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Manual da Formação de Magistrados Judiciais e

do Ministério Público em Matéria do Direito do


Ambiente em Moçambique

Apoio:

Matola, Junho de 2020


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Ficha Técnica
Título: Manual da Formação de Magistrados Judiciais e do Ministério Público
em Matéria do Direito do Ambiente
Editor: Centro de Formação Jurídica e Judiciária (CFJJ)
Data de Edição: Abril de 2020
Coordenação: DPEC

Equipa:

Consultores: Carlos Manuel Serra e André da Silva


Assistência Técnica: Elisa Samuel e Sérgio Baleira
Produção:
Apoio Financeiro e Apoio Técnico Geral: UNEP
Organização e revisão: Elisa Samuel e Sérgio Baleira
Capa e Arranjo Gráfico: WEBCAD
Impressão:
Tiragem:
Número de registo:

CENTRO DE FORMAÇÃO JURÍDICA E JUDICIÁRIA


Direcção: Elisa Samuel
Secretaria: +258 21 78 16 15 | +258 21 78 17 14
Linha verde: +258 21 78 43 51
Página WEB: https://www.cfjj.gov.mz
E-Mail: cfjj@cfjj.gov.mz
• Endereço: • Rua de Mutatéia n.º 1572|C. Postal 2749
Bairro Fomento – Matola|Moçambique

CFJJ, Matola, Moçambique, 2020

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Manual da Formação de Magistrados Judiciais e
do Ministério Público em Matéria do Direito do
Ambiente em Moçambique

UNEP
SMALL-SCALE FUNDING AGREEMENT (SSFA)
“Strengthening Institutional Capacity of Countries in Environmental Law through
Training, Sharing Expertise and Legal Guidance Materials / Reforço da
Capacidade Institucional dos Países em matéria de Direito Ambiental através de
formação, partilha de conhecimentos especializados e material de orientação
jurídica”

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Prefácio
Desde 2001 o Centro de Formação Jurídica e Judiciária (CFJJ) vem ministrando a
jurisdição do Direito do Ambiente e Recursos Naturais nos seus Curos de Formação
Inicial de Ingresso nas Carreiras das Magistraturas Judicial e do Ministério Público,
bem como em Cursos de Formação Contínua para Magistrados e outros actores do
Sistema da Administração da Justiça (SAJ), reflectindo o interesse
constitucionalmente consagrado pelo Estado Moçambicano de assegurar um mundo
são ao Homem e de prover o desenvolvimento de forma ambientalmente sustentável.

O presente Manual de Formação de Magistrados Judiciais e do Ministério Público foi


desenvolvido pelo Centro de Formação Jurídica e Judiciária (CFJJ), de Moçambique,
com base no “Training Curriculum and Manual on Environmental Law for Judges and
Magistrates in Africa”, um guião genérico orientador das instituições de formação
jurídica em África, que prescreve os conteúdos mínimos fundamentais para o curso,
em termos de princípios, normas e requisitos processuais. O curriculum leva
igualmente em consideração as especificidades da situação ambiental e as
necessidades de formação dos Magistrados em Moçambique.

Com este instrumento Moçambique, através do CFJJ, insere-se na rede das


instituições africanas de formação de magistrados em matéria ambiental, como
resultado do apoio do Programa das Nações Unidas para o Ambiente (UNEP) iniciado
com a adopção, por parte destas instituições, do Plano de Acção de Joanesburgo, em
2017, para a elaboração de instrumentos aos níveis nacionais que facilitem o
desenvolvimento progressivo e a implementação da legislação ambiental em África.

O objectivo do desenvolvimento deste curriculum é o de consolidar a capacidade


formativa do CFJJ na área do Direito do Ambiente para fortalecer as instituições
judiciais (e judiciárias) em Moçambique equipando os Magistrados Judiciais e do
Ministério Público com conhecimentos e habilidades relativas à adjudicação e
resolução de casos ambientais de forma a assegurar a sustentabilidade ambiental.

Este objectivo orienta-se para responder a espectativa da Rede das Instituições de


Formação Judicial em África de que, com a implementações destes instrumentos
formativos contribuirão para o desenvolvimento sustentável em África e,
consequentemente, a nível global.

Elisa Samuel

Directora do CFJJ

Agradecimentos

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A promoção de um desenvolvimento ambientalmente sustentável constitui
actualmente uma crescente demanda da sociedade e dos Estados a nível Global. Esse
desiderato depende em grande parte da existência e implementação efectiva dos
instrumentos normativos no campo do Direito do Ambiente e de uma formação sólida
que fortaleça a actuação das instituições judiciais e dos actores do Sistema da
Administração da Justiça como um todo.

O Centro de Formação Jurídica e Judiciária (CFJJ) reconhece que o judiciário em


África tem sido cada vez mais um parceiro crucial na promoção da conformidade com
e aplicação dos regimes jurídicos ambientais aos níveis nacional e internacional.
Nesse sentido, o fortalecimento das capacidades dos Magistrados e de outros actores
da administração da justiça é fundamental para a realização do desejável
desenvolvimento sustentável.

O desenvolvimento do Curriculum e respectivo Manual de Formação de Magistrados


Judiciais e do Ministério Público pelo CFJJ beneficiou directamente do cometimento
do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEP), de apoiar os países
a fortalecerem e manterem a capacidade necessária para a adjudicação das disputas
ambientais de forma sustentável.

O CFJJ manifesta a sua satisfação e apresenta os seus agradecimentos ao UNEP


pelo apoio e às instituições de formação judicial pela colaboração que ora culminam
com a produção destes instrumentos formativos.

Elisa Samuel
A Directora do CFJJ

ÍNDICE

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Prefácio ..................................................................................................................................................4
Agradecimentos ..................................................................................................................................4
Abreviaturas e Acrónimos ...............................................................................................................6
1. Introdução ................................................................................................................................7
2. Estrutura do Manual ............................................................................................................8
3. Objectivos .................................................................................................................................9
4. Metodologia ............................................................................................................................11
5. Conteúdos Programáticos .................................................................................................12
MÓDULO I ..........................................................................................................................................13
Fundamentos do Direito do Ambiente ......................................................................................13
Unidade 2: Princípios e Conceitos Fundamentais do Direito do Ambiente ..............34
Unidade 3: Questões Ambientais Contemporâneas em África .....................................66
MÓDULO II.........................................................................................................................................97
Aspectos Processuais na Resolução de Litígios Ambientais ..............................................97
Unidade 1: Acesso à Justiça em Matérias Ambientais....................................................98
Unidade 2: Produção de Prova em Casos Ambientais ...................................................118
Unidade 3: Decisões (Medidas correctivas) em Casos Ambientais ............................126
Unidade 4: Gestão de Casos em Matéria Ambiental ......................................................142
MÓDULO III .....................................................................................................................................149
Principais Áreas de Litígios Ambientais .................................................................................149
Unidade 1: Crimes Ambientais ..............................................................................................149
Unidade 2: O Ambiente e os Direitos Humanos ..............................................................155
Unidade 3: Julgamento de Litígios sobre os Recursos Naturais ................................163
Subunidade 3 (a): Recursos hídricos e pesqueiros .....................................................163
Subunidade 3 (b): Recursos marinhos e costeiros .....................................................169
Subunidade 3 (c): Recursos florestais e faunísticos...................................................173
Subunidade 3 (d): Recursos das Zonas Húmidas .......................................................177
Subunidade 3 (e): Recursos minerais .............................................................................181

Abreviaturas e Acrónimos

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1. Introdução

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O Direito do Ambiente constitui matéria integrante dos curricula de praticamente
todos os cursos de Direito ministrados nas instituições do ensino superior em
Moçambique. No entanto, tais cursos centram-se no direito substantivo e
apresentam um défice considerável no campo do direito adjectivo. Nesse sentido
grande parte dos juristas candidatos às magistraturas e parte notável dos
Magistrados em exercício não se encontram devidamente equipados com
conhecimentos e habilidades relativas à interpretação e aplicação do Direito do
Ambiente. Para além disso, o Direito do Ambiente é uma matéria especialmente
complexa, na medida em que integra imperativos de carácter científico, tecnológico,
económico, social e de equidade. Observa-se ainda, nos anos recentes, um grande
aumento de tratados, estatutos, regulamentos e acordos ambientais, para além do
estabelecimento de novas instituições e/ou quadros institucionais para a gestão dos
desafios ambientais. Toda essa complexidade da matéria ambiental exige a
instituição de um sistema sólido, consistente e progressivo de formação dos agentes
judiciais, com destaque para os Magistrados, de modo a garantir-se o acesso à justiça
e a um desenvolvimento ambientalmente sustentável.

O presente Manual de Formação de Magistrados Judiciais e do Ministério Público


em Matéria do Direito do Ambiente em Moçambique constitui um instrumento
operacional do respectivo Curriculum de Formação de Magistrados Judiciais e do
Ministério Público em Matéria do Direito do Ambiente em Moçambique. O
Curriculum é produto do ajustamento do programa de formação da área disciplinar
da “Jurisdição da Terra, Ambiente e Recursos Naturais” do “Curso Inicial de Ingresso
às Carreiras das Magistraturas Judicial e do Ministério Público” em uso no Centro
de Formação Jurídica e Judiciária (CFJJ), em Moçambique, e aos princípios
prescritos no “Curriculum de Formação de Magistrados em Matéria do Direito do
Ambiente em África / Training Curriculum on Environmental Law for Judges and
Magistrates in Africa”, com o objectivo de harmonizar e assegurar o entendimento e
as práticas judiciárias comuns a nível do continente, que garantam a
sustentabilidade ambiental.

O Manual segue a orientação estrutural do Curriculum, podendo ser usado tanto em


cursos de formação inicial, quanto em cursos de formação contínua ou modular, não
exclusivamente para Magistrados Judiciais e do Ministério Público, como também
para outros actores do Sistema da Administração da Justiça, com as adaptações que
se fizerem procedentes, de modo a ampliarem o escopo dos conteúdos mínimos
definidos no Curriculum a cobrir as necessidades formativas específicas dos grupos
alvo da formação.

2. Estrutura do Manual

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O Manual de Formação de Magistrados em Matéria do Direito do Ambiente é
composto de três partes concebidas em módulos:

▪ O Módulo I tem como foco “Os Fundamentos do Direito do Ambiente”,


abrangendo o âmbito e conteúdo do direito ambiental, princípios e conceitos
fundamentais do direito ambiental, questões ambientais contemporâneas em
África. No final deste módulo, o participante deverá ser capaz de definir os
principais termos, princípios, normas, identificar os quadros legislativos
fundamentais e identificar estratégias que possam ser utilizadas para promover
o desenvolvimento sustentável no país;
▪ O Módulo II centra-se nos “Aspectos Processuais na Adjudicação das Disputas
Ambientais”, abrangendo as competências jurisdicionais, provas em questões
processuais, acesso à justiça ambiental, provas em casos ambientais, vias de
recurso e sanções, gestão de casos ambientais complexos. No final deste
módulo, o participante deverá ser capaz de enfrentar os desafios que se lhe
colocam no domínio da produção da prova, do acesso ao processo judicial, do
procedimento judicial adequado, da metodologia de investigação judicial, da
recepção do testemunho científico, do ónus da prova e da revisão das decisões
administrativas; e,

▪ O Módulo III trata das “Principais Áreas de Litígios Ambientais” abrangendo


crimes ambientais, incluindo crimes contra a fauna selvagem e a floresta,
direitos humanos e ambiente, poluição, recursos hídricos, recursos marinhos e
costeiros, recursos minerais. No final deste módulo, o participante deverá ser
capaz de conhecer e compreender melhor a natureza das violações da
legislação específica nele abordada, sempre que a adjudicação seja a linha de
acção adequada.

3. Objectivos
O objectivo geral deste Manual é o de orientar os formadores judiciários na formação
dos Magistrados Judiciais e do Ministério Público, equipando-os com conhecimentos
e habilidades na adjudicação e resolução de disputas ambientais de forma a
assegurar o acesso à justiça e contribuir para a sustentabilidade ambiental.

Em termos específicos o Manual visa:

• Munir o CFJJ e sua equipa de formadores com um instrumento formativo


consistente e prático em matéria do Direito do Ambiente;

• Assegurar a formação dos magistrados de forma a facilitar que estes adquiram


habilidades práticas e avançadas na resolução das disputas ambientais;

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• Assegurar uma formação de agentes judiciais com conhecimentos e
habilidades para assegurarem a formação dos magistrados de uma maneira
progressiva, contínua e harmoniosa;

• Orientar os formadores do sector judicial no desenvolvimento de materiais de


formação em material do Direito do Ambiente.

Os objectivos específicos das acções de formação e as diferentes áreas jurisdicionais


do Direito do Ambiente podem determinar os métodos e técnicas de administração
dos conteúdos programáticos do Manual, podendo implicar, por exemplo, a
classificação dos destinatários das formações em três níveis, designadamente:

▪ Nível Iniciante - Para Magistrados recém-formados ou sem formação em


matéria do Direito do Ambiente;

▪ Nível Intermédio – Para Magistrados já familiarizados com os fundamentos


do Direito do Ambiente, mas sem formação técnica especializada na matéria;
e,

▪ Nível Avançado – Para Magistrados já familiarizados com os fundamentos


do Direito do Ambiente, com conhecimento técnico especializado, mas sem
domínio de tópicos específicos sobre as várias áreas do direito ambiental
(podendo estes especializar-se como formadores).

O manual foi especialmente elaborado como instrumento orientador para a formação


de Magistrados. No entanto, este pode ser usado de forma criativa para a capacitação
de outras categorias sócio-profissionais, sobretudo aquelas cuja vocação possa
demandar interação com o sector judiciário. Nesse sentido a duração das formações
dependerão, em grande medida, dos objectivos, das exigências das jurisdições
ambientais e do nível de formação pretendido, de acordo com os destinatários.

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4. Metodologia
O presente Manual foi desenvolvido como o instrumento operacional do novo
“Curriculum de Formação de Magistrados Judiciais e do Ministério Público” do CFJJ.
O novo Curriculum foi desenvolvido com base nos programas da Jurisdição do
Direito da Terra, Ambiente e Recursos Naturais implementados pelo CFJJ e no
“Curriculum de Formação de Magistrados em Matéria do Direito do Ambiente para
Magistrados em África/Training Curriculum on Environmental Law for Judges and
Magistrates in Africa”, que o serviu de guião.

O processo de elaboração contou ainda com informações colhidas através de uma


pesquisa de levantamento das necessidades formativas do sector judicial, onde
participaram não só as instituições da administração da justiça, como também
instituições educacionais e da sociedade civil que operam na área ambiental em
Moçambique.

Com base nas informações do levantamento das necessidades formativas e do


primeiro esboço do Curriculum, baseado no Guião regional, foi realizada uma
Formação de Formadores em Matéria do Direito do Ambiente, dirigida a Magistrados
Judiciais e do Ministério Público que operam junto das áreas de Conservação em
Moçambique. As experiências da intervenção / não intervenção desses magistrados
a nível de disputas ambientais foi importante para ajustar os conteúdos
programáticos do Curriculum e enriquecer os exercícios e estudos de caso
apresentados no Manual.

Como Usar o Manual

O guião de formação de formadores é composto por três partes. O módulo um, centra-se nos
fundamentos do direito do ambiente, o módulo dois, nos aspectos processuais e o módulo três,
nas áreas substantivas da adjudicação (julgamento) ambiental. As jurisdições podem
determinar o calendário e o modo de aplicação do conteúdo do manual, tais como a divisão do
conteúdo a entregar em três níveis: principiantes para os novos juízes, nível intermédio e níveis
avançados para os juízes que já estão familiarizados com o nível básicos (fundamentais). O
período de capacitação dependerá em grande medida das exigências exclusivas de cada
jurisdição.

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5. Conteúdos Programáticos
Em resumo o Manual apresenta os seguintes conteúdos programáticos:

Módulo I: Fundamentos do Direito do Ambiente – Esta área cobre 3


Unidades, designadamente:
Unidade 1 – Escopo e conteúdo do Direito do Ambiente;
Unidade 2 – Princípios e conceitos fundamentais do Direito do Ambiente; e,
Unidade 3 – Questões ambientais contemporâneas em África.

Módulo II: Aspectos Processuais nas Disputas Ambientais - Esta área cobre
4 Unidades, designadamente:
Unidade 1 – Acesso à justiça ambiental;
Unidade 2 – Provas em casos ambientais;
Unidade 3 – Decisões em casos ambientais;
Unidade 4 – Gestão de casos em material ambiental.

Módulo III: Principais Áreas de Litígios Ambientais - Esta área cobre 3 Unidades
e 5 subunidades, designadamente:
Unidade 1 – Crimes ambientais
Unidade 2 – Meio Ambiente e Direitos Humanos
Unidade 3 – Julgamento de casos ambientais
Subunidade 3 (a) – Água doce e recursos pesqueiros
Subunidade 3 (b) – Recursos marinhos e pesqueiros
Subunidade 3 (c) – Fauna bravia
Subunidade 3 (d) – Recursos de zonas húmidas
Subunidade 3 (e) – Recursos minerais

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MÓDULO I
Fundamentos do Direito do Ambiente
Descrição do Módulo

Este é um módulo central do Direito do Ambiente e a mais importante contribuição


para a noção da agenda de desenvolvimento sustentável. O objectivo deste módulo é
orientar o formador a examinar os conceitos e entender a abrangência do objecto do
Direito do Ambiente. O módulo também estabelece as bases para o resto do curso.
Portanto, é importante que os participantes compreendam esses conceitos,
princípios e normas já na fase inicial da formação.

No fim deste módulo, o participante deve ser capaz de definir os principais termos,
princípios, normas, principais quadros legislativos e identificar estratégias que
podem ser usadas para promover o desenvolvimento sustentável.

Para os participantes que estejam familiarizados ou conheçam essas bases, o


formador pode dispensar este módulo.

Unidade 1: Escopo e Conteúdo do Direito do Ambiente


A unidade 1 visa fornecer ao magistrado uma base do motivo pelo qual esta matéria
é relevante para o bem-estar nacional e internacional. Esta unidade explora várias
definições jurídicas do termo “ambiente”, as fontes e o conteúdo do direito ambiental.
As definições ajudam a estabelecer os contornos das áreas do direito do ambiente,
ajudando a delinear o escopo da matéria, determinar a aplicação das regras legais e
estabelecer o grau da responsabilidade quando ocorrer dano. Também são
estabelecidos aspectos jurisdicionais do direito ambiental, para entender as possíveis
relações entre o direito ambiental internacional, nacional e local. A discussão sobre
o conteúdo e as categorias de direito ambiental decorre a partir das definições e dos
aspectos jurisdicionais. Comparar diferentes sistemas de direito do ambiente pode
ajudar os magistrados a entenderem e melhorarem os seus próprios sistemas
jurídicos e judiciais. A discussão aqui apresentada sobre as hierarquias envolvidas
no direito do ambiente refere-se aos vários níveis de tomada de decisão.

Noção de Direito do Ambiente

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O que é o Direito do Ambiente? – O escopo do direito do ambiente em qualquer
jurisdição é geralmente determinado pela forma como o conceito de ambiente é
definido. O direito ambiental pode ser descrito em termos gerais como sendo o
conjunto de leis que contêm elementos para controlar o impacto do homem sobre o
ambiente. De facto, sendo o ambiente uma dimensão de todos os sectores de
actividade, elementos do direito ambiental podem ser encontrados em todas as leis
de um país, sejam eles especificamente denominados de “ambientais” ou não.

A título de exemplo, uma das maiores vozes da doutrina júris-ambiental brasileira


define o direito do ambiente como o “complexo de princípios e de normas coercivas
reguladoras das actividades humanas que, directa ou indirectamente, possam afectar
a sanidade do ambiente em sua dimensão global, visando à sua sustentabilidade para
as presentes e futuras gerações”1.

O que está aqui em causa é a definição de um regime jurídico assente numa política
de desenvolvimento sustentável baseada na protecção e conservação do ambiente e
que previna e combata os danos ambientais considerados significativos. Tal regime
pressupõe uma filosofia da relação entre o Homem e a Natureza que esteja baseada
nos postulados da ética, da racionalidade, do equilíbrio, da sustentabilidade e da
equidade2.

Fontes do Direito do Ambiente


O direito do ambiente pode ser estabelecido a vários níveis diferentes: internacional,
nacional e sub-nacional, e subdividido em duas grandes correntes nomeadamente o
direito ambiental internacional e o direito ambiental nacional. Para o magistrado, a
legislação ambiental nacional é obviamente a mais pertinente, embora a
internacional também possa ser relevante. A extensão em que o direito ambiental
internacional é relevante para o magistrado depende de até que ponto tal direito se
tornou efectivamente parte do corpus do direito nacional, que deve ser aplicado.

O direito ambiental internacional regula as relações entre os Estados no que respeita


ao ambiente. A questão principal para o magistrado a nível nacional é, obviamente,
a de saber que leis operam a nível nacional. Em outras palavras, quando é que o
direito internacional cria obrigações dos cidadãos para com o Estado, ou do Estado
para com os cidadãos? O direito internacional só tem significado a nível nacional na
medida em que se torna parte do corpus do direito interno ou oferece orientação
persuasiva na aplicação ou interpretação do direito nacional. Como será discutido,
a questão de quando, e se o direito internacional se torna operacional e aplicável
pelos magistrados a nível nacional é uma questão complexa.

As leis nacionais assumem várias formas:


▪ Leis Quadro: legislação que cria agências ambientais e inclui mecanismos de
regulamentação ambiental. A maioria dos países da África possui leis-quadro que
frequentemente são paralelas às leis sectoriais existentes;
▪ Legislação sectorial: legislação específica de um sector que também contém disposições
de gestão ambiental. Por exemplo, fauna bravia, florestas/silvicultura, mineração,
gestão costeira, planeamento do uso da terra, etc.;

1 MILARÉ, Édis (2005), Direito do Ambiente, 4.ª Edição revista, atualizada e ampliada, Editora Revista
dos Tribunais, São Paulo, p. 155.
2 SERRA, Carlos, CUNHA, Fernando (2008), Manual do Direito do Ambiente, CFJJ, Maputo, p. 105.

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▪ Legislação integrada: legislação que abrange uma variedade de questões ambientais e
é governada por princípios, conceitos e soluções comuns, como as leis de Avaliação de
Impacto Ambiental (AIA);
▪ Jurisprudência: decisões dos tribunais internacionais, nacionais,
estaduais/provinciais e locais/distritais. As decisões judiciais têm efeito precedente
vinculativo ou persuasivo em muitas jurisdições.
A legislação sub-nacional: refere-se à legislação feita por unidades federativas e/ou
descentralizadas como estados, províncias, condados ou autoridades locais. Em muitos
Estados as mesmas ferramentas legais presentes no nível nacional estão sujeitas a
replicação nos níveis sub-nacionais.
Direito supranacional: refere-se, por exemplo, a leis regionais e continentais que
vinculam as nações a um tema como a economia e a integração regional. Em África, todas
as regionais têm tratados e leis de integração económica, como a Comunidade da África
Oriental, as leis da Comunidade da África Ocidental, a Comunidade de Desenvolvimento
da África Austral ou da África Central. Algumas dessas leis são vinculativas na jurisdição
judicial, enquanto outras são persuasivas ou não vinculativas.

O Direito do Ambiente no Plano Internacional


O direito internacional normalmente se concentra, em primeira instância, nas
obrigações de Estado para Estado, mas pode influenciar significativamente o direito
ambiental nos níveis nacional e sub-nacional. As fontes do direito internacional
incluem: Acordos Multilaterais (MEAs), acordos globais e regionais, jurisprudência
internacional como, por exemplo, decisões do Tribunal Internacional de Justiça,
Tribunal Internacional para o Direito do Mar, Tribunais Económicos Continentais e
Regionais, como o Tribunal de Justiça da África, os Tribunais de Justiça da Estados
da África Oriental (EAC) e da Comunidade Económica dos Estados da África
Ocidental (CEDEAO) e o direito consuetudinário internacional).

Para além do direito vinculativo, existem numerosas autoridades persuasivas


presentes no contexto ambiental, incluindo os escritos (doutrina) de eminentes
juristas: os magistrados baseiam-se por vezes na análise de eminentes comentadores
académicos em artigos e livros, especialmente quando não há precedentes legais
relevantes disponíveis.

Instrumentos internacionais não vinculativos (soft law) também podem ser uma fonte
de orientação. Por exemplo, os princípios contidos na Declaração do Rio sobre o Meio
Ambiente e Desenvolvimento são algumas vezes referidos por magistrados a nível
nacional.

a) O Impacto do Direito Internacional ao Nível Nacional

A questão-chave para o magistrado nacional é a de saber se o direito internacional


já se tornou parte do corpus do direito nacional. Se sim, o magistrado tem o dever
de aplicá-lo como lei nacional. Algumas constituições pedem explicitamente que os
magistrados considerem o direito internacional na interpretação do direito interno.

A medida em que as normas decorrentes do direito internacional são aplicáveis aos


níveis nacionais, depende, portanto, da maneira como essas normas são
incorporadas nas constituições, bem como do sistema jurídico e da jurisprudência
de cada país. Quando o direito internacional é incorporado no sistema jurídico

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nacional os magistrados aplicam as normas e padrões em casos que sejam
apropriados3.

Uma questão importante quando os tratados internacionais são adequadamente


incorporados na legislação nacional é a de saber que estatuto estes possuem. Em
alguns países o direito internacional é considerado igual à legislação nacional. Em
outros países considera-se que tem um estatuto superior ou inferior, na hierarquia
da estrutura jurídica nacional.
Em alguns casos, mesmo quando o direito internacional não foi incorporado no
direito interno, pode desempenhar um papel indirecto, fornecendo um instrumento,
ou um ponto de referência que se pode considerar útil, na interpretação das leis e
regulamentos nacionais e na resolução de ambiguidades que possam ser
encontradas nessas leis. É importante manter clara, no entanto, a distinção entre o
direito internacional do ambiente devidamente incorporado no direito nacional
(obrigatório) e o direito internacional quando este desempenha esta função, mais
indirecta, de assistência na interpretação do direito nacional (autoridade persuasiva).
Na adopção doméstica do direito internacional existe um certo grau de divergência
entre os países que seguem o sistema jurídico anglo-americano e os que seguem os
sistemas europeus de direito civil. Aqueles que empregam o sistema anglo-americano
(common law) tendem a adoptar uma abordagem dualista do direito internacional na
jurisprudência nacional. Assim, as leis internacionais não são incorporadas
automaticamente ao direito interno e dizem exigir um acto de "transformação" legal
no direito interno. Isto é especialmente verdade em relação aos tratados
internacionais. Isso exige que a legislação nacional produza efeitos a nível doméstico,
embora certos tratados possam ser considerados como sendo auto executórios.
Noutros casos, os juízes podem utilizá-los para fins de interpretação jurídica, nos
casos em que a legislação se basear ou cumprir uma obrigação do tratado.

Na prática, não está claro, quão nítida é a distinção entre Estados monistas e
dualistas, na medida em que a implementação das obrigações dos tratados é
frequentemente necessária para traduzir as obrigações em normas nacionais
aplicáveis ou para melhorar a aceitação do compromisso internacional a nível da das
estruturas política, jurídica e administrativa de uma jurisdição em particular.

Quando os elementos discretos do tratado são implantados no aparato de


governança nacional e nos movimentos rotineiros da administração regular, eles têm
a garantia da sua aplicação, da mesma maneira que a legislação doméstica ordinária.
O tratado, nesses aspectos, geralmente passa por um processo de transformação e
assimilação na legislação doméstica. Dessa maneira, é possível alcançar o esquema
mais eficaz de implementação do direito dos tratados.

b) Direito Internacional Consuetudinário

O direito internacional também pode se tornar parte do corpus do direito interno,


quando reconhecido como “direito consuetudinário”, devido ao seu amplo
reconhecimento e aplicação pelos tribunais e legisladores a nível nacional.

3Ver Raul Arturo Rincon Ardila contra República da Colômbia, Tribunal Constitucional, 9 de abril de
1996 (aplicando a Convenção da Biodiversidade, Convenção 169 da OIT sobre Povos Indígenas e Acordo
TRIPS do GATT).

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O direito internacional consuetudinário é definido como uma “prática geral do
direito” que os Estados seguem com algum senso de obrigação legal. Regras ou
princípios devem ser aceitos pelos Estados como juridicamente vinculativos para
serem considerados parte do corpus da prática geral do direito. Assim, o simples
facto de um costume ser amplamente seguido não o torna uma regra do direito
internacional. Os Estados também devem ver como obrigatório seguir o costume, e
não acreditar que sejam livres para se afastar dele sempre que quiserem ou o
observarem apenas como uma questão de cortesia ou obrigação moral.

Os sistemas jurídicos dualistas anglo-americanos são tipicamente menos receptivos


à incorporação do direito internacional consuetudinário do que os sistemas de direito
civil, seguindo uma abordagem monista na adopção do direito internacional na
jurisprudência nacional.

Significativamente, mesmo que um magistrado de um Estado considere que uma


prática é uma regra do direito internacional consuetudinário, um de outro Estado
não é limitado por essa decisão e pode chegar a uma conclusão diferente, tornando
mais difícil rotular de forma definitiva um corpo de lei “costume”. Notavelmente,
mesmo que um princípio no domínio internacional não tenha o estatuto de costume
e, portanto, não seja vinculativo, ele ainda assim pode ter força persuasiva.

c) O Plano Internacional e a Construção do Direito Ambiental

Em 1972, a Organização das Nações Unidas (ONU) realizou, em Estocolmo, a


primeira grande Conferência sobre o ambiente. A Conferência de Estocolmo constitui
um marco muito importante na institucionalização do Direito do Ambiente. A
Declaração de Princípios que resultou deste encontro foi fortemente influenciada
pelos diversos tratados, convenções e protocolos internacionais, e, por sua vez,
tornou-se fonte de Direito de muitos Estados.

Surge assim um ramo novo e autónomo do Direito, especializado nas questões


ambientais, dotado de princípios e normas de cariz específico, assentes no primado
da protecção e conservação do ambiente, que passou a ser leccionado, em meados
da década de setenta, em várias universidades4.

Assim, o Direito do Ambiente é um direito de matriz fundamentalmente internacional


intrinsecamente associado a primeira grande Conferência da ONU sobre Ambiente
(Estocolmo, 1972), da qual resultou o princípio de que “a pessoa humana tem direito
fundamental à liberdade, à igualdade e a condições de vida satisfatórias, num
ambiente cuja qualidade lhe permita viver com dignidade e bem-estar. Cabe-lhe
porém o dever solene de proteger e melhorar o ambiente para as gerações actuais e
vindouras”5.

Nesse sentido, o Direito Internacional é a principal fonte de Direito. Não obstante,


temos, no caso moçambicano, outras fontes, com destaque para a Lei, para o
Costume, para a Jurisprudência e para a Doutrina

Lei – Apesar do Direito do Ambiente ter efectivamente nascido a partir do Direito


Internacional, há que reconhecer o papel do desenvolvimento normativo alcançado

4 SERRA, Carlos, CUNHA, Fernando (2008), Manual do Direito do Ambiente, CFJJ, Maputo, p. 105.
5 Cf. Princípio I da Declaração de Estocolmo (1972).

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por alguns Estados bem antes da realização da Conferência de Estocolmo (1972).
Isto é, o Direito Internacional do Ambiente não nasce a partir do nada, ele é resultado
de ricas e variadas experiências acumuladas pelos Estados que se destacaram, ao
longo do século XX, na dianteira da luta contra alguns dos mais sérios problemas
ambientais. Estas experiências alimentaram em primeira linha os primeiros textos
internacionais e tornaram-se determinantes na construção de uma ordem jurídico-
ambiental global.

Costume – O Direito Internacional do Ambiente inspirou-se igualmente no costume,


como regra social resultantes de uma prática reiterada de forma generalizada e
prolongada, o que resulta numa certa convicção de obrigatoriedade, segundo cada
sociedade e culturas concretamente consideradas. Nesse sentido, fo i fundamental
para o efeito adoptar uma abordagem humanista que considerou os direitos dos
povos indígenas, das minorias éticas ou das comunidades locais, conforme os casos.

A Declaração do Rio, emanada da histórica Conferência do Ambiente e


Desenvolvimento (Rio de Janeiro, 1992), proclamou que “Os povos indígenas e suas
comunidades locais desempenham um papel fundamental na ordenação do meio
ambiente e no desenvolvimento devido a seus conhecimentos e práticas tradicionais.
Os Estados deveriam reconhecer e prestar o apoio devido a sua identidade, cultura
e interesses e velar pelos que participarão efectivamente na obtenção do
desenvolvimento sustentável”6.

Jurisprudência – A Jurisprudência, como conjunto das decisões sobre interpretações


das leis feitas pelos tribunais, é igualmente uma importante fonte do Direito
Internacional. O desfecho judicial de casos de alguns dos mais conhecidos casos de
poluição dos mares, por exemplo, na sequência de acidentes envolvendo petroleiros
e o consequente derrame de petróleo em quantidades suficientes para gerar danos
avultados nos ecossistemas, serviu para nortear o exercício de construção de alguns
dos instrumentos e institutos jurídicos internacionais.

Doutrina – Por último, veja-se o papel da doutrina, enquanto fonte de Direito


Internacional, vocacionada para o estudo do Direito, para a respectiva interpretação
e busca permanente de soluções mais justas e adequadas para cada situação
jurídica. As Escolas de Direito começaram a trabalhar as diversas temáticas do
Direito do Ambiente especialmente a partir da década de 70, com expressão máxima
no culminar da Conferência de Estocolmo, seguida do processo de
constitucionalização do bem jurídico ambiente.

Algumas das mais carismáticas Universidades pelo mundo inteiro posicionaram-se


no estudo de um dos mais novos ramos de Direito e, por conseguinte, contribuíram
para alimentar o processo legislativo subsequente no plano internacional e dos
respectivos Estados.

Fontes do Direito Ambiental Nacional


O capítulo 8 da Agenda 21 da Conferência Rio 1992, estatuiu que leis e regulamentos
adaptados às condições específicas de cada país, estão entre os instrumentos mais

6 Cf. Princípio XXII da Declaração do Rio de Janeiro (1992).

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importantes para transformar políticas ambientais e de desenvolvimento em acções,
não só através de métodos de “comando e controlo ”, mas também como estrutura
normativa para o planeamento económico e instrumentos de mercado.

Inspiradas em parte por estas declarações internacionais, as leis a nível nacional em


África incluem cada vez mais os seguintes elementos:

• Direito Constitucional: definindo os princípios fundamentais, direitos e obrigações


fundamentais do Estado e dos cidadãos em questões ambientais.
• Leis sobre o controlo da poluição, qualidade do ar: Os regulamentos sobre a qualidade
do ar são referentes à prevenção, controlo e a redução da poluição atmosférica, para
garantir um ar ambientalmente limpo e saudável. Prevêem o estabelecimento de
padrões de emissão para várias fontes, tais como fontes móveis (por exemplo, veículos
a motor) e fontes estacionárias (por exemplo, indústrias).
• Gestão adequada de produtos químicos perigosos.
• Tratamento e depósito adequado de resíduos.
• AIA e Licenciamento: a maioria dos sistemas prevê a pré-aprovação de certas classes
de actividades por meio de licenças operacionais com avaliação de impacto ambiental,
que advertindo sobre a concessão das licenças. A AIA isola e avalia o efeito dos projectos
de desenvolvimento "para garantir que a 'melhor' alternativa para o desenvolvimento
seja seleccionada.
• Lei de Planeamento: também chamada lei do ordenamento do território: inclui
indústria, estradas, pontes e outras infra-estruturas, tanto em áreas urbanas como
rurais.
• Lei de recursos naturais: abrange a conservação e exploração da terra (florestas, solos,
minerais) água: pesca, minerais, fontes de energia, que permite a protecção e controlo
da exploração da água (qualidade e quantidade), zonas húmidas, montanhas, florestas,
solos, minerais, pescas, protecção da biodiversidade / espécies, solos e degradação do
solo.
• Leis de desenvolvimento sustentável: que tentam garantir a integração de iniciativas de
conservação ambiental e das iniciativas de desenvolvimento na tomada de decisões a
todos os níveis, considerando as necessidades económicas, ambientais e sociais/
culturais. As leis incluem as leis financeiras e económicas, saúde, género, juventude.

Além da lei desenvolvida especificamente para o contexto ambiental, existem várias


fontes de direito penal e geral, que podem ter aplicação no contexto ambiental.
Alguns exemplos podem incluir contrabando e fraude no contexto criminal e penal e
as contravenções no contexto civil (em Estados com uma tradição do direito anglo
saxónico (commom law)).
Além dos elementos que geralmente são concebidos como sendo “da natureza”,
também existem leis relacionadas com elementos humanos do ambiente, tais como
a protecção do património cultural e religioso.

O Direito do Ambiente em Moçambique


a) Constituição Ambiental – Um Importante Marco na Construção do Direito
Moçambicano do Ambiente

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A doutrina jurídica constitucionalista, sobretudo após a Segunda Guerra Mundial,
introduziu conceitos como “Constituição Ambiental”, “Estado Constitucional
Ecológico”, “Estado Ambiental” e “Estado Sócio ambiental”, para abordar os novos
papéis assumidos pelo Estado em contexto de democracia sustentada marcada por
uma maior valorização da pessoa humana e do meio ambiente, marcando a transição
do “Estado-Providência” (Estado Social) para o “Estado Pós-Social”7.

Este movimento político, no sentido lacto do termo, representa uma perspectiva


ecológica de reequacionamento da questão ambiental, procurando estabelecer um
maior e melhor equilíbrio das dimensões política, democrática, social, cultural,
moral, económica e ambiental da humanidade.

Quatro valores centrais podem ser extraídos do “pacto social” da nova equação
ambientalista do Estado, designadamente:
(i) A protecção do ambiente como um bem jurídico universal da humanidade;
(ii) A edificação do Estado de Direito democrático e social regido por princípios
ecológicos;
(iii) A utilização racional do património natural e do ambiente como bens públicos
actuais e futuros; e,
(iv) A assunção de novas formas de participação política baseadas na ideia de
democracia sustentada.

Por seu turno, depreende-se que estes valores configuram a operacionalização da


relação intrínseca entre o meio ambiente e os direitos humanos, concebidos estes na
acepção da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de que “… o reconhecimento
da dignidade inerente a todos os membros da família humana e dos seus direitos
iguais e inalienáveis constitui o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no
mundo”. Ou seja, a realização dos direitos humanos implicam o gozo de um ambiente
social e natural são para todas as pessoas.

A Constituição da República de Moçambique (2004) alinha-se à esta abordagem


ambientalista no duplo alcance: objectivo (enquanto elemento institucional e
organizatório) e subjectivo (como direito fundamental de todo o cidadão)8, e projecta
as principais consequências do direito constitucional no plano do ordenamento
jurídico moçambicano”9.

De facto, “É hoje indiscutível a elevação e correspondente autonomização, no


ordenamento jurídico moçambicano do ambiente à categoria de bem jurídico

7 Veja-se:
ALMEIDA FILHO, Agassiz. “Pressupostos do Constitucionalismo Ambiental” in Revista de Informação
Legislativa: RIL Brasília a. 53 n. 211 p. 105-121, jul./set. 2016. Disponível em
https://www12.senado.leg.br/ril/edicoes/53/211/ril_v53_n211_p105.pdf - 27/01/2020).
CANOTILHO, José Gomes, Estado Constitucional Ecológico e Democracia Sustentada, Revista do
CEDOUA, n.º 8, CEDOUA, Coimbra, 2001, p. 9.
SILVA, Vasco Pereira da, Verde Cor de Direito – Lições de Direito do Ambiente, Almedina, Coimbra, 2002,
pp. 24 – 25.
PUREZA, José, Tribunais, Natureza e Sociedade: O Direito do Ambiente em Portugal, Cadernos do CEJ,
Centro de Estudos Judiciários, pp. 27 – 28.
MIRANDA, Jorge, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV – Direitos Fundamentais, 3.ª Edição,
Coimbra Editora, Coimbra, 2000, p. 533.
8 Idem, pp. 535 – 536.
9 Veja-se Constituição da República de Moçambique [Artigo 11.°, alíneas c), d), e), e f)].

SERRA, Carlos, CUNHA, Fernando, ob. cit., p. 126.

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fundamental, ao lado da vida, da saúde ou da propriedade. Tal opção foi
consequência do reconhecimento político e jurídico da dimensão colectiva ou pública
deste bem, isto é, enquanto valor ou interesse de carácter geral, que pertence à
sociedade como um todo, sem, contudo, descurar a não menos importante dimensão
individualista do mesmo em termos de reconhecimento a todo e qualquer cidadão de
um direito fundamental ao ambiente”10.

b) Objectivos Fundamentais do Estado Moçambicano

A Constituição da República de Moçambique consagrou um conjunto de objectivos


fundamentais do Estado11. Em sentido amplo a interpretação desses objectivos
fundamentais do Estado permite destacar quatro deles ligados à matéria ambientais
e plenamente compatíveis aos igualmente quatro valores centrais da nova abordagem
ambientalista em perspectiva ecológica, acima mencionados. Tais objectivos são:
• A edificação de uma sociedade de justiça social e a criação do bem-estar material,
espiritual e de qualidade de vida dos cidadãos: Teorias como, por exemplo, as
das necessidades básicas, consideram que a qualidade de vida abrange
quatro categorias de necessidades, a saber: i. Necessidade de segurança
(individual e colectiva); ii. Necessidade de bem-estar (fisiológico, ecológico e
sociocultural); iii. Necessidade de liberdade (de movimento, política, jurídica, de
trabalho e de eleição entre alternativas); iv. Necessidade de identidade (relação
consigo mesmo, com outras pessoas, com a sociedade e com a natureza) 12. Por
sua vez, um relatório do World Resources Institute, publicado em 2003 com o
apoio do World Conservation Monitoring Centre, da UNEP, propõe uma estrutura
para a avaliação, do milénio, da relação entre os ecossistemas e o bem-estar, e
considera que “O bem-estar humano e o progresso em direcção ao
desenvolvimento sustentável dependem de forma vital da melhoria da gestão dos
ecossistemas da terra de modo a assegurar sua conservação e uso sustentável”13.
Estas noções implicam considerar que a realização do valor “protecção do
ambiente como um bem jurídico universal da humanidade” é uma condição
indispensável para que se realizem a justiça social, o bem-estar material,
espiritual e de qualidade de vida dos cidadãos.
• A promoção do desenvolvimento equilibrado, económico, social e regional do país:
Neste objectivo observa-se por um lado que há uma expressa opção constitucional
pelo modelo económico de desenvolvimento sustentável e “equilibrado”. Por outro
lado, está clara a preocupação com o ordenamento do território, na busca de uma
harmonia e equilíbrio na implantação dos projectos económico e sociais em todo
o território nacional, com vista a eliminar as assimetrias geográficas existentes.
Tal entendimento pressupõe, necessariamente, a integração da componente
“protecção do ambiente” no próprio desenvolvimento. Isso implica ainda, dentre
outras medidas, a definição de áreas de conservação ambiental como uma das
formas de mediação da relação entre o homem e a natureza. Essa é também uma

10 Idem.
11 Veja-se: Constituição da República de Moçambique (Artigo 11.°)
12 NOGUEIRA, Vera. “Bem-estar, bem-estar social ou qualidade de vida: a reconstrução de um

conceito” in Semina-Ciências Sociais e Humanas: 10.5433/1679-0383.v23n1p107.2002.


Disponível em https://www.researchgate.net/publication/276230802_Bem-estar_bem-
estar_social_ou_qualidade_de_vida_a_reconstrucao_de_um_conceito
13 World Resources Institute. Ecossistemas e o Bem-estar Humano: Estrutura para uma avaliação.

2003. Disponível em https://millenniumassessment.org/documents/document.63.aspx.pdf.

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das condições para a “protecção do ambiente como um bem jurídico universal da
humanidade”, assim como para “edificação do Estado de Direito democrático e
social regido por princípios ecológicos”.
• A defesa e a promoção dos direitos humanos e da igualdade dos cidadãos perante
a lei: A teoria da justiça aplicada ao ambiente revela uma relação intrínseca entre
os direitos humanos e a justiça ambiental. Essa consideração levou à
consagração do direito ao ambiente ecologicamente equilibrado como integrante
dos direitos humanos e promotor da justiça ambiental 14. O direito à vida é
constitucionalmente consagrado como o mais importante dos direitos humanos
cuja observância carece, dentre outros aspectos, da materialização efectiva de
condições ambientais para todos. De facto, reversivamente, o direito ao ambiente
equilibrado é considerado um dos mais recentes direitos humanos, e que hoje
assume uma projecção cada vez maior. Num país em desenvolvimento muitos
vivem na exclusão, distantes do que está assegurado pela Constituição, sendo a
degradação ambiental um factor agravante desse quadro. Quem tem meios
económicos procura fugir da degradação, enquanto grande parte da população
fica condenada a viver num ambiente cuja responsabilidade pela destruição deve
recair sobre todos. Não raro, as pessoas são atingidas em sua dignidade pela
precariedade em matéria de saúde, trabalho, assistência social, previdência
social, etc.”15. É com esse entendimento que o UNEP também considera que a
promoção dos direitos humanos e da igualdade constituem o caminho para um
mundo mais justo, sustentável e igualitário, defendendo que a “…desigualdade
não é determinada apenas pela economia. Para alcançar níveis básicos de bens e
serviços para todos, melhor redistribuição de riqueza e de recursos (tanto no país
como entre países) e acesso igualitário a oportunidades, informação e justiça, são
necessárias novas abordagens para desenvolver capacidades em todos os níveis
da sociedade”16. Nesse sentido, os valores referentes a “protecção do ambiente”,
“edificação do Estado de Direito Democrático e Social”, a “utilização racional do
património natural e do ambiente como bens públicos” e a “assunção de novas
formas de participação política que tornem a democracia sustentável” são aqui
compreendidos. Ou seja, a realização do objectivo constitucional moçambicano
de “defesa e a promoção dos direitos humanos e da igualdade dos cidadãos
perante a lei” passa por esses desafios que, na realidade, vinculam a todos os
cidadãos e, neste contexto, com especial destaque para os profissionais da
justiça.
• O reforço da democracia, da liberdade, da estabilidade social e da harmonia social
e individual: Desenvolvimento sustentável e democracia apresentam-se como
questões relevantes para a sociedade contemporânea e afiguram-se estreitamente
relacionados. A efectividade do paradigma do desenvolvimento sustentável

14 CALGARO, Cleide e RECH, Moisés João. “Justiça Ambiental, Direitos Humanos e Meio Ambiente: uma
relação em construção” in Revista de Direito e Sustentabilidade. e-ISSN: 2525-9687. Vol.3, n.° 2, p. 1-
16 Jul./Dez. 2017. Maranhão. Disponível em
https://www.researchgate.net/publication/323653142_JUSTICA_AMBIENTAL_DIREITOS_HUMANOS
_E_MEIO_AMBIENTE_UMA_RELACAO_EM_CONSTRUCAO
15 REISEWITZ, Lúcia (2004), Direito Ambiental e Património Cultural - Direito à Preservação da Memória,

Acção e Identidade do Povo Brasileiro, Editora Juarez de Oliveira, São Paulo, 2004, p. 46.
16 PNUMA – Programa das Noções Unidas par o Meio Ambiente e a Agenda 2030 (Acção Global para as

Pessoas e para o Planeta). 2015. Disponível em


https://wedocs.unep.org/bitstream/handle/20.500.11822/9851/UNEP_2030_agenda_PT.pdf?sequen
ce=4&isAllowed=y

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pressupõe a análise contextualizada dos desafios que o Estado Democrático de
Direito deve enfrentar para a consecução da qualidade de vida e da dignidade
humana. Os debates científicos sobre a matéria consideram que “a concretização
do desenvolvimento sustentável depende do alargamento da soberania popular,
da adopção de espaços democráticos participativos, de novos modelos
organizativos e de novas instituições que de facto incorporem os conceitos e
preceitos da dignidade humana e da protecção do ambiente. O desenvolvimento
sustentável e a democracia constituem pilares fundamentais da sociedade
moderna, e compatibilizá-los no desempenho da actividade estatal tem-se
tornado nas últimas décadas um dos maiores desafios da humanidade”17.
Este pensamento é igualmente assumido, de forma clara, no contexto do Princípio
10.° da Declaração da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente,
realizada no Rio de Janeiro, em 1992 – e reassumida na Conferência das Nações
Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável (Rio+20), em 2012 –, que estabelece
que “a melhor maneira de tratar questões ambientais é assegurar a participação,
no nível apropriado, de todos os cidadãos interessados. No nível nacional, cada
indivíduo deve ter acesso adequado a informações relativas ao ambiente de que
disponham as autoridades públicas, inclusive informações sobre materiais e
actividades perigosas em suas comunidades, bem como a oportunidade de
participar de processos de tomada de decisões. Os Estados devem facilitar e
estimular a conscientização e a participação pública, colocando a informação à
disposição de todos”18.
Em termos objectivos este princípio de reforço da democracia “… estimulou a
comunidade internacional a tomar medidas progressivas para criar um espaço
para o público na governança ambiental, especialmente ao consolidar o conceito
de 'participação pública' em vários instrumentos ambientais [nacionais e]
internacionais”19. A elaboração das “Directrizes para a Elaboração de Legislação
Nacional sobre o Acesso à Informação, a Participação do Público e a Justiça em
Assuntos Ambientais” (Directrizes de Bali de 2010), promovida pelo UNEP em
2010, são um exemplo disso. A esse processo seguiu-se o lançamento do Índice
de Democracia Ambiental (IDA), pelas organizações The Access Initiative (TAI) e
World Resources Institute (WRI), em 2015, e igualmente com o apoio do UNEP,
como “a primeira plataforma on-line disponível ao público, que acompanha o
progresso dos países na promulgação de leis nacionais para promover a
transparência, o acesso à justiça e a participação dos cidadãos nas decisões sobre
questões ambientais”20. Trata-se de meios práticos de garantir que as decisões
dos governos levam em consideração as preocupações com o desenvolvimento
sustentável e os interesses dos pobres. Nesses termos o “O reforço da democracia,

17 SORDI, Maria de Lourdes Silveira. “Democracia e desenvolvimento sustentável: uma combinação


possível” in Universitas JUS, v. 25, n. 2, p. 105-113, 2014. DOI: 10.5102/unijus.v25i2.2540. disponível
em file:///C:/Users/Baleira/Downloads/2540-14032-2-PB.pdf
18 Veja-se: Declaração da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente. Disponível em

http://www.scielo.br/pdf/ea/v6n15/v6n15a13.pdf
19 ETEMIRE, Uzuazo. “Insights on the UNEP Bali Guidelines and the Development of Environmental

Democratic Rights” In Journal of Environmental Law, Volume 28, Issue 3, November 2016, Pages 393–
413. Oxford University Press. Disponível em https://doi.org/10.1093/jel/eqw023.
20 The Accesse Initiative e World Resource Institute. Measuring, Mapping, & Strengthening Rights: The

Environmental Democracy Index. WRI, Washington-USA. Disponível em


http://www.environmentaldemocracyindex.org/sites/default/files/files/EDI_Brochure_English_6_20
15.pdf

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da liberdade, da estabilidade social e da harmonia social e individual” constitui
um meio indispensável de realização dos valores traduzidos pela abordagem
ecológica do ambiente.

c) Liberdade de Associação e Associações de Defesa do Ambiente

A Constituição consagrou a liberdade de associação a todos os cidadãos, incluindo


“o direito de prosseguir os seus fins, criar instituições destinadas a alcançar os seus
objectivos específicos e possuir património para a realização das suas actividades,
nos termos da lei”21. Este direito inspira-se na Declaração Universal dos Direitos do
Homem22. Tal reconhecimento abre um amplo espaço de actuação ao movimento
associativo no domínio da protecção do ambiente. Nesse sentido, a norma
constitucional deverá ser conjugada com o disposto na Lei do Ambiente, a qual prevê
e define as Associações de Defesa do Ambiente como “pessoas que têm como objecto
a protecção, a conservação e a valorização dos componentes ambientais. Estas
associações podem ter âmbito internacional, nacional, regional ou local”23. O
legislador sublinhou a importância da participação pública na gestão ambiental,
atribuindo ao Governo a obrigação de envolver as associações na elaboração de
políticas e legislação sobre a gestão dos recursos naturais bem como no
desenvolvimento de actividades para a implementação integral das políticas,
estratégias e planos de acções para o sector do ambiente 24.

Podem assim ser criadas associações, como pessoas colectivas dotadas de


personalidade jurídica própria, para prosseguir fins no domínio do ambiente, nas
diversas vertentes, tais como protecção, conservação, consciencialização, educação,
gestão, resiliência às mudanças climáticas, etc.

d) O Direito Fundamental ao Ambiente Equilibrado

A Constituição da República consagrou, no n.º 1 do artigo 90, o direito fundamental


ao ambiente equilibrado e correspectivo dever de o defender. Este artigo encontra-se
integrado no Capítulo V (Direitos e deveres económicos, sociais e culturais) do Título
III (Direitos, deveres e liberdades fundamentais).

Trata-se do chamado pilar subjectivista da Constituição Ambiental, que


consubstancia uma posição jurídico-subjectiva do cidadão enquanto sujeito de
direitos e deveres no tocante à sua relação com o meio ambiente25. Considerando o
conceito de ambiente equilibrado enquanto intrinsecamente associado aos conceitos
de qualidade de vida e de bem-estar material e espiritual, consignados, entre outros,
na alínea c) do artigo 11 da Constituição, referente aos objectivos fundamentais da
República de Moçambique, podemos deduzir que a criação de condições para a
efectivação de um ambiente equilibrado é condição peremptória para a realização
integral do ser e personalidade de cada indivíduo.

Esta opção constitucional significa que, não obstante o inegável valor societário ou
colectivo do ambiente como bem jurídico, tendo presente a enorme importância que

21 Cf. Artigo 52.° da Constituição.


22 Segundo o n.º 1 do artigo 20.° da Declaração Universal dos Direitos do Homem, “Toda a pessoa tem
direito à liberdade de reunião e de associação pacíficas”.
23 Cf. Artigo 1.°, n.º 2 da Lei do Ambiente.
24 Cf. Artigo 8.°, da Lei do Ambiente.
25 Sobre a natureza, significado e alcance do direito fundamental ao ambiente veja-se CONDESSO,

Fernando dos Reis, Direito do Ambiente, Coimbra, 2001, pp. 472 – 476.

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o mesmo assume para a comunidade politicamente organizada, determinando a
consagração de um autêntico interesse público na sua protecção, “essa natureza não
prejudica (mas, pelo contrário, reforça) a circunstância de o ambiente dever ser
também assumido como direito subjectivo de todo e qualquer cidadão
individualmente considerado”26. E mais, “o ambiente, apesar de ser um bem social
unitário, é dotado de uma indiscutível dimensão pessoal”27.

A consideração de um determinado valor como direito fundamental pressupõe o


entendimento de que a sua protecção e efectivação constitui pressuposto essencial
para uma existência livre e condigna de cada indivíduo. “Na caracterização do
ambiente como direito fundamental, deve também destacar-se o seu entendimento
como direito da personalidade humana, bem como a sua autonomia”, e que este “é
protegido com autonomia em relação a outros direitos que lhe são próximos (por
exemplo o direito à saúde ou o direito de propriedade) ”28. Isto é, o ambiente é tutelado
directa e imediatamente e não apenas como meio de efectivar outros direitos com ele
relacionados”29.

O reconhecimento do direito fundamental ao ambiente assume uma dupla dimensão:


negativa e positiva.

• Negativa: Enquanto direito à abstenção, por parte de sujeitos terceiros, Estado


ou particulares, de quaisquer actos de carácter nocivo susceptíveis de lesar o bem
jurídico ambiente30. O direito ao ambiente é assim configurado como um direito
de autonomia ou de defesa das pessoas perante os poderes, públicos e sociais.

• Positiva: Na medida em que se perspectiva como um direito à realização de uma


série de prestações positivas por parte do Estado e que encontram assento, em
termos não taxativos, no artigo 117 da Constituição, realçando-se a sua dimensão
enquanto direito económico, social e cultural31.

Conforme se depreende da redacção do n.º 1 do artigo 90, ao direito ao ambiente


corresponde um dever, a cargo de toda e qualquer pessoa, pública ou privada,
singular ou colectiva, de o defender. O legislador constitucional moçambicano
reforçou significativamente a responsabilização do cidadão em relação ao ambiente,
o que acontece desde logo com a integração do artigo 45 (deveres para com a
comunidade, o qual consagrou, para além de outros, o dever essencial de todo e
qualquer cidadão para com a comunidade, de “defender e promover o ambiente”.
A consagração de um conjunto de deveres fundamentais na Constituição decorre do
disposto em alguns instrumentos de Direito Internacional em vigor na ordem jurídica
moçambicana, entre os quais destaca-se a Declaração Universal dos Direitos

26 CANOTILHO, J.J. Gomes (Coordenação científica), Introdução ao Direito do Ambiente, Universidade


Aberta, Lisboa, 1998, p. 27.
27 Idem.
28 Ibidem, p. 28.
29 DIAS, José Eduardo Figueiredo, Direito Constitucional e Administrativo do Ambiente, Cadernos

CEDOUA, CEDOUA/Universidade de Coimbra, Almedina, Coimbra, 2002, p. 16.


30 MIRANDA, Jorge, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV – Direitos Fundamentais, 3.ª Edição,

Coimbra Editora, Coimbra, 2000, p. 540.


31 Idem, p. 541.

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Humanos32 e a Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos 33. Tais deveres
“são (…) de natureza jurídica (ainda que nem todos equivalham a deveres na tradição
ou na acepção própria do Direito Privado) porque criados por verdadeiras normas
jurídicas, as normas constitucionais”34.

Por conseguinte, há lugar “a um fortalecimento da componente responsabilidade


partilhada, isto é, não obstante caber ao Estado moçambicano, sem margem para
dúvida, o papel crucial de promoção, protecção e valorização destes bens, é
indiscutível que sem o envolvimento e adesão do cidadão, individualmente
considerado, e da comunidade no seu todo, não haverá qualquer sucesso
significativo no que toca à implementação das políticas públicas ambientais. O
cidadão é, portanto, não apenas um mero destinatário das políticas, normas e
decisões do Estado, mas, fundamentalmente, sujeito determinante na respectiva
implementação”35.

Da consagração do direito fundamental ao ambiente equilibrado decorre como


consequência lógica, enquanto pressuposto de tutela, o direito de acesso à justiça,
incluindo o acesso aos tribunais e às demais instâncias de resolução de conflito, nos
termos legalmente admissíveis. Neste domínio, vejam-se os artigos 62 (Acesso aos
tribunais), 69 (Direito de impugnação), 70 (Direito de recorrer aos tribunais), 79
(Direito de petição, queixa e reclamação) e 81 (Direito de acção popular). Estamos
diante de um autêntico direito a protecção jurisdicional efectiva, no qual “os cidadãos
terão assim abertas as portas dos tribunais, para reclamar a tutela do ambiente
quando tal direito seja violado por outros particulares ou por entes e organismos
públicos”36.

A norma jurídica que consubstancia o direito ao ambiente equilibrado, encontrando-


se integrada no capítulo respeitante aos direitos económicos, sociais e culturais,
pressupõe efeitos jurídicos dignos de destaque, não obstando não conferir
directamente aos cidadãos um direito à sua prestação efectiva, e que importa
referir37:
(i) Implica a interpretação das normas ordinárias segundo um significado mais
conforme com ela. Neste caso, o chamado princípio da democracia económica
e social é um elemento fundamental e obrigatório na interpretação conforme
à Constituição38.
(ii) Implica a inconstitucionalidade das normas legais que realizem um direito em
termos diferentes daqueles que tiverem sido constitucionalmente previstos e

32 Segundo o n.º 1 do artigo 29 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, “indivíduo tem deveres
para com a comunidade, fora da qual não é possível o livre e pleno desenvolvimento da sua
personalidade”.
33 Segundo o n.º 1 do artigo 27 da Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos, ratificada pela

Resolução n.º 9/88, de 25 de Agosto, “Cada indivíduo tem deveres para com a família e a sociedade,
para com o Estado e outras colectividades legalmente reconhecidas e para com a comunidade
internacional”.
34 MIRANDA, Jorge, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV – Direitos Fundamentais, 3.ª Edição,

Coimbra Editora, Coimbra, 2000, p. 177.


35 SERRA, Carlos/CUNHA, Fernando, Manuel de Direito do Ambiente, 2.ª Edição, CFJJ, Maputo, 2008,

p. 132.
36 DIAS, José Eduardo Figueiredo, Direito Constitucional e Administrativo do Ambiente, Cadernos

CEDOUA, CEDOUA/Universidade de Coimbra, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 31 – 32.


37 Veja-se CANOTILHO, Gomes/ MOREIRA, Vital, Fundamentos da Constituição, Coimbra Editora,

Coimbra, 1991, p. 131.


38 CANOTILHO, Gomes, Direito Constitucional e Teoria da Constituição ob. cit., p. 341.

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definidos ou que contrariem a realização legal anteriormente atingida. Isto é,
«as normas constitucionais que reconhecem direitos económicos, sociais e
culturais de carácter positivo têm pelo menos uma função de garantia da
satisfação adquirida por esses direitos, implicando uma proibição de
retrocesso, visto que, uma vez dada satisfação ao direito, este transforma-se,
nessa medida, em “direito negativo” ou “direito de defesa”, ou seja, num direito
a que o Estado se abstenha de atentar contra ele»39. O princípio da proibição
do retrocesso social postula que quaisquer intervenções ordinárias devam
obrigatoriamente observar o núcleo essencial dos direitos económicos, sociais
e culturais40.

e) A Consagração Constitucional do Interesse Público da Protecção do Ambiente

A actual Constituição da República de Moçambique deu um passo significativo e


substancial na afirmação de um autêntico interesse público de protecção do
ambiente com a obrigação do Estado na tomada de medidas de valorização do bem
jurídico ambiente.

O pilar objectivista da Constituição Ambiental, enquanto segundo grande eixo do


regime de protecção jurídico-constitucional do ambiente, encontra-se presente em
duas normas constitucionais – o artigo 117.° (Ambiente e qualidade de vida) e n.º 2
do artigo 90 (sobre o direito ao ambiente). Estabelece-se aqui a regra geral segundo
o qual compete ao Estado a obrigação de adopção de iniciativas dirigidas a garantir:
(i) o equilíbrio ecológico e a conservação e preservação do ambiente; (ii) com vista à
melhoria da qualidade de vida do cidadão41.

Para além da estipulação de uma regra geral, a Constituição define um conjunto de


obrigações específicas, em termos não taxativos, na medida em que não obstam à
realização das acções que se revelam fundamentais a “garantir o direito ao ambiente
no quadro de um desenvolvimento sustentável”, nomeadamente:
(i) Prevenir e controlar a poluição e a erosão;
(ii) Integrar os objectivos ambientais nas políticas sectoriais;
(iii) Promover a integração dos valores do ambiente nas políticas e programas
educacionais;
(iv) Garantir o aproveitamento racional dos recursos naturais com
salvaguarda da sua capacidade de renovação, da estabilidade ecológica e
dos direitos das gerações vindouras; e,
(v) Promover o ordenamento do território com vista a uma correcta localização
das actividades e a um desenvolvimento socioeconómico equilibrado42.

Assim, no que diz respeito à consagração do interesse público de protecção do bem


jurídico ambiente é definido um conjunto de determinadoras de fins ou tarefas, no
sentido de “preceitos constitucionais que, de uma forma global e abstracta, fixam
essencialmente os fins e as tarefas prioritárias do Estado”43.

39 CANOTILHO, Gomes/ MOREIRA, Vital, Fundamentos da Constituição, ob. cit., p. 131.


40 CANOTILHO, Gomes, Direito Constitucional e Teoria da Constituição ob. cit., p. 340.
41 Cf. Artigo 117.°, n.º 1 da Constituição.
42 Cf. Artigo 117.°, n.º 2 da Constituição.
43 CANOTILHO, Gomes (2003), Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7.ª Edição, Almedina,

Coimbra, p. 1172.

Page 27 of 187
Por seu turno, nos termos do n.º 2 do artigo 90, determinou-se que “o Estado e as
autarquias locais com a colaboração das associações na defesa do ambiente,
adoptam políticas de defesa do ambiente e velam pela utilização racional de todos os
recursos naturais”. Há aqui uma dupla responsabilização do Estado: em primeiro
lugar, a obrigação do Estado de adoptar políticas e estratégias de sustentabilidade
ambiental, que pugnam pela uso e aproveitamento racional dos recursos naturais;
em segundo lugar, o dever do Estado de trabalhar em estreita articulação com as
associações de defesa do ambiente, combinando-se meios, recursos e esforços em
prol de uma causa comum.

f) Outros Direitos Fundamentais de Importância Complementar

Saúde: O artigo 89.° da Constituição consagrou o direito à saúde, nos seguintes


termos: “todos os cidadãos têm o direito à assistência médica e sanitária, nos termos
da lei, bem como o dever de promover e defender a saúde pública”. O enfoque espelha
a dimensão da realidade nacional moçambicana em que problemas epidémicos
sanitários, como a cólera e a malária, associadas a um estado ambientalmente
alterado em muitos pontos do país, assumem contornos sérios e preocupantes.

Houve igualmente lugar à responsabilização do cidadão pelo estado do meio onde se


encontra, isto é, pelas condições ambientais do seu local de residência, rua, bairro,
local de trabalho, etc. Assim, saúde pública e ambiente constituem valores
indissociáveis que, grande parte das vezes, merecem um tratamento conjunto e
coeso. O artigo 45.° da Constituição (alusivo aos deveres para com a comunidade)
estabelece que o dever de defender a saúde pública como sendo também de carácter
comunitário.

Educação: O direito à educação, consagrado no artigo 88.° da Constituição44,


determina que “na República de Moçambique a educação constitui direito e dever
de cada cidadão”45. Para que haja efectivamente uma mudança de atitude por parte
do cidadão em relação ao ambiente, torna-se imperioso investir no sistema de
educação, incorporando neste as mais diversas temáticas ambientais, para que, com
o tempo, se obtenham resultados progressivamente positivos como, por exemplo, a
redução dos impactos nocivos tais como os provocados por queimadas florestais, o
desflorestamento, a erosão e a poluição.

Consumo: O reconhecimento dos direitos dos consumidores é inovador no contexto


da Constituição de Moçambique e é consagrado através do artigo 92.°. Nos termos
do respectivo n.º 1, a Constituição determina que “os consumidores têm direito à
qualidade dos bens e serviços consumidos, à formação e à informação, à protecção
da saúde, da segurança dos seus interesses económicos, bem como à reparação de

44 Inspirado na Declaração Universal dos Direitos do Homem. Nos termos do n.º 1 do artigo 26.° da
Declaração Universal dos Direitos do Homem, “toda a pessoa tem direito à educação que deve ser
gratuita, pelo menos a correspondente ao ensino elementar fundamenta. O ensino elementar é
obrigatório. O ensino técnico e profissional deve ser generalizado; o acesso aos estudos superiores deve
estar aberto a todos em plena igualdade, em função do seu mérito”. Segundo o n.º 2 do mesmo artigo,
“a educação deve visar a plena expansão da personalidade humana e ao reforço dos direitos do homem
e das liberdades fundamentais e deve favorecer a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as
nações e todos os grupos raciais ou religiosos, bem como o desenvolvimento das actividades das Nações
Unidas para a manutenção da paz”. Por fim, à luz do n.º 3 do referido artigo, “aos pais pertence a
prioridade do direito de escolher o género de educação a dar os filhos”.
45 Cf. Artigo 88.° da Constituição.

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danos”. Estabelece-se aqui uma relação intrínseca entre o direito ao ambiente e os
direitos dos consumidores.

g) Domínio Público do Estado, Autárquico e Comunitário

O n.º 1 do artigo 98.° da Constituição consagrou o princípio da propriedade do


Estado sobre os recursos naturais situados no solo e no subsolo, nas águas
interiores, no mar territorial, na plataforma continental e na zona económica
exclusiva46. Esta norma é corolário do princípio consagrado no artigo 97.°, segundo
o qual “a organização económica e social da República de Moçambique visa a
satisfação das necessidades essenciais da população e a promoção do bem-estar e
assenta nos seguintes princípios fundamentais: (...) f) na propriedade pública dos
recursos naturais e de meios de produção, de acordo com o interesse social”.

Por sua vez, o n.º 3 do artigo 98.°, prevê três categorias de domínio público: o domínio
público do Estado propriamente dito, o domínio público Autárquico e o domínio
público Comunitário.

Domínio público do Estado: Este domínio está associado aos interesses públicos de
índole essencialmente nacional, isto é, fundamentais para a construção e
desenvolvimento do Estado moçambicano enquanto um todo integrado. Sendo
proprietário destes bens, o Estado define as regras e as condições do respectivo uso
e aproveitamento por parte dos particulares, emitindo licenças e autorizações,
exercendo a actividade de fiscalização e retirando as mesmas quando o interesse
público assim o determinar, quando aquele uso e aproveitamento se efectue contra
o disposto na lei ou quando se atinja o limite dos prazos legalmente fixados não
havendo propósito da sua renovação47.

Domínio público autárquico: Este domínio está fundamentalmente assente nos


valores e bens de um determinado assentamento urbano municipalizado, incluindo,
por exemplo, parques e jardins, as praças e pracetas, as praias municipais, as
reservas municipais, as vias municipais, os mercados e feiras, entre muitos outros.

Domínio público comunitário: Este domínio integra os espaços comuns


comunitários, florestas sagradas e outros sítios de importância histórica e de uso
cultural para a comunidade local.

h) Principal Legislação Ambiental Nacional

A Lei do Ambiente (Lei n.º 20/97, de 1 de Outubro) foi aprovada em 1997,


constituindo uma espécie de lei-quadro, pois define as bases fundamentais do regime
de protecção jurídico-legal do ambiente48. De acordo com o respectivo artigo 2.°, esta
Lei “tem como objecto a definição das bases legais para uma utilização e gestão

46 Em relação aos recursos naturais, veja-se caber ao Estado um papel fundamental, nos termos do
artigo 102.° (que corresponde ao artigo 36.° da Constituição de 1990), na promoção, conhecimento,
inventariação e valorização, bem como na determinação das condições do seu uso e aproveitamento
com salvaguarda dos interesses nacionais.
47 O n.º 2 do artigo 98.°, determina que constituem domínio público do Estado: a zona marítima, o

espaço aéreo, o património arqueológico, as zonas de protecção da natureza, o potencial hidráulico, o


potencial energético, as estradas e linhas férreas, as jazidas minerais e os demais bens classificados
por lei.
48 SERRA, CARLOS, cunha, Fernando (2008), ob. cit., p 151.

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correctas do ambiente e seus componentes, com vista à materialização de um
sistema de desenvolvimento sustentável no país”.

Assim, a Lei do Ambiente centrou-se fundamentalmente dos seguintes aspectos:

▪ Definição de um conjunto de conceitos e princípios fundamentais da gestão


ambiental49;
▪ Fixação do quadro institucional básico de protecção do ambiente50;
▪ Eleição de uma norma geral de proibição de todas as actividades que causem
degradação ambiental para além dos limites legalmente definidos (com
destaque para a poluição)51;
▪ Enunciação de normas especiais de protecção do ambiente (com especial
enfoque na protecção da biodiversidade)52;
▪ Previsão de um conjunto de instrumentos de prevenção ambiental (o
licenciamento ambiental, o processo de avaliação do impacto ambiental e a
auditoria ambiental)53; e,
▪ Caracterização do sistema de infracções, penalidades e fiscalização54.

Tendo já mais de duas décadas de vigência, esta Lei permanece bastante actual e
ajustada quanto à maioria dos problemas ambientais do País. No entanto, a questão
das mudanças climáticas não recebeu alusão directa no texto legal, salvo o facto de
esta possuir relação com outros conceitos previstos, como são os casos da
desertificação55 e da degradação do ambiente56, constantes na lista de noções
prevista no artigo 1.° da Lei do Ambiente.

Em sede de revisão, caberia também o melhoramento da sistematização da Lei,


prevendo-se capítulos específicos para cada uma das principais questões/desafios
ambientais, incluindo a prevenção e combate à poluição, a gestão de resíduos, a
protecção e conservação da biodiversidade, a gestão de ecossistemas sensíveis
(dunas, mangais, terras húmidas, zonas montanhosas), a prevenção e combate à
erosão, a adaptação e mitigação das mudanças climáticas, entre outros aspectos.

Os avanços no desenvolvimento do quadro legal ambiental de Moçambique, nos


últimos anos, foram essencialmente marcados pela aprovação dos seguintes
instrumentos:

▪ Lei de Protecção, Conservação e Uso sustentável da Diversidade Biológica


(aprovada pela Lei n.º 5/2017, de 11 de Maio, que altera e republica a Lei n.º
16/2014, de 20 de Junho), que o estabelece os “princípios e normas básicos
sobre a protecção, conservação, restauração e utilização sustentável da
diversidade biológica em todo o território nacional, especialmente nas áreas

49 Cf. Artigo 4.° da Lei do Ambiente.


50 Cf. Artigos 5.° a 8.° da Lei do Ambiente.
51 Cf. Artigos 9.° e 10.° da Lei do Ambiente.
52 Cf. Artigo 12.° da Lei do Ambiente.
53 Cf. Artigos 15.° a 18.° da Lei do Ambiente.
54 Cf. Artigos 27.° a 29.° da Lei do Ambiente.
55 Desertificação: Segundo o n.º 11 do artigo 1 da Lei do Ambiente, “é um processo de degradação do

solo, natural ou provocado pela remoção da cobertura vegetal ou utilização predatória que, devido a
condições climáticas, acaba por transformá-lo num deserto”.
56 Degradação do ambiente: Nos termos do n.º 8 do artigo 1 da Lei do Ambiente “é a alteração adversa

das características do ambiente e inclui, entre outras, a poluição, a desertificação, a erosão e o


desflorestamento”.

Page 30 of 187
de conservação, bem como o enquadramento de uma administração
integrada, para o desenvolvimento sustentável do País”.
▪ Política Florestal e Estratégia da sua Implementação (Aprovada pela
Resolução n.° 23/2020, de 27 de Março), cujo objectivo é o de “…garantir a
perpetuação e aumento do património florestal nacional actualmente
existente e geração de benefícios derivados de bens e serviços ambientais
através do reflorestamento, restauração, uso sustentável e geração de valor
dos produtos florestais, incentivando a gestão inclusiva e participativa, em
especial dos grupos vulneráveis, para o benefício económico, social e
ambiental das actuais e futuras gerações.

A Lei do Ambiente tem vindo a ser significativamente regulamentada ao longo do


tempo. Sumariamente elencam-se os assuntos regulamentados que se seguem.

Resíduos:
▪ Regulamento de Gestão dos Resíduos Biomédicos (aprovado pelo Decreto n.º
8/2003, de 18 de Fevereiro);
▪ Regulamento sobre a Gestão de Resíduos Perigosos (aprovado pelo Decreto n.º
83/2014, de 31 de Dezembro);
▪ Regulamento sobre a Gestão de Resíduos Sólidos Urbanos (aprovado pelo
Decreto n.º 84/2014, de 31 de Dezembro);
▪ Regulamento sobre a Gestão e Controlo do Saco de Plástico (aprovado pelo
Decreto n.º 16/2015, de 5 de Agosto)
▪ Regulamento sobre a Responsabilidade Alargada dos Produtores e
Importadores de Embalagens (aprovado pelo Decreto n.º 79/2017 de 28 de
Dezembro).

Poluição (prevenção e controlo):


▪ Regulamento sobre Padrões de Qualidade Ambiental e de Emissão de
Efluentes (aprovado pelo Decreto n.º 18/2004, de 2 de Junho; e alterado pelo
Decreto n.º 67/2010, de 31 de Dezembro);
▪ Regulamento para a Prevenção da Poluição e Protecção do Ambiente Marinho
e Costeiro (aprovado pelo Decreto n.º 45/2006, de 30 de Novembro);
▪ Regulamento sobre a Gestão das Substâncias que Destroem a Camada de
Ozono (aprovado pelo Decreto n. ° 24/2008, de 1 de Julho); e
▪ Regulamento sobre a Proibição do Amianto e seus derivados (aprovado pelo
Decreto n.º 55/2010, de 22 de Novembro).

Licenciamento Ambiental:
▪ Regulamento sobre o Processo de Avaliação do Impacto Ambiental (aprovado
pelo Decreto n.º 54/2015, de 31 de Dezembro);
▪ Directiva Geral para a Elaboração de Estudos de Impacto Ambiental
(aprovada pelo Diploma Ministerial n.º 129/2006 de 19 de Julho)
▪ Directiva Geral para a Participação Pública no Processo de Avaliação do
Impacto Ambiental (aprovada pelo Diploma Ministerial n.º 130/2006 de 19
de Julho).

Auditoria ambiental:

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▪ Regulamento sobre o Processo de Auditoria Ambiental (aprovado pelo Decreto
n.º 25/2011, de 15 de Junho).

Biodiversidade:
▪ Regulamento para a Implementação de Projectos Inerentes à Redução de
Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal, Conservação e Aumento
de Reservas de Carbono (aprovado pelo Decreto n.º 23/2018 de 3 de Maio57);
▪ Regulamento da Lei da Protecção, Conservação e Uso Sustentável da
Diversidade Biológica (aprovado pelo Decreto n.º 89/2017, de 29 de
Dezembro)

▪ Regulamento Sobre o Comércio Internacional das Espécies de Fauna e Flora


Silvestres Ameaçadas de Extinção (aprovado pelo Decreto n.º 34/2016 de 24
de Agosto);
▪ Regulamento de Biossegurança Relativa à Gestão de Organismos
Geneticamente Modificados (aprovado pelo Decreto n.º 71/2014 de 28 de
Novembro).

▪ O Regulamento para o Controlo de Espécies Exóticas Invasoras (aprovado pelo


Decreto n.º 25/2008, de 1 de Julho);

▪ Regulamento sobre Acesso e Partilha de Benefícios Provenientes de Recursos


Genéticos e Conhecimento Tradicional Associado (aprovado pelo Decreto n.º
19/2007, de 9 de Agosto).

Fiscalização ambiental:
▪ Regulamento sobre a Inspecção Ambiental (aprovado pelo Decreto n.º
11/2006, de 15 de Junho).

Diversos aspectos da Lei do Ambiente ainda carecem de regulamentação. Podem-se


destacar:
i) O accionamento da responsabilidade civil objectiva;
ii) O seguro ambiental;
iii) Os ecossistemas sensíveis (com destaque para as terras húmidas,
mangais, zonas montanhosas);
iv) Os incentivos ambientais;
v) Os padrões de qualidade ambiental para o som;
vi) Etc..

Exercícios
1. Qual a interpretação mais eficaz do direito ambiental que promoveria o
desenvolvimento sustentável no país?
2. Discuta a relevância do direito consuetudinário africano (african customary
law) na protecção do ambiente.

57Que substituiu o Regulamento do Regulamento dos Procedimentos para Aprovação de Projectos de


Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal, aprovado pelo Decreto n.º 70/2013
de 20 de Dezembro

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Sumário da Unidade 1
1. Os magistrados precisam de estar cientes do direito internacional e do direito
nacional do ambiente; Há uma crescente influência do direito ambiental
internacional e de princípios amplamente aceites, especialmente em relação ao
desenvolvimento sustentável
2. O direito do ambiente é intrinsecamente interdisciplinar: os magistrados
precisam de ter um bom entendimento das disciplinas relacionadas.
3. O direito ambiental é um ramo relativamente novo e, portanto, os seus
conceitos, princípios e procedimentos encontram-se em evolução, fazendo com
que o judiciário tenha um papel vital a desempenhar.

Referências Bibliográficas:

Convenções Regionais Africanas e Internacionais Relevantes:


• 1969 Vienna Convention on the Law of Treaties
• 2004 Revised African Convention on the Conservation of Nature and Natural
Resources, see a booklet on An introduction to the African Convention on the
Conservation of Nature and Natural Resources. (2004). Gland, Switzerland and
Cambridge, UK: International Union for Conservation of Nature - World Conservation
Union Law Centre.

Tribunais regionais e o meio ambiente


• The African Court of Human and Peoples’ Rights, see Protocol to the African Charter
on Human and Peoples’ Rights on the Establishment of an African Court on Human
and People’s Rights, Jun. 9, 1998, OAU Doc. OAU/LEG/EXP/AFCHPR/PROT(III);
• The East African Court of Justice, see Treaty for the Establishment of the East African
Community, art. 9(1)(e), Nov. 30, 1999, 2144 U.N.T.S. 255 (providing for the
establishment of the EACJ);
• The Southern Africa Development Community Tribunal, which is currently suspended
but in the process of reconstitution, see Southern African Development Community,
Protocol on the Tribunal and Rules thereof, arts. 15 & 16, Aug. 7, 2000;
• The Economic Community of West Africa Court of Justice, see Protocol on the
Community Court of Justice, art. 2, A/P.1/7/91; the Common Market for Eastern
and Southern Africa Court of Justice see Treaty Establishing the Common Market of
Eastern and Southern Africa, art. 7, Dec. 8, 1993, 2314 U.N.T.S. 265;
• The Organisation pour l’Harmonisation en Afrique du Droit des Affaires Common
Court of Justice and Arbitration, see Traité portant révision du Traité relatif à
l'Harmonisation du Droit des Affaires en Afrique, Oct. 17, 2008;
• The Common Market for Central Africa Court of Justice, see Traité constitutif, art. 2,
Mar. 16, 1994;
• The Court of Justice of the West African Economic and Monetary Union, see Traité de
l'Union Economique et Monétaire Ouest-Africaine (French), art. 38, Jan. 10, 1994,

Page 33 of 187
Sugestões Adicionais de Leitura:
1. O. C. Ruppel, & K. Ruppel-Schlichting (Eds.), Environmental Law and Policy in Nigeria:
Towards Making Africa the Tree of Life (2 ed., pp. 53 - 63). Environmental Law and Policy.
2. Ruppel, O. C. (2013). Environmental Law in the African Union (AU).

Unidade 2: Princípios e Conceitos Fundamentais do


Direito do Ambiente
Esta unidade curricular apresenta os princípios e conceitos fundamentais de gestão
ambiental no contexto do entendimento prático de um magistrado. Os princípios de
gestão ambiental, evoluíram com enfoque nos sistemas de protecção ambiental,
sustentabilidade, capacidade de carga do ambiente, entre outros.

Princípios e Conceitos Fundamentais


Os contínuos desenvolvimentos do Direito levaram ao surgimento de princípios
básicos de protecção ambiental, que são reconhecidos a nível do direito internacional
e nacional. Os princípios ambientais fundamentais desenvolvidos foram adaptados
às leis domésticas e, portanto, fornecem a base para muitas decisões judiciais sobre
questões ambientais. Os três principais princípios recorrentes são prevenção,
precaução e poluidor-pagador:

a) Prevenção

A Regra de Ouro, de acordo com a experiência e conhecimento científico, prescreve


que a prevenção deve ser para o ambiente, tanto por razões ecológicas como
económicas. Este princípio é um marco norteador das políticas ambientais. Em
alguns casos, pode ser impossível remediar os danos ambientais após a sua
ocorrência: a extinção de uma espécie de fauna ou flora, a erosão e o despejo de
poluentes persistentes no mar criam situações intratáveis e até irreversíveis. Mesmo
quando o dano é remediável, os custos da reparação costumam ser muito altos. Em
muitos casos, é impossível evitar todos os riscos de danos. Nesses casos, pode-se
considerar que devem ser tomadas medidas, para tornar o risco "o menor possível"
para permitir que as actividades necessárias prossigam enquanto se protege o
ambiente e os direitos de terceiros.58

A questão da prevenção é complexa, devido ao número e diversidade dos


instrumentos legais em que ela ocorre. Talvez seja melhor considerar um objectivo
abrangente que dá origem a uma infinidade de mecanismos jurídicos, incluindo a
avaliação prévia dos danos ambientais, e o licenciamento ou autorizações que
estabelecem as condições de operação e as consequências correctivas da violação

58 Ver Solothurn v. Aargau, Suíça Bundesgericht (Tribunal Federal), 1 de Novembro de 2000.

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dessas condições. Os limites de emissão e outras normas do produto ou processo, o
uso das melhores técnicas disponíveis (best available techniques – BAT) e outras
técnicas semelhantes podem constituir aplicações preventivas.

Como base no Direito Internacional do Ambiente, a prevenção deve ser entendida de


forma transversal aos princípios definidos nos principais instrumentos normativos
internacionais sobre o ambiente. No caso da Declaração da Conferência das Nações
Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (Declaração do Rio - 1992), o
conceito é directamente anunciado nos princípios 14 e 15, determinando-se,
respectivamente, que “Os Estados deverão cooperar de forma eficaz no sentido de
desencorajar ou prevenir a deslocação ou transferência para outros Estados de
quaisquer actividades e substâncias que causem uma degradação ambiental grave
ou que sejam potencialmente nocivas à saúde humana” e que “Para que o ambiente
seja protegido, será aplicada pelos Estados, de acordo com as suas capacidades,
medidas preventivas”59.

Ao nível do quadro jurídico nacional, para além da abordagem geral subsumida na


Constituição da República, o princípio da prevenção é directa ou indirectamente
tratada nos seguintes instrumentos:
▪ Política Nacional do Ambiente (aprovada pela Resolução n.º 5/95, de 3 de
Agosto) – Esta Política estabelece, no ponto 2.2, relativo aos princípios, que “0
poluidor deve repor a qualidade do ambiente danificado e/ou pagar os custos
para a prevenção e eliminação da poluição por si causada”.

▪ Lei do Ambiente (Lei n.º 20/97, de 1 de Outubro) – A Lei do Ambiente aborda


a “Prevenção” no contexto do Princípio da Precaução, ditando que “…a gestão
do ambiente deve priorizar o estabelecimento de sistemas de prevenção de
actos lesivos ao ambiente de modo a evitar a ocorrência de impactos
ambientais negativos significativos ou irreversíveis, independentemente da
existência de certeza científica sobre a ocorrência de tais impactos”.

▪ Lei de Florestas e Fauna Bravia (Lei n.º 10/99, de 7 de Julho) – Esta Lei
estabelece o “princípio da prevenção e da prudência”, segundo o qual “A
introdução de espécies animais e vegetais e de tecnologias modernas no sector
florestal e faunístico devem ser precedidos de estudos de avaliação do seu
impacto sobre os mesmos com vista a garantir a sua sustentabilidade”60.

▪ Lei de Protecção, Conservação e Uso Sustentável da Diversidade Biológica (Lei


n.º 5/2017, que Altera e republica a Lei n.º 16/2014, de 20 de Junho) – Esta
Lei trata da Prevenção no âmbito do princípio da “Responsabilidade
Ambiental” (alínea e) do artigo n.º 4), considerando que “…a preservação,
protecção e gestão do meio ambiente deve priorizar o estabelecimento de
sistemas de prevenção de actos lesivos ao ambiente.” e que “”O dever de quem
danifica os recursos naturais, repô-los e/ou pagar os custos para a eliminação
e compensação dos danos por si causados de modo a garantir que não ocorra
nenhuma perda líquida da biodiversidade ou dos recursos naturais”.

59 Vejam-se Princípios XIV e XV da Declaração da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente
e Desenvolvimento (Declaração do Rio - 1992).
60 Cf. Artigo 3.° c) da Lei de Florestas e Fauna Bravia.

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A nível dos Regulamentos o princípio da prevenção encontra-se também consagrado
em mais dois instrumentos jurídicos nacionais, a saber, Regulamento de Gestão de
Resíduos Perigosos (aprovado pelo Decreto n.º 83/2014, de 31 de Dezembro) e
Regulamento de Gestão de Resíduos Sólidos (aprovado pelo Decreto n.º 94/2014, de
31 de Dezembro): Plasmado na alínea c) do artigo 4.°, de cada um dos documentos,
estes consagram o princípio da prevenção como “Princípio da prevenção e redução”,
considerando que “Constitui objectivo prioritário da gestão de resíduos, evitar e
reduzir a sua produção bem como o seu carácter nocivo, devendo a gestão de
resíduos evitar também ou, pelo menos, reduzir o risco para a saúde humana e para
o ambiente causado pelos resíduos sem utilizar processos ou métodos susceptíveis
de gerar efeitos adversos sobre o ambiente”61.

O princípio da prevenção traduz o ditado popular “mais vale prevenir do que


remediar”, por três razões fundamentais62:
(i) Em muitos casos é impossível remover a poluição ou o dano real, ficando
descartada a possibilidade de proceder à reconstituição natural da situação
anterior à poluição;
(ii) Mesmo sendo possível a reconstituição in natura, frequentemente ela é de tal
modo onerosa, que não pode ser exigível um tal esforço ao poluidor; e,
(iii) Economicamente é muito mais dispendioso remediar do que prevenir, pois o
custo das medidas necessárias a evitar a ocorrência da poluição é geralmente
muito inferior ao custo das medidas de despoluição após a ocorrência do
dano”.

A doutrina Jurídica informa que o princípio da prevenção determina que, “na


iminência de uma actuação humana, a qual comprovadamente lesará, de forma
grave e irreversível, bens ambientais, essa intervenção deve ser travada” 63. O
princípio “legitima medidas cautelares, políticas, administrativas, ou mesmo
judiciais, tendentes a evitar quer o início quer a manutenção de actividades lesivas
do ambiente”64 e “aplica-se a impactos ambientais já conhecidos e dos quais se
possa, com segurança, estabelecer um conjunto de nexos de causalidade que seja
suficiente para a identificação dos impactos futuros mais prováveis”65.

Este princípio fundamenta ainda que os órgãos licenciadores tomem em


consideração a necessidade de proteger o ambiente, recusando-se a emitir a licença
requerida sempre que houver certeza de que determinada actividade possa vir a
causar danos ambientais em termos sérios e irreversíveis; e o mesmo se diga à
possibilidade de condicionar a emissão da licença à alteração do projecto inicial ou
à introdução de medidas de protecção ambiental66.

61 Cf. Artigo 4.° c) do Regulamento de Gestão de Resíduos Perigosos, bem como artigo 4.° c) do
Regulamento de Gestão de Resíduos Sólidos.
62 ARAGÃO, Maria Alexandra de Sousa (1997), O Princípio do Poluidor Pagador, Boletim da Faculdade

de Direito, Stvdia Ivridica, n.° 23, Coimbra, Universidade de Coimbra, Coimbra Editora, Coimbra, pp.
116 - 117.
63 GOMES, Carla Amado (2000), A Prevenção à Prova no Direito do Ambiente, Coimbra, Coimbra Editora,

Coimbra, p. 22.
64 SOVERAL, Martins (1988), Legislação Anotada sobre Ambiente e Associações de Defesa, Coimbra,

Fora do Texto (Centelha), p. 18.


65 ANTUNES, Paulo de Bessa (2005), ob. cit., p. 35.
66 SERRA, Carlos, CUNHA, Fernando, ob. cit., pp. 186 - 188.

Page 36 of 187
Isto quer dizer que, apesar de estreitamente relacionados, o princípio da prevenção
distingue-se do princípio da precaução (que será tratado logo a seguir) na medida em
que lida com os chamados perigos, ou seja, aqueles riscos certos e conhecidos, em
relação aos quais existe, portanto, certeza científica do seu impacto junto do
ambiente67. Apesar de partirem de uma base comum (um momento anterior à própria
ocorrência de danos no ambiente), traduzem duas realidades distintas: a precaução
actua num momento anterior à própria prevenção, isto é, “a precaução exige uma
actuação mesmo antes de se impor qualquer acção preventiva, uma vez que as
medidas destinadas a precaver danos ambientais devem ser tomadas antes de ser
estabelecida qualquer relação causal por intermédio de provas científicas
absolutamente claras”68; Ao passo que “a prevenção tradicional lida com a
probabilidade, a precaução vai além, cobrindo a mera possibilidade – e mesmo a
descoberto de qualquer base de certeza científica”69.

A prevenção também está ligada à noção de dissuasão e à ideia de que desincentivos,


como multas e responsabilidade civil, farão com que os actores tomem mais cuidado
com o seu comportamento, a fim de evitar o aumento dos custos, impedindo a
ocorrência de poluição.

A jurisprudência que discute o conceito de prevenção inclui casos como: Greenpeace


Australia Ltd. v. Redbank Power Company Pty. Ltd e Singleton Council 86 LGERA
143 (1994 Austrália); Leatch vs. Parques Nacionais e Serviço de Vida Selvagem e
Conselho da Cidade de Shoalhaven 81 LGERA 270 (1993, Austrália); Vellore Citizens
Welfare Forum v. União da Índia AIR 1996 SC 2715; Shela Zia v. WAPDA vol. XLVI
Todas as decisões legais do Paquistão 693.

Condições de Licenciamento Impugnadas Pelo Tribunal


Ramiah e Autard contra Ministro do Ambiente e Qualidade de Vida, Tribunal de Apelação
Ambiental (Maurícias, 7 de Março de 1997)
Esta decisão destaca algumas medidas que um tribunal pode tomar para aprovar um
projecto, mas minimizar os danos ambientais. O Tribunal reverteu (anulou) a decisão de
negar licenças de licenciamento, mas ordenou aos recorrentes a:
▪ Manter uma distância mínima entre a superfície do solo e o lençol freático a ser
monitorada (controlada) pelo Departamento do Ambiente;
▪ Obter todas as todas as licenças necessárias e respeitar todas as condições;
▪ Abster-se de eliminar resíduos em qualquer curso de água ou na lagoa;
▪ Eliminar as águas residuais em fossas sépticas e campo de lixiviação, conforme
especificado pelas autoridades competentes;
▪ Obter a aprovação para uma rede de drenos de superfície para águas pluviais; e
▪ Construir um campo de lixiviação por projecto e especificações das autoridades
competentes antes da venda do terreno.
Cada escritura de venda era obrigada a incluir uma exigência de fossa séptica individual e
campo de lixiviação. Por fim, o Tribunal ordenou o monitoramento constante por parte do
Departamento do Ambiente, Ministério da Saúde, Ministério das Pescas, Ministério das
Obras Publicas e Ministério da Energia e da Água, para garantir que os recorrentes
cumprissem todas as condições impostas.

67 Idem, p. 86.
68 DIAS, José Eduardo Figueiredo (2002), Direito Constitucional e Administrativo do Ambiente, Cadernos
CEDOUA, Coimbra, CEDOUA, Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Livraria Almedina,
Coimbra, p. 19.
69 GOMES, Carla Amado (2001), “Dar o Duvidoso pelo (in)certo? Reflexões sobre o Princípio da

Precaução”, Revista Jurídica do Urbanismo e do Ambiente, N.° 15/16, Coimbra, Almedina, IDUAL
Almedina, p.13.

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Conselho Autárquico da Matola vs Ata Construções
Conselho Autárquico da Matola, embargou obras de construção civil numa zona húmida e
de retenção de águas fluviais para evitar inundações nos bairros residenciais. A
construtora intentou uma acção de suspensão da eficácia do acto administrativo praticado
pelas autoridades municipais junto do Tribunal Administrativo da Província da Matola. O
tribunal decidiu a favor da construtora porque esta possuía licença ambiental, licença de
construção e direito de ocupação (Direito de Uso e Aproveitamento da Terra / DUAT)
emitidos pelas próprias autoridades municipais.

b) Precaução

Este princípio é originário do Direito alemão, dos primórdios da década de setenta,


no quadro da elevação do grau de consciencialização sobre a seriedade da
problemática da poluição, fazendo com que se sentisse a necessidade de se ir para
além do mero exercício preventivo70.

Os instrumentos normativos internacionais não são taxativamente consensuais na


concepção e operacionalização do conceito relativo ao princípio da precaução.
Documentos como a “Declaração do Rio (1992)”, o “Protocolo da Convenção de
Londres sobre o Despejo de Resíduos (1996)”, o “Protocolo de Cartagena sobre
Biossegurança (2000)”, a “Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças
Climáticas (1992)”, o “Acordo Sanitário e Fitossanitário / SPS (1994)” o “Acordo de
Maneio de Peixes Transzonais (1995)” a “Convenção sobre Diversidade Biológica
(1992)”, etc., compreendem e aplicam o princípio da precaução à situações
relativamente diferentes quanto a probabilidade, ameaça, possibilidade, crença,
potencial, suficiência ou insuficiência de certeza, relação custo-benefício, etc., de
dano ambiental que, por sua vez, pode ser considerado mais ou menos “sério” ou
significativo.

Embora não haja um acordo sobre uma formulação ou “princípio” de precaução que
seja único e usado em todos os contextos, e a precaução não tenha adquirido o
estatuto geralmente aceito como um princípio legal ou como direito internacional
consuetudinário, existe um conceito básico de precaução que entusiasma grande
parte dos regimes modernos de protecção ambiental - a noção de que os reguladores
ambientais frequentemente têm a necessidade de agir no limite do conhecimento e
na ausência de total certeza científica. A precaução tem sido associada de várias
maneiras às ideias de que:
(i) A incerteza científica não deve ser usada como uma razão para não tomar
medidas com relação a uma preocupação ambiental específica;
(ii) Devem ser tomadas acções positivas em relação a uma preocupação ambiental
específica;
(iii) Os envolvidos, em actividade potencialmente prejudicial, devem ter o ónus de
assegurar a inexistência de danos ambientais; e,
(iv) Um Estado pode restringir as importações com base num padrão que envolva
menos do que a certeza científica de danos ambientais.

70GOMES, Carla Amado (2007), Risco e modificação do acto autorizativo concretizador de deveres de
protecção do ambiente, Coimbra, Coimbra Editora, pp. 253 – 264.

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A nível internacional, não obstante a sua presença na lista dos instrumentos
normativos acima mencionados, pode-se destacar a consagração do princípio da
precaução nos seguintes dois documentos:

Declaração da Conferência das Nações Unidas Sobre Meio Ambiente e


Desenvolvimento (Declaração do Rio – 1992): “De modo a proteger o meio ambiente, o
princípio da precaução deverá ser amplamente observado pelos Estados, de acordo
com as suas capacidades. Onde existam ameaças de riscos sérios ou irreversíveis
não será utilizada a falta de certeza científica total como razão para o adiamento de
medidas eficazes em termos de custos para evitar a degradação ambiental”71.

Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas: “As partes deverão tomar
medidas de precaução para antecipar, prevenir e minimizar as causas das variações
climáticas e mitigar os seus efeitos adversos. Onde existam ameaças de danos sérios
e irreversíveis, a ausência completa de certeza científica não deverá ser usada como
razão para adiar tais medidas (...)”72.

No contexto nacional moçambicano o princípio da precaução consta da lista de


princípios da Lei do Ambiente, e em várias leis cujos objectos se relacionam com
questões ambientais, como se apresenta a seguir:

Lei do Ambiente: Nesta Lei proclama-se que a gestão do ambiente deve “priorizar o
estabelecimento de sistemas de prevenção de actos lesivos ao ambiente de modo a
evitar a ocorrência de impactos ambientais negativos significativos ou irreversíveis,
independentemente da existência de certeza científica sobre a ocorrência de tais
impactos”73.

Lei de Conservação da Biodiversidade (Precaução e Decisão Informada): Esta lei define


o princípio da “Precaução e Decisão Informada” considerando como “o fundamento
das decisões relacionadas com a criação, alteração, gestão e extinção de áreas de
conservação num conhecimento científico amplo da diversidade biológica existente,
o seu valor ecológico e das determinantes da sua conservação, baseado num sistema
de investigação e de partilha de informação que apoia os processos decisórios, não
prejudicando o princípio de precaução onde esse conhecimento ainda é insuficiente”
e “a promoção da disponibilidade e de fácil acesso de informação relacionada com a
conservação e os recursos naturais para apoiar na implementação da estratégia e
aumentar o envolvimento e colaboração dos cidadãos”74.

Lei de Pescas: “Tendo em conta o grau de incerteza do conhecimento científico


existente em cada momento, a gestão, a conservação e a exploração dos recursos
aquáticos vivos têm em vista a sua protecção, conservação e sustentabilidade e o
estabelecimento de sistemas de prevenção de actos lesivos ao meio ambiente”75.

Lei do Ordenamento do Território: “A elaboração, execução e alteração dos


instrumentos de gestão territorial deve priorizar o estabelecimento de sistemas de
prevenção de actos lesivos ao ambiente, de modo a evitar a ocorrência de impactos

71 Cf. Princípio XV da Declaração do Rio. Veja-se ainda, sobre este assunto, GOMES, Carla Amado
(2007), ob. cit., p. 265 – 269.
72 Cf. Artigo 3.°, da Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas.
73 Cf. Artigo 4.° c) da Lei do Ambiente.
74 Cf. Artigo 4.° h) da Lei da Conservação da Biodiversidade.
75 Cf. Artigo 5.° b) da Lei de Pescas (Lei n.º 22/2013 de 1 de Novembro).

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ambientais negativos, significativos ou irreversíveis, independentemente da
existência da certeza científica sobre a ocorrência de tais impactos”76.

A consagração do princípio da precaução decorre assim da constatação de que “o


conhecimento científico é susceptível de uma aplicação paradoxal: pode ser
canalizado não somente para as melhores realizações (a descoberta de um
medicamento ou vacina susceptível de curar uma doença fatal) como para os piores
feitos (a invenção da bomba atómica e das armas químicas e bacteriológicas) ” 77.
Conclui-se que o mero controlo preventivo dos chamados perigos (riscos certos e
conhecidos), prosseguido pelo princípio da prevenção, não é adequado para fazer face
às novas exigências de protecção ambiental, tendo presente existirem determinados
riscos que, apesar de não haver certeza científica sobre a respectiva ameaça para o
ambiente, uma vez desconsiderados, poderão vir a causar sérios danos em qualquer
um dos componentes ambientais78.

A doutrina jurídica no campo das ciências ambientais oferece subsídios


esclarecedores sobre o princípio da precaução. Defende-se, por exemplo, que “nem
sempre a ciência pode oferecer ao Direito uma certeza quanto a determinadas
medidas que devam ser tomadas para evitar esta ou aquela consequência danosa ao
meio ambiente. Aquilo que hoje é visto como inócuo, amanhã poderá ser considerado
extremamente perigoso e vice-versa”79. Este princípio “é o princípio jurídico
ambiental apto a lidar com situações nas quais o meio ambiente venha a sofrer
impactos causados por novos produtos e tecnologias que ainda não possuam uma
acumulação histórica de informações que assegurem, claramente, em relação ao
conhecimento de determinado tempo, quais as consequências que poderão advir de
sua liberação para o ambiente”80.

Defende-se ainda que “o princípio da precaução, como estrutura indispensável do


Estado de justiça ambiental, busca verificar a necessidade de uma actividade de
desenvolvimento e os potenciais de risco ou perigo desta. Parte-se dos pressupostos
que os recursos ambientais são finitos e os desejos e a criatividade do homem
infinitos, exigindo uma reflexão pela precaução se a actividade pretendida, ou em
execução, tem como escopo a manutenção dos processos ecológicos e de qualidade
de vida”81.

A sistematização conceitual indica sete dimensões fundamentais a considerar


relativamente ao princípio da precaução82:
(i) No caso de ameaça de danos sérios e irreversíveis ao ambiente, devem ser
tomadas as medidas necessárias para impedir a sua ocorrência, mesmo que
não existam provas científicas que estabeleçam um nexo de causalidade entre
determinada actividade e os seus efeitos;

76 Cf. Artigo 4.° d) da Lei do Ordenamento do Território.


77 SERRA, Carlos, CUNHA, Fernando (2008), ob. cit., p. 172.
78 Idem, p. 172.
79 ANTUNES, Paulo de Bessa (2005), Direito Ambiental, 8.ª Edição Revista, Ampliada e Actualizada, Rio

de Janeiro, Lumen Juris, Rio de Janeiro, p. 31.


80 Idem, pp. 31 – 32.
81 LEITE, José Rubens Morato (2001), “Estado de Direito do Ambiente: Uma Carta de Princípios à

Natureza”, Lusíada – Revista de Ciência e Cultura, Série de Direito, Especial Ambiente, Porto,
Universidade Lusíada do Porto, p. 530.
82 MARTINS, Ana Gouveia e Freitas (2002), O Princípio da Precaução no Direito do Ambiente, Lisboa,

AAFDL, pp. 54 – 60.

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(ii) Cabe aos potenciais poluidores ou danificadores a demonstração ou prova de
que uma determinada acção não apresenta quaisquer riscos sérios e
irreversíveis para o ambiente, isto é, assiste-se, neste domínio, a uma
inversão do ónus da prova;
(iii) Em caso de se constatarem sérias dúvidas em relação ao grau de
perigosidade que uma actividade possa representar, em termos sérios e
irreversíveis, para o ambiente, deve-se decidir a favor do ambiente (princípio
“in dubio pro ambiente”);
(iv) A necessidade de salvaguarda da capacidade de carga dos sistemas
ecológicos, garantindo-se a mais ampla margem de segurança na fixação dos
chamados padrões de qualidade ambiental, de modo a realizar a precaução
contra riscos ainda não certos e conhecidos;
(v) Na exigência de desenvolvimento, a introdução das melhores técnicas
disponíveis. Ou seja, este princípio pressupõe a utilização das chamadas
tecnologias limpas;
(vi) A criação e desenvolvimento de áreas de conservação, garantindo uma
espécie de “margem de manobra aos sistemas ecológicos para funcionarem
em total liberdade, de forma a salvaguardar determinadas funções e
potencialidades e garantir a preservação da diversidade genética dos
processos ecológicos essenciais e dos sistemas em que se sustenta a vida na
Terra”83; e,
(vii) A promoção e desenvolvimento da investigação científica e
realização de estudos rigorosos e exaustivos sobre os efeitos e riscos
potenciais de uma actividade. Se, por um lado, a ciência deve estar ao serviço
da protecção do ambiente, por outro, impõe-se a sujeição das políticas, planos
e actividades susceptíveis de causar danos sérios e irreversíveis ao ambiente
a prévios Estudos de Impacto Ambiental (EIA).

Importa considerar, na interpretação do princípio da precaução, que, na ponderação


sobre a viabilidade ambiental de determinada actividade, não está em causa a mera
suspeita de risco, não devidamente fundamentada em termos científicos, mas sim a
existência de riscos susceptíveis de levantar dúvidas legítimas e fundadas quanto à
possibilidade de ocorrência de danos sérios e irreversíveis no ambiente 84. Nesse
sentido, “o princípio não determina a paralisação da actividade, mas que ela seja
realizada com os cuidados necessários, até mesmo para que o conhecimento
científico possa avançar e a dúvida seja esclarecida”85. Chama-se a atenção para os
riscos da acepção radical do princípio da precaução, revelando-se “tão equivoca e
perigosa”, pelo que deva “ser reduzida à sua expressão operativa, de prevenção
alargada a riscos e internamente limitada pelos parâmetros de proporcionalidade” 86.
Ou seja, “o princípio da precaução consubstancia (...) a manifestação jurídica desta
nova apreensão do mundo, da demanda social de segurança, de uma atitude de
profunda humildade quanto aos potenciais e limites da ciência e das novas reflexões

83 MARTINS, Ana Gouveia e Freitas (2002), ob. cit., p. 58.


84 SERRA, Carlos, CUNHA, Fernando (2008), ob. cit., p. 172.
85 ANTUNES, Paulo de Bessa (2005), Direito Ambiental, 8.ª Edição Revista, Ampliada e Actualizada, Rio

de Janeiro, Lumen Juris, p. 33.


86 GOMES, Carla Amado (2007), ob. cit., p. 364.

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filosóficas sobre a relação do Homem com a natureza e sua responsabilidade face às
gerações vindouras e à Vida na Terra87”.

Devido às suas muitas permutações e facetas, a precaução é ao mesmo tempo útil


como ferramenta ou "abordagem" flexível, e difícil de capturar no contexto de um
"princípio" ou padrão jurídico geralmente aplicável. Vejam-se exemplos da sua
aplicação em alguns casos judiciais:

Tribunal de Justiça Europeu (Caso “Vaca Louca”)


O Tribunal de Justiça Europeu foi influenciado pelo conceito relativo ao princípio da
precaução, particularmente no que diz respeito aos riscos ambientais que representam
perigos para a saúde humana. O Tribunal considerou que a Comissão Europeia não
cometeu um erro manifesto ao proibir a exportação de carne bovina durante a chamada
crise das "vacas loucas". [Processo C 180/96, Reino Unido/Comissão, Col. 1996, p. I-3903, ponto
83; Processo T-76/96 R, National Farmers' Union (NFU), Col. 1996, p. II-815, ponto 88.. O TJE
declarou no caso NFU:
No momento em que a decisão impugnada foi adoptada, existia uma grande incerteza
quanto aos riscos colocados por animais vivos, carne de bovino e produtos derivados.
Quando existe incerteza quanto à existência ou à extensão dos riscos para a saúde
humana, as instituições podem tomar medidas de protecção sem ter de esperar que a
realidade e a gravidade desses riscos se tornem plenamente visíveis.

Num caso da Associação Europeia de Comércio Livre, o Tribunal considerou que era uma
precaução adequada pressupor a identificação de consequências potencialmente negativas
e uma avaliação abrangente do risco com base nas informações científicas mais recentes.
[Processo E-3/00, Órgão de Fiscalização da EFTA v. Noruega, pars. 16, 21.] Segundo o
Tribunal, onde a natureza insuficiente, inconclusiva ou imprecisa das conclusões
científicas relevantes torna impossível determinar riscos ou perigos com alguma certeza,
mas a probabilidade de dano significativo persiste, a decisão de tomar medidas restritivas
é justificada. Os critérios citados pelo Tribunal são os seguintes:
▪ Tais medidas restritivas devem ser não discriminatórias e objectivas e devem ser
aplicadas no âmbito de uma política baseada no melhor conhecimento científico
disponível a qualquer momento.
▪ O princípio da precaução nunca pode justificar a adopção de decisões arbitrárias e a
busca do objectivo de 'risco zero' apenas nas circunstâncias mais excepcionais.

Pedreiras vs Procuradoria Distrital de Namaacha


Pedreiras do distrito de Namaacha, Província de Maputo, realizavam actividades que
poluiam o ar com partículas sólidas de poeira aparentemente para além dos níveis
aceitáveis e sem implementar medidas de higiene e segurança para a protecção dos
trabalhadores.
A procuradoria distrital realizou uma visita de fiscalização das actividades das empresas e
recomendou a regularização da actividade em conformidade com a lei ambiental. O controlo
do cumprimento desta recomendação seria realizado com base numa nova visita de
fiscalização.
Ministério Público e Protecção Ambiental
O Ministério Público no distrito de Sussundenga, província de Manica, tomou
conhecimento sobre a poluição do rio Lucite, que vem do Zimbabwe, através das redes
sociais, provocada por mineração artesanal ilegal nos dois países. Criou uma comissão
multissectorial incluindo técnicos ambientalistas do Serviço Distrital de Planeamento e

87 MARTINS, Ana Gouveia e Freitas (2002), ob. cit., p. 23.

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Infra-estruturas, Serviço Distrital de Actividades Económicas, Polícia de Protecção dos
Recursos naturais e do Meio Ambiente, Saúde e um Procurador da República. A Comissão
realizou visitas de terro, encontros com as comunidades locais e análise laboratorial da
água e foi confirmada a constatação. Como solução foram tomadas as seguintes medidas:
▪ Recomendou-se a Polícia da Protecção dos Recursos Naturais e do Meio Ambiente para
patrulhar e combater o acto;
▪ Sensibilizou-se e consciencializou-se as comunidades para pararem as actividades de
mineração ilegal e poluição do rio;
▪ Produziu-se um documento para facilitar a cooperação entre os ministérios públicos e
as forças policiais dos dois países no combate à poluição.
Neste momento a poluição do rio reduziu e a monitoria contínua em curso.
Ministério Público vs Conselho Municipal
No corrente ano de 2018 o Ministério Público no distrito de Metangula, província de Niassa,
tendo constatado que uma empresa mineira de pedra para construção civil realizava as
suas actividades sem observar as medidas de segurança exigidas por lei, podendo provocar
aluamentos de terra e vitimar seres humanos intimou as autoridades municipais da vila
de Metangula para fiscalizarem a actividade e mandarem repor a legalidade num prazo de
30 dias. As autoridades municipais observaram a intimação do Ministério Público e a
empresa mineira procedeu a conformidade das suas actividades ao estabelecido da
legislação.

REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE
___________________

TRIBUNAL ADMINISTRATIVO
PRIMEIRA SECÇÃO

Processo n.º 26/2017-1.ª

ACÓRDÃO N.º 14/2017

Acordam, em conferência, na Primeira Secção do Tribunal Administrativo:

ICVL-MINAS DE BENGA, LIMITADA, com os demais elementos de identificação constantes


dos autos do processo à margem indicado, inconformada com a decisão proferida nos autos
do Processo n.º 40/2015, através do Acórdão n.º 1/TAPT/16, de 19 de Fevereiro, do
Tribunal Administrativo da Província de Tete, veio perante esta instância da jurisdição
administrativa, nos termos do disposto nos artigos 163 e seguintes da Lei n.º 7/2014, de
28 de Fevereiro, Lei que regula os procedimentos atinentes ao Processo Administrativo
Contencioso (LPPAC), interpor recurso de apelação, louvando-se nos factos e fundamentos
seguintes:

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A decisão do tribunal a quo de considerar que foi intentada uma providência cautelar
prevista no artigo 144 e seguintes da Lei n.º 7/2014, de 28 de Fevereiro, LPPAC, e
consequentemente arrumada a questão do erro na forma do processo suscitada pela
requerida, ora apelante é ilegal, na medida em que do desconhecimento que tinha de que
estava a ser intentado contra si um pedido de intimação a órgão administrativo, a
particular ou a concessionário para adoptar determinada conduta, resultou uma
diminuição das suas garantias, o que viola o disposto no artigo 199.º do Código de Processo
Civil.

Por outro lado, se tivesse tomado conhecimento de que o meio processual acessório
intentado era aquele, teria contestado claramente que a requerente ora apelada, não podia
acusá-lo de estar a violar uma norma do direito administrativo por ser do seu conhecimento
que o plano de reassentamento aguarda a aprovação do Governo e, ter-lhe-ia convidado
para, querendo, intentar um pedido de intimação ao órgão administrativo para aprovar o
plano de reassentamento urbano e não intimar a concessionário a apresentar o
cronograma do reassentamento num prazo de 15 dias, conforme resulta do disposto na
parte final da alínea e) do pedido da recorrida relativamente a um plano de reassentamento
que ainda não foi aprovado pela entidade competente.

Outrossim, a decisão de condenar a ora apelante a compensar as famílias pelas


machambas afectadas pela mineração, de apresentar um plano de responsabilidade social
e o cronograma de reassentamento urbano e de criar as condições para alojamento das
famílias que se encontram próximos da mina, enquanto aguardam pelo reassentamento
urbano, é ilegal e injusta e constitui erro manifesto de julgamento por distorcer a realidade
fáctica e o direito aplicável aos factos, de tal sorte que o concluído não corresponde à
realidade ontológica e normativa e não é fundamentada.

Na verdade, o tribunal a quo fez uma tábua rasa e não analisou a questão da falta de
decisão do governo relativamente ao reassentamento e a sua relevância para a ora apelante
no cumprimento das normas do direito administrativo exigido, para, desse modo,
responder à questão de saber se estará a ora apelante a violar tais normas.

O único fundamento de facto, na decisão do Tribunal Administrativo Provincial de Tete é o


reconhecimento feito pela apelante da demora no reassentamento da população afectada
e, o fundamento de direito é o da alínea k) do n.º 6 do artigo 15 da Lei n.º 6 e artigo 15 da
Lei n.º 14/2002, de 26 de Junho, Lei de Minas, em vigor na altura da concessão.
Com efeito, a ora apelante solicitou a aprovação de um plano de reassentamento urbano
por parte do Governo, faltando apenas a decisão e, nos termos do n.º 1 do artigo 30 da Lei
n.º 20/2014, Lei de Minas em vigor, quando a área disponível da concessão abranja parte
ou a totalidade dos espaços ocupados por famílias ou comunidades que impliquem o seu
reassentamento, a empresa é obrigada a indemnizar os abrangidos de forma justa e
transparente, em moldes a regulamentar pelo Governo.

Ademais, a decisão do tribunal a quo de intimar a apelante a apresentar o cronograma do


reassentamento urbano é ilegal e injusta por colocá-la em risco de apresentar um
cronograma de reassentamento naquele tribunal e ser obrigado a executar e a suportar
custos relativos a um plano que pode ser alterado pela própria administração pública e daí
resultar custos adicionais caso não tivesse sido violada a lei, nos termos acima
demonstrados.

Outrossim a decisão do tribunal a quo de condenar a apelante a criar condições para as


famílias que se encontram próximas da mina é nula por não especificar os fundamentos

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de facto e de direito que justifique, o que viola o disposto na alínea b) do n.º 1 do CPC,
aplicável por força do disposto no artigo 2 da Lei n.º 7/2014, de 28 de Fevereiro, LPAC.

Por outro lado, fez tábua rasa aos fundamentos e provas produzidas e apresentadas pela
apelante, em sede da contestação, que demonstram ser possuidora de um programa de
gestão e monitoria ambiental, aprovado pelo Governo e estar a implementar as diversas
medidas ambientais identificadas nos documentos relevantes para garantir que as
operações da Mina de Benga não causem danos à saúde e ao ambiente das comunidades
circunvizinhas.

Deste modo, a apelante instalou na comunidade, diversos pontos de monitoria de poeiras,


ruídos, vibrações e controlo da qualidade da água cujos resultados são apresentados
mensal e trimestralmente às várias instituições do Governo, tais como o Ministério dos
Recursos Minerais e Energia, Ministério da Terra, Ambiente e Desenvolvimento Rural, Ara-
Zambeze, entre outros, para a avaliação dos resultados e têm demonstrado que
os níveis de poeiras, ruídos, vibrações e a qualidade de água, situam-se dentro dos padrões
estabelecidos por lei e práticas internacionais, significando, deste modo, que não existe
poluição nos campos das comunidades, na água ou no meio ambiente.

A referida decisão é injusta, por obrigar a apelante a mobilizar recursos adicionais que não
estão programados no plano de reassentamento urbano, nem estão disponíveis tendo em
conta a conjuntura económico-financeira que afecta negativamente o sector mineiro
nacional e internacional.

As actividades de extracção mineira da Mina de Benga encontram-se suspensas desde o


dia 1 de Janeiro de 2016, por ter terminado o contrato com o anterior operador mineiro
estando, neste momento, a apelante em processo de aquisição de equipamento necessário
para prosseguir as operações mineiras, daí a necessidade de se revogar a decisão do
tribunal a quo que condena a apelante para, no prazo de 30 dias, apresentar o cronograma
de reassentamento urbano e criar condições para o alojamento das famílias que
se encontram próximas da mina enquanto aguardam o reassentamento, por ser ilegal, nula
e injusta.

Termina, requerendo o provimento do presente recurso e a revogação do acórdão recorrido,


no que tange às decisões recorridas e a sua substituição por outro que absolva, a apelante,
da instância.

Juntou os documentos de folhas 112 a 118 e 119 verso a 120 verso, dos autos.

No mais, dá-se por integramente reproduzido o conteúdo da petição de folhas 109 e


seguintes versos a 112 dos autos.

Notificada, a entidade apelada, dos presentes autos, veio nos termos constantes de folhas
136 a 139 dos autos referir, com interesse para a causa, que a apelante insiste na questão
da forma processual, contradizendo-se totalmente e socorrendo-se das alíneas a), b), e c)
dos n.ºs 1 e 2 da Constituição da República e, tem vindo a demonstrar a sua falta de
seriedade junto das instituições públicas, privadas e organizações credíveis da
sociedade civil, pois sempre se identificou e tramitou documentos importantes como ICVL,
recorrendo ao carimbo simples que ostenta a designação de Minas de Benga e
sabendo que iria sistematicamente violar as leis dos direitos humanos, em particular,
os direitos dos afectados pela mineradora, sempre salvaguardou esse trunfo, para ludibriar
o tribunal.

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A apelante recusou entregar o cronograma de actividades ao Tribunal Administrativo de
Tete, demonstrando claramente o desconhecimento do seu poder, além de constituir
manobra dilatória, pois o mesmo já existe e foi aprovado pelo Governo e pela respectiva
comissão de reassentamento, tendo o Governo já partilhado oficialmente.

Por outro lado, a concessionária refere categoricamente que existem condições financeiras
para o reassentamento e, apenas, pretende o aval do Governo, facto já consumado há
bastante tempo, tanto é que a materialização do plano de actividades deveria ter iniciado
em Junho de 2015.

Aliás, não se constrói uma casa modelo sem a prévia autorização do Governo e “do espaço
físico”, tal como aconteceu na sede de Capanga em que a ICVL não quis fazer a entrega ou
amostra final aos beneficiários para, sucessivamente, dar seguimento ao cronograma
aprovado pelo Governo. Refira-se que a casa modelo só veio a ser concluída com a
pressão feita pelo Governador da Província de Tete, no dia 3 de Fevereiro de 2016.

Ainda que não tivesse a aprovação do Governo, a decisão do tribunal é soberana e de


cumprimento obrigatório e, assim sendo, a ICVL- Minas de Benga teve a oportunidade de
avançar com o acórdão do tribunal a quo aproximando-se às comunidades e contribuir
para o desenvolvimento dos afectados; se, seguidamente, fosse apresentar o acórdão ao
Governo, persistindo, ainda, o problema da aprovação do cronograma do reassentamento,
a mesma iria influenciar na tomada de uma decisão rápida com vista a tornar célere
o processo.

Por outro lado a Liga dos Direitos Humanos já participou em vários encontros relacionados
com esta matéria e na presença dos membros do Governo representados por diferentes
áreas de tutela, bem como a comunidade afectada, quer ao nível do Governo Distrital quer
ao nível do Governo Provincial, contribuindo com alguns conselhos jurídicos, porém,
constatou-se que a concessionária nunca demonstrou vontade prática de avançar com o
reassentamento.

A população afectada, já cansada e sem esperança, optou por organizar uma manifestação
pacífica, porém, em resposta, a concessionária accionou a Força de Intervenção Rápida
que, usando balas verdadeiras, dispersou com actos de tortura e detenções, sob a acusação
de terem organizado uma manifestação ilegal.

Não constitui verdade a afirmação da apelante, segundo a qual instalou, na comunidade,


diversos pontos de monitoria de poeiras, ruídos, vibrações e de controlo da qualidade
da água, cujos resultados são apresentados mensal e trimestralmente às várias instituições
do Governo, tais como o Ministério dos Recursos Minerais e Energia, o Ministério da Terra,
Ambiente e Desenvolvimento Rural, a Ara-Zambeze, entre outros, pois, a sua mina
aproxima-se cada vez mais aos residentes, num raio de 200 metros e a poeira é visível entre
as árvores, as paredes de residências e nas hortícolas.

Daqui resulta que aquela população deve ser retirada daquele local, porquanto a mina não
deve conviver com aqueles concidadãos, sob pena de reduzir drasticamente a sua
esperança de vida, além de o seu progresso económico e social estar paralisado por ordens
expressas das próprias mineradoras, pois não pode colocar nenhuma infra-estrutura, para
além daquelas que já foram registadas em 2010.

Reitera toda a matéria de direito elencado na providência.

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Em sede da petição da providência, o ora apelado tinha requerido a paralisação temporária
das actividades da mina, porém este pedido não foi dado provimento pelo tribunal a quo
que ponderou em função dos fundamentos apresentados no acórdão, e os pontos
impostos pelo tribunal são razoáveis, partindo do princípio que a legislação mineira em
vigor em Moçambique obriga a que os titulares mineiros realizem acções de
desenvolvimento social e económico e sustentáveis nas áreas de concessão mineira;
entretanto, neste local não existe alguma infra- estrutura social senão um posto
médico móvel, resultante das reclamações, mas que, também, nunca funcionou.
Reafirma, ainda, que o titular da concessão deve indemnizar os utentes da terra por
quaisquer danos causados à terra e propriedades, resultantes da operação mineira e
respeitar as comunidades locais, e contribuir para a preservação dos aspectos sócio-
culturais das comunidades, o que não se verifica no local, em violação do disposto na alínea
b) do n.º 2 do artigo 44 da Lei de Minas.

Termina, requerendo:

▪ A rejeição do presente recurso;

▪ A compensação dos camponeses afectados cujas machambas foram destruídas pela


concessionária, num prazo de quarenta e cinco dias, nos termos do disposto no n.º
1 do artigo 30 da Lei n.º 20/2014;

▪ A movimentação urgente das famílias posicionadas muito próximo da mina, num


prazo de quarenta e cinco dias com casas provisórias fora da mina ou através de
um valor monetário mensal para o arrendamento, em conformidade com a alínea
a) e b) do n.º 1 do artigo 31 da Lei de Minas.

▪ A produção de um memorando de entendimento entre a empresa, as comunidades


e o Governo, segundo a Lei e o regulamento sobre o reassentamento, conforme
estabelece o n.º 3 do artigo 30 da Lei de Minas.

Juntou os documentos de folhas 140 a 147 dos autos.

O processo foi continuado com vista ao Ministério Público, onde o Digníssimo Magistrado
promoveu a improcedência do recurso e a manutenção do Acórdão n.º 1/TAPT/2016, do
tribunal a quo, por falta de fundamentos legais para a sua anulação, pois, a decisão
relativa à intimação para a ora apelante apresentar o cronograma de reassentamento
urbano é justa e legal, porquanto dos autos constata-se que a apelante submeteu e o
Governo do Distrito de Moatize aprovou o Plano de reassentamento urbano.

Outrossim, o tribunal a quo decidiu que a apelante deve criar condições para o alojamento
das famílias que se encontrem próximos da mina, enquanto aguardam pelo
reassentamento urbano, com fundamento na alínea k) do n.º 6 do artigo 15 da lei n.º
14/2002, de 26 de Junho, Lei de Minas, em vigor na altura da concessão mineira, posição
com a qual concorda por ser um dever da concessionária compensar os titulares pelos
danos causados à terra e propriedade resultantes das operações mineiras (folhas 149 a
150 dos autos).

Foram colhidos os vistos legais. Tudo visto.

Vem a apelante, ICVL - Minas de Benga, Limitada, impugnar o Acórdão n.º 1/TAPT/2016,
de 19 de Fevereiro, do Tribunal Administrativo da Província de Tete, que o intimou para,
no prazo de 30 dias, compensar as famílias pelas machambas destruídas em consequência

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da actividade mineira, a apresentar o plano de responsabilidade social e o cronograma de
reassentamento urbano, bem como criar condições para o alojamento das famílias que se
encontram próximas da mina enquanto aguardam pelo reassentamento.

Refere que a decisão em causa é nula, injusta e ilegal, por não especificar os fundamentos
de facto e de direito que a alicerçam, por colocá-la em risco de suportar custos que seriam
evitáveis caso a execução do plano de reassentamento fosse precedida da aprovação do
mesmo pelo Governo, nos termos da lei, e pelo facto de ter submetido o plano
de reassentamento urbano para aprovação do Governo, o que ainda não aconteceu e, a
aprovação é o requisito legal que faz depender a validade e execução do referido plano de
reassentamento urbano.

Refere, ainda, que a decisão do tribunal a quo é ilegal, na medida em que considerou
arrumada a questão do erro da forma do processo que havia suscitado, pois desconhecia
que estava a ser intentado um pedido de intimação à concessionária para a adoptar certa
conduta o que resultou na diminuição das suas garantias, pois, se assim soubesse, teria
convidado a ora apelada a intentar um pedido de intimação do Governo para aprovar o
plano de reassentamento, por este aguardar a referida aprovação, facto que é do seu
conhecimento.

Entretanto, do compulsar dos autos, constata-se que o cronograma de actividades do ICVL-


Minas de Benga foi aprovado pelo Governo do Distrito de Moatize e a apelante não corre o
risco de suportar custos adicionais por executá-lo antes da sua aprovação (vide os docs.
de folhas 140 a 144 dos autos).

Por outro lado, resulta do disposto na alínea k) do n.º 6 do artigo 15 e alínea g) do n.º 2 do
artigo 18, ambos da Lei n.º 14/2002, de 26 de Junho, que o titular da concessão mineira
deve compensar os respectivos titulares pelos danos causados à terra e propriedades
resultantes das operações mineiras. Portanto, a decisão do tribunal a quo, encontram o
seu fundamento nas disposições legais acima citadas, até porque trata-se de um dever que
consta dos termos e condições da concessão mineira, conforme resulta do n.º 3, alínea
a) daqueles termos (vide fls. 51 dos autos).

Outrossim, quanto ao erro na forma processo, importa, unicamente, a anulação dos actos
que não podem ser aproveitados, devendo ser praticados os que forem estritamente
necessários para que o processo se aproxime, quanto possível, à forma estabelecida por
lei, conforme prescreve o n.º 1 do artigo 199.º do CPC. Ora, no caso vertente, o único acto
que havia sido praticado é a citação para contestar, que é válida para os dois meios
processuais acessórios.

Ademais, à citação, a ora apelante respondeu e exerceu amplamente o seu direito de defesa,
tendo até se referido que o processo deve ser julgado improcedente por não haver
necessidade de o TAPT intimá-lo para adoptar certo comportamento ou abster-se de
certa conduta, por ter demonstrado que está a adoptar o comportamento necessário com
vista a cumprir as suas obrigações resultantes do contrato mineiro. Isto por si só
demonstra que além de ter percebido o conteúdo da petição, o apelante percebeu, também,
qual era o meio processual adequado para o caso, razão pela qual contestou, também,
relativamente à intimação, daí que não se mostram diminuídas as suas garantias.

Por todo o exposto, os Juízes Conselheiros da Primeira Secção deste Tribunal, em segunda
instância, decidem, acolhendo a douta promoção do Digníssimo Magistrado do Ministério
Público, negar provimento ao recurso interposto por ICVL - MINAS DE BENGA, LDA,
por falta de fundamento legal.

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Custas pela apelante que se fixam em 7.000,00MT (Sete mil meticais).

Registe-se e notifique-se com a menção da possibilidade de interposição de recurso de


apelação ao Plenário do Tribunal, no prazo de 30 (trinta) dias, ao abrigo do disposto nos
artigos 163 e seguintes da Lei n.º 7/2014, de 28 de Fevereiro.

Maputo, 04 de Abril de 2017.

c) Poluidor pagador

O Princípio do Poluidor Pagador (PPP) foi preparado e criado no mundo da economia,


antes de assumir importância como princípio fundamental do direito internacional
do ambiente e de diversos direitos estaduais, tendo o seu surgimento oficial tido lugar
no dia 26 de Maio de 1972, no âmbito de uma Recomendação da Organização de
Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) sobre Política do Ambiente na
Europa88. O objectivo é o de impedir as autoridades públicas nacionais de subsidiar
os custos de controlo de poluição de empresas privadas. Em vez disso, as empresas
devem internalizar as externalidades ambientais, suportando os custos de controlar
sua poluição na medida exigida por lei.

A consagração internacional do princípio do poluidor pagador ocorre de forma clara


na Declaração do Rio (1992):

Declaração da Conferência das Nações Unidas Sobre Meio Ambiente e


Desenvolvimento (Declaração do Rio – 1992): Neste documento o princípio foi elevado
à categoria de princípio do Direito Internacional do Ambiente, através da sua
consagração, na, nos seguintes termos: “As autoridades nacionais deverão esforçar-
se por promover a internalização dos custos ambientais e utilização de instrumentos
económicos, tendo em conta o princípio de que o poluidor deverá, em princípio,
suportar o custo da poluição, com o devido respeito pelo interesse público e sem
distorcer o comércio e os investimentos internacionais”89.

No caso do ordenamento jurídico moçambicano, o PPP começou por ser incluído no


leque de princípios da, Política Nacional do Ambiente e, seguidamente, na legislação
ordinária relativa às questões ambientais. Observe-se, no entanto, que a sua
inclusão no elenco de princípios da Lei do Ambiente não veio a ocorrer, apesar da
sua enorme importância como instrumento de prevenção e protecção do ambiente 90.

Política Nacional do Ambiente: Estabelece-se neste instrumento que: “o poluidor deve


repor a qualidade do ambiente danificado e/ou pagar os custos para a prevenção e
eliminação da poluição por si causada”91.

Lei de Pescas: Em termos de legislação ordinária, o PPP foi recentemente consagrado


na nova Lei de Pescas, traduzido “na responsabilização de pessoas singulares ou
colectivas pelo custo de reposição da qualidade do ambiente danificado e ou pelos

88 ANTUNES, Paulo de Bessa (2005), ob. cit., p. 39.


89 Cf. Princípio XVI, da Declaração do Rio.
90 Veja-se SERRA, Carlos, CUNHA, Fernando, ob. cit., pp. 188 - 195.
91 Cf. Ponto (...) da Política Nacional do Ambiente.

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custos para a prevenção e eliminação da poluição por si causada, no exercício das
actividades pesqueiras e complementares da pesca”92.

Regulamentos de Gestão de Resíduos Perigosos e de Gestão de Resíduos Sólidos: O


PPP foi igualmente consagrado nestes dois instrumentos, entendido como norma de
Direito do Ambiente que consiste em obrigar o poluidor a arcar com os custos de
reparação de um dano por ele causado ao ambiente93.

Em termos resumidos, a construção do PPP no contexto da doutrina jurídica parte


da constatação de que as chamadas externalidades ambientais negativas
decorrentes das diversas actividades de produção não constam dos cálculos
económicos realizados pelos produtores, ao lado dos demais factores de produção
como o capital, o trabalho e a matéria-prima, sendo aquelas responsáveis por um
impacto ambiental negativo causado em terceiros 94. Importa igualmente ter presente
que os recursos ambientais são escassos e que, com o aumento e intensificação do
seu uso, verifica-se a respectiva redução e degradação, pelo que se o custo da
redução dos recursos naturais não for considerado no sistema de preços, o mercado
não será capaz de reflectir a escassez95. O PPP está assim orientado à eliminação
dessa inconsistência. Assim sendo, são necessárias políticas públicas capazes de
eliminar a falha de mercado, procurando fazer com que os preços dos produtos
reflictam os custos ambientais96.

Historicamente, os custos de controlo da poluição têm sido suportados pela


comunidade em geral, e não por aqueles que poluem. A assunção comunitária dos
custos pode ser demonstrada usando o exemplo de uma indústria que descarrega
poluentes num rio. Existem pelo menos três maneiras possíveis de a comunidade
assumir os custos económicos da poluição:
(i) O rio pode permanecer poluído e tornar-se inadequado para certas
actividades a jusante, causando prejuízos económicos à comunidade a
jusante;
(ii) A comunidade a jusante pode construir uma estação de tratamento de água
adequada, a expensas suas;
(iii) O poluidor pode receber subsídios públicos para controlar a poluição.
Em cada caso, a comunidade afectada arca com o custo da poluição e das medidas
projectadas para eliminá-la ou mitigar os seus efeitos. O princípio do poluidor-
pagador evita este resultado, obrigando o poluidor a suportar os custos do controlo
da poluição, a "internalizá-los". Na maioria dos casos, a empresa de facto
incorporará os custos no preço dos produtos em certo grau e os repassará ao
consumidor.

Considera-se que “uma externalidade ocorre quando a produção ou o consumo de


um determinado bem, por um indivíduo ou empresa, afecta directamente os
interesses de outro indivíduo ou empresa. O dano ambiental é um caso típico de

92 Cf. Artigo 5.° f) da Lei de Pescas.


93 Cf. Artigo 4.° f) do Regulamento de Gestão de Resíduos Perigosos, bem como artigo 4.° g) do
Regulamento de Gestão de Resíduos Sólidos.
94 SERRA, Carlos, CUNHA, Fernando, ob. cit., p. 189.
95 ANTUNES, Paulo de Bessa (2005), ob. cit., p. 39.
96 ANTUNES, Paulo de Bessa (2005), ob. cit., p. 39.

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externalidade, pois, na sua incidência sobre terceiros, inexiste qualquer mediação.
Ela é directa, sem qualquer mecanismo de mercado ou jurídico 97.

Defende-se, nesse sentido, que a internalização das externalidades negativas, de


modo a “fazer com que os prejuízos, que para a colectividade advêm da actividade
desenvolvida pelos poluidores, sejam suportados por estes como verdadeiros custos
de produção, de tal modo que as decisões dos agentes económicos acerca do nível de
produção o situem num ponto mais próximo do ponto socialmente óptimo, que é
inferior”98.

O debate doutrinário vai ainda no sentido de se considerar que o PPP decorre da


“consideração de que os sujeitos económicos, que são beneficiários de uma
determinada actividade poluente, devem igualmente ser responsáveis, pela via fiscal,
no que respeita à compensação dos prejuízos que resultam para toda a comunidade
do exercício dessa actividade”99. O PPP tem assim como finalidades fundamentais a
prevenção e precaução dos danos ambientais, por um lado, e a justiça na
redistribuição dos custos das medidas públicas de luta contra a degradação do
ambiente, por outro100.

É precisamente na primeira característica acima indicada que encontramos a


diferenciação do PPP em relação ao princípio da responsabilização. O PPP não se
resume na intervenção de reparação dos danos uma vez concretizada a lesão no bem
jurídico do ambiente, assentando na antecipação em relação àquelas lesões,
pressupondo a contribuição do poluidor para a realização de iniciativas, públicas ou
privadas, no domínio da prevenção ambiental101. Daí que se defenda que “o PPP é o
princípio que, com maior eficácia ecológica, com maior economia e equidade social,
consegue realizar o objectivo de protecção do ambiente”102. O fim da prevenção-
precaução é que os poluidores ou degradadores são chamados a suportar os custos
de todas as medidas, adoptadas por si próprios ou pelos poderes públicos,
indispensáveis à precaução ou prevenção da poluição normal e acidental, bem como
dos custos da actualização dessas medidas103.

O princípio do poluidor-pagador é, portanto, um método para internalizar


externalidades. Aqueles que se beneficiam com o ar purificado têm uma
externalidade positiva se não pagarem pela limpeza. Onde o ar é contaminado por
um produtor que não tem custos, é uma externalidade negativa; quem compra o
produto também tem benefício gratuito caso os custos relativos à reparação do
dano ambiental não se reflicta no preço da mercadoria. A internalização exige que
todos os custos ambientais sejam suportados pelo produtor / consumidor em vez
da comunidade. Os preços reflectirão o custo integral se os padrões ou impostos

97 ANTUNES, Paulo de Bessa (2002), Dano Ambiental – Uma Abordagem Conceitual, Rio de Janeiro,
Editora Lumen Juris, p. 214.
98 ARAGÃO, Maria Alexandra de Sousa (1997), O Princípio do Poluidor Pagador, Boletim da Faculdade

de Direito, Stvdia Ivridica, n.º 23, Coimbra, Universidade de Coimbra, Coimbra Editora, p. 36.
99 DA SILVA, Vasco Pereira (2001), Verde Cor do Direito, Lições de Direito do Ambiente, Coimbra,

Almedina, Coimbra, p. (....).


100 CANOTILHO, José Joaquim Gomes (1998), Introdução ao Direito do Ambiente, Lisboa, Universidade

Aberta, Lisboa, pp. 50 e seguintes.


101 SERRA, Carlos, CUNHA, Fernando, ob. cit., p. 183.
102 CANOTILHO, José Joaquim Gomes (1998), ob. cit., p. 51.
103 ARAGÃO, Maria Alexandra de Sousa (1997), O Princípio do Poluidor Pagador, Boletim da Faculdade

de Direito, Stvdia Ivridica, n.º 23, Coimbra, Universidade de Coimbra, Coimbra Editora, pp. 123 - 124.

Page 51 of 187
regulamentares sobre a produção ou o produto corresponderem ao custo real da
protecção e dos danos ambientais.

Constituem instrumentos de carácter financeiro de realização do PPP os impostos e


as taxas. No caso de Moçambique, temos como exemplo paradigmático da aplicação
do PPP a chamada taxa de limpeza, paga pelos munícipes, por via da factura de
consumo de energia eléctrica, da Electricidade de Moçambique. Neste caso, os
munícipes são considerados poluidores, como produtores de resíduos, pelo que são
chamados a contribuir para a gestão dos mesmos. Nesse sentido, “vigoram, neste
caso, as ideias da prevenção de danos ambientais (pretende-se, através da
contribuição geral, montar um sistema eficaz de gestão de resíduos, com o objectivo
fundamental de diminuir substancialmente o seu impacto junto do ambiente, no
geral, e da saúde das pessoas, em particular) e de justiça distributiva (onde todos os
custos decorrentes do funcionamento do sistema de gestão dos resíduos são
distribuídos equitativamente por todos os produtores de resíduos, quer sejam
empresas quer pessoas singulares) ”104.

Sendo correctamente definidos tais instrumentos financeiros (impostos e taxas)


contribuem para a internalização das externalidades ambientais negativas das
actividades poluentes ou degradadoras, sendo reflectidos nos preços dos bens e
serviços produzidos, e enviando uma mensagem ao mercado que induza os
produtores e consumidores a adoptarem comportamentos económicos mais
sustentáveis105.

O princípio pode ser aplicado mais facilmente numa região geográfica sujeita a leis
ambientais uniformes, como um estado ou uma organização regional de integração
económica. O poluidor pode ser definido como aquele que danifica o ambiente directa
ou indirectamente ou cria condições que levam a esse dano.

Geralmente, os poluidores devem pagar pelo custo das medidas de controlo da


poluição, como a construção e operação de instalações antipoluição, o investimento
em equipamentos antipoluição e novos processos, para que seja alcançado um
objectivo de qualidade ambiental necessário. A aplicação do princípio pode ser difícil
na prática, quando a identificação do poluidor se mostra impraticável porque a
poluição surge de várias causas simultâneas ou consecutivas, ou quando o poluidor
se torna financeiramente insolvente. Nesses casos, pode não haver alternativa à
suposição da comunidade relativamente aos custos de correcção do dano ambiental.

Na legislação nacional moçambicana define-se a degradação ambiental como “a


alteração adversa das características do ambiente e inclui, entre outras, a poluição,
a desertificação, a erosão e o desflorestamento”106. Sendo assim, o PPP não se prende
apenas com a poluição, mas também com qualquer forma de degradação ambiental,
dai que deva ser interpretado em sentido amplo.

Centro de Acção em Direitos Sociais e Económicos (SERAC) e Centro de Direitos


Económicos e Sociais (CESR) / Nigéria

104 SERRA, Carlos, CUNHA, Fernando, ob. cit., p. 193.


105 SILVA, Isabel Marques (2003), “O Princípio do Poluidor Pagador”, Estudos de Direito do Ambiente,
Porto, Publicações Universidade Católica, p. 116.
106 Cf. Artigo 1.° n.º 7 da Lei do Ambiente.

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As alegações eram de que o Governo da Nigéria tinha estado envolvido na produção de
petróleo num consórcio com a Shell Petroleum Development Corporation (SPDC), e que as
operações petrolíferas causaram degradação ambiental e problemas de saúde resultantes
da contaminação do ambiente entre o povo Ogoni.
A Comissão Africana considerou que a República Federal da Nigéria violou os Artigos 2, 4,
14, 16, 18 (1), 21 e 24 da Carta Africana e apelou ao Governo para garantir a protecção do
ambiente, da saúde e dos meios de subsistência do povo de Ogoniland nos seguintes
termos:
• Garantir que avaliações de impacto ambiental e sociais adequadas para qualquer
futuro desenvolvimento petrolífero e que o funcionamento seguro de qualquer futuro
desenvolvimento petrolífero seja garantido através de organismos de supervisão
eficazes e independentes para a indústria petrolífera
Feito na 30ª sessão ordinária realizada em Banjul, Gâmbia de 13 a 27 de outubro de 2001.

Os tribunais nacionais podem definir e elaborar sobre as implicações do princípio do


poluidor-pagador:

Marlene Beatriz Duran Camacho contra República da Colômbia


(26 de Setembro de 1996)
O Tribunal Constitucional, ao rever a constitucionalidade de alguma legislação ambiental,
aprovou disposições que impõem um encargo económico especial àqueles que contribuem
para a deterioração do ambiente e impor àqueles que tiram proveito dos recursos naturais
os custos para remediar os efeitos negativos que as suas acções têm sobre o ambiente.

Conselho Indiano de Acção Legal Ambiental v. União da Índia,


AIR 1996 SC 1446 (1996), 2 SCR 503, 3 SCC 212 (1996).
O Supremo Tribunal da Índia afirmou que, quando uma actividade exercida seja perigosa
ou inerentemente perigosa, a pessoa que exerce essa actividade é responsável por reparar
o prejuízo causado a qualquer outra pessoa por essa actividade.

M. C. Mehta v. Kamal Nath e outros, 1 SC 388 (1997)


O Supremo Tribunal da Índia condenou o motel a pagar uma compensação pela restituição
do ambiente e ecossistema do leito e das margens do rio Beas, que tinha poluído. A
comissão local de controlo da poluição foi ordenada a fazer cumprir a lei, inspeccionando
os dispositivos de controlo da poluição e as estações de tratamento do motel e tomar
medidas caso os dispositivos e as instalações não obedeçam aos padrões prescritos. A
comissão também recebeu ordens para não permitir a descarga de efluentes não tratados
no rio e inspeccionar todos os hotéis, instituições e fábricas da região para garantir que
nenhum deles funcionasse em violação da lei. O Supremo Tribunal posteriormente impôs
medidas exemplares ao motel, declarando: "A poluição é um erro civil. Pela sua própria
natureza, é um delito cometido contra a comunidade como um todo. Portanto, uma pessoa
que é culpada por causar poluição deve pagar os danos (compensação) pela restauração
do ambiente e do ecossistema. Além dos danos mencionados acima, a pessoa culpada de
causar poluição também pode ser responsabilizada pelo pagamento de danos exemplares,
de modo a que isso possa servir como dissuasor para que outros não causem poluição em
nenhum outro domínio". O tribunal ordenou que o motel pagasse de forma exemplar ao
Governo do Estado pelos danos pelo uso das obras de protecção contra inundações na área
afectada pelas acções do motel.
M.C. Mehta v. Kamel Nath, [2002] 1 LRI 667.

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Ministério Público vs Jindal (Empresa mineira de carvão)
A Jindal, Empresa mineira de carvão que opera no distrito de Moatize, província de Tete,
polui o ar acima dos padrões ambientais aceitáveis com a emissão de partículas sólidas de
poeira para a atmosfera. O Ministério Público intentou uma acção de providência cautelar
junto do Tribunal Distrital de Moatize para que a empresa realizasse as suas actividades
em conformidade com a lei ambiental. O tribunal deu provimento ao pedido do Ministério
Público.

Outros Conceitos e Princípios Fundamentais do Direito do


Ambiente
a) Desenvolvimento sustentável, integração e interdependência

O princípio do desenvolvimento sustentável constitui uma das principais


construções resultantes da Conferência do Rio (1992). Há várias referências ao longo
da Declaração de Princípios, com destaque para o princípio III (“o direito ao
desenvolvimento deve ser exercido de tal forma que responda equitativamente às
necessidades de desenvolvimento e ambientais das gerações presentes e futuras”),
bem como para o princípio IV (“a fim de alcançar o estágio do desenvolvimento
sustentável, a protecção do meio ambiente deve constituir parte integrante do
processo de desenvolvimento e não poderá ser considerada de forma isolada”).

Na Constituição de Moçambique encontramos várias referências directas ou


indirectas ao desenvolvimento sustentável, com destaque para o artigo 117.°, alusivo
ao papel do Estado no domínio do ambiente.

O desenvolvimento sustentável está definido na Lei do Ambiente como “o


desenvolvimento baseado numa gestão ambiental que satisfaz as necessidades da
geração presente sem comprometer o equilíbrio do ambiente e a possibilidade de as
gerações futuras satisfazerem também as suas necessidades”107.

Este princípio é o resultado de um processo de construção que partiu do conceito de


mero crescimento (económico), de natureza quantitativa, e que caracterizou o
sistema capitalista da Revolução Industrial até à emergência do Estado Social, pós
II Guerra Mundial, passando pelo conceito de desenvolvimento socioeconómico, o
qual se ancora na ideia da justiça social e da melhoria das condições de vida de todo
um Povo, culminando, a seguir à realização da Conferencia de Estocolmo (1972), à
inclusão de uma forte dimensão ambiental, traduzida na preocupação de
salvaguardar o equilíbrio ecológico.

b) Responsabilidade por Danos Transfronteiriços

A temática dos danos transfronteiriços também está na génese do surgimento do


Direito Internacional do Ambiente e alimentou apaixonados debates ao longo de

107 Cf. Artigo 1, n.° 9 da Lei do Ambiente.

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décadas. Um exemplo da sua consagração foi a sua adopção na Declaração da
Conferência do Rio (1992).

Declaração da Conferência das Nações Unidas Sobre Meio Ambiente e


Desenvolvimento (Declaração do Rio – 1992): A Declaração do Rio registou o princípio
por danos transfronteiriços estabelecendo que “Os Estados, em conformidade com a
Carta das Nações Unidas e os princípios da lei internacional, têm o direito soberano
de explorar seus próprios recursos segundo suas próprias políticas ambientais e de
desenvolvimento, e a responsabilidade de velar para que as actividades realizadas
sob sua jurisdição ou sob seu controle não causem danos ao meio ambiente de outros
Estados ou de zonas que estejam fora dos limites da jurisdição nacional”108.

A Declaração previu ainda que “os Estados deverão desenvolver a legislação nacional
relativa à responsabilidade e à indemnização referente às vítimas da contaminação
e outros danos ambientais. Os Estados deverão cooperar de maneira diligente e mais
decidida no preparo de novas leis internacionais sobre responsabilidade e
indemnização pelos efeitos adversos dos danos ambientais causados pelas
actividades realizadas dentro de sua jurisdição, ou sob seu controlo, em zonas
situadas fora de sua jurisdição109.

Em termos de desenvolvimento deste princípio, nota de destaque para a ratificação,


por Moçambique, do Protocolo Revisto sobre Cursos de Água Compartilhados na
Região da SADC, por via da Resolução n.º 31/2000, de 27 de Dezembro, que inclui
disposições referentes aos danos transfronteiriços110.

c) Transparência, Participação Pública, Acesso à Informação e à Justiça

A transparência, participação pública, acesso à informação e à justiça constituem


atributos de um Estado de Direito Democrático e condição para a vigência de uma
democracia sustentada, o que, por sua vez, é internacionalmente considerada
fundamental para a correcta abordagem das questões e dos problemas ambientais,
mostrando-se assim coerente a sua concepção como um princípio do Direito do
Ambiente, consagrado nos planos internacional e nacional. Importantes referência
da sua consagração são:

Declaração da Conferência das Nações Unidas Sobre Meio Ambiente e


Desenvolvimento (Declaração do Rio – 1992): O princípio X da Declaração do Rio
(1992) apresenta-se nos seguintes termos: “O melhor modo de tratar as questões
ambientais é com a participação de todos os cidadãos interessados, em vários níveis.
No plano nacional, toda pessoa deverá ter acesso adequado à informação sobre o
ambiente de que dispõem as autoridades públicas, incluí da informação sobre os
materiais e as actividades que oferecem perigo as suas comunidades, assim como a
oportunidade de participar dos processos de adopção de decisões. Os Estados
deverão facilitar e fomentar a sensibilização e a participação do público, colocando a
informação à disposição de todos. Deverá ser proporcionado acesso efectivo aos
procedimentos judiciais e administrativos, entre os quais o ressarcimento de danos
e recursos pertinentes”.

108 Cf. Principio II da Declaração do Rio (1992).


109 Cf. Principio XIII da Declaração do Rio (1992).
110 Cf. Artigo 3.°, n.º 7 do Protocolo Revisto sobre Cursos de Água Compartilhados na Região da SADC

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Lei do Ambiente: Em Moçambique a Lei do Ambiente consagrou o princípio da ampla
participação no leque de princípios fundamentais111, impondo ao Estado “a obrigação
de criar mecanismos adequados para envolver os diversos sectores da sociedade civil,
comunidades locais, em particular as associações de defesa do ambiente, na
elaboração de políticas e legislação relativa à gestão dos recursos naturais do país,
assim como no desenvolvimento das actividades de implementação do Programa
Nacional de Gestão Ambiental”112, e consagrando os direitos de todo o cidadão de
acesso à informação e à justiça113.

Em termos simplificados, estamos diante da formalização dos direitos à informação


e à participação dos cidadãos nos processos decisórios sobre ambiente, assim como
na atribuição aos Estados da obrigação em providenciar informação de forma plena,
eficiente e atempada, bem como de criar as condições adequadas para garantir a
participação ampla e efectiva dos cidadãos na governação ambiental. Este princípio
passa pela assunção da transparência como modelo a ser genuína e firmemente
assumido pelas estruturas organizacionais não apenas públicas (Estados e
Municípios) como privadas (corporações). Tal passa igualmente por consagrar e
materializar o direito à justiça não apenas em termos formais, através das
instituições de administração da Justiça (com destaque para os tribunais), como
também no sentido material, incluindo o acesso real e efectivo a todas as instâncias
de resolução de conflitos, assentes na realização do valor justiça.

d) Cooperação e Responsabilidades Comuns mas Diferenciadas

Por sua natureza, o ambiente constitui uma questão e um problema global. A


poluição do ar e do mar, as mudanças climáticas, o desmatamento, a extinção de
espécies da biodiversidade, a degradação dos solos, a superpopulação, etc. são
exemplos cada vez mais alarmantes da realidade transfronteiriça dos Estados e
exigem destes cooperação para uma resposta concertada, inspirando o delineamento
de um princípio de orientação válido ao nível internacional e, portanto, reflectido a
nível das posturas normativas nacionais. Internacionalmente os seguintes
instrumentos registam essa preocupação:

Declaração da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano


(Declaração de Estocolmo – 1972): Em termos históricos, a cooperação internacional
foi consubstanciada como um dos princípios estruturantes da Declaração de
Estocolmo, segundo a qual “Todos os países, grandes e pequenos, devem ocupar-se
com espírito e cooperação e em pé de igualdade das questões internacionais relativas
à protecção e melhoramento do meio ambiente. É indispensável cooperar para
controlar, evitar, reduzir e eliminar eficazmente os efeitos prejudiciais que as
actividades que se realizem em qualquer esfera, possam ter para o meio ambiente,
mediante acordos multilaterais ou bilaterais, ou por outros meios apropriados,
respeitados a soberania e os interesses de todos os estados”114.

Declaração da Conferência das Nações Unidas Sobre Meio Ambiente e


Desenvolvimento (Declaração do Rio – 1992): Foi por ocasião da Conferência do Rio,
que um passo significativo foi dado no desenho do princípio da cooperação e

111 Cf. Artigo 4.° e) da Lei do Ambiente.


112 Cf. Artigo 8.° da Lei do Ambiente.
113 Cf. Artigos 19.° e 21.° da Lei do Ambiente.
114 Cf. Princípio XIV da Declaração de Estocolmo.

