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RESUMOS- HISTÓRIA DO DIREITO PORTUGUÊS

Professora Teresa Morais

Livros:

- História do Direito Português Volume I

- História do Direito Português Tomo II

- História do Direito Português Volume II

Elementos de avaliação

Participação e oralidade- 50%

Teste escrito- 50%

Trabalho de Responsabilidade Social (se houver 10%)

03.03

Pág. 9, volume I, HDP- Ruy de Albuquerque

Questões metodológicas, em que a mais importante tem haver com a


periodificação.
Em fundamentos falamos sobre as vantagens e inconvenientes de periodificar e
na subjetividade da periodificação.
As vantagens seriam a didaticidade, isto é, a periodificação tem uma vertente
didática, ou seja, facilita a exposição das matérias por um lado e facilita a
aprendizagem por outro, facilita a integração do conhecimento numa estrutura
base que são os períodos que estabelecemos para estudar uma determinada
realidade.

Pág.9 HDP Ruy Albuquerque “É um lugar-comum da historiografia a observação


do caráter meramente instrumental e didático de qualquer periodificação…

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Periodificar significa aceitar datas-barreiras, separando em função de certos
eventos delimitadores de épocas e usando para isso factos históricos, é como o
estabelecimento de uma compartimentação- embora a realidade histórica nunca
se detenha no seu desenvolvimento cronológico. A vida processa-se de forma
contínua, sem cesuras.”, portanto reconhece o caráter instrumental e didático da
periodificação, mas soa mesmo tempo, vai-se logo dizendo que estabelece
compartimentos numa realidade que não os tem, isto é, a vida processa-se de
uma forma contínua, sem cesuras, sem fixuras, a periodificação introduz estes
cortes.
Ao falarmos disto, já passamos para a desvantagens da periodificação.
Neste aspeto das vantagens e inconvenientes temos de um lado o facto de
termos um instrumento, de escolhermos uma forma de apresentação da matéria
que facilita a sua exposição e a sua compreensão; nas desvantagens temos o
facto de que a mesma introduz datas-barreiras por uma razão didática em que a
realidade não tem. A esta desvantagem os autores denominam de artificialismo
da periodificação. Outra desvantagem é o subjetivismo da periodificação, isto é,
cada autor escolhe os factos que pretendem periodificar, factos que consideram
relevantes.
Independentemente do livro pelo qual estudarmos, vamos encontrar
periodificações diferentes, assim como critérios de periodificação diferentes, uns
atendendo sobretudo às fontes, outro atendendo às instituições, critérios
políticos, critérios estritamente jurídicos, critérios jurídico-políticos…
Um exemplo de um critério político, o professor Marcelo Caetano, dividia a
história do direito português por reinados (o que aconteceu no reinado de D.
Afonso Henriques, D. Sancho I, D. João I, D. Pedro…).
A maior parte dos autores preferem os critérios jurídicos e outros os critérios
estritamente jurídicos, visto que não acham os critérios políticos os mais
adequados para periodificar.
Um exemplo de um critério jurídico interno, critério jurídico que atenda aos
institutos que compõem o direito, ou um critério jurídico externo, critério jurídico
que atende às fontes do direito, por exemplo, do séc. XI ao séc XIII, período de
formação consuetudinária, período que atende à fonte mais importante da época
que é o costume; o período seguinte é o período do aparecimento e do
desenvolvimento da lei, se fossemos por este critério íamos escolher as fontes

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de direito mais importantes em cada época e seria com base nas fontes de direito
que nós escolhíamos o critério.
O critério usado pelos nossos autores (Ruy e Martim de Albuquerque) é um
critério misto, que por um lado atende à evolução do direito e por outro lado
atende aos factos políticos considerados relevantes e com impacto na história
jurídica.
O critério que vamos adotar é um critério misto que atende à evolução do direto,
mas também aos factos políticos que influenciaram a evolução do direito.
O resultado deste critério leva à adoção da divisão da história em dois grandes
períodos pluralismo e monismo, sendo que este último se subdivide em monismo
formal e monismo material.
Resumindo, o pluralismo e o monismo é uma periodificação que resulta da
aplicação do critério misto.

Os Albuquerque escolheram factos que entendem que são juridicamente


relevantes e são esses factos que escolhem em termos cronológicos para
delimitar estas épocas.
O primeiro facto relevante para estabelecer os limites da primeira época,
denominada por PLURALISMO JURÍDICO, é a Fundação da Nacionalidade
(séc. XII), em 1179.
Primeiro período pluralista: inicia-se com a fundação da nacionalidade (1143,
com o tratado de Zamora [data relevante interna] ou 1179, independência de
Portugal com a bula pontífice manifestis probatum outorgada pelo Papa [Papa
reconheceu D. Afonso Henriques (Dux) como "rex" e Portugal passou a ser um
reino independente]).

04.03

Periodificação adotada por Ruy de Albuquerque, de acordo com o critério misto,


atende simultaneamente á vertente política dos factos, mas também às suas
consequências a todos os níveis, incluindo ao nível do direito; utilizando este
critério os professores de Albuquerque estabelecem a existência de 2 grandes
períodos na história do direito português:

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• Período Pluralista- da fundação da nacionalidade até 1415
• Período Monista- de 1415 até aos nossos dias, com uma divisão em 1820

1415- Conquista de Ceuta

Para os professores de Albuquerque 1415 é uma data simbólica, pois simboliza


a entrada numa nova era que afinal a era da expansão/era oceânica da história
portuguesa, portanto é o início da expansão portuguesa para fora do seu
território continental. Este facto é político, mas é também uma data que simboliza
uma mudança que vai acontecer a vários níveis, a nível económico pelos
impactos que esta expansão vai ter, a nível social porque a expansão política e
económica fez ascender umas classes e retrair outras e a nível jurídico porque
a médio prazo com a centralização do poder que se deu em boa parte por causa
da epopeia dos descobrimentos os monarcas assumiram um papel mais central
e reivindicaram para si o papel de legisladores e portanto já vinham legislando
no período pluralista de forma mais avulsa, mas a partir desta altura a lei passa
a ser a principal fonte de direito e vai-se afirmar assim ao longo de todo o período
monista cada vez mais. Assim sendo, os próprio Albuquerque explicam a escolha
desta data precisamente por ser uma data que encerra em si um conjunto de
causas e consequências que é a maneira de tentar reduzir o inconveniente do
subjetivismo na periodificação.

O professor Duarte Nogueira, prefere por exemplo escolher a data das


ordenações Afonsinas, porque prefere escolher para a transição entre o
pluralismo e monismo uma data que seja mais diretamente ligada à
transformação da ordem jurídica, à transformação do direito e por isso há quem
prefira ao invés da data 1415 a data das ordenações Afonsinas que é de 1446.

1820- Data eminentemente política, porque envolve uma transformação também


política que vem a ter impacto no direito, designadamente com o aparecimento
da 1ª Constituição e a partir daqui o direito evolui com uma base codificada e a
ritmos diferentes, consoante se trata de direito público ou de direito privado.
Marca uma separação entre o monismo que se designa de formal e o monismo
que depois disso se afirma como material.

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No monismo formal, significa que a lei já se afirma como sendo a fonte
predominante, já existe formalmente uma prevalência da lei, mas a lei ainda não
consegue chegar a tudo, portanto ainda existem outras fontes de direito que se
aplicam durante esta primeira parte do período monista; até que a dado
momento, não só a lei se afirma como fonte principal, como na prática dispensa
já a existência das outras fontes de direito, ou seja, aqui fica consumada uma
forma completa de monismo que é formal e material, porque inclusivamente hoje
em dia vivemos num sistema monista em que a própria lei codificada nos diz
como é que a lei deve ser interpretada e também nos diz como é que devem ser
integradas as lacunas da lei (CC).
Podemos fazer um paralelismo no que diz respeito ao pluralismo e monismo,
como vimos a pluralidade de fontes que existia no direito romano até
determinada altura, designadamente até ao Principado, e depois a concentração
de poder na mão do príncipe que torna as Constituições Imperiais como a
principal fonte de direito; a certa altura deixa de ser a principal e passa a ser a
ÚNICA. No final desta evolução política, quando falamos do Dominado já
dizemos que as CI são o único direito novo, isto é, nenhuma outra fonte de direito
é criada a não ser as CI (os mores maiorum, a jurisprudência, os
senatusconsultus, o edicto do pretor…ficaram para trás).
Assim, vemos um paralelo na evolução que se pode estabelecer com clareza
entre a evolução das fontes que se deu no direito romano e a evolução das fontes
de direito a que vamos assistir no direito português, desde a fundação da
nacionalidade (séc. XII) até à atualidade, sendo que para nós a atualidade vai
parar no movimento geral da codificação, no séc. XIX.
No pluralismo, existe uma diversidade de fontes de direito, mas também existe
uma diversidade de instituições com proveniências diversas, isto é, nós sabemos
que na Península Ibérica, quando os romanos chegaram não encontraram a
Península Ibérica desabitada, portanto, existiam povos anteriores aos romanos.
Entretanto, os romanos ficaram por cá muitos séculos e depois disso vieram os
Visigodos. Depois da dominação dos visigodos vieram os Mouros.
A invasão da Península Ibérica deu-se em 711 e quando chegamos a 1143,
reparamos que existiram imensos antecedentes relativamente à formação das
instituições jurídicas que se iam verificando e desenvolvendo neste espaço
geográfico; tínhamos tido o elemento primitivo ou pré-romano, o elemento

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romano, o elemento germânico, o elemento visigodo e quando se dá o momento
da independência de Portugal estava em curso um Movimento de Reconquista,
a que se chamou RECONQUISTA CRISTÃ.
Este movimento da reconquista do Norte para o Sul do país é um movimento
desencadeado por uma população que é mista e que já tem em muitos casos
uma ligação às várias camadas anteriores, com a predominância do elemento
germânico, que eram os últimos. Portanto, são os descendentes dos visigodos
que desencadeiam o movimento da reconquista cristã, que demora alguns
séculos.
Portanto, há aqui um substrato na formação da população que a partir do séc.
XII se vai dizer que é a portuguesa e que na prática tem influência de todas estas
camadas que se foram sobrepondo, sendo que a última delas é a muçulmana e
que teve uma particular influência do Centro para o Sul do país, porque no Norte
não ficaram muito tempo, nem chegaram muito lá a cima, mas a partir de certa
altura demorou até meados do séc. XIII à Reconquista do Algarve.
Concluindo, recebemos uma influência, não só pela mistura de povos de que
resultamos como também pela influência cultural de todas essas camadas; essa
influência cultural também se sentiu no plano jurídico, portanto, quando Portugal
nasce no séc. XII temos instituições no nosso direito, instituições essencialmente
consuetudinárias, isto é, ao nível do costume, porque não existe praticamente
direito legislado nas primeiras tribos, temos a influência desses elementos todos
(instituições que vêm do Direito Germânico, Direito Romano, Direito Muçulmano
residuais); a influência muçulmana foi maior na língua e noutros aspetos da
cultura do que no direito, porque o direito muçulmano era de aplicação
personalista, isto é, só se aplicava aos crentes na religião islâmica, não se
aplicava à restante população.
Isto para dizer que, o pluralismo não é apenas um pluralismo de fontes é também
um pluralismo de instituições, isto é, as instituições do período pluralista
correspondem a uma diversidade grande relativamente à sua origem, têm
diversas proveniências e para além das acima supramencionadas, podemos
juntar algumas pontuais como a influência franca, influência hebraica…tudo isto
contribuiu em menor ou maior escala para a formação do direito português.
Não é só ao nível das fontes do direito que devemos caraterizar o pluralismo, o
pluralismo é um período em que o jurista tem um papel muito importante; o

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pluralismo jurídico é chamado um período em que existe alguém que conduz o
direito; o jurista é considerado um cultor do direito sem fronteiras e nessa medida
o jurista diz-se conditor iuris (conduz o direito), ou seja, conduzia o direito com a
sua auctoritas. O jurista tem no período pluralista, um poder de criação de
soluções, um poder de verdadeiramente interferir nas soluções que o direito
português cria; depois no período monista essa característica e estatuto vai
desaparecer, até se diz no livro das lições que o jurista vai progressivamente
evoluir de jurista autoritário (auctoritas) para jurista burocrático, que aos poucos
vai sendo colocado aos serviços do fim do Estado. Esta evolução significa a
perda de auctoritas, relativamente ao jurista do período pluralista e a redução do
seu estatuto a um cargo de natureza consultiva e burocrática.
(Esta evolução tem paralelo com o direito romano)

A evolução das áreas do direito, muitas vezes não é sincrónica, isto é, não
acontece ao mesmo tempo e os factos políticos que estamos a mencionar,
nomeadamente a periodificação não tiveram as mesmas consequências ao nível
do direito público e do direito privado, de imediato. Por exemplo, 1415 (Conquista
de Ceuta) é uma data eminentemente política e militar, portanto não teve
imediatamente nenhum impacto jurídico, mas acabou por ter indiretamente, por
causa da centralização do poder que se deu para empreender a tarefa das
descobertas, o rei entendeu que a tarefa de legislar era dele e não devia estar
distribuída por outros órgãos (Cortes deixaram de ter significado e deixaram de
decidir durante muito tempo por causa da centralização do poder e com isto,
houve a desvalorização de uma assembleia representativa da nação). É este
centralismo do poder no rei que dá origem à desvalorização das restantes fontes
de direito e à criação de uma fonte que se vai tornar omnipresente que é a LEI.

HDP Vol I- Periodificação pág.8/9 (vantagens e inconvenientes), pág.13


(pluralismo e monismo), ou seja, pág. 8 a 40
Não damos a matéria da metodologia das páginas 41 a 91(justiça e direito
suprapositivo)

Capítulo I- A Justiça e o Direito Suprapositivo (pág.91)

7
A justiça é o valor primeiro do direito, é a expressão mais importante da
dimensão dos valores do direito; é o mais importante valor que o direito pretende
atingir. Justiça é o valor fundamental do direito no período pluralista.
Aqui estamos a falar no plano da teorização do direito e pertencem a este
período e ao período anterior mas com reflexo neste período, alguns teóricos do
direito que consideraram que o direito e a justiça eram inseparáveis e que a
justiça era o fundamento da vida social; dizia-se que a organização social no seu
todo teria de refletir a importância da justiça e que a mesma era próxima da ideia
de perfeição, mas não se podendo atingir a perfeição porque o homem erra, a
justiça estava então ligada aos conceitos de lei divina e de lei natural.
Pág.91, ponto 25, entende-se que a justiça era uma condição da própria vida
social, porque um direito injusto levaria ao seu não acatamento, isto é, a justiça
no direito é uma condição do seu acatamento voluntário e da convivência social
entre as pessoas; entendia-se que um direito justo seria um direito
voluntariamente acatado, e um direito injusto teria a resistência dos membros da
comunidade. Assim, a justiça acaba por se traduzir numa condição da vida
social, por outro lado a ordem social projeta na comunidade a condição dos seus
membros, ou seja, se um homem fosse justo também a sociedade seria justa,
mas se cada um não cultivasse em si próprio esta virtude, então o resultado seria
que a comunidade seria mais injusta. Por isto se diz que a justiça se traduzia
num Habitus Operativus Bonus (um hábito bom orientado para a ação), se as
pessoas queriam uma comunidade justa então deviam cultivar em si mesmos a
virtude da justiça, se cada pessoa cultivasse este hábito bom orientado para a
ação a comunidade seria mais justa.
Nesta altura, o pano de fundo em que nos vamos mover é esta convicção de que
o direito deve alcançar a justiça e que se os homens forem justos, justa será a
sociedade.
As consequências desta justiça, que é uma justiça universal é de que a
observância voluntária do direito acontece se houver a convicção de que o direito
é justo, sem esta atitude nenhuma ordem jurídica subsiste exclusivamente
imposta pela força, portanto a convicção é que a ordem jurídica tem de ser justa
para ser voluntariamente acatada, por outro lado havia manifestamente como
consequência desta teorização, uma ligação estreita entre a ciência do direito e
a moral, porque a justiça é simultaneamente um valor jurídico e moral.

8
A justiça que cada um deve cultivar, entendida como virtude, virtude que cada
pessoa deve cultivar em si própria para que o resultado seja uma sociedade mais
justa, mas a este conceito contrapõem-se o conceito de justiça particular.
A justiça particular baseia-se no princípio de que na relação de cada sujeito com
os outros deve ser dado a cada um aquilo que é seu, portanto é entendida como
um conjunto de virtudes que estão inerentes ao caráter de cada um e que deve
no caso concreto da relação do Homem com o seu semelhante levar a que cada
um receba aquilo que lhe é devido.

91 e 99 manual

o O jurista deixa de ser um prudente.

10.03

Justiça Universal ≠ Justiça Particular

Justiça Universal- Contribui para levar a pessoa a acatar voluntariamente as


normas e regras, em virtude de viverem numa sociedade justa, promove a
correção do carácter do sujeito e a particular consiste em atribuir a cada um o
que lhe é devido, que assenta na ideia de para além de uma necessidade que o
homem deve promover, deve também no relacionamento com outros, dar e
receber o que lhe é devido.

9
Foi considerada a síntese de todas as virtudes, entendia-se que se cada homem
cultivasse em si um conjunto de virtudes que fizessem dele um homem justo,
justa seria a sociedade em que ele se integrava.
Há autores que exemplificam algumas destas virtudes que se deviam encontrar
no homem justo designadamente, a paciência, a honestidade, a temperança, a
lealdade…
Intrasubjetiva, porque nesta modalidade de justiça o homem agia sobre si
próprio, alimentava em si as qualidades exigíveis ao homem justo, devia
trabalhar a sua própria ação no sentido de que ela resultasse num
comportamento justo.
A JU favorece a observância voluntária do direito para que o direito seja justo.
De acordo com Ulpiano a “justiça é a vontade constante e perpétua de dar a
cada um o que é seu”.

Justiça Particular- virtude especifica, virtude que se deve dar a cada um o que é
seu.
Intersubjetiva, não diz respeito só ao sujeito, diz respeito, manifesta nas relações
entre as pessoas.
O que é o seu a que cada um tem direito? Ao tentarem explicar o que é o “seu”
a que cada um tem direito, os autores pensaram como podiam definir este “seu”,
e, portanto, passou a haver várias modalidades de justiça, Justiça Comutativa, a
Justiça Distributiva…

Modalidades de Justiça (2 teorias possíveis):

Justiça Comutativa- aquela que devia existir nas relações entre particulares com
base num princípio de igualdade.
Num Negócio Jurídico, se compro um livro tenho de pagar o preço adequado; o
que é devido ao outro é o pagamento e o que me é devido a mim, é o livro. Se
não houver equivalência, então não há justiça comutativa.

Justiça Distributiva- ideia de proporção, não é justiça na ideia de troca, mas uma
ideia de proporção. Isto é, exige que cada um receba em função ou da
capacidade, necessidade, mérito…
Ex: quando os professores dão notas, é pelo mérito.

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Ex: Direito Fiscal e Direito Penal (quando um deve ser punido por os delitos que
cometeu)

Nesta tentativa de encontrar o “seu” que lhe era devido a cada um apareceram
outras classificações de Justiça, por exemplo, a obra castelhana do séc. XIII,
denominada de Sete Partidas/Siete Partidas, a JUSTIÇA aparece dividida em 3
partes:
Justiça Espiritual- aquilo que era devido a Deus pelos homens.
Justiça Política- o que se atribui à comunidade e pela comunidade aos seus
membros.
Justiça Contenciosa- o que se aplica à resolução dos conflitos (aplicada nos
tribunais).

Pág. 91 a 101

11.03

Trabalhos de RS

Pobreza nas crianças


Acesso das mulheres a lugares de decisão topo
Participação politica dos jovens
O direito à água
O acesso a educação nos países em vias de desenvolvimento

Ex: Imaginemos que vi os mesmos sair de casa e, portanto, sei que eles não
estão lá, entretanto vejo fumo a sair da janela do meu vizinho, e acho que tenho
de ir salvar a casa, mas como não tenho chave rebento a porta, entro com uma
mangueira, parto os bibelôs que há, inundo a casa toda e quando chego à
cozinha vejo uma vela acesa no parapeito da janela e que deita fumo pela janela;
quando descubro isto já destrui metade da casa, o que certamente não fiz foi
usar a diligência/equilíbrio de um pai de família faria.
Um bom bonus pater famílias tentaria entrar em contacto com os proprietários
ao invés de rebentar com a porta, se não conseguisse entrar em contacto ligaria

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aos bombeiros. Não fui uma boa bónus pater famílias, fui exagerada,
desproporcional e ainda poderei ser acusada de invasão de propriedade.

Concluindo, o modelo do bonus pater famílias desde sempre e hoje também,


serve para aferir a razoabilidade da conduta de alguém (Art.487º, nº2 CC).

Pág. 104, 119, 121, 135 ou 133 manual

O Direito existe para realizar, concretizar, e por causa da Justiça. Mas e se o


direito que existe por causa da justiça for injusto? E se o direito que existe para
realizar a justiça não se realizar? E se o direito que existe para concretizar a
justiça não o concretizar?
Ou o direito por definição é justo? Ou o direito injusto é válido, ou o direito injusto,
por ser injusto não é direito?
Houve momentos em que historicamente, direitos que foram produzidos em
contexto formalmente válidos foram postos em causa por serem considerados
contrários à justiça e ao direito natural. Exemplo disso, foi depois da 2ª Guerra
Mundial, pois estavam em causa crimes praticados depois da guerra, puseram-
se em causa depois da guerra algumas decisões, inclusive decisões legislativas
tomadas no período anterior; havia um direito produzido na Alemanha durante o
período Nazi que era formalmente válido, produzido pelas Assembleias e por
pessoas legitimamente, mas algum desse direito punha em causa outros direitos
(perseguição religiosa). Depois da guerra foram para o banco dos réus algumas
pessoas que defenderam e produziram esse direito, com o argumento “Há leis
que não são direito, e há direito acima das leis”. São poucas as pessoas que
continuam a achar que existe um direito acima das leis e que esse direito é o
direito natural; e que as leis que violam o direito natural não são verdadeiras leis,
são nulas.
Ou seja, o que se discutiu depois da 2ª Guerra Mundial foi se as leis que tinham
sido feitas na Alemanha eram válidas ou não, e se deviam ser punidos aqueles
que tendo feito ou executado aquelas leis tinham provocado um resultado
contrário aos direitos considerados natural e à justiça.
Nesta altura, defendeu-se e houve condenações, foi que se uma lei é injusta e
viola princípios de direito natural, então essa lei é injusta e uma lei injusta é

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inválida, ou seja, não é válido. Daqui saiu a ideia de que “Há leis que não são
direito, e há direito acima das leis”.

O Direito Suprapositivo, é um ordenamento que os juristas medievais colocavam


acima do direito positivo. Esse direito situa-se não apenas no direito humano,
mas numa realidade que ultrapassava o homem e que se colocava ao nível de
Deus. Assim, o direito suprapositivo é o direito divino e o direito natural.
Este conceito na Idade média aparece referido ao direito divino e natural, e por
vezes a um a um outro.
O direito suprapositivo correspondia naquela altura, período pluralista do direito
português, ao escalão mais elevado da ordem jurídica, constituído pelo direito
divino e natural, acima do direito produzido pelo homem.
Naturalmente, quem definiu estas teorias foram sobretudo os teólogos, os
canonistas, e um reitor da igreja, São Tomás de Aquino, este definiu 4 níveis de
lei:
o Lei eterna- identificada como a própria razão de deus que dizia ser a
ordenadora de todas as coisas.
o Lei natural- era a participação da lei eterna no homem, que permitia distinguir
o bem do mal, o justo do injusto.
o Lei divina- constituída pelo velho e novo testamento, portanto revelada por
deus para a orientação do homem em relação aos seus fins e à sua
realização.
o Lei humana- lei feita pelo homem; lei com o escalão mais baixo, portanto tem
de estar de acordo com os outros escalões acima desta.

Na doutrina medieval, sobretudo na doutrina canonista aparece uma divisão do


ordenamento por escalões em que se admite que no topo esteja a lei eterna,
identificada com a própria razão de deus que ordenou todas as coisas; lei natural,
marca da lei eterna no próprio homem, é a forma com que deus introduziu no
homem a capacidade de distinguir o certo do errado; lei divina, constituída pelo
velho e pelo novo testamento, direito da igreja aí revelada por deus para orientar
do homem; lei humana, as leis criadas pelo legislador que estão no escalão
inferior desta hierarquia.

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Era naturalmente esperado que se as leis humanas, estão no escalão mais baixo
elas obedecessem aos princípios de todos os escalões superiores, ou seja, não
podia contrariar a lei divina nem a lei natural (a lei eterna também, mas esta
manifestava-se através da lei natural); portanto a lei humana tem limitações.

Hoje em dia, a estratificação da pirâmide normativa não se coloca assim, para a


maior parte das pessoas há aqui categorias que não são já aceitáveis. Há luz
destas categorias, a lei humana nunca podia violar a lei divina nem a lei natural,
porque se violasse não era válida, não era uma lei que devesse ser acatada.
Falou-se em vários momentos um movimento designado pelo crítico “eterno
retorno ao direito natural”, isto é, em épocas críticas e situações de limite em que
muitas vezes o direito legislado tende a ultrapassar a razoabilidade das coisas
invoca-se de novo uma espécie de ressurgimento do direito natural, para pôr
limites ao direito positivo.

Ao nível do Direito Suprapositivo, temos na classificação de São Tomás, a lei


eterna, a lei divina, a lei natural e a lei divina, e no fim a lei humana.
Nas classificações mais simples temos o direito divino, o direito natural e o direito
humano, mas algum deste direito humano, no sentido de que é um direito criado
pelo homem, mas que se impõe ao direito nacional (direito dos estados), existe
uma categoria que é o direito supra-estatal. Portanto, vários ordenamentos
podiam ser estudados no domínio do supra-estatal, domínio que sendo um
direito positivo está acima do direito dos estados. Exemplo, direito das gentes
que é a derivação do ius gentium dos romanos, que era o ordenamento que regia
a relação entre estrangeiros e romanos e romanos entre si, portanto já nesta
altura se configurava como o embrião de um direito que abrangia também os
estrangeiros e que se vai desenvolver nesta época para que na época do
renascimento aparecer como um direito que regula as relações entre os estados.
O próprio direito romano se tivesse sido recebido na europa, na condição de um
direito que se sobrepunha ao direito nacional podia ser estudado como supra-
estatal, mas não foi isso que aconteceu; o direito foi recebido nos ordenamentos
de muitos países europeus voluntariamente. Portanto, não vamos estudar o
direito romano como uma categoria de supra-estatal, mas há claramente um
direito que no período pluralista se abdicou com este estatuto, no sentido em que

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toda a chamada res publica cristiana, reconhecia esse direito e o aplicava
durante algum tempo como um direito superior ao direito nacional, que foi o
Direito Canónico (direito produzido pela igreja e que se considerava acima, por
exemplo do direito régio, direito produzido pelo rei, porque era o direito de toda
a república cristã que tinha como líder espiritual, mas na altura não só espiritual,
o Papa. Assim, sobrepunha-se aos direitos nacionais).

Estamos aos poucos, a vir do topo da pirâmide para a base. O Direito supra-
positivo (neste período se entendia estar no topo da pirâmide com a lei eterna, a
lei natural, a lei divina e a lei humana), o Direito supra-estatal, (que é direito
humano, mas que está acima do direito dos estados, e aí consideramos o direito
das gentes e o direito canónico), abaixo do Direito Canónico, está o Direito
Nacional (direito régio e as fontes de direito internas; dentro do direito nacional
está todo o conjunto de fontes de direito que vamos estudar).

17.03

Pág. 135 até 143

O Direito Canónico era colocado a um nível supra-estatal.


O chamado direito das gentes que se designou no tempo dos romanos e depois
manteve a designação de ius gentium.
Então porque é que o ius gentium e o direito canónico são tratados na categoria
ou na esfera do direito supra-estatal? Supra-estatal porque se coloca num nível
superior ao direito dos estados, sendo que a palavra “estado” é usada em relação
à Idade Média por uma questão de comodidade de linguagem, porque a figura
do estado não estava definida nem autonomizada nesta altura e só vem a estar
na chamada Época Moderna.

O direito canónico, nesta altura, na esfera internacional havia uma instituição que
era muito ampla e com um poder muito alargado, que era o Papa ou a instituição
Papado.
O papa era uma figura que ao longo dos séculos e com muitas vicissitudes pelo
caminho liderava a instituição igreja; a igreja, enquanto tal, embora tivesse como

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principal domínio da ação a esfera espiritual, a verdade é que a condução da
vida espiritual dos fiéis, nesta altura, não havia separação entre a igreja e o poder
político e a intervenção do papa na esfera interna dos reinos era forte e de um
modo geral aceite pelos estados.
O direito canónico define-se como o conjunto de normas jurídicas relativas à
igreja.
Ou seja, se a igreja é uma instituição que está para além dos reinos, se a igreja
é uma instituição com uma fortíssima influência por toda a Europa, se a igreja
tem um conjunto de normas específicas que lhe são intrínsecas que a própria
igreja produz para seu governo, é expectável que essas normas produzidas pela
igreja tenham impacto nos direitos dos reinos, portanto o direito canónico em
bom rigor não só tinha impacto sobre o direito do reino como é colocado ao nível
supra-estatal; figurava com supremacia sobre o direito interno, até ver (não foi
assim ao longo de toda a história portuguesa nem de todo o período pluralista,
mas começou por ser assim).
De onde vem a influência da igreja e o que é que explica que o direito canónico
enquanto conjunto de normas jurídicas relativas à igreja tem a supremacia
perante o direito dos reinos? O cristianismo surgiu como religião oficial ainda
durante o império romano com a conversão do imperador Constantino, a religião
Cristã tornou-se a religião oficial do império. Depois disso, aconteceu muita
coisa, o império romano foi destruído no Ocidente continuando apenas por uma
linha diferente no Oriente, sucederam-se invasões no caso do espaço peninsular
e no espaço português as invasões germânicas e depois as invasões
muçulmanas e o período da reconquista cristã; durante todo este período a igreja
continuou a existir pela Europa fora passando as maiores vicissitudes e a
verdade é que chegamos aos dias de hoje e a igreja e o Papa continuam a ser
uma instituição com influência, não só a nível europeu como mundial, e o Papa
contínua a ser o líder espiritual de muitos milhões de fiéis.

O “direito canónico” vem da expressão “cânone”. Cânone no sentido geral quer


dizer regras ou normas habituais; no sentido lato dentro do direito canónico,
qualquer norma jurídica ou canónica; no sentido restrito dentro do direito
canónico, significa as deliberações tomadas nos concílios, isto é, deliberações
tomadas por um determinado órgão eclesiástico dos concílios.

16
Como todos os ordenamentos jurídicos, o direito canónico tinha fontes.
Conceito técnico jurídico de fonte de direito: modos de formação e revelação das
normas jurídicas.
As fontes do direito canónico dividem-se em 2 tipos:
o Fontes Materiais ou Essendi- aquelas que têm como critério o autor da norma.
Fontes que criaram normas jurídico-canónicas; fontes do direito canónico.
Fontes essendi, são aquelas que se reportam à forma como essas normas
foram criadas, materialmente quem é o seu autor, quem as criou.
▪ Sagradas Escrituras- constituídas pelo velho e novo testamento. Existem
preceitos de direito canónico no velho e no novo testamento; no caso do
velho testamento existem preceitos considerados cerimoniais (dizem
respeito ao culto), judiciais (dizem respeito à aplicação da justiça) e morais
(dizem respeito a aspetos éticos); no novo testamento existem preceitos de
direito divino (são considerados à expressão direta da vontade de Deus),
de direito divino apostólico (são os preceitos de direito divino desenvolvidos
e interpretados pelos apóstolos) e de direito apostólico (são ditados pelos
apóstolos).
▪ Tradição- conhecimento translatício, que passava de geração em geração
de forma escrita ou oral de um ato que se considerava vinculativo, alguma
coisa que se considera um ato de autoridade que deve ser seguido.
▪ Costume- É uma prática que se repete de geração em geração que as
pessoas seguem por acharem que é uma espécie de obrigação, mas é
sempre uma prática espontânea. O costume nunca é escrito, é sempre oral.
O costume foi particularmente importante, quer no direito do reino quer no
direito canónico, porque preencheu espaços/lacunas onde ainda não
existia um normativo escrito, havia espaço para o crescimento e para a
continuidade dos costumes. No direito canónico havia requisitos para o
costume ser válido (requisitos diferentes dos que existem para o direito
comum):
• tinha que ser conforme à fé, à razão e à verdade.
• dever existir à 10 ou 20 anos e não contrariar o consenso da
comunidade, isto é, não fazia sentido que um costume que não fosse
consensual na comunidade e fosse apenas um costume praticado por
alguns e fosse imposto a todos ou obrigatório por todos.
17
▪ Cânones- cânone no sentido geral quer dizer regras ou normas habituais;
no sentido lato dentro do direito canónico, qualquer norma jurídica ou
canónica; no sentido restrito dentro do direito canónico, significa as
deliberações tomadas nos concílios, isto é, deliberações tomadas por um
determinado órgão eclesiástico dos concílios (assembleias representativas
da igreja/clero para discutir assuntos do interesse da mesma). Os concílios
podiam ter vários âmbitos territoriais: concílios a nível nacional, a nível
regional e a nível universal ou ecuménicos (concílios gerais que reúnem
representantes da igreja do mundo inteiro; mais importantes). Os concílios
não dão propriamente coisa que se reúna todos os anos, mas reuniram-se
muitas vezes ao longo da história da igreja e são um órgão importante; era
tão importante que havia uma doutrina que defendia que os concílios eram
verdadeiramente a maior autoridade dentro da igreja, que se denominavam
por Conciliaristas, contra aqueles que defendiam que a autoridade superior
é a da cúria papal (papa e do seu núcleo restrito), que se denominavam por
Curialistas. Os concílios universais são os mais importantes, mas houve
outros concílios que não foram universais e foram bastante importantes ao
nível da península ibérica, que foram por exemplo, os Concílios de Toledo
e de Braga no tempo anterior à fundação da nacionalidade, mas de que
existe conhecimento relativamente a alguma documentação que saiu daí;
nestes concílios elaboram-se ao longo dos séculos muitas normas de
direito canónico, estas normas de direito canónico denominam-se de
canônes.
▪ os atos normativos do Papa – também ele cria normas de direito
canónico:
• Decretos- determinações do Papa, por conselho dos cardeais, por
iniciativa própria, e portanto, sem qualquer pedido de consulta; o Papa
proferia um decreto quando sem que alguém lhe colocasse qualquer
questão, ele entendia por sua iniciativa que devia esclarecer uma
determinada matéria ou que devia definir uma determinada orientação e
fazia-o em regra com os conselho dos cardeais.
• Decretais- são determinações do Papa que podem ser tomadas sozinho
ou com conselho dos seus próximos, mas em resposta a uma consulta
formulada por alguém; as consultas podem ser as coisas mais variadas,

18
por exemplo, um rei perguntar ao Papa se se pode casar com uma
parente, ou um rei perguntar ao Papa se a dominação de um
determinado território descoberto é legítima perante o direito canónico.
▪ Doutrina- é um modo de revelação das normas jurídicas atualmente, não
de formação, mas de revelação. A diferença face àquilo que estudamos no
direito romano é que a semelhança maior é com a jurisprudência, só que a
jurisprudência romana era criativa, aqui a doutrina no âmbito do direito
canónico é particularmente importante pro ter feito uma simbiose, na prática
ter feito uma mistura que não deixou e não fez perder a identidade a
nenhuma destas leis, entre a lei canónica e alei civil, isto é, a doutrina foi
um elemento de ligação entre a lei canónica e a lei civil (leis que os reis
produziam), a partir do século XII e depois do Renascimento do direito
romano, a doutrina usou as normas e as instituições do direito romano para
enriquecer o direito canónico. A associação destes dois direitos ficou
conhecida pela expressão Utrunque ius (ordenamento que representa a
influência mútua do direito romano e do direito canónico, faz-se através da
doutrina, isto é, do trabalho dos juristas, não há propriamente uma fusão
dos dois direitos, mas há uma simbiose/combinação entre o direito romano
e o direito canónico).
▪ Concórdias e concordatas- concórdias, celebradas entre o rei e o clero
nacional (exemplo, no tempo de D. Dinis, o rei estabeleceu uma concórdia
com o clero nacional para tentar dar alguma resposta às reivindicações do
clero, embora não lhes quisesse dar tudo o que os clérigos exigiam, ou
seja, o rei fez uma espécie de negociação com o clero e daí resultou um
acordo, uma concórdia que é interna; concordatas, celebradas entre o
poder político e o Papa (concordata de Portugal e da Santa Sé, a propósito
da dissolução do casamento, só isto é que permitiu a introdução do divórcio
na legislação portuguesa) .
o Fontes Formais ou Cognoscendi (conhecer)- lugares onde podemos estudar
o direito canónico; fontes documentais do direito canónico. Fontes
cognoscendi (permitem o conhecimento) são aquelas em que podemos
conhecer/consultar o direito, porque ele está lá documentado e compilado.
▪ o Decretum de Graciano (1140) – uma compilação de harmonização
cânones discordantes, compilado por um monge chamado Graciano –

19
inaugura a chamada fase do direito novo (ius novum) da igreja, sendo por
oposição agora chamado de direito velho da igreja tudo o que veio
anteriormente.
▪ as Decretais de Gregório IX(1234) – mandadas compilar por Gregório IX,
são 5 livros de decretais, que eram as respostas do Papa a questões que
lhe foram formuladas.
▪ o Sexto de Bonifácio VIII (posteriores a 1234) – um livro de decretais
posteriores às da coletânea anterior.
▪ as Clementinas (1313) – coleção de decretais de Clemente V – o livro
sétimo das decretais.

A partir de 1313, a…da igreja que foi sendo feito, foi ficando por fora, e como
estavam fora das compilações, ficou conhecida por legislação Extravagante.
A dada altura no tempo do Papa João XXII, fazem-se as compilações das
Extravagantes de João XXII, e depois mais tarde as Extravagantes Comuns.
▪ as Extravagantes (posteriores a 1313) – “extra vagante”, tudo aquilo que
está avulso, solto – de João XXII compilação de decretos e decretais
posteriores às Clementinas.

Estas compilações/obras todas foram sendo produzidas desde 1140 até as


Extravagantes Comuns, foram reunidas numa grande compilação que mais
tarde veio a ter uma designação de conjunto, denominada de Corpus Iuris
Canonici (corpo de direito canónico), foi assim batizado à semelhança da
designação que tiyeram as várias compilações do direito romano, como era o
Corpus Iuris Civilis.

Há documentos que comprovam que o direito canónico foi aplicado em


Portugal antes do Decreto de Graciano, às referências de documentos
canónicos anteriores a 1140, portanto ainda da fase do direito velho da igreja
e muitos documentos relativos ao período da fase do direito novo ou do direito
iniciado com o decreto de Graciano. A mais importante prova de que o direito
canónico na fase do direito novo da igreja era conhecido e aplicado em
Portugal, foi o Testamento do Bispo do Porto de 1185; neste testamento do
bispo do porto D. Fernando Martins ele deixa diversas obras de direito
canónico à igreja e no testamento refere-se concretamente a algumas
coletâneas de direito canónico e designadamente ao Decreto de Graciano,
20
portanto sabemos que o direito canónico na fase do direito novo já era
conhecido e aplicado em Portugal em finais do séc. XII. Depois disso, a
aplicação do direito canónico em Portugal expandiu-se, foi grande até ao séc.
XIII e no início do séc. XIII em 1211, o rei achou que devia hierarquizar o
direito canónico em função do seu próprio direito, ou seja, estabelecer uma
hierarquia entre o direito canónico e o direito da igreja.

Agora importa saber se a expansão do direito canónico em Portugal, vai para


além do séc. XIII, ou se é nesta altura quando o rei Afonso II, na Cúria de
1211, quando se refere ao direito canónico o que é que ele estabelece.

19.03

Comenta a seguinte frase:

- “Um jurista deixa de ser um prudente” (Pág. 15 das Lições)

O jurisprudente romano deixou de ter as características que tinha no período


clássico e com a evolução do direito romano se burocratizou, ou funcionalizou
mais próximo dos órgãos do poder.

Respostas para esta pergunta:

- Quem é um Jurista?

- Quem é um prudente?

- Quando esta transformação se deu?

- Por força de que circunstâncias?

Resposta da professora:

Na pág. 261 das lições diz-se a propósito do direito prudencial trata-se da ordem
normativa e criada pelos prudentes, ou seja, pelos que conhecem o direito, o
justo e o injusto, aqueles que cuja autoridade, auctoritas lhes permitia declarar a
verdade jurídica nos casos concretos. O jurista deixa de ser prudente no
monismo. Na página 14 diz-se “na segunda época (monismo jurídico), surge o
conceito de estado com a sua pretensão de deter o direito”. É na sequência desta

21
afirmação que se diz, começando por disciplinar o valor do costume do direito
prudencial e do direito supra estatal (direito canónico) o estado acabará por
proclamar a redução do direito aos factos jurídicos por ele proclamados, por
outras palavras, o estado acabara por decidir que o direito é apenas aquilo que
ele promulgados (lei); o que encontra o signo externo, isto é, o seu sinal mais
exterior e mais totalitário no identificar do direito com a lei (é para aqui que o
monismo se encaminha, é para reduzir o costume, reduzir o direito prudencial,
controlar o direito supra-estatal e considerar apenas como factos jurídicos
válidos aqueles que são promulgados pelo estado, identificando o direito com a
lei).

- distinguir o jurista prudente do jurista burocrático (auctoritas e perda da


auctoritas).
- jurista como condutor do direito, alguém que perante um caso tem a
possibilidade e autoridade para criar uma solução mais justa para aquele caso e
depois perde esta autoridade e passa apenas a interpretar aquilo que o estado
queria e que cada vez é mais redutor.

24.03

O direito canónico em Portugal foi aplicado, porque inclusivamente no


testamento do Bispo do Porto de D. Fernando Martins, de 1185 existe uma
referência à aplicação da lei canónica, no caso da versão do direito novo da
igreja, portanto o direito pós-decreto de Graciano, posterior a 1140.
A expansão do direito canónico em Portugal e a sua aplicação foi tão grande que
no séc. XIII, na Cúria de 1211 (assembleia realizada no tempo de D. Afonso II)
houve necessidade de focar este tema e de determinar como é que se
relacionava o direito do rei e o direito da igreja.
Então no início do séc. XIII em 1211, o rei achou que devia hierarquizar o direito
canónico em função do seu próprio direito, assim o que é que ficou escrito na lei
da Cúria de 1211? As leis da Cúria de 1211 são várias e focam vários assuntos,
alguns particularmente interessantes sobre os crimes, o direito das sucessões,
os oficiais superiores do reino, os impostos e dada altura na lei II (professora
enviou) fala-se das relações entre o direito do rei e o direito da igreja. Esta lei II,

22
explica que as leis do reino não valerão sobre as leis canónicas ou sobre os
direitos da igreja.
o Doutrina clássica, sempre defendeu foi que pela expressão “direitos da santa
madre igreja ou da santa Igreja de Roma” se queria dizer Direito Canónico,
logo o que a lei estabelecia era que sempre que as leis do rei (leis régias) não
respeitassem o direito canónico, essas leis não valeriam o que dá como
resultado a prevalência do direito canónico sobre o direito do rei.
o Professor Braga da Cruz, diz que existem cópias da lei em que a expressão
não vem no singular, isto é, não se fala em direito da santa Igreja de Roma,
mas sim em “direitos” e que “direitos” não é o mesmo que direito canónico,
mas equivalente a privilégios ou direitos adquiridos pela igreja; o resultado
disto é que as leis do rei só não valeriam quando contrariassem direitos
adquiridos e privilégios da igreja, salvo esta circunstância a lei do rei
prevalecia sobre o direito canónico. Resumindo, o professor Braga da Cruz
defende esta tese com uma posição critica face à doutrina tradicional, e
entende que a supremacia do direito canónico sobre o direito do rei não era
geral, mas sim pontual e dizia respeito apenas às leis que pretendessem
reduzir ou eliminar privilégios do clero.

Exemplo, há uma lei que estabelece sobre o casamento ou sobre sucessões e


que contrariam uma norma do direito canónico, de acordo com a tese tradicional
se a lei contraria uma matéria do direito canónico esta lei não deve valer e
prevalece o direito canónico. De acordo com a doutrina que identifica “direitos”
da santa madre igreja ou da santa Igreja de Roma com privilégios e direitos
adquiridos da igreja, essa matéria não tem nada a ver com privilégios e direitos
adquiridos da igreja, portanto não prevaleceria sobre o direito canónico, só se a
lei fosse sobre a situação tributária do clero exigindo o pagamento de impostos
ao clero (impostos que até essa altura ele não pagaria) já se podia dizer que
essa lei do reino era contrária aos direitos da santa igreja (no sentido dos direitos
de isenção tributária do clero) aqui já iria prevalecer.

Portanto, de acordo com a teoria dominante o direito canónico prevalece sobre


o direito do rei, porque nesta altura o direito canónico não regulava apenas
questões religiosas; o direito canónico nesta altura regulava também os tribunais
civis.

23
25.03

Já sabemos que desde tempos anteriores à fundação da nacionalidade se


conhecem documentos que comprovam que o direito canónico circulava em
Portugal. A partir do testamento do Bispo do Porto de D. Fernando Martins de
1185 sabemos que o direito canónico era conhecido no seu formato de direito
novo da igreja, isto é, direito posterior ao decreto de Graciano de 1140. Com a
lei da Cúria de 1211, de acordo com a doutrina maioritária, ficamos a saber que
o direito canónico não era só conhecido, não apenas se aplicava em Portugal
como se aplicava com prevalência sobre o direito do rei, portanto tinha a
supremacia sobre as leis régias, por aqui se percebe também qual era a
importância do direito canónico no período pluralista, valia contra as próprias leis
do rei. Esta lei da Cúria de 1211 é do início do séc. XIII, Portugal existia desde
1143/79, isto é, nem um século antes, ainda estávamos muito na dependência
do papado, o papa era a grande autoridade a nível internacional.
A supremacia do direito canónico explicasse por várias vias:
o Por um lado, Portugal estava sujeito à autoridade do Papa.
o Por outro lado o direito português era insuficiente, até essa altura era um
direito basicamente consuetudinário (com base no costume), com algumas
leis avulsas (muito poucas), o primeiro pacote legislativo é precisamente o da
lei da Cúria de 1211, que para além da matéria do direito do rei e da igreja
também trata dos salvados dos naufrágios, do crime de traição e de heresia,
das custas relativas a recursos, da aquisição de bens por mosteiros e ordens
religiosas,…, ou seja, é um pacote de 29 leis que são elaboradas no tempo
do rei Afonso II, nesta Cúria de 1211.

Assim, o direito canónico é o único direito organizado que se aplica em Portugal


e que é reconhecido pelo próprio rei que o admite como superior ao seu, portanto
percebe-se que de facto o direito canónico desempenha um papel fundamental
nos primeiros séculos da nacionalidade, não só porque o direito português feito
internamente é insuficiente, mas porque esse direito vem da igreja, vem de uma
instituição com crédito e com o domínio na esfera internacional que é dirigida por
aquele que é considerado o líder da cristandade, portanto por todas estas razões
o direito canónico tem um papel muito importante.

24
Neste caso, o direito canónico aplicava-se onde?
O direito canónico aplicava-se nos tribunais eclesiásticos e nos tribunais civis.
Isto dos tribunais civis e eclesiásticos não é uma coisa antiga, é uma coisa de
sempre, vem a propósito disto lembrar que ainda hoje existem tribunais
eclesiásticos e que há matérias que só são discutidas nestes, que é uma ordem
judicial à parte dos tribunais comuns e dos tribunais do Estado.
Os tribunais eclesiásticos, são tribunais específicos da igreja onde se aplica o
direito canónico e onde correm processos relativos a matérias que têm o
exclusivo do seu tratamento nos tribunais eclesiásticos, como por exemplo a
anulação de um casamento canónico, trata-se nestes tribunais e quem intervêm
nestes processos será um juiz eclesiástico, advogados especialistas em direito
canónico; portanto há matérias que pela sua natureza, neste momento por serem
matérias do foro eclesiástico, se tratam ainda hoje nos tribunais da igreja.
Isto do direito canónico se aplicar nos tribunais eclesiásticos e nos tribunais civis
em relação ao período pluralista não nos deve espantar, quando muito podemos
achar estranho que se aplique nos tribunais civis nos dias de hoje; se nós
aplicássemos o direito canónico nos tribunais do Estado é que seria estranho,
porque o Estado português é laico e republicano, por isso existe uma separação
entre o estado e a igreja, agora no período pluralista esta separação não existia
e portanto, não devemos estranhar que o direito canónico se aplicasse
inclusivamente nos tribunais civis.

Estamos numa fase em que o direito da igreja se aplica com supremacia sobre
o próprio direito do rei, só no século seguinte é que foi progressivamente
passando à condição de direito subsidiário, portanto no século XIV e seguintes
iniciasse um processo em que o direito canónico passa da condição de direito
preferencial para direito subsidiário, significando isto que se aplica no
preenchimento de lacunas do direito principal; nesta posição de direito
subsidiário é que ele se aplicava nos tribunais civis, concorria ai com outro direito
que era o direito romano justinianeu na aplicação subsidiária (séc. XIV e XV já
se tinha dado o processo do Renascimento e da Receção do direito romano
justinianeu), portanto passa de uma posição de direito principal com supremacia
sobre o direito régio aos poucos durante os séculos seguintes para uma posição
de direito subsidiário e nos tribunais civis, esta posição de direito subsidiário

25
concorre com o direito romano; assim, o que acontecia era, quando se
verificasse uma lacuna do direito nacional em princípio recorrer-se-ia à lei
romana, se a lacuna fosse em matéria espiritual ou de pecado aplicava-se a lei
canónica.
Segundo este critério, conhecido como Critério do Pecado, quando em matéria
temporal da aplicação da lei romana resultasse pecado deveria recorrer-se ao
direito canónico; critério pelo qual se escolhe qual é o direito subsidiário aplicável
nos tribunais civis, consoante se trate de matéria temporal ou matéria espiritual
ou temporal de pecado (matéria que da aplicação da lei romana resultasse uma
situação de pecado; exemplo, em matéria de direitos reais o direito régio tinha
uma lacuna, era necessário recorrer a um direito subsidiário, a matéria em casa
tratava-se da aquisição de direitos sobre um bem que alguém tinha na sua
posse, a isto dá-se o nome de usucapião- instituto dos direitos reais que alguém
passado um determinado número de anos sobre a posse não contestada desse
bem, adquire a sua propriedade; no direito romano a má fé era um conceito
irrelevante e portanto se alguém tivesse adquirido a propriedade de um bem
estando de má fé isto não tinha qualquer efeito; no direito canónico a má fé é
pecado, portanto se alguém tentasse adquirir e fosse a tribunal para lhe ser
reconhecido o direito de usucapião sobre um bem, se se provasse que essa
pessoa estava de má fé ela não aquiria a propriedade do bem, porque era uma
matéria temporal e não tinha nada de espiritual, portanto aplicava-se o direito
romano, mas se o possuidor estivesse de má fé e isso pudesse ser provado a lei
romana cedia o lugar à aplicação da lei canónica, porque tratar-se-ia de matéria
temporal de pecado), se a matéria é temporal aplica-se o direito romano e se for
matéria espiritual ou temporal aplica-se o direito canónico.

A aplicação do direito canónico nos tribunais eclesiásticos, aqui o direito que se


aplicava era o direito canónico, pois o ordenamento canónico era completo, por
esta altura já existia um manancial imenso, denominado por Corpus Iuris
Canonici, assim aplica-se o direito canónico em função dos seguintes critérios:
o Função da Matéria- por exemplo, matéria de casamento.
o Função da Pessoa- determinadas pessoas eram julgadas nos tribunais da
igreja.

26
Pág. 186

Portanto, entendia-se que certas matérias dependendo da sua natureza deviam


ser tratadas nos tribunais eclesiásticos, também certas pessoas por força do seu
estatuto entendiam-se que deveriam ser julgadas nos tribunais da igreja, era o
caso dos clérigos, também se achava que certas categorias de pessoas mais
vulneráveis deviam ser julgadas nestes tribunais e os seus assuntos não
deveriam ser tratados nos tribunais civis (exemplo, viúvas e os órfãos). O facto
do clero ter um tribunal próprio e portanto dos membros da igreja responderem
perante o tribunal especial (eclesiástico), denomina-se de privilégio do foro
(juízo), isto é, os clérigos têm um tribunal próprio perante o qual eles
comparecem. Este privilégio não durou sempre, a partir de certa altura o
privilégio do foro foi objeto de restrições por parte do próprio rei que começou
por abrir uma exceção na matéria criminal, ou seja, os clérigos respondem
perante o tribunal da igreja, mas se cometerem algum crime são julgados no
tribunal civil, isto é, crimes mais graves como os crimes contra a pessoa do rei.
Nos primeiros tempos o predomínio da igreja e a prevalência do direito canónico
eram totais, mas a partir de certa altura o rei já não estava apenas ocupado em
estabelecer as fronteiras do território, já tinha entre as suas preocupações a
administração do reino e da justiça e, portanto, já legislava, nos séc. XIV e XV já
há muita legislação, já existia inclusive algumas compilações de gerais de leis
portuguesas e a partir de certa altura não só o domínio do direito canónico passa
a ser restringido (por este motivo é que o direito canónico só se vai aplicar nas
lacunas), como também o privilégio do foro vai sofrer restrições porque o rei
passa e entender que se o clérigo comete um crime como qualquer laico/cidadão
deve ser julgado no mesmo tribunal em que outro qualquer cidadão o é, assim
passa a limitar o privilégio do foro e a obrigar os clérigos a responder nos
tribunais civis, isto acontece em primeiro lugar nos crimes mais graves, como por
exemplo a traição.

À medida que os séculos avançam vemos algumas restrições no domínio dos


privilégios do clero e também do direito canónico, essa posição que o direito
canónico vai passar a ter de subsidiária é a posição que vai manter durante
muitos anos, até que muitos séculos adiante vai mesmo deixar de ser aplicado

27
como direito subsidiário. Para se explicar esta evolução do clero é preciso
perceber alguns factos, por um lado um instituto que foi introduzido no tempo do
rei D. Pedro I e que se chamou de Beneplácito Régio, que é um instituto que
constitui uma limitação à entrada e à circulação do direito canónico em Portugal,
isto é, o direito só podia entrar e aplicar-se se tivesse um bom acordo do rei,
assim significa que nesta altura, em 1361, o rei não permitia que o direito
canónico todo entrasse e fosse aplicado sem ele concordar com isso; sabemos
isto porque nas Cortes de Elvas em 1361, o rei recebeu protestos do clero, pois
protestaram junto do rei pelas restrições que estavam a ser impostas ao direito
canónico e o rei deu uma explicação indireta que era: como circulavam no país
muitas normas canónicas falsas, era preciso garantir a autenticidade das normas
canónicas e a forma de garantir a sua autenticidade era o rei pôr um selo do seu
acordo.

A evolução seguinte mostra que o que o que o rei queria, era começar a restringir
a entrada e a aplicação do direito canónico no ordenamento português.
Simultaneamente há outros fatores que influenciam o avanço mais lento ou até
mesmo o retrocesso do direito canónico em Portugal, isto é, também
contribuíram para esta oposição o anti-clericalismo da população (sentimento
que se começou a desenvolver na população de certa antipatia relativamente ao
clero que em parte era justificada pelos abusos de alguns clérigos, por exemplo,
o clero tinha isenção tributária e o povo não concordava); por outro lado, o
aparecimento de doutrinas heréticas, em alguns países (em Portugal não teve
peso) apareceram doutrinas que a igreja considerava heréticas porque
defendiam princípios e valores que o clero com, por exemplo o Averroísmo
(doutrina defendida a partir das ideias de um filósofo chamado Averróis) e oura
que teve mais seguidores em Portugal que foi a Doutrina Franciscana, que foi
declarada herética pelo papa sendo que os franciscanos só defendiam que o
clero se libertasse dos bens materiais e que se concentrasse nos fins espirituais
da religião, isto fez alguma moça no direito canónico e na supremacia do clero
em Portugal.

Pág. 184 e 189

Capítulo III- Direito Legislado

28
Neste capítulo iram ser tratadas as leis, portanto da fonte de direito que se vai
tornar no período monista a fonte principal e dada altura única, mas que no
período pluralista ainda está acompanhada por outras fontes do direito
português, mas no direito legislado começa-se mesmo antes da nacionalidade,
isto é, começa-se por explicar que “é imprescindível…” (Pág.193 e 194);
começa-se tão atrás porque é preciso perceber que alguns institutos e conceitos
que passam para as leis portuguesas depois da nacionalidade vêm de trás e que
mesmo alguns códigos e alguma legislação produzidos em tempos anteriores à
nacionalidade continua a vigorar depois; há códigos que não cessam a sua
vigência no momento em que Portugal se torna numa nação independente e
conhecida face ao mundo, há legislação que vem de trás e que se continua a
aplicar depois disso.

Para percebermos o que fica pelo caminho até chegarmos à fundação da


nacionalidade devemos ver alguns exemplos de povos primitivos ou pré-
romanos: Iberos+Celtas=Celtiberos, Lusitanos, Muçulmanos

Códigos importantes que temos de referir relativamente à sua aplicação no


âmbito do direito legislado português.
No tempo dos Visigodos foram produzidos vários códigos:
1. Código de Eurico- 1476, só se conhece um fragmento desse código; está
depositado na biblioteca nacional de Paris; foi reconstituído por um autor
castelhano, que conhecemos pela sua definição de auctoritas que foi Álvaro
D´ors.

A seguir os germânicos elaboraram outro código chamado de breviário de


Alarico, de 506, também pode ser denominado de Lex Romano Visigothorum (lei
romana dos godos) - isto é um exemplo de como germânicos aproveitaram o
direito romano e fizeram um código comum; o conteúdo deste breviário é
exclusivamente composto por constituições imperiais tiradas do código
Gregoriano, Teodosiano, Hermogeniano e de novelas dos vários imperadores,
para além das sentenças de Paulo, do livro de Gaio e das responsa de Papiniano
(Pág. 194).

Portanto, houve um código feito para a população germânica que foi o Código
de Eurico e depois fazem um código de direito romano, a que chama lei romana

29
dos godos; a seguir faz-se outro código que é o código de Leovigildo, escrito
entre 572 e 586, este código é uma revisão/atualização do código de Eurico; a
seguir o último dos códigos germânicos, é o que é conhecido como código
Visigótico, publicado pelo rei Recesvindo em 654, foi o último monumento
jurídico, o último código elaborado no tempo dos visigodos.

O código de Eurico é um código com fontes de direito germânico, portanto


destinado à população germânica.
O breviário de Alarico é constituído por fontes romanas.
O código de Leovigildo é uma revisão do código de Eurico.
O código Visigótico que vai revogar os outros.

O breviário de Alarico é de 506, constituído integralmente por fontes do direito


romano, constituições imperiais retiradas dos códigos romanos, dos códigos
hermogenianos, teodosiano, gregoriano, e doutrina do jurisconsultus romanos, o
livro de gaio, as sentenças de Paulo e as responsas de Papiniano (pág. 194 das
lições).

Existência de uma dualidade legislativa ou princípio de personalidade (aplica-se


em função do povo ou da nacionalidade) na aplicação da lei quer dizer que cada
povo residente no território português o povo vencido (Romanos) e o povo
vencedor (visigodos) tinham o seu código.
No entanto há outra tese que defende a territorialidade que diz que todos os
códigos se aplicam a todos, portanto os códigos foram se reversando uns aos
outros. Não existem estas dúvidas ao último código visigótico (de 654) o código
esclarece que o se aplica a toda a população residente no território, é
seguramente de aplicação territorial. Já os povos que habitavam o território, mas
nem eram romanos nem visigóticos regiam-se pelo seu direito que era
essencialmente consuetudinário, pelos seus costumes, no caso dos judeus
regiam-se pelo seu livro sagrado, e a partir do século 8 os muçulmanos regiam-
se pela própria leio o alcorão.
Em 654 aplica-se o código visigótico e é influenciado pelos códigos anteriores,
tem muito de direito romano (das páginas 195 até à 199 a professora não as está
a dar) em que se desenvolvem as teorias da territorialidade nem da
personalidade com todos os argumentos, tem é que perceber que existiam 4
códigos sequenciais e que se pôs a questão de saber a quem se aplicavam. Este
30
código foi conhecido por vários nomes, como por exemplo o livro dos miseres,
foi aprovado pelo 8 concilio de toledo, com isto termina a atividade legislativa dos
godos, no seu conteúdo estão muitas que vêm leis do código de Leovigildo ou
do código do breviário, e, portanto, o código visigótico muito dos códigos
anteriores e do direito romano que estava por exemplo no breviário. Há várias
versões do código, há uma versão oficial e uma versão, conhecida por forma
vulgata, é uma versão que não está oficializada, mas que tem uma particular
importância, tinha um capítulo introdutório que tinha um tratado de direito publico,
o que a versão oficial não tinha. Não se pode dizer que foi uma revisão oficial,
foi uma forma popular não oficial, mas que tinha a particularidade de incluir um
tratado de direito publico no início desta forma. A revisão oficial é uma reforma
feita no tempo de Ervis e chama-se fórmula Ervigiana.

Na página 200 das lições, vamos ver que há muitas remissões para o código
visigótico que aparecem em documentos medievais chamando-lhe por exemplo,
o liber iuficiorum, forum iudiciorum, o livro dos juízes, a lei dos godos, são tudo
formas de designar o código visigótico e chegam até tem tempos que vão para
além da nacionalidade, isto significa que esta testemunhada em documentos
notariais, vários, a permanência do código visigótico aplicado em Portugal depois
da fundação da nacionalidade.

Só a partir do século 13 e ao mesmo tempo com o progressivo crescimento da


legislação nacional e com a redescoberta do direito justinianeu as menções ao
código visigótico começam a desaparecer, portanto a doutrina considera pacifico
que até ao século 12 ou até mesmo ao século 13 o código visigótico era aplicado
em Portugal e ele aparece em arquivos muitos antigos.

Se os godos tinham o seu próprio direito, para além dos seus costumes tinham
os seus códigos a partir de 654 tinham o seu código e se no século seguinte
chegam os muçulmanos e que obviamente demoram algum tempo a conquistar
o território da península ibérica, mas independentemente disso quando se
fixaram cá, não aplicavam o direito muçulmano aos outros povos, só os
aplicavam aos crentes na religião islâmica, portanto os outros povos
continuavam a reger-se pelos os seus direitos próprios, seria uma dualidade
legislativa. Entretanto começa o movimento da reconquista cristã lá de cima a
partir do norte da região montanhosa do norte de Portugal, no tempo de D.
31
Afonso Henriques, no que diz respeito ao território português, mesmo antes
deste ser rei, vão-se empurrando para sul os muçulmanos e termina-se a
reconquista cristã a dada altura; os muçulmanos ainda ocupam a parte sul do
território que ainda hoje têm, ou seja, até ao séc. XV, mas nesta altura saem do
sul de Espanha (reino de Granada), entretanto os muçulmanos tinham vivido cá
durante séculos, tinham aplicado o direito muçulmano a eles próprios e tinham
permitido que os outros povos continuassem a reger-se pelo seu direito, portanto
maioritariamente pelo direito visigótico, mas o direito visigótico era influenciado
pelo direito romano, havia códigos visigóticos cheios de direito romano, por isso
quando chegamos ao limiar da nacionalidade: a nacionalidade portuguesa
reforma-se, o país já existe como tal, ainda não existem leis portuguesas no
princípio então aplica-se o costume e o direito que vem de trás que será o código
visigótico. Assim, o direito que temos depois da fundação da nacionalidade nos
primeiros tempos é igual ao direito que tínhamos antes da fundação da
nacionalidade nos últimos tempos, isto é, costume a nível local, direito germânico
e código visigótico ao nível legislado, foi assim até aos reis portugueses ao invés
de darem prioridade à conquista e reconquista do território terem começado a
fazer mais. Quando os reis portugueses começam a legislar, começa a aparecer
o direito português legislado e a partir daí pode dispensar-se o código visigótico,
enquanto os leis portugueses não fazem leis continua a aplicar-se o código
visigótico.

26.03

Pág. 184 e seguintes

“A penetração do direito canónico, não se processou, contudo, sem resistência.


Para já deve citar-se o beneplácito régio.”.

À medida que os séculos avançam vemos algumas restrições no domínio dos


privilégios do clero e também do direito canónico, essa posição que o direito
canónico vai passar a ter de subsidiária é a posição que vai manter durante
muitos anos, até que muitos séculos adiante vai mesmo deixar de ser aplicado

32
como direito subsidiário. Para se explicar esta evolução do clero é preciso
perceber alguns factos, por um lado um instituto que foi introduzido no tempo do
rei D. Pedro I e que se chamou de Beneplácito Régio, que é um instituto que
constitui uma limitação à entrada e à circulação do direito canónico em Portugal,
isto é, o direito só podia entrar e aplicar-se se tivesse um bom acordo do rei,
assim significa que nesta altura, em 1361, o rei não permitia que o direito
canónico todo entrasse e fosse aplicado sem ele concordar com isso; sabemos
isto porque nas Cortes de Elvas em 1361, o rei recebeu protestos do clero, pois
protestaram junto do rei pelas restrições que estavam a ser impostas ao direito
canónico e o rei deu uma explicação indireta que era: como circulavam no país
muitas normas canónicas falsas, era preciso garantir a autenticidade das normas
canónicas e a forma de garantir a sua autenticidade era o rei pôr um selo do seu
acordo.

07.04

O código visigótico é de 654 e foi publicado pelo rei Recesvindo em 654, foi o
último monumento jurídico, o último código elaborado no tempo dos visigodos,
veio revogar as anteriores e esclarecer que era de aplicação territorial, quer isto
dizer que se aplicava a toda a população residente no território dominado pelos
godos.

Até ao século XII seguramente e para alguns autores até ao século XIII, o código
visigótico aplicou-se.
O livro faz também referência a algumas leis, neste caso a algumas normas,
antes da fundação da nacionalidade, aprovadas em 3 Assembleias que foram as
de Leão (1017), Coiança (1050) e Oviedo (1115); assembleias em que participou
o clero e provavelmente outros representantes nesse caso da nobreza, mas para
cuja qualificação não temos elementos suficientes, isto é, não se tem a certeza
se eram Cúrias em que significaria que o elemento laico/civil também teria
participado ou Concílios, mais provavelmente teria havido um predomínio do
elemento eclesiástico em Coiança e Oviedo e em Leão teria havido uma Cúria;
se o elemento eclesiástico era o predominante então seriam Concílios, se fosse
o elemento laico o predominante seriam Cúrias.

33
Os historiadores inclinam-se para que Leão tenha sido uma Cúria (Cúria de
Leão) e Coiança e Oviedo tenham sido Concílios (Concílios de Coiança e
Oviedo).
Isto é importante porque estas normas resultantes destas Assembleias
aplicaram-se também em Portugal, no início da nacionalidade, e há documentos
que comprovam que estas normas estavam em aplicação, de resto elas foram
juradas pelo futuro rei de Portugal e antes disso pela D. Teresa (mãe de D.
Afonso Henriques) e por D. Afonso Henriques, e, portanto, a suposição é
relativamente lógica tendo sido juradas pelo futuro rei de Portugal e antes disso
pela mãe, elas tivessem sido aplicadas em Portugal, portanto já temos como
substrato do direito português da época da fundação da nacionalidade o um
costume, o código visigótico enquanto direito legislado no tempo dos godos, mas
que permaneceu em vigor e as normas resultantes das Cúrias de Leão, Coiança
e Oviedo que ouvi vamos agora ver como é que estava o panorama no início da
nacionalidade acerca das leis gerais portuguesas.

Quanto às leis gerais portuguesas já dissemos 2 vezes numa aula antes de férias
e hoje que havia escassas leis gerais portuguesas e que aquilo que nós hoje
chamaríamos um pacote legislativo, um conjunto de leis, o primeiro só aparece
com a Cúria de 1211 no tempo do rei Afonso II; antes disso existiriam 2 textos
legislativos:
o 1 atribuído a D. Afonso Henriques sobre as Barregãs dos Clérigos;
o outra lei uma provisão atribuída a D. Sanches I sobre isenção de serviço militar
(serviço oste e forçado).

Ao que parece nesta altura os clérigos eram dados a ter barregãs, e portanto, D.
Afonso Henriques quis meter o clero na ordem e terá feito uma primeira lei sobre
as barregãs dos clérigos; D. Sancho I legislou, provavelmente porque essas 2
leis são mal conhecidas e as certezas acerca da sua autoria, terá feito uma lei
que aparece designada por provisão sobre serviço de oste e forçado (isenção de
serviço militar), até 1211 não se conhecem mais leis gerais portuguesas, isto é,
não se conhecem mais leis feitas pelos reis portugueses até ao reinado de
Afonso II.
Em 1211 realiza-se uma Cúria de onde resulta um conjunto de leis, do conjunto
do qual aliás nós já estudamos uma lei sobre a relação entre o direito canónico

34
e o direito do rei (aquela questão sobre a validade do direito do rei face aos
direitos da igreja); esse conjunto de leis é vasto são leis feitas por D. Afonso II,
em Coimbra (Cúria de Coimbra) e para além dessa lei sobre a relação entre o
direito do rei e o direito canónico existem leis sobre os naufrágios, isto é, sobre
o direito relativamente aos bens dos náufragos e aos bens que resultassem
quando os navios dessem à costa, acerca de crimes sobre proteção dos
mosteiros e das igrejas, aquisição do património, sobre as sentenças dadas pelo
crime de traição, sobre crimes praticados por oficiais públicos, portanto
funcionários régios…
Estas leis estão numa compilação de textos de apoio que eu já recorri algumas
vezes e a que voltarei a recorrer de vez em quando e, portanto, este é digamos
assim o primeiro pacote legislativo com 29 leis resultantes da cúria de 1211 e foi
por aqui que começou verdadeiramente a atividade legislativa dos monarcas.

Passados os primeiros reinados Afonso Henriques, D. Sancho I, Afonso II;


estamos no terceiro reinado e já a legislação produzida na Cúria de 1211. No
reinado seguinte com Sancho II a produção legislativa não é muito significativa,
mas já está assumido que o rei tem esse poder (não faz leis se não quer) e a
partir de Afonso III, há um crescendo da legislação régia que corresponde
sempre também a um fortalecimento do poder régio, isto é, à medida que se vão
sucedendo os reinados a prioridade deixa de ser a reconquista do território até
porque a dada altura estava terminada a reconquista que estava em curso do
território até ao Algarve e estava terminado o domínio dos mouros, e portanto,
os reis puderam virar-se para outras tarefas, puderam aplicar a sua atenção
noutras tarefas e estas tarefas foram designadamente a administração do reino
e a função legislativa.
Assim, à medida que o tempo vai avançando e que o território está conquistado
e está aos poucos povoado, o povoamento é também uma tarefa dos primeiros
reis à medida que iam conquistando as terras iam tentando aliciar pessoas para
se fixarem nesses territórios, porque as terras desertas não eram terras
defendidas, as terras desertas eram facilmente perdidas de novo que perante
um eventual avanço dos muçulmanos estavam a ser empurrados para sul, e
portanto, além da reconquista do território havia a tarefa do povoamento a seguir,
mas passados os 2 dos 3 primeiros reinados essas preocupações deixam de ser

35
as prioridades e passam a ser a administração do reino (administração do próprio
território) e o exercício do poder político e aparece como uma função regular
normal do rei legislar, portanto a função legislativa é assumida a partir de Afonso
II e mais concretamente até com o número mais significativo de leis a partir de
Afonso III.
A partir desta altura, aparecem leis sobre os assuntos mais diversos sobre direito
público, mas também sobre direito privado, sobre a propriedade, sobre a
administração da justiça, sobre matéria fiscal, sobre matéria penal, e, portanto,
a legislação do rei passa a ser a forma normal e regular de criação de direito.

Durante os primeiros séculos ainda não haverá condições nem haverá a parte
do rei a tentação de eliminar outras fontes do direito que vão continuar a existir,
a partir desta altura essa legislação é cada vez mais frequente e a tentação do
rei em limitar as outras fontes de direito e transformar a lei na única fonte de
direito vai aumentar (quando isso acontece sabemos que passamos do
pluralismo para o monismo); por enquanto ainda estamos no pluralismo, assim
ainda estamos no tempo em que apesar de aparecerem leis régias, existem
outras fontes de direito que coexistem com a lei.

Só no final do período pluralista é que vamos ter uma situação em que o rei
começa a limitar as outras fontes e a tentar que a lei seja a fonte que predomina
sobre todas as outras fontes e isto ainda não acontece nos reinados de Afonso
II, nem no reinado de Afonso III; acontece para a frente quando se vier a legislar
sobre todas as matérias, se fizerem as ordenações do reino e se vierem a limitar
as possibilidades de utilização de outras fontes do direito, agora ainda estamos
no período pluralista e portanto estamos num período em que essas fontes
coexistem com a lei.

A lei, nesta altura aparecia fundamentada diversas maneiras, mas se


atendermos aos documentos da época aparecem sobretudo os seguintes
fundamentos:
o Vontade Régia;
o Conselho, isto é, o aconselhamento daqueles que eram próximos do rei;
o Cortes;

36
o Razoabilidade ou racionalidade;
o Antiguidade.
A isto é chamado de Fundamentos da Força Vinculativa das Leis.

Isto significa que na prática, o rei justificava o facto de legislar (justificava a


existência de uma lei) por uma ou várias destas razões, por um ou por vários
destes fundamentos; em alguns casos dizia por exemplo, “Eu, Afonso, rei de
Portugal e dos Algarves mando que…” é a vontade do rei, ou seja, ele expressa
através de um comando; outras vezes ele diz “Eu, Afonso, rei de Portugal e dos
Algarves, ouvido o meu conselho mando que…” então invoca o facto de ter sido
aconselhado pela sua Cúria Régia (conselho dos mais próximos) a de legislar de
determinada maneira; ou então “Eu, Afonso, rei de Portugal e dos Algarves,
ouvidas as Cortes em Leiria mando que…”; portanto estes fundamentos eram
invocados desde sempre, desde o início para justificarem a força vinculativa das
leis e muitas vezes o rei limitava-se a dizer “é assim porque eu mando” e então
invoca a vontade régia, outras vezes dizia “é assim porque ouvido o meu
conselho cheguei a esta decisão”, ou “é assim, vai-se fazer assim porque
ouvidas as cortes a nação quis que fosse assim” ou “é assim porque desde
tempos muito antigos que se faz assim numa certa região e é racional e é assim
que é bem feito e portanto vamos fazer assim em todo o lado”, portanto estes
estão os fundamentos invocados com maior frequência para a força vinculativa
da lei.
Por exemplo, logo no texto da Cúria de 1211, o preâmbulo onde se diz o seguinte
“No primeiro ano em que reinou um nobre rei de Portugal D. Afonso II…”.

08.04

Nós estivemos ontem a tratar do chamado direito legislado e retomamos um


bocadinho a temática do código visigótico que já vinha do mal anterior para
relembrar a importância do código visigótico mesmo em tempos posteriores à
fundação da nacionalidade, falámos das leis aprovadas nas assembleias de
Leão, Coiança e Oviedo, falámos das primeiras leis gerais portuguesas daqueles
casos e raros que aconteceram nos primeiros reinados e depois do primeiro
pacote legislativo de 29 leis saídas da Cúria de 1211, no tempo de Afonso

37
segundo que representam a primeira iniciativa legislativa com alguma
envergadura e alguma consequência, isto é, que marca o início legislação régia
produzida com alguma regularidade, tratamos dos fundamentos da força
vinculativa das leis, isto é, das razões invocadas muitas vezes pela própria lei
para obrigarem, serem vinculativas e entre estes fundamentos citara-se a
Vontade Régia, o Conselho, as Cortes, a Razoabilidade ou Racionalidade e a
Antiguidade.
Hoje iremos falar das questões relacionadas com a aplicação da lei no tempo e
no espaço e também as questões relacionadas com a interpretação da lei…

O princípio ainda hoje em vigor e hoje mais do que nunca diria em vigor é o que
“a ignorância da lei não releva”, isto é, o facto de alguém poder dizer que não
conhece uma lei, isso não é considerada relevante para o seu incumprimento,
portanto as pessoas têm de conhecer a lei, portanto o facto da ignorância da lei
não relevar está associado naturalmente à necessidade e ao princípio da
publicidade dos atos legislativos, isto é, para que a ignorância da lei não releve
é preciso que tenha havido uma divulgação dessa lei por forma a que as pessoas
com uma diligência de um bom pai de família diria eu para usar uma expressão
que aprendemos há uns tempos atrás, com a diligência de que é exigível a um
bom pai de família tivesse podido conhecer, portanto que o cidadão comum
pudesse ter tido acesso a ela; portanto naturalmente que é desde cedo que se
tornou obrigatório dar conhecimento público das leis. No período pluralista essa
obrigação já existia, mas na altura não existia naturalmente um diário da
monarquia, hoje é o Diário da República na altura então só se fosse o diário da
monarquia, portanto este não existia uma publicação pela simples razão de que
na altura do período pluralista nem a imprensa existia.
Até ao séc. XV não havia imprensa, e portanto, os textos circulavam manuscritos
e a sua divulgação era muitíssimo mais difícil. Como é que se fazia neste caso
o conhecimento público da lei?? Se não havia a possibilidade de divulgar a lei
de forma escrita como é que circulava e como é que era conhecida a lei??
Primeiro tinham de se fazer cópias manuscritas da lei original que era guardada
nos livros de chancelaria, portanto o rei tinha à sua volta uma máquina
administrativa que era a Chancelaria Régia, nesta chancelaria registavam-se as
leis em livros próprios e dessas leis eram tiradas cópias a que na altura, nos

38
documentos antigos, com alguma frequência aparecem designadas por
TRASLADOS DA LEI; estas cópias que eram redigidas à mão por copistas
circulavam pelo país através de por exemplo, dos representantes dos Conselhos
às Cortes (os municípios faziam-se representar nas cortes através dos seus
homens bons, daqueles que eram considerados as pessoas mais prestigiadas
da comunidade e esses homens bons quando chegavam aos seus conselhos
levando uma cópia da lei que lhes tinha sido passada pela chancelaria
entregavam-na nos órgãos do município para que a população e os juízes locais
as pudessem conhecer), mas seguido disto havia uma prática que era “Como é
que a população geral conhecia a lei?”, isto é, não era garantido que essa
divulgação fosse homogénea no país inteiro e que toda a gente tivesse acesso
ao conhecimento da lei de forma idêntica, portanto havia uma leitura pública das
leis ao domingo à saída da missa (era uma prática corrente que depois da missa
dominical as novas leis fossem lidas para que a população as ouvisse ler no
largo da igreja).

NOTA: Em todas as vilas portuguesas existe uma praça principal maior ou menor
com uma igreja e às vezes com um pequeno jardim e muitas vezes com um
Pelourinho.

A lei era lida, a leitura pública era feita como que nos termos em que já se disse
com uma periodicidade variada, muitas vezes a própria lei dizia quantos
domingos devia ser lida, muitas leis diziam que a própria lei devia ser lida todos
os domingos durante 3 meses, por exemplo, e, portanto, era assim que era dada
publicidade às leis.
A lei era registada em livros próprios, e portanto a partir desse momento a
ignorância da lei não podia servir de desculpa, a lei tinha sido divulgada, lida, os
habitantes das vilas, das cidades e das aldeias tinham tido conhecimento da lei
através dessa leitura e a partir daí ninguém evidentemente tinha desculpa para
dizer que não conhecia a lei, isto é, que tinha feito determinada coisa mal,
cometido determinado crime porque não sabia que era crime ou porque não tinha
obedecido à lei porque não conhecia a existência da lei; a questão da ignorância
da lei e da sua relevância prende-se diretamente com a obrigatoriedade de
publicação das leis.

39
Relativamente ao problema da aplicação da lei no espaço e no tempo:
1. Primeiro aspeto tem que ver com “Qual é o âmbito espacial da obrigatoriedade
da lei?”, isto é, todas as leis se aplicavam a todo o país ou essa aplicação da
lei não era generalizada?
Aquilo que nós sabemos é que nesta altura (período pluralista) nesta altura
muitas normas tinham uma outra designação precisamente porque não
tinham caráter geral, chamavam-se de Posturas, que eram normas de caráter
local; não existiam apenas leis de caráter geral aplicados a todo o território,
existam também Posturas, que eram normas feitas por exemplo, num
município para aplicação do território municipal.
2. Em relação ao segundo aspeto que é o da aplicação da lei no tempo, como
nós sabemos a regra hoje é de que a lei se torna efetiva a partir do momento
em que a própria data da lei o diga ou se a lei nada disser, quando passar a
vacatio legis (após 5 dias), portanto nesta altura começa-se a esboçar essa
ideia que ainda hoje esse princípio (hoje sem exceções), na altura ainda a
esboçar-se a regra de que devia haver um período que mediava entre a
divulgação da lei e a sua entrada em vigor; não existia uma regra única, e
portanto, era frequente que a própria lei dissesse quando é que ela entrava
em vigor e a partir de certa altura começa-se a instituir um período de vacatio
legis, também não é único para todas as leis, por exemplo no período monista
a vacatio legis vai variar consoante as leis são para ser aplicadas em território
continental ou se destinam a ser aplicadas nas ilhas ou nos territórios
ultramarinos, e isto compreende-se porque era preciso dar tempo a que o
conhecimento da lei chegasse às regiões mais afastadas do continente,
portanto nesta altura a situação é “não existe uma regra única quanto à
entrada em vigor da lei, há diversos prazos consoante os casos; as próprias
leis muitas vezes indicam a partir de quando é que entram em vigor mas
progressivamente vai-se criando a prática de instituir uma vacatio legis única,
mas dependendo do território com prazo variável.

Entretanto há uma outra questão também se coloca relativamente à aplicação


da lei no tempo, que é a questão de saber se a lei se aplicava apenas para
futuro ou se era possível nesta altura a aplicação retroativa das leis.
O princípio hoje em dia é o Princípio da não retroatividade da lei.

40
Hoje em dia, o princípio é o de que a lei só pode vigorar para casos futuros;
nesta altura no período pluralista esta condição da lei não está garantida,
portanto há muitas exceções que se verificam no período pluralista ao
princípio da irretroatividade da lei. A partir do século XIV, algumas leis
começam a explicitar que só se aplicam aos casos futuros ,e portanto, começa
aí no século XIV a delinear-se esta consagração deste princípio da
irretroatividade das leis, mas ao longo de todo o período pluralista este
princípio não está garantido e por isso, aparecem muitos casos, mesmo em
matérias em que hoje nos chocaria a aplicação retroativa de uma lei, como é
o caso da matéria penal, que nesta altura não estava garantido ainda o
princípio da irretroatividade da lei, portanto havia leis retroativas no período
pluralista.

Porque é que será que seria particularmente grave a aplicação de um


princípio de retroatividade ou permitir-se uma retroatividade da lei em
matéria penal?

O princípio é ainda mais grave ainda em matéria penal, porque se permitisse a


aplicação retroativa de uma lei penal as pessoas podiam vir a ser punidas por
comportamentos que à data em que foram praticados não eram crime, portanto
este princípio anda de braço dado em matéria penal com o chamado princípio
da legalidade, isto é, um comportamento só pode ser considerado crime quando
a lei o considera como tal, quando a lei o tipifica como crime e pode-se aplicar
para casos futuros. Portanto, se eu pratiquei um ato que à data da sua prática
não era crime eu não posso no futuro ser penalizada e cumprir uma pena pelo
ato que eu cometi há 5 anos atrás quando ele ainda não era considerado crime.
Em matéria penal é particularmente relevante que uma lei não seja retroativa, de
facto isto tem a ver com o princípio de segurança na aplicação direito que é
particularmente sensível no direito penal.

Há questões relacionadas com a interpretação da lei que nesta altura como ainda
hoje muitas vezes as leis suscitam dúvidas, portanto justificava-se que estas
dúvidas fossem resolvidas. Uma das formas de interpretação ad lei é a forma
autêntica. Nesta altura muitas vezes quem interpretava lei era quem a tinha feito,
portanto muitas vezes, a lei era interpretada por uma segunda lei que vinha

41
aclarar ou declarar o sentido da lei inicial, portanto quando uma lei suscitava
dúvidas elas muitas vezes resultavam na elaboração de uma lei que vinha
aclarar essas dúvidas. Mais tarde, muitas vezes as dúvidas passaram a ser
esclarecidas através de decisões dos tribunais, aclaratória. Portanto, os tribunais
através de assentos passam mais tarde (não existia ainda no período pluralista)
a poderem também esclarecer e resolver casos duvidosos.

A lei é sempre produzida pelo poder político que, nesta altura, é um poder
organizado sob a forma de uma monarquia, pelo que o rei é o legislador, sendo
ele quem esclarece as dúvidas que surgem.

Por exemplo, uma lei de Afonso II sobre os funcionários superiores:

“Eu, Afonso, rei de Portugal pela Graça de Deus, faço saber a todos os que virem
este documento que, o meu alferes, o meu mordomo e o meu chanceler, quando
estiverem ausentes em serviço, (…), devem indicar-me um substituto antes de
se ausentarem, escolhendo entre homens sensatos.”

Se nesta lei tivesse surgido alguma dúvida, Afonso teria que dizer algo do género
“(…) por terem surgido dúvidas quanto a x lei, declaro que, ou aclaro que …”.

Legislação que se aplicava em Portugal no período pluralista

O Código Visigótico não era o único direito legislado não português que se
aplicava, aplicavam-se também obras de direito castelhano, por estarem escritas
numa língua que os juízes portugueses entendiam, por serem acessíveis e
circularem com facilidade.

A prova disso é a existência de muitos fragmentos das Siete Partidas (entre 1263
e 1265), criadas em Castela pelo rei Afonso X, Sábio de Castela, circularam em
Portugal abundantemente, por insuficiência de leis portuguesas.

A aplicação das Sete Partidas chegou a ser abusiva, de tal maneira que, a dada
altura, nas Cortes de Elvas de 1361, houve protestos apresentados ao rei
dizendo que as Partidas estavam a ser aplicadas em detrimento do direito
português.

42
Haviam outras obras relevantes, como a Summo Flores do Direito ou Flores das
Leis, uma outra obra chamada Tempo dos Preitos (processos) ou Nove Tempos
do Juízo e, por fim, uma obra chamada Foro Real, que se aplicava
subsidiariamente em algumas regiões em Castela e que, aparentemente
também se aplicou em Portugal.
Assim, no período pluralista houve 4 obras elaboradas em Castela que foram
conhecidas em Portugal:
• As Sete Partidas, organizada por matéria em 7 partes;
• A Summo Flores do Direito/Summo Flores das Leis, é uma obra de direito
processual;
• Os Tempos dos Preitos/Nove Tempos do Juízo, era um tratado de direito
processual em 9 partes que apresentava desde o início da ação até à
sentença todas as fases em que se dividia o processo judicial;
• O Foro Real, é uma obra de direito local aplicável para preenchimento de
lacunas do direito local de algumas terras (feito pelo rei).

O direito romano justinianeu tinha renascido na Europa nos séculos XII e


seguintes, e estava a entrar em Portugal no século XIII. O que acontece é que
os juízes locais ainda não tinham conhecimento desse direito e, quando vieram
a ter um pouco mais tarde, manifestaram grande dificuldade em conhecê-lo.

A dada altura houve necessidade de organizar, compilar as leis portuguesas, o


que não resultou propriamente de uma iniciativa oficial no primeiro caso, não tem
autor conhecido, mas aparece uma primeira compilação de leis, conhecida por
Livro de Leis e Posturas.

Este livro é a mais antiga compilação de leis gerais portuguesas que existe, com
leis de D. Afonso II até D. Afonso IV (séculos XIII e XIV) e não tem um critério
único para organização das leis.

Esta compilação resultou da necessidade de juntar as leis num volume único em


que estas fossem mais fáceis de consultar. Não houve ainda uma intenção de
fazer uma compilação organizada de leis.

Essa intenção de organizar as leis por uma certa ordem, pode ter acontecido
com as Ordenações de D. Duarte, encontradas na biblioteca do rei D. Duarte,
que lhes acrescentou um discurso introdutório sobre as virtudes do bom julgador.
43
Mais tardias e mais perfeitas do que o Livro de Leis e Posturas, têm as leis
organizadas por reinados.

14.04

Estas cartas de privilégio em sentido restrito, portanto as cartas que instituíam


um regime jurídico criavam normas que regiam uma comunidade, a tipologia tem
haver com várias coisas, o memento em que apareceram, a complexidade das
matérias que visam, a iniciativa de quem as promoveu, e, portanto, distinguimos
nas cartas de privilégio que vamos tratar as cartas de povoação, os forais e os
foros.
o No caso das cartas de povoação, têm como objetivo atrair população a um
determinado território; era um documento muito utilizado nos primeiros
tempos, há cartas de povoação anteriores à fundação da nacionalidade (no
tempo em que havia o Condado), com o objetivo de atrair pessoas àquela
terra e continuam a existir depois da fundação da nacionalidade; eram
documentos pequenos, sintéticos que geralmente tratavam apenas das
condições de assentamento na terra, isto é, eram condições que eram dadas
a uma determinada eram condições dadas a uma determinada população
para se fixar num certo lugar, por exemplo estas cartas podiam ser atribuídas
pelos senhores da terra (quer fosse particular quer fosse o rei), estas cartas
atribuíam isenções, benefícios do ponto de vista tributário, portanto a ideia era
criar condições favoráveis através de uma carta que atraíssem população
para aquele lugar.
Há uma polémica, que é se as cartas de povoação eram atos unilaterais ou
contratos, isto é, a doutrina discutiu em tempos próximos de nós qual das duas
opções seria a correta, a importância desta discussão será na prática saber
se quem outorgava a carta de povoação decidia tudo ou se havia alguma
margem negocial entre quem fixava as condições e quem deveria aceitá-las.
Os professores Ruy e Martim de Albuquerque entendem que se fossem
contratos não seriam quaisquer contratos, mas uns contratos muito especiais,
isto é, seriam contratos normativos ou contratos de adesão, assim a tese para
que se inclinam os professores de Albuquerque é a tese de que as cartas de

44
povoação eram outorgadas unilateralmente pelo senhor, o senhor da terra
fosse uma ordem eclesiástica, fosse um nobre ou rei, para atrair população
para uma determinada terra fixava condições favoráveis, nomeadamente no
domínio fiscal, relativamente às condições de exploração da terra porque era
comum nesta altura que o senhor da terra entregasse essa terra para ser
cultivada e cobrasse ,por exemplo uma parte dos cereais, uma parte do vinho,
e portanto havia impostos em espécie para além de haver tributos que se
pagavam, por exemplo, para atravessar de uma localidade para outra (
impostos de portagem, impostos de viagem), portanto os senhores através
das cartas de povoação atribuíam condições mais favoráveis do que era
habitual para atraírem pessoas para aquela terra; alguns autores e
nomeadamente um autor espanhol que é citado nas lições chamado Eduardo
de Hinojosa, vieram defender o carácter contratual destas cartas dizendo que
não havia liberdade de estipulação, isto é, não havia por parte da população
a quem a carta se destinava liberdade de estipular o seu conteúdo, mas havia
liberdade de celebração, ou seja, as pessoas não iam para lá obrigadas
apenas aceitavam aquelas condições se quisessem.
Os professores Albuquerque reduzem esta questão e a sua opinião é de que
muito provavelmente eram atos unilaterais, mas se alguém quiser considerá-
las como atos com uma natureza contratual (bilaterais) então teriam de ser
contratos normativos e contratos de adesão.
Sendo as cartas de povoação documentos breves sintéticos, fixando
condições de assentamento na terra a maioria da doutrina considera que são
atos jurídicos unilaterais; alguns autores na doutrina recente como é exemplo,
o professor Eduardo Lima Rosa vieram defender que poderiam ser contratos
desde que com uma natureza especial, os professores Albuquerque embora
prefiram a tese dos atos unilaterais vêm ensinar que se fossem contratos,
seriam contratos de adesão e contratos normativos, classificados à luz
obviamente de categorias contemporâneas porque este tipo de contratos
nunca foi teorizado por ninguém na Idade Média evidentemente são
categorias modernas, mas à luz dessas nossas categorias modernas seriam
contratos coletivos e contratos de adesão, portanto contratos em que as
pessoas aderiam sem estipular nada do seu conteúdo e contratos que se

45
aplicariam aos novos aderentes no futuro como se se tratasse de normas
fechadas em que eles não pudessem alterar nada.

o Quanto às cartas de foral, que também se chamam FORAIS; são cartas mais
completas do que as cartas de povoação, preveem para além das condições
de assentamento na terra várias outras matérias sendo as mesmas de direito
público, direito administrativo, fiscal e penal, raramente matéria do direito
privado, constituem uma disciplina jurídica própria para a comunidade que se
referem sobrepondo-se, prevalecendo em relação a essa comunidade
relativamente às poucas leis gerais que existiam e aplicavam-se na altura,
portanto nos séculos em que foram atribuídos no período pluralista aplicavam-
se preferencialmente relativamente às poucas leis gerais que na altura
existiam, portanto estamos a falar de cartas mais tardias aparecem mais tarde
do que as cartas de povoação. De resto isto é uma manifestação de um
princípio que nós ainda hoje conhecemos, o princípio de que a norma especial
prevalece sobre a norma geral.
Ou seja, aqui o princípio é, as normas do foral prevalecem sobre as normas
gerais da lei (não vai durar muito). Os forais é são cartas muito frequentes, há
muitas terras portuguesas que tiveram forais, são documentos que
considerem que se consideram uma espécie de símbolo da autonomia
municipal (há terras de todo o país que receberam um foral e que o conservam
hoje nos Passos do Concelho como uma preciosidade), portanto o foral que
está na base da autonomia dos municípios em alguns casos os forais criaram
o próprio município, e portanto, são um documento muito importante na
história medieval portuguesa e na história do direito medieval português.
Os forais classificam-se em relação a 4 critérios:
▪ Quanto à entidade outorgante, isto é, quem é que atribuiu o foral?
▪ Quanto ao molde ou matriz, isto é, qual é o modelo base do foral; o foral
segue algum modelo que outros já seguiram? Entra numa espécie de
molde, numa matriz específica ou fica fora da caixa que é diferente de
todos os outros?
▪ Quanto ao maior ou menor grau de complexidade das instituições
municipais, portanto o foral distingue-se também consoante as

46
instituições do município são mais simples, mais rudimentares ou mais
complexas.
▪ Quanto ao seu grau de originalidade.

Assim, de acordo com estes 4 critérios quem é que outorgou o foral? Foi o
rei ou foram particulares?
Quanto ao molde ou matriz, em que modelo é que aquele foral encaixa? É no
modelo do foram de Lisboa, de Évora…?
Quanto à maior ou menor complexidade das instituições municipais, é um
foral correspondente a um município que ainda não têm órgãos comunitários
organizados ou é um foral correspondente ao município que já tem uma
grande complexidade nas suas instituições, já tem um juiz, já tem uma
assembleia constituída pelo povo…?
Quanto ao grau de originalidade, é um primeiro foral atribuído àquela terra ou
é já um segundo foral que aumenta o primeiro ou que que amplia o primeiro
foral?
De acordo com estes critérios vamos ver quais são as classificações de
forais.

15.04

Os Forais distinguiam-se quanto à entidade outorgante, quanto ao grau de


originalidade, quanto à menor ou maior complexidade das instituições municipais
e quanto ao molde ou matriz.

Como se classificam os forais de acordo com estes critérios:

Quanto à entidade outorgantes, os forais podiam ser régios e particulares porque


eles podiam ser atribuídos por um senhor da Terra que era privado e que dava
à comunidade que trabalhava e que vivia nas suas terras uma carta foral (carta
foral e foral é a mesma coisa) ou podia ser outorgado pelo rei em relação às
terras da coroa, portanto em relação às terras que eram património da coroa.

Os Forais podiam ser quanto ao molde, podiam agrupar-se por famílias, isto é,
as famílias de forais são conjuntos de Forais que assentam no mesmo modelo
(Lisboa, Santarém, Évora ou Ávila, Salamanca, são exemplos de famílias forais).
47
Porque é que aparecem 2 nomes? Porque às vezes nem se tem muita certeza
qual foi o foral que inspirou outro, e quando não se tem a certeza põe se lá os
nomes dos 2.

Famílias de forais tem a ver com os conjuntos forais que seguem a mesma
matriz, exemplos disso são os forais da família Lisboa-Santarém ou os forais da
família Évora ou Ávila. Portanto o que é que se passou aqui para se constituir
uma família de forais:

Uma destas terras teve um foral atribuído por um senhor ou por um rei, portanto
o foral era particular ou um foral régio e depois as terras em volta copiaram o
mesmo foral, reproduziram com ligeiras alterações, com as adequações
necessárias, reproduziram mesmo farol e por isso é que se diz Lisboa-Santarém,
porque o foral de Lisboa e o foral de Santarém têm as mesmas características.
O foral de Évora ou Ávila, também têm as mesmas características. O foral de
Salamanca, que é uma cidade espanhola que hoje em dia nem sequer é
portuguesa, inspirou uma série de forais portugueses da época, na zona da beira
alta e na zona do interior e portanto nós encontramos forais semelhantes de um
lado e do outro da fronteira e porquê, porque as populações na prática em certas
localidades do território viviam da mesma maneira com os mesmos costumes
independentemente de haver uma linha política que separava um país do outro
e portanto encontramos estes detalhes muito idênticos.

Os forais da família de Salamanca são muito mais duros, são rurais e por
exemplo em matéria penal muito mais pesados do que os forais da família de
Lisboa-Santarém, mesmo em relação a certos mecanismos, como por exemplo
a prova, é nos forais de Salamanca que se encontram mais as provas chamadas
irracionais, por exemplo a prova caldária (onde se introduzia uma mão numa
caldeira de água a ferver e tirar as pedras do fundo da caldeira, depois interpretar
os sinais da culpabilidade e inocência da pessoas em relação ao estado das
feridas), portanto algumas destas provas perfeitamente irracionais que hoje nos
parecem absolutamente impossíveis, aconteciam nessa altura e estavam
sobretudo nas família de forais de Salamanca onde o direito penal e o direito
processual eram bastante mais pesados do que os forais da região do sul, como
Lisboa Santarém ou Évora ou Ávila.

48
Portanto em relação à complexidade das instituições municipais, havia terras
que por esta altura, séculos 11/12 em Portugal, já estavam bastante mais
organizadas do ponto de vista administrativo, já tinham pessoas que faziam parte
da estrutura municipal e tinham, portanto, forais mais complexos, outros locais
tinham forais mais rudimentares.

Os forais distinguem-se em rudimentares, imperfeitos e perfeitos, consoante a


complexidade dos municípios. O grau de complexidade dos forais acompanhava
o grau de desenvolvimento dos conselhos.
Atendendo ao grau de originalidade, os forais podiam considerar-se originários
(primeiro foral atribuído a uma terra), ampliativos (quando acrescentavam
alguma coisa ao foral anterior) ou meramente confirmativos (limitavam-se a
confirmar o foral anterior).
Os Forais não tinham de ser confirmados, apenas se fosse pedida pelo povo
esta confirmação ou confirmados por iniciativa do novo rei.

Porque é que era preciso confirmar, ou porque se justificava?


Porque os município eram muito orgulhosos da sua carta de foral e às vezes
tinham receio que vindo um rei novo, lhes quisesse tirar o foral e então muitas
vezes o rei, para deixar claro que respeitava o foral atribuído àquela terra,
confirmava o foral, portanto muitas vezes o foral confirmativo é um documento
só com meia dúzia de linhas e que se diz qualquer coisa do género “Eu Afonso
rei de Portugal e do Algarve confirmo o foral atribuído à Terra de (nome da terra),
pelo senhor meu pai, assim fica respeitado”, era uma conversa que se destinava
apenas a tranquilizar no fundo a população dizendo que o novo rei confirmava o
foral atribuído pelo rei anterior. Mas às vezes o rei aproveitava e acrescentava
mais alguma coisa, portanto quando acrescentava alguma coisa nessa nova
carta, nesse novo documento, então o foral não era meramente confirmativo, era
também ampliativo.

Citação - Foral de Lisboa de 1179

“Carta de foral dada por Dom Afonso Henriques em 1179” depois “confirmação
de dom Sancho em 1204” e “confirmação de Afonso III em 1224”

Este foral de Lisboa foi confirmado por 2 vezes.


49
Contém também normas por exemplo sobre a defesa do município, sobre os
direitos das pessoas, sobre as questões económicas, a produção do vinho, do
milho, do trigo, do azeite, de legumes, sobre pecuária, sobre direito penal (por
exemplo “quem entrar numa casa violentamente armado, havendo testemunhas
presenciais que sejam homens bons, pague 500 soldos, sem se lhe admitir
defender-se em juízo. Se dentro da casa o agressor for morto, o dono da casa
ou quem o matar, pague um maravedi. O homicídio ou rapto cometido
publicamente, pague 500 soldos. O furto provado pelo testemunho de homens
bons seja composto pelo valor correspondente a 9 vezes o da coisa furtada”.

Isto é um instituto do direito penal chamado “anoveado”. Eram pessoas com


prestígio local que desempenhavam os cargos de juiz, representante dos
municípios nas cortes, eram a classe mais prestigiada dentro da população
municipal, desempenhavam cargos públicos. Os cargos atribuídos aos homens
bons também estavam mencionados nos forais.

Os Homens bons eram pessoas consideradas mais prestigiadas nos municípios,


aparecem referidos nos documentos antigos como boni homines.

Muito daquilo que interessava para regular a vida diária das populações estava
nos forais, isto está nos forais de Lisboa e em todos os forais do tipo Lisboa-
Santarém.

Comunicação de costume – isto é, as terras que estavam próximas umas das


outras e tinham os mesmos costumes, tinham as mesmas práticas refletidas nos
seus forais.

O que nós observamos quando conhecemos estes forais é que o seu conteúdo
varia de região para região, mas dentro de uma região há muitos florais
parecidos e às vezes aparecem isoladamente uns aqui e ali que pertencem a
uma família geograficamente diferente.

Foros

50
Também chamados de Estatutos ou Costumes Municipais. É outro tipo de cartas
de privilégio (Cartas de Povoação, Forais ou Cartas de Foral e Foros ou
Estatutos Municipais).

Diferenças entre Foros e Forais:


• Os Foros eram mais tardios, apareceram depois dos Forais, no século 13.
• São mais completos, têm mais normas e matérias.
• Não são atribuídos por alguém, são da iniciativa dos próprios habitantes do
concelho.

Os Homens bons, muitas vezes escreviam os costumes, escreviam num caderno


(Cadernos Municipais) os costumes da terra juntavam, por exemplo, um foral
antigo, juntavam-lhe algumas cópias de lei e com isto faziam o Caderno de Foros
Municipais.

Portanto, são documentos mais tardios do que os forais, mais complexos que
resultam da iniciativa dos próprios habitantes do concelho e que têm mais
matéria de direito privado (exemplo: normas sobre direito da família, não
aparecem nos forais, mas sim nos foros).

O Caderno de Foros da Guarda é celebre por conter, entre outras coisas,


fragmentos de obras de direito castelhano.

Nos Foros também há o fenómeno das famílias, mas de forma menos acentuada,
chamava-se comunicação de costumes (exemplo: Famílias de Cima Coa ou de
Riba Coa). Portanto, os Foros de outras regiões eram todos parecidos.

Costume e Direito Judicial (Páginas 239 e seguintes na edição da professora)

(Recapitular) Costume – Prática reiterada com convicção de obrigatoriedade

O Costume no período pluralista era uma prática que se repetia e que se


identifica muito, neste período, com o chamado direito não escrito. Portanto, não
é apenas o costume que hoje definimos como fonte de direito é todo o direito
não escrito. Muitas vezes aparecia designado por outras expressões como
Consuetudo, Mos e Usus. Os costumes já existiam anteriormente á fundação da

51
nacionalidade e muitos deles eram vestígios de práticas que outros povos
deixaram (Romanos, Visigodos e Mouros).

Dos germânicos resultou o Código Visigótico (654).

Quando os reis começaram a legislar encontraram costumes que eles


consideraram que eram de manter, achando que os costumes eram bons,
transformaram-nos em leis, achando que eram maus, tentaram acabar com eles
(exemplo: vindicta privada).

O costume era um direito não escrito, de criação espontânea que nascia no seio
da comunidade, consistia na repetição de uma conduta, quando a comunidade
adquiria a convicção que essa conduta era vinculativa e que os costumes que
existiam no tempo em que Portugal se formou eram costumes muito
heterogéneos e diferentes de uma região do país para outra porque correspondia
a influencias de povos dominantes de uma região. Não é por acaso que existem
tantas diferenças de costumes entre o Norte e o Sul.

Requisitos de validade do costume:


• Tinha de ser plural (um ato único não faz um costume)
• Tinha que ser antigo (também se chamava prescrito)
• Devia ser racional
• Ter o consenso da comunidade
• Alguns autores exigiam que fosse conforma a lei divina e a lei natural

Relativamente ao valor jurídico do costume, nesta altura o costume é a fonte


principal do direito até ao aparecimento da legislação geral. A par das cartas de
privilégio é o principal direito do reino e o primeiro a aparecer. Com o aumento
da legislação geral o costume passa a ter a concorrência da lei. O costume pode
ser afastado pela lei. Nesta altura é uma fonte relevante.

Direito Judicial
É o setor normativo que resulte da atividade dos tribunais na aplicação do direito.
No direito judicial estudamos 3 figuras:
• O Estilo;
• As Façanhas;

52
• Os Alvidros.

Em regra, a atividade dos tribunais não cria direito, os tribunais aplicam direito.
Mas pontualmente acontece que os tribunais pudessem interpretar uma lei ou
fixar um precedente, portanto, fixar através de uma decisão judicial um
precedente que devesse ser seguido em casos futuros. O Direito português não
assenta nesta regra. Mas na falta de normas legais, a prática de um juiz repetida
ao longo do tempo e imitada por outro juiz provocava/criava aquilo que se
chamada estilo, a que também se chama costume judicial, é um costume, mas
que não nasce na comunidade, nasce na prática dos tribunais.

Quando isto acontecia, perante uma lacuna na lei, perante uma falta de norma
para decidir determinada matéria, o juiz decidia de uma determinada forma e
repetindo-se essa forma e havendo outros que a seguiam, formava-se um estilo.

Este estilo quando era proferido no tribunal superior, quando era criado num
tribunal superior chamava-se Costume em casa Del Rei. A casa Del Rei era a
corte. Era um estilo criado pela repetição de uma prática por parte de um juiz do
tribunal superior. O tribunal superior na altura tem uma designação específica, é
a Cúria Régia.

O estilo pode incidir sobre matérias de direito substantivo ou


exclusivamente sobre matérias de direito processual?
As normas de direito substantivo fixam direito e deveres, já as de direito
processual determinam o modo como se exercem os direitos e como se
cumprem os deveres.
Exemplo: A norma que diz que todos os cidadãos devem ter acesso aos
tribunais, é uma norma de direito substantivo. A norma que diz que uma parte
num processo tem 20 dias para contestar numa ação, é uma norma de direito
processual.
A doutrina dividiu-se, mas o grande jurista Bártolo entendia que só podia formar-
se um estilo em matéria de direito processual.

O estilo tinha requisitos:


• Ser plural;
• Ser racional;
• Ser conforme o direito suprapositivo (direito divino e direito natural).
53
Qual foi o destino do estilo? Qual era o valor do estilo face á lei?
Nos primeiros tempos, admite-se que houvessem estilos que se sobrepusessem
a normas legais, como em todas as outras fontes.
A partir do século XIV, começam a aparecer leis em que se diz expressamente
“ainda que um estilo determine o contrário, a lei valerá” – cláusulas
derrogatórias do estilo, isto é, as leis começam a dizer que mesmo que existam
estilos em contrário, a lei é que vale.

Obrigatoriedade dos estilos


A doutrina sempre fez a distinção entre:
• Estilos formados em tribunais inferiores, eram considerados meramente
indicativos.
• Estilos que provinham de tribunais superiores (costume em casa del rei),
nestes casos admitia-se que os estilos fossem obrigatórios para os restantes
juízes, portanto, constituísse aqui um precedente que devia ser seguido.

22.04

Para terminarmos a matéria do direito judicial, falta falar de 2 figuras: as


Façanhas e os Alvidros.
Em relação às façanhas, no sentido judicial, significa um caso duvidoso,
controverso em relação ao qual não há antecedentes e, portanto, suscita dúvidas
quanto à sua resolução.
A façanha funciona como uma espécie de julgamento por exemplos, isto é, num
caso duvidoso, num caso controverso o juiz decide de uma determinada forma
e então quando surge uma situação idêntica usa-se a façanha para decidir o
caso novo da mesma forma, por isto é que se diz que as façanhas são
julgamentos por exemplos. Não é a mesma coisa que o estilo, porque o estilo é
um costume judicial, resulta da repetição de uma conduta por parte do tribunal
em relação a uma questão processual, enquanto que na façanha o que se emite
é a sentença, ou seja, há uma decisão judicial e essa decisão funciona como um
exemplo para um caso semelhante.

54
No caso das façanhas, como nos outros casos das outras fontes que já
estudamos; no início a façanha podia aplicar-se independentemente de existir
uma lei sobre o assunto, em regra não existia porque a façanha aparecia
precisamente para resolver um caso inusitado/controverso/diferente, mas a certa
altura a lei começa a dispor que “não obstante a existência de façanhas em
contrário é a lei válida”, isto é, a lei a dada altura começa a deixar claro que
mesmo que exista uma façanha que oriente para uma sentença diferente o que
vale é a lei; à semelhança do que já tinha feito o costume, à semelhança do que
já tinha feito o estilo.

Relativamente aos alvidros, designam quer os juízes, quer as pessoas que


julgavam, quer as suas decisões; portanto a expressão “alvidro” designa 2
realidades paralelas, sendo elas: as pessoas que tomam a decisão e a decisão
propriamente dita; e funcionam como um tribunal arbitral, isto é, decidem dentro
da competência em que as partes lhe atribuem e são normalmente usadas para
tentar um acordo entre as partes, portanto, é uma espécie de tribunal arbitral em
que os juízes são escolhidos pelas partes e tentam pô-las de acordo umas com
as outras, pondo fim ao conflito. Na prática são uma espécie de tribunal informal,
diz-se nas Lições que os alvidros eram usados em “composições”, a composição
é uma forma de pôr fim a um litígio por acordo, portanto a decisão do juiz alvidro
que também ela se denomina por alvidro pode servir para compor o litígio, isto
é, promover uma solução de compromisso entre as partes que tinham entre si
uma crédula.

Portanto, são tudo formas jurídicas de Direito criadas na …. dos tribunais.


O Estilo é o costume judiciário.
A Façanha é a decisão com base em exemplos.
O Alvidro é a decisão de um tribunal arbitral que funciona dentro da competência
que as partes lhe atribuem e pode significar ou ser utilizado como forma de
composição por um litígio.

Nós que estamos habituados hoje a ver os tribunais como organismos que
aplicam o direito e não que o produzem, temos de ter em conta que nessa altura
(período pluralista) havia formas de criação de direito (não é criação de lei) que

55
decorriam da atividade prática dos tribunais, sendo elas estas três: o estilo, as
façanhas e o alvidro.

Pág. 257 das Lições

(recapitulando)

Nós sabemos que o ordenamento do período pluralista era feito de diversas


fontes de direito (costume, os forais, estilos, façanhas, alvidros e etc…),
sabemos que se aplicava o código visigótico em tempos posteriores á fundação
da nacionalidade em termos de direito legislado, sabemos que as 7 partidas e
outras obras de direito castelhano foram reconhecidas em Portugal e algumas
delas aplicadas, como era o caso das 7 partidas.

Numa altura em que o individualismo de cada nação ainda era muito acentuado,
o direito romano era o direito comum ensinado nas universidades na europa toda
e na mesma língua, sendo que o outro direito que era estudado era o direito
canónico.
O Corpus Iuris Civilis na idade média passou a ser estudado nas universidades.

Prudentes – pessoas que estudavam o direito romano.

Direito Prudencial (página 261 +/- e seguintes)


É o estudo do direito romano feito pelas escolas jurídicas medievais, por toda a
europa, através das escolas que já foram estudadas em fundamentos (escolas
dos glosadores, pós-acursianos e comentadores, etc…) que tal como chegou a
outros países, também chegou a Portugal.

Como chegou a Portugal?


Primeiro, porque mesmo antes de termos uma universidade em Portugal
tínhamos alguns estudantes espalhados pela Europa, sobretudo Bolonha,
Salamanca, Montpellier etc… nesta altura começava a aparecer uma burguesia
urbana, que mandava uma vez ou outra os filhos (homens) estudar nas
universidades europeias. Portanto começou a haver algum conhecimento de
pessoas que depois vinham dar aulas a Portugal, a partir do momento que se

56
fundou a primeira universidade (1290). Nessa universidade ensinava-se também
direito romano e direito canónico, portanto á semelhança do que se passava pela
europa fora, os estudantes portugueses não estudavam direito português, se
estavam na faculdade de cânones, estudavam direito canónico, se estavam na
faculdade de leis, tinham cadeiras inteiras de Digesto, tinham cadeiras inteiras
de Novelas, códex etc…
As leis que o rei fazia, não eram estudadas nas universidades, o que se estudava
era direito romano e o direito canónico. Portanto, durante séculos os juristas
produzidos em Portugal na universidade portuguesa eram licenciados em leis,
mas em leis romanos e em cânones (este, quando tiravam os dois cursos. Podia
durar 12 anos).
Só no século 18 é que se impôs o estudo do direito português.
Os juristas que se licenciavam em leis, estudantes exclusivamente de direito
romano, iam trabalhar para a chancelaria régia, citando o direito romano nas leis
que o rei fazia.
Quem fazia as leis não tinha aprendido na faculdade outra coisa que não fosse
o próprio direito romano. Na prática, o direito romano sob a forma de direito
prudencial era de base romana, desenvolvida depois pelos juristas que muitas
vezes criavam soluções novas adaptadas ao direito nacional.
Portanto, a adaptação do direito romano ao direito português, foi feita através
dos prudentes.

Citação – Página 327 a 328 “atentas estas considerações (…).” a “São estes
que o impõe como «lei geral de todos»

Outro significado para direito prudencial – interpretação criativa dos


prudentes, que tinham nesta altura a chamada auctoritas (saber socialmente
reconhecido). Portanto, o direito prudencial é o direito romano trabalhado,
desenvolvido e adaptado ao direito nacional, pelos prudentes.

Pág.335 e seguintes

28.04

Direito Prudencial- Fundamentos do Direito Comum Europeu

57
Páginas 261 a 358- Ruy de Albuquerque
Quanto ao próprio significado de Direito prudencial e da importância deste direito
no período medieval.
Não nos podemos esquecer, temos que ter sempre este enquadramento, que
estamos a falar de todas as componentes do período pluralista, e, portanto, esta
é mais uma peça do direito do período pluralista- Direito Prudencial.
Nós chamamos de direito prudencial ao resultado da criação jurídica dos
prudentes, isto é, à ordem normativa criada pelos prudentes.
Os prudentes são juristas na designação comum na Idade Média, que
corresponde essencialmente ao conceito de jurisprudência no direito romano;
são os juristas dotados de capacidade criativa e de autoridade perante a
comunidade.
Os juristas, ao contrário do que se passa hoje, com a fonte de direito mais
próxima desta que estamos a estudar, tinham neste período 2 caraterísticas:
• Invention, a capacidade de criar soluções jurídicas;
• Auctoritas, definida como o saber socialmente reconhecido.

O trabalho dos juristas medievais fez-se sobre a base do direito romano (aqui
em causa, como estudamos, é aquele que estava contido no Corpus Iuris Civilis).
O Corpus Iuris Civilis é o nome do conjunto dado às obras que foram
desenvolvidas no tempo do imperador Justiniano, sendo elas:
• Digesto;
• Códex;
• Institutas;
• Novelas.

Estas obras criadas no tempo do imperador Justiniano foram conhecidas na


Europa. O que permitiu que este direito chegasse à Europa foi o facto do Império
do Oriente ter durante o período de algumas décadas, entre o final do séc. XVI
e o início do séc. XVII, dominado uma faixa da Península Itálica e na Costa
Oriental a Península Ibérica; embora essa ocupação não tenha durado mais de
60 anos é provável que alguns exemplares das obras do direito justinianeu cá
tenham ficado e isso veio permitir que mais tarde fossem descobertas.

58
Essa descoberta, lendariamente, terá começado pela descoberta do Digesto
pelo monge Irnério (Digesto Velho, Novo e Esforçado).
A descoberta do direito romano, se é que foi acidental, podia não ter passado
disso, o que acontece é que a descoberta das obras do direito romano deu
origem a todo um processo de Renascimento e de receção do direito romano,
portanto, isto significa que, se o direito romano atingiu essa dimensão e foi
trabalhado por todas essas escolas é porque houve de facto um conjunto de
causas que tornaram o direito romano atrativo e útil no contexto do direito
medieval Europeu e também no direito Português; estas causas eram
económicas, culturais, políticas e religiosas (desenvolver cada uma) e terão
contribuído para que o fenómeno do direito romano não fossem apenas uma
descoberta (algo que tivesse ficado limitada a quem descobriu estes textos), mas
tenha constituído a base do trabalho da jurisprudência medieval e que as
sucessivas escolas que se desenvolveram na Idade Média tenham usado essas
obras para promover o próprio direito, o próprio desenvolvimento dos direitos
nacionais. Estas escolas são (não no sentido físico, mas no sentido de escolas
de pensamento) a dos Glosadores, que fizeram um estudo mais teórico do direito
romano; dos Pós-Acursianos, que fizeram a transição para um estilo mais
pragmático e adaptado às necessidades do tempo; e a dos Comentadores, que
fizeram a adaptação do direito romano aos direitos nacionais, portanto
produziram soluções que depois foram incorporadas em fontes de direito
distintas (ex: lei) em que faziam a adaptação da norma romana aos direitos
próprios de cada nação.
Estas 3 escolas que trabalham sobre o direito romano e que o desenvolvem ao
longo de vários séculos começando nos glosadores no século XII até aos
comentadores no século XIV/XV, usaram os textos de direito romano, numa
primeira fase, para fazer um estudo teórico do direito; numa segunda fase para
fazer um estudo prático desse direito, isto é, para aproveitarem o direito romano
e para o adaptarem aos iura propria.
Estas escolas progrediram na sua forma de trabalho (em termos de atitude
perante os textos), os Glosadores queriam perceber os textos de direito romano
(liam, glosavam, traduziam, escreviam anotações…), ao contrário as escolas
seguintes tiveram uma atitude mais pragmática, isto é, usavam o direito romano
para enriquecer os direitos nacionais, isto foi sobretudo feito pelos comentadores

59
e o comentário foi um dos instrumentos de adaptação do direito romano aos
direitos nacionais.

Falámos da chamada, metodologia das escolas jurisprudenciais da Idade Média.


Esta metodologia tem a designação latina de Ars Inveniendi- metodologia das
escolas jurisprudenciais da Idade Média e que num sentido amplo significa o
modo de trabalho dos juristas medievais, e num sentido mais restrito identifica-
se com a ideia de procura de argumentos, ou seja, designa o modo ou método
de trabalho dos juristas, num sentido mais restrito designa a arte ou técnica da
procura de argumentos. Isto significa que os juristas perante uma situação
concreta propunham uma solução, mas essa solução tinha de ser apoiada numa
argumentação que sustentasse essa solução e a tornasse aceitável, por isso
procuravam argumentos de diversas naturezas para assumirem a defesa de uma
posição/solução.

Esta metodologia das escolas diz-se que é caraterizada por ser analítica e
problemática.
• Analítica, porque o jurista desta época utiliza o texto legal atendendo a cada
um dos seus preceitos, analisa o texto e a sua primeira preocupação é extrair
dele uma solução para o caso concreto; a preocupação do jurista numa
primeira linha é a resolução justa do caso concreto e é nessa perspectiva que
analisa os textos legais, não é numa perspectiva sistemática, não é à procura
do ordenamento no seu todo, é à procura de uma solução para um caso
concreto.
• Problemática, porque o jurista pondera todas as soluções possíveis;
problematiza as soluções, isto é, não dá nenhuma solução à partida como
sendo absolutamente certa e segura e pelo contrário põe as várias hipóteses
em cima da mesa e analisa-as todas tentando fixar-se naquela para a qual
tem melhores argumentos para defender, portanto, não há uma única solução,
há a solução mais provável depois de analisados os prós e contras de cada
uma dessas soluções.

Esta metodologia é também constituída por 3 elementos fundamentais:


• Leges- são os textos legais; diz-se que a ciência jurídica medieval é uma
ciência de textos, e com razão, pois esta ciência jurídica desenvolve-se sobre

60
os textos do direito romano. A primeira atividade dos juristas é estudar os
textos legais, sempre com a intenção de encontrar a melhor solução para um
caso. Essa análise é, por vezes, muito detalhada, usa-se designadamente
para essa análise a gramática que é nesta altura entendida como a ciência de
falar corretamente e interpretar os poetas, portanto não é uma gramática
entendida como hoje, com um conjunto de regras de natureza sintática ou
morfológica, é tudo uma ciência de interpretação dos textos, um conceito
lato/amplo de gramática. Esta gramática é utilizada com o objetivo de
interpretar os textos e retirar destes os argumentos que o jurista conseguir
encontrar nos textos legais para fundamentar a solução de que estão à
procura, mas muitas vezes os textos não têm nenhuma solução ou os
argumentos dos textos são insuficientes, assim, o jurista criava uma
argumentação que não se baseava apenas no texto legal, mas também em
outros tipos de argumentos, por exemplo, argumentos de semelhança, justiça,
equidade, isto é para defender a solução que lhe parecia mais justa, o jurista
tentava recolher todos os argumentos possíveis para além daqueles que
decorriam do texto legal que o mesmo analisou. Para isto, circundava o
problema de todos os pontos de vista usando uma técnica ou uma
forma/metodologia a que se chama Tópica Jurídica, que é a ciência da arte
inveniendi; o centro desta metodologia é rodear o problema de todos os
ângulos, analisando de todas as perspectivas possíveis e retirar todos os
argumentos possíveis para solucionar o problema e para o fundamentar nas
melhores soluções.
• Rationes- argumentos que se podem basear em diversas formas de análise e
tópicos que podem surgir do próprio texto e, portanto, podem ser legais, mas
também podem ser extralegais, ou seja, argumentos de justiça, de equidade,
extraídos de uma comparação, isto é, o jurista compara um caso com o outro
e isso é um argumento, a comparação, a analogia. Com isto, as rationes são
os argumentos retirados de todas as perspectivas de análise que o jurista tem
de aguardar para construir essa sua argumentação que se autonomizou,
auctoritas, cujo plural é auctoritates.
• Auctoritates- houve uma autonomização desse aspecto porque a
auctoritas/auctoritates significa o saber socialmente reconhecido e na verdade
muitas vezes quando toda a outra argumentação falhava o argumento que
61
vingava podia ser a própria autoridade a resolver o problema; se os
argumentos materiais de comparação, de justiça, de equidade, de analogia,
os legais e extralegais...por si só não tornasse uma solução aceitável era
muitas vezes o argumento de autoridade que fazia com que essa solução
fosse aceite.

Várias disciplinas auxiliavam o jurista nesta época no seu trabalho e nesta busca
pela solução mais adequada no caso concreto.
O jurista usava a Tópica Jurídica para encontrar argumentos, a Lógica enquanto
disciplina que ajuda a pensar sem contradições (era preciso ter em conta as
regras da lógica), muitas vezes o jurista não procurava uma solução para si
próprio, mas para casos que estavam envolvidas duas pessoas e em que ele se
podia debater com outros argumentos e, portanto, era muito importante a
utilização da Retórica como a arte de persuadir e de convencer; a Dialética, a
arte da discussão tendo uma função de contraposição de argumentos,
estabelecendo muitas vezes um diálogo/debate controversístico.
A tópica, a lógica, a retórica e a dialética eram disciplinas que eram usadas como
auxiliares do jurista no seu trabalho e na construção da sua argumentação.
Com isto, podemos dizer que existem semelhanças muito evidentes entre a
forma de trabalho dos jurisconsultus/jurisprudentes romanos e a forma de
trabalho dos prudentes medievais.

Pág. 335 a 358, Ruy de Albuquerque

62
29.04

As escolas Jurisprudenciais da idade média também tiveram autores em


Portugal e influenciaram a legislação portuguesa. Diz-se aliás que o processo de
receção do direito romano em Portugal conheceu todos os graus de influência
possíveis. Começou por ser um mero conhecimento, por volta de meados do
século XII, ou seja, as obras do direito romano começaram a ser conhecidas
desde então. No século seguinte (século XIII) as leis romanas influenciaram a
produção legislativa dos monarcas portugueses, por exemplo na Cúria de 1211.
E também no século XIII com algumas diferenças doutrinárias, o direito romano
já tinha entrado na legislação portuguesa, isto é, as leis portuguesas citavam
diretamente normas romanas no próprio conteúdo normativo da lei. Portanto
sabemos que tal como nos outros países da europa, o direito romano foi
conhecido e influenciou os direitos nacionais, o mesmo aconteceu no caso
português desde o século XIII.

As leis portuguesas, feitas pelos reis e as ordenações não eram dadas nas
universidades.

No fundo mostra que apesar de em Portugal o sacro império romano-germânico


não ter jurisdição, o direito romano vigorava em Portugal porque era racional,
porque era útil, porque tinha soluções que interessavam ao direito português,
nunca foi por uma razão de associação ao poder imperial que ele (o direito
romano) foi aceite, foi sempre pela utilidade e racionalidade do mesmo.

Podemos dizer que o direito prudencial é aquele que resulta da atividade criativa
dos prudentes (alguém que tem inventio e auctoritas).

__________________________(recapitulando)_________________________
_______

Por um lado, há uma continuidade da aplicação do código visigótico, isto é, há


um código produzido no século VII, que enquanto não há legislação portuguesa,
se continua a aplicar em tempos posteriores á nacionalidade. Há leis aprovadas
nos concílios e na Cúria de Leão, Coiança e Oveido que se aplicam em território
nacional. Há legislação castelhana (as sete partidas) que sendo feita noutro

63
reino, estava escrita numa linguagem que era acessível aos juízes e que era
aplicada em Portugal.

Depois na base de tudo isto está o costume (direito local), a nível municipal há o
direito outorgado-pactuado (cartas de povoação, forais e foros) e a nível judicial
há formas de criação de direito que resultam da prática dos tribunais (estilo,
façanhas e alvidros).

Capítulo IV (+/- pág. 411)

Conjugação dos factos normativos e dos elementos formativos do Direito


Português

05.05

O direito do período pluralista conjugava todas fontes já estudadas e


representava um direito constituído por camadas que tinham vindo a ser
sucessivamente acrescentadas ao direito primitivo (ou pré-romano), a que se
juntou o direito romano, o direito germânico (sobretudo visigótico), o direito
muçulmano.

Quando se deu o movimento da reconquista e a formação dos reinos da


Península, encontra-se um direito em que todas estas camadas foram deixando
vestígios.

Existia uma diversidade não só nos modos de formação e revelação das normas
jurídicas, mas também na forma como o conteúdo do direito era constituído.

Instituições que integravam o direito português do período pluralista

Direito da Família

Não podendo fazer o traçado completo de como é que evoluiu o conceito de


família, os professores optam por falar da tipologia da família em determinadas
épocas, e começam por destacar uma época em que tal conceito era muito mais
amplo.

64
Fala-se, neste caso, do clã

Agrupa a comunidade de pessoas que provêm de um mesmo antepassado, com


uma identidade própria que resulta de vínculos religiosos e por facto, de terem
uma propriedade em comum e trabalharem coletivamente.

Estamos, portanto, a falar de uma de organização social muito embrionária, que


parece ter sido transversal a várias regiões do mundo e que consistia no
agrupamento daquelas pessoas que tinham entre si uma ligação com um
antepassado comum.

O denominador comum destas pessoas era o totem – sinal que determinava o


parentesco entre estas pessoas.

O que está na base do clã não é a existência, ainda, de um laço de


consanguinidade, mas sim a existência de um antepassado comum simbolizado
através do dito totem. O totemismo é, portanto, um fenómeno mítico que
exprime uma relação familiar com um antepassado através de um símbolo.

Nesta evolução da família no seu conceito mais alargado até aos nossos dias, a
nível intermédio fala-se da família patriarcal romana, organização social política
da Roma Antiga baseada na autoridade do pater famílias, que exercia sobre os
membros do grupo uma autoridade que incluía um poder ilimitado sobre as
pessoas e respetivo património.

É a grande autoridade, que tudo pode em relação aos membros dessa família.
É uma autoridade política, que não tem necessariamente a ver com a
consanguinidade. Aliás, os romanos distinguiam duas formas de parentesco:

o Parentesco agnatício – determinava-se através da existência de laços de


sangue, mas também de outros elementos que produzissem efeitos
relevantes do ponto de vista da tutela sobre as pessoas e mesmo na matéria
sucessória.
o Parentesco cognatício – derivava apenas de laços de sangue e definia-se pela
descendência, ascendência ou existência de um ascendente comum.

A evolução destes dois tipos de parentesco levou a que a importância do


parentesco baseado em laços de autoridade fosse caindo e acabou por ser

65
extinto como elemento produtor de efeitos familiares, no tempo do imperador
Justiniano.

O terceiro momento que os professores assinalam é o da família conjugal, que


assenta na união livre entre duas pessoas e na sua eventual descendência.

A evolução da instituição familiar tem revelado que, em épocas de crise e de


instabilidade política, as pessoas tendem a agrupar-se em formas simples e
organização social e, portanto, a célula familiar ganha relevância; já em épocas
de prosperidade o individualismo é mais marcante e sente-se uma maior
tendência para a desagregação da família.

Institutos mais característicos do Direito da Família:

o Esponsais – consistiam numa promessa recíproca de casamento a celebrar


entre os futuros conjugues ou entre os seus representantes legais, com
caráter mais ou menos vinculativo.

Em Roma, no período clássico, estes não podiam ser limitativos da liberdade de


celebração do casamento e, por isso, diz-se que eram nulas as clausulas gerais
opostas a um compromisso de esponsais (como sanções aplicadas a quem
incumprisse tal compromisso).

Os romanos não aceitavam que através de um qualquer instituto


anterior ao casamento a liberdade de casar fosse guardada, limitada.

No período pós-clássico já se começa a legislar no sentido de equiparar os


esponsais a uma primeira fase o casamento, sendo esta a tendência que se vai
encontrar depois no direito germânico.

A mistura de fontes no direito germânico traz uma nova configuração aos


esponsais. No direito visigótico havia uma cerimónia de esponsais considerada
como uma primeira fase do casamento e, para que este estivesse completo,
bastava depois que houvesse uma segunda fase que consistia na traditio.

Transferência da mulher da esfera do pai para a tutela do marido

66
Aqui sim, era possível aplicar sanções a quem não cumprisse uma promessa de
casamento.

Os esponsais teriam de ser redigidos e, portanto, deviam ser celebrados por


escrito ou perante testemunhas; os futuros conjugues deviam ter a idade mínima
de 15 anos; e o casamento deveria ser celebrado no prazo de 2 anos.

O incumprimento da promessa de casamento por parte do futuro marido tinha


como consequência a perda do património das arras – visava garantir o
cumprimento da promessa de casamento e constituir uma segurança patrimonial
da mulher no caso falecimento do futuro marido; se o incumprimento fosse por
parte da mulher, esta seria considerada adúltera e punida por adultério.

Lei do ósculo (lei do beijo): se o marido se recusasse a casar depois desta


cerimónia, então considerava-se que essa mulher estava comprometida e que
dificilmente poderia voltar a casar. Esta cerimónia selava o compromisso dos
esponsais.

No direito medieval português os esponsais têm um regime semelhante ao direito


visigótico, considerados igualmente como uma primeira fase do casamento,
designando-se os esponsais por palavras do futuro em oposição à segunda fase
do casamento a que se chamava palavras do presente.

o Casamento – enquanto ato jurídico, consiste na expressão do consentimento


que dá origem ao estado de casados; enquanto estado, traduz-se numa
comunhão de vida entre duas pessoas e resulta do ato de casar.

Existia uma forma tradicional de casamento em que o consentimento da mulher


era irrelevante e em que dominava a ideia de contrato e de compra e venda.
Uma segunda forma de casamento de direito visigótico acontecia quando uma
mulher livre e um homem livre expressavam o seu livre consentimento, não
havendo aqui lugar ao pagamento de uma quantia que, no casamento
tradicional, o noivo pagava ao pai da noiva – pretium puelae.

Quando não havia esta forma tradicional de casar, envolvente no pagamento


desta quantia ao pai da noiva, designava-se “casamento por rapto”.

67
Quando chegamos ao direito medieval português encontramos várias formas de
casamento:
o Casamento de bênção – celebrado de acordo com o direito canónico com a
atribuição do sacramento do matrimonio e, nos primeiros tempos, a Igreja
entendia-o de uma forma muito simples, considerando-se que a união livre
entre as pessoas sem quaisquer impedimentos legais, bênção do sacerdote
e a livre vontade de casar, dava então origem a um casamento.
o Casamento de juras – compromisso público, por vezes perante um
representante da Igreja, em que não havia atribuição do sacramento do
património.

Um dos autores que estudou estas formas de casamento foi Alexandre


Herculano, que considerou que este casamento era, provavelmente, um
antecedente do casamento civil, e que constitui uma instituição de origem
muçulmana.

o Casamento de pública fama (ou forma) – que consistia no reconhecimento


de uma união de facto, sem qualquer cerimónia, sem qualquer formalismo,
em que verificados certos requisitos as pessoas se consideravam casadas.

Este tipo de casamento foi regulamentado por uma lei de D. Dinis, de 1311, que
estabeleceu a este casamento uma presunção inilidível. Isto significa que não se
admitia prova contrária, estabelecendo que: se as pessoas vivessem juntas
pelos menos há 7 anos; praticassem atos jurídicos em comum; e tivessem fama
pública de viverem como marido e mulher, seriam consideradas casadas, quer
quisessem, quer não.

Casamentos conhuçudos (conhecidos)

06.05

o Relações patrimoniais entre os conjugues – o casamento desencadeia um


conjunto de relações de natureza pessoal, mas também patrimonial (regimes
de bens de casamento).

68
No direito medieval português era vulgar encontrar-se um regime de bens em
que os bens que cada um possuía antes do casamento mantinham-se próprios,
e os bens adquiridos depois do casamento tornavam-se comuns (regime de
gaanças).

Regime de carta de metade – acontecia que, a regra, era de que os bens eram
todos comuns. Este segundo regime tornou-se mais comum a partir do seculo
XII e, na prática, corresponde ao atual regime de comunhão geral de bens, em
que todo o património adquirido antes ou depois do casamento é comum.

A diversidade do período pluralista também se sentia aqui: no norte, o regime


supletivo era o de gaanças (comunhão de adquiridos), no Sul era o de carta de
metade (comunhão geral de bens).

Supletivo – aplicava-se tal regime se as partes não tiverem pedido outro

Adoção revestia no direito romano duas formas:


o Adrogatio – alguém era colocado sob a proteção de outrem. Portanto, não
era estritamente familiar, e tinha até uma certa componente política ou de
proteção comunitária; não se pretende, desta forma, criar uma situação
idêntica à de um filho nascido na família.
A figura do pater famílias, era um chefe político que, quando recebia alguém sob
sua proteção, dizia-se que o adotava através da adrogatio.

o Adoptio – alguém era colocado na exata situação em que se encontraria se


tivesse nascido no seio daquela família (Adoptio naturam imitatur), em relação
aos seus direitos pessoais e patrimoniais e efeitos sucessórios.

Adoção imita a natureza

Portanto, com a evolução, a primeira forma de adoção (adrogatio) desaparece e


mantém-se a adoptio baseada no princípio de imitar a natureza, criar uma
relação em tudo idêntica como se aquela pessoa fosse filho natural daquela
família.

69
Direito das Sucessões

Em termos jurídicos, a sucessão consiste na substituição do sujeito da relação


jurídica, em que alguém sucede a outro na titularidade de um direito. Esta pode
resultar numa relação em que aquele que passa a titularidade e o novo titular
estão vivos – inter vivos –, ou por meio da morte do titular – mortis causa.

O direito sucessório só regula sucessões mortis causa. É o conjunto de regras


que regulação a sucessão por causa da morte.

A sucessão por causa da morte ainda se pode subdividir em:

o Universal – quando alguém sucede na totalidade, na globalidade das


relações jurídicas de que alguém era titular. Ex.: alguém que morre e deixa a
totalidade do seu património a alguém (herdeiro);
o Singular – sucede-se numa relação jurídica específica e num bem certo e
determinado. Ex.: aquele que morreu não deixou uma herança, mas um
legado (legatário), como um relógio.

De cujus é a forma como se designa a pessoa que morre, aquele de cuja


sucessão se trata.
A sucessão do de cujus pode ser desencadeada pela vontade ou pelo direito
(fatores que dão origem à sucessão). Na maior parte dos sistemas jurídicos
existem os dois fatores em simultâneo, no entanto, é possível que haja sistemas
jurídicos em que só um destes fatores funcione:
A tendência romana era a vontade (voluntária), em que o de cujus determinava
livremente a quem deixava o seu património, sem qualquer limite; liberdade de
dispor do património para depois da morte, que tem associado, em regra, um ato
unilateral de expressão de vontade pelo qual alguém dispõe os seus bens para
depois da morte.

Modalidades da sucessão

• Existem 2 tipos de sucessão voluntária:


o Testamentária ou contratual (em regra é testamentária)

Direito de testar (testamento)

70
Para o direito germânico, o de cujus tinha a obrigação de, por sua morte, deixar
os seus parentes mais próximos protegidos, pelo que não podia deixar nada a
mais ninguém (sucessão legal).

Com o tempo criou-se uma espécie de quota disponível (começou por ser 1/5 e
depois passou a ser 1/3) que o de cujus poderia deixar a quem quisesse e o
resto ficava reservado aos seus parentes mais próximos.

Direito de reservar

• Existem 2 tipos de sucessão legal:


o Legítima: quando é supletiva, isto é, quando as duas regras só se aplicam
quando o de cujus podia ter feito o testamento e não fez; aplicam-se as
regras da sucessão se o de cujus tiver podido dispor de uma parte do seu
património e não o tiver feito.
o Legitimária: é imperativa, as duas regras impõem-se à própria vontade do
de cujus. Ainda que ele não quisesse deixar aquela parte dos bens aos
seus herdeiros, a lei obrigava-o a deixar.

Para o teste: 1º livro até à especificação do caso português (página 358); 2º livro
até à classificação do direito sucessório (página 176)

71
12.05

Localizar no tempo estas formas e modalidades de sucessão relativamente


à dimensão histórica do nosso direito e dos seus antecedentes

Sucessão Legítima no Direito Visigótico

Sucessão legítima- sucessão legal, desencadeada pelo direito e que é aquela


parte da sucessão legal que é supletiva, isto é, aplicam-se as regras desta
sucessão se o de cujus tiver podido dispor de uma parte do seu património e não
o tiver feito.

Dentro da sucessão legítima, no Direito Visigótico eram reconhecidas 4 classes


de sucessíveis:
o Descendentes
o Ascendentes
o Colaterais
o Cônjuge sobrevivo- viúvo/a

Nesta sucessão legítima no Direito Visigótico vigoravam 2 princípios


importantes:
o Princípio da Igualdade entre os sexos- homens e mulheres tinham iguais
direitos sucessórios.
o Princípio da Proximidade de grau- a existência de parentes mais próximos
afasta os restantes da sucessão, isto é, entre as classes de sucessíveis
aquela que é chamada a suceder é a que estiver mais próxima do autor da
sucessão ou de cujus. Por exemplo, se alguém morre e tem descendentes de
1º (filhos) e de 2º (netos) grau, quem herda são os filhos.

Exceção, conhecida por Direito de Representação (instituto sucessório que


evoluiu, mas que se manteve no direito português até à atualidade; instituto
que representa uma exceção ao princípio da proximidade de grau;
descendentes).

72
Por exemplo, os netos do de cujus podem suceder ao avô o lugar que o seu
pai ou mãe tinham nessa sucessão, mas que são pré-mortos em relação ao
autor da sucessão.

Outro instituto do direito sucessório, mas desta vez colocado na sucessão dos
ascendentes em que vigorava no Direito Visigótico (este não sobreviveu até à
atualidade), o Direito de Troncalidade.

Sucessão legítima dos ascendentes de alguém que morreu sem descendentes


e, portanto, está afastada da sucessão a primeira classe de sucessíveis, a dos
descendentes, isto é, estão a ser chamados à sucessão os ascendentes. Aquele
que morre nestas circunstâncias tem o seu património dividido em termos de
sucessão pelos lados/troncos da família de onde esses bens tiverem sido
provenientes, significa isto que os bens que o de cujus recebeu do lado paterno
por sua morte devem regressar a parentes do lado paterno e os bens que
eventualmente tenha recebido do lado materno devem regressar a parentes do
mesmo tronco.
Ainda há um outro requisito, esta regra da troncalidade não se aplica aos
ascendentes progenitores, isto é, não se aplica em relação aos seus pais, só se
aplica em relação aos avós, ou seja, não à 1ª classe de ascendentes, mas à
seguinte. Só se verificava este direito de troncalidade se a essa sucessão do de
cujus concorressem avós de linhas diferentes.

73
A intenção era que os bens que A tivesse recebido do lado da mãe se
mantivessem na família do lado materno (materna maternis) e os bens que
tivesse recebido do lado do pai regressassem a parentes do lado paterno
(paterna paternis).

Sucessão Legitimária/Necessária no Direito Visigótico

Sucessão Legitimária: é imperativa, as duas regras impõem-se à própria vontade


do de cujus. Ainda que ele não quisesse deixar aquela parte dos bens aos seus
herdeiros, a lei obrigava-o a deixar.

A sucessão legitimária no direito visigótico era muito relevante porque para os


povos germânicos em geral a ideia de proteção patrimonial da família era
fundamental e isto nota-se no direito das sucessões através desta tendência
para limitar a disponibilidade dos bens por morte, isto é, nos povos germânicos
(neste caso, visigodos) o que fazia sentido era proteger os parentes mais
próximos do de cujus, garantindo que ficavam com uma parte da herança do
autor da sucessão (de cujus), portanto a orientação inicial vai ser a de só estar
disponível para o de cujus fazer o que entendesse a cota de 1/5 (quota
disponível), sendo que os restantes 4/5 (quota indisponível) deviam beneficiar
os herdeiros legitimários (descendentes).

Na Idade Média, o direito medieval português vamos encontrar no período da


Reconquista um sistema semelhante, há também uma quota de livre disposição,
mas que é de 1/5 (sistema de quinta) numa região do país e de 1/3 (sistema de
terça) noutra região do país.

74
Em relação ao direito visigótico mantém-se a quota disponível de 1/5, mas só é
comum no norte do país (influência dos visigodos que permaneceram mais
tempo no norte do país), no sul o domínio muçulmano aconteceu durante ... era
comum a quota de 1/3 e por isso os historiadores supõem que é por influência
do direito visigótico que essa quota disponível de 1/5 vigorava no norte e a quota
disponível de apenas 1/3 vigorava no sul.

Nesta altura, no direito medieval português, no período pluralista, não há


homogeneidade em muitos aspetos da regulamentação jurídica do quotidiano
das pessoas, isto é, a fonte predominante é o costume, há influências do direito
visigótico, mas também pontualmente do direito muçulmano e do direito romano.
O direito do período pluralista é precisamente o que nós caraterizamos no início
do estudo deste período, é diversificado. Não há muitas vezes o mesmo regime
no norte e no sul (regimes do casamento, quotas disponíveis para o autor da
sucessão). Ainda assim, havia sucessão voluntária sob a forma de sucessão
testamentária (incidiria na quota disponível, que seria no norte de 1/5 e no sul de
1/3).
Ou seja, já nesta altura o de cujus podia dispor de uma parte do seu património,
mas essa parte a quota variava de norte e sul do país e sob a parte que era
disponível sob essa quota ele então podia dispor sendo que isso se fazia através
do testamento (é uma influência romana).

Em alguns ordenamentos jurídicos e designadamente em termos históricos no


direito romano vigorava o princípio da liberdade na sucessão, da liberdade de
testar, portanto de cujus podia deixar os seus bens a quem entendesse, este
princípio predominava no direito romano.

≠ (tendências diferentes)
O princípio de que os bens estavam reservados maioritariamente para a família
vigorava no direito germânico.

Já no período português do período pluralista tínhamos exemplos dessas várias


tendências, até eventualmente aqui um resquício do direito muçulmano, por
influência desse povo no sul do país.

75
Temos no direito sucessório, no período medieval, séc. XII a XV, temos uma
expressão da diversidade que existia no direito português da época, temos a
presença da tendência germânica na sucessão legitimária (imperativa; limita a
vontade do de cujus no sentido de o obrigar a deixar uma parte substancial do
seu património aos seus parentes mais próximos), temos uma variação na quota
disponível que pode significar no caso da terça uma presença muçulmana, e
temos também a presença do testamento como ato unilateral através do qual o
de cujus pode dispor daquela parte dos bens de que lhe é permitido dispor por
sua morte.

O testamento, era por excelência a instituição sucessória no direito romano a


mais relevante, portanto esta é a influência romana.
No séc. XIV, encontravam-se 3 formas válidas de celebrar um testamento:
o Escrito particular com testemunhas.
o Forma verbal perante testemunhas- forma menos rigorosa, mas admitida
desde que houvesse testemunhas.
o Escritura notarial (escritura pública)- forma mais solene.

19.05

Direito/Sistema Penal

2 caraterísticas no direito penal nesta no pluralismo jurídico:


o Pluralidade de soluções também em matéria penal- não havia em muitos
casos uma única solução para uma determinada matéria de âmbito penal, por
exemplo, um crime podia ser punido de forma diferente no norte ou no sul do
país.
o Existência de um sistema de punição não estatal- não existia um sistema
público de punição dos crimes, portanto estamos perante um período em que
a justiça estava ainda em boa parte nas mãos dos privados, isto é, em regimes
de autotutela. Era comum que nesta altura as populações com base no
costume vingassem a prática de crimes sobre os seus membros (membros da
comunidade) pelas suas próprias mãos, ou seja, estamos no período em que
a autotutela precede aquilo que mais tarde será o direito penal público, isto é,

76
detido e controlado pelo poder público. A punição dos crimes nos primeiros
séculos, depois da fundação da nacionalidade, viveu-se em regime de
autotutela, mais tarde evoluiu-se para um regime de justiça pública, mas esta
evolução deu-se através de diversas fases, foi lenta e não foi fácil.
Passos para esta evolução:
1. Estabelecer condições de limitação do exercício da vingança privada-
tentou-se ultrapassar esta situação das pessoas vingarem a prática dos
crimes sobre si próprias ou os seus familiares pelas próprias mãos
estabelecendo condições de limitação do exercício da chamada vindicta
privada.

2 sistemas de punição no âmbito da Vindicta privada:


▪ Perda de paz relativa- tem esta designação porque o criminoso não se
tornava inimigo da comunidade em geral, mas daquele que tinha sido
alvo desse crime ou dos seus familiares, ou seja, este criminoso “perdia
a paz” que significa que ficava numa situação em que se podia exercer
sobre essa pessoa a vingança privada, mas não era qualquer membro
da comunidade que podia vingar a prática desse crime, era o próprio
ofendido no caso de ter sido um crime de ofensas corporais ou os
familiares próximos do ofendido no caso de homicídio; a perda de paz
relativa, acontecia relativamente a delitos graves, mas em que se
desenvolviam 2 fases:
❖ O desafio do ofendido ou dos seus familiares ao ofensor perante a
assembleia do município, seguindo-se um período de tréguas (9
dias) e a declaração solene de inimizade.
❖ Depois disto o acusado da prática do crime podia ter várias atitudes:
o Abandonar o lugar onde o crime tinha ocorrido;
o Adiar a vingança através do pagamento de uma quantia
monetária denominada por fredum (quantia paga pelo acusado da
prática de crime para adiar o momento da vingança);
o Evitar a vingança através do acordo ou composição (forma de pôr
fim a um litígio por acordo entre a vítima e o alegado criminoso).

A composição revestia várias formas:

77
• Composição corporal, conhecida pela expressão “entrar às
varas” que significava dar ao criminoso um determinado
número de varadas em público (castigo aplicado no centro da
comunidade no pelourinho).
• Composição por missas, em que o ofensor se comprometia a
mandar rezar um determinado número de missas por intenção
do ofendido.
• Composição por cárcere privado, em que o criminoso ficava em
cativeiro/encarcerado na propriedade da própria vítima.

Esta era uma forma de evitar a vingança final, denominada por faida
que era a forma de executar a vingança privada, isto é, se não
tivesse sido possível uma qualquer forma de composição a vingança
era executada e, portanto, o criminoso podia ser punido,
inclusivamente morto pela vítima ou pelos familiares da vítima. Isto
passava-se no âmbito da vindicta privada, a perda de paz relativa.


▪ Perda de paz absoluta- crimes ainda mais graves do que as ofensas à
integridade física (ofensas corporais ou o homicídio) estavam em causa
por exemplo os crimes de aleivosia ou traição, crimes contra a pessoa
do rei, crimes contra a comunidade em geral, crimes como a violação
de tréguas (por exemplo, no tempo das feiras com alguma frequência
era criado um período de trégua denominado por “a paz da feira”, isto
é, para incentivar os comerciantes a deslocarem-se a um determinado
local onde havia uma feira importante para a economia local e/ou para
a comunidade criava-se um período com um regime especial de paz,
ou seja, cometer um crime nesse período era mais grave do que
cometê-lo fora desse período, porque o que se pretendia era transmitir
aos comerciantes e à população a ideia de que havia segurança
suficiente e que era seguro ir à feira, então para isto agravavam-se as
penas e as consequências para desincentivar a prática do crime
durante esse período; se alguém, ainda assim, num período destes
cometesse um crime, ainda que o crime noutras circunstâncias desse

78
origem à perda de paz relativa dava origem à perda de paz absoluta,
portanto esta pessoa ficava em situação de inimigo público sem
qualquer proteção e sujeito à vingança por qualquer membro da
comunidade).
Portanto, esta posição em que o criminoso ficava era de fora do direito,
de inimigo público significava por isso que a comunidade estava
legitimada para exercer a vingança sobre essa pessoa.

Num sistema como este não agravava o rei, porque fugia ao controle
da justiça pública, portanto desde cedo se começou a tentar controlar
o exercício da vindicta privada, das formas que a professora enunciou
acima (estabelecendo condições limitativas para o exercício da
vingança, exigência da proporcionalidade entre o crime praticado e a
vingança, o sistema de arbitragem primeiro facultativo e depois
obrigatório e depois o sistema de justiça pública).

Logo com as Leis da Cúria de 1211, à uma proibição da vingança em


casa do ofensor e da destruição da sua propriedade, portanto início do
séc. XIII, reinado de Afonso II, já há aqui limitações impostas ao
exercício da vingança. Até à existência desta lei esta situação
acontecia.
Por exemplo, alguém praticava sobre outrem um crime de ofensas
corporais graves, essa pessoa tinha lesões físicas originadas por essa
situação; a própria pessoa se o pudesse fazer ou os seus familiares, só
sistema de perda de paz relativa podiam não só, vingar a prática do
crime sobre a pessoa do ofensor como fazê-lo em casa dele (exemplo,
arrombando a porta, entrando em casa e vingar o crime na casa do
mesmo) e destruir-lhe a propriedade. Não quer dizer que o direito o
permitisse, quer dizer que na prática isto se sucedia, por exemplo, à
legislação da época a proibir que se incendiassem as vinhas, que se
incendiasse a propriedade do criminoso, portanto com Afonso II
começam-se a estabelecer limites.
Também se estabeleceu que a vingança devia terminar quando
tivessem ocorrido 2 mortes, uma de cada lado.

79
Ao contrário do que sucedia na perda de paz relativa, a vítima perdia a
paz para qualquer membro da comunidade, tornava-se inimigo público;
a pessoa que incorresse num crime deste tipo ficava numa situação de
total desproteção e podia ser exercida sobre ele a vingança por
qualquer membro da comunidade, não apenas pelo ofendido ou pelos
seus familiares, mas por qualquer pessoa da comunidade.

Já no século XIV, o rei Afonso IV em 1325, decretou a ilicitude da


vindicta em geral, isto é, proibiu a vingança privada mantendo, no
entanto, ressalvando uma exceção para os fidalgos (nobreza) que
tinha no seu estatuto um direito de que não queria prescindir,
denominado de direito de acoimar. Portanto, o rei proíbe a vindicta
privada, mas ressalva o direito de acoimar por parte dos fidalgos.

Esta lei suscitou uma grande polémica e sabemos disso porque depois
de dar mais um passo e de em 1326 ter sido proibida a vindicta em
todos os casos, acabou por se ceder às pressões dos nobres e
permitiu-se o exercício da vindicta se passados 60 dias o criminoso
não se tivesse entregue à justiça pública.

Quanto à tipologia das penas que nesta altura eram mais comuns:
o Pena de morte- frequente para delitos mais graves; forma mais
comum da execução de morte era o enforcamento; outras formas de
execução de morte eram enterrar o ofensor vivo ou executar a pena
de morte por lapidação (apedrejar) ou crucificação.
No caso dos nobres, visto que se trata de uma sociedade muito
estratificada e com estatutos sociais diferentes, aos nobres não se
aplicavam determinadas penas, por exemplo, não eram enfocados,
eram decapitados.
o Corte da mão;

Penas o Desorelhamento;
corporais o Esvaziamento dos olhos;
o Açoites em público, “entrar às varas”.

80
Penas o Prisão;
privativas da
liberdade o Servidão;

o pagamento de uma determinada quantia;


Penas
pecuniárias o Anoveado (pena vulgar), pagamento de 9 vezes o valor da coisa
furtada, no caso do crime de furto.

o Penas que se destinam a humilhar aquele que as suporta; penas que


constituem uma infâmia, uma humilhação para o criminoso.
Penas
infamantes Exemplo, corte da barba, a procissão do réu com uma corda ao
pescoço, exposição em gaiolas no pelourinho das vilas.
Quando é que se vai sair deste sistema e verdadeiramente entrar num
sistema de justiça pública?
Lentamente.
O passo mais importante é dado pela lei de 1355 sobre os crimes públicos (lei
dos crimes públicos).
O crime público era um crime que dispensava a existência de uma queixa por
parte de um ofendido; devia haver uma investigação e uma punição por parte da
justiça independentemente de queixa. Ainda hoje um crime público é um crime
que deve desencadear por parte das autoridades uma investigação e um
processo com vista à punição independentemente de queixa. E nisto se
distinguem os crimes públicos dos crimes particulares (hoje em dia também
existe o crime semipúblico).
Nos crimes particulares, só existe uma investigação, um processo e uma
eventual acusação se houver um queixoso, se alguém se queixar à justiça da
prática deste crime; se o crime for de natureza pública (é o rei que qualifica se é
considerado crime ou não, porque é o legislador e, portanto, é a lei que diz o que
é ou não considerado crime público).
Exemplo, se alguém me insultar posso fazer 1 de 2 coisas, achar que a minha
honra e bom nome foram ofendidos e apresentar queixa ou ignorar e desvalorizar
esse ato. Não faria sentido que fosse a lei a impor a existência de uma
investigação e de um processo em relação a uma coisa que se passou em que
a própria pessoa que foi lesada não dá relevância ao que aconteceu.

81
Esta lei de 1355 veio criar uma tipologia de crimes públicos, crimes que
dispensavam, portanto, a apresentação de uma queixa por parte do particular e
em relação aos ??? (46,30) a justiça pública devia atuar, à cabeça estavam
naturalmente crimes como a traição ou a aleivosia (crimes contra a pessoa do
rei), mas também o homicídio doloso qualificado (não meramente negligente,
mas praticado com intenção; qualificado, em circunstâncias que o tornam
particularmente grave), ferimentos graves, crimes contra a justiça pública
(resistência, desobediência, violência), crimes religiosos (heresia), crimes
sexuais (violação, adultério, incesto) e crimes contra a propriedade (furto, dano).

Passo fundamental para se instituir a justiça pública e


eliminar a vindicta privada aos poucos

2. Exigência de proporcionalidade entre o crime praticado e a vingança


cometida- por forma a que a vingança não seja completamente exagerada
face ao ato que tinha sido praticado.
3. Instituição de uma composição pecuniária em substituição da vingança- a
dada altura vai haver na lei a orientação (não foi fácil de implementar) de
fazer substituir a vingança privada pelo pagamento de uma quantia em
dinheiro.
4. Só mais tarde se pode dizer que funcionou primeiro um sistema de
arbitragem, em que se tentava pôr as partes de acordo e compor o litígio
através deste acordo, ou seja, eliminar o conflito a que aquele crime tinha
dado origem através de uma composição; por fim evolui-se para um
sistema de justiça pública, em que o direito de punir já é exercido pelo
poder público/régio e é retirado às mãos dos privados/particulares.
Demora alguns séculos.

Princípios que caracterizavam o Direito Penal da Idade Média:

o Transmissibilidade das penas- o filho podia ter de cumprir uma pena que o pai
não tivesse terminado de cumprir, porque por exemplo, morreu antes do final
da pena, ou seja, a pena transmitia-se aos filhos.

82
o Desproporção entre a gravidade do crime e a crueldade da pena- por exemplo,
alguém pratica o crime de furto e corta-se a mão; alguém comete um crime
de heresia e a pena é arrancar-lhe a língua pelo pescoço.
o Existência de penas infamantes-
o Retroatividade da lei penal- não estava garantida na altura a irretroatividade
da lei penal, ou seja, que uma lei penal só valeria para futuro. É no séc. XIV
que as leis começam a especificar que só valem para casos futuro, portanto,
admite-se que antes desta fase pudesse ter havido legislação inclusivamente
com incidência penal que fosse aplicada retroativamente.
o Nullum crimen sine lege- Princípio da legalidade. Não pode haver crime sem
lei, isto é, hoje este princípio está garantido, se a lei não disser que um
determinado comportamento é crime então ninguém pode ser punido por isso.
Nesta altura, o sistema penas da Idade Média não consagrava este princípio,
portanto havia punição por crimes que estavam no âmbito do costume, usos
e não necessariamente na lei.

20.05

Monismo

1415 – Atualidade

Período/momento da prevalência de uma única fonte.

Lei

Nota: No período Pluralista a lei consentiu a existência de outras fontes de


direito, embora tenha começado a restringir.

Monismo Formal (1415 – 1820) – intenção da supremacia da lei.

Monismo Material (1820 – atualidade) - a lei consegue regulamentar quase tudo


sozinha.

As outras fontes já não têm caráter vinculativo.

Lei
83
o É redigida na Chancelaria Régia.
o É registada nos livros de Chancelaria.
o Começa a haver regras e prazos para a entrada em vigor das leis. Começa a
estabelecer-se o período da chamada vacatio Legis.
o Por outro lado, aquilo que era a dificuldade no período pluralista de divulgar a
lei, deixa de existir com as cópias manuscritas dos Livros de Chancelaria.
o A centralização da produção legislativa está no Rei.
o A Chancelaria Régia é uma entidade que apoia a produção legislativa, que na
prática produz a legislação de acordo com as orientações específicas que
recebe.
o Existiram 2 compilações de leis anteriores às ordenações, o Livro de leis e
Posturas e as Ordenações de D. Duarte.
Ou seja, já tinha havido 2 tentativas de codificação.

Ordenações de D. Duarte / Ordenações Afonsinas

A iniciativa é de D. João I (pai de D. Duarte). Encarrega o corregedor da Corte


(João Mendes) para coordenar o trabalho de elaboração das ordenações. João
Mendes trabalhou 1 século na compilação de leis, entretanto morreu e não
concluiu o trabalho. Quem seguiu foi Dr. Rui Fernandes, continuou o trabalho de
compilação para os livros escritos.
Esta diferença de compiladores pode explicar a diferença de estilo entre as
ordenações. O primeiro livro vai estar escrito num estilo decretório.
Os seguintes num estilo compilatório.

Portanto, inicia-se o processo com D. João I, continua-se durante o reinado de


D. Duarte, tem regência do Infante D. Pedro, na menoridade do sobrinho Afonso
(que depois viria a ser D. Afonso V) e quando entram em vigor em 1446/47 já
está no reinado de D. Afonso V, por isso se chamam Afonsinas.
Todas as leis do primeiro livro das ordenações que foram escritas, mesmo sendo
leis antigas, foram rescritas como se fossem novas.
No estilo compilatório, que foi o que usou Rui Fernandes, as leis não eram
redigias de novo e eram organizadas por matérias.

84
Estilo decretório – é mais perfeito no ponto de vista da técnica legislativa, é mais
apurado do que simplesmente no século 15 transcrever uma lei do século 13 tal
como foi escrita na altura. No ponto de vista histórico é mais interessante estudar
a lei pela sua versão original.

As ordenações Afonsinas foram importantes pois estabeleceram, no período


Monista, uma hierarquia das fontes do Direito. Estabeleceram que havia Direito
Principal e Direito Subsidiário.

Direito Principal – são parte deste Direito a lei, o estilo da Corte e o Costume
antigo.

Direito Subsidiário – entra o Direito Romano, o Direito Canónico, a Glosa de


Acúrsio e Opinião de Bártolo e, por fim, a resolução régia. (estão organizadas
por hierarquia)

Preenche lacunas do Direito Principal

Resolução Régia– se não houvesse nenhuma fonte anterior que resolvesse o


assunto, o rei resolvia.

Posição Tradicional sobre o Direito Canónico – coloca como fonte subsidiária


Geral, isto é, aplica-se em matéria espiritual e temporal de pecado e aplica-se a
seguir à lei romana, se o Direito Romano não tiver solução.
Posição do Professor Duarte Nogueira – se quando for matéria espiritual ou
temporal de pecado o Direito Romano não tiver solução, não se deveria recorrer
ao Direito Canónico, mas antes às glosas de Acúrsio e Opinião de Bártolo.

por serem fontes de direito que se desenvolveram a partir do Direito Romano.

Esta hierarquia das fontes de Direito mostra que apesar da lei ser a fonte
principal, ainda prevê a possibilidade da aplicação do estilo da Corte e os
costumes antigos, que não são subsidiários.

85
Apreciação das Ordenações Afonsinas (1446)

Há autores que metem em causa que naquela altura teria sido possível fazer
uma divulgação e uma generalização das Ordenações em todo o território
nacional.
Há historiadores que, porque não existia ainda imprensa naquela altura, dizem
que as Ordenações Afonsinas seriam provavelmente apenas aplicadas ao nível
do tribunal superior e do conhecimento dos juristas da Corte mas que não teriam
tido a possibilidade/capacidade de chegar a todo o reino.
Os professores Albuquerque, no entanto, contradizem esta ideia dizendo que os
exemplares, alguns deles incompletos, mostram que o seu conhecimento era
alargado, portanto, não era só ao nível da Cúria Régia e do tribunal do reino, que
as Ordenações eram conhecidas e que tiveram uma razoável divulgação.

Estas Ordenações rapidamente ficaram desatualizadas.


Todas as leis que foram produzidas depois, ficaram por fora.
Passado umas décadas, foram elaboradas novas ordenações.

As ordenações Afonsinas estão repartidas em 5 livros:


o O primeiro livro ocupa-se dos cargos públicos (chanceler…);
o O segundo livro trata dos direitos da igreja, dos clérigos, dos direitos do rei,
judeus e mouros;
o O terceiro livro trata do processo civil;
o O quarto livro trata do direito civil;
o O quinto livro tratava de direito penal.

Ordenações Manuelinas

Estas ordenações foram começadas e concluídas ainda no reinado de D.


Manuel.
Houve várias versões das Ordenações Manuelinas.
As ordenações não saíram todas de uma vez, mas, a certa altura o Rei mandou
republicar a compilação completa e mandou destruir os exemplares anteriores.

86
Estas ordenações apresentam uma uniformidade de estilos (ao contrário das
Ordenações Afonsinas) são escritas no estilo decretório e não em estilo
compilatório; o que significa que do ponto de vista da técnica legislativa que
vimos que era mais perfeita no caso do livro I das ordenações Afonsinas, essa
técnica legislativa é aquela que se utiliza na redação das ordenações
Manuelinas.
Em relação à sistematização não há grande alteração nas matérias incluídas dos
5 livros destas ordenações Manuelinas, com a exceção de que é retirada a
matéria relativa aos judeus que tinham tido ordem de expulsão no séc. XV,
portanto a matéria relativa ao estatuto dos judeus que estava contida no livro II
desaparece.
Fontes de direito das ordenações Manuelinas:

Fontes do direito subsidiário (para além das presentes nas ordenações


Afonsinas):

o opinião comum dos doutores, passa a ser fonte de direito nas ordenações
Manuelinas numa posição que pode em algumas circunstâncias ter primazia
sobre a glosa de Acúrsio ou a opinião de Bártolo. Isto acontece quando se
verificar que existe uma opinião comum dos doutores (solução defendida por
um conjunto de juristas) que sendo contrária à glosa de Acúrsio ou à opinião
de Bártolo é constituída por opiniões/pareceres de juristas posteriores a
Bártolo, no caso das opiniões de Bártolo.

É um parecer que tem a seu favor a posição de um conjunto de juristas com


auctoritas.

Portanto, quer-se introduzir nas ordenações uma possibilidade de atualização.

26.05

Esta entrada da opinião comum dos doutores nas ordenações Manuelinas foi
entendida por alguns juristas como uma cedência aos novos tempos e às novas
mudanças do Humanismo Jurídico que assim dava um sinal de supremacia de
outras teses relativamente a outros juristas medievais (Acúrsio e Bártolo).

87
O Humanismo Jurídico (corrente contemporânea do Renascimento) teve
também a sua vertente jurídica, teve o seu reflexo a nível do direito, e o
humanismo jurídico preconizava um regresso aos textos clássicos e fazia fortes
críticas às escolas jurisprudenciais da Idade Média e ao seu método de trabalho,
o humanismo defendia que as escolas jurisprudenciais da Idade Média tinham
deturpado o direito romano, porque os jurisprudenciais da idade média não
sabiam latim clássico, teriam adulterado a pureza dos textos romanos que de
resto já não eram os textos clássicos que estariam no Corpus Iuris Civilis, até
porque os textos contidos no CIC tinham sido selecionados por Tribuniano e pela
sua Comissão a que presidiu por ordem do Imperador Jusiniano e esta comissão
juntamente com Tribuniano tinha podido alterar os textos clássicos resolvendo
as contradições nesses textos, fazendo interpolações (introduzindo expressões
e palavras que tornassem os textos mais compreensíveis e que não estava nos
textos originais). O direito romano que interessava estudar era o direito produzido
e aplicado na época clássica em Roma e não o direito justinianeu e muito menos
aquele que tinha sido trabalhado pelos juristas medievais.

Livro II, capítulo V

Os professores de Albuquerque entendem que não há uma cedência ao


Humanismo Jurídico e lembram que a opinião comum dos doutores foi na prática
uma possibilidade aberta na própria escola dos comentadores a que pertencia
Bártolo, isto é, no seu entender não se pode dizer que o acolhimento da opinião
comum dos doutores nas ordenações Manuelinas pudesse significar um
detrimento da posição de Bártolo, uma inferiorização da sua opinião, porque na
verdade foi a própria escola de Bártolo quem criou esta formulação da opinião
comum dos doutores; o que lhes parece é que as ordenações quiseram deixar
uma porta aberta para a opinião de futuros juristas que posteriormente a Bártolo
pudessem trazer novas soluções, isto é, de não estancar a possibilidade de
resolver um caso por lacuna no direito prudencial em Bártolo, não fazer cessar
aí as possibilidades, mas pelo contrário vem abrir a possibilidade da opinião de
juristas posteriores ser também contemplada.

88
Na prática, não é apenas um jurista posterior a Bártolo que pode afastar a sua
opinião, mas sim a opinião comum de vários juristas posteriores a Bártolo e
nesse sentido os professores de Albuquerque que Bártolo não foi propriamente
posto em causa e de resto a prática judiciária desta época e ainda posterior vem
mostrar que nos tribunais Bártolo continuava a ser um guião para a resolução
dos casos e a fundamentação das sentenças por parte dos juízes.

Ordenações Filipinas

No tempo de Filipe I, desenvolveu-se a atividade legislativa e considerou-se que


havendo já várias leis avulsas fora das ordenações Manuelinas fazia sentido
elaborar uma nova compilação, forame encarregues desta compilação e da
reforma da legislação os juristas Jorge de Cabedo, Afonso Vaz Tenreiro e Duarte
Nunes de Leão (autor de leis extravagantes que surgiram entre as ordenações),
Ficaram prontas em 1595, entraram em vigor em 1603, incorporaram muita
legislação avulsa organizada em pequenas coleções que tinha sido produzida
entre 1521 (última versão das edições manuelinas) e o final do séc. XVI.
Quanto à sistematização mantém-se a sistematização das ordenações em livros,
títulos, parágrafos e a colocação das matérias.
Só há uma mudança significativa a registar que é:

A mudança da matéria do direito subsidiário que sai do livro II das ordenações e


passa para o livro III, portanto sai do livro que trata dos direitos da igreja, dos
clérigos, dos direitos do rei, judeus e mouros para o livro que trata de direito
processual, isto acontece para dar o sinal de que a aplicação do direito
subsidiário deixa de ser vista como uma espécie de concorrência entre
ordenamentos para passar a ser entendida como uma mera questão processual.
Existe o processo judicial que tem de ser resolvido, existe um caso que precisa
de uma solução, a solução não se encontra na lei do estilo da Corte nem no
costume antigo, é preciso encontrar a solução e vai recorrer-se à hierarquia do
direito subsidiário e isto passa a ser visto como uma questão estritamente
processual.
Portanto nestas ordenações entendeu-se que fazia mais sentido que esta
matéria estivesse tratada em sede de direito processual.

89
Apreciação das Ordenações Filipinas

Foram encontrados diversos erros e contradições nas ordenações, estas falhas


ficaram conhecidas por Filipismos, à semelhança da expressão que tinha sido
utilizada muito tempo antes para designar as falhas, incorreções do CIC a que
se tinham chamado tribunianismos, nesta altura denominavam-se por filipismos
às gralhas e erros encontrados na compilação.
Embora as ordenações mantenham a opinião de Bártolo na posição que tinha
no direito subsidiário, na prática judiciária da aplicação das ordenações verifica-
se que existe uma valorização das opiniões de Bártolo, ao ponto de se dizer que
o direito português se encontra numa fase bartolista do seu desenvolvimento.
O que é que isto tem de interessante?

É verificar que esta tendência forense, esta tendência da prática dos tribunais é
a afinal contrária à própria letra das ordenações, isto é, as ordenações colocam
Bártolo no 4º lugar entre as fontes subsidiárias a que se podia recorrer na falta
de direito principal, no entanto, na prática judiciária verifica-se que a opinião de
Bártolo continua a ser utilizada pelos juízes de forma prevalecente; o que
significa que a prática forense é diferente da teoria que está estabelecida nas
ordenações.

Relativamente às ordenações Filipinas acrescentar apenas que estas


ordenações que foram atualização das Manuelinas, tal como as Manuelinas
foram atualização das Afonsinas.
As Filipinas tiveram uma vigência muito prolongada, porque na prática elas
entraram em vigor em 1603 e verdadeiramente só deixaram de estar em vigor
quando surgiram os novos códigos no movimento geral da codificação do século
XIX, designadamente do Código Civil. Embora com o passar do tempo tenham
ficado muito desatualizadas, tenha havido muitas leis que se consideraram a
dada altura revogadas, tenha até sido gerada alguma confusão na ordem
jurídica, no tempo de D. Maria tentou-se fazer um código que substituísse as
ordenações por considerarem à época os juristas que a rodeavam que o
ordenamento português estava num estado caótico sem que na altura já se
conseguisse saber quais eram verdadeiramente as partes das ordenações que
se encontravam em vigor e quais é que tinham sido alteradas, mas na verdade

90
ainda não foi no reinado D. Maria que se avançou para a codificação. Só no
século XIX aparecerá o 1º Código do sentido moderno do termo, que foi o Código
Comercial de 1833.

Fontes de direito do período monista:

o Ainda sobre a LEI, já vimos que houve várias coleções de leis extravagantes
(leis avulsas; a compilação fechou em determinado ano e a legislação que foi
produzida depois e que ficou de fora dessa compilação é conhecida por
legislação extravagante). Houve várias coleções de leis extravagantes sequer
entre as Manuelinas e as Filipinas, quer depois das Filipinas. Entre as
coletâneas que surgiram no período de 1521 (publicação das ordenações
manuelinas) a 1603 (entrada em vigor das Filipinas); a mais importante
coleção de leis foi a coleção de leis extravagantes de Duarte Nunes de Leão,
jurista da corte, reconhecido e prestigiado que foi chamado para entre outros
elaborar as ordenações Filipinas, sucede que Duarte Nunes de Leão tinha
aqui elaborado antes uma coleção de leis extravagantes que de resto teve 2
versões:
o 1ª versão manuscrita de 1566;
o 2ª versão impressa de 1569 que tinha a particularidade de ser acompanhada
por resumos das leis; resumos a que foi atribuída força legal.

➢ Existindo estas continuações de leis extravagantes e em particular a de


Duarte Nunes de Leão é natural que ela tivesse sido incorporada depois nas
ordenações Filipinas, uma vez que era constituída por leis novas que não
estavam nas Ordenações Manuelinas o conteúdo desta compilação foi vertido
depois nas ordenações Filipinas.
➢ Depois das ordenações Filipinas, houve muitas compilações de leis
extravagantes, pois visto que as ordenações vigoraram durante séculos era
impossível que se tivesse parado de legislar, assim fizeram-se muitas
coleções de leis depois das ordenações Filipinas estarem em vigor, mas
essas coleções não precisam de ser decoradas, são muitas, estão enunciadas
nas lições nas páginas 72 e seguintes.

91
Basta saber explicar que:

Existiam compilações de leis extravagantes entre ordenações e por maioria


de razão durante a vigência das ordenações Filipinas, uma vez que, não
cessou a produção legislativa, portanto os reis continuaram a legislar apesar
das ordenações terem sido elaboradas e entradas em vigor em 1603, com
isto, há muitas coleções de leis extravagantes, sobretudo durante o século
XVIII e ainda no início do século XIX. No total as lições referem 10, mas basta
exemplificar com alguma destas compilações, por exemplo o sistema de
coleção dos regimentos reais ou a coleção de legislação antiga e moderna do
Reino de Portugal.

o ASSENTOS, tal como os reis podiam legislar (poder legislativo) tinham


também a possibilidade de interpretar as suas leis.
No período pluralista, a interpretação da lei que suscitasse dúvidas era
feita pelo próprio rei através de uma lei aclaratória; no período monista, o
rei pode atribuir essa competência e fê-lo aos tribunais superiores, a Casa
da Suplicação e a Casa do Cível, portanto a tarefa de esclarecer textos
legislativos que pudessem na prática na sua aplicação suscitar dúvidas
ou fossem por alguma razão obscuros essa clarificação, no período
monista, era muitas vezes feita não pelo rei pessoalmente através de uma
nova lei, mas através de um assento da casa do cível ou da casa da
suplicação consoante os casos.
Em 1518, o rei D. Manuel delegou na Casa da Suplicação o poder de
resolver os casos duvidosos através de assentos, de acordo com esta lei,
o valor dos assentos restringia-se ao processo em que se tivessem
suscitado, no entanto, as Ordenações Manuelinas em 1521, vieram
ampliar a possibilidade de os assentos se aplicarem também a outros
casos futuros atribuindo-lhes valor genérico.
Portanto, numa lei de 1518, D. Manuel delegou na Casa da Suplicação o
poder de resolver casos duvidosos através de assentos, nessa altura o
assento resolvia apenas o caso a propósito do qual era formulado, mas
as ordenações manuelinas vieram ampliar o valor dos assentos
atribuindo-lhes a valor genérico.

92
27.05

(Breve resumo da última aula)

Assentos eram na prática clarificações na interpretação da lei feita pelo Tribunal


Superior.
Enquanto, no pluralismo os reis muitas vezes elaboravam uma nova lei,
designada por lei aclaratória, para se esclarecer as duvidas de interpretação de
uma lei anterior.
Agora no período monista, em regra, o rei delega no Tribunal Superior (Casa da
Suplicação) a competência para emitir assentos.
Portanto é a esse tribunal que cabe assentar a interpretação correta para uma
determinada lei, que pode ter suscitado dúvidas.
Os assentos têm também importância no que toca a outra fonte de Direito que
foi falada no período pluralista e também se mantém no período monista, o estilo.

Estilo

O estilo no período monista está sujeito a novos requisitos, uma das suas
condições de aplicação é que esteja aprovado por assento da Casa da
Suplicação.
Portanto, o estilo deixa de ter validade autónoma e passa a só poder vincular
quando está confirmado através de assento da Casa da Suplicação.

Costume

Também tem mais exigências para que possa ser aplicado:


• Tem de ter pelo menos 100 anos de validade.
• Tem de ser conforme a lei (por outras palavras, não pode ser contra legem) e
conforme a boa razão.

O que acontece ao Direito Canónico, Direito Romano e às outras fontes de


Direito que eram subsidiárias das Ordenações?

93
O Direito Canónico continua a ter muita importância ao nível dos tribunais
eclesiásticos, mas o Rei e a Lei da Boa Razão vão estabelecer que o Direito
Canónico não deve ser aplicado, por regra, nos tribunais civis.
Portanto o Direito Canónico é relegado para os Tribunais Eclesiásticos e perde
a sua função de Direito Subsidiário, que tinha nas ordenações.

O Direito Romano não tem o mesmo papel que teve até ao Humanismo Jurídico,
aquela predominância do Direito Romano, bem como das escolas
jurisprudenciais, vai ter a tendência a decair e formalmente, na Lei da Boa
Razão, vai dizer que o Direito Romano só deve ser aplicado quando os seus
preceitos se mostrem uteis e atuais relativamente ao direito das nações
civilizadas da Europa, que eram as nações que viviam no Despotismo
Esclarecido, portanto, a França, a Prússia, a Áustria e mais algumas nações do
centro da Europa.
Portanto, o Direito Romano passa a ser filtrado de acordo com um critério a que
se chama Usus Modernus Pandectarum (Uso Moderno das Pandectas).
Todas essas fontes de Direito se transformam quando se passa do Pluralismo
para o Monismo. O mesmo vai acontecer com a Glosa de Acúrsio e Opinião de
Bártolo.

Correntes de Pensamento Jurídico

Humanismo Jurídico

É uma derivação do Humanismo em geral, que por sua vez coincide do ponto de
vista cronológico com o Renascimento.
É uma corrente que em termos gerais, pretende centrar a atenção no Homem e
pretende que o Homem seja considerado o centro de todas as coisas e que todo
o conhecimento seja acedido através da razão humana.
Portanto há uma valorização do Homem e da sua circunstância que, de certa
maneira contrasta com o Teocentrismo que era típico da Idade Média, em que o
Homem era uma figura entre muitas, de alguma maneira desvalorizada face á
grandiosa ideia da omnipresença de Deus no próprio Direito.
O Humanismo Jurídico, portanto, o Humanismo no que se refere á sua aplicação
no Direito, tem algumas particularidades: O Humanismo pretende regressar aos
textos romanos clássico.
94
A critica dos Humanistas começa por ser filológica (tem um nome associado,
Lorenzo Valla, foi autor de uma obra chamada “a elegância da língua latina”, foi
por aqui que começou esta critica), portanto começa por ser uma crítica que
assenta no mau uso da língua latina e passa também a ser uma crítica histórica
dizendo-se, portanto que os juristas medievais adulteraram o Direito Romano.
Toda esta tendência cabe dentro daquilo que genericamente o Humanismo
defende e que é característico da época do Renascimento que é apelar aos
valores clássicos e rejeitar Idade Média.

É muito daqui que se projeta a ideia (errada) de que a Idade Média


é a Idade das trevas e que nada de interessante se passou nessa
altura, que o conhecimento não avançou e é uma época em que o
trabalho jurídico não fortificou.

O Humanismo Jurídico teve maior implantação em Itália e em França.


Em Portugal não teve grande implantação, não quer dizer que não tenha havido
Humanistas portugueses.

A figura de Bártolo no Direito, na prática judiciária, era mais intensa do que as


ordenações podiam supor. Bártolo nas ordenações aparece como a 4ª fonte de
Direito Subsidiários, depois do Direito Romano, Direito Canónico e da Glosa de
Acúrsio, mas na prática judiciária os juízes continuavam a fundamentar as suas
sentenças nas opiniões de Bártolo, que era de resto o que lhes tinha mandado
fazer o regime quatrocentista da Casa da Suplicação no século XV.

Os juízes continuam a aplicar a opinião de Bártolo, continuam a considerá-la a


luz do Direito e, portanto, essa grande consideração que é tida pela opinião de
Bártolo e que é fortemente contrariada pelo humanismo, leva a que em Portugal
o Humanismo Jurídico tenha tido uma implantação bastante mais fraca do que
teve no resto da Europa.

A escola humanista era designada por Mos Gallicus (Costume da Gália) também
se chama Escola Alciateia ou Escola Cujaciana.

95
Esta escola humanista é a primeira escola jurisprudencial que se vai tratar dentro
do Direito Prudencial do período monista.

Racionalismo (Jusracionalismo naturalista)

Esta é a escola que elege a razão como critério de orientação de tudo o que
deve ser considerado válido e tudo o que não serve, tudo tem de estar conforme
a Boa Razão.
O racionalismo tem como pano de fundo o Iluminismo (enquanto movimento
geral da cultura e do saber que se caracteriza pela ideia de racionalidade
humana, a razão humana como veículo para a sabedoria, a razão humana como
via de acesso ao conhecimento e que corresponde, portanto, àquele que se
chama em França o “Século das Luzes”). Este século das Luzes, século XVIII, é
o tal que do ponto de vista político conhece as experiências do Despotismo
Esclarecido.
Portanto neste século temos:
• Do ponto de vista da cultura e do saber – o movimento iluminista;
• Do ponto de vista da organização do poder – tendência para o Despotismo
esclarecido ou iluminado;
• Do ponto de vista jurídico – tendência racionalista.

Iluminismo – ideia do acesso á sabedoria através da razão.

Em Portugal, o Racionalismo, teve 2 grandes momentos:


o Lei da Boa Razão (1769) – lei pombalina que a 1824 ficou conhecida por lei
da boa razão, por via de uma obra publicada de Correia Teles que publicou
um comentário critico à Lei da boa razão, a partir disto passou a ser conhecida
a Lei da boa razão; assim, esta lei é uma concentração de opções dentro do
espírito e dos ideais do racionalismo jurídico; é aqui que vamos encontrar as
opções do direito subsidiário e a própria definição de boa razão que serve de
filtro para a aceitação das diversas fontes de direito. É com a lei da boa razão
que cessa verdadeiramente o domínio que as escolas jurisprudenciais da
Idade Média tinham dito durante muitos séculos, designadamente em Portugal
em que a autoridade de Acúrsio e de Bártolo continuava a ser reconhecida
nas ordenações e de Bártolo até Acúrsio na prática judiciária. A lei da boa
96
razão revogou alguns preceitos das ordenações, mas não revogou as
ordenações na sua totalidade; as ordenações Filipinas que estavam em vigor
desde o início do séc. XVII, foram alteradas e parcialmente revogadas no que
diz respeito às fontes de direito e sobretudo ao direito subsidiário pela Lei da
Boa Razão, mas esta não revogou as ordenações por completo, as mesmas
continuaram a vigorar.
o Reforma dos estatutos da universidade em 1772- há um outro texto que tem
3 anos de diferença da Lei da Boa Razão, que é aprovado e que é o texto dos
Novos Estatutos ou os Estatutos Pombalinos da Universidade, os estatutos
anteriores eram os estatutos Filipinos que já tinham constituído uma revisão
dos anteriores, portanto, no tempo de Marquês de Pombal, de acordo com a
nova filosofia e os novos princípios que atribuíam a lei da boa razão passaram
esses princípios a vigorar em grande parte ao ensino jurídico, ou seja, há
novos estatutos para a universidade (fixada em Coimbra). Estes estatutos são
importantes porque ilustram a importância do Racionalismo na Cultura
Jurídica Portuguesa (texto 19, pág.87).

Coletânea que a professora aconselhou (Glosa de Acúrsio, Lei da Boa


Razão…)

Capítulo V- Cadeiras que deve haver em ambas as faculdades jurídicas para


o ensino…?
Cadeira comum a ambas as faculdades (faculdade de leis e de cânones) - Direito
Natural Público Universal e das Gentes
Faculdade de Leis:
1 subsidiária- História Civil dos Povos
2 elementares- Direitos Romano e Português, Direito Pátrio
3 sintéticas- primeiras 2 de Direito Civil Romano
2 analíticas- Direito Civil Romano e Pátrio

Ars inveniendi, arte ou técnica de procura de argumentos; o método adaptado


à universidade denominava-se de lectura (método da leitura) que consistia na
leitura comentada de textos.

97
O método da lectura dava muitas vezes origem a controvérsias organizadas pelo
próprio mestre e muitas vezes acupulada à lectura as discussões que se
denominavam de question, este método também é completamente afastado dos
estatutos pombalinos da universidade que vêm defender e introduzir o designado
sintético, demonstrativo, compendiário.
O método que deve ser seguido pelas universidades está descrito nos estatutos,
as lições públicas das escolas jurídicas devem seguir uniformemente o método
sintético???? 23m (2ª parte) -não me parece importante, nem dá para perceber

02.06

Profunda reforma dos estudos jurídicos, não apenas curricular (relativamente às


cadeiras que se lecionavam na universidade), mas também metodológico,
porque se adota um novo método de ensino que deixa de ser o método da lectura
e passa a ser o método sintético demonstrativo compendiário.

O Racionalismo veio, de alguma forma, revolucionar a forma como estavam


organizados os estudos jurídicos, mas também a matéria relativa às fontes do
Direito das Ordenações.
A lei era conhecida pela sua data como muitas outras, de 18/08/1769, mas a
dada altura começa a ser conhecida por Lei da Boa Razão.
Em 1828, Correia Teles “batizou” esta lei pela Lei da Boa Razão, tendo essa
designação persistido até hoje, precisamente porque a lei elege a boa razão
como um critério de seleção das próprias fontes de direito, e como sendo o
caminho para se chegar à melhor solução para cada caso, impondo a
necessidade de que elas sejam conformes à Boa Razão.
Ao contrário do que se tinha feito em escolas anteriores, em que era a autoridade
do jurista que fazia com que se decidisse qual era a solução a seguir.

Depois do Humanismo, que veio de certa forma desautorizar os juristas das


escolas jurisprudenciais, colocando em causa o método do trabalho e a forma
como esses juristas trataram o Direito Romano, o Racionalismo acrescenta a
essas críticas um critério de orientação para tudo o que disser respeito ao
funcionamento da ordem jurídica: o da boa razão.

98
A Lei da Boa Razão, na prática, identifica a Boa Razão com os princípios e
verdades essenciais inalteráveis contidas no direito divino e natural, mas
também no direito das gentes e seguidas pelas nações civilizadas da Europa
(Itália, França, Prússia – Despotismo Iluminado ou Esclarecido, forma de
organização do poder político autoritária e absoluta).

o Assentos – era a capacidade que o rei tinha de fazer interpretação das leis.
De acordo com a Lei da Boa Razão, essa interpretação pode ser feita
igualmente pelo tribunal superior: a Casa da Suplicação.
Competência atribuída pelo rei de esclarecer as passagens duvidosas que as
leis pudessem ter, através de assento.
No período pluralista os reis pessoalmente, através das leis aclaratórias,
esclareciam e interpretavam as leis. No período monista passa-se a fazer
essa interpretação através dos tribunais superiores: a Casa da Suplicação e
a Casa do Cível. Em 1518 o rei D. Manuel delegou na Casa da Suplicação a
competência de resolver os casos duvidosos através de assentos.
De acordo com esta lei, o valor dos assentos restringia-se ao processo em
que a dúvida se tivesse suscitado. Com as Ordenações Manuelinas, o valor
dos assentos foi ampliado, isto é, um assento que fixasse uma interpretação
tornava-se genérico, e deveria ser tido em conta para casos futuros.
Em 1582 foi extinta a Casa do Cível e criado o Tribunal da Relação do Porto,
que também podia emitir assentos. Com a Lei da Boa Razão atribui-se aos
assentos valor interpretativo e determina-se que o Estilo da Corte só pudesse
valer se fosse aprovado por assento da Casa da Suplicação.
Portanto, os assentos serviam também para aprovar estilos (definido no
período pluralista como um costume judiciário, ato praticado num tribunal).

o No período pluralista predominava a tese de Bártolo, de que o Estilo só podia


constituir-se a propósito de questões processuais. No período monista a Lei
da Boa Razão só aceita o Estilo como fonte de Direito se:
• Não contrariar a lei (contra legem);
• Plural;
• Conforme à Razão;
• Aprovado por assento da Casa da Suplicação.
99
o Costume – a Lei da Boa Razão não vai eliminar o costume, embora se saiba
que já nesta altura o costume era residual e com o passar dos séculos, mais
residual se tornou. Formalmente é mantido como fonte principal de Direito,
mas é-lhe exigido que:
• Tenha pelo menos 100 anos (Antiguidade);
• Não seja contra legem;
• Conforme à Boa Razão.

o Forais – fonte de Direito local associada à autonomia dos municípios. Estes


começaram a ficar desatualizados, com o passar dos séculos cada vez
existiam mais leis a tentar impor-se contra os forais existentes, legislando
sobre matérias que o próprio foral previa e sobrepondo-se aos mesmos
(quando antes os forais de norma especial prevaleciam sobre a norma geral).
Reforma dos forais (século XVI – 1520) feita por Rui Boto e Rui da Grã, de
onde resultou uma classificação de forais de 3 tipos:
• Forais Velhos (anteriores à reforma);
• Forais Novos (forais reformados ou atualizados);
• Forais Novíssimos (atribuídos depois da reforma).

O conteúdo dos forais Novos ou Reformados passou a restringir-se apenas às


prestações e serviços das populações e às matérias relativas à lei da vizinhança
(requisitos relativos à condição de vizinho).

Direito Canónico – A Lei da Boa Razão estabeleceu que o DC não devia ser
aplicado nos tribunais do rei (seculares) e que deveria restringir-se a ser aplicado
nos tribunais eclesiásticos.

100
09.06

Pág. 130 e seguintes do manual

Questão do Novo Código

Nós sabemos que a partir da lei da boa razão se tinha feito uma alteração
significativa das Fontes de Direito, mas não tinham sido revogadas
completamente as ordenações Filipinas, portanto em 1769 a lei depois intitulada
como lei da boa razão alterou as regras relativamente à validade do Costume,
do Estilo, dos Assentos, da Glosa da Acúrcio e da opinião de Bártolo e introduziu
uma nova fonte do direito para determinadas matérias (políticas, mercantis e
marítimas) que foi a das Leis das Nações Polidas e Civilizadas da Europa, mas
o “esqueleto” das ordenações Filipinas com uma boa parte das normas que
vinham de 1603, continuou em vigor. O resultado disso foi que se chegou ao
reinado de D. Maria, filha de D. José, reinado no qual se tinha produzido quer a
Lei da Boa Razão, quer os Estatutos Pombalinos da Universidade; e no reinado
D. Maria tomou-se a decisão de

formar uma Comissão de Juristas que fizesse um Código Novo para substituir
as ordenações em pelo menos algumas matérias- para averiguar quais eram as
leis que estavam ultrapassadas, quais eram aquelas que tinham sido certamente
revogadas e assim resolver uma série de dúvidas que existiam à data
relativamente à ordem jurídica portuguesa que era considerada em estado
caótico.

Esta decisão foi atribulada e em 1778, foi então entendido constituir essa
comissão para reformar 2 dos livros das ordenações.

Estamos a chegar ao final do século XVIII, temos como pano de fundo aplicadas
ainda as ordenações Filipinas que já tinham sido em parte revogadas em
algumas matérias pelas legislação extravagante, que foi feita posteriormente ao
encerramento e à entrada em vigor das ordenações Filipinas, em 1603, e essa
legislação extravagante era muita, de tal forma, que se considerava que não era

101
claro sequer já, quais eram as leis que estavam em vigor, quais eram as normas
das ordenações que ainda vigoravam, quais é que tinham sido revogadas,
portanto, considerava-se existir uma grande incerteza na ordem jurídica que se
resolveria fazendo códigos novos, que viessem substituir matérias fundamentais,
livros fundamentais das ordenações. Foi então decidido fazer essa tentativa em
relação a

Matéria do Direito Público e do Direito Criminal

Essa Comissão, durante vários anos, não conseguiu produzir o trabalho que era
esperado e a tarefa que lhe tinha sido entregue por D. Maria, por isso, resolveu-
se chamar para realizar a tarefa em causa o professor conceituado, mas também
ainda próximo das ideias do Marquês de Pombal, que se chamava Pascoal José
Melo Freire dos Reis (Melo Freire).
Melo Freire vem, portanto, fazer o trabalho que se tinha encomendado à
Comissão que não produziu o trabalho esperado.

Elaboraram-se 2 projetos e foi nomeada em 1789 (já se tinham passado mais de


uma década) uma Junta de Censura e Revisão que se deveria pronunciar sobre
os projetos de código elaborados por Melo Freire.
Essa Junta de Censura e Revisão era composta por várias pessoas, entre elas,
um secretário de estado Seabra da Silva (“inimigo pessoal” de Melo Freire) e que
resolveu entregar a tarefa da censura a um outro professor de cânones,
chamado António Ribeiro dos Santos. A tarefa deste era analisar os projetos de
código que tinham sido elaborados por Melo Freire e fazer a sua censura e
revisão.

Daqui nasceu uma intensa polémica relativamente ao Código de Direito Público,


Melo Freire que tinha elaborado o projeto e Ribeiro dos Santos que tinha a
função de o censurar e de o analisar tinham ideias profundamente distintas
relativamente a questões fundamentais do Direito Público, desde logo a questão
da conceção da Monarquia.

102
o Para Melo Freire, a monarquia continuaria a ser uma monarquia absoluta.
Era um absolutista convicto, defensor da ideia de monarquia pura em que
os reis não dependem da autoridade do povo e não deve haver verdadeiras
limitações ao exercício do poder do rei. Para este, que era um homem dos
tempos do Marquês de Pombal, continuava a ser entendida como uma
monarquia pura absoluta, em que o rei tinha todos os poderes
concentrados e não se encontrava limitado de nenhuma forma, e, portanto,
em que o papel das cortes não é reconhecido como um papel limitativo do
poder do rei, e sendo assim, não está limitado por uma instituição
representativa da nação, então não estaria limitado por ninguém.
o Por outro lado, Ribeiro dos Santos, que é considerado por alguns
historiadores como sendo até um pró-liberal que defendia um conceito de
monarquia consensualista baseado no facto do rei dever estar limitado pela
existência de leis fundamentais que na altura não estavam redigidas sob a
forma de uma Constituição em sentido formal, mas que constituíam no
nosso conceito de Constituição material já um núcleo central de direitos
fundamentais dos povos que o rei não poderia deixar de respeitar. Essas
leis fundamentais resultariam expressa ou tacitamente de uma convenção
entre o rei e o povo e consistiam em direitos invioláveis dos povos que os
reis deveriam respeitar.

Os professores Albuquerque dizem que esta diferença política de base não deve,
no entanto, esconder a proximidade que no fundo tinham quanto à conceção
monista do direito, isto é, que tendo politicamente posições diversas, defendendo
modelos de monarquia distintos, tinham uma mesma conceção relativamente à
ordem jurídica monista, ou seja, ambos defendiam o monismo legisferante, isto
é, o monismo baseado apenas na lei e na produção legislativa a partir do
monarca, portanto têm uma visão monista do sistema jurídico em que a lei é a
fonte praticamente exclusiva e que por sua vez tem como fonte no sentido de o
lugar onde brota o poder político, o poder legislativo que está concentrado nas
mãos do rei.

Assim, em relação ao código de Direito Público, o que resultou desta elaboração


de um projeto e desta discussão foi uma discussão académica alargada que

103
envolveu 2 sectores da sociedade portuguesa, representados por estes 2
homens com ideias muito distintas do ponto de vista político, mas chegado ao
final desta discussão não se aprovou o dito código, portanto a missão de Ribeiro
dos Santos (fazer a crítica e a censura deste projeto de código) foi bem sucedida
na medida em que o código não foi para a frente, portanto não saiu desta questão
um Código de direito Público.

Proposta feita por Melo Freire relativamente ao código penal, portanto a matéria
de direito criminal
Esta proposta de código nem sequer chegou a ser discutida. A polémica
“estalou” relativamente ao projeto do Código de Direito Público, e portanto, este
projeto de código de direito criminal nem sequer deu lugar a uma discussão
pública, mas na verdade esse projeto código também ficou pelo caminho tendo
de resto, desde logo, muito poucas hipóteses de ser aceite porque Melo Freire
mantinha no seu projeto de Código Penal várias das soluções das ordenações
Filipinas que eram conhecidas no seu livro 5º onde estava tratada a matéria do
Direito Penal, conhecidas como livro vermelho/livro sangrento, portanto apesar
de fazer inicialmente no seu documento uma crítica às ordenações Filipinas,
Melo Freire, no projeto que apresentou continuava a prever situações que
vinham precisamente das ordenações Filipinas e que já à época eram
consideradas inaceitáveis.

Passagem da introdução que Melo Freire escreveu no seu projeto de Código


Criminal apresentado em 1789, “a reforma das leis criminais é mais dificultosa
do que este das civis, mas esta dificuldade não veio tanto da natureza das coisas
como do prejuízo dos homens, nada interessa mais à humanidade do que um
bom código criminal, porém eu não sei onde o à. As leis antigas e modernas da
Europa, comparadas entre si, são a maior prova desta verdade, porque em todas
vemos decisões não só injustas e cruéis, mas inconsequentes e contradições
monstruosas entre as mesmas leis e suas circunstâncias, entre os princípios da
natureza e entre as mesmas instituições civis”.

Fala também duma filosofia política importante e necessária aos homens


públicos e tão vantajosa a toda a humanidade que teve verdadeiramente neste

104
século seu nascimento e que parece também a sua última perfeição e fala aqui
do Humanitarismo Jurídico- fala desta corrente dizendo que o seu nascimento
se deve ao Marquês de Beccaria, que “desenvolvendo no seu livro dos delitos e
das penas os princípios de … e que pôs em movimento os espíritos de outros
autores e de outros grandes génios que aperfeiçoaram a sua obra”.
Assim, na introdução ao código criminal Melo Freire diz que a tarefa de fazer um
Código Criminal é mais difícil do que fazer um Código Civil, que verdadeiramente
um bom código criminal ele nem sabe onde é que ele existe, porque as leis
antigas e as leis modernas da Europa revelam decisões injustas e cruéis e
inconsequentes e contradições monstruosas, mas a verdade é que cita no
terceiro parágrafo desta introdução uma nova corrente e que é diretamente
impactante no direito criminal que é o humanitarismo elogiando essa corrente,
mas o que sucede, no entanto, é que acaba por deixar no seu projeto de código
criminal marcas daquilo que era o direito penal sangrento e cruel das ordenações
Filipinas.

Por esta razão, o projeto de Código Criminal feito por Melo Freire foi considerado
inaceitável; a discussão pública nem sequer ocorreu e o projeto foi rejeitado.

Passagem do projeto de código, por exemplo relativamente ao crime de alta


traição, “os abomináveis réus deste crime serão enforcados e morrerão de morte
vil e afrontosa e antes de aparecer descalços e nus e com o baraço ao pescoço
e a cabeça rapada serão publicamente açoitados pelas ruas da cidade e
apregoados por infantes e traidores; depois de mortos seus corpos no mesmo
lugar e ocasião do suplício serão logo despedaçados em 4 partes e postos nas
praças da cidade até o tempo os comer, o coração e fígados lhes serão aí mesmo
arrancados pelo algoz e lançados ao fogo e depois ao mar; as suas casas
principais de residência na cidade e no campo serão arrasadas e salgadas e no
sítio se levantará um padrão com a inscrição do caso, as suas estátuas armas e
pinturas serão demolidas, rotas e picadas e a sua memória proscrita e o seu
nome tirado dos nossos livros e de nossas relações conselhos e tribunais em
que tiverem servido; não poderá jamais nomear-se nem escrever sem tempo
algum o seu próprio nome, nem mesmo que se lhe chama infame ou traidor”.

105
O mesmo homem inquestionavelmente inteligente e competente, foi ele de resto
que conseguiu produzir os 2 projetos de código depois de uma década passada
sobre a existência de uma comissão que não tinha conseguido fazer nada, mas
este mesmo homem que começa por dizer que a tarefa é difícil e que não sabe
onde exista um bom código criminal, porque os códigos que andam por aí pela
Europa contam com muitas injustiças e que ele próprio cita a existência desta
corrente humanitarista introduzida pelo Marquês de Beccaria, apesar disso
continua a manter no seu projeto de código estas coisas.

Assim, percebemos o motivo pelo qual este projeto código não podia avançar,
porque, na verdade, por esta altura já sopravam na Europa os ventos do dito
humanitarismo jurídico; já o Marquês de Beccaria tinha publicado a sua célebre
obra “Dos Delitos e das Penas”, em que fazia apologia de um direito penal mais
humano em que desaparecessem as penas infamantes, cruéis, em que a pena
de prisão substituísse outras penas, designadamente penas corporais e a pena
de morte, mas que a própria pena de prisão deixasse de ser entendida apenas
como uma forma de espiar a culpa, mas por contrário fosse também uma
oportunidade para que o criminoso não viesse a repetir o seu crime, portanto
havia aqui uma certa componente educativa num certo sentido uma primitiva
preocupação de tentar modificar o comportamento do criminoso para que a pena
que fosse aplicada não fosse verdadeiramente inútil, mas na verdade como nós
vimos esses ventos que sopravam na Europa, não levaram a uma codificação
com estas características e o projeto de código que foi feito por Melo Freire era
tudo menos humanitarista.

Posto isto…porque é que esta matéria tratada por Questão do Novo Código ou
como outros autores chamam Tentativa do Novo Código?
Porque foram produzidos 2 projetos (1 discutido publicamente e o outro não),
produziu-se uma discussão intelectualmente interessante que envolveu a
tendência Absolutista e Liberalista da sociedade portuguesa da época, mas daí
não resultou qualquer código, portanto não passou de uma questão.
Relativamente ao direito criminal, a corrente chamada de humanitarismo que
veio a influenciar em Portugal o primeiro código penal português que veio

106
aparecer apenas no século XIX, mas antes disso e através da obra do Marquês
de Beccaria “dos delitos e das penas” que foi traduzida em 20 e muitas línguas,
em poucos anos, obra considerada central na evolução do direito penal a
caminho da modernidade, esta corrente por via da divulgação desta obra estava
a fazer o seu caminho pela Europa fora onde produziu a nível nacional a
existência de legislações mais modernas que aboliram uma série de práticas em
matéria criminal. Em Portugal, também chegou o tempo em que o humanitarismo
fez o seu caminho e veio a influenciar um código penal.

O humanitarismo queria introduzir racionalidade e humanidade nas penas, trazer


os fins das penas, as finalidades das penas, trazer a uma outra filosofia de que
a pena devia servir finalidades de prevenção, devia servir para prevenir um novo
crime, portanto, tinha um fim de prevenção especial em relação àquela pessoa,
mas também para desencentincentivar outras pessoas a cometerem o mesmo
crime.

16.06

Movimento geral da codificação em Portugal no séc.19 e 20

Quando é que então surgiram os códigos novos? Quando é que houve condições
para isso?
Essa intenção não passou daí nos finais do séc. 18 e chegámos ao século 19
sem que tivesse surgido um código que pudesse ter substituído pelo menos em
parte as ditas ordenações Filipinas, cuja vigência permanecia parcialmente
(como já se viu), porque uma parte das normas das ordenações tinha sido,
entretanto, revogada.
Portanto, que vamos tratar da questão do movimento geral de codificação do
século 19 e em que desta vez se concretizou na elaboração de corpos
legislativos unitários obedecendo a uma estrutura que atendia a chamada

Teoria dos “3S” - Sintéticos, Sistemáticos e Científico, isto significa, portanto,


que esta tendência para a codificação acabou de facto por resultar na elaboração

107
de corpos jurídicos organizados/ sistematizados desta forma, portanto,
obedecendo a estes 3 critérios (deviam ser sintéticos sistemáticos e científicos).

Em termos filosóficos, a codificação partiu da ideia de que se devia consagrar o


racionalismo, portanto o pano de fundo da codificação do século 19 é o
racionalismo que vem do século anterior e também da segurança ou certeza na
aplicação do direito, portanto, há aqui, digamos assim, um princípio recetor desta
tarefa e de que a codificação deve trazer à ordem jurídica segurança e certeza
na aplicação do direito. De certa forma isto compreende-se na medida em que o
direito anterior, o direito que restava das ordenações, inundadas de legislação
extravagante, tinha projetado na comunidade (principalmente na comunidade
jurídica) a ideia de que a ordem jurídica estava caótica e de que já não era
possível verdadeiramente saber o que é que estava em vigor e o que é que não
estava, e portanto, não é de espantar que a dado momento se tivesse sentido, a
necessidade de pôr ordem e de sistematizar a ordem jurídica por forma a
clarificar os termos do seu funcionamento.

Mas na verdade o movimento codificador aconteceu também em um conjunto


alargado de países da Europa em que a legislação anterior não era
necessariamente tão caótica como no nosso caso, força também de um
imperativo de consagrar novos princípios e novas orientações através desses
corpos unitários de leis. Entendia-se, portanto, que a ordem jurídica devia estar
munida de um complexo normativo que fosse exaustivo e que regulamenta-se,
se possível, todas as situações colocadas na vida jurídica, devendo estas
normas estar previamente determinadas para que não houvesse lacunas, para
que não houvesse também margem para interpretações divergentes na
integração dessas lacunas.

Em Portugal, a necessidade de reformular essa legislação que se encontrava em


estado caótico foi progressivamente incidindo sobre diversos ramos do direito,
como nós nos lembramos a lei da boa razão tinha constituído a última grande
reforma legislativa antes deste movimento do novo código, da tentativa do novo
código; na lei da boa razão tinha-se mandado aplicar as leis e os usos das

108
nações civilizadas e polidas da Europa em manter em matéria designadamente
comercial.

Esta orientação genérica de aplicar em matérias comerciais, mercantis e


marítimo as leis das Nações polidas e civilizadas da Europa era
demasiadamente vaga, ambígua, e isto colocou naturalmente dificuldades de
aplicação do direito perante os casos concretos e de identificação de qual era o
direito estrangeiro que afinal se devia utilizar, por isso, foi nesta matéria, matéria
comercial, que mais depressa se sentiu a necessidade de elaborar uma nova
legislação, um código que viesse resolver estas dificuldades.
A legislação comercial era, portanto, particularmente confusa e inclusivamente
remedia, mandava resolver os casos de acordo com as praxes e os usos das
praças comerciais, o que era uma coisa muito ambígua e resultava sempre em
uma dificuldade concreta de aplicar a lei, por isso, a dada altura resolveu-se
mandar elaborar um código comercial que teve no seu projeto Ferreira Borges.

O autor começou por apresentar o projeto de Código Marítimo, que não teve
seguimento e depois haveria de empreender a elaboração do primeiro código
comercial português, depois de algumas vicissitudes, de algumas complicações,
mas que acabaram por resultar o 1° Código de Direito Comercial, que surgiu
em 1833 e tem portanto como autor, como responsável, o jurista Ferreira
Borges, que usou como Fontes do seu código legislação italiana, francesa, o
código Espanhol, o código da Prússia, o código da Flandres, as leis comerciais
Inglesas, o direito da Escócia, as ordenações da Rússia.

Portanto, Ferreira Borges era profundamente conhecedor da legislação


estrangeira e utilizou-a, não para remeter vagamente para ela, mas para ir
buscar inspiração e algumas soluções a esses códigos que outros países já
tinham elaborado. Este código de Ferreira Borges “resistiu” até 1888 quando foi
elaborado e entrou em vigor o 2° Código Comercial Português, da autoria de
Veiga Beirão.
Este código de Veiga Beirão, faz alterações sistemáticas ao código anterior,
extrai-se do código anterior as matérias de processo comercial e da organização

109
do foro mercantil e este código embora extremamente alterado por legislação
avulsa, vigorou durante muitas décadas em Portugal.
A parte relativa a história do código atual, do Código Comercial atual, terá
alguma introdução ao aparecimento e às características desse código.

Na área do direito administrativo a codificação foi iniciada também no século 19,


tendo sido atribulada e refletiu inúmeras oscilações e tendências de modelos
distintos, designadamente o modelo francês de feição centralizadora que
inspirou alguns códigos e o modelo tradicional de autonomia municipal, que
inspirou outros desses códigos. Nós sabemos que o direito administrativo é um
ramo do direito público, e está intimamente ligado às alterações do direito
constitucional e da forma como o Estado está organizado e, portanto, quando
em Portugal a tendência constitucional era alterada, o direito administrativo
também sofria esse impacto, portanto, a organização do Estado, a organização
dos poderes do Estado, os objetivos do Estado refletem necessariamente no
modelo administrativo que se escolhe e portanto não nos espanta que em 100
anos, desde 1836 até 1936, tenham existido em Portugal 6 códigos
administrativos, que são sucessivamente os códigos de Passos Manuel; Costa
Cabral; Rodrigues Sampaio; José Luciano de Castro; João Franco e por fim
nesse espaço de um século até 1936 Marcelo Caetano.

Marcelo Caetano, que alguns conheceram como político do antigo regime e que
foi o presidente o conselho, portanto o Chefe do Governo, que estava em
funções ao tempo da revolução de 74 e do 25 de abril, era antes de mais um
eminente professor de direito, cujo manual ainda muita gente estuda por essas
faculdades do país, naturalmente naquilo que ele ainda possa ter de atual, uma
vez que naturalmente o direito administrativo continuou a sofrer o impacto das
alterações constitucionais e dos modelos adotados relativamente à organização
dos poderes do Estado e portanto, não é hoje igual ao que era no tempo do
professor Marcelo Caetano. Depois disto, as constituições e designadamente a
Constituição de 76, implicou alterações ao código administrativo, mas o código
de 1936 (o último desta sequência de 6) vigorou por muitas décadas com
sucessivas alterações e adaptações.

110
Relativamente ao código penal nós lembramos quais tinham sido as vicissitudes,
a tentativa de codificação do direito penal, significa por isto que chegámos ao
século 19 com as ordenações Filipinas em vigor naquilo em que não tinham sido
revogadas e portanto, com o direito penal do Livro V, também conhecido por
Livro Sangrento das Ordenações, ainda naturalmente que com o liberalismo e
as novas ideias propagadas a partir do liberalismo, portanto, a partir da revolução
liberal de 1820 e das derivações que aconteceram depois, ganhou relevo a
necessidade de se fazer uma reforma do direito penal, no âmbito da questão do
novo código, a influência central da corrente do Humanitarismo Jurídico que
incidindo particularmente sobre o direito penal tinha sido defendido, entre outros,
pelo percursor Beccaria, mas também por outros autores célebres como
Filangeiri, que influenciou a reforma do direito penal em diversos países da
Europa e chegou a Portugal com uma significativa influência, designadamente
em relação a algumas orientações centrais.

O Humanitarismo se caracterizou basicamente por assumir uma atitude


racionalista perante a punição dos crimes, defender a humanização do direito
abolindo as penas cruéis e infamantes e a tortura, como forma de obter prova
em Direito penal, portanto, defendia a humanização do direito designadamente
no que diz respeito às penas (as penas que vinham do direito penal medieval e
muitas delas conservadas nas ordenações Filipinas eram penas em muitos
casos cruéis, em outros casos infamantes que incluíam nomeadamente a pena
de morte através da decapitação, através de lapidação, através do
esquartejamento dos corpos pós morten).
Portanto, vem defender-se a abolição dessas penas cruéis e infamantes, a
abolição da tortura e a rejeição da condenação por motivos e convicções
pessoais e religiosas como acontecia com os crimes de bruxaria e feitiçaria,
portanto, abolir também a condenação por motivos que não tinham uma
fundamentação social e que se fundamentavam apenas nas convicções
pessoais e individuais como o caso desses crimes.
Por fim, outra característica do humanitarismo era assumir uma atitude utilitarista
perante as penas, defendendo a ideia de que elas deviam ser também corretivas
e não apenas punitivas. As penas deviam ter como objetivo corrigir e reintegrar
o criminoso na sociedade e não apenas aplicar um mero castigo.

111
Estes princípios caracterizadores do humanitarismo fizeram-se sentir em
Portugal e influenciaram a reforma do direito penal.

O primeiro código penal português surgiu em 1852 e teve a participação direta


de uma comissão de juristas que se dedicaram a essa tarefa complexa de rever
o código penal, lembrando que, tinha sido proclamada e aprovada a constituição
de 1822 que também se referia à proporcionalidade das penas, à sua
intransmissibilidade e à necessidade de acabar com a pena de morte e prisão
perpetua; lembrar também que a carta constitucional de 26, ia no mesmo sentido
e até se referia ao estado das prisões, dizendo que as prisões deviam ser um
lugares seguros, limpos e arejados.

Portanto, havia no caminho para essa codificação do direito penal alguns


contributos que tinham incidência na matéria penal e eram trazidos pelos
“documentos”, pelos códigos constitucionais. Quando se chegou a 1852 havia já
um trabalho anterior de consolidação das ideias humanitaristas e das influências
trazidas por essas alterações constitucionais e, portanto, uma comissão de
juristas elabora o código que depois será aprovado como o primeiro código penal
de 1852.

Depois disso o código foi reformado várias vezes (2 pelo menos) e da integração
dessas reformas resultou o segundo código penal de 1886 que teve um trabalho
muito marcante de 1 penalista em concreto chamado Levy Maria Jordão. Esse
código vigorou durante muito tempo, até quase o final da segunda metade do
séc. 20 e nessa altura entrou em vigor um código penal aprovado em 1982 da
responsabilidade do professor Eduardo Correia.

Não foi na codificação civil que este processo se iniciou, houve primeiro a
codificação comercial, depois a codificação administrativa impulsionada pelas
reformas constitucionais (acontecidas depois do liberalismo) e a codificação civil
só aparece a seguir. Aqui também durante muitos anos se estudou a forma de
alterar a legislação civil, houve diversas comissões constituídas por iminentes
civilistas do séc. 19 para a elaboração de um código civil, mas a verdade é que
de comissão em comissão, chegou-se a meados do séc. 19 e ainda não havia

112
um código civil aprovado; chegou a ter um projeto de código civil apresentado
por um jurisconsulto inglês às cortes portuguesas.

Até que por fim foi encarregue da redação do projeto de código António Luís de
Seabra, conhecido por Visconde de Seabra, que era juiz da relação do Porto e
foi a principal figura ligada a elaboração do primeiro código português. Depois
de muitas discussões acesas entre os juristas da época o código acabou por ser
aprovado, em 1867. Este código civil ficou mesmo conhecido por Código de
Seabra, foi basicamente fruto de trabalho de 1 homem só, embora houvesse por
essa altura uma geração de juristas, de civilistas de nome, todos eles com
contributos fundamentais para a história do direito civil, como foi o caso de
Borges Carneiro, Almeida e Sousa, Correia Teles, Coelho da Rocha, e vários
outros autores que se encontram citados nos manuais.
No entanto a figura principal, foi António Luís de Seabra, que conseguiu a
aprovação final do código, que foi muito criticado por alguns, mas que na verdade
resistiu e provou ser um bom código pois vigorou até 1966, basicamente 1
século.
Este Código de Seabra é ainda muitas vezes citados nos manuais de direito civil,
para fazer a comparação entre aquilo que o código de Seabra dizia sobre
determinada matéria ou determinado instituto, sobre aquilo que no código de
Seabra se estipulava sobre uma questão ou outra e aquilo que veio a ser
introduzido pelo código de 1966.

Quanto ao direito processual, durante algum tempo aconteceu que se verificou


uma tendência para aproximar os ramos de direito processual fazendo-os incluir
nas reformas do direito judiciário e, portanto, o direito processual e o direito
substantivo andavam misturados, até que no séc. 19 vai prevalecer uma
tendência para essa separação, de maneira que surgiram códigos de processos
separados dos códigos de direito substantivo.
Fruto dessa nova teoria o primeiro código de processo civil aparece em 1876
(vigorando por muitas décadas), seguindo-se um novo código só em 1939.
Em relação ao processo penal foi aquele em que a codificação foi mais tardia,
embora tivesse havido várias tentativas que não resultaram de codificação
durante o séc.19, o primeiro código de processo penal só entrou em vigor em

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1929 (séc. 20) e este código viria a ser substituído pelo código de processo penal
de 1988.

Portanto com esse movimento geral da codificação do século 19, percebemos


que se consolidou, sendo que no caso o código de processo penal só aconteceu
no século 20, a tendência monista do direito português.

Caraterizámos a história do direito português em 2 grandes ciclos: Ciclo


Pluralista, até 1415, e o Ciclo Monista até a atualidade, sendo que nesse ciclo
monista teve grande peso esta tarefa da codificação.
A cúpula do monismo se fechou com a codificação, a ideia de que a lei era a
fonte de direito que devia prevalecer sobre todas as outras, que a lei devia prever
tudo, que a lei devia ser compilada e organizada de forma sistemática, de forma
a não deixar lacunas e a estabelecer ela própria as regras para a integração das
lacunas que pudessem vir a surgir e que o legislador manifestamente não
desejava, as normas relativamente à interpretação de alguma situação duvidosa
que a lei viesse a suscitar ela própria as previa. O código civil, prevê a matéria
de interpretação da norma e de integração das lacunas, portanto um movimento
codificador fechou este circuito do monismo jurídico e consagrou de modo
completo e formal.

Se nos primeiros séculos do monismo esta prevalência da lei não era ainda
integral, ainda se permitiam outras fontes, ainda havia algum lugar ao costume,
para o estilo (com requisitos mais exigentes do que no primeiro período), se
ainda havia lugar a aplicação de direito subsidiário. Agora, nesta última fase do
monismo, de que a codificação é uma parte muito significativa, já não há lugar
para nada disto, a lei completa o seu caminho e o monismo chegou até os nossos
dias, foi consagrado nestes códigos todos e nos códigos atuais que substituíram
estes em muitos casos e a prevalência da lei e o monismo são afinal o traço
fundamental do direito atual.

Nós temos em Portugal, assim como na Espanha, França, Itália, como num
conjunto de países, designadamente da família romanista, claramente um
modelo monista de prevalência da lei, independentemente do sistema político

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que possa vigorar, isto é, com governos, com sistemas políticos diferentes, com
o estado organizado de forma diferente, com sistema parlamentares ou mais
presidências ou mais semipresidenciais ou mais semiparlamentares, isso é
variável, a verdade é que o monismo convive com todos esses sistemas, porque
em todos esses sistemas a lei é a fonte de direito principal, toda poderosa,
omnipresente, que pretende regulamentar tudo e que prevê a forma de resolver
as suas próprias imperfeições.
Este circuito está completo com a codificação e que se prolonga até nossos dias.

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