
contar consigo mesmo, com o seu próprio corpo.
Agradeço!

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