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responsabilidades comuns mas diferenciadas. A Declaração estabelece que “Os
Estados deverão cooperar com o espírito de solidariedade mundial para conservar,
proteger e restabelecer a saúde e a integridade do ecossistema da Terra. Tendo em
vista que tenham contribuído notadamente para a degradação do ambiente mundial,
os Estados têm responsabilidades comuns, mas diferenciadas. Os países
desenvolvidos reconhecem a responsabilidade que lhes cabe na busca internacional
do desenvolvimento sustentável, em vista das pressões que suas sociedades exercem
sobre o meio ambiente mundial e das tecnologias e dos recursos financeiros de que
dispõem115.

Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas: Para consagrar o


princípio da Cooperação e responsabilidades comuns mas diferenciadas a convenção
previu que “As Partes devem proteger o sistema climático em benefício das gerações
presentes e futuras da humanidade com base na equidade e em conformidade com
suas responsabilidades comuns mas diferenciadas e respectivas capacidades. Em
decorrência, as Partes países desenvolvidos devem tomar a iniciativa no combate à
mudança do clima e a seus efeitos”116. A Convenção vai mais longe ainda ao
estabelecer que “Devem ser levadas em plena consideração as necessidades
específicas e circunstâncias especiais das Partes países em desenvolvimento, em
especial aqueles particularmente mais vulneráveis aos efeitos negativos da mudança
do clima, e das Partes, em especial Partes países em desenvolvimento, que tenham
que assumir encargos desproporcionais e anormais sob esta Convenção”117.

Ao nível da legislação nacional, o foco do princípio da Cooperação e


responsabilidades comuns mas diferenciadas centrou-se na dimensão de cooperação
internacional:

Lei do Ambiente: A Lei do Ambiente consagrou o princípio da cooperação


internacional, para a obtenção de soluções harmoniosas dos problemas ambientais,
reconhecidas que são as suas dimensões transfronteiriças e globais118.

Lei de Águas: A Lei de Águas prevê que a cooperação internacional tem em vista os
objectivos de a)“adopção de medidas coordenadas de gestão dos cursos de água de
uma bacia hidrográfica, tendo em conta os interesses de todos os estados
interessados”; b)“repartição das águas de interesses comum e seu aproveitamento
conjunto”; c)“preparação ou realização conjunta de investigação, projectos e
construção de infra-estruturas”; d)“controlo da qualidade de água, da poluição e da
erosão dos solos”; e, e) “troca de informação sobre questões de interesse comum” 119.

Lei de Florestas e Fauna Bravia: O princípio da cooperação internacional foi


igualmente consagrado na LFFB, segundo a qual “concertação de soluções com
outros países e organizações internacionais na protecção, conservação e gestão dos
recursos florestais e faunísticos”120.

Lei de Pescas: A Lei de Pescas prevê a cooperação internacional com base no


estabelecimento de uma “estreita relação com as organizações regionais e

115 Cf. Princípio XII da Declaração do Rio.


116 Cf. Artigo 3.°, n.º 1 da Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas.
117 Cf. Artigo 3.°, n.º 2 da Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas.
118 Cf. Artigo 4.° h) da Lei do Ambiente.
119 Cf. Artigo 14.° da Lei de Águas.
120 Cf. Artigo 3.° i), da LFFB.

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internacionais e na harmonização de políticas sectoriais internas para garantir uma
pesca e aquacultura responsáveis”121.

Lei de Conservação da Biodiversidade: Esta lei proclama “a plena assunção pelo país
do seu papel no esforço global e regional para garantir a conservação da diversidade
biológica cumprindo com as obrigações ambientais convencionadas e no
desenvolvimento de formas de gestão integrada onde os ecossistemas são partilhados
com países vizinhos e se ligam às obrigações internacionais”122.

Ao nível da doutrina, defende-se que “a cooperação deve ser entendida como política
solidária dos Estados, tendo em tela, a necessidade intergeracional de protecção
ambiental. Por isso importa uma soberania menos egoísta dos Estados e mais
solidária no aspecto ambiental, com a incorporação de sistemas mais efectivos de
cooperação entre Estados, em face das exigências de preservação ambiental. Implica
em uma política mínima de cooperação solidária entre Estados em busca de
combater efeitos devastadores da degradação ambiental. A cooperação pressupõe
ajuda, acordo, troca de informações e transigência no que atine a um objectivo macro
de toda colectividade. Mais do que isto, aponta para uma atmosfera política
democrática entre os Estados, visando um combate à crise ambiental global”123.

Pode-se considerar que este princípio possui três importantes dimensões 124:
(i) O apoio financeiro e científico-tecnológico prestado pelos países desenvolvidos
aos países pobres, para acções de protecção e conservação do ambiente no
interior dos respectivos espaços territoriais;
(ii) O intercâmbio ou colaboração na prestação de informações; e,
(iii) A criação de projectos transfronteiriços de protecção e conservação da
natureza.125

e) Acesso e Repartição de Benefícios sobre Recursos Naturais

Este princípio é fundamentalmente corolário da Convenção das Nações Unidades


sobre a Diversidade Biológica, que resultou da Conferência do Rio (1992). A
convenção reconhece “a estreita e tradicional dependência de recursos biológicos de
muitas comunidades locais e populações indígenas com estilos de vida tradicionais,
e que é desejável repartir equitativamente os benefícios derivados da utilização do
conhecimento tradicional, de inovações e de práticas relevantes à conservação da
diversidade biológica e à utilização sustentável de seus componentes”.

Esta Convenção definiu as bases para o acesso e a repartição justa e equitativa dos
benefícios sobre os recursos126. Para o efeito, foi celebrado o Protocolo de Nagoya
Sobre Acesso a Recursos Genéticos e a Partilha Justa e Equitativa dos Benefícios
Derivados de Sua Utilização (Japão, 2010).

121 Cf. Artigo 5.° h) da Lei de Pescas.


122 Cf. Artigo 4.° l) da Lei de Conservação da Biodiversidade.
123 LEITE, José Rubens Morato (2001), “Estado de Direito do Ambiente: Uma Carta de Princípios à

Natureza”, Lusíada – Revista de Ciência e Cultura, Série de Direito, Especial Ambiente, Porto,
Universidade Lusíada do Porto, p. 534.
124 SERRA, Carlos Manuel, CUNHA, Fernando (2008), ob. cit. 185.
125Idem, p. 185
126 Vejam-se em especial os artigos 15.° e 19° da Convenção das Nações Unidas sobre Diversidade

Biológica.

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A principal materialização deste princípio encontra-se no Regulamento sobre Acesso
e Partilha de Benefícios Provenientes de Recursos Genéticos e Conhecimento
Tradicional Associado, aprovado pelo Decreto n.º 19/2007, de 9 de Agosto, o qual
estabelece as regras para o acesso a componente dos recursos genéticos, sua
protecção, bem como ao conhecimento tradicional a ele associado e relevante à
conservação da diversidade biológica, à utilização sustentável, incluindo a repartição
justa e equitativa dos benefícios derivados da sua utilização e exploração127.

f) Património Comum e Preocupação Comum da Humanidade

Este princípio é igualmente resultado da Declaração do Rio (1992), com destaque


para a primeira componente do princípio VII segundo o qual “Os Estados cooperarão
espírito de parceria global para conservar, proteger e recuperar a saúde e integridade
do ecossistema da Terra”.

Ou seja, este princípio postula um entendimento da Terra como património de toda


a Humanidade, colocando a responsabilidade partilhada e a solidariedade à frente
dos interesses individuais de cada Estado.

A solução de uma boa parte dos problemas gerados pela humanidade vão muito além
da intervenção isolada dos Estados e organizações, requerendo uma efectiva aliança
global, um comprometimento incondicional e uma entrega acérrima na respectiva
resolução, ainda que tal signifique ceder no que for necessário para prosseguir
objectivos comuns, como postula, por exemplo, o Objectivo de Desenvolvimento
Sustentável n.º 17 da ONU, que consiste em “Fortalecer os meios de implementação
e revitalizar a parceria global para o desenvolvimento sustentável”128.

g) Boa-Governação Ambiental

Segundo o UNEP, “Considerando a natureza indivisível do ambiente e suas ligações


inextricáveis com as dimensões económica e social do desenvolvimento sustentável,
os processos de tomada de decisão e os trabalhos das instituições devem ser bem
informados, coerentes, não fragmentados, globais e integrados, além de contar com
adequados quadros normativos e condições de habilitação”129.

A boa governação ambiental pode ser entendida como sendo um “sistema de


liderança assente num modelo institucional responsável e responsivo, que integra os
cidadãos no processo de tomada de decisões nas questões de ambiente e recursos
naturais, que assegure a precaução de impactos susceptíveis de causar danos
ambientais e sociais, que privilegie a feitura e correspondente implementação plena
de um quadro jurídico-legal bom, adequado, justo e eficaz, dirigido a garantir a
gestão sustentável dos recursos naturais, e o acesso à justiça e à equidade na
partilha dos benefícios decorrentes do uso de tais recursos naturais”130.

127 Na esteira da consagração do princípio do reconhecimento e valorização das tradições e do saber das
comunidades locais, constante na alínea b) do artigo 4.° da Lei do Ambiente.
128 https://nacoesunidas.org/conheca-os-novos-17-objetivos-de-desenvolvimento-sustentavel-da-
onu/ acedido a 6 de Fevereiro de 2019.
129 Veja-se http://web.unep.org/regions/brazil/other/governan%C3%A7a-ambiental acedido a 6 de

Fevereiro de 2019.
130 SERRA, Carlos, SALOMÃO, Alda – coordenação (2012), 1.º Relatório de Monitoria de Boa Governação

na Gestão Ambiental e dos Recursos Naturais em Moçambique (2010 – 2011), Centro Terra Viva, Maputo,
p. 30.

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REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE

TRIBUNAL ADMINISTRATIVO

PRIMEIRA SECÇÃO

Processo n.o 25/2016 -1.a

ACÓRDÃO N.o 41/2018

Acordam, em sessão de julgamento, na Primeira Secção do Tribunal Administrativo:

Justiça Ambiental, com os demais elementos de identificação constantes dos autos, veio
perante esta instância jurisdicional impugnar, por agravo, o Acórdão n.o 03/TAPT/2016,
do Tribunal Administrativo da Província de Tete, de 26 de Fevereiro, ao abrigo do artigo
166 e seguintes da Lei n.o 7 /2014, de 28 de Fevereiro, estribando-se, essencialmente, nos
seguintes termos e fundamentos:

O Acórdão acima carece de fundamentos sobre a alegada ilegitimidade do Estado, pois, a


interposição do processo de intimação para o comportamento por parte da recorrente
funda-se no comportamento do Estado em não reconhecer e tomar medidas necessárias
para a protecção dos direitos fundamentais em causa e efectivação de um reassentamento
justo das comunidades afectadas pela actividade da mineradora JSPL Mozambique
Minerais, Lda. - JINDAL.

No âmbito do presente processo, foi realizada uma inspecção judicial as comunidades em


causa, no dia 05 de Fevereiro, na qual ficou claro e provado que as referidas comunidades
vivem no mesmo espaço em que se esta a explorar a mina de carvão mineral pela JINDAL,
com todos os problemas de degradação ambiental que dai advém para as comunidades.

Também ficou claro e demonstrado que as comunidades em causa ainda não foram
reassentadas, processo que esta ainda numa fase preliminar e que, no local de
reassentamento, apenas há sinal de processo de construção das primeiras 10 casas do
total de 289 casas por construir.

Em bom rigor jurídico, no presente caso, cabe ao Estado Moçambicano e a empresa


mineradora JINDAL Mozambique, Limitada, criar condições para o efectivo e justo
reassentamento das famílias afectadas e para que a actividade mineira seja levada a cabo
sem violar os direitos e liberdades fundamentais, neste caso o direito ao ambiente, a

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habitação condigna e direitos sobre a terra das comunidades afectadas por este projecto,
o que não esta a acontecer no caso vertente.

O reassentamento em questão ainda não aconteceu, conforme ficou provado nos autos e
não existe nenhum reassentamento provisório que tenha sido levado a cabo nos termos da
lei. Ademais, não está claro o período e critérios para a efectivação do reassentamento,
conforme manda a lei.

A Constituição da República, a legislação ambiental, a Lei de Terra e respectivo


regulamento, a Lei de Minas, o Regulamento sobre o processo de Reassentamento
resultante de actividades económicas, bem como a Lei do Procedimento Administrativo, Lei
n.o 14/2011 de 10 de Agosto, tem sido violados no contexto de implementação e realização
de actividades da mineradora JINDAL, na medida em que a mesma actividade põe em causa
a dignidade, os direitos fundamentais das famílias afectadas, mormente os referentes a
terra, habitação condigna e ao ambiente.

Portanto, o conteúdo dos articulados supra constituem o fundamento deste processo, o


que contraria a decisão vertida no acórdão impugnado de que o pedido apresentado pela
Justiça Ambiental, ora recorrente, não tem fundamentos que, aliás, o acórdão não clarifica,
com base na lei.

A apelante termina as suas alegacões pedindo que seja revogado o acórdão por manifesta
violação da lei, concretamente, pela falta de fundamentos na decisão que proferiu, com as
devidas cominações legais.

Notificada a JSPL Moçambique Minerais, Lda. - Jindal, para contra- alegar, inicia
dizendo que, os processos para reconhecimento de direitos legalmente protegidos, ou
mesmo, intimação para determinado acto, devem ser propostos contra o órgão
administrativo competente para praticar actos administrativos decorrentes do
reconhecimento do direito ou interesse impostos cuja titularidade o autor se arroga,
nos termos do artigo 122 da Lei n.o 7/2014, de 28 de Fevereiro.

Ora, no caso em concreto o Estado não possui a legitimidade para o efeito, isto é, a
intimação para adopção de determinado comportamento deve ser proposto contra o órgão
administrativo, nos termos do n.o 1 do artigo 144 da LPAC e o Estado Moçambique não é
um órgão administrativo, concessionário e nem particular. O Estado de Moçambique,
através do Governo da República de Moçambique é que celebrou contrato de concessão
com a requerida, do exposto, dúvidas não restam que estamos perante uma
ilegitimidade passiva do Estado Moçambicano.

Quanto ao estudo de impacto ambiental importa esclarecer que a requerida, sempre


possuiu a respectiva licença ambiental, emitida pela autoridade competente, que comprova

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que esta segue todas as normas de prevenção estabelecidas para evitar ou reduzir
ao máximo a poluição, tanto que foi emitida a licença de exploração.

Relativamente ao reassentamento, a Jindal esclareceu que iniciou o processo em Maio de


2010 quando ainda em Moçambique não estava regulado o processo de
reassentamento, ou seja, ainda não estava em vigor o Regulamento sobre o Processo
de Reassentamentos resultantes de actividades económicas, pelo Decreto n.o 31/2012,
de 8 de Agosto.

"Ademais, ficou também provado que as famílias afectadas que residiam dentro da área de
concessão, esta parcela de terra já foi desanexada para efeitos de reassentamento e que os
reassentados ainda recebem um subsidio de reassentamento provisório enquanto esta em
curso a construção de casas T3, nos termos do Memorando de Entendimento assinado
entre o Governo da Província de Tete Comunidade Local, Governo Distrital e outros
intervenientes sociais".

Termina, requerendo que seja julgado improcedente o presente recurso por falta de
provas e de fundamentos legais e, em consequência, seja mantido o Acórdão
recorrido, porque justo, absolvendo-se a recorrida da instância.

Devidamente notificado, o representante do Ministério Público junto do Tribunal


Administrativo da Província de Tete apresentou as suas contra alegações nos seguintes
termos:

" ( ... )

Entendemos que o pedido da apelante, por via da presente intimação, não pode proceder,
pois a intimação para adoptar determinado comportamento deve ser proposta nos termos
do artigo 144, n.o 1, da Lei n.o 7/2014, de 28 de Fevereiro, ou seja, a
requerida, Estado Moçambicano, não é um órgão administrativo, concessionário e nem
particular, Portanto, é parte ilegítima.

No que respeita ao direito a habitação condigna, direitos sobre a terra das comunidades
e famílias afectadas pela actividade da exploração mineira estes mostram-se garantidos e
protegidos.

No dia 2 de Junho do presente ano, o Governo da Província de Tete esteve reunido com
a comunidade de Cassoca sobre a questão do reassentamento, onde se reproduziu
um Memorando de Entendimento entre a empresa JINDAL e aquela comunidade
relativa a reestruturação física do reassentamento.

Como se pode depreender do acervo documental que se junta, as condições e a vida


da população melhoraram, significativamente, existindo condições de habitabilidade

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para os reassentados, que saíram de casas construídas com material precário e
passaram a morar numa pequena Vila adequadamente ordenada em casas de material
convencional (tipos 1, 2 e 3).

Ficou provado, em primeira instância, que foram pagas compensações pelas


machambas, a mais de 400 famílias e outras estão a ser pagas, que se beneficiam
também de novos serviços sociais de qualidade, que as famílias recebem um
subsidio de pagamento de rendas para o reassentamento provis6rio, entre outros.

Demonstradas e provadas as acções levadas a cabo pelo Governo, não se sabe a razão
pela qual a requerente afirma que a dignidade humana não é respeitada e protegida,
pois as casas são tecnicamente seguras, há produção e comercialização agrícola nas
comunidades, construíram-se escolas, postos de saúde, estradas, entre outras infra-
estruturas".

Termina, concluindo que "deve a excepção ser considerada procedente e absolvido o Estado
da instância; se assim não se entender, o que será por mera hipótese, a presente acção
deve ser julgada improcedente, por falta de fundamentos legais".

Notificada a apelante da ilegitimidade invocada pelo apelado, a mesma não trouxe


factos adicionais para a lide.

Tudo visto, cumpre apreciar e decidir:

Compulsados os autos, afere-se que o apelante veio perante esta instância jurisdicional
impugnar o Acórdão n.o 03/TAPT/ 16, do Tribunal Administrativo Provincial de
Tete, por manifesta violação da lei, concretamente na falta de fundamentos da
decisão que proferiu para e, em consequência disso, revogar-se o acórdão
impugnado, com as devidas cominações legais.

Ficou claro que a apelante pretende que o Estado Moçambicano e a empresa JINDAL
adoptem determinado comportamento, no sentido de garantir e efectivar os direitos
sobre a terra, a habitação condigna e direito ao ambiente as referidas comunidades.

No referido acórdão, o tribunal a quo realça a questão prévia levantada pelo


Ministério Público, que se prende com a falta de legitimidade do Estado no presente
processo, porque não é órgão administrativo, concessionário e nem particular, tal
como prevê o n.o 1 do artigo 144 da Lei n.o 7/2014, de 28 de Fevereiro.
Relativamente a esta questão, o tribunal a quo, entende também, que se está perante
uma ilegitimidade passiva do Estado.

No entanto, tendo em conta o disposto no artigo 16 da Lei n.o 7/2014, de 28


de Fevereiro (Lei que regula os Procedimentos atinentes ao Processo Administrativo

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Contencioso - LPPAC), o tribunal deve conhecer do fundo da questão sempre que se
possa depreender a intenção do demandante, não podendo abster-se de julgar a pretexto
da falta ou obscuridade da lei, falta de provas ou de outro qualquer motivo que não
estiver taxativamente previsto na lei.

Neste caso, o entendimento que se deve ter e de que se trata do Estado Administração,
concretamente, o Governo da Província de Tete que, de forma especifica, rubricou,
em nome do Estado, o Memorando de Entendimento com a Comunidade de Cassoca
e a Jindal, onde constam obrigações a serem cumpridas por esta última, as quais
estão em curso (fl.s. 38 a 42).

Por isso, a responsabilidade deste Estado - Administração é maior, por lhe caber
prosseguir o interesse colectivo, o bem-estar das comunidades, pelo que, deste ponto
de vista, é parte legitima.

Da resposta dada pela entidade requerida, através do respectivo representante - o


Ministério Público -, apura-se que e verdade que estão em curso as obras de construção
de 289 novas residências para o devido reassentamento (fls. 69), as famílias
afectadas recebem um subsidio de 2.000,00MT (dois mil meticais), para o pagamento
de rendas relativa ao reassentamento provisório (fls. 57 a 60) e, esta em curso o
pagamento de compensações pelas machambas (doc. 4 anexo aos autos).

Por outro lado, o projecto prevê criar 1700 postos de empregos, dos quais 1270 para
nacionais (fls. 94), o equivalente a 70% da mão-de-obra proveniente da comunidade
afectada, sendo que, "o reassentamento visa impulsionar o desenvolvimento
socioeconómico do pais e garantir que a população afectada, tenha uma melhor
qualidade de vida, equidade social, tendo em conta a sustentabilidade dos aspectos
físicos, ambientais, sociais económicos", tal como prevê o artigo 5 do Decreto n.o
31/2012, de 8 de Agosto, que aprova o Regulamento sabre o Processo de Reassentamento
resultante de Actividades Econ6micas.

Todavia, não deixa de ser notório que este processo de reassentamento já


se arrasta há muito tempo, com a consequente degradação das condições de vida
e de sobrevivência das populações abrangidas pela exploração mineira na área
concedida a Jindal, o que justifica a censura por este Tribunal.

Com efeito, dos autos nota-se que a JPSL Mozambique Minerais, Lda. {Jindal) tem o Plano
de Reassentamento desde 2013, assinou o Memorando supra citado na sequência da
reunião de 02 de Junho de 2015, tendo-se comprometido a erguer as casas no prazo
de um ano e seis meses, prazo que já expirou.

Nestes termos, os Juízes Conselheiros desta Secção, em 2.a instância, acordam


em julgar procedente o presente recurso de apelação interposto pela - Justiça

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Ambiental, e, em consequência, intimam a JINDAL Moçambique Minerais, Lda. e ao
Governo da Província de Tete a, no período de seis meses a contar da
notificação do presente acórdão, finalizarem o processo de reassentamento da
comunidade de Cassoca.

Decretam, ainda, a anulação do Acórdão n.o 03/TAPT/ 2016, por erro na aplicação da
lei.

Custas, a pagar pela JINDAL Moçambique Minerais, Lda., fixadas em 15.000,00MT


(quinze mil meticais).

Registe-se e notifique-se

Pode haver lugar a recurso ao Plenário do Tribunal Administrativo, no prazo de 10 (dez)


dias, ao abrigo do disposto no artigo 167 e seguintes da Lei n.o 7 /2014, de 28 de
Fevereiro, conjugados com o disposto no n.o 2 do artigo 40 da Lei n.o 24/2013,
de 1 de Novembro, alterada e republicada pela Lei n. o 7/2015, de 6 de Outubro.

Jurisprudência de Casos Nacionais e Internacionais (inserir os casos contextualizando-


os com base neste princípio) Não temos nenhum caso relacionado com estes assuntos

Ver o que pode significar a criação da ITIE e da Coligação Cívica sobre a Indústria
Extractiva (pode-se pesquisar muita informação na Internet)

Exercícios
1. Quais são as diferenças entre os princípios de prevenção, precaução e poluidor-
pagador?
2. Discussão 1: Os queixosos interpuseram uma acção de proibição do fabrico
e/ou distribuição de herbicidas hormonais no país. Os demandantes alegam
que a produção e utilização de herbicidas hormonais irá prejudicar o ambiente
e outras plantas cultivadas no país. Em alternativa, os queixosos alegam
também que qualquer dano provável ao ambiente poderia ter sido evitado se os
arguidos tivessem tomado precauções e contido o fabrico e a rotulagem do
produto num ambiente seguro. Discutir este caso considerando os princípios
da prevenção, da precaução e do poluidor-pagador, partindo do princípio de
que os três princípios estão incorporados na legislação ambiental do país.
3. Discussão 2: O queixoso explora uma fábrica localizada junto a casas
residenciais, incluindo os queixosos que alugaram apartamento. O queixoso
alegou que o fumo é desagradável, venenoso, repelente e perigoso para a
comunidade em redor e para o queixoso em particular, que já é afectado na
saúde. Discutir o princípio do poluidor-pagador. Quais são as causas da acção
e as vias de recurso disponíveis?

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Resumo da Unidade 2
1. A ambiguidade dos princípios de prevenção, precaução e poluidor-pagador na
adjudicação dos processos.
2. Cálculo dos custos da poluição
3. Aspectos técnicos na aplicação dos princípios de prevenção, precaução e
poluidor-pagador.
4. Factores utilizados pelos tribunais para aplicar o princípio da precaução:
a) Ameaças à vida ou à saúde humanas;
b) Desigualdade em relação as gerações presentes ou futuras.
5. .…

Referências Bibliográficas:
Convenções Regionais Africanas e Internacionais
• 1992 Rio Declaration of Environment and Development.
• Bamako Convention on the Ban of the Import into Africa and the Control of
Transboundary Movement and Management of Hazardous Wastes within Africa,
Africa Union Commission (2018). Date of Adoption: January 30, 1991; Date entry into
force: April 22, 1998.
• 1981 African (Banjul) Charter on Human and People’s Rights. Date of Adoption: 27
June 1981, OAU Doc. CAB/LEG/67/3 rev. 5, 21 I.L.M. 58 (1982), entered into force
21 October 1986)

Unidade 3: Questões Ambientais Contemporâneas em


África
Esta unidade está subdividida em duas partes. A primeira tem como foco a relação
entre a acção humana e a degradação do ambiente. Ela chama a atenção do
magistrado sobre os desafios que o Continente Africano está a enfrentar em termos
de perda de capital natural por meio de actividades ilegais, da degradação do
ambiente e de outras acções realizadas pelo homem.

A segunda parte trata da relação entre o ambiente e o desenvolvimento sustentável.


Ela chama a atenção do magistrado sobre a riqueza do capital natural de África em
termos da sua contribuição para o desenvolvimento sustentável do continente em
termos de criação de riqueza, crescimento económico, emprego e em geral, gozo de
uma vida decente.

No fim da unidade, o magistrado terá apreciado os vínculos existentes entre os bens


e serviços ambientais e a sociedade.

A Acção Humana e a Degradação Ambiental


a) Adaptação às Mudanças Climáticas
O aquecimento global e as mudanças climáticas constituem hoje o maior desafio
enfrentado pela humanidade, afectando especialmente o continente africano. Ele
traduz-se no aumento da temperatura média da superfície terrestre na sequência da

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escalada de emissões de gases que provocam um efeito estufa, isto é, num aumento
do calor solar e, consequentemente, na geração de um conjunto de impactos
negativos significativos no Planeta.

Se ao longo de grande parte do Século XX, este problema permaneceu praticamente


ignorado, apesar dos dados registados a partir do momento em que se começaram a
realizar, de forma rigorosa e metódica, medições da temperatura (1850) revelarem a
tendência de subida do nível médio da temperatura terrestre, com o aproximar do
final do Século XX a temática foi conquistando atenção por parte da comunidade
internacional, muito em parte devido ao trabalho produzido no campo científico,
principalmente na demonstração da relação causa – efeito que caracteriza o
fenómeno.

Importa ter presente que a vida na Terra existe por acção da energia solar, dado que
uma parte da radiação infravermelha emitida pelo Sol é retida pela atmosfera,
precisamente por acção dos gases com efeito estufa, mantendo as temperaturas
globalmente amenas. Se a atmosfera não fosse afectada por nenhum gás com efeito
estufa, teríamos na terra uma temperatura média de -18.°C131. Assim sendo, os
aquecimentos e arrefecimentos ao longo da história do Planeta estão associados à
maior ou menor libertação de dióxido de carbono e de outros gases com efeito estufa,
determinando o estado do clima e as condições para o desenvolvimento de todas as
formas de vida132. Do leque de gases com efeito estufa, o carbono merece o destaque,
por se tratar do quarto elemento mais abundante do Planeta, depois do Hidrogénio
(H), do Hélio (He) e do Oxigénio (O). Ele encontra-se presente na atmosfera, na crosta
terrestre e nos oceanos (de longe os maiores depositários de carbono), bem como em
todas as formas de matéria inorgânica e orgânica, enquanto elemento fundamental
que compõe as moléculas orgânicas133.

Para além do dióxido de carbono, resultante da queima de combustíveis fósseis


(carvão mineral, petróleo e gás natural) e da destruição da cobertura florestal da
Terra (responsável pela absorção de dióxido de carbono, bem como pela emissão de
oxigénio essencial à vida), seguem-se, em ordem de impacto, o gás metano (CH4),
resultante das lixeiras a céu aberto e dos arrozais, o óxido nitroso (N20), os
perfluorcarbonetos (PFC) e o hexafluoreto de enxofre (SF6), fundamentalmente
emitidos pelo sector industrial; e os clorofluorcarbonetos (CFC), outrora aplicados
nos aerossóis e em gases de refrigeração134.

Porém, a humanidade intensificou a níveis jamais vistos a sua capacidade de emitir


tais gases, formando uma espécie de cortina cada vez mais espessa e,
consequentemente, mais capaz de reter a radiação infravermelha na superfície
terrestre, fazendo com que a temperatura média da atmosfera e dos oceanos esteja
a aumentar ininterruptamente135. Ano após ano, nas últimas três décadas, registam-
se recordes sucessivos do aumento da temperatura média da superfície terrestre. O

131 LYNAS, Mark (2009), Seis Graus – o aquecimento global e o que você pode fazer para evitar uma
catástrofe, Rio de Janeiro, Zahar, p. 15.
132 SERRA, Carlos Manuel (2012), Da Problemática Ambiental à Mudança Rumo a um Mundo Melhor,

Maputo, Escolar Editora, pp. 32 - 41.


133 Idem, pp. 32 - 41.
134 Dados retirados de um artigo intitulado Efeito de Estufa – A Armadilha Humana, publicado na revista

“Visão”, de 24 de Maio de 2001.


135 GORE, Al (2006), Uma Verdade Inconveniente – A emergência planetária do aquecimento global e o

que podemos fazer em relação a isso, 2.ª Edição, Lisboa, Esfera do Caos, pp. 26 – 27.

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ano de 2016 é, até ao presente momento, considerado o ano mais quente de sempre,
desde que iniciaram as medições, segundo o Relatório Anual do Estado do Clima, da
Sociedade Americana de Meteorologia136. De facto, todos os dez anos mais quentes
desde 1980 são do século XXI137.

Em resultado, o clima no Mundo está em autêntica ebulição. Temos vindo a assistir


a um aumento das catástrofes naturais e os chamados fenómenos climáticos
extremos, incomuns, severos ou impróprios da estação (como períodos de calor
abnormal no Inverno e temperaturas muito baixas no Verão). Basicamente, regista-
se uma reacção às cada vez mais destruidoras e nocivas acções humanas, espelhada
na proliferação e agravamento de catástrofes naturais e danos correspectivos nas
pessoas e no património (privado e público). Cada vez mais frequentemente tufões,
ciclones, furacões, terramotos, maremotos, inundações, desabamentos de terras,
incêndios florestais e secas prolongadas fazem parte das manchetes dos órgãos de
comunicação social em todo o mundo.

No caso dos países africanos, em particular, o problema não é tanto ocasionado por
tempestades súbitas, seguidas de inundações, tal como acontece nos continentes
Asiático e Americano, mas sim, fundamentalmente, com fenómenos que se
manifestam bem mais lentamente, ocasionando danos muitas vezes negligenciados
nos levantamentos de desastres naturais – especialmente à estiagem e consequente
desertificação. Vários países africanos estão a ressentir-se de um longo período de
redução ou limitação de precipitação, ocasionando consequências dramáticas para
as suas economias e populações. Há causas imediatas, como por exemplo, o recurso
a políticas erradas de ordenamento do território e uso dos solos, o desflorestamento,
a pastagem excessiva e o uso intensivo das reservas de águas para fins de
irrigação138. Mas há também que atender às mudanças climáticas resultantes do
aquecimento global, que há muito se estão a registar, muito antes de se falar em
semelhante conceito, o que, de algum modo, criou uma ilusão sobre a realidade e
gravidade do fenómeno.

Hoje, sob a égide do Painel Intergovernamental para as Mudanças Climáticas


(IPCC)139, já existe um forte e generalizado consenso ao nível da comunidade
científica sobre a relação entre o aumento dos gases acima referidos e o aquecimento
global como realidade comprovada. No entanto, contra este consenso, foi
desencadeada uma forte resistência por uma ala política mais conservadora nos
Estados Unidos de América, bem como por parte das multinacionais do sector
energético e industrial, no contexto do qual diversos estudos foram encomendados
para desacreditar os dados que relacionam as emissões provenientes das mais
diversas actividades económicas e a escalada de temperaturas e impactos globais e

136 https://www.publico.pt/2017/08/11/mundo/noticia/confirmase-2016-foi-o-ano-mais-quente-de-
sempre-1782043, acedido a 16 de Janeiro de 2019.
137 In. http://www.publico.pt/ciencia/noticia/2013-foi-o-quarto-ano-mais-quente-desde-1880-diz-
agencia-dos-eua-1620606
138 ABRAMOVITZ, Janet N. (2001), Evitando Desastres Naturais, In. Estado do Mundo 2001, UMA

(Universidade Livre da Mata Atlântica) /WORDWATCH, p. 138, Disponível em Www.wordwatch.org.br


139 O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) foi estabelecido
em 1988 pela Organização Meteorológica Mundial e o Programa das Nações Unidas para o Meio
Ambiente (PNUMA) para fornecer informações científicas, técnicas e socioeconómicas relevantes para o
entendimento das mudanças climáticas. Seus impactos potenciais e opções de adaptação e mitigação.
In.
http://pt.wikipedia.org/wiki/Painel_Intergovernamental_sobre_Mudan%C3%A7as_Clim%C3%A1ticas.
Acedido em 29 de Janeiro de 2015.

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locais subsequentes. Um eventual acordo climático que obrigue à redução de
emissões poderá, no entender deste bloco, comprometer o tão almejado crescimento
económico, por via da quebra do lucro das empresas e, consequentemente, o bem-
estar colectivo.

O principal marco no campo do Direito Internacional relativo às mudanças climáticas


foi a aprovação, sob égide da Organização das Nações Unidas, da Convenção das
Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, na célebre Conferência do Rio de
Janeiro, em 1992, visando precisamente regular a emissão de gases com efeito
estufa. Para a sua cabal efectivação, esta depende de instrumentos regulatórios que
traduzam o forte compromisso dos Estados em adoptar medidas dirigidas a reduzir
e/ou estabilizar as emissões, e consequentemente, a travar significativamente a
tendência do aquecimento da superfície terrestre.

b) Degradação dos Solos


Um dos maiores problemas ambientais da actualidade é a degradação dos solos
decorrente dos processos de seca e desertificação. A desertificação é “a degradação
da terra nas zonas áridas, semi-áridas e sub-húmidas secas, resultantes de vários
factores, incluindo as variações climáticas e as actividades humanas”; já a seca
constitui “o fenómeno que ocorre naturalmente quando a precipitação [registada] é
significativamente inferior aos valores normais, provocando um sério desequilíbrio
hídrico que afecta negativamente os sistemas de produção dependentes dos recursos
da terra”140.

A desertificação constitui uma das formas de degradação dos solos. Ela afecta
particularmente a África, onde dois terços do continente são já formados por desertos
ou terras áridas e a degradação afecta já 73% das terras áridas cultiváveis141. Ora,
“as secas prolongadas são frequentes e afectam países, muitos dos quais, não
dispõem de litoral, tornando difíceis as comunicações. A maioria dos países é
afectada pela pobreza generalizada e muitos deles encontram-se entre os países
menos desenvolvidos. A pobreza generalizada deixa a população sem alternativas,
provocando muitas das vezes a exploração predatória da terra. O resultado é quase
sempre o surgimento de migrações internas e transfronteiriças, debilitando ainda
mais o meio ambiente e causando tensões e conflitos sociais e políticos”142.

Por ano, devido à seca e desertificação, 12 milhões de hectares são perdidos, o que
perfaz 23 hectares por minuto, um espaço que permitiria a produção de cerca de 20
milhões de toneladas de grãos143.

A degradação do solo custa ao ano 40 bilhões de dólares americanos, afectando em


especial 1,2 biliões de pessoas que vivem nas zonas rurais mais pobres do mundo,
os que mais dependem do que o solo produz para a subsistência144. São apontadas

140 Definições adoptadas pela Convenção das Nações Unidas sobre a Desertificação.
141 REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE (2007), Plano de Acção Nacional de Combate à Seca e à
Desertificação, Maputo, MICOA.
142 Idem, pp. 11 – 12.
143 https://nacoesunidas.org/conheca-os-novos-17-objetivos-de-desenvolvimento-sustentavel-da-
onu/, Acedido a 27 de Dezembro de 2018.
144 Segundo um estudo intitulado “Economia da degradação dos solos”, realizado pelo Instituto para

Água, Meio Ambiente e Saúde da ONU, sedeado em Hamilton, Canadá, tornado público em 2013. Veja
em https://brasil.efeagro.com/noticia/degradacao-do-solo-custa-us-40-bilhoes-por-ano-em-todo-o-
mundo/ Acedido a 27 de Dezembro de 2018.

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como principais causas da degradação dos solos: a má gestão do solo, as crises de
fome relacionadas com secas e as percepções erróneas da abundante produção de
comida, grandes reservas de alimentos na Europa, fronteiras abertas, comida
subvencionada relativamente barata, baixos preços do solo e abundantes recursos
energéticos e aquíferos145.

Em mensagem pelo Dia Mundial de Combate à Desertificação e à Seca (17/06/2018),


a directora-geral da UNESCO, Audrey Azoulay, lançou o alerta para o facto de, por
ano, o Planeta perder 120 mil quilómetros quadrados de terra por causa da
desertificação, uma área equivalente a metade do território do Reino Unido 146.

Objectivo de Desenvolvimento Sustentável n.º 15 (válido ate 2030) visa proteger,


recuperar e promover o uso sustentável dos ecossistemas terrestres, gerir de forma
sustentável as florestas, combater a desertificação, deter e reverter a degradação da
terra e deter a perda de biodiversidade147.

c) Perda de Biodiversidade
A biodiversidade é um conceito relativamente novo na história da ciência, tendo sido
idealizado por Walter G. Rosen, do National Research Council / National Academy of
Sciences (NRC/NAS), no ano de 1985, quando participava na organização de um
fórum sobre diversidade biológica, que veio a ter lugar em Washington, de 21 a 24
de Setembro de 1986 (Fórum Nacional sobre Biodiversidade)148. Este termo foi
desenvolvido a partir do conceito de diversidade biológica, que já vinha sendo
utilizado há vários anos, baseando-se na combinação da palavra de origem grega
“bio” (vida) com a palavra “diversidade”149.

Em 1988, o conceituado biólogo Edward Wilson, da Universidade de Harvard,


coordenou e publicou uma obra com o título de “Biodiversidade”, compilando os
principais artigos resultantes do Fórum Nacional sobre Biodiversidade (1986), e que
contribuiu determinantemente para consagrar a expressão nos mundos científico,
político e legal150.

Considera-se que “a diversidade de formas de vida, em número tão grande que ainda
temos que identificar a maioria delas, é a maior maravilha deste planeta. A biosfera
é uma tapeçaria intrincada de formas de vida que se entrelaçam. Até mesmo a
aparentemente tundra ártica é sustentada por uma complexa interacção de muitas
espécies de plantas e animais, incluindo as ricas ordens de líquenes simbióticos.
…estamos alterando e destruindo os ambientes que criaram a diversidade de formas
de vida por mais de um bilião de anos”151.

145 Idem.
146 Veja-se https://nacoesunidas.org/onu-pede-mudanca-nos-padroes-de-consumo-para-evitar-seca-
e-desertificacao/, acedido a 27 de Dezembro de 2018.
147 https://nacoesunidas.org/conheca-os-novos-17-objetivos-de-desenvolvimento-sustentavel-da-
onu/ Acedido a 27 de Dezembro de 2018.
148 FRANCO, José Luiz de Andrade (2013), O conceito de biodiversidade e a história da biologia da

conservação: da preservação da wilderness à conservação da biodiversidade, História (São Paulo) v.32,


n.2, p. 21-48, Jul./Dez. 2013 ISSN 1980-4369, p. 23. In.
http://www.scielo.br/pdf/his/v32n2/a03v32n2 Baixado em 2 de Fevereiro de 2015.
149 Veja-se http://www.significados.com.br/biodiversidade/ Acedido em 2 de Fevereiro de 2015.
150 Veja-se WILSON, E. O. (1997) (coordenação), Biodiversidade, Rio de Janeiro, Editora Nova Fronteira,

2.ª Impressão.
151 WILSON, E. O. (1997), ob. cit., (sem número de página).

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Por biodiversidade entende-se a variedade e variabilidade entre os organismos vivos
de todas as origens incluindo, entre outros, os ecossistemas terrestres marinhos e
outros ecossistemas aquáticos, assim como os complexos ecológicos dos quais fazem
parte a diversidade dentro de cada espécie entre as espécies e de ecossistemas152.

A biodiversidade é hoje um valor seriamente ameaçado, conforme revelam dados


estatísticos produzidos pelos cientistas, ao ponto de a comunidade científica aludir
à ocorrência da 6.ª extinção de espécies da história do Planeta, sendo a primeira por
acção humana153.

Em 2011, a revista cientifica PLoS Biology publicou os resultados de uma pesquisa


realizada, em conjunto, pelas Universidades Dalhousie, no Canadá, e do Havai, nos
Estados Unidos de América, dando a conhecer que no Mundo existirão cerca de 8,7
milhões de espécies de seres vivos (sendo que deste total apenas 1,2 milhão de
espécies já foram formalmente descritas)154. Ora, segundo o referido estudo, a larga
maioria de espécies não foi ainda identificada, processo que necessitaria de cerca de
mil anos, pelo que muitas espécies serão extintas mesmo antes de poderem ser
identificadas pelos cientistas155.

Em 2018, a organização internacional WWF lançou a nível mundial o relatório


Planeta Vivo 2018, o qual concluiu, entre outros aspectos, que o Índice do Planeta
Vivo, que mede os níveis de abundância de biodiversidade com base em 16.704
populações de 4.005 espécies de vertebrados em todo o mundo, mostra um declínio
geral de 60% desde 1970, como resultado fundamentalmente da superexploração e
a agricultura, decorrentes do aumento contínuo do consumo humano156. Segundo o
estudo, “um novo acordo global para a natureza e as pessoas, com metas, metas e
métricas claras e ambiciosas, é necessário para dobrar a curva da perda de
biodiversidade”157.

Para este cenário contribui um conjunto de causas, como o comércio ilegal de


produtos faunísticos e florestais, a caça ilegal, o corte ilegal de flora, as queimadas
descontroladas e a erosão, bem como o aquecimento global, a redução de habitats,
as diversas formas de poluição, etc.. Na África, e em Moçambique, registam-se todos
estes factores, na sua maioria com particular gravidade.

d) Caça Ilegal e Comércio Ilegal de Produtos Faunísticos e Florestais


Os mais recentes dados sobre o declínio da fauna em todo o mundo, como os do
relatório Planeta Vivo 2018, da autoria da organização internacional WWF, indicam
que a terra perdeu 60% dos animais vertebrados selvagens em menos de 40 anos,
devido a diversos factores, incluindo a caça furtiva158.

152 In. Artigo 1.°, n.º 5 da Lei do Ambiente.


153 Veja-se KOLBERT, Elizabeth (2015), A Sexta Extinção, Vogais, Amadora.
154 Veja-se
http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2011/08/110824_especies_numero_pesquisa_rw.shtml
Acedido a 17 de Fevereiro de 2015.
155 Idem.
156 WWF (2018). Relatório Planeta Vivo - 2018: Uma ambição maior. Grooten, M. and Almond, R.E.A.

(Eds). WWF, Gland, Suíça, p. 35.


157 Idem, p. 35.
158 WWF. 2018. Relatório Planeta Vivo - 2018: Uma ambição maior. Grooten, M. and Almond, R.E.A.

(Eds). WWF, Gland, Suíça.

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A caça ilegal é responsável pela redução drástica de espécies de fauna bravia no
continente africano, incluindo Moçambique, na sequência da procura de carne para
alimentação, de troféus e exemplares vivos para as redes de tráfico, e por causa do
conflito entre seres humanos e animais. O aumento exponencial da população
africana e a demanda por novas áreas para agricultura, pasto e urbanização
desencadeia igualmente uma grande pressão sobre os recursos faunísticos.

Segundo a comissária da União Africana (UA) para Economia Rural e Agricultura,


Josefa Sacko, na segunda reunião do grupo de peritos sobre a aplicação da estratégia
africana para o Combate à Exploração e ao Comércio Ilegais da Fauna e da Flora
Selvagens, realizada em Setembro de 2018, em Luanda, Angola, os números da caça
furtiva em África atingiram níveis insustentáveis, estimando-se que a prática rende
anualmente entre 15 e 20 bilhões de dólares, o que resulta na perda de cerca de 24
milhões de empregos em consequência de tamanho massacre, representando 6% do
emprego total de África159.

Focando na caça de rinocerontes e de elefantes, que conheceu uma subida drástica


à entrada do seculo XXI, Bradley Anderson e Johan Jooste afirmam que “Os picos
nos preços do marfim e do corno de rinoceronte têm provocado uma escalada do
abate ilegal de elefantes e rinocerontes em África. Se não forem tomadas medidas
imediatas de contenção deste fenómeno, é provável que venhamos a assistir à
extinção destas populações no continente africano”. Consideram ainda que “ Não se
trata apenas de um mero problema de caça furtiva de fauna selvagem mas de uma
faceta importante das actividades de uma rede mundial de comércio ilegal, que
reforça o poder de grupos violentos e envolve membros do sector da segurança em
África” 160.

A lista de espécies de fauna que se encontram ameaçadas não para de aumentar,


revelando preocupações cada vez maiores, para além das duas acima referidas (o
rinoceronte já esta na lista vermelha das espécies em vias de extinção e a população
de elefantes reduziu em mais de 60% em apenas 10 anos161), com alguns dos mais
emblemáticos animais do continente, designadamente os gorilas de montanha,
chimpanzés, girafas, leões, leopardos e pangolins162.

No caso de Moçambique, a titulo de exemplo, viveu-se no período entre 2010 a 2015


uma fase critica na história da caça furtiva e do tráfico de espécies protegidas, que
contribuíram para o declínio drástico da população de elefantes, especialmente na
Região Norte, com especial incidência para a Reserva Nacional do Niassa (hoje Parque
Nacional do Niassa), que viu a população de elefantes de cerca de 20 000 indivíduos

159 https://observador.pt/2018/07/25/caca-furtiva-em-africa-rende-anualmente-ate-17-mil-milhoes-
de-euros/ Acedido a 10 de Fevereiro de 2019.
160 ANDERSON, Bradley e JOOSTE, Johan (2014), “Caça Furtiva de Vida Selvagem: A Ameaça Crescente

do Tráfico em África”, Resumo de Segurança em Africa, N.° 28, Maio 2014, Centro de Estudos
Estratégicos de Africa, Washington. https://africacenter.org/wp-content/uploads/2016/06/ASB28PT-
Ca%C3%A7a-Furtiva-de-Vida-Selvagem-A-Amea%C3%A7a-Crescente-do-Tr%C3%A1fico-em-
%C3%81frica.pdf
161 https://www.dw.com/pt-002/a-fauna-de-%C3%A1frica-em-perigo/g-37800048, acedido a 10 de

Fevereiro de 2019.
162 Idem. Veja-se também https://www.pensamentoverde.com.br/meio-ambiente/principais-animais-

extincao-africa/, acedido a 10 de Fevereiro de 2019. Sobre o pangolim, o mamífero mais traficado do


mundo, veja-se
https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/02/150205_pangolim_trafico_mamiferos_rm,
acedido a 10 de Fevereiro de 2019.

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reduzir-se para menos de metade. Felizmente, os esforços do Governo e parceiros
resultaram na normalização da situação, sabendo-se hoje que, nesta área de
conservação, não há registo do abate de elefantes já la vão dois anos.

e) Corte Ilegal de Flora


O corte ilegal da flora constitui um dos maiores problemas ambientais do continente
africano, sendo resultado da procura de espécies de madeira para exportação e
consumo local, produção de carvão e lenha para satisfazer as necessidades
energéticas das populações mais vulneráveis, bem como por causa da abertura de
novas áreas para a prática de agricultura e urbanização.

Este problema vem por si agravar a situação ecológica de um continente fortemente


afectado pelas mudanças climáticas, e com vastas áreas a sofrerem de escassez
hídrica e a enfrentarem processos de seca e desertificação.

Durante o 8º Fórum Africano de Desenvolvimento que decorreu em 2012, em Addis


Abeba, Etiópia, Wu Hongbo, então subsecretário-Geral das Nações Unidas para os
Assuntos Económicos e Sociais, anunciou que, entre 2000 e 2010, o continente
africano perdeu cerca de 3,4 milhões de hectares de floresta163.

Um estudo realizado pela Universidade de Edimburgo, na Escócia, foi tornado


público em 2018, tendo concluído que o desmatamento e a degradação nas savanas
africanas (com destaque para as florestas de Miombo, que cobrem 2,5 milhões de
quilómetros quadrados, em países como Angola, Zâmbia, Tanzânia e Moçambique)
emitem pelo menos três vezes mais dióxido de carbono (CO2) do que os cientistas
estimavam anteriormente, tendo a produção de combustível através da queima de
carvão e lenha como causa principal164.

f) Queimadas Descontroladas
Em Moçambique, a questão florestal constitui um problema e desafio antigo, que tem
merecido debates sobre a necessidade de uma reforma do sector florestal, capaz de
garantir a exploração sustentável dos diversos recursos florestais, bem como a
prestação dos imensos e ricos serviços florestais não madeireiros. Foi recentemente
publicado o Inventário Florestal Nacional (2018), pelo então Ministério da Terra,
Ambiente e Desenvolvimento Rural, o qual, depois de avaliar o estado de saúde das
florestas moçambicanas, propõe algumas recomendações. Na sequência, foi
aprovada a Resolução n° 23/2020, de 27 de Março, que aprova a Política Florestal e
sua Estratégia de Implementação, com o objectivo de “garantir a perpetuação do
património florestal nacional e geração de benefícios derivados de bens e serviços
ambientais através do uso sustentável e agregação de valor dos produtos florestais,
incentivando a gestão inclusiva e participativa, para o benefício económico, social e
ambiental das actuais e futuras gerações”.

As queimadas florestais são uma prática associada à abertura e ao preparo de


terrenos agrícolas e para pasto, à caça, à abertura de picadas/caminhos e à
urbanização. Com o crescimento populacional e o aumento da procura de alimentos,

163 In. https://noticias.sapo.ao/sociedade/artigos/africa-perdeu-cerca-de-34-milhoes-de-hectares-de-


floresta-em-10-anos, acedido a 10 de Fevereiro de 2019.
164 Veja-se https://exame.abril.com.br/ciencia/perda-de-savana-africana-emite-tres-vezes-mais-co2-

do-que-se-pensava/ Acedido a 10 de Fevereiro de 2019.

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o índice de queimadas tem igualmente vindo a crescer, com todas as implicações
negativas para a economia, para a sociedade e para o meio ambiente.

Em 2017, o Instituto das Pesquisas Espaciais da NASA Goddard, anunciou que


praticamente todo o território da África entre o Saara e os Grandes Lagos Africanos,
na parte leste do continente, tem sido assolado por incêndios florestais,
maioritariamente causados por fazendeiros165.

Segundo o Plano de Acção para Prevenção e Controlo às Queimadas Descontroladas


(2008 – 2018), aprovado pelo Conselho de Ministros em 2007, “Na maioria dos países
do mundo, em particular da África Subsaariana, as queimadas fazem parte do modo
de vida das populações rurais como meio de gestão da terra e dos recursos naturais.
Muitas destas queimadas acabam tornando-se descontroladas, devido às proporções
que atingem, por desconhecimento das melhores práticas para o seu controlo e as
vezes por simples negligência dos seus autores. Moçambique, como na maioria dos
países tropicais, a área florestal tende a diminuir a um ritmo relativamente
acelerado, não só pelo aumento demográfico, derrube para fins agro-pecuários, mas
também devido à prática de queimadas descontroladas”.

g) Erosão
A erosão é um dos problemas ambientais mais sérios que afecta o continente
africano, estando associado a práticas agro-pecuárias, urbanização não ordenada,
construção em locais impróprios (ecossistemas sensíveis, como zona costeira, terras
húmidas, zonas montanhosas), etc..

A Lei do Ambiente define a erosão como “o desprendimento da superfície do solo pela


acção natural dos ventos ou das águas, que muitas vezes é intensificado por práticas
humanas de retirada de vegetação”166.

Os impactos económicos, sociais e ambientais da erosão podem ser extremamente


onerosos para os países, especialmente os mais pobres, incluindo Moçambique. Veja-
se por exemplo a perda ou danificação de infra-estruturas como estradas, pontes,
edifícios públicos ou privados e habitações, bem como a redução de áreas agro-
pecuárias e zonas ricas em biodiversidade constituem exemplos disso.

Um dos aspectos chaves na prevenção e combate à erosão passa por se assumir o


ordenamento e a organização das actividades humanas no território como prioridade,
agindo-se não apenas na prevenção como também na reorganização do espaço
territorial.

h) Poluição marítima
A poluição marítima encontra-se na génese do nascimento do Direito Internacional
do Ambiente.

Os derrames causados pelos desastres com navios petroleiros constituem


importantes causas da poluição marítima. No entanto, a realidade estende-se a uma
gama diversificada e complexa de causas. Segundo a organização Greenpeace, “Não
é apenas a poluição do petróleo dos acidentes e dos resíduos alijados na limpeza

165 https://br.sputniknews.com/ciencia_tecnologia/201706098607988-sonda-nasa-registra-milhares-
incendios-africa-central/ acedido a 11 de Fevereiro de 2019.
166 Cf. Artigo 1.°, n.º 12 da Lei do Ambiente.

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ilegal de depósitos. Apesar da escala e visibilidade de tais impactos, as quantidades
totais de poluentes que se escoam para o mar a partir de derrames de petróleo são
diminutas quando comparadas com as originadas por poluentes de outras
proveniências. Estas incluem os esgotos domésticos, as descargas industriais, o
escoamento de superfície urbano e industrial, os acidentes, os derrames, as
explosões, as operações de descarga no mar, a exploração mineira, os nutrientes e
pesticidas da agricultura, as fontes de calor desperdiçadas e as descargas
radioactivas”167.

Calcula-se que as fontes terrestres são responsáveis em cerca de 44% dos poluentes
do mar, as fontes atmosféricas por 33% e o transporte marítimo por apenas cerca de
12%168.

Entre as causas da poluição marítima surge um elemento que tem vindo a conquistar
atenção da comunidade científica – o descarte de plástico para os oceanos. Em 2015,
um estudo da autoria da Associação Educacional do Mar de Woods Hole, no Estado
norte-americano de Massachussetts, revelou que são lançados anualmente nos
oceanos cerca de oito milhões de toneladas de lixo plástico e seus derivados,
quantidade esta que daria para cobrir 34 vezes toda a superfície da ilha norte
americana de Manhattan, com uma camada de lixo à altura dos joelhos de uma
pessoa169. Por sua vez, segundo o Programa das Nações Unidas para o Meio-
Ambiente (UNEP), 15 por cento do lixo marinho flutua à superfície ou está na coluna
de água (a mais de 40 centímetros de profundidade), sendo que os restantes 70 por
cento estão depositados no fundo dos oceanos, muitos deles fragmentados em
pedaços tão pequenos (pellet170 e fibras sintéticas) que não são captados pelas
análises convencionais171.

O Fórum Económico Mundial, realizado de 20 a 23 de Janeiro de 2016, em Davos,


na Suíça, ficou para a história, quando quarenta grandes grupos empresariais
pediram acções firmes e inovadoras para lutar contra a poluição dos oceanos e
impedir que em 2050 estes contenham mais resíduos de plástico do que peixes 172.
Segundo a Organização, “o sistema actual de produção, utilização e descarte de
plásticos tem efeitos negativos importantes: de 80 a 120 biliões de dólares de
embalagens plásticas são perdidos anualmente. E além do custo financeiro, sem
nada em troca, os oceanos terão mais plástico do que peixes (em peso) até 2050” 173.
Esta iniciativa baseou-se precisamente nos trabalhos desenvolvidos pela navegadora
britânica Ellen MacArthur. Para esta, isso significou que a “nova iniciativa para o
plástico recebeu grande apoio. [Nota-se] na indústria uma tomada de consciência
muito importante”174. No estudo intitulado The New Plastics Economy ("A Nova
Economia do Plástico"), elaborado pela Fundação Ellen MacArthur e a empresa

167 Veja-se http://www.greenpeace.org/portugal/pt/O-que-fazemos/oceanos/poluicao/ Acedido a 10


de Fevereiro de 2019.
168 Idem.
169 Veja-se https://www.rtp.pt/noticias/especial-informacao/o-mundo-esta-cada-vez-mais-
contaminado-por-plasticos_n841198, Acedido a 24 de Abril de 2017.
170 Pellet é um granulado derivado do plástico depois da fragmentação.
171 Veja-se https://www.rtp.pt/noticias/especial-informacao/o-mundo-esta-cada-vez-mais-
contaminado-por-plasticos_n841198 , Acedido a 24 de Abril de 2017.
172 http://zh.clicrbs.com.br/rs/noticia/2017/01/grandes-grupos-empresariais-pedem-acoes-contra-

o-plastico-nos-oceanos-9395254.html , acedido a 23 de Janeiro de 2017-.


173 Idem.
174 Ibidem.

Page 75 of 187
consultoria McKinsey175, a proporção de toneladas de plástico por toneladas de peixes
era de uma para cinco em 2014, será de uma para três em 2025 e vai ultrapassar a
cifra de uma para uma em 2050176.O estado da poluição plástica na costa de
Moçambique encontra-se presentemente a ser analisado através de diversas
iniciativas de pesquisa, quer do Ministério do Mar, Aguas Interiores e Pescas, quer
de parceiros internacionais e nacionais. Dados preliminares apontam para a
existência de diversos locais críticos de poluição plástica ao longo da costa, em
resultado de fontes locais e do Alto Mar, incluindo de micro-plástico. Um aspecto
importante e comum prende-se com o predomínio de plástico descartável, vulgo de
uso único, especialmente de embalagem, verdadeiro flagelo mundial

i) Sobrepesca
A sobrepesca constitui outro dos problemas ambientais que afecta praticamente
todas as regiões do Planeta, incluindo oceanos, mares, rios e lagos, devido ao
aumento populacional, ao crescimento exponencial da procura/demanda e ao
desenvolvimento de artes de pesca cada vez mais sofisticadas.

Como muito bem alerta a organização Greenpeace “ O nosso apetite por peixe está a
ultrapassar os limites ecológicos dos oceanos, com impactos devastadores para os
ecossistemas marítimos. Os cientistas têm avisado que a sobrepesca resulta em
alterações profundas nos nossos oceanos, modificando-os talvez para sempre. Sem
mencionar as nossas receitas culinárias, que no futuro poderão apenas apresentar
o peixe e batatas como uma iguaria rara e dispendiosa”177. No que diz respeito ao
factor industria, a Greenpeace conclui que “A realidade da pesca moderna é o facto
de a indústria ser dominada por embarcações de pesca que excedem largamente a
capacidade da natureza em repor o peixe. Os navios gigantes, que usam sonares de
ponta na busca de peixe, podem localizar cardumes com precisão, de modo rápido e
exacto. Os navios estão transformados em gigantescas fábricas flutuantes – com
instalações de processamento e embalagem do peixe, enormes sistemas de
congelamento e poderosos motores para arrastar os enormes aparelhos de pesca pelo
fundo do oceano. Em resumo: o peixe não tem hipóteses”178.

No que diz respeito ao continente africano, a sobrepesca traduz-se na perda anual


de um milhão de toneladas de peixes, o que prejudica a produtividade dos
ecossistemas marinhos do continente e constitui uma perda enorme em termos de
rendimentos potenciais e de incidências sobre a segurança alimentar, conforme foi
reportado no 8.º Fórum sobre Desenvolvimento de África (ADF VIII), que se realizou
Outubro de 2012, em Addis Abeba, na Etiópia 179.

Em Moçambique, o tema é um assunto permanente e crucial, tendo-se dado passos


na aprovação de um quadro político e legal com vista à gestão sustentável das
pescarias . Pela Resolução n.º 39/2017, de 14 de Setembro, foi aprovada a Política e

175 https://noticias.terra.com.br/oceano-podera-ter-mais-plastico-do-que-peixes-em-
2050,7b5a02d88dc327eff8a7ed053f7af1f1tafd5c65.html acedido a 19 de Dezembro de 2016.
176 Idem.
177 http://www.greenpeace.org/portugal/pt/O-que-fazemos/oceanos/sobrepesca/ Acedido a 11 de

Fevereiro de 2019.
178 Idem.
179 In. http://www.verdade.co.mz/africa/31454-sobrepesca-causa-a-africa-perdas-de-cerca-de-1-
milhao-de-toneladas-de-peixe-por-ano Acedido a 11 de Fevereiro de 2019.

Page 76 of 187
Estratégia do Mar (POLMAR), pela Lei n.º 20/2019, de 8 de Novembro, a Lei do Mar;
e pela Lei n.º 22/2013, de 1 de Novembro a Lei de Pescas.

j) Acesso a Água e ao Saneamento


A água constitui o recurso natural mais abundante no planeta Terra, ocupando 71%
da sua superfície. No entanto, trata-se de uma abundância relativa, visto que 97%
da água é salgada, encontrando-se nos oceanos e mares interiores, e só os restantes
3% corresponde a água doce”180. Do total de água doce, 70% corresponde a água em
estado sólido que se encontra nos polos e glaciares; por conseguinte, apenas 0,65%
constitui reserva de recursos hídricos para uso humano181.

Tais reservas hídricas encontram-se distribuídas de forma desigual, havendo países,


regiões e populações com abundância de água, por um lado, e países, regiões e
populações em situação de escassez hídrica. Assim sendo, “Alguns países têm muito
mais água do que sua população necessita. É o caso do Canadá, da Islândia e do
Brasil. Outros são situados em regiões extremamente secas, como o norte da África,
o Oriente Médio e o norte da China. Como resultado dessa má distribuição, um
canadense pode gastar até 600 litros de água por dia, enquanto um africano dispõe
de menos de 30 litros para beber, cozinhar, fazer a higiene, limpar a casa, irrigar a
plantação e sustentar os rebanhos”182.

Em 2008, a ONU anunciou que acima de 1 bilhão de pessoas (o equivalente a 18%


da população mundial) não tinha acesso à quantidade mínima aceitável de água
potável, e que se nada fosse feito em termos de alteração dos padrões de consumo,
em 2025, cerca de dois terços da população do planeta (5,5 bilhões de pessoas)
poderiam não ter acesso a água potável183. Por sua vez, segundo a mesma ONU, cerca
de 2,6 mil milhões de pessoas não têm acesso a saneamento básico, ou seja, 40% da
população mundial184.

Em 2014, segundo o relatório GLASS 2014, publicado na sequência de um estudo


realizado a cada dois anos pela Organização Mundial de Saúde, cerca de 748 milhões
de pessoas, em todo o mundo, não possuem acesso a água potável de forma
sustentada, calculando-se que aproximadamente 1.8 biliões de pessoas usam uma
fonte de água que está contaminada com fezes, 2.5 biliões de pessoas não têm acesso
a um saneamento adequado e que 1 bilião defeca ao ar livre, sendo nove em cada
dez, em áreas rurais185.

À medida que este recurso vai escasseando em vastas regiões, principalmente em


consequência da desertificação, do seu uso insustentável e do crescimento
populacional, as populações vão-se deslocando, invadindo novas terras, entrando
em conflito com os residentes locais. Em 2017, a ONU, através do Programa de

180 WWF (2018), ob. cit. p. 56.


181 FOLHADELA, Inês (1999), o Direito Público das Águas no Ordenamento Jurídico Português, sebenta
policopiada do CEDOUA, Coimbra, p. 2.
182 Veja-se http://planetasustentavel.abril.com.br/noticia/desenvolvimento/conteudo_261013.shtml.

Acedido a 27 de Fevereiro de 2015.


183 Veja-se http://planetasustentavel.abril.com.br/noticia/desenvolvimento/conteudo_261013.shtml.

Acedido a 27 de Fevereiro de 2015.


184 Veja-se
http://www.un.org/waterforlifedecade/pdf/human_right_to_water_and_sanitation_media_brief_por.p
df, acedido a 10 de Agosto de 2015.
185 Veja-se http://www.dn.pt/inicio/globo/interior.aspx?content_id=4248555&page=-1, acedido a 25

de Março de 2015.

Page 77 of 187
Avaliação das Águas Transfronteiriças, tornou públicos os resultados de uma
pesquisa sobre as bacias hidrográficas, considerando factores sociais, económicos,
políticos e ambientais, tendo concluído que os riscos de conflito deverão aumentar
nos próximos 15 a 30 anos em quatro regiões principais: Oriente Médio, Ásia Central,
a bacia Ganges-Brahmaputra-Meghna e as bacias Orange e Limpopo no sul do
continente africano186.

A escassez de água tem igualmente impactos no agravamento da situação do


saneamento básico. Em termos gerais, a qualidade da água constitui hoje, para além
da sua quantidade, uma questão fundamental que urge resolver. Veja-se que, se “em
2015, 91% da população global está usando uma fonte de água potável aprimorada,
comparado a 76% em 1990. Contudo, 2,5 bilhões de pessoas não têm acesso a
serviços de saneamento básico, como banheiros ou latrinas. Diariamente, uma
média de cinco mil crianças morre de doenças evitáveis relacionadas à água e
saneamento”187. Pelo que, “há que construir e desenvolver um modelo de gestão dos
recursos hídricos que proporcione o acesso à água, em qualidade e quantidades
suficientes, a todos os habitantes da Terra, que garanta ainda a satisfação das
necessidades industriais e agrícolas em conformidade com o disposto na legislação
ambiental, sem prejudicar ou comprometer as necessidades inerentes ao
funcionamento do ambiente enquanto um todo. Isto passa necessariamente por
assumir a água não apenas como recurso económico, o que caracteriza a tendência
dominante, mas sim, e principalmente, como componente ambiental, essencial a
todas as formas de vida na Terra.

Em matéria jurídica, há que promover e implementar políticas e leis que garantam


efectivamente a participação do cidadão no processo de tomada de decisões
referentes a projectos com implicações directas ou indirectas sobre a água” 188. O
Objectivo de Desenvolvimento Sustentável n.º 6 da ONU é o de “Assegurar a
disponibilidade e gestão sustentável da água e saneamento para todos”.

Segundo a UNICEF, “apesar do progresso considerável registado ao longo dos anos,


apenas metade dos moçambicanos tem acesso ao abastecimento de água melhorado
e menos de um quarto (um em cinco) usa saneamento melhorado. De uma maneira
geral, persistem desigualdades flagrantes nos serviços de abastecimento de água e
saneamento entre as pessoas que vivem nas zonas rurais e as que vivem nas zonas
urbanas. A nível nacional, embora a proporção de pessoas sem acesso a fontes de
água melhoradas tenha reduzido de 65 por cento em 1990 para 49 por cento em
2015, as disparidades entre as pessoas com cobertura nas zonas rurais e nas
urbanas são acentuadas, sendo o número estimado em 64 por cento e 17 por cento,
respectivamente. Além disso, nas zonas rurais, uma em cada cinco pessoas usa
água de superfície como sua fonte primária de água para beber” 189.

k) Poluição

186 https://exame.abril.com.br/mundo/as-regioes-mais-ameacadas-por-conflitos-de-agua-no-mundo/
acedido a 31 de Dezembro de 2018.
187 https://nacoesunidas.org/conheca-os-novos-17-objetivos-de-desenvolvimento-sustentavel-da-
onu/ acedido a 31 de Dezembro de 2018.
188 SERRA, Carlos Manuel, CUNHA, Fernando, ob. cit.., pp. 50 - 53.
189 Veja-se https://www.unicef.org/mozambique/%C3%A1gua-saneamento-e-higiene acedido a 29 de

Maio de 2020.

Page 78 of 187
A poluição é um dos problemas ambientais mais graves da actualidade, assumindo
proporções cada vez mais sérias e complexas. De acordo com a Lei do Ambiente, por
poluição entende-se “a deposição, no ambiente de substâncias ou resíduos,
independentemente da sua forma, bem como a emissão de luz, som e outras formas
de energia, de tal modo e em quantidade tal que o afecta negativamente”190.

A poluição ambiental matou 9 milhões de pessoas em 2015, respondendo por


aproximadamente uma a cada seis mortes (16%) registradas em todo mundo naquele
ano, segundo um estudo realizado por uma comissão internacional de investigadores
que trabalhou na análise dos impactos deste problema na saúde e na economia,
publicado na prestigiada revista médica “The Lancet”191. Segundo o referido estudo,
a poluição do ar, da água e do solo causam danos significativos na saúde e no bem-
estar das populações, na forma de doenças e mortes prematuras, na ordem de U$
4,9 triliões anuais, equivalendo a 6,2% de toda produção económica do Planeta192.

Destacando a poluição atmosférica em especial, em 2016, investigadores da


Organização para Cooperação e Desenvolvimento Económico (OECD) calcularam os
impactos da poluição atmosférica em Africa, tendo concluído que nada mata mais do
que o ar: são 712 mil mortes por ano, causadas por doenças e infecções ligadas à
poluição. O problema é pior nos países que mais se desenvolveram nas últimas
décadas — Egipto, África do Sul, Etiópia e Nigéria. Segundo o estudo, viaturas em
segunda mão, importadas de outros países, são os principais culpados pela má
qualidade do ar193.

Uma nota de destaque deve ainda ser dada à poluição gerada pelas actividades de
mineração ilegal (garimpo), responsável pela contaminação de solos, água e
alimentos com mercúrio e outras substâncias poluidoras.

Há um enorme trabalho de pesquisa por fazer no domínio da poluição e


Moçambique, nas suas mais diversas modalidades, pois rareiam dados recentes,
não obstante os fortes indícios de baixa qualidade ambiental em muitos locais pelo
Pais fora.

O Ambiente e o Desenvolvimento Sustentável (Oportunidades


e Desafios Ambientais em África)
A vida humana e os bens e serviços ambientais estão indissociavelmente ligados aos
sistemas económicos e sociais africanos, principalmente como fonte de matérias-
primas para os sectores industrial, agrícola, de construção, produção e turismo,
entre outros194. Essa riqueza de capital natural orienta o desenvolvimento económico
como um ingrediente necessário para combater o desafio número um na África, a
pobreza.

A África continua a acolher muitas das grandes jazidas de minerais não exploradas
a nível mundial. A África representa três quartos da oferta mundial de platina e

190 Cf. Artigo 1.°, n.° 20, da Lei do Ambiente.


191 In. https://oglobo.globo.com/sociedade/sustentabilidade/poluicao-matou-9-milhoes-de-pessoas-
no-mundo-em-2015-21969023 acedido a 12 de Fevereiro de 2019.
192 Idem.
193In. https://revistagalileu.globo.com/Revista/noticia/2016/12/na-africa-poluicao-mata-mais-do-
que-subnutricao-e-agua-nao-tratada.html acedido a 12 de Fevereiro de 2019.
194 UNEP, 2013. Africa Environment Outlook - 3

Page 79 of 187
metade dos seus diamantes e crómio. A África representa três quartos da oferta
mundial de platina e metade dos seus diamantes e crómio. Tem até um quinto do
abastecimento de ouro e urânio e é cada vez mais o lar da produção de petróleo e gás
com mais de trinta países actualmente nesta categoria 195.

A África acolhe uma população estimada em 1,1 mil milhões de pessoas, com uma
taxa de crescimento anual da população de 2,3% 196. Esta população, como qualquer
outra, depende de um fornecimento contínuo e de um fluxo contínuo de serviços
ecossistémicos da natureza para a sociedade. As actividades económicas baseadas
na natureza, como a extracção mineira, a produção de petróleo, a pesca, são as
actividades que impulsionam o comércio local e internacional em África.

A produtividade dos recursos ambientais de África está ameaçada pela sua utilidade
para a humanidade e por uma procura crescente para satisfazer as necessidades das
pessoas. Os recursos estão a desaparecer a um ritmo sem precedentes devido ao
excesso de extracção, à sobre-exploração, aos danos causados à biodiversidade e ao
comércio ilegal. Outros impactos das actividades humanas, incluindo a poluição, a
rápida evolução das infra-estruturas, a agricultura e as alterações climáticas,
provocam uma maior degradação. Estas actividades estão a ultrapassar a
capacidade natural dos recursos ambientais para regenerar novos recursos.

A medida que os ecossistemas diminuem, a satisfação das necessidades básicas de


uma população humana em crescimento tornar-se-á um desafio ainda maior. 197
Muitas populações de espécies de plantas e animais têm sido sobre exploradas,
causando efeitos de arrastamento no ecossistema, causando ainda mais a perda de
espécies secundárias. Os resultados são dramáticos para as espécies sobre
exploradas para alimentação de uma população humana em crescimento.
De acordo com o BAD, o impacto económico mais vasto do comércio ilícito de
recursos naturais está estimado em 120 mil milhões de dólares por ano, ou seja, 5%
do PIB africano. Estima-se que se percam 24 milhões de empregos, o que representa
cerca de 6% do emprego global em África. Ao travar actividades ilícitas como estas,
África poderá criar mais 25 milhões de postos de trabalho. A perda de receitas fiscais
é de cerca de 3,6 mil milhões de dólares.
A degradação dos recursos ambientais tem implicações significativas no bem-estar e
saúde dos humanos, sendo os riscos ambientais responsáveis por cerca de 28% do
peso da doença em África 198. Além disso, 60% da população africana é considerada
vulnerável e exposta a doenças transmitidas por insectos, como a malária, e a
doenças transmitidas pela água, como a cólera, a dengue, a malária, entre outras
199.

É instrutivo para o juiz estar ciente de que a poluição atmosférica está directamente
ligada a mais de 750 000 mortes prematuras por ano em África. Destas 580 000
mortes prematuras, 180 000 estão ligadas à poluição do ar em recintos fechados e
180 000 estão ligadas à poluição do ar. A utilização de energia altamente ineficiente,
o crescimento acelerado da população automóvel e dos quilómetros percorridos, o

195Invest in Africa. 2015. http://www.un.org/en/africa/osaa/pdf/pubs/2015investinafrica.pdf


196UNFPA State of world population. People and possibilities in a world of 7 billion World (2011), pp. 1-
132 < https://www.unfpa.org/publications/state-world-population-2011>
197
198 Africa Environment Outlook – Environment and Health, Chapter 1
199 UNHABITAT 2010

Page 80 of 187
aumento da actividade industrial sem tratamento ou controlo adequados das
emissões atmosféricas, a queima aberta de resíduos sólidos, incluindo plásticos, e a
utilização de substâncias que empobrecem a camada de ozono (ODS) são algumas
das principais causas de deterioração da qualidade do ar ambiente.

A poluição atmosférica em África custa ao continente cerca de 120 mil milhões de


dólares por ano, se nada for feito para gerir a poluição atmosférica. Prevê-se que este
número atinja 2,5 triliões de dólares até 2050. Medida que o continente africano se
for desenvolvendo, espera-se que este número aumente ou diminua, dependendo das
medidas tomadas hoje para minimizar a poluição atmosférica.

As actuais tendências de crescimento económico e demográfico, combinadas com as


mudanças no ambiente, estão a resultar em ecossistemas incapazes de fornecer bens
e serviços para o bem-estar humano. O equilíbrio entre os interesses das medidas de
protecção ambiental e o crescimento económico é significativo para satisfazer as
necessidades actuais sem comprometer a capacidade das gerações futuras de
satisfazerem as suas próprias necessidades.

Espera-se que o cenário acima descrito se mantenha. Os Estados africanos


reconhecem a importância da interligação de ecossistemas saudáveis com o
crescimento económico e, por conseguinte, a necessidade de dispor de leis e sistemas
que possam manter ou aumentar a disponibilidade destes recursos. Isto inclui a
regulação dos impactos negativos sobre os recursos ambientais.

Os países africanos criaram leis para a protecção do ambiente, bem como para a
protecção dos interesses das populações.

Temos de examinar a utilidade das leis ambientais para a promoção do


desenvolvimento sustentável, sobretudo para facilitar a manutenção ou o reforço da
capacidade do ambiente para contribuir para a transformação de África.
Robert Wabunoha, 2018

Impacto da degradação ambiental e pobreza


Rev. Christopher Mtikila Vs Secção Civil da Procuradoria-Geral da Tanzânia No.5 de 1993
(não reportado)
No seu raciocínio político-jurídico para apoiar litígios de interesse público em nome dos
membros pobres, indigentes e desprivilegiados da Sociedade Tanzaniana, através de
Organizações defensoras do interesse público, como a The Environmental Action Network
Ltd., Rugakingira , J. do Supremo Tribunal da Tanzânia, sustentou:
“Nunca é demais sublinhar a relevância dos litígios públicos na Tanzânia. Tendo em conta
as nossas condições socioeconómicas, este (sic) desenvolvimento promete mais esperanças
ao nosso povo do que qualquer outra estratégia actualmente em vigor". Em primeiro lugar,
o analfabetismo ainda é galopante. Foi-nos dito recentemente que a Tanzânia é o segundo
país africano a erradicar o analfabetismo, mas isso é um malabarismo estatístico que não
se reflecte no terreno. Se tivéssemos essa literacia, teria sido desnecessário que o Conselho
Distrital de Hanang aprovasse leis para a educação obrigatória de adultos, que foram
recentemente publicadas como Aviso do Governo nº 191 de 1994. Devido a este
analfabetismo, uma grande parte da população desconhece os seus direitos e muito menos
como é que o mesmo pode ser realizado.

Equilibrando ambiente e desenvolvimento

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Petição constitucional de Peter Musokya e outros Vs o Ministério da Energia e outros,
Petição Constitucional no. 305 de 2012.
Uma das questões para a resolução deste caso foi equilibrar a protecção do ambiente e o
desenvolvimento. Os peticionários baseiam os seus argumentos na ameaça de que o seu
direito a um ambiente limpo e saudável seja violado se o Projecto de Mineração de Carvão
for autorizado a avançar. O tribunal observou que a mineração de carvão é reconhecida em
todo o mundo como uma das actividades mais prejudiciais ao ambiente que o homem já
concebeu. No entanto, o facto de a mineração de carvão causar efeitos ambientais adversos
não é por si só uma razão para que não seja permitida. Isso ocorre porque há uma
necessidade de equilibrar, por um lado, a necessidade de utilizar os recursos naturais de
maneira sustentável, para estimular o desenvolvimento económico, pois, afinal, os recursos
ambientais são a base capital da economia.
Por outro lado, há a necessidade de controlar e gerir a utilização dos recursos ambientais
para que eles não gerem níveis insustentáveis de poluição ou resíduos ou efeitos adversos
injustificados para a saúde dos seres humanos. Portanto, coube aos peticionários
persuadir o tribunal de que esse delicado equilíbrio não foi atingido no projecto de
mineração do carvão. É importante ressaltar que, ao avaliar a "apreensão" de danos ao
ambiente, o padrão internacional aceite agora e importado para o nosso país é o da
precaução:
Quando uma actividade apresenta ameaças de danos à saúde humana ou ao ambiente,
medidas de precaução devem ser tomadas, mesmo que algumas relações de causa e efeito
não sejam totalmente estabelecidas cientificamente. Nesse contexto, o proponente de uma
actividade, e não o público, deve arcar com o ónus da prova. O processo de aplicação do
princípio da precaução deve ser aberto, informado e democrático e deve incluir as partes
potencialmente afectadas. Também deve envolver um exame de toda a gama de
alternativas, incluindo a de ausência de acção.

Equilibrando Desenvolvimento e a Conservação


Rede Africana de Bem-Estar Animal (ANAW) Vs. O Procuradoria-Geral da República Unida
da Tanzânia, Ref. 9 de 2010, Sentença, Tribunal de Justiça da África Oriental na Divisão
de Primeira Instância de Arusha. 64 (20 de junho de 2014)
e
Procuradoria-Geral da República Unida da Tanzânia Vs Rede Africana de Bem-Estar
Animal (ANAW), Recurso nº 3 de 2014, Sentença do Tribunal de Justiça da África Oriental
em Arusha App. Div. (29 de julho de 2015).
Em 2014, o Tribunal de Justiça da África Oriental impediu o governo da Tanzânia de
construir uma estrada através do Parque Nacional Serengeti por causa dos seus potenciais
impactos ambientais adversos.

Sociedade Civil Organizada vs Empresa Privada


Em Novembro de 2010 a empresa MOZAL Aluminium, dedicada a produção de alumínio,
na Zona Franca de Beluluane, distrito de Boane, Província de Maputo, anunciou medidas
de emissão direta de gases para a atmosfera, sem filtros, que ocorreria por 137 dias,
durante a reabilitação do Centro de Tratamento de Fumos. O acto tinha como base uma
Autorização Especial, emitida pelo Ministério da Coordenação da Acção Ambiental.
Organizações da Sociedade Civil consideraram que o processo potenciava um acto de
poluição do ar para além dos limites permitidos por lei, podendo a situação atentar contra

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a saúde pública e o ambiente e interpuseram uma Acção Popular junto do Tribunal
Administrativo Superior contra a empresa, para que esta se abstivesse do acto (pedido de
suspensão do acto administrativo do MICOA que autoriza a Mozal a operar em bypass). A
empresa defendia que a poluição não ultrapassaria os limites estipulados por lei, a cota
de emissão específica definida pelo Governo de Moçambique e os estabelecidos pela
Organização Mundial da Saúde (OMS). O Tribunal Administrativo Superior indeferiu o
pedido. O processo de bypass decorreu. Durante o processo a empresa empenhou-se em
realizar comunicações públicas sobre o processo e a monitoria dos níveis de poluição,
incluindo relatórios técnico-científicos de instituições internacionais.

REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE

TRIBUNAL ADMINISTRATIVO

PRIMEIRA SECÇÃO

Processo n.º 05/2017-1.ª

ACÓRDÃO N.º 01/2017

Acordam, em conferência, na Primeira Secção do Tribunal Administrativo:

AFRICAN MINING & EXPLORATION COMPANY, Limitada (AMECO) com os


demais elementos de identificação constantes dos autos do processo à margem indicado, veio
perante esta instância da jurisdição administrativa, nos termos do disposto nos artigos 132 e
seguintes da Lei n.º 7/2014, de 28 de Fevereiro, Lei que regula os procedimentos atinentes
ao Processo Administrativo Contencioso (LPPAC), requerer a suspensão de eficácia do
acto administrativo praticado pelo Ministro dos Recursos Minerais e Energia, datado de 22
de Agosto de 2015, que revoga a Concessão Mineira n.º 248C entretanto válida até 2028.

Louva-se nos factos e fundamentos seguintes:

Através da Nota n.º 760/INAMIN/DG/2016, de 9 de Junho, do Director Geral do Instituto


Nacional de Minas, o requerente foi notificado do pré- aviso de revogação da Concessão
Mineira n.º 248C, a qual foi respondida tempestivamente.

Não obstante a referida resposta, a entidade requerida, através da Nota n.º 1365/INAMI/DG,
de 6 de Outubro de 2016, notificou-a do despacho cuja suspensão da sua eficácia se requer.

No referido despacho, a entidade requerida alega a falta de realização da actividade de


exploração mineira e uma dívida de 52.660,00MT (cinquenta e dois mil, seiscentos e
sessenta meticais), com o Instituto Nacional de Segurança Social (INSS).

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Ora, estes fundamentos não esclarecem suficientemente a motivação do acto, facto que viola
o disposto no n.º 1 do artigo 122 da Lei n.º 14/2011, de 10 de Agosto, o que equivale à falta
de fundamentação, pois até então foram construídas infra-estruturas e outros investimentos
na ordem de USD7.000.000,00 (sete milhões de dólares norte americanos).

Relativamente às dívidas para com o Instituto Nacional de Segurança Social, não constitui
fundamento para a revogação da concessão mineira e, a sua cobrança voluntária ou
coerciva, compete aquele instituto ou aos tribunais de trabalho.

Apesar de ter adquirido a licença de exploração mineira em 2003, para o exercício efectivo
desta actividade, torna-se necessário obter o título de Direito de Uso e Aproveitamento de
Terra (DUAT) para, posteriormente, requerer a obtenção da Licença Ambiental, conforme o
disposto no n.º 1 do artigo 44 da Lei n.º 20/2014, de 18 de Agosto, o que ainda não aconteceu
devido à letargia das instituições públicas, sabendo-se que o DUAT é condição sine qua non
para requerer a Licença Ambiental.

Nos termos do disposto nas alíneas a) e b) do artigo 43 da lei supra, constituem direitos do
titular da Licença Mineira, entre outros, ter acesso à área e realizar, em regime exclusivo,
as actividades de mineração, usar e ocupar a terra para levar a cabo as operações e trabalhos
necessários, inclusive erguer instalações ou infra-estruturas necessárias para a
realização das operações mineiras, o que não é possível, dada a invasão dos garimpeiros
ilegais na área concessionada, conforme atestam as informações dadas às autoridades
administrativas e policiais e o pré-aviso.

A área em causa deveria ser entregue pelas autoridades administrativas da Província de


Manica, incólumes de acções dos garimpeiros invasores.

Com efeito, há erro de facto, pois, conforme se referiu anteriormente, na área concessionada
existem infra-estruturas construídas pela requerente num investimento avaliado em
USD7.000.000,00 (sete milhões de dólares norte americanos) e a Administração Pública
toma em consideração uma situação de facto sobre a qual está mal informada, daí que o acto
administrativo praticado com erro, é anulável.

Dos requisitos para a suspensão de eficácia do acto administrativo. Relativamente ao


requisito da alínea a) do artigo 132 da Lei n.º 7/2014, de 28 de Fevereiro - a execução
do acto seja susceptível de causar prejuízo irreparável ou de difícil reparação para o
requerente ou para os interesses que com o recurso pretenda acautelar, importa referir que a
requerente investiu cerca de USD7.000.000,00, para além de ser possuidor duma licença
mineira válida até 2028.

No concernente ao requisito da alínea b), a suspensão não representa grave lesão do interesse
público prosseguido pelo acto, pois o Estado está a colectar regularmente o imposto devido
pelo requerente e, portanto, não se vislumbra nenhuma lesão.

No que diz respeito ao requisito da alínea c), do processo não resulta forte indício de
ilegalidade do recurso, porquanto a licença foi concedida pelo órgão competente e é válida
até 2028.

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Termina, requerendo que seja deferida a suspensão de eficácia do acto praticado pelo
Ministro dos Recursos Minerais e Energia.

Juntou os documentos de folhas 135 a 162 dos autos.


Citada, a entidade requerida, Ministra dos Recursos Minerais e Energia, respondeu pela
forma constante de folhas 162 a 167 dos autos referindo, na essência, que confirma o vertido
no articulado 2.º da petição, bem como no articulado 3.º que teve o seu fundamento
no disposto nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 15 da Lei de Minas, conjugado com o n.º2
do mesmo dispositivo legal, tendo sido notificado para, no prazo de 30 (trinta) dias contados
da data da recepção daquela carta, apresentar a Licença Ambiental, o DUAT e os
relatórios de actividades, nomeadamente, a informação mensal de produção, relatórios
trimestrais e relatórios anuais das actividades realizadas.

A requerente submeteu junto do Instituto Nacional de Minas (INAMI), no dia 11 de


Julho de 2016, a sua resposta e os relatórios de actividades referentes aos anos de 2007,
2008, 2014 e 2015, tendo-se constatado, relativamente ao relatório de 2015, que é cópia
integral do relatório de 2014. Constatou-se, ainda, que os mesmos não são tecnicamente
aceitáveis, por não obedecerem ao estatuído no Regulamento de Lei de Minas (RLM),
aprovado pelo Decreto n.º 62/2006, de 26 de Dezembro, quanto ao seu conteúdo, que deve
reflectir as actividades efectivamente realizadas no terreno.
Por outro lado, os referidos relatórios não apresentam dados sobre a produção mineira, os
investimentos realizados e as actividades programadas para os anos subsequentes e
verificou-se que os mesmos “são cópias” fiéis dos relatórios que haviam sido
anteriormente submetidos.

Outrossim, a requerente não submeteu os relatórios referentes aos dados de produção


mineira, programa e orçamento para os anos subsequentes, de 2005, 2006, 2009, 2010,
2011, 2012 e 2013, facto que constitui incumprimento de um dos deveres do titular da
concessão mineira, estabelecida na alínea e) do n.º 1 do artigo 52 do Regulamento da Lei
de Mina.
No relatório da Direcção Provincial dos Recursos Minerais de Manica, relativo à
Concessão Mineira n.º 248C, consta que não se registou nenhum nível de produção
e existem, na área concessionada, cerca de 100 (cem) operadores ilegais “subdivididos
em minas” numa superfície de 2 hectares, tendo cada mina uma profundidade que varia
entre 20 a 50 metros, na linha de fronteira com Zimbabwe que delimita a Concessão
Mineira n.º 248C e foi instalada uma pequena planta de processamento de ouro de
pequena escala, incluindo o da Concessão Mineira n.º 248C, e 22 (vinte e dois) elementos
da força de segurança privada do titular mineiro.

Por outro lado, da entrevista feita aos trabalhadores, referiram que a requerente tinha
conhecimento da extracção ilegal e delapidação do ouro que ocorre na área da concessão
e nada fez, porquanto fomenta a extracção ilegal de ouro e consequente tráfico com fuga
ao fisco e sem declarar a produção ao MIREME, para efeitos de controlo e cobrança de

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impostos sobre a produção que, nos termos da Lei n.º 28/2014, de 23 de Setembro, incide
sobre o produto mineiro extraído da terra.
Do exposto, o INAMI concluiu que a requerente não está a exercer a actividade para a
qual foi autorizada no âmbito da Concessão Mineira 248C, mesmo depois da
prorrogação da concessão, continuando, deste modo, no incumprimento dos termos e
condições da Concessão Mineira, bem como dos deveres estabelecidos no RLM.
Face ao exposto e em conformidade com o disposto na alínea d) do n.º 2 do artigo 118 do
RLM, conjugado com o disposto no n.º 7 do artigo 15 da Lei n.º 14/2002, de 26 Junho,
Lei de Minas em vigor na altura da concessão, outra solução não havia senão a revogação
da concessão, por falta do exercício da actividade mineira e não início da produção mineira.

Até então a requerente ainda não apresentou o DUAT nem a Licença Ambiental, no prazo
estabelecido no n.º 2 do artigo 12 da LM, o que dá lugar à revogação da Concessão Mineia,
que se efectivou através do despacho do Ministro dos Recursos Minerais e Energia, datado
de 22 de Agosto de 2016.

Não obstante a revogação da concessão, a mesma não prejudica o cumprimento das


obrigações contraídas antes da sua efectivação, pois a entidade requerida solicitou
esclarecimentos junto da Autoridade Tributária de Moçambique (ATM) e do Instituto
Nacional de Segurança Social (INSS), sobre a regularidade fiscal da requerente, tendo sido
informado pela ATM que desde o início da sua actividade, em 15 de Setembro de 2015,
a requerente nunca apresentou qualquer declaração de rendimentos e,
consequentemente não paga impostos, lesando o Estado que ficou privado de arrecadar
a receita para o erário público, facto que viola outro dos deveres do titular da concessão
mineira.
Por sua vez o INSS confirmou a inscrição da requerente no Sistema de Segurança Social,
tendo assegurado que o mesmo está inscrito na Delegação de Tete, tendo iniciado a sua
actividade em 15 de Maio de 2011, porém é devedora de 52.660,08MT (cinquenta e
dois mil, seiscentos e sessenta meticais e oito centavos), referente aos descontos que
constituem contribuições para a segurança social obrigatória dos trabalhadores, e que
deveria proceder ao seu pagamento, no prazo de 10 dias, sob pena de alguns imóveis então
relacionados com as operações mineiras serem retidos e revertidos a favor do Estado.
Ainda, na carta de comunicação da revogação da concessão mineira, a requerente foi
informada da necessidade de remover, no prazo de 30 dias, sob pena de a remoção ser
efectuada pelo Estado, às expensas da recorrente, dos bens móveis e imóveis então afectos
à concessão mineira.
Daqui resulta que houve fundamento bastante para a revogação da concessão mineira e
não houve erro de facto como a requerente pretende fazer entender.

Ademais, era obrigação da requerente manter a área e as operações mineiras em estado


seguro, em cumprimento dos Regulamentos de Segurança Técnica e de Saúde para a
Actividade Geológica Mineira, nos termos do disposto na alínea g) do n.º 6 do artigo 15

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da Lei de Minas em vigor à data da concessão e do RLM, aprovado pelo Decreto
n.º 61/2006, de 26 de Dezembro, o que não aconteceu, visto que o requerente
deixou a área à mercê de mineradores artesanais ilegais por sí incentivados uma vez que
comprava deles o ouro extraído sem pagar impostos.

Termina, requerendo o indeferimento do pressente pedido de suspensão do acto


administrativo de revogação da concessão mineira.
Juntou os documentos de folhas 168 285 dos autos.

Tudo visto.

Pede a requerente African Mining & Exploration Company, Limitada (AMECO), a


suspensão de eficácia do despacho do Ministro dos Recursos Minerais e Energia, datado
de 22 de Agosto de 2015 e comunicado através da Nota n.º 1365/INAMI/DG, de 6
de Outubro de 2016, que revoga a Concessão Mineira n.º 248C, alegadamente por falta de
realização da actividade mineira e dívida no valor de 52.660,08MT (cinquenta e dois
mil, seiscentos e sessenta meticais e oito centavos), com o Instituto Nacional de Segurança
Social (INSS).
Refere, a requerente, que os argumentos esgrimidos (falta de realização da actividade
mineira e dívida no valor de 52.660,08MT (cinquenta e dois mil, seiscentos e sessenta
meticais e oito centavos, com o INSS), no referido despacho, não esclarecem
concretamente a exacta motivação do acto, o que configura insuficiência de fundamentação
e equivale à falta de fundamentação.
A entidade requerida rebateu estas questões que entretanto, no âmbito do contencioso
administrativo, são matérias a serem esgrimidas em sede de recuso contencioso.

Neste meio processual acessório, e para efeitos de concessão da suspensão de eficácia do


acto administrativo, impõe-se, apenas, nos termos do n.º 1 do artigo 132 da Lei n.º 7/2014,
de 28 de Fevereiro (Lei que regula os procedimentos atinentes ao Processo Administrativo
Contencioso – (LPPAC) a verificação, cumulativa, de três requisitos, a saber:

a) a execução do acto seja susceptível de causar prejuízo irreparável ou de difícil


reparação para o requerente ou para os interesses que com o recurso pretenda
acautelar;

b) a suspensão não represente grave lesão do interesse público concretamente


prosseguido pelo acto;
c) do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.

Do compulsar dos autos, evidencia-se a declaração da requerente que diz ter feito um
investimento na ordem de USD 7.000.000,00 (sete milhões de dólares norte americanos),
na construção de infra-estruturas no âmbito do objecto concessionado, tendo em vista a
sua actividade que duraria até o ano de 2028, prazo da validade da referida Concessão

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Mineira, referindo, deste modo, que a execução do acto revogatório poderá causar-lhe
prejuízos de difícil reparação, pelo menos em relação ao valor investido no referido projecto.

Relativamente a esta declaração da concessionária, de um investimento realizado no valor


acima projectado que, compulsados os autos, consta de folhas 47 a 49, a entidade
requerida não desmente nem afasta, que era sua obrigação, o que significa concordância;
sendo verdade, apesar de esse montante ser susceptível de avaliação pecuniária, mostra-se
muito elevado, de tal forma que com o provimento do recurso, sairá oneroso para o Estado
efectuar, dentro do prazo que vier a ser estipulado, o reembolso do mesmo, nesta fase em
que o país atravessa dificuldades financeiras publicamente conhecidas e declaradas pelas
autoridades competentes, daí que haja de considerar razoavelmente preenchido o requisito
da alínea a).
Por outro lado, a requerente refere que, apesar de ter sido concedida a Licença Mineira em
2003, requereu o Direito de Uso e Aproveitamento da Terra onde está localizada a
Concessão, condição sine qua non para requerer a Licença Ambiental; entretanto, até à
presente data, ainda não lhe foi concedida pelas autoridades administrativas, razão pela
qual não tem como apresentar os referidos documentos, no prazo previsto por lei.
Outrossim, a área em causa mostra-se invadida por mineradores artesanais ilegais,
facto que a requerente notificou às autoridades administrativas e policiais locais, por forma
a retirá-los da área, de modo a assegurar, à Concessionária, o objecto concessionado livre
de quaisquer obstáculos para realizar, sem pressão, as suas actividades, porém não logrou
sucessos.

Daqui resulta que, na verdade, não se mostram preenchidos os requisitos para a impetrante
iniciar a actividade mineira, pelo que não se pode falar de incumprimento da lei, nem das
obrigações fiscais que justificam a lesão do interesse público prosseguido pelo acto, no
caso da suspensão da sua eficácia, visto que se mostra haver falta de colaboração por parte
da Administração Pública.
Nos presentes autos, embora exista muita matéria relevante para uma discussão da
legalidade ou ilegalidade do acto administrativo, que deve ser feita em sede próprio
(recurso contencioso), não há qualquer informação relevante, por parte da autoridade
requerida, Ministra dos Recursos Minerais e Energia, baseada em argumentos sólidos, que
convença o Tribunal de que a suspensão de eficácia do seu despacho causará grave lesão
do interesse público; por outro lado, nada se mostra convincente de que o interesse
público seja protegido com o indeferimento do pedido de suspensão de eficácia, na
medida em que os garimpeiros ilegais ainda se fazem no objecto concessionado sem uma
medida concreta de os tirar do mesmo. Daqui se conclua, por resultar provado, que a
suspensão da eficácia do acto requerido não representa grave lesão do interesse público,
requisito previsto na alínea b).
Relativamente ao requisito da alínea c), o tribunal considera a inexistência de fortes
indícios de ilegalidade do recurso, porquanto o mesmo é competente, as partes são

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legítimas, o acto é recorrível e oportuno, dado que já deu entrada nesta instância
jurisdicional.
Pelo exposto, acordam os Juízes Conselheiros desta Secção em deferir o pedido de
suspensão de eficácia do despacho do Ministro dos Recursos Minerais e Energia, datado
de 22 de Agosto de 2015, que revoga a Concessão Mineira n.º 248C, outorgada à
requerente African Mining & Exploration Company Limitada (AMECO).

Sem custas, por delas, a entidade requerida estar isenta.


Registe-se e notifique-se, com a menção da possibilidade de interposição de recurso, junto
do Plenário do Tribunal Administrativo, sem efeitos suspensivos da decisão, no prazo de
10 (dez) dias, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 169 e n.º 1 do artigo 174, ambos da
Lei n.º 7/2014, de 28 de Fevereiro, conjugado com o disposto na alínea g) do n.º 1
do artigo 26 da Lei n.º 24/2013, de 1 de Novembro, alterada e republicada pela Lei n.º
7/2015, de 6 de Outubro.

Maputo, 8 de Fevereiro de 2017

REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE
TRIBUNAL ADMINISTRATIVO
PRIMEIRA SECÇÃO

Processo n.o 08/2017- 1.a


ACÓRDÃO N.0 93/2018

Acordam, em sessão de julgamento, na Primeira Secção do Tribunal Administrativo:

African Mining & Exploration Company, Lda. (AMECO), com os demais sinais de identificação
nos autos do processo indicado a margem, inconformada com o despacho do Ministro dos
Recurses Minerais e Energia que revogou a Concessão Mineira 248C, vem, em recurse contencioso
de anulação, impugna-lo, louvando-se nos termos e fundamentos vertidos nas alegacões de fls.
2 a 7 dos autos, assim resumidos:
"Questão prévia
Antes de mais, mostra-se pertinente analisar o acto recorrido, porquanto, a recorrente
foi notificada através da Ref.a1365/INAM/GG/2016, de 06 de Outubro, assinada pelo
Director Geral (docl). Ora bem, o n.o 1 do artigo 33 da LPAC dispõe só é admissível recurso
dos actos definitivos e executórios. Por aquela nota, pretendeu a Administração Pública, na sua
função definitória do Acto Administrativo Recorrido extinguir a Concessão Mineira 248C. Desta
nota, suscitam-se duvidas relativas ao conteúdo (a ) e fundamentação (b) do acto administrativo
recorrido.
a) Conteúdo da notificação: Despacho da entidade competente que deve ser comunicada, por
si, ou interposta pessoa, que neste caso deve transcrever ou extrair o seu conteudo, nos
termos do artigo 109 conjugado com o artigo 73 ambos da Lei n° 14/2011, de 10 de Agosto

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(LPA). Contudo, calcorreando a notificação do Director Geral do Instituto Nacional de
Minas, não dispõe destes elementos. Faltando estes elementos, o acto recorrido viola a lei e
por conseguinte nos termos da alínea b) do n. 0 1 do artigo 135 LAPC deve ser anulado.
b) Incompetência: atendo o expendido em a) constata-se que só pode considerar-se que o
Despacho emanou do Director Geral do Instituto Nacional de Minas, segundo incompetente,
porquanto a alínea do artigo 3 do Decreto n.o 31/2015, de 31 de Dezembro confere a
competência de atribuição da concessão mineira ao Ministro que superintende a área dos
recursos minerais e energia.
c) c) Falta de fundamentação: Decorrente do vício acima referido e sem muito exercício,
o acto recorrido não reúne os pressupostos da fundamentação e como prevê o n.o 1 do artigo
122 da LPA e por força do n. 0 1 do mesmo dispositivo legal equipara-se a falta de
fundamentação quando a devia nos termos da alínea a) do artigo 121 da LPA que por
sua vez e cominada com a nulidade do mesmo acto ao abrigo da alínea b) do n.o 2 do
artigo 129 da lei supracitada.
Nestes termos e nos melhores de Direito deve o Acto Recorrido ser declarado nulo e de nenhum
efeito, revogando-se o Acta Recorrido, com as devidas consequências legais.
Contudo, a cautela" (sic):
A recorrente é titular da Concessão Mineira 248C, válida até 16 de Janeiro de 2028, a qual foi
revogada, conforme notificação dada pelo Director Geral do Instituto Nacional de Minas.
De forma temerária, o Instituto Nacional de Minas notificará a recorrente do Pré-aviso de
Revogação da Concessão Mineira através da Nota n-" 760/INAMIN/DG/2016, de 9 de
Junho, assinada pelo Director Geral, a qual foi tempestivamente respondida. Seguidamente,
através da Nota n.o 1365/INAMI/DG/2016, de 6 de Outubro, a recorrente foi notificada do
Despacho do Ministro dos Recursos Minerais e Energia que revoga a Concessão Mineira 248C.
O aludido despacho aponta como fundamento a falta de realização da actividade de exploração
mineira e, acessoriamente, a dívida no valor de 52.660,00MT ao INSS - Instituto Nacional de
Segurança Social. Esta fundamentação e insuficiente, nos termos do n.o 1 do artigo 122 da Lei n.o
14/2011, de 10 de Agosto.
Com efeito, o despacho recorrido refere a falta de realização da actividade de exploração mineira, o
que viola o preceito legal citado, consubstanciando uma fundamentação insuficiente, equiparada a
falta de fundamentação porque adopta fundamentos que, por obscuridade, contradição
ou insuficiência, não esclarecem concretamente a exacta motivação do acto, porquanto
até então foram construídas infra-estruturas e outros investimentos na ordem de USD7. 000. 000
(sete milhões de dólares norte-americanos).
A questão da divida com o INSS não constitui fundamento de revogação da concessão
mineira; salvo melhor entendimento, compete ao próprio INSS máxime aos tribunais de trabalho
efectuar a cobrança voluntária e coerciva, respectivamente.
"Adquirida que foi a Licença Mineira em 2003 era preciso obter o DUAT e seguidamente a Licença
Ambiental, para o efectivo exercício da actividade mineira em cumprimento dos deveres
específicos do titular da Licença Mineira, ao abrigo do preceituado no n. 0 1 do artigo 44 da
Lei n." 20/2014, de 18 de Agosto, o que até hoje não aconteceu devido a letargia das instituições
públicas".
Com efeito, a título de exemplo, ainda não obteve o DUAT, conforme atesta a Certidão n.o
34/2016, de 21 de Novembro , embora seja condição sine qua non para requerer a Licença
Ambiental.
Conforme as alíneas a} e b) do artigo 43 da Lei supra citada, constitui direito do titular da
Licença Mineira, entre outros, ter acesso a área e realizar em regime exclusivo as actividades de
mineração, usar e ocupar a terra para levar a cabo as operações e trabalhos necessários,

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inclusive, erguer instalações ou infra- estruturas necessárias para a realização de operações
mineiras.
No entanto já foram dadas diversas informações as autoridades administrativas e policiais sobre
a invasão dos garimpeiros na área concessionada, como o atesta o Pré-aviso acima aludido. A
área deve ser entregue pelas autoridades da Província de Manica incólumes de acções dos
garimpeiros invasores.
A recorrente realizou investimento avaliado em USD7.000.000 (sete milhões de dólares norte-
americanos).
Termina, requerendo que "deve a presente pretensão ser julgada procedente, porque provada e
por via disso ser o acto recorrido anulado com todas as consequências legais".
Alicerça sua petição nos documentos de folhas 9 a 30 e 33 a 58. Citada, a Ministra dos Recursos
Minerais e Energia contestou nos termos constantes de folhas 61 a 66 dos autos, dizendo, na
essência, que, na verdade a recorrente é titular da Concessão Mineira 248C.
A recorrente foi notificada da intenção de revogação da Concessão Mineira 248C, com base no
disposto no n. 0 1 do artigo 15 da Lei de Minas, que postula a necessidade de prévia obtenção
da licença ambiental e do DUAT antes do início de qualquer trabalho de desenvolvimento ou
mineração na área da concessão, o que deve ser cumprido nos três anos subsequentes a concessão,
findos os quais a Concessão Mineira é revogada.
A Concessão Mineira foi outorgada em 2003 e, até a data, 14 anos depois, tempo mais que
suficiente para a recorrente obter as referidas licenças e iniciar a produção não o fez. E,
portanto, absurda a alegacão da burocracia das instituições como fundamento para o não
cumprimento das suas obrigações. Ademais, os demais concessionários tem obtido as tais licenças,
operam e reportam suas actividades nos termos da lei.
Outrossim, as alegadas burocracias institucionais são "artifícios enganosos com o intuito de
ludibriar o Estado, como está a fazer ao litigar em sede dos presentes autos, consciente de que está
de facto a exercer a actividade mineira ilegal, incentivar a mineração ilegal (vulgarmente
designada por garimpo) e sem pagar impostos, uma vez que títulos emitidos posteriormente
para titulares comprometidos com o trabalho conseguiram obter as licenças supra referidas e estão
a desenvolver as suas actividades",
A coberto de alegacões infundadas está a furtar-se ao cumprimento das suas obrigações e
intencionalmente sonegar a matéria colectável, pois, ainda que de forma ilegal, está a exercer
a actividade e, por conseguinte, gera matéria colectável sujeita ao imposto sobre a produção.
A recorrente foi notificada para, no prazo de 30 dias, apresentar a licença ambiental, o DUAT, os
relatórios das actividades realizadas, contendo a informação mensal da produção, relatórios
trimestrais e relatórios anuais, observando, quanto a forma e conteúdos, os modelos aprovados
que constam do Regulamento da Lei de Minas aprovado pelo Decreto n.o 62/2006, de 26 de
Dezembro, vigente na altura da outorga da concessão. A recorrente enviou, apenas, os relatórios
referentes a 2007, 2008, 2014 e 2015, sendo que este último é cópia integral do relativo ao ano
anterior.

A informação em falta reporta-se aos anos 2005, 2006, 2009, 2010, 2011, 2012 e 2013, o que constitui
incumprimento de deveres do titular da concessão mineira estabelecidos na alínea e} do n. 0 1
do artigo 52 do Regulamento da Lei de Minas aprovado pelo Decreto n.o 62/2006, de 26 de
Dezembro. Estas alegacões são corroboradas pelos registos constantes do processo relativo a
Concessão Mineira 248C, em que a Direcção Provincial dos Recursos Minerais e Energia de Manica
(DIPREME-MANICA), conforme relatório de monitoria e controlo enviou ao INAMI, enviado
pela Nota n.o 486/DIPREMEM/GD/003/ 16, de 7 de Junho, se extrai que:
i) Não há, na área de Concessão Mineira, produção mineira legal e regrada;

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ii) Existem cerca de 100 mineradores, operadores ilegais, subdivididos em "cava
minas" numa superfície de 2 hectares, tendo cada "cava" uma profundidade que
varia entre 20 a 50 metros;
iii) Na linha da fronteira com o Zimbabwe, que delimita a Concessão Mineira 248, foi
instalada uma planta de processamento de ouro (que se equipara a uma planta piloto),
que processa o ouro extraído ilegalmente da concessão; e
iv) Existem na área da concessão 22 (vinte e dois) elementos de segurança da titular mineira
que controlam a produção feita de forma ilegal.
Operadores mineiros entrevistados confirmaram que a recorrente tem conhecimento da extracção
ilegal e delapidação do ouro, a fomenta, trafica sem declaração ao MIREME, com a consequente
fuga ao fisco.
"Para a revogação da concessão Mineira em causa dispensa-se o pré-aviso por força do disposto
na alínea d) do n. 0 2 do artigo 118 do RLM ( ...), conjugado com o n.o 7 do artigo 15 da Lei n.o
14/2002, de 26 de Junho, em vigor no momento da outorga da concessão mineira( ...), pelo que
havia lugar a revogação da Concessão Mineira 248C, com fundamento na falta de exercício da
actividade mineira e não início da produção mineira.
( ... )
A revogação da concessão foi o culminar da reunião de várias requisitos comprovados que
concorrem para a revogação, por exemplo:
a) A falta do pagamento do imposto, confirmada pela Autoridade Tributaaria de
Moçambique que informou ao MIREME, por carta com referencia 213/DGI/390.1/2016, de
22/09/2016, que a African Mining & Exploration Company, Lda. iniciou a sua actividade no
dia 15 de Setembro de 2015 e nunca apresentou qualquer declaração de rendimentos e,
consequentemente, não paga impostos sobre a produção, lesando o Estado ( ... );
b) A violação da obrigação de manter a área e as operações mineiras em estado seguro,
em cumprimento dos Regulamento de Segurança Técnica e de Saúde para as Actividades
Geológicas e Mineiras, aprovado pelo Decreto n. 0 61 / 2006, de 26 de Dezembro, conjugado com
a alínea g) do n. 0 6 do artigo 15 da Lei n.o 14/2002, de 26 de Junho, Lei de Minas, o que não
foi observado pela recorrente e, pelo contrário, incentivou os mineradores ilegais, comprando
deles o ouro extraído ilegalmente e sem pagar o imposto".
Termina, requerendo que se julgue improcedente o recurso.
Em alegacões facultativas, a recorrente veio reportar que a recorrida solicitou 20 dias para designar
mandatário, o que foi concedido sem consulta prévia a recorrente, o que repudia.
Acresceu que a recorrida não se concentrou na causa de pedir, limitando-se a contorcer-se a volta
dos procedimentos preconizados na legislação mineira quanto ao licenciamento. Reiterou que
o recurso se deve ao facto de ter sido notificada pelo Instituto Nacional de Minas sem
que tal expediente estivesse acompanhado do despacho da Ministra, reiterando os fundamentos
aduzidos na petição inicial, acrescendo que a recorrida não observou os elementos da
contestação constantes do n. 0 1 do artigo 488. 0 do CPC. (fls. 106 e 107).
Por sua vez, a recorrida veio alegar que a legislação moçambicana consagra o direito de assistência
jurídica aos sujeitos processuais demandados, sendo critério do tribunal a concessão do prazo para
a designação do mandatário.
Insiste em como o Director Geral do Instituto Nacional de Mina é a entidade competente para
dar a conhecer aos particulares sobre a situação jurídica dos seus direitos na área mineira e notifica-
los dos despachos exarados por quem de direito sobre a sua constituição, modificação e, no caso
em apreço, da sua extinção. In casu, o Director Geral. do INAMI apenas notificou do despacho
emanado da Ministra (fls. 110 e 111).
O Digníssimo Magistrado do Ministério Público pronunciou-se nos seguintes termos:

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" ( ... )
Sobre o vício de violação da lei
O vicio de violação da lei alegado pela recorrente é improcedente, na medida em que o despacho
impugnado obedeceu aos formalismos legais impostos para a sua emissão e comunicacao,
conforme o disposto nos n. "s 2 e 4 do artigo 63 das Normas de Funcionamento dos Serviços da
Administração Publica (aprovadas pelo Decreto n. 030/2001, de 15 de Outubro) e no artigo
120 da Lei n.o 14/2011, de 10 de Agosto (Lei que regula a formação da vontade da
Administração Pública e estabelece as normas de defesa dos direitos e interesses dos
particulares.
Sobre o vício da incompetência
No que se refere ao vicio da incompetência, a recorrente alega que o despacho de revogação
emanou do Director Geral do Instituto Nacional de Minas, entidade sem competência.
Dos autos, constata-se que o despacho impugnado é da autoria do Ministro dos Recursos Minerais e
Energia (vide fls. 28), que é a entidade competente para decidir sobre a atribuição de concessão
mineira, nos termos do disposto no n. 0 I do artigo 3 do Regulamento da Lei de
Minas - RLM (aprovado pelo Decreto n.o 62/2006, de 26 de Dezembro), sendo, igualmente,
competente para aplicar a pena de revogação de títulos mineiros, conforme dispõe a alínea a) do
n.o 1 do artigo 99 do RLM, improcedendo, deste modo, as alegacões da recorrente.
Sobre o vício de falta de fundamentação
Dos autos, constata-se que o vicio de falta de fundamentação alegado pela recorrente é improcedente,
pois o despacho recorrido possui os elementos de facto e de direito que . Justificaram a
aplicação da pena de revogação, em cumprimento do disposto no n.o 1 do artigo 122 da lei
n.o 14/2011, de 10 de Agosto, tendo sido precedido de um Pré-aviso de revogação da concessão
mineira (vide fls. 13 a 15).
Ademais, constata-se, dos autos, que a recorrente violou os seus deveres de titular da concessão
mineira, previstos nos n.os 1 e 2 e nas alíneas a) e b) do n.o 6, todos do artigo 15 da Lei n.o
14/2002, de 26 de Junho (Lei de Minas), vigente na altura da ocorrência dos factos, e no artigo
55 do RLM, cuja sanção e a revogação, nos termos do disposto no n.o 7 do artigo 15 da Lei
de Minas, não havendo, por isso, fundamento para a anulabilidade do despacho".
Termina, promovendo a improcedência do recurso, por falta de fundamento legal.
Foram colhidos os vistos legais, nada tendo sido suscitado. Cumpre agora apreciar e decidir.
A recorrente vem impugnar a notificação do despacho do Ministro dos Recursos Minerais e Energia
que revoga a Concessão Mineira 248C alegada nente por não transcrever ou extrair o seu conteúdo,
em violação do disposto no artigo 100, em conjugação com o artigo 73; ambos da Lei n.o 14/2011,
de 10 de Agosto.
Compulsando os autos, consta, a folhas 28, a Nota n. 01365 / INAMI/ DG, de 6 de Outubro, que
comunica que por causa da Falta de realização de actividade mineira de exploração mineira, por
despacho de Sua Excelência Ministro dos Recursos Minerais e Energia, datado de 22 de
Agosto de 2016, foi revogada a Concessão Mineira 248C, em nome de African Mining &
Exploration Company, Limitada, emitida aos 16.01.2003, para a exploração de ouro, numa área de
1.180, 00 hectares, situada no Distrito de Manica, na Província de Manica.
Prossegue a nota informando da existência de dívida de contribuições obrigatórias ao
INSS que deve ser paga no prazo de 10 (dez) dias, seguindo-se a remoção dos bens móveis e
imóveis então afectos as operações mineiras, no prazo de 30 (trinta) dias, sob pena de a mesma
ser efectuada pelo Estado as expensas da AMECO.
A recorrente não explica em que consiste a alegada violação da lei na comunicacao feita pelo Director
Geral do Instituto Nacional de Minas, uma vez que, pelo teor da nota, observa-se terem sido

Page 93 of 187
observados os requisitos obrigatórios mencionados no artigo 120 da Lei n.o 14/2011, de 10 de
Agosto.
Refere que o Despacho emana do Director Geral do Instituto Nacional de Minas, o qual é
incompetente para tomar tal decisão porque, nos termos do artigo 3 do Decreto n.o 31/2015, de
31 de Dezembro, a atribuição de concessão mineira cabe ao Ministro que superintende as áreas
dos recurses minerais e de energia. Esta alegacão é infundada, na medida em que nos termos da
comunicação feita pela nota acima aludida, o despacho foi da autoria do Ministro dos Recursos
Minerais e Energia.
Alega a nulidade do acto, por insuficiência da fundamentação, por não reunir os pressupostos
desta, como dispõe o n.0 1 do artigo 122, o que equivale a falta de fundamentação, nos termos
da alínea a) do artigo 121, por força do disposto na alínea b) do n. 0 2 do artigo 129, todos da Lei
n.o 14/2011, de 10 de Agosto. Contudo, na nota, está elencado come fundamento da revogação
a falta de realização de actividade de exploração mineira, fundamentação esta que se ajusta
perfeitamente ao requisito exigido pela alínea a) do n. 0 1 do artigo 121 da Lei n.o 14/2011, de
10 de Agosto.
A recorrente alega, por outro lado, que gastou cerca de USD7.000.000 (sete milhões] de
dólares norte-americanos na construção de infra-estruturas e outros investimentos e, pelas
fotografias que junta de fls. 34 a 41, depreende-se que há algum equipamento na área. Todavia,
tal não afasta o fundamento de que não pratica a actividade de exploração mineira. A este
propósito, apesar de lhe terem sido facultadas as contra-alegações da recorrida, a recorrente
absteve-se de se pronunciar sabre os fundamentos da revogação, nomeadamente, as referidas
acima em como:
i) Não há na área de Concessão Mineira, produção mineira legal e regrada;
ii) Existem cerca de 1 00 mineradores, operadores ilegais, subdivididos em "cava
minas" numa superfície de 2 hectares) tendo cada "cava" uma profundidade que
varia entre 20 a 50 metros;
iii) Na linha de fronteira com o Zimbabwe, que delimita a Concessão Mineira 248,foi instalada
uma planta de processamento de ouro (que se equipara a uma planta piloto), que processa
o ouro extraído ilegalmente da concessão; e
Existem na área da concessão 22 (vinte e dois) elementos de segurança da titular mineira que
controlam a produção feita deforma ilegal.
Continuou silencioso quanto aos fundamentos de que se verifica:
a) A falta do pagamento do imposto, confirmada pela Autoridade Tributaria de Moçambique
que informou ao MIREME, par carta com referência 213/DGI/390.1/2016, de 22/09/2016,
que a African Mining & Exploration Company, Lda. iniciou a sua actividade no dia 15
de Setembro de 2015 e nunca apresentou qualquer declaração de rendimentos e,
consequentemente, não paga impostos sobre a produção, lesando o Estado ( ... );
b) A violação da obrigação de manter a área e as operações mineiras em estado seguro,
em cumprimento dos Regulamento de Segurança Técnica e de Saúde para as
Actividades Geol6gicas e Mineiras, aprovado pelo Decreto n. 0 61 /2006, de 26 de
Dezembro, conjugado com a alínea g) do n.o 6 do artigo 15 da Lei n.o 14/2002, de 26
de Junho, Lei de Minas, o que não foi observado pela recorrente e, pelo contrário,
incentivou os mineradores ilegais, comprando deles o ouro extraído ilegalmente e sem
pagar o imposto".
Ademais, no seu laudo petitório, confessa que desde 2003, ano em que lhe foi deferida a Licença
até a data, não possui DUAT e nem a Licença Ambiental, requisitos legalmente exigidos para o
efectivo exercício da actividade mineira, em cumprimento dos deveres específicos do titular da
Licença Mineira (vide articulado 10.0 da PI).

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A justificativa de que se deve a letargia das instituições públicas não procede e não está provada.
A dívida ao INSS não constitui de per si motivo para a revogação da concessão mineira, como
refere a recorrente, mas a não obtenção da licença ambiental e do DUAT no prazo de três anos
estabelecido no n.o 2, bem como a não observância do estatuído nas alíneas a), b) e g) do n. 0 6
podem, nos termos do n. 0 7, todos do artigo 15 da Lei n." 14/2002, de 26 de Junho, motivar a
revogação da concessão Mineira, o que se verifica no caso sub judice.
A recorrente alega que "Constitui direito do titular da Licença Mineira, entre outros, ter
acesso a área e realizar em regime exclusivo as actividades de mineração e usar e ocupar a terra
para levar a cabo as operações e trabalhos necessários ( ... ) conforme as alíneas a) e b9 do artigo
43 da Lei n." 20/2014, de 18 de Agosto" e que "diversas informações dadas as autoridades
administrativas e de policia sobre a invasão dos garimpeiros na área concessionada"
Nos autos não se comprova que a entidade recorrida e demais autoridades estatais tenham
agido com vigor para assegurar a proteccao devida e requerida, porem, sopesando este aspecto
com as comprovadas irregularidades cometidas pela recorrente, não se suplantam os
fundamentos que presidiriam a revogação da Concessão Mineira n. 0 248C.
No entanto, compulsando os autos, verificam-se irregularidades fundamentais no procedimento da
entidade recorrida.
Com efeito, nos termos do disposto no n.o 7 do artigo 15 da Lei n.o 14 /2002, de 26 de .Junho, em
vigor na data da atribuição da Concessão Mineira 248C, em conjugação com as alíneas a) e b)
do n." 7 do artigo 118 do Regulamento da Lei de Minas, aprovado pelo Decreto n." 62/2006, de
26 de Dezembro, o Instituto Nacional de Minas comunicou a recorrente, por Nota n.o
760/INAMI/DG/2016, de 9 de Junho, o Pré-aviso de Revogação da Concessão Mineira (vide
fls. 13 a 15 dos autos).
A recorrente reagiu conforme consta de folhas 16 a 27 dos autos (vide também as folhas 274 e
seguintes dos autos do Pedido de Suspensão de Eficácia do Despacho de Revogação da
Concessão Mineira – Processo n.o 5/2017 – 1.a), todavia não se mostra nenhum prosseguimento da
instrução subsequente, a não ser a Nota n.o 1365/INAMI/DG/2016, de 6 de Outubro, através
da qual o Director Geral do Instituto Nacional de Minas comunica a revogação da Concessão
Mineira 248C, referindo-se a um despacho datado de 22 de Agosto de 2016 (fls. 29).
Solicitada a entidade recorrida a apresentar o aludido despacho, vem, estranhamente, apresentar
um despacho datado de 22 de Agosto de 2015, seja, o procedimento instaurado em 2016 para
a revogação da concessão mineira visava dar cobertura a uma decisão já anteriormente tomada há
mais de nove meses pelo então titular da pasta dos Recursos Minerais e Energia.
Do exposto, resulta cristalino que:
a) O Despacho de 22 de Agosto de 2015 foi produzido com preterição do disposto
nas alíneas a), b) e c) do n. 0 1 do artigo 118 do Regulamento da Lei de Minas, aprovado
pelo Decreto n.o 62/2006, de 26 de Dezembro, que impõem um pré-aviso de sessenta
dias para notificar da intenção de revogação e respectivos fundamentos; um prazo
de 30 {trinta} a 90 (noventa) dias para o titular submeter qualquer questão que deseje
ver apreciada e esta questão ser apreciada. Faltando estes elementos essenciais, o n.o 1
do artigo 129 da Lei n.o 14/2011, de 10 de Agosto, prevê a sua nulidade.
b) O procedimento iniciado pelo Instituto Nacional de Minas, através da Nota n.o
760/INAMI/DG/2016, de 9 de Junho, que notifica o Pré-aviso de Revogação da
Concessão Mineira não se mostra concluído, pois não é apresentada a apreciação da
questão colocada pela concessionaria nem a decisão final, conforme mandam os artigos
103, 105 e 106 da Lei n.o 14/2011, de 11 de Agosto, nomeadamente, o relatório final, a
decisão e respetiva comunicação do despacho, o que consubstancia falta de fundamentação

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da revogação da concessão Mineira 248C, nos termos do disposto na alínea f) do n.o 1 do
artigo 121 da Lei n.o 14/2011, de 10 de Agosto.
Nestes termos, em face das irregularidades acima elencadas, os Juízes Conselheiros da Secção
do Contencioso Administrativo, ao abrigo do disposto no n.0 1 do artigo 35 da Lei n. 0 7/2014,
de 28 de Fevereiro, acordam em declarar nulo o despacho do Ministro dos Recursos Minerais e
Energia, datado de 22 de Agosto de 2015, que revoga a concessão Mineira 248C titulada pela
African Mining & Exploration Company, Lda. (AMECO), hem Como a Nota n.o
1365/INAMI/DG/2016, de 6 de Outubro, do Director Geral do Instituto Nacional de Minas,
por violação da lei.
Sem custas, por delas estar isenta a recorrida.
Registe-se e notifique-se.
Pode a entidade recorrida apelar ao Plenário do Tribunal Administrativo, no prazo de 30 (trinta)
dias, nos termos 166 e seguintes da Lei n.0 7/2014, de 28 de Fevereiro, em conjugação com
o disposto na alínea g) do n." 1 do artigo 26 da Lei n.o 24/2013, de 1 de Novembro,
alterada e republicada pela Lei n.o 7 /2015, de 6 de Outubro.

Maputo, 18 de Setembro de 2018

Exercícios
1. Mostre uma breve apresentação em vídeo ou power point sobre as oportunidades e
desafios ambientais do seu país.
2. Plenária ou criar grupos de trabalho para discutir e apresentar recomendações sobre
como parar a degradação ambiental.

Sumário da Unidade 3
1. Abordagens para equilibrar a protecção do ambiente e o desenvolvimento em
África - o papel do poder judicial.
2. Compreender as causas da degradação do ambiente.
3. Indicar (nomear) os recursos naturais comercializados ilegalmente.
4. O que são bens e serviços ambientais?

Referências Bibliográficas:
Convenções Africanas Relevantes
- Ato constitutivo da União Africana, adotado pela 36 Sessão Ordinária da Assembleia
de Chefes de Estado e de Governo, em 11 de julho de 2000. Lomé, Togo.
- Organização para a Unidade Africana. (1980). Plano de Ação de Lagos para o
Desenvolvimento Econômico da África 1980-2000. Addis Abeba, Etiópia: Organização
para a Unidade Africana.
- Convenção Africana de 2004 sobre Conservação da Natureza e Recursos Naturais.
Ver: Uma introdução à Convenção Africana sobre Conservação da Natureza e
Recursos Naturais. (2004). Glândula, Suíça e Cambridge, Reino Unido: União
Internacional para Conservação da Natureza - World Conservation Union Law Center.
Leituras Adicionais:

Page 96 of 187
- United Nations Economic Commission for Africa. (2006). Assessing Regional
Integration in Africa II, Rationalising Regional Economic Communities. Addis Ababa,
Ethiopia: UNECA.
- United Nations Environment Programme. (2013). Africa Environment Outlook 3: Our
Environment, Our Health (AEO-3). London, United Kingdom: Earthscan Publications
Ltd.
- World Resources Institute. (2005). Millennium Ecosystem Assessment 2005:
Ecosystems and Human Well-being: Synthesis. Washington DC: Island Press.
Web-sites Relevantes:
• Agenda 2063: the African we Want”
http://www.un.org/en/africa/osaa/pdf/au/agenda2063.pdf

MÓDULO II
Aspectos Processuais na Resolução de
Litígios Ambientais

Descrição do Módulo

As questões ambientais apresentam vários desafios processuais e materiais ao


magistrado, quer no domínio da prova, do acesso ao processo judicial, do
procedimento judicial adequado, da metodologia da investigação judicial, da
recepção do testemunho científico, do ónus da prova, da revisão das decisões

Page 97 of 187
administrativas e outros. O quadro legislativo e processual de competência varia e,
por conseguinte, o magistrado está em melhor posição para tratar as diversas
nuances de uma forma que considere adequadamente o quadro global aplicável. Este
módulo apresenta os temas mínimos sobre os aspectos processuais necessários para
intentar uma acção judicial geral em matéria de ambiente, julgamento e aplicação
dos direitos processuais.

Unidade 1: Acesso à Justiça em Matérias Ambientais


O objectivo desta unidade é chamar a atenção do magistrado para os vários métodos
de acesso efectivo aos processos judiciais e administrativos, incluindo as vias de
reparação e recurso. É dada atenção a questões de participação pública na
governação ambiental, do acesso a informação, da justiça e dos litígios de interesse
público.

A Declaração do Rio (1992) e o Acesso à Justiça em Matérias


Ambientais
O princípio 10 da Declaração da Conferência das Nações Unidas sobre Meio
Ambiente e Desenvolvimento (Declaração do Rio, 1992) baseia-se em três direitos
interdependentes:
(i) O direito de ter acesso às informações ambientais de maneira oportuna e
eficaz;
(ii) O direito de participar da tomada de decisões em questões ambientais;
(iii) E o direito de ter acesso à justiça para garantir o cumprimento das leis e dos
direitos ambientais ou obter reparação por danos ambientais.

Garantir esses direitos para todos é fundamental para se enfrentar a desigualdade e


se avançar em direcção ao desenvolvimento ambientalmente sustentável.

O acesso à justiça em questões ambientais pode significar garantir que todos tenham
o mesmo direito a um ambiente limpo e saudável, independentemente de seus meios,
local de residência, antecedentes ou capacidade de acesso ao direito para a resolução
das preocupações ambientais.

O princípio 10 da Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento


(UNCED, Rio de Janeiro, 1992)
“A melhor forma de tratar as questões ambientais é assegurar a participação de todos os
cidadãos interessados ao nível conveniente. Ao nível nacional, cada pessoa terá acesso
adequado às informações relativas ao ambiente, detidas pelas autoridades, incluindo
informações sobre produtos e actividades perigosas nas suas comunidades, e a
oportunidade de participar em processos de tomada de decisão. Os Estados deverão facilitar
e incentivar a sensibilização e participação do público, disponibilizando amplamente as
informações. O acesso efectivo aos processos judiciais e administrativos, incluindo os de
recuperação e de reparação, deve ser garantido”.

Interesses Colectivos e Interesses Difusos em Matéria


Ambiental

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Os chamados interesses colectivos e difusos são de natureza supra-individual. Eles
encontram-se representados em todos e em cada um dos membros da colectividade
e não são apropriáveis pelos sujeitos individualmente considerados.

Tais interesses não se enquadram nas categorias de interesse público (cuja


titularidade pertence ao Estado) e nem de interesses particulares (nas mãos dos
indivíduos), que eram, até muito recentemente na história do direito processual, os
únicos interesses susceptíveis de tutela jurisdicional vigente.

Considera-se que “quando nos situamos numa perspectiva de titularidade


individual, o direito ao ambiente engloba o conjunto dos direitos subjectivos do
cidadão, e o dever de defesa do ambiente caracteriza-se como um dever jurídico. Se,
porém, a perspectiva for supra-individual, este direito e respectivo dever assumem
uma “dimensão pluri-subjectiva”, integrando uma categoria de interesses aos quais
modernamente se chamam interesses difusos”200.

O interesse difuso “corresponde a um interesse juridicamente reconhecido e


tutelado, cuja titularidade pertence a todos e a cada um dos membros de uma
comunidade ou de um grupo mas não é susceptível de apropriação individual por
qualquer um desses membros”201. Ou seja, “o interesse difuso estrutura-se como um
interesse pertencente a todos e a cada um dos componentes da pluralidade
indeterminada de que se trata. Não é um simples interesse individual, reconhecedor
de uma esfera pessoal e própria, exclusiva de domínio”202.

Como se pode depreender da própria definição, os interesses difusos não são


interesses públicos, não são interesses colectivos e nem são interesses individuais,
porquanto, a sua titularidade não pertence a qualquer entidade ou órgão público,
nem a qualquer comunidade ou grupo, e não são apropriáveis individualmente.
Como tal, os interesses difusos pertencem a qualquer um e a todos os membros de
uma comunidade ou de um grupo. Na medida em que os interesses difusos
constituem interesses não públicos e não individuais, não podem ser integrados na
dicotomia habitual de interesses públicos ou privados.

Dá-se assim a dilatação do conceito de agir, legitimando-se a qualquer um o recurso


a uma acção para a defesa de bens ambientais que, por sua natureza, não são
apropriáveis individualmente, traduzindo-se na possibilidade de qualquer indivíduo
agir em defesa de valores, a que correspondem interesses difusos,
independentemente de qualquer afectação directa da sua esfera pessoal.

O direito ao ambiente pode configurar-se tanto em um direito subjectivo, como num


interesse difuso, isto é, quando se trate de direito subjectivo estamos perante uma
titularidade individual. Tratando-se de um interesse difuso a titularidade é
indiferenciada.

Legitimidade Processual em Matéria Ambiental (Litigação


estratégica)

200 SERRA, Carlos, CUNHA, Fernando (2008), ob cit., p. (…).


201 SOUSA, Miguel Teixeira (...), Legitimidade Processual e Acção Popular no Direito do Ambiente, Direito
do Ambiente, INA, Oeiras, p. 412.
202 ANTUNES, Colaço (1989), A Tutela dos Interesses Difusos em Direito Administrativo - para uma

legitimação procedimental, Livraria Almedina, Coimbra, p. 22.

Page 99 of 187
Neste campo, deveremos imediatamente ter em conta que se torna necessário
ultrapassar a concepção tradicionalista advinda do processo civil baseada no
dualismo da lide, com o arbítrio de um juiz. Para se caminhar em direcção à tutela
de interesses colectivos, torna-se necessário alargar a legitimidade clássica.

É entendimento corrente que o reconhecimento dos chamados interesses difusos


implica a construção do conceito de relações jurídicas poligonais entre a
Administração Pública e os cidadãos e exigem um conceito ampliado de interesse e
legitimação para recorrer aos tribunais.

Como então defender aqueles interesses que não são individuais nem estatais no
sentido literal dos termos? Surge, assim, a constatação da incapacidade de resposta
da visão tradicional da legitimidade processual para a protecção dos interesses que
pertencem à comunidade enquanto tal, aos quais corresponderá a responsabilidade
partilhada de todos os membros. Como os bens tutelados são de todos, todos terão
a responsabilidade de os preservar e defender.

A legitimidade processual para as acções respeitantes a estas situações, no âmbito


do processo civil, analisa-se à luz do artigo 26.º, do CPC, que determina constituir o
autor parte legítima quando tem interesse directo em demandar, tornando-se o réu
parte legítima quando tem interesse directo em contradizer. Nesse sentido, foi
aditado ao CPC, pelo Decreto-Lei n.º 1/2009, de 24 de Abril, o artigo 26.º-A (Acções
para a tutela de direitos e interesses difusos), segundo o qual “Têm legitimidade para
propor e intervir nas acções e procedimentos cautelares destinados,
designadamente, à defesa da saúde pública, do ambiente, da qualidade de vida, do
património cultural e do domínio público, bem como à protecção do consumo de
bens e serviços, qualquer cidadão no gozo dos seus direitos civis e políticos, as
associações e fundações defensoras dos interesses em causa, as autarquias locais e
o Ministério Público, nos termos previstos na lei”. Deu-se assim, ao nível do CPC,
uma clara abertura da legitimidade processual aos titulares de interesses supra
individuais, portando muito além do mero interesse directo na demanda.

Por sua vez, o n.º 1 do artigo 90.°, da Constituição da República de Moçambique,


estabelece que todo o cidadão tem direito a viver num ambiente equilibrado e o dever
de o defender, pelo que, resulta claramente a atribuição simultânea de um direito ao
ambiente e o correspondente dever de o defender.

Para efeitos de legitimidade processual em matéria de ambiente importa demarcar o


sentido deste direito e deste dever. Assim, o direito ao ambiente consiste
fundamentalmente na faculdade de exigir de terceiros determinadas condutas,
activas ou omissivas. Sustenta-se que “O dever de defesa do ambiente envolve duas
dimensões fundamentais a saber: uma preventiva, que consiste na obrigação de não
contribuir para a sua degradação; e outra repressiva, que comporta a reacção contra
qualquer ofensa ao ambiente, podendo desencadear-se tal reacção por meios não
jurisdicionais ou através de recurso aos tribunais”203.

A titularidade deste direito e deste dever, tanto pode constituir uma titularidade
individual, como supra-individual. Será individual quando diga respeito a cada um
dos indivíduos directamente interessados nesse direito e nesse dever. Será supra-

203 SERRA, Carlos, CUNHA, Fernando (2008), ob. ci. Pp. 653 - 658.

Page 100 of 187


individual quando tal direito e correspondente dever incumbe a todas as pessoas da
sociedade em geral e a cada um em particular204.

O artigo 21.° da Lei do Ambiente consagra o direito de acesso à justiça, tendo


estabelecido igualmente respostas sobre quem tem legitimidade para aceder às
instâncias jurisdicionais no domínio da conflitualidade ambiental, tendo
estabelecido, por um lado: que “qualquer cidadão que considere terem sido violados
os direitos que lhe são confiados por esta Lei, ou que considere que existe ameaça
de violação dos mesmos, pode recorrer às instâncias jurisdicionais para obter a
reposição dos seus direitos ou a prevenção da sua violação” 205. Por outro lado,
“qualquer pessoa que, em consequência da violação das disposições da legislação
ambiental, sofra ofensas pessoais ou danos patrimoniais, incluindo a perda de
colheitas ou de lucros, pode processar judicialmente o autor dos danos ou da ofensa
e exigir a respectiva reparação ou indemnização”206.

Assim, no primeiro caso, não se exige a ocorrência de danos na pessoa ou na


propriedade do autor, mas tão-somente a violação ou ameaça de violação de direitos
consagrados na Lei do Ambiente. Pelo que se considerar ter havido cobertura para a
tutela de bens jurídicos supra-individuais, possibilitando-se que pessoas ou grupos
de pessoas actuem em nome de um direito que é de todos, independentemente do
respectivo interesse directo agir em demandar207.

Nesse sentido, qualquer cidadão, em qualquer ponto do território nacional, pode


aceder aos tribunais quando esteja em causa uma ameaça ou uma ofensa efectiva à
legislação ambiental, bastando, para o efeito, que invoque o direito fundamental ao
ambiente e faça uso dos meios legalmente definidos para o efeito, nos termos da
legislação processual.

O Papel do Ministério Público em Matéria Ambiental


No domínio da tutela do bem jurídico ambiente o Ministério Público tem, em primeira
linha, o papel fundamental na defesa dos direitos e interesses difusos ou colectivos,
constituindo, em muitos ordenamentos jurídicos, o seu principal garante. O Título X
(artigos 234.° a 240.°) da Constituição de 2004 é dedicado a esta magistratura. Sobre
as competências do Ministério Público na defesa do ambiente, veja-se o disposto no
artigo 236.° da CRM, o qual define, entre outras, como funções deste órgão, “defender
os interesses que a lei determina” e “controlar a legalidade”.

Por sua vez, a Lei Orgânica do Ministério Público (Lei n.º 4/2017, de 18 de Janeiro)
estabelece como competência deste órgão, entre outras, a defesa dos interesses
colectivos ou difusos208. Esta Lei atribui ao Ministério Público a competência de
intervenção principal nos processos para defesa dos interesses colectivos ou
difusos209.

204 Idem.
205 Cf. Artigo 21.°, n.° 1, da Lei do Ambiente.
206 Cf. Artigo 21.°, n.° 2, da Lei do Ambiente.
207 Conforme consta no número 26.°, n.°1, do CPC, segundo o qual “o autor é parte legítima quando

tem interesse directo em demandar (...)”. Trata-se, portanto, um primeiro passo no sentido da superação
do conceito clássico de legitimidade.
208 Cf. Artigo 4.° d) da Lei Orgânica do Ministério Público.
209 Cf. Artigo 11.°, n.º 1 d) da Lei Orgânica do Ministério Público.

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Como prerrogativa especial, compete ao magistrado do Ministério Público, no âmbito
da sua actuação, intimar os órgãos do Estado e as entidades públicas ou privadas
para se conformarem com a lei, quando constate, oficiosamente ou mediante
participação, a prática de alguma ilegalidade, no prazo que vier a ser fixado, devendo
o órgão ou a entidade intimada informar sobre as diligências efectuadas com vista à
reposição da legalidade ou prestar os esclarecimentos que se mostrem necessários,
sempre dentro do prazo estipulado210.

Outra importante prerrogativa especial é o poder que o magistrado do Ministério


Público tem de requisitar, directamente, dos órgãos do Estado, autoridades ou seus
agentes, entidades públicas ou privadas, quaisquer esclarecimentos, documentos ou
diligências indispensáveis para o exercício das suas funções, nos limites consagrados
na Constituição da República e na lei211.

A falta de cumprimento, por parte dos órgãos ou entidades intimadas ou requeridas,


constitui crime de desobediência, punível nos termos da lei penal 212. Esta Lei
determina ainda que “os órgãos, funcionários e agentes da Administração Pública e
demais servidores públicos, bem como as entidades públicas e privadas têm o dever
de prestar a colaboração requerida pelo Ministério Público, no exercício das suas
funções”213.

Meios de Defesa de Interesses Ambientais


A Constituição e a legislação ordinária prevêem um conjunto de instrumentos de
defesa do meio ambiente, fundamentais para a respectiva tutela efectiva. De acordo
com as suas principais características e procedimentos para execução tais meios de
defesa do ambiente podem ser classificados em duas categorias, designadamente: (i)
garantias graciosas; e, (ii) garantias contenciosas.

a) Garantias Graciosas

Direito de petição, queixa e reclamação: A consagração do direito de petição, queixa e


reclamação deu-se através do artigo 79.° da Constituição da República, disposição
integrada no capítulo IV (direitos, liberdades e garantias de participação política) do
Título III (direitos, deveres e liberdades fundamentais). Trata-se de uma garantia não
jurisdicional crucial dos particulares contra situações de ilegalidade cometidas pela
Administração Pública. Ela “é um direito político que tanto se pode dirigir à defesa
dos direitos pessoais (queixa e reclamação) como à defesa da constituição, das leis
ou do interesse geral”214. Uma garantia graciosa ou administrativa (de natureza
petitória), isto é, que se efectiva através dos órgãos da própria Administração Pública,
com recurso às suas próprias estruturas administrativas e a controlos de mérito e
legalidade nelas utilizados215.

O exercício deste direito foi regulamentado através da Lei n.º 26/2014, de 23 de


Setembro, definindo-se, para o efeito, as três principais disposições de direitos: a

210 Cf. Artigo 6.° n.ºs 1 e 2 da Lei Orgânica do Ministério Público.


211 Cf. 7.° n.º 1 da Lei Orgânica do Ministério Público.
212 Cf. Artigos 6.° n.º 3 e 7.° n.º 2 da Lei Orgânica do Ministério Público.
213 Cf. 8.° da Lei Orgânica do Ministério Público.
214 CANOTILHO, J.J. Gomes (1992), Direito Constitucional, 5.ª Edição, totalmente refundida e

aumentada, Livraria Almedina, Coimbra, p. 677.


215 CHAMBULE, Alfredo (2002), As Garantias dos Particulares, Imprensa Universitária, Universidade

Eduardo Mondlane, Maputo, pp. 24 e seguintes.

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Petição, a Queixa e a Reclamação. Entende-se por petição, a apresentação de um
pedido ou de uma proposta, a um órgão de soberania ou a qualquer autoridade
pública, no sentido de que tome, adopte ou proponha determinadas medidas.
Entende-se por queixa, a denúncia de qualquer inconstitucionalidade ou ilegalidade,
bem como do funcionamento anómalo de qualquer serviço, com vista à adopção de
medidas contra os responsáveis. Entende-se por reclamação, a impugnação de um
acto perante órgão, funcionário ou agente que o praticou216.

De modo a permitir e facilitar o exercício universal deste direito, não se impõe


qualquer exigência de forma. A Lei Estabelece que “Quando o cidadão não saiba ler
e escrever, pode exercer o direito de petição, queixa e reclamação perante o agente
receptor, que deduz a declaração a escrito, sendo uma cópia entregue ao peticionário,
depois de recebida pelo destinatário”217.

Note-se que esta Lei prevê o exercício do direito de petição, queixa e reclamação junto
da Assembleia da República, como órgão de soberania, a qual integra a Comissão de
Petições, Queixas e Reclamações218.

Por fim, o legislador remete para legislação específica o exercício do direito de petição,
queixa e reclamação junto do Provedor de Justiça219. Nesse sentido, a Lei n.º
14/2011, de 10 de Agosto, que regula a formação da vontade da Administração
Pública, estabelece que “os cidadãos, individual ou colectivamente, podem
apresentar petições, queixas ou reclamações por actos ou omissões dos poderes
públicos ao Provedor de Justiça, que as aprecia, sem poder decisório, dirigindo aos
órgãos competentes as necessárias recomendações para prevenir e reparar as
injustiças”220. Segundo a Constituição, o Provedor de Justiça “é um órgão que tem
como função a garantia dos direitos dos cidadãos, a defesa da legalidade e da justiça
na actuação da Administração”221. Na sequência da previsão constitucional, foi
aprovada a Lei n.º 7/2006, de 16 de Agosto, Lei do Provedor de Justiça, a qual, define
expressamente, como competência deste órgão, entre outras, a intervenção “nos
termos da lei aplicável, na tutela dos interesses colectivos ou difusos, quando
estiverem em causa as entidades públicas”222.

Poder-dever de denúncia: Segundo a Lei do Ambiente, “qualquer pessoa que verifique


infracções às disposições desta Lei ou de qualquer outra legislação ambiental, ou
que razoavelmente presuma que tais infracções estejam na iminência de ocorrer, tem
a obrigação de informar as autoridades policiais ou outros agentes administrativos
mais próximos sobre o facto”223. Trata-se na realidade de um poder-dever, no sentido
de consubstanciar uma prerrogativa importante de que o cidadão dispõe, sempre que
estiverem em causa violações ou ameaças de violação à legislação ambiental.

A denúncia poderá ser realizada junto do Ministério Público, das autoridades


policiais ou dos órgãos de Administração Pública.

216 Cf. Artigo 2.° da Lei n.º 26/2014, de 23 de Setembro.


217 Cf. Artigo 10.°, n.º 2 da Lei n.º 26/2014, de 23 de Setembro.
218 Cf. Artigos 16.° a 22.° da Lei n.º 26/2014, de 23 de Setembro.
219 Cf. Artigo 1.°, n.º 2 b) da Lei n.º 26/2014, de 23 de Setembro.
220 Cf. Artigo 175.°, n.º 1, Lei n.º 14/2011, de 10 de Agosto.
221 Cf. Artigo 256.° da Constituição.
222 Cf. Artigo 15.°/1 f), da Lei n.º 7/2006, de 16 de Agosto.
223 Cf. Artigo 23.° da Lei do Ambiente.

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b) Garantias Contenciosas no Acesso aos Tribunais

O acesso aos tribunais é tratado na Constituição da República, no artigo 62.° (Acesso


aos tribunais) 69.° (direito de impugnação) e 70.° (direito de recorrer aos tribunais).
Por conseguinte, na sequência da configuração do direito ao ambiente como direito
subjectivo fundamental, integrado no Título III, respeitante aos direitos, deveres e
liberdades fundamentais, abre-se a via judicial para a tutela das posições jurídicas
ameaçadas ou efectivamente lesadas, quer na componente intrinsecamente
individual (ter o cidadão sofrido directamente danos na sua pessoa ou bens) mas
também comunitária (os danos ocorrerem no próprio bem jurídico ambiente
enquanto bem difuso, colectivo ou comunitário)224.

Em relação ao acesso aos Tribunais Administrativos, a Lei n.º 7/2014, de 28 de


Fevereiro, regula os processos da jurisdição. A tabela seguinte apresenta a lista de
meios contenciosos de acesso aos tribunais administrativos.

N .º Meio Natureza Fundamento Legal


1 Recurso contencioso Meio principal Artigos 32.° a 100.°
2 Processo de impugnação de normas Meio principal Artigos 101.° a 105.°
3 Acção sobre contrato administrativo Meio principal Artigos 115.° a 118.°
4 Acção responsabilidade da Administração ou dos titulares Meio principal Artigos 119.°
dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por prejuízos
decorrentes de actos de gestão pública
5• Acções para reconhecimento de direitos ou interesses Meio principal Artigos 120.° a 123.°
legalmente protegidos
6• Acção para determinação da prática de actos Meio principal Artigos 124.° a 129.°
administrativos legalmente devidos
7• Acções não especificadas Meio principal Artigos 130.° a 131.°
8 Intimação para informação, consulta de processo ou Meio acessório Artigos 106.° a 108.°
passagem de certidão
9 Suspensão de eficácia dos actos administrativos e das Meio acessório Artigos 132.° a 143.°
normas
10 Intimação para um comportamento Meio acessório Artigos 144.° a 149.°
11 Produção antecipada de prova Meio acessório Artigos 150.° a 153.°
12 Providências cautelares não especificadas Meio acessório Artigos 154.° a 155.°

Em relação ao acesso à justiça comum, o Código do Processo Civil, regula os


processos da jurisdição. A tabela seguinte apresenta a lista de meios contenciosos
de acesso aos tribunais comuns.

N.º Meio Natureza Fundamento legal


1 Acção declarativa de condenação (responsabilidade Meio principal Artigos 467.° e
civil) seguintes
2• Providência cautelar não especificada Meio acessório Artigos 399.° a 401.°
3• Embargo de obra nova Meio acessório Artigos 412.° a 420.°

224 SERRA, Carlos, CUNHA, Fernando (2008), ob. cit. p. 140.

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c) Direito de Acção Popular

A Constituição da República consagra o direito de acção popular, através do artigo


81.°, integrado no capítulo IV (direitos, liberdades e garantias de participação
política) do Título III (direitos, deveres e liberdades fundamentais), o que constitui
uma medida crucial na construção de uma tutela jurisdicional efectiva do direito ao
ambiente equilibrado. Note-se que este direito não é apenas um meio de acesso aos
tribunais, assumindo-se igualmente como uma verdadeira garantia de participação
dos cidadãos na defesa do ambiente.

Nos termos do n.º 1 do artigo acima referido, “todos os cidadãos têm, pessoalmente
ou através de associações de defesa dos interesses em causa, o direito de acção
popular nos termos da lei”. A acção popular, como instrumento processual (civil e/ou
administrativo), visa reforçar a tutela dos chamados direitos e interesses colectivos
ou difusos, os quais incidem sobre bens jurídicos cuja titularidade pertence a toda a
colectividade e a ninguém tomado particularmente: são os casos do ambiente, do
património cultural, dos direitos dos consumidores, da saúde pública, da qualidade
de vida e do domínio público.

Para a defesa de tais bens, assiste-se a uma ruptura expressa com a configuração
clássica da legitimidade processual prevista no Código de Processo Civil
moçambicano, que permitia que apenas aqueles que tivessem sofrido danos directos
e imediatos na sua pessoa ou no seu património é que podiam recorrer aos tribunais,
passando-se para um modelo em que a legitimidade é extensiva a toda a
colectividade, isto é, a todo e qualquer cidadão na defesa de um bem jurídico difuso
ou colectivo, independentemente de sofrer ou não danos na sua esfera jurídica.

A acção popular apresenta uma dupla vertente: por um lado ela é preventiva, no
sentido de permitir a qualquer pessoa (singular ou colectiva), o recurso a
instrumentos de natureza cautelar, de modo a obstar à ocorrência de danos nos bens
jurídicos tutelados por semelhante instrumento. Por outro, é reparadora, na medida
em que, no caso de ocorrência de danos, se confere o direito a qualquer pessoa de
buscar, através das instâncias competentes, a reparação dos mesmos.

Este instrumento actuará em dois níveis: um nível processual (traduzido no acesso


aos tribunais propriamente dito) e um nível procedimental (que consiste na
participação dos cidadãos no procedimento de tomada de decisões susceptíveis de
acarretar consequências ambientais).

Passos foram dados pelas leis processuais, reconhecendo legitimidade aos titulares
da acção popular. A Lei n.º 7/2014, de 28 de Fevereiro, prevê como titulares da
legitimidade activa, entre outros, os titulares do direito de acção popular, os quais
são, “para efeitos de interposição de recurso contencioso de actos lesivos de
interesses difusos ou outros interesses públicos, aqueles que, como tal, sejam
definidos por lei especial” 225. Por sua vez, o CPC determinou que “Têm legitimidade
para propor e intervir nas acções e procedimentos cautelares destinados,
designadamente, à defesa da saúde pública, do ambiente, da qualidade de vida, do
património cultural e do domínio público, bem como à protecção do consumo de
bens e serviços, qualquer cidadão no gozo dos seus direitos civis e políticos, as

225 Cf. Artigos 44.° b) e 48.° da Lei n.º 7/2014, de 28 de Fevereiro.

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associações e fundações defensoras dos interesses em causa, as autarquias locais e
o Ministério Público, nos termos previstos na lei” 226.

A Participação Pública em Matérias Ambientais


No contexto do Direito do Ambiente (e em vários outros domínios jurídicos) os
conceitos de “Participação pública”, “Acesso à informação” e “Acesso à justiça”
encontram-se intrinsecamente relacionados e devem ser operacionalizados em
conjunto.

Participação pública inclui a disponibilidade de oportunidades para que o público


participe nos processos de tomada de decisões que tenham ou possam ter impacto
sobre o meio ambiente, incluindo a promulgação de leis, políticas e directrizes.

Acesso à informação refere-se à disponibilidade e fornecimento de informações, que


dizem respeito ao meio ambiente.

Acesso à justiça refere-se a recursos e procedimentos judiciais e administrativos


disponíveis para as pessoas que sejam prejudicadas ou susceptíveis de o serem por
uma questão ambiental ou por uma decisão tomada por outras pessoas.

Na prática, os três elementos funcionam em conjunto e dependem um do outro para


serem eficazes. Por exemplo, para que o acesso à justiça em questões ambientais
seja eficaz no fortalecimento da legislação ambiental, um país não apenas precisa de
ter uma lei que o permita, mas também precisa de cidadãos informados que possam
demandar acções junto de instituições informadas. Como se viu ainda nesta unidade
do manual, a principal questão que dificulta o acesso à justiça em questões
ambientais em muitos países tem sido a falta de legitimidade para intentar ações
judiciais de interesse público, quando não se pode provar o interesse pessoal, sendo
que, no caso de Moçambique, existem claras provisões legais para o exercício desse
direito.

Participação pública em questões ambientais


No caso da Petição Constitucional de Peter Musokya e outros Vs o Ministério da Energia e
outros, Petição Constitucional no. 305 de 2012.
Neste caso, foi apresentada uma queixa sobre a adequação da participação pública em
questões ambientais. O tribunal considerou não ser possível apresentar uma fórmula
aritmética ou um teste decisivo para determinar categoricamente quando é que um
tribunal pode concluir que existe uma participação adequada do público.
Além disso, o Tribunal considerou que, da sua análise da jurisprudência, do direito
internacional e do direito comparado, concluiu que a participação do público na área da
governação ambiental, tal como implicada neste caso, implica, no mínimo, os seguintes
elementos ou princípios:

1. Cabe à agência governamental ou ao funcionário público envolvido elaborar um


programa de participação do público que esteja de acordo com a natureza da matéria
em causa. É à agência governamental ou ao funcionário público que compete elaborar
as modalidades de participação do público mas, ao fazê-lo, a agência governamental
ou o funcionário público deve ter em conta tanto a quantidade como a qualidade dos
governados para participar na sua própria governação. No entanto, a agência
governamental goza de uma margem de manobra considerável na definição dessas
modalidades.

226 Cf. Artigo 26.º-A do Código de Processo Civil.

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2. A participação do público exige inovação e maleabilidade em função da natureza do
assunto, da cultura, dos condicionalismos logísticos, etc.. Por outras palavras, não
pode ser prescrito um regime ou programa único de participação do público e os
tribunais não utilizarão qualquer teste decisivo para determinar se a participação do
público foi ou não realizada.

Podem ser utilizados diversos mecanismos para conseguir a participação do público.

Sachs J. do Tribunal Constitucional da África do Sul declarou este princípio de forma


bastante concisa: "As formas de facilitar um grau adequado de participação no processo
legislativo são, de facto, capazes de uma variação infinita. O que importa é que, em última
análise, é oferecida uma oportunidade razoável aos membros do público e a todas as partes
interessadas para tomarem conhecimento das questões e terem uma palavra adequada a
dizer, o que equivale a uma oportunidade razoável dependerá das circunstâncias de cada
caso. (Minister of Health and Another v New Clicks South Africa (Pty) Ltd e outros 2006
(2) SA 311 (CC))".

3. Qualquer que seja o programa de participação do público, este deve incluir o acesso e
a divulgação de informações relevantes. Ver República contra The Attorney General &
Another ex parte Hon. Francis Chachu Ganya (JR Misc. App. No. 374 of 2012).

Na parte relevante, o Tribunal declarou:

"A participação das pessoas exige necessariamente que a informação seja disponibilizada
aos membros do público sempre que se pretenda tomar decisões de política pública e que
o público disponha de um fórum em que possa ventilá-los adequadamente". Por
conseguinte, a participação do público é uma obrigação permanente do Estado através
dos processos de Avaliação de Impacto Ambiental - como a seguir assinalamos.

4. A participação do público não dita que todos devem dar a sua opinião sobre uma
questão de governação ambiental. Dispor de tal norma seria conferir um poder de veto
virtual a cada indivíduo da comunidade para determinar os assuntos colectivos da
comunidade. Um programa de participação do público, especialmente em matéria de
governação ambiental, deve, no entanto, demonstrar intencionalmente inclusividade e
diversidade.

Quaisquer tentativas claras e intencionais de manter os interessados de boa-fé afastados


tornariam o programa de participação do público ineficaz e ilegal por definição.

Determinando a inclusão na concepção de um regime de participação do público, a agência


governamental ou o funcionário público deve ter em conta o princípio da subsidiariedade:
os mais afectados por uma política, legislação ou acção devem ter uma maior participação
nessa política, legislação ou acção e as suas opiniões devem ser procuradas e tidas em
conta de forma mais deliberada.
5. O direito de participação do público não garante que a opinião de cada indivíduo seja
tomada como controladora; o direito é o de representar a sua opinião - e não o dever
da agência de aceitar a opinião dada como dispositiva. A agência governamental ou o
funcionário público envolvido tem o dever de ter em consideração, de boa-fé, todos os
pontos de vista recebidos no âmbito do programa de participação do público, não
podendo a agência governamental ou o funcionário público limitar-se a analisar as
moções ou a participar no teatro democrático para assinalar a caixa constitucional.

6. O direito de participação do público não se destina a usurpar o papel técnico ou


democrático dos titulares de cargos públicos, mas sim a fertilizar e enriquecer os seus
pontos de vista com os pontos de vista daqueles que serão mais afectados pela decisão
ou política em causa.

Participação Pública

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Recurso interposto ao abrigo da Secção 23E da Lei Nacional do Ambiente pela E.M.S. Niyaz
ao Secretário do Ministério do Ambiente, Sri Lanka (1985); Niyaz recorreu de uma decisão
da Poojapitiya Pradeshiya Sabha (o PS) que anulou a Licença de Protecção Ambiental (LPE)
que abrangia a descarga de resíduos e a transmissão de ruído da sua serração. O
Secretário pôs de lado o cancelamento da LPE da Niyaz, concluindo que o PS não realizou
um inquérito adequado com a participação da Niyaz e dos eventuais queixosos. Um
inquérito adequado inclui:

• Audição das objecções da vizinhança e realização de investigações adequadas antes


da concessão de uma LPE;
• Entreter, investigar e inquirir sobre queixas comunitárias relativas a violações do
LPE ou da Lei Nacional do Ambiente após a concessão de uma LPE; e
• Dar aos titulares de LPE um pré-aviso suficiente para que possam apresentar a
sua defesa perante a Autoridade Central do Ambiente (CEA) antes do cancelamento
ou suspensão de uma LPE, a menos que uma situação de emergência exija uma
suspensão imediata. Neste caso, o PS não administrou a etapa 3, na medida em
que não concedeu à Niyaz uma audição ou qualquer oportunidade de apresentar
observações antes do cancelamento da sua LPE.

REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE
"
TRIBUNAL ADMINISTRATIVO
PRIMEIRA SECÇÃO
Processo no 228/2017 - 1.a
ACÓRDÃO N.o113/2019

Acordam, em sessão de julgamento, na Primeira Secção do Tribunal


Administrativo:

ORDEM DOS ADVOGADOS DE MOÇAMBIQUE (OAM), requerente, com os demais


elementos de identificação constantes dos autos do processo a margem indicado,
veio, perante esta instância jurisdicional, ao abrigo do disposto nos artigos 144 e
seguintes da Lei n." 7/2014, de 28 de Fevereiro, requerer a intimação do Ministro da
Terra, Ambiente e Desenvolvimento, requerido, para disponibilizar a informação de
interesse publico, concernente ao processo de atribuição de direito de uso e
aproveitamento de terra {DUAT) a favor da empresa ANADARKO, incluindo a que respeita
ao piano de reassentamento das comunidades locais afectadas pelo projecto de
exploração de gás natural liquefeito (GNL), no Distrito de Palma (Província de Cabo
Delgado), louvando-se nos factos e fundamentos seguintes:
No âmbito do projecto de monitoria legal dos direitos sobre a terra e segurança
alimentar das comunidades afectadas pelos grandes investimentos, solicitou que o
requerido disponibilizasse o Processo fora! N.o 13945/1067, referente a atribuição de
DUAT sabre uma área de 7.000 hectares, de um total de 25.ooo ha, de exploração
exclusiva pela ANADARKO;

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Em Setembro de 2012, o aludido DUAT foi atribuído a Empresa Nacional de
Hidrocarbonetos (ENH) que, posteriormente, em Dezembro do mesmo ano, transferiu a
respectiva titularidade para a empresa Rovuma Basin LNG Land, Lda. (RBLL), tendo esta
última, por sua vez, transferido a favor da empresa ANADARKO;
A empresa RBLL foi constituída pela empresa ENH, que detém 30% do capital social, sendo
que a ANADARKO detém 70%;
Embora se tenha a informação retro mencionada, "não está no domínio público
qualquer informação que clarifique o processo que culminou com a atribuição de DUAT a
ANADARKO", pois, as comunidades afectadas, legítimas proprietárias, bem como o
público em geral, não foram envolvidas naquele processo;
Em violação da Lei de Terras e do respectivo regulamento, as comunidades locais e a
sociedade civil não tem sido envolvidas nos processes atinentes a expropriação das suas
terras, no âmbito dos projectos de exploracao de gás natural liquefeito (GNL), devendo-se
destacar que o requerido não disponibilizou a informação relativa ao piano de
reassentamento das comunidades afectadas, que se queixam de existência de
irregularidades no processo;
Outrossim, o requerido não tem disponibilizado a informação sobre a avaliação
do impacto ambiental do projecto em causa;
A preterição do envolvimento das comunidades locais, afectadas pelo projecto,
consubstancia violação do disposto nos artigos 10, alínea f), 13, n.o1 e, 14, n.os 1 e 2,
todos do Regulamento sobre o Processo de Reassentamento Resultante de Actividades
Econ6micas, aprovado pelo Decreto n." 31/2012, de 8 de Agosto;
O direito a informação constitui um "direito fundamental", consagrado no artigo 48,
n.o 1, in fine, da Constituição da República de Moçambique (CRM), aplicável nos termos
da Lei n." 34/2014, de 31 de Dezembro e regulado pelo Decreto n." 35/2015, de 31 de
Dezembro, porém violado pelo requerido;
Com o seu comportamento, o requerido violou o disposto nos artigos 6, 7, 9, 10 e 11,
todos da supracitada Lei n." 34/2014, de 31 de Dezembro, porquanto, em respeito dos
princípios de transparência, da obrigatoriedade de publicar, da Administração Pública
aberta e da proibição de excepções ilimitadas, se lhe impunha divulgar a informação de
interesse público, passível de interferir na esfera dos direitos e liberdades dos cidadãos.

Ademais, nos termos do disposto nos artigos 10 da Lei n.o 14/2011, de 10 de gosto, 25 da Lei
n.o7/2012, de 8 de Fevereiro e, 9 do Decreto n.o 30/2001, de 15 de Outubro, "a Administração
Pública deve promover a participação e defesa dos interesses dos administrados, na formação
das decisões que lhes dizem respeito", o que, in casu, não se tem verificado;

Conclui referindo que tem legitimidade para interpor o presente pedido de intimação, ao abrigo
do disposto no n.o 1 do artigo 144 da Lei n.o 7/2014, de 28 de Fevereiro, conjugado com o disposto
nas alíneas a), b) e d) do artigo 4 do Estatuto da OAM, em virtude de constatar que o
comportamento do requerido não só ofende o principio da participação dos cidadãos na
vida pública, como denega o exercício do direito fundamental a informação.

Termina, requerendo o provimento do presente pedido de intimação e, consequentemente, a


intimação do requerido, para disponibilizar e publicar a informação relevante de interesse
público referente ao plano de reassentamento das comunidades afectadas pelo projecto de
exploração de gás natural liquefeito (GNL), bem como sobre a atribuição de DUAT a favor da empresa
ANADARKO.

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Regularmente citado das alegacões do presente pedido de intimação, o requerido respondeu nos
termos constantes de fls. 49 a 56, dos autos, que se dão por integralmente reproduzidas, para
todos os efeitos legais.

No entanto, porque o requerido respondeu sem observância do disposto na norma injuntiva


prevista no n.o 1 do artigo 8 da Lei n.o 7/2014, de 28 de Fevereiro (LPPAC), embora se constate
que tenha sido notificado para aquele efeito, a referida resposta fica sem efeito, nos termos. do
disposto no artigo 33.o do CPC, aplicável por força do disposto no artigo 2 da Lei n.o 7/2017, de 28
de Fevereiro.

Os autos foram continuados com vista ao Ministério Público, tendo, o Digníssimo Magistrado,
se pronunciado e promovido nos termos seguintes:

Questão prévia

1. Não procede a alegacão para a não constituição de advogado, na medida em que o


Ministério Público representa o Estado junto dos tribunais e não as instituições
públicas, de acordo com o estabelecido no artigo 235 da CRM, actualizada e republicada
pela Lei n.o 1/2018, de 12 de Junho, e a alínea c) do n. o 1 do artigo 11 da Lei n. o 4/2017, de
18 de Janeiro (Lei Orgânica do Ministério Público e que aprova o Estatuto dos Magistrados
do Ministério Público).
2. No processo em análise, a obrigação de responder não recai sobre o Estado, mas, sim, a
entidade que praticou o acto objecto de recurso, nos termos do artigo 49 da Lei n.o
7/2014, de 28 de Fevereiro (Lei que Regula os Procedimentos Atinentes ao Processo
Administrativo Contencioso - LPPAC). Portanto, o Ministério da Terra, Ambiente e
Desenvolvimento Rural (MITADER) deve, nos termos da lei, constituir advogado, em
observância ao estabelecido no n.o1 do artigo 8 da LPPAC.

Questão de fundo

1. Analisados os autos, verifica-se a falta de informação relevante que clarifique o processo que
culminou com a atribuição, a ANADARKO, do direito de exploração exclusiva das áreas que
pertenciam as comunidades, pois, compulsados os autos, constata-se que a transferência de
DUAT da ENH, a favor da RBLL, Sociedade constituída para a exploração do gás, e onde a
ANADARKO possui 70% das acções, resulta de um pedido do Presidente do Conselho de
Administração da ENH, ao Ministro da Agricultura, conforme se afere de fol has 35, dos autos.
2. A requerente tem legitimidade e interesse na informação, no âmbito do Projecto de
Monitoria legal dos Direitos sabre a Terra e Segurança Alimentar das Comunidades afectadas
pelos Grandes investimentos, que inclui, entre outros, o projecto para a exploracao de GNL, como,
também, do processo de atribuição de DUAT de uma área de 7.000 hectares a exploração
exclusiva da ANADARKO, susceptiveis de ascender a 25.000 hectares, por pretender fazer uso
dos meios contenciosos, para tutela efectiva de seus direitos e interesses legalmente
protegidos.

3. Assim, não sendo secretas ou confidenciais as matérias requeridas pela impetrante,


promove-se a procedência do pedido de intimação para a disponibilização da informação relevante
de in t e r es s e público e sobre os processos de DUA T atribuído a exploração pela ANADARKO,
do plano de reassentamento das comunidades afectadas pela expropriação do gás natural
em Palma, em observância ao disposto nos números 1 e 2 do artigo 106 da Lei n." 7/2014, de
28 de Fevereiro, Lei que Regula os Procedimentos Atinentes ao Processo Administrativo
Contencioso).

Tudo visto.

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Compete a Primeira Secção do Contencioso Administrativo, em primeira instância, conhecer,
de entre outros, os recursos dos actos administrativos ou em matéria administrativa praticados
por membros do Conselho de Ministros, nos termos do disposto na alínea a) do artigo 28,
conjugado com a alínea b) do n.o 2 do artigo 3 da Lei n." 24/2013, de 1 de Novembro, alterada
e republicada pela Lei n. o 7/2015, de 6 de Outubro.

O exercício dos meios processuais da competência do Tribunal Administrativo depende dos


pressupostos estabelecidos na lei, porquanto, a todo o direito subjectivo público ou interesse
legalmente protegido corresponde um meio processual próprio destinado a sua tutela jurisdicional
efectiva, nos termos do disposto nos artigos 4, n.o 1, e 5, ambos da Lei n." 7/2014, de 28 de Fevereiro -
Lei que regula os Procedimentos Atinentes ao Processo Administrativo Contencioso - LPPAC.

Ora, com o objectivo de assegurar o cumprimento das normas ou deveres em causa ou, ainda, o respeito
pelo exercício do direito, qualquer pessoa, a cujos interesses a violação cause ofensa digna de tutela
jurisdicional, pode pedir a jurisdição competente que intime os órgãos administrativos para
adoptar certo comportamento ou a abster-se dele, quando os seus actos ou as respectivas
actividades violem um direito fundamental, ou quando haja justo receio de violação, nos termos do
disposto no n.o 1 do artigo 144 da Lei n.o 7/2014, de 28 de Fevereiro.

Na presente lide, tem-se que o objecto do meio processual consiste na intimação de um órgão
administrativo (requerido), para adoptar certo comportamento, que se consubstancia na
disponibilização e divulgação de informações e documentos de interesse público.

Da preposição acima postulada, muito facilmente se afere que o presente tribunal e competente,
o meio processual e pr6prio e não ocorrem excepções ou nulidades que obstem o seu conhecimento.

Ora, através da sua Comissão de Direitos Humanos (CDH), a requerente esta a levar a cabo um projecto
de Monitoria Legal dos Direitos sobre a T e r r a e S e gurança Alimentar das comunidades afectadas
pelos Grandes Projectos de Investimento, tendo como foco o projecto de exploração de gás
natural li quefeito (GN L), na região do Cabo Afungi, Distrito de Palma, na Província de Cabo Delgado,
estando, por isso, directamente interessada nos documentos e informações de interesse
público, sobre as actividades e processo de atribuição do direito de uso e aproveitamento
de terra (DUAT) a empresa ANADARKO, que vem desenvolvendo a actividade de prospecção e
exploracao de gás natural liquefeito (GNL), naquela parte do território nacional.

Nos termos do disposto nos artigos 248, n.o 1, e 252, n.o 1, ambos da Constituição da República
de Moçambique (CRM), revista pela Lei n.o1/2018, de 12 de Junho, a Administração Pública
serve o interesse público na sua actuação, e respeita os direitos dos cidadãos, de entre eles, o
direito de serem informados sempre que requeiram sobre o andamento dos processos em que
estejam directamente interessados, nos termos da lei.

Com efeito, o direito a informação vincula aos órgãos e instituições do Esta do; bem como as
entidades privadas que, ao abrigo da Lei ou por contrato, realizem actividades de interesse
publico, ou estejam adstritas a contratos de parcerias público privadas (PPP) e Projectos de
Grande Dimensão (PGD), que é o caso da empresa ANADARKO, nos termos do disposto no artigo
2, n.o s 1 e 2, alínea b ), do Regulamento da Lei do Direito a I nformação, aprovado pelo Decreto
n." 35/2015, de 31 de Dezembro.

Mais, as referidas entidades devem, ainda, divulgar a informação relativa aos relatórios de
avaliação de impacto ambiental, assim como sobre os conteúdos dos estudos referentes
ao processo de reassentamento, nos termos do disposto na alínea d) do n. o 2 da Lei n. o 34/2014,
de 31 de Dezembro, conjugado com o disposto no n.o 1 do artigo 14 do Regulamento aprovado

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pelo Decreto n.o 31/2012, de 8 de Agosto, aplicável ex vi do disposto na parte final do n." 1 do
artigo 48 da CRM, segundo o qual o direito a informação constitui um dos direitos fundamentais
dos cidadãos.

Pela localização, objecto e dimensão, o projecto de exploração de gás natural liquefeito (GNL),
levado a cabo pela empresa ANADARKO Moçambique, classifica-se como sendo projecto de grande
dimensão (PGD), que, na sua implementação, integra a fase de "elaboração dos estudos de
viabilidade técnica e ambiental", nos termos do disposto no n.o1 do artigo 6 do Decreto- Lei n.o
2/2014, de 2 de Dezembro, conjugado com o disposto na alínea c) do n.o 1 do artigo 9 do
Regulamento da Lei sobre Parcerias Público-privadas, Projectos de Grande Dimensão e
Concessões Empresariais, aprovado pelo Decreto n.o 16/2012, de 4 de Junho.

É dispensável a realização de concurso público para contratação de projectos de grande dimensão,


apenas, quando os mesmos se destinam a ser implementados em áreas que não seja de
domínio público, e cujo desenvolvimento não envolva a extracção e exploracao de recursos
naturais nacionais (vide, n.o 2 do artigo 29 do Regulamento aprovado pelo Decreto n.o 16/2012,
de 4 de Junho), o que não é o caso da ANADARKO Moçambique.

Porquanto, aquela empresa tem como o b j e c t o a exploração de gás natural liquefeito ( GNL) n a
1
z ona marítima e nas j a z i d a s m i n e i r a s localizadas n o território nacional (Distrito de Palma, na
Província de Cabo Delgado) aliás, nos termos do disposto nas alíneas a) e h) do n.o 2 do artigo 98
da CRM, constituem domínio público.

Do acima referido resulta o carácter de interesse público do projecto desenvolvido pela


empresa ANADARKO Moçambique e, por isso, a obrigatoriedade de divulgação de todo o
processo de contratação pública e adjudicação do respectivo contrato de concessão aos cidadãos
interessados e ao público, em geral.

Mais, considerando que o referido projecto tem um grande impacto no ordenamento territorial
nacional, porquanto, está a ser implementado numa área de 7.000 ha, com possibilidade de ascender
a 25.000 ha, resulta que todos os cidadãos, comunidades locais, pessoas colectivas e privadas,
tenham o direito a informação sobre o mesmo, bem como de participação na implementação do
projecto e na elaboração dos instrumentos de ordenamento territorial, nos termos do
disposto nos artigos 21 e 22, ambos da Lei n.o 19/2007, de 18 de Julho (Lei do Ordenamento
do Territ6rio).

É certo que a aprovação e assinatura do "Plano de Desenvolvimento", do qual faz parte o "Relatório
de Avaliação de impacto Ambiental" do projecto, compete ao Ministro que superintende o
sector de petróle os, nos termos do disposto na alínea k) do anexo B, conjugado com o disposto
nos artigos 8, n.o 6, e 3, ambos do Decreto-Lei n.o 2/2014, de 2 de Dezembro.

Todavia, é ao Ministro que superintende a área do ambiente (no caso, o requerido), a


quem compete aprovar o "Termo de Referência - TdR", o “Relatório de Estudo de Impacto
Ambiental - EIA", bem como emitir a "Licença Ambiental", no âmbito dos projectos e
operações petrolíferas, nos termos do disposto nas alíneas d), e) e j) do n.o 1 do artigo 6 do
Regulamento Ambiental para as Operações Petrolíferas, aprovado pelo Decreto n.o 56/2010, de 22
de Novembro.

Por todo o exposto, os Juízes Conselheiros deste tribunal, deliberam, em primeira instância,
e ao abrigo do disposto no artigo 147, conjugado com o artigo 144, n.o 1, ambos da Lei n.o 7/2014,
de 28 de Fevereiro, dar provimento ao presente pedido de intimação, interposto pela ORDEM
DOS ADVOGADOS DE MOÇAMBIQUE (OAM), por provado e, consequentemente, intimar o Ministro

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da Terra, Ambiente e Desenvolvimento Rural, bem como a concessionária ANADARKO Moçambique,
para, no prazo de 21 (vinte e um) dias, contados a partir da data da notificação da
presente decisão, disponibilizarem a requerente, bem corno rnandar divulgar, através dos meios
previstos no n.o 3 do artigo 6 da Lei n.o 34/2014, de 31 de Dezembro, designadamente, no
Boletim da Republica (BR), na página oficial de internet, incluindo a afixação em lugares de estilo,
com enfoque na divulgação a ser feita através da base de dados do Sistema de informação
Geográfica (S.I.G), além da informação solicitada pela requerente, a seguinte informação e
documentos, em língua oficial (português), sem prejuízo da natureza sigilosa e secreta dos
mesmos:

1. Plano de ordenamento territorial Província de Cabo Delgado);


2. Processo Foral, referente a atribuição exclusiva d o d i r e i t o de uso e aproveitamento
de terra (DUAT) sobre uma área de 7.000 hectares, de um total de 25.000 hectares,
a favor da Empresa Nacional de Hidrocarbonetos (ENH);
3. Título definitivo do D U A T referido no n ú m e r o anterior, porquanto, transferido para a
ANADARKO Moçambique;
4. Cópia do projecto de investimento devidamente aprovado pelo Governo, que serviu
de base para atribuição do DUAT, ano de desenvolvimento do projecto de exploração de
gás natural liquefeito - "GNL", pela ANADARKO Moçambique:
5. Relatório de avaliação do impacto ambiental do aludido projecto de exploracao de
"GNL;
6. Termo de R e f e r ê n c i a - TdR” do p r o j e c t o e operações petrolíferas desenvolvidos
pela ANADARKO Moçambique;
7. Licença Ambiental do projecto e operações petrolíferas desenvolvidos pela ANADARKO
Moç ambique ;
8. Actas de consultas públicas, realizadas ao abrigo do disposto no artigo 36 do
Regulamento aprovado pelo Decreto n.o 23/2008, de 1 de Julho, bem como no artigo
13 Regulamento aprovado pelo Decreto n.o 31/2012, de 8 de Agosto;
9. Cópia da de claraç ão públi ca do i n t e r e s s e , nec essi dad e ou u t i l i d a d e pública da área
expropriada, acima indicada, devidamente publicada no Boletim da República;
10. Processo expropriatório das áreas r e f e r i d as nos números anteriores, no qual s e i n c l u e m os
planos d e p a g a m e n t o de i n d e m n i z a ç õ e s a s comunidades locais;
11. Parecer de conformidade do Plano de reassentamento das comunidades, afectadas pelo
projecto de exploração de "GNL" (vide, n.o 2 do artigo 9 do Regulamento aprovado pelo
Decreto n.o 31/2012, de 8 de Agosto);
12. Relatórios de monitoria e avaliação do processo de reassentamento das comunidades
em causa.

Sem custas.

Registe-se e notifique-se, com a menção da possibilidade de interposição de recurso de apelação,


em matéria de direito, junto do Plenário do Tribunal Administrativo, no prazo de 10 {dez) dias,
ao abrigo do disposto nos artigos 164, n.o 2, e 174, n.o1, ambos da Lei n.o 7/2014, de 28 de Fevereiro,
conjugado com o disposto no n.o 2, do artigo 40, da Lei n.o 24/2013, de 1 de Novembro, alterada
e republicada pela Lei n.o 7/2015, de 6 de Outubro.

Maputo, 17 de Outubro de 2019

Contencioso de Interesse Público / Litigação Estratégica

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Os litígios de interesse público diferem dos litígios convencionais, em que as partes
procuram resolver um litígio que lhes é próprio e em que não há impacto no público,
excepto na medida em que clarifica a lei sobre esse ponto. Os litígios de interesse
público, pelo contrário, envolvem geralmente litígios sobre os direitos do público ou
de um segmento do mesmo e a queixa é frequentemente contra o Estado no que diz
respeito à acção administrativa ou executiva. Os litígios de interesse público são
normalmente iniciados por grupos de interesse público e por particulares. Algumas
leis apoiam os litígios de interesse público, permitindo, de um modo geral, que as
acções reduzam qualquer "perigo iminente ou substancial para a saúde ou o
ambiente". Estas leis aplicam-se mais frequentemente a questões que envolvem
resíduos perigosos.
Os recursos em litígios de interesse público incluem: uma injunção preliminar,
temporária, interlocutória ou permanente, ou uma sentença declarativa que
estabeleça os direitos, deveres e obrigações das partes sem ordenar qualquer acção
ou conceder qualquer indemnização. Muitas vezes, os litigantes de interesse público
procurarão obter uma ordem para os custos do litígio.
Os poderes judiciais em alguns Estados, por exemplo, na Índia e no Paquistão,
alargam-se à possibilidade de permitir que cartas e petições ao tribunal sejam
convertidas em litígios de interesse público. Uma carta da Sociedade do Bem-Estar
das Mulheres da Administração de Karachi, por exemplo, queixando-se da poluição
da água para uso doméstico por esgotos, foi convertida pelo Supremo Tribunal no
processo nº 9-K/1992, relativo aos direitos humanos.
Quando uma Constituição inclui o direito a um ambiente limpo e saudável, os
tribunais têm frequentemente permitido litígios de interesse público.
The Environmental Action Network Ltd Vs. Procuradoria-Geral e a Autoridade
Nacional de Gestão Ambiental
(Tribunal Superior da Uganda, em Kampala, Misc. App. 39/2001)
Considerou-se que o artigo 50 da Constituição do Uganda permite litígios de interesse
público.

A Constituição Sul-africana e os Direitos Ambientais


Wildlife Society of Southern Africa & Others Vs Ministro de Assuntos
Ambientais & Turismo & Outros, Processo 1672/1995 (África do Sul)
A inclusão dos direitos ambientais na Constituição sul-africana alargou a sua
posição o que permitiu a membros de grupos ambientalistas impor a aplicação
do Decreto 9 (Conservação do Ambiente) (1992) promulgado pelo Governo da
Transkei).

Quénia

Joseph Leboo e mais 2 Vs Diretor Serviços Florestais do Quênia e outro. Meio Ambiente
e Terra nº 273 de 2013.

O tribunal é obrigado pelo queixoso a impedir o Director do Serviço Florestal do


Quénia a alocar serrações para extrair madeira e materiais combustíveis da floresta
de Lembus.

Os queixosos alegam que essas atribuições se realizaram sem envolver a comunidade


local, tal como estipulado pelas Regras de Participação na Gestão Florestal

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Sustentável e pela Lei de Florestas. O Director do Serviço Florestal do Quénia afirmou
que todos as serrações são qualificadas e que toda a autorização foi dada com a ideia
de promover a sustentabilidade.
O tribunal considerou que a ausência de participação pública, com a não inclusão
da comunidade local, e a ausência de provas que mostrem que as árvores foram
cortadas de forma sustentável é suficiente para exigir que todas as actividades de
corte na Floresta de Lembus sejam restringidas.

Os tribunais também abriram portas, portas à aplicação das leis e tratados assinados
pelo Estado pelos cidadãos. O Supremo Tribunal do Nepal, por exemplo, aceitou a
legitimidade dos indivíduos que intentam acções de interesse público para proteger
a propriedade pública e o "direito público" de fazer com que o governo aja de acordo
com os Princípios Directivos da Constituição. O Tribunal enfatizou a obrigação do
governo de cumprir as suas obrigações sob a Convenção da UNESCO para a
Protecção do Património Mundial Cultural e Natural de 1972, de que o Estado é
parte. O Tribunal ordenou que o governo formulasse uma política nacional relativa
aos locais religiosos, culturais e históricos de importância. Prakash Mani Sharma e
outros em nome de Pro Public vs. Primeiro-Ministro e outros, 312 NRL 1997 (SC, Nepal);
Ver também Prakash Mani Sharma & Others Pro Public v. HMG, Secretariado do
Gabinete e outros, Writ No. 3017 (1995) (SC, Nepal). Contestando uma decisão do
governo de desmantelar as estruturas históricas existentes para construir um
parque nas margens do rio Bagmati. O Supremo Tribunal ordenou a diferentes
órgãos governamentais para garantirem a protecção do ambiente, incluindo áreas
religiosas, arqueológicas e culturais importantes.

Uma questão fundamental em matéria de litígio de interesse público é a de saber se


o estatuto pertence apenas a indivíduos ou também a organizações não-
governamentais (ONG). Muitas jurisdições reconheceram a capacidade das ONG de
processar em nome dos seus membros. Por exemplo, na Índia, o locus standi foi
tornado suficientemente flexível para permitir o início de litígios de interesse público
por organizações ou indivíduos interessados.
O Supremo Tribunal indiano declarou essencialmente que existem duas categorias
de legitimidade: legitimidade representativa e legitimidade cidadã (ver Judges
Transfer Case AIR 1982 SC 149). A representatividade permite aos grupos de
interesse público e outros representar pessoas ou comunidades lesadas, geralmente
em casos de direitos fundamentais. A representatividade permite aos grupos ou
pessoas interessadas afirmar que, enquanto cidadãos, têm interesse numa questão
de importância nacional; é normalmente utilizada na área do direito administrativo.
(Ver, por exemplo, M.C.. Mehta v. Kamal Nath e

Ministério Público vs Conselho Comunitário de Pescadores de Madava


Em 2017 o Ministério Público tomou conhecimento da actividade de pesca de tubarões
realizada por pescadores da praia de Madava, distrito de Jangamo, província de
Inhambane. No mesmo ano o Ministério Público intentou uma Acção Popular não
especificada contra o Conselho de Pescadores de Madava, Baia dos Cocos, distrito de
Inhambane, província de Inhambane, para que esta se abstivesse dos referidos actos,
dada a sua ilegalidade, de acordo com a legislação ambiental. Por falta de informação
que permitisse avaliar com objectividade as restrições da pesca do tubarão impostas
por lei o Tribunal Administrativo decidiu dar provimento parcial ao pedido do Ministério

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Público, permitindo que a actividade de pesca pudesse continuar, mas obedecendo a
legislação em vigor.

Defesa de interesse público


Shela Zia e outros v. WAPDA, PLD 1994 SC 693.
O Supremo Tribunal do Paquistão considerou que o direito a um ambiente limpo é um
direito fundamental de todos os cidadãos do Paquistão abrangidos pelo direito à vida e à
dignidade nas artes. arts. 6 e 14 da Constituição de 1973. O acórdão esclareceu que os
litígios de interesse público podiam ser instaurados sem a necessidade de legitimidade para
processar ou de ser directamente afectados como "lesados". Após essa decisão, a Pakistan
Chest Foundation e outros intentaram uma acção contra o governo, afirmando que a
publicidade ao tabaco deveria ser proibida como uma violação do direito à saúde e uma
ameaça aos direitos humanos. Ao abordar a questão da legitimidade, o Tribunal Superior
de Lahore sustentou que um litígio de interesse público pode ser iniciado por qualquer
pessoa pública que sinta o mal que lhe é feito a si e a outras pessoas ou que pode ser
instaurado em nome de uma organização ou associação voluntária que se vocacione a
trabalhar e proteger os direitos das pessoas em determinados domínios específicos. Essas
pessoas, organismos ou associações não podem ser designadas como pessoas sem vínculo
com as causas envolvidas nos casos que apresentam. O tribunal ordenou a proibição de
publicidade ao tabaco no prazo de três anos a contar da data da sentença. (Pakistan Chest
Foundation e outros v. Government of Pakistan, 1997 CLC 1379).

Referências de outros casos de interesse

Outros, 1 Sup. Ct. 388 (1997); M.C. Mehta v. Union of India e o., Petição por escrito
(Civil) No. 860 1991 (Sup. Ct., India); M.C. Mehta v. Union of India e o., AIR 1988 SC
1037; M.C. Mehta e outros vs. Shriram Food and Fertilizer Industries e Union of India,
AIR 1987 SC 965; casos arquivados pela Environmental Foundation Ltd. no Sri
Lanka: Mendis v. Dublin de Silva ([1990] 2 Sri L R 249, Sri Lanka).

Exercícios

1. O pedido de recurso suscitou um caso de interesse público em nome dos


consumidores e dos potenciais consumidores dos cosméticos inquiridos. A
questão para determinar se o fundamento do recorrente foi adequadamente
apresentado aos tribunais, uma vez que não utilizou os cosméticos e, portanto,
não tinha fundamento ou se não se tratava de uma acção por negligência das
pessoas afectadas. A Constituição do país prevê o direito a um ambiente limpo
e saudável.
➢ Discutir as questões para determinação no contexto das leis nacionais.

Resumo da Unidade 1
1. Aplicação do acesso à justiça em questões ambientais, ao abrigo do Princípio
X da Declaração do Rio a nível nacional
2. Controlo judicial da participação pública na gestão ambiental
3. Tribunais e litígios de interesse público em questões ambientais
4. ...

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Referências Bibliográficas:
Convenções Regionais Africanas e Internacionais Relevantes:
- 1966 International Covenant on Civil and Political Rights (ICCPR)
- 1998 Convention on access to information, public participation in decision-making
and access to justice in environmental matters

Further Readings
https://www.unece.org/fileadmin/DAM/env/pp/a.to.j/AnalyticalStudies/Spain_A2J_Environment.pdf
https://www.mayerbrown.com/files/uploads/Documents/PDFs/AmChamEUNewsDigest.pdf
https://repositorio.cepal.org/bitstream/handle/11362/43302/1/S1701020_en.pdf
https://friendsoftheearth.uk/sites/default/files/downloads/caje_general_briefing.pdf

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Unidade 2: Produção de Prova em Casos Ambientais
Esta unidade contribui para chamar a atenção dos magistrados para as questões
práticas do julgamento, especialmente quando se trata de provas técnicas, dada a
sua importância inescapável para o processo de casos ambientais.

Prova em Matéria Ambiental


a) Aspectos Gerais sobre a Questão da Prova em Matéria Ambiental

Os tribunais de primeira instância devem dispor das provas necessárias para decidir
questões de facto, a fim de resolver litígios e evitar os recursos. Os litígios ambientais
envolvem frequentemente a consideração de provas científicas, análises económicas
e sociológicas. No entanto, se as provas não forem necessárias ou relevantes,
conduzindo assim a uma decisão inadequada, o resultado é mais difícil de corrigir,
mesmo quando o sistema judicial permite um recurso quanto ao mérito de uma
determinada decisão ambiental.
b) Questões gerais de prova em casos ambientais

No sistema jurídico baseado no contraditório, a obrigação de apresentar provas recai


sobre os advogados de cada uma das partes e presume-se que estes apresentarão
todas as provas e argumentos jurídicos para apoiar as suas posições. No entanto, os
magistrados geralmente têm autoridade para nomear peritos ou fazer visitas ao local
para obter as melhores provas sobre as condições ambientais em questão.

c) Provas científicas concorrentes: Quem está correcto?

O magistrado terá frequentemente de ponderar os testemunhos contraditórios dos


peritos científicos. Como questão prática, a questão do testemunho de peritos é mais
problemática quando os peritos foram contratados e pagos por uma ou outra parte.
Pode dar a impressão, e pode ser a realidade, de que a opinião dos peritos está mais
na natureza da defesa da entidade patronal do que na análise imparcial dos peritos.
O Tribunal pode designar um perito do Tribunal que pode ser interrogado pelas
partes quando considerar que a testemunha pericial convocada pelas partes não foi
neutra.

No caso Anderson v. American Smelting & Refining Co., 265 Fed. 928 (1919), o
tribunal indicou alguns dos problemas:

“Não se deve ignorar que as testemunhas que depõem são por vezes inconscientemente
influenciadas pelo seu ambiente e que as suas provas são coloridas, se não
determinadas, pelo seu ponto de vista". O peso a atribuir a essas provas deve ser
determinado em função dos conhecimentos, da formação, do poder de observação e
análise e, em geral, do equipamento mental de cada testemunha, assumindo que as
testemunhas de cada uma das partes foram honestas e tiveram a intenção de
testemunhar a verdade tal como a perceberam”.

d) Quem é uma testemunha especializada?

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Uma testemunha especialista é um perito chamado por uma das partes no caso. Um
perito chamado pelo Tribunal como testemunha é referido como perito do Tribunal.
É importante fazer uma distinção entre uma testemunha pericial e os peritos do
tribunal, pois estes últimos são mais preferíveis pelo facto de serem chamados pelo
Tribunal.

O dever do perito é de fornecer ao magistrado ou ao júri “os critérios científicos


necessários para testar a exactidão das suas conclusões, de modo a permitir que o
magistrado ou júri forme seu próprio juízo independente através da aplicação destes
critérios aos factos fornecidos como prova”227.

Em algumas jurisdições, espera-se que o perito seja uma parte neutra que faça uma
avaliação objectiva de uma proposta de desenvolvimento ou do impacto de uma
determinada actividade sobre o ambiente.

Muitas vezes, no entanto, os peritos são vistos como "armas contratadas" que
aparecem de um lado ou do outro num litígio. Esta é a razão pela qual muitos
tribunais, incluindo tribunais ambientais especializados, fornecem regras especiais
ou instruções práticas para indicar que o perito está presente para aconselhar o
tribunal.

e) Utilização de relatórios de peritos

Na maioria dos casos, os relatórios dos peritos podem ser muito dispendiosos para
as partes, o tribunal só deve exigir a elaboração de relatórios de peritos após um
esforço inicial para identificar as questões indiscutíveis.
Em contrapartida, a preparação do relatório de um perito pode ser muito útil na
identificação de áreas de litígio e de acordo. Por exemplo, os relatórios elaborados
por peritos concorrentes podem revelar um acordo substancial sobre os dados e
análises centrais subjacentes.
Ao exigir a preparação e divulgação dos relatórios dos peritos, o tribunal deve
considerar se a divulgação deve ser feita por fases. Por exemplo, exigir relatórios
sobre a questão da responsabilidade antes da análise dos danos pode evitar despesas
desnecessárias, se o tribunal determinar que não há razões suficientes para avançar.
A exigência de relatórios de peritos pode ser útil para:

• Obrigar as partes a se concentrarem nos pontos fortes e fracos do seu próprio


caso;
• O intercâmbio de relatórios ajuda o tribunal a aprender e ajuda as partes a
reduzir as questões;
• Identificar áreas de possível acordo;
• Obrigar a uma melhor preparação para o julgamento;
• A divulgação pode incentivar uma liquidação antecipada.
f) Provas produzidas por peritos.

227 Davie v Lord Provost, magistrados e conselheiros da cidade de Edimburgo

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No caso da Loja de Ferreiro (2011), o tribunal baseou a sua decisão no relatório do
perito designado, que concluiu que a loja de ferreiro, num bairro residencial, faz
barulho, perturba e polui. Baseando-se nas provas apresentadas pelas autoridades
locais, que já tinham visitado o objecto do litígio e ordenado ao seu proprietário que
mudasse de profissão ou deixasse de a exercer, concluiu pela existência de danos e
decidiu pela sua remoção. Consequentemente, a sua decisão foi bem fundamentada
e bem justificada. O pedido foi rejeitado.
g) Testemunhas judiciais

O Tribunal pode descobrir que as partes não estão a fazer um trabalho adequado
explicação das provas científicas para as tornar compreensíveis para o magistrado
que poderá apreciar o caso. O magistrado pode, portanto, ter necessidade de
procurar assistência para compreender as questões científicas.

Poderá ser útil que um perito neutro apresente ao magistrado um tutorial (guião)
sobre aspectos básicos da questão científica, antes de serem apresentadas as provas
do caso pelos peritos concorrentes.
Exemplo de nomeação de peritos judiciais:

Contencioso rural e direitos rurais, Kendera contra State of U.P AIR 1988 Sc 2187.

Ranganathan Misra e Murari Mohan Dutt, Jj. O caso surgiu quando o Supremo
Tribunal determinou que uma carta recebida do peticionário alegando que a a
exploração mineira não autorizada e ilegal afectava negativamente a ecologia da
região e causava danos ambientais, para ser registada como petição escrita nos
termos do artigo 32º da Constituição e emitiu uma notificação sobre os inquiridos.
O pedido foi aceite: Foram levados em consideração vários relatórios elaborados pelas
Comissões de Peritos designados para o efeito.

Tendo considerado vários relatórios feitos por Comités de Peritos nomeados pelo
Tribunal Supremo para examinar as implicações ambientais da mineração de
calcário no vale de Dehra Dun, o Tribunal, por despacho de 19 de Outubro de 1987,
ordenou que a mineração na área fosse interrompida, com excepção de três minas
para as quais os arrendamentos não haviam expirado. As operações destas também
deveriam estar sujeitas a condições adicionais estabelecidas pelo Tribunal. Ao
apresentar as razões da sua decisão, o Tribunal declarou: "As petições por escrito
diante de nós não são disputas entre partes e foram levantadas por meio de litigações
de interesse público, e a controvérsia perante o Tribunal é se para a segurança social
e para a criação de um ambiente não perigoso para as pessoas que ali vivem, a
mineração na área deve ser interrompida ou permitida. "O Tribunal observou que o
calcário de Doon Valley é um presente da natureza para a humanidade e que as
florestas fornecem o cinturão verde e são uma herança das gerações passadas às
gerações presentes. Observou também que o problema da preservação e protecção
das florestas não deveria mais ser separado do estilo de vida do povo daquela tribo.
h) Normas de prova

Vale a pena examinar o contexto em que a prova é apresentada e, em particular, o


nível de prova de acordo com esse contexto.

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“Para além da dúvida razoável ” – Este é o padrão de prova usado na maioria dos
casos criminais, como nos processos penais por violação das leis ambientais. O
promotor deve provar cada elemento da infracção, ou dano, para além de qualquer
dúvida razoável.

“Equilíbrio de probabilidade” – Mais provável do que não provável: este é o nível de


prova exigido na maioria dos casos civis, como as acções civis para avaliar sanções
civis, recuperar danos causados aos recursos naturais, entre outros. Em qualquer
acção cível, o ónus da persuasão quanto ao cometimento por uma das partes de um
crime diretamente em questão exige provas além de qualquer dúvida razoável que se
possa ter.

i) Ónus da prova

Nos processos penais, o ónus da prova cabe ao promotor. Nos processos cíveis, o
requerente e o requerido dependem da parte com o ónus da prova, Em alguns casos
- conexos - o ónus da prova recai sobre ambos, dependendo da parte que tem o ónus
da persuasão quanto à existência ou não existência do ónus da prova que é essencial
para a reivindicação ou defesa que essa parte está a afirmar.

É de salientar que, em conformidade com a abordagem cautelar, algumas jurisdições


exigiram ao proponente de uma actividade que provasse que esta não causaria danos
ou que os causaria pouco, em vez de exigir que o oponente provasse que os danos são
prováveis ou que serão causados.
O Juiz Trenorden, Juiz Presidente do Tribunal do Ambiente, Recursos e
Desenvolvimento da Austrália do Sul, declarou228: “Coloca-se a questão de saber
quem tem o ónus de nos satisfazer de que o desenvolvimento proposto seria realizado
de uma forma ecologicamente sustentável, e localizado, localizado, concebido,
construído e conseguido ser ecologicamente sustentável. É bem aceite na literatura, e
é lógico, que o proponente precisa de nos satisfazer de que o desenvolvimento seria
ecologicamente sustentável. No caso em apreço, será que o proponente é chamado a
provar isso, apenas quando o proponente tiver provado, no balanço das
probabilidades, que existe uma ameaça de danos graves ou irreversíveis para o
ambiente? Não pode ser esse o caso. Se isso for demonstrado, o ónus da prova passa
para o proponente e será necessário que este demonstre, para que o seu
desenvolvimento seja classificado como ecologicamente sustentável, o seguinte:

• As medidas que o proponente irá tomar (dentro dos limites da exequibilidade)


para evitar danos graves ou irreversíveis para o ambiente; e,
• Que as consequências ponderadas pelo risco do desenvolvimento, avaliado em
conjunto, não sugerem a ocorrência de danos ambientais graves ou
irreversíveis”.

j) Provas científicas e jurídicas comparadas

O próprio termo "científico" implica um fundamento nos métodos e procedimentos


da ciência. O conhecimento conota mais do que uma crença especulativa ou uma
conjectura não apoiada. O termo aplica-se a qualquer pessoa de factos conhecidos

Conservation Council of South Australia v Development Assessment Committee and Tuna Boat
228

Owners Association (No. 2)

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ou a qualquer conjunto de ideias inferidas a partir de tais factos ou aceites como
verdadeiras com bases sólidas.
A natureza da ciência é que é caracterizada pela incerteza. Os estudos científicos
apenas relatam os dados e as conclusões provisórias retiradas dos dados.
Normalmente, são identificadas questões para investigação ou estudo futuros.
O testemunho científico não precisa de ser conhecido com certeza, mas as inferências
e afirmações devem ser derivadas pelo método científico. Pede-se aos juízes que
apliquem regras em matéria de prova quando existem ambiguidades e os peritos
diferem. As provas devem, em geral, ajudar o provador a compreender a questão e
devem assentar em princípios fiáveis e válidos do ponto de vista científico. O
magistrado pode ser chamado a fazer conclusões de facto sobre a fiabilidade de
metodologias científicas complicadas.

O juiz terá frequentemente de ponderar os testemunhos contraditórios dos peritos


científicos. O juiz deve saber que os cientistas, ao formularem as suas opiniões,
podem não estar a trabalhar com conceitos de probabilidade que correspondam
perfeitamente às normas legais de prova para processos penais e civis. O grau de
certeza que atribuem a uma determinada proposta pode ou não traduzir-se
facilmente num padrão de prova de "equilíbrio de probabilidade" ou "para além de
uma dúvida razoável". Os juízes devem estar conscientes desta potencial dissonância
e tentar assegurar que o testemunho dos peritos oferecidos permita a necessária
correlação entre o parecer científico e as normas jurídicas em matéria de prova.

Seychelles

República Vs. Marengo e outros (11 de 2003) [2004] SCSC 7 (17 de maio de 2004).

Neste caso, os conhecimentos especializados necessários ao Tribunal dizem respeito


à identificação da carne produzida pelo Ministério Público a partir da posse do
Acusado. São eles carne de tartaruga e carne de "mamíferos" ou de algum outro
animal ou de alguma outra espécie de mamíferos marinhos ou de aves não proibidas?
Embora o estudo das tartarugas marinhas se insira estritamente no campo da
Biologia Marinha, o Sr. Remy, pelas suas qualificações em ciências biológicas em
geral, e pela sua formação específica em tartarugas marinhas, juntamente com a sua
experiência, era suficientemente competente para identificar a carne de tartaruga
através da observação visual da morfologia de base, especialmente da barbatana
caudal de uma das garras.
O Tribunal constatou que, para os fins limitados deste caso, não havia necessidade
de efectuar testes científicos ou de ADN para identificar a carne. O Tribunal
constatou que o Sr. Remy era uma testemunha especializada competente em cuja
opinião o Tribunal podia confiar para determinar que as peças produzidas são
efectivamente carne de tartaruga e que, embora não fosse possível obter amostras de
carne de aves devido ao estado do recipiente, havia efectivamente 36,42 kg de carne
de aves que ele identificou como sendo de "maminhas", que se encontravam em dois
sacos de pólvora juntamente com os sacos que continham carne de tartaruga. A não
produção de carne de aves ficou, portanto, a dever-se à impossibilidade, pelo que o
Tribunal aceita as provas secundárias do Sr. Remy.

A Questão da Prova em Matéria Ambiental à Nível Nacional

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Tomando em consideração que o regime de responsabilidade civil 229 por danos
ambientais, deve ser aplicado a situações em que:
• Há um ou mais actores identificáveis (poluidores);
• O dano é concreto e quantificável; e
• É possível estabelecer um nexo de causalidade entre o dano e as acções
do(s) poluidor(es) identificado(s).

Como resultado, é muito mais fácil estabelecer responsabilidade por actividades,


como por exemplo acidentes industriais, eliminação de resíduos perigosos, ou
poluição da água por “fontes pontuais” distintas, como no fim do tubo de descarga
de poluentes, do que para fontes difusas de poluição, como o escoamento agrícola
ou urbano (“fontes não pontuais”), chuva ácida ou por poluição por automóveis onde
é difícil ou impossível vincular os efeitos ambientais negativos com a actividades de
actores individuais específicos. Assim a questão da produção da prova em matéria
ambiental deve merecer diligências peculiares.

Deve-se ter em atenção a necessidade de chamar sempre a colação, em casos desta


natureza, do princípio da precaução, enquanto princípio do Direito Ambiental, que
deverá ser aplicado às situações de ameaça de ocorrência de danos graves e/ou
irreversíveis ainda que cientificamente incertos. A existência de incerteza científica
com relação à potencialidade de ocorrência de danos ambientais decorrentes da
introdução de novas actividades económicas no ambiente é o que justifica a
necessidade de sua aplicação.

Como imperativo da aplicação do princípio da precaução, nas acções judiciais


ambientais, a inversão do ónus da prova230 é utilizada como regra de julgamento em
prol do ambiente impondo ao causador (ou potencial causador) do dano ambiental o
ónus de provar que a sua conduta não causou a lesão em causa ao ambiente.

Da aplicação do princípio da precaução231, inverte-se o ónus probatório para que o


potencial causador do dano prove que sua actividade não causará dano ambiental
grave ou irreversível, ou ainda, que não causará dano de difícil reparação. Nas
demandas ambientais, a inversão do ónus da prova consubstancia-se na imposição
ao autor do dano potencial para que este prove, com antecedência, que a implantação
da sua actividade não causará degradação significativa ao ambiente envolvente do
local onde esta será implementada.

Assim, comprovada a lesão ambiental, torna-se indispensável que se estabeleça uma


relação de causa e efeito entre o comportamento do agente e o dano dele proveniente.
Para tanto, basta que se demonstre a existência do dano sobre o qual o exercício de
uma actividade perigosa exerceu uma influência decisiva. Nesse particular, vale
ressaltar que, mesmo que a conduta do agente não seja ilícita, se dessa actividade
resultar algum dano ao ambiente, haverá responsabilização por dano ambiental.

Inverte-se o ónus da prova nas demandas ambientais primeiro porque o direito ao


meio ambiente ecologicamente equilibrado é de responsabilidade e interesse público,
até pela sua natureza jurídica de bem difuso, pertencente a todos de forma indistinta,

229 Cf. artigo 26.° da Lei do Ambiente e artigo 45.° da Lei de Conservação
230 Cf. Artigo 344.° do Código Civil.
231 Cf. Artigo 3.° do RAIA de 2015.

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bem como, porque a responsabilidade sobre os danos causados é objectiva, de acordo
com o disposto no artigo 26.° da Lei do Ambiente, independendo de comprovação de
culpa do agente: basta que se prove o dano e o nexo de causalidade, para que haja
responsabilização do agente.

A aplicação do princípio da precaução traz a necessidade de inversão do ónus


probatório nas demandas ambientais quando houver incerteza científica sobre os
possíveis danos ambientais advindos da instalação de determinadas actividades
económicas, para que o provável causador do dano prove, com antecipação, que sua
actividade não degradará o meio ambiente, ou, mesmo que ocorra, provar que esta
degradação ambiental não causará dano grave ou irreversível.

Nas acções judiciais ambientais, a inversão do ónus da prova deve ser utilizada como
regra de julgamento em prol do ambiente: repressivamente impõe-se ao causador do
dano ambiental o ónus de provar que a sua conduta não causou o dano ambiental.
Preventivamente, e em aplicação do princípio da precaução, deve inverter-se o ónus
probatório para que o potencial causador do dano prove nas actividades em que paire
alguma incerteza científica, que esta não causará dano ambiental grave ou
irreversível, ou ainda, que não causará dano de difícil reparação. Portanto,
inicialmente, ao se trabalhar com a inversão do ónus da prova como regra de
julgamento à disposição do magistrado nas acções de responsabilidade civil
ambiental, onde haja já a concretização do dano, pela aplicação do princípio da
precaução vai-se mais além: há a imposição da inversão do ónus da prova como regra
de julgamento em prol do ambiente até quando houver incerteza científica sobre o
dano, ainda na fase prévia de instalação da actividade económica para que o
empreendedor prove desde o início, que a sua actividade não causará dano
ambiental. Daí que os estudos da avaliação ambiental devam ser conduzidos pelos
proponentes e aprovados pela entidade competente, nos termos do disposto no
Regulamento sobre o Processo de Avaliação do Impacto Ambiental 232. O relatório é
normalmente elaborado por peritos independentes devidamente credenciados233 para
o efeito, contratados pelo proponente da actividade e uma vez aprovado, fica
arquivado nas instalações da entidade com competência para emitir a licença
ambiental nos termos do artigo 6 do regulamento acima aludido.

É recorrendo a este manancial de documentos técnicos (compostos por análises


cientificas e socioecónomicas), que o proponente que exerce actividade com potencial
de lesar o ambiente de forma licita, é obrigado a submeter para apreciação e
aprovação pela entidade competente, que o magistrado pode se socorrer em caso de
incerteza sobre a ocorrência e origem do dano, para produzir a prova, com recurso a
peritos, caso se mostre necessário, que lhe ira permitir estabelecer o nexo de
causalidade entre o dano ocorrido e o facto que o originou.

Partindo do postulado de que em todas as áreas do conhecimento técnico-científico


para as quais o conhecimento jurídico do magistrado não é suficiente para emitir
opinião técnica a respeito, faz-se necessária uma perícia para se apurar as
circunstâncias e/ou causas relativas a factos reais, com vistas ao esclarecimento da
verdade, também no domínio ambiental, o magistrado pode auxiliar-se de

232 Cf. Arts. 3.°, 6°, 8°, 20° e 21° do RAIA de 2015.
233 Cf. Artigo 26° do RAIA de 2015.

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consultores ambientais234, para realizarem a peritagem ambiental235 (entendida
como, a investigação realizada por um grupo integrado por peritos e especialistas
de idoneidade e reputação reconhecida, tendo a finalidade de avaliar a gravidade e
os custos dos danos causados ao ambiente. Tal processo deve considerar um
estudo de impacto ambiental, que baseado nas razões sustentadas pelo avaliador
e que comprovem cientificamente as consequências da implantação de actividades
de desenvolvimento sobre o ambiente), que irá auxiliá-lo a determinar a causalidade
e extensão do dano, incluindo as medidas adequadas para a sua mitigação.

A convicção do juiz em matéria ambiental deve ser estabelecida conforme provas


juridicamente possíveis, tendo em conta o disposto no artigo 515. ° do Código de
Processo Civil, pelo que a sua convicção deve ser atingida recorrendo aos meios de
prova especificados no Código de Processo Civil, sendo também de destacar as
inspecções judiciais.

Casos de Jurisprudência sobre a Produção da Prova no Domínio Ambiental

Casos nacionais não temos conhecimento de nenhum caso

Penso que o Caso da Mozal (“by pass”) pode ser sumariamente rediscutido neste
contexto. Foram solicitados especialistas da Africa do Sul (pela Mozal) e outros
pela sociedade civil moçambicana (????) para provarem o nível de poluição que
se causaria com o “by pass”.

Exercícios
1. Discuta a admissibilidade de fotografias, vídeos, registos oficiais e provas
similares, em conformidade com a sua legislação nacional.
2. Que regras regem a guarda e disposição dos bens apreendidos, equipamento,
equipamento, parafernália, meios de transporte e instrumentos durante a
pendência de processos ambientais em tribunal?
Notas de síntese
…………………………………………………………………………………………….

…………………………………………………………………………………………….

Sumário da Unidade 2
1. Interacções entre ciências ambientais, economia e direito na adjudicação de
casos ambientais.
2. Admissibilidade da prova em casos ambientais
3. Inquirição de testemunha.
4. Ónus e nível de prova nos casos ambientais.
5. ...

234 Cf. Artigo 23. ° do RAIA de 2015 e 568. ° do CPC.


235 Cf. Art.igo1. °, n. ° 20 da Lei do Ambiente.

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Referências Bibliográficas:
Leituras adicionais:
http://www.dilg.gov.ph/PDF_File/reports_resources/DILG-Resources-2011729-4f67847938.pdf

Unidade 3: Decisões (Medidas correctivas) em Casos


Ambientais
O objectivo desta unidade é permitir ao magistrado compreender que as soluções nos
casos ambientais consistem principalmente em assegurar, na medida do possível, o
restabelecimento da integridade do ambiente e que podem ser tomadas medidas
preventivas sobre os danos ambientais, quer interinamente quer após a tomada de
uma decisão judicial. Outro objectivo é proporcionar reparação às pessoas que
sofrem danos financeiros ou patrimoniais devido à degradação ambiental. Os meios
de reparação também reforçam o Estado de direito, garantindo que os infractores
ambientais não beneficiem financeiramente ou de outra forma dos seus actos ilícitos.
A base mais comum para decisões em questões ambientais são as acções intentadas
por agências governamentais relativas a violações da legislação ambiental ou de
medidas administrativas que estejam incorporadas na lei e aplicadas na prática.
Estes casos podem ser enquadrados como acções penais ou, se as autoridades
judiciais o permitirem, como acções cíveis.

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Outra base importante para a resolução de litígios são as acções intentadas por
empresas ou indivíduos relativas a danos patrimoniais e prejuízos económicos
decorrentes de actividades nocivas para o ambiente. Normalmente, estas acções dão
origem a um pedido de indemnização ou à suspensão das acções.

Os tribunais abordam a questão das vias de recurso, aplicando vias de recurso


especificadas, sempre que tal seja exigido por lei e invocando os poderes inerentes,
quando tal não seja o caso. Em qualquer dos casos, as acções intentadas com base
em danos ambientais exigem vias de recurso adequadas.

a) Conceitos de sustentabilidade relevantes para as decisões

Na elaboração das soluções, os magistrados devem trabalhar mais directamente com


os princípios do desenvolvimento sustentável. É neste contexto, por exemplo, que os
magistrados praticam a prevenção (por exemplo, proibindo comportamentos
prejudiciais ao ambiente) e dão substância ao princípio do poluidor-pagador
(forçando a internalização dos custos do controlo da poluição e assegurando que os
poluidores, e não o público em geral, suportam o encargo financeiro das medidas
correctivas). É também através da elaboração de medidas correctivas que os
magistrados reforçam o Estado de direito no domínio do ambiente, garantindo que
os infractores não obtenham vantagens com os seus actos ilícitos.
No que diz respeito à sustentabilidade, é através da elaboração de medidas
correctivas que o magistrado confronta-se com a confluência de preocupações
relativas ao crescimento económico, ao progresso social e à protecção do ambiente.
Os magistrados deparam-se com questões difíceis a este respeito, tais como:

• Deve uma empresa ser autorizada a iniciar ou a prosseguir a sua actividade?


• Quais são os custos sociais/ambientais relativas a escolha da decisão?
• Como deve ser aplicado o capital ambiental disponível?

b) Tipos de decisões (soluções) em casos ambientais

Muitas das decisões ambientais exigem discrição judicial e criatividade. Em termos


de exemplos de decisões em casos ambientais, os magistrados podem:
• Ordenar a cessação de comportamentos ilícitos;
• Ordenar a realização de acções específicas de reparação ou de restituição;
• Penalizar a má conduta ambiental;
• Compensar os danos do passado e / ou;
• Prever um regime de desempenho complexo e prolongado;
• Tomar medida cautelar para travar a actividade prejudicial;
• Compensação de custos e taxas do litígio.

c) Decisões reparadoras administrativas

A maioria dos casos do direito ambiental que surgem nos tribunais, na maioria das
jurisdições, envolve a aplicação de leis, geralmente por meio de processos penais, ou
a aplicação de regulamentos administrativos, geralmente usando processos civis.
Nesse contexto, os magistrados são frequentemente chamados a decidir sobre as

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diferentes interpretações da lei, e a decisão resultante pode ter implicações para além
do caso em questão. O papel dos magistrados é compreender e resolver as
ambiguidades, é propor uma aplicação coerente da lei de acordo com o contexto.

Avaliações de impacto ambiental


Avaliação do impacto ambiental (AIA), é uma avaliação dos possíveis impactos
positivos ou negativos que um projecto proposto pode ter no ambiente, consistindo
nos aspectos ambientais, sociais e económicos. O objectivo da avaliação é garantir
que que os decisores políticos considerem os impactos ambientais resultantes ao
decidirem se devem ou não avançar com um projecto na fase de planeamento.

A Associação Internacional para Avaliação de Impacto (IAIA) define uma avaliação de


impacto ambiental como "o processo de identificação, previsão, avaliação e mitigação
dos efeitos biofísicos, sociais e outros efeitos relevantes das propostas de
desenvolvimento antes das principais decisões serem tomadas e dos compromissos
serem assumidos". O Banco Mundial refere a AIA como um instrumento para
identificar e avaliar os potenciais impactos ambientais de um projecto proposto,
avaliar alternativas e conceber medidas adequadas de atenuação, gestão e
monitorização.

Características comuns do processo de AIA:


a) Fornecer aos decisores uma análise do ambiente total para que as decisões
possam ser tomadas com base em informações o mais completas e
equilibradas possíveis numa fase precoce (planeamento)
b) Avaliar e apresentar efeitos intangíveis / não quantificáveis, que não sejam
adequadamente abordados pela análise custo/benefício e opor outros
relatórios técnicos;
c) Fornecer informações ao público sobre uma proposta;
d) Considerar alternativas à revisão de uma proposta a fim de garantir que
possam ser escolhidos os meios menos prejudiciais para o ambiente para
atingir o objectivo fixado;
e) Melhorar a concepção de novos desenvolvimentos e salvaguardar o ambiente
através da aplicação de medidas de mitigação e prevenção.

O processo de AIA geralmente envolve as seguintes etapas:


a) Triagem: para determinar se o projecto proposto requer ou não uma AIA
b) Escopo: para identificar as questões e impactos fundamentais que devem ser
objecto de uma investigação mais aprofundada. Os tipos de impacto podem
ser directos e indirectos, de curto e longo prazo, adversos e benéficos ou
cumulativos.
c) Mitigação: acções destinadas a reduzir e evitar as potenciais consequências
ambientais adversas das actividades de desenvolvimento.
d) Participação pública: para fornecer informações, permitir a participação na
tomada de decisões e o acesso à justiça.
e) Revisão da AIA: para analisar a adequação e a eficácia do relatório de AIA e
fornecer as informações necessárias para a tomada de decisões.

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f) Tomada de decisão: para decidir se o projecto é rejeitado, aprovado ou
necessita de mais alterações.
g) Monitoramento Pós AIA: para verificar se os impactos do projecto não excedem
os limites impostos pelas normas jurídicas e se as medidas de mitigação estão
a ser aplicadas da maneira descrita no relatório da AIA.

a) Tribunais e AIA

O principal papel dos magistrados consiste em proceder a revisão das decisões


administrativas, proteger os interesses públicos e, de um modo geral, examinar se
as leis ambientais nacionais foram cumpridas. O magistrado também se preocupa
com a validade dos argumentos apresentados pelo requerente, tendo em conta a
prática e a legislação actuais em matéria de AIA.

Maurícias
Mefflin LJ H & Ors v New Mauritius Hotels Limited 2009 SCJ 222: O proprietário
começou a demolir o seu hotel existente para construir um maior. O projecto
resultou no realinhamento da estrada costeira Trou aux Biches então existente.
Ele solicitou uma licença de AIA e enviou o relatório. Os requerentes pediram uma
injunção para que se esperasse que chovesse e se proibisse a construção de
estradas sobre áreas húmidas naturais e / ou realização de qualquer aterro nas
áreas húmidas.
O Tribunal constatou que a maioria das obras já havia sido realizada de acordo
com as condições encontradas na licença da AIA. O projecto tinha sido
acompanhado de perto e tinham sido tomadas medidas atenuantes durante a
construção. Foi igualmente afirmado que o Serviço Nacional de Parques e
Conservação, responsável pelas zonas húmidas, tinha sido consultado e não tinha
objecções ao projecto. Por conseguinte, o Tribunal recusou o pedido, uma vez que
os recorrentes não demonstraram o fundamento da sua alegação. Foi igualmente
considerada infundada uma acusação relativa à poluição sonora

Nigéria

A Helios Towers Ltd contra a NESREA e outros, Tribunal de Apelação nº CA / K /


123/2010, Kaduna, Nigéria, o Tribunal decidiu que a construção e instalação de
uma máscara de telecomunicações numa área residencial é uma actividade que
pode afectar provável ou significativamente o ambiente dai que a sua construção
e instalação requer uma AIA.

Uganda

Oluma Michael vs Excel Construction, NEMA e outros. Caso no Tribunal Superior n.


0008 de 2010. O Tribunal considerou que que não existe qualquer disposição ao
abrigo da Lei Nacional do Ambiente ou dos Regulamentos AIA em que a NEMA não
possa conceder uma aprovação de AIA, uma vez que a sua função é garantir que
mesmo os projectos que já existem enquanto tiverem ou forem susceptíveis de ter

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impactos ambientais significativos sejam controlados. Uma vez que a NEMA tenha
seguido o procedimento de concessão de uma aprovação de AIA, o Tribunal não
pode cancelar a concessão, uma vez que não existem motivos para o cancelamento.

Zâmbia

Kangwa e outros v Environmental Council of Zambia and Others (2008/HP/245)


[2011] ZMHC 85 (31 de Dezembro de 2010). Essa foi uma acção onde os autores
visavam uma declaração de que a Declaração de Impacto Ambiental elaborada pelo
segundo acusado era fictícia, imprecisa e fraudulenta. O Conselho do Ambiente
não tinha autoridade para aprovar um projecto de exploração mineira e de
processamento de minerais, nos termos do Instrumento Estatutário n.º 29 de
1997. O fundamento era que a localização do projecto é menos proporcional para
um projecto mineiro desta dimensão e que a instalação deve ser relocalizada.
Ordenou-se que o projecto prosseguisse e se cumprissem as medidas ditadas pelo
primeiro réu (ECZ) para mitigar qualquer degradação ambiental. A ordem em
contrário discriminaria o primeiro acusado, já que a Lafarge está próxima do
Chilanga Golf Club, Posto da polícia, complexo comercial mais povoado do que as
áreas circundantes do Projecto de cimento da NASLA. Tem 300 funcionários que
perderiam o emprego, com famílias para cuidar. O interesse público é servido ao
permitir o projecto. Se houver alguma violação ambiental, ela será reparada, assim
como as minas de cobre Konkola repararam a poluição da água no caso de James
Nyasulu, acima referido.

Namíbia

Namibian Marine Phosphate (Proprietary) Limited contra Ministro do Meio Ambiente


e Turismo e Outros (CA 119/2016) [2018] NAHCMD 122 (11 de Maio de 2018). A
recorrente recebeu do Comissário do Ambiente um certificado de aprovação
ambiental para a extracção de fosfatos marinhos. O segundo demandado, um certo
Michael Gaweseb, recorreu da decisão do comissário, para o ministro. O Ministro
anulou a concessão do certificado, principalmente pelo facto de o Comissário não
ter consultado adequadamente o público e as pessoas interessadas. Agravado pela
decisão do Ministro de anular o certificado de depuração ambiental que lhe foi
entregue pelo Comissário, o recorrente recorreu, nos termos do n.o 51 da Lei, para
este Tribunal da Função Pública contra a decisão do Ministro. Sustentou que o
recurso da segunda recorrida perante o Ministro estava em conformidade com os
regulamentos adoptados ao abrigo da Lei de Gestão Ambiental, de 2007.

Quénia

Revisão da Decisão Administrativa


James Jessie Gitahi e 202 outros contra Attorney General e 2 outros, Petição nº 683
de 2009. Neste caso, o tribunal é obrigado por um colectivo de 203 peticionários a
rescindir as disposições do Regulamento de Gestão e Coordenação Ambiental
(EMCA) (Noise and Excessive Vibration Pollution), 2009, contido no Aviso Legal n.º
61 de 2009.

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Os peticionários, que trabalham sobretudo na indústria musical, afirmam que
esses regulamentos tiveram consequências negativas para os seus negócios, uma
vez que o seu equipamento de som tinha sido confiscado. Alegam que o ministro
não tinha poderes para prescrever infracções ao abrigo da Lei de Gestão e
Coordenação Ambiental e que, por conseguinte, era contrário ao artigo 34.o da Lei
da Interpretação e Disposições Gerais, que estabelece que tais disposições devem
ser aprovadas pela assembleia geral. Por último, salientaram que estes
regulamentos violam os seus direitos fundamentais por serem arbitrários e
desproporcionados.

O tribunal rejeitou o caso dos peticionários por considerar que o EMCA confere
ao ministro o poder de adoptar tais regulamentos e que este poderia fazê-lo
sem consultar o Parlamento. Considerou igualmente que esses regulamentos
eram necessários para reduzir a poluição sonora e que eram proporcionados
em nome do interesse geral.

Paquistão (Referências de casos)


i. Pakistan Defense Officers Housing Authority Versus Federation of Pakistan
through Ministry of Environment Protection 2014 CLD 1279 / 2014 PLD 511
Kar.
ii. Salim Godil Versus Province of Sindh 2014 CLD 222 Kar.

Índia (Referências de casos)


i. Goa Foundation v Konkan Railways Corporation AIR 1992 Bom. 471

Reino Unido (Referências de casos)


i. Reg. v. North Yorkshire County Council, Ex parte Brown [2000] 1 A.C. 397, 404;
[1999] 2 W.L.R. 452, 458

(a) Medida cautelar para interromper actividade prejudicial ao ambiente

As injunções são talvez a solução mais comum nos casos ambientais. Em termos
simples, as acções inibitórias cessam, temporária ou permanentemente, os
comportamentos potencialmente lesivos. Sempre que possível, a prevenção de danos
deve ser o principal objectivo do tribunal, especialmente quando existe uma
obrigação constitucional ou legislativa de proteger o ambiente. O princípio da
prevenção exigirá muito provavelmente uma medida cautelar quando a ameaça de
danos é iminente ou quando está em curso uma actividade prejudicial.
Estas regras de protecção das partes contra "danos irreparáveis" enquanto o tribunal
decide o caso representam uma forma de princípio de precaução no trabalho que
protege o status quo, pelo menos durante o tempo que o tribunal leva a apreciar o
caso na sua totalidade.

Um exemplo de injunção preliminar é o caso Sibaji Waiswa v. Kakira Sugar Work Ltd.
(Tribunal Superior de Uganda). O requerente solicitou uma injunção preliminar ou
provisória para impedir que o réu desenraizasse uma reserva florestal protegida e
expulsasse os moradores para estabelecer uma plantação de cana-de-açúcar. Um

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processo anterior estava pendente, mas o réu começou a derrubar árvores e viveiros
de sementes. O Supremo Tribunal emitiu uma providência temporária com base no
facto de os alegados danos não poderem ser reparados apenas através da concessão
de indemnizações e, em geral, o comportamento deveria ser limitado até que o caso
pudesse ser decidido com base no mérito.

No caso do Director of Environmental Affairs of Malawi (Respondent) contra Aero


Plastic Industries Ltd e Another (Applicants), Causa Judicial nº 20 de 2016. Recurso
judicial que contesta as decisões dos recorridos de encerrar as fábricas dos
Requerentes e lhes aplicar multas sobre alegações de fabrico, distribuição e venda
dos seus plásticos com menos de 60 mícrons, contrárias às normas de gestão
ambiental (plásticos) de 2015, sem lhes conceder o direito de serem ouvidos. O
tribunal considerou que a decisão de resposta para fechar as fábricas foi tomada de
acordo com a lei, portanto o caso foi julgado improcedente.

No caso da Shell Petroleum Development Company da Nigéria Limited versus Chefe


Joel Anaro e outros (2015) LPELR-24750 (SC). O Supremo Tribunal da Nigéria
considerou que a regra do res ipsa loquitor236 era aplicável à situação em apreço em
que a recorrente sabia perfeitamente que estava a conservar materiais - isto é, o
petróleo bruto, que podia ser considerado perigoso para o ambiente e se fosse
permitido derramar e se houvesse de facto um derrame. Que a regra do processo
Rylands V. Fletcher era directamente aplicável.

Compensação por danos sofridos


Existem duas classes gerais de acções de indemnização no domínio do ambiente: as
que envolvem danos aos recursos naturais e as que envolvem pedidos de
indemnização mais tradicionais, decorrentes de danos materiais e sanitários.
Tribunal Internacional de Justiça da Costa Rica contra Nicarágua, Acórdão sobre as
indemnizações, 2 de Fevereiro de 2018. (O acórdão inicial sobre o mérito foi proferido
em 16 de Dezembro de 2015), estabeleceu claramente o direito internacional em
matéria de indemnizações e indemnizações.

Tribunal Internacional de Justiça para Compensação de Danos Ambientais


Tribunal Internacional de Justiça da Costa Rica / Nicarágua, Sentença de
indemnização, 2 de Fevereiro de 2018.
Sobre a compensação por danos ambientais em geral:…, o Tribunal… observa que é um
princípio bem estabelecido do direito internacional que “a violação de um compromisso
envolve a obrigação de reparar de forma adequada”. O Tribunal observa ainda que a
obrigação de reparar totalmente os danos causados por um acto ilícito foi reconhecida pelo
Tribunal em vários casos. O Tribunal considerou igualmente que a compensação pode
constituir uma forma adequada de reparação, nomeadamente nos casos em que a
restituição é materialmente impossível ou excessivamente onerosa. A compensação não
deve, no entanto, ter carácter punitivo ou exemplar.
Nos casos de alegados danos ambientais, podem surgir questões particulares no que
respeita à existência de danos e ao nexo de causalidade. Os danos podem ser devidos a
várias causas simultâneas ou o estado da ciência relativamente ao nexo causal entre o acto
ilícito e o dano pode ser incerto. Trata-se de dificuldades que devem ser abordadas à medida
que surgem, tendo em conta os factos do caso em apreço e as provas apresentadas ao
Tribunal.

236Regra de que um prejuízo se deve à negligência do acusado, quando o que o causou, estava sob o
seu controlo ou gestão e o prejuízo não teria ocorrido se tivesse sido observada uma gestão adequada

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No que diz respeito à avaliação dos danos, o Tribunal recorda que a ausência de provas
adequadas quanto à extensão dos danos materiais não impedirá, em todas as situações, a
atribuição de uma indemnização por esses danos.
O Tribunal de Justiça observa que não se pronunciou anteriormente sobre um pedido de
indemnização por danos ambientais. Contudo, é compatível com os princípios do direito
internacional que regem as consequências de actos ilícitos internacionais, incluindo o
princípio da reparação integral, o facto de considerar que é devida uma indemnização pelos
danos causados ao ambiente, em si mesmo e por si mesmo, para além das despesas
incorridas por um Estado lesado devido a esses danos.

O Tribunal considera, portanto, que os danos causados ao ambiente e a consequente


deterioração ou perda da capacidade do ambiente para fornecer bens e serviços são
indemnizáveis ao abrigo do direito internacional. Essa compensação pode incluir uma
indemnização pela deterioração ou perda de bens ambientais e serviços no período anterior
à recuperação e ao pagamento para a restauração do ambiente danificado.
O Tribunal acrescenta que o pagamento para o restauro é responsável pelo facto de a
recuperação natural nem sempre ser suficiente para devolver um ambiente ao estado em
que se encontrava antes da ocorrência dos danos. Nesses casos, podem ser necessárias
medidas activas de recuperação para repor o ambiente no seu estado anterior, na medida
do possível.

No cálculo dos danos por danos ambientais: Metodologia

O Tribunal reconhece que os métodos de avaliação propostos pelas partes são por vezes
utilizados para a avaliação dos danos ambientais na prática dos organismos nacionais e
internacionais e não são, portanto, desprovidos de relevância para a tarefa em causa.

Contudo, salienta que não são os únicos métodos utilizados por esses organismos para
esse fim, nem a sua utilização se limita à avaliação dos danos, uma vez que também podem
ser utilizados para efectuar análises custo/benefício de projectos e programas ambientais
para a definição de políticas públicas. O Tribunal afirma que, por conseguinte, não
escolherá entre eles nem utilizará nenhum deles exclusivamente para a avaliação dos
danos causados às zonas húmidas protegidas na Costa Rica. Sempre que determinados
elementos de qualquer um dos métodos ofereçam uma base razoável para a avaliação, o
Tribunal tê-los-á, no entanto, em conta. Esta abordagem é ditada por dois factores: em
primeiro lugar, o direito internacional não prescreve qualquer método de avaliação
específico para efeitos de compensação por danos ambientais; em segundo lugar, é
necessário, na opinião do Tribunal, considerar as circunstâncias e características
específicas de cada caso.

Ao determinar a compensação devida por danos ambientais, o Tribunal explica que avaliará
o valor a atribuir à restauração do ambiente danificado, bem como à deterioração ou perda
de bens e serviços ambientais antes da recuperação.

O Tribunal considera que é adequado abordar a avaliação dos danos ambientais na


perspectiva do ecossistema no seu conjunto, adoptando uma avaliação global do valor da
deterioração ou perda de bens e serviços ambientais antes da recuperação, em vez de
atribuir valores a categorias específicas de bens e serviços ambientais e estimar os períodos
de recuperação para cada um deles.

As reclamações por danos causados aos recursos naturais têm os seguintes objectivos:
• Compensação ao público pela perda, ou utilização perdida, de recursos naturais
ou dos serviços por eles prestados.
• Danos são utilizados para restaurar, substituir, reabilitar ou adquirir recursos
naturais equivalentes.

Os pedidos de indemnização por danos causados aos recursos naturais são


frequentemente apresentados por agências governamentais como fiduciários

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públicos dos recursos naturais. O objectivo subjacente a essas reclamações é
inverter a perda para a "confiança pública" (o património natural do país). A
restauração e substituição (versus compensação) é a prioridade, sempre que
praticável.
Tal como as acções de reparação a longo prazo, as reparações dos danos causados
aos recursos naturais podem ser empresas multifásicas e plurianuais que
necessitam de assistência técnica. As fases incluem normalmente:
Avaliação do valor dos danos causados aos recursos naturais
A valorização dos recursos naturais não é uma proposta simples, simplesmente porque
nem todas as partes do ambiente podem ser facilmente atribuídas a um valor. Há muitas
componentes ambientais que não têm valor de mercado porque não são comercializadas
abertamente ou são consideradas bens públicos (por exemplo, ar puro), trusts públicos
(praias) ou património nacional (parques nacionais).

Os serviços ambientais abstractos mas cruciais, como os sistemas de apoio à vida ou a


polinização pelas abelhas, não têm sido geralmente considerados em termos económicos.

No entanto, em geral, o valor económico do ambiente pode ser considerado como a soma
de todos os bens (alimentação, madeira, plantas medicinais, abrigo) e serviços (suporte de
vida, recreação, assimilação de contaminantes) fornecidos durante o tempo em que uma
determinada actividade está a decorrer e os valores futuros.

O valor económico total dos danos ambientais incorpora tanto os valores de utilização,
directos e indirectos, como os valores não baseados na utilização ou exploração. As
utilizações podem envolver consumo (árvores, peixes) ou acções não-consumptivas
(observação de aves).

Para bens e serviços não mercantis, devem ser utilizados métodos indirectos. Um deles é
o custo da reabilitação ou restauração, sempre que possível. Outro é a chamada "avaliação
contingente", que utiliza inquéritos públicos como forma de atribuir um valor a uma
amenidade ambiental. Pode haver custos económicos associados, tais como ganhos
perdidos ou danos hedónicos associados ao prazer derivado dos benefícios recreativos ou
paisagísticos do ambiente prejudicado. Todos os prémios por danos exigem a determinação
da linha de base da avaliação, o valor pré-histórico.

a) Danos a partes privadas

O estabelecimento do nexo de causalidade e a medição dos danos podem ser


contestados em acções de danos ambientais intentadas por particulares. As acções
de danos patrimoniais e sanitários intentadas por entidades privadas funcionam
geralmente da mesma forma que os casos de danos causados por causas não
ambientais.

Para além dos danos causados aos recursos naturais, um tribunal pode, em função
da natureza da causa da acção, conceder indemnizações ou danos monetários às
partes lesadas por actividades destrutivas do ambiente ao abrigo das autoridades
jurídicas tradicionais. Nas jurisdições de direito anglo-saxónico (Common Law), por
exemplo, a causa da acção será normalmente fundada em ilícito (por exemplo,
negligência, incómodo ou transgressão). O nível dos danos depende necessariamente
da natureza do dano, da capacidade de reparação do dano, entre outros. Os juízes
devem poder quantificar, na medida do possível, o valor económico dos prejuízos, tal
como fariam com outras reivindicações de danos a pessoas ou bens. Os tribunais
podem conceder tanto indemnizações especiais como indemnizações gerais,
consoante o requerente tenha podido provar a existência de danos especiais. Vários
danos estão em geral e não precisam de ser provados pela parte que os reivindica.

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b) Restauração e reparação

Nos processos ambientais, os tribunais ordenam frequentemente a limpeza dos


danos ambientais ou o retorno do ecossistema danificado a um estado saudável.
Essas ordens, que são objecto de injunções obrigatórias no sentido de obrigar à
acção, podem substituir a compensação e, muitas vezes, produzirão um melhor
resultado para o ambiente. Por exemplo, nos casos em que se verificou que o arguido
despejou resíduos na propriedade de um vizinho, o Supremo Tribunal do Quénia
ordenou ao infractor que procedesse à limpeza dos resíduos (parte do princípio do
poluidor-pagador). Ver Paul K. Nzangu v. Mbiti Ndili (Tribunal Superior do Quénia em
Machakos, Processo 8/1991).

Restauração Ambiental, Princípio do Poluidor Pagador


Vicent Mukasa Senyonjo vs Sam que negoceia como Sams Garage e outros, Tribunal
Superior de Uganda, Processo Civil nº 223/2017. Uma queixa trazida pelos moradores onde
surgiu um novo e controverso uso da terra - Oficinas para carros em frente a residências.
O Tribunal considerou que os requerentes têm realmente o direito de desfrutar de um
ambiente limpo e saudável e que os demandados têm o dever de fazer a gestão dos seus
resíduos, fumaça e outras actividades para que o direito dos requerentes não seja violado.
O Tribunal ordenou que os acusados restabelecessem às suas próprias custas, o ambiente
na área do requerente ao seu estado natural.

Ao decidir sobre a restauração ou reparação como solução adequada, os tribunais


têm geralmente em consideração não só a possibilidade, mas também o custo da
reparação. Algumas jurisdições limitam os custos de reparação ao valor justo de
mercado da propriedade (em estado restaurado). Outras jurisdições simplesmente
solicitam a restauração sem ter em conta o custo. O Supremo Tribunal do Illinois,
por exemplo, manteve uma decisão do tribunal de primeira instância ordenando um
incómodo público (um local de eliminação de resíduos químicos) e ordenando ao
requerido que remova todos os resíduos tóxicos juntamente com o solo contaminado
encontrado no local de eliminação e que restaure e recupere o local (The Village of
Wilsonville / SCA Services, Inc., 426 N.E. 2d 824 (Sup. Ct. Ill. 1981).

Os tribunais podem fazer uma grande variedade de pedidos para promover a


restauração do ambiente danificado, incluindo, por exemplo:
• Limpeza para o caso de poluição industrial;
• Bombagem de águas subterrâneas e tratamento de água residuais;
• Dragagem de sedimentos contaminados;
• Remoção e/ou nivelamento de solo contaminado;
• Reconstrução ou reparação de uma estrutura demolida ou parcialmente
demolida;
• Restauração de zona húmida (pântano) drenado.

c) Fases da reparação a longo prazo

Algumas das opções correctivas mencionadas (por exemplo, ordens de limpeza para
poluição industrial, bombagem e tratamento de águas subterrâneas, dragagem de

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sedimentos contaminados, restauração de uma zona húmida drenada) são propostas
a longo prazo que ocorrem em várias fases.

As fases frequentemente associadas a soluções ambientais a longo prazo podem


incluir:
• Fase I: Estudo científico para avaliar a extensão dos danos e as opções para a
sua reparação;
• Fase II: Identificação e fixação dos custos das opções correctivas;
• Fase III: Selecção de soluções - Frequentemente projectos plurianuais;
• Fase IV: Monitoramento da eficácia das soluções propostas;
• Fase V: Determinação do prazo de conclusão.

Uma questão fundamental para o tribunal é como estruturar a solução e como


participar significativamente do ponto de vista da gestão e da supervisão durante o
processo de aplicação da solução. No entanto, as soluções a longo prazo têm desafios
significativos, nomeadamente:
Quem irá fazer o trabalho necessário? Possíveis abordagens:
• Exigir que o poluidor faça o estudo / trabalho? Em caso afirmativo, poderá
haver necessidade de garantir a imparcialidade através de uma análise pelos
pares ou de uma supervisão independente.
• Impor encargos ao poluidor para financiar o trabalho de terceiros? Em caso
afirmativo, como é seleccionado o terceiro? Poderá ser necessário que o
terceiro apresente um relatório ao tribunal e não ao poluidor.
• A agência governamental competente pode realizar o estudo/trabalho ou
providenciar a supervisão necessária?

i) Aquisição das competências necessárias


• Utilização de peritos especiais ou judiciais, "mestres" ou comissões
financiadas quer pelo poluidor ambiental degradado quer pelo Estado.
ii) Declaração de conclusão - como saber quando a reparação está concluída?
Isto tem de ser antecipado e tratado com alguma precisão no despacho do
tribunal.
iii) Lidar com a continuação da jurisdição - Os tribunais geralmente querem
retirar os processos do seu rol de processos ou da sua lista de processos, o
que pode entrar em conflito com a necessidade de manter a continuação da
jurisdição para efeitos de supervisão.

d) Sanções Punitivas

Um aspecto importante de um processo de execução diz respeito aos tipos de penas,


sanções e vias de recurso que os juízes têm à sua disposição. Algumas jurisdições
estabelecem os tipos de sanções e as sanções com algum pormenor. Em alguns
casos, os juízes foram inovadores na concepção de sanções adequadas e de sanções.

Os juízes podem considerar um vasto leque de considerações na aplicação de sanções


e de sanções. O nível das penas e sanções pode depender do comportamento do
arguido, incluindo o grau de contrição, as confissões iniciais de culpa, as tentativas
de limpar a poluição ou de remediar a terra. Pode também considerar qualquer
benefício económico realizado pelo infractor em virtude da sua violação.

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As penas e sanções são normalmente avaliadas após o julgamento, embora possam
ser estabelecidas através de um acordo no contexto civil ou, quando permitido,
através de um acordo de confissão no contexto penal.

e) Considerações sobre as sanções punitivas

Há uma série de considerações que os juízes normalmente levam em consideração


na elaboração de decisões punitivas. Esses incluem:
• Extensão dos danos causados;
• Os esforços do réu para prevenir, controlar, reduzir ou mitigar os danos;
• Até que ponto o réu poderia razoavelmente ter previsto os danos causados;
• Até que ponto o réu tinha controlo sobre as causas que deram origem à
infracção;
• Em que medida o réu obteve um benefício económico devido à violação;
• O historial do réu de violações semelhantes;
• A existência de uma prova antecipada de culpa ou outro indício de culpa ou
remorso.

Em algumas jurisdições, estas considerações são abordadas nas orientações de


reparação ou sentença desenvolvidas para os processos ambientais.

f) Pena de Prisão

Como reflexo da crescente consciencialização do poder judicial para a gravidade das


infracções ambientais, as leis ambientais incluem cada vez mais a prisão como um
recurso punitivo e os tribunais utilizam cada vez mais esse recurso.

Na Austrália, uma parte privada que se descobriu estar a bombear deliberadamente


esgotos para um rio adjacente em violação da legislação ambiental foi condenada e
condenada a 12 meses de prisão. Teve também de pagar uma multa de 250 000
dólares e os custos do Ministério Público de 170 000 dólares. Environment Protection
Authority v. Charles Gardner, Land and Environment Court of New South Wales,
Matter No. 50072/96 e 50074/96.

No caso Estados Unidos v. Hansen, 262 F.3d 1217 (11º Cir. 2001), o tribunal
condenou dois agentes e gestores da LCP Chemicals de Brunswick, Geórgia, a longas
penas de prisão pelos seus crimes ambientais. Um foi condenado a cumprir nove
anos de prisão e a pagar uma multa de 20 000 dólares; o outro foi condenado a seis
anos e meio de prisão. Ambos os arguidos foram condenados por uma acusação de
conspiração para operar a fábrica em violação das leis ambientais, por uma acusação
de saberem que a lei americana relativa aos resíduos perigosos colocava em perigo e
por uma série de outros delitos ambientais. Os trabalhadores da fábrica de
Brunswick foram repetidamente expostos ao perigo iminente de morte e de lesões
corporais graves devido a condições de trabalho que os expunham a possíveis
queimaduras químicas, electrocussão e envenenamento por inalação de vapores de
mercúrio e por outros contactos com resíduos contaminados e corrosivos com
mercúrio.

g) Sanções alternativas

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Para além das multas, sanções e penas de prisão, surgiram várias sanções
alternativas no domínio do ambiente. As ordens de serviço comunitárias estão a
tornar-se mais comuns como alternativa a soluções penais mais severas. Podem ser
adaptadas à natureza da infracção ambiental, como a limpeza do lixo de uma via
navegável todos os meses.

Muitas jurisdições têm alguns ou uma combinação dos seguintes tipos de autoridade
sancionatória alternativa:
• Ordens de restauração e prevenção;
• Pagamento dos custos, despesas e compensação após comprovação da
infracção;
• Pagamento dos custos e despesas de investigação;
• Decisões relativas a benefícios monetários por ofensa;
• Ordens relativas a acções específicas de publicidade da infracção e às suas
consequências ambientais e outras;
• Ordens para executar projectos ambientais especificados;
• Ordens para realizar uma auditoria ambiental específica das actividades
realizadas pelo infractor;
• Ordens para nomear um gestor ou receptor ambiental;
• Ordens para realizar formação ou estabelecer um curso de formação;
• Ordens de pagamento a num fundo ou organização ambiental.

Penas alternativos
No recurso interposto por W.I.A.B. Fernando e outros Contra a emissão da Licença de
Protecção Ambiental para a Thaha Plastic Industries Ltd, Recurso nº 3/95 ao Ministério
do Ambiente do Sri Lanka. Os vizinhos contestaram a concessão de uma licença de
protecção ambiental pelo CEA à Thaha Plastic Industries Ltd. O Secretário Interino do
Ministério do Ambiente, indeferiu formalmente o recurso porque a secção 23E da Lei
Nacional do Ambiente apenas alargou a sua jurisdição aos recursos dos requerentes de
LPA; não tinha competência para receber uma petição dos vizinhos que se opunham à
concessão de uma LPA. Contudo, remeteu os recorrentes para a CEA, com instruções
para que os níveis de ruído da indústria fossem verificados por um organismo
independente, e anexou também uma circular emitida pelo Inspector-Geral da Polícia
relativa a perturbações públicas.

h) Medidas alternativas

Às vezes, o tribunal pode considerar que não é necessária qualquer acção judicial.
No caso Associação de Advogados Ambientais do Bangladesh (BELA) v. Comissão
Eleitoral e Outros, SC of Bangladesh, High Court Div., Writ Petition No. 186 of 1994, o
Dr. Mohiuddin Farooque, Secretário-Geral da associação (BELA), alegou que os
candidatos políticos estavam a desrespeitar as leis eleitorais e a causar poluição
ambiental na cidade com o ruído dos altifalantes e das procissões não
programadas. O Supremo Tribunal observou que "é desejável atenuar a poluição
ambiental alegada pelo peticionário", mas considerou que a Comissão Eleitoral e
a Dhaka City Corporation tinham tomado medidas claras para pôr termo à
alegada poluição. Perante estes factos e com a garantia do Procurador-Geral de

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que o Governo tomaria todas as medidas necessárias para implementar as
orientações da Comissão Eleitoral, o Supremo Tribunal considerou desnecessária
a adopção de novas orientações.

i) Fixação de custos e taxas

O papel da avaliação dos custos e taxas não deve ser negligenciado como um
elemento do pacote de instrumentos correctivos de um magistrado. Tais
instrumentos, particularmente no contexto de litígios de interesse público, podem
facilitar muito a definição da responsabilidade ambiental. Nos casos em que é
permitido, eles geralmente activam o status, de parte vencedora (ou seja, os custos e
taxas podem ser solicitados a serem pagos pela parte vencida).

Uma questão emergente em algumas jurisdições é saber se os litígios de interesse


público devem ser sujeitos às mesmas regras que os litígios privados ou se o público
é mais bem servido se esses processos forem instaurados. Existe a preocupação de
que o receio de custos possa constituir um desincentivo à litigância de interesse
público. Alguns tribunais decidiram que os litígios de interesse público de boa-fé não
suportarão os custos dos litígios. Tal evitará desencorajar os requerentes de interesse
público.

Em algumas jurisdições, a atribuição de custas e honorários não é de direito, mas


fica a critério do magistrado. O quantum da concessão do custo sempre foi deixado
a critério do Tribunal.

j) Supervisão judicial da execução dos recursos

Em muitos casos ambientais, a elaboração de um recurso é apenas a primeira fase


para o tribunal, dando lugar a uma fase de controlo e supervisão judicial correctiva.
Os juízes de algumas jurisdições desenvolveram sistemas para garantir que o
cumprimento das decisões judiciais seja regularmente controlado. Isto pode ser
particularmente necessário nos seguintes casos Os mecanismos governamentais de
aplicação não são fortes.

O controlo das decisões pode ser feito de várias formas. Os responsáveis pelas
violações da legislação ambiental ou pelos danos causados ao ambiente podem ser
levados a recorrer aos tribunais com planos de cumprimento ou de reparação e
objectivos e calendários para a realização das tarefas estabelecidas. Podem também
ser obrigados a apresentar relatórios periódicos ao tribunal sobre os progressos
realizados na aplicação da legislação.

Tal como referido, quando não são cumpridas as ordens judiciais, os tribunais
podem considerar uma parte em desacordo com o tribunal. Em casos extremos, o
tribunal pode colocar um operador ambiental sob administração judicial.

Muitas vezes é necessário um controlo judicial considerável para assegurar o


cumprimento das injunções estruturais. Uma parte que se recuse a cumprir uma
ordem de intervenção de um tribunal corre o risco de ser alvo de um desrespeito. A
parte que se recusar a cumprir uma ordem de pronúncia de um tribunal, corre o
risco de ser alvo de desacato.

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Controlo e supervisão judicial correctiva

No caso Secretário-Geral, Sindicato dos Trabalhadores nas Minas de Sal do Paquistão


Ocidental (CBA) Hkewra, Jhelum v. O Director da Indústria e Desenvolvimento Mineral,
Punjab, Lahore, 1994 SCMR 2061. Os peticionários solicitaram a aplicação do direito
à água limpa e não poluída. As operações da mina ameaçavam a contaminação
da área de captação de água, do curso de água, do reservatório e das condutas.
O Supremo Tribunal ordenou à empresa mineira que transferisse as suas
operações no prazo de quatro meses para evitar a poluição da água e nomeou uma
comissão de quatro pessoas para supervisionar o cumprimento. A Comissão foi
dotada de poderes de inspecção, registo de provas e audição de testemunhas,
tendo-lhe sido ordenado que apresentasse um relatório ao tribunal. Se o
cumprimento não fosse possível ou possível, o Tribunal manteve a competência
para determinar se o funcionamento da mina deveria ser completamente
interrompido. O tribunal ordenou à empresa e a todos os mineiros que operam
junto à bacia hidrográfica que tomassem tais medidas a contento da comissão, a
fim de evitar a poluição do reservatório de água, dos leitos dos cursos de água e
da bacia hidrográfica. O Tribunal ordenou ainda às autoridades administrativas
que se abstivessem de emitir licenças novas ou renovadas para a exploração
mineira na região sem a autorização prévia do Tribunal .

O Regime Jurídico da Avaliação do Impacto Ambiental em


Moçambique
a) Licenciamento Ambiental

Antes de mais, determina a Lei do Ambiente, que “o licenciamento e o registo das


actividades que, pela sua natureza, localização ou dimensão, sejam susceptíveis de
provocar impactos significativos sobre o ambiente, são feitos de acordo com o regime
a estabelecer pelo governo, por regulamento específico” 237. Para o efeito, importa ter
presente a noção legal de licença ambiental, definida como “certificado confirmativo
da viabilidade ambiental de uma actividade proposta, emitido pela entidade que
superintende a área do ambiente, através dos órgãos competentes para o efeito”238.

Veja-se que, até à aprovação da Lei do Ambiente, para o licenciamento de qualquer


actividade económica, era tão-somente necessário requer uma licença ou autorização
junto da entidade de tutela, podendo ou não haver consideração das diversas
questões ambientais. Assim, com a criação do licenciamento ambiental, qualquer
actividade que pela sua natureza, dimensão ou localização seja susceptível de vir a
causar impactos ambientais passou a estar sujeita não apenas ao licenciamento
normal a obter junto do sector de licença, mas também à obtenção de uma licença
ambiental na sequência de um processo de avaliação do impacto ambiental, que
deverá ser obtida junto do Ministério da Terra, Ambiente e Desenvolvimento Rural
ou das Direcções Provinciais da Terra, Ambiente e Desenvolvimento Rural
correspondentes, conforme os casos.

Nos termos da Lei do Ambiente, “a emissão de licença ambiental é baseada numa


avaliação do impacto ambiental da proposta de actividade e precede a emissão de

237 Cf. Artigo 15.° n.º 1, da Lei do Ambiente.


238 Cf. Glossário, n.º 39, do RAIA de 2015.

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quaisquer outras licenças legalmente exigidas para cada caso”239. Estamos, portanto,
diante de uma situação em que o licenciamento ambiental, nos casos de actividades
que, pela sua natureza, dimensão ou localização, possam causar impactos
ambientais, é condição de qualquer licença ou autorização legalmente exigível para
o exercício de determinada actividade. Temos, portanto, dois níveis de licenciamento,
o ambiental, que acontece em primeiro lugar, e o sectorial, que reúne o conjunto de
licenças ou autorizações de natureza técnica necessárias à entrada em
funcionamento da actividade240.

Nesse sentido, segundo Raquel Carvalho, “a licença ambiental, enquanto acto


administrativo, funciona (...) como condição em relação a outros procedimentos
administrativos. Na verdade, a licença ambiental é (...) requisito, pressuposto de
validade desses procedimentos”241.

O novo regime de AIA traz-nos uma importante novidade no desenho do


licenciamento ambiental – ao invés da emissão única de uma licença que
caracterizava o procedimento de AIA até 2015, passámos a ter um modelo assente
em três tipos de licença, designadamente: (i) licença ambiental provisória; (ii) licença
ambiental de instalação; (iii) e licença ambiental de operação242.

A Licença Ambiental Provisória: Está licença é emitida após a aprovação do EPDA e


tem carácter facultativo243.

Licença Ambiental de Instalação: Esta licença é emitida após a aprovação do estudo


de impacto ambiental e apresentação do plano de reassentamento aprovado, caso
haja necessidade de realizar uma acção de reassentamento de populações244.

Licença Ambiental de Operação: Esta licença é emitida após a verificação/vistoria do


cumprimento integral do EIA versus empreendimento construído e implementação
total do plano de reassentamento, nos casos em que este seja necessário245. Note-se
que é proibido o início da operação de qualquer actividade sem a necessária obtenção
da licença ambiental de operação sob pena de multa 246.

Exercícios
1. Discuta a jurisprudência do tribunal sobre o cálculo e a concessão de danos
aplicáveis em casos ambientais em seu país.
2. Em um derramamento de óleo típico de um navio-tanque na beira da estrada,
determine as partes em um caso apresentado perante o tribunal e calcule a
concessão dos danos.
3. Quando a ciência ambiental pode ser usada na tomada de decisões /
julgamentos?
4. …

239 Cf. Artigo 15.°, n.° 2, da Lei do Ambiente.


240 SERRA, Carlos, CUNHA, Fernando (2004), ob. cit., p. 236.
241 CARVALHO, Raquel (2003), “Licença Ambiental como Procedimento Administrativo”, Estudos de

Direito do Ambiente, Porto, Publicações Universidade Católica, p.254.


242 Cf. Artigo 20.°, n.º 1 do RAIA de 2015.
243 Cf. Artigo 20.°, n.º 1 a) e n.º 2 do RAIA de 2015.
244 Cf. Artigo 20.°, n.º 1 b) do RAIA de 2015.
245 Cf. Artigo 20.°, n.º 1 c) do RAIA de 2015.
246 Cf. Artigos 20.°, n.º 4 e 28.° do RAIA de 2015.

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Sumário da Unidade 3
1. Medidas cautelares à disposição dos tribunais em casos ambientais
2. Aplicação e execução de ordens judiciais de reparação e recuperação
3. Princípios a serem aplicados no cálculo dos danos ambientais
4. Quando aplicar sanções punitivas em casos ambientais

Unidade 4: Gestão de Casos em Matéria Ambiental


Esta Unidade serve para orientar o magistrado sobre a prática na adjudicação de
casos ambientais. A gestão dos processos judiciais em questões ambientais pode ser
complexa e deve beneficiar de uma estratégia proactiva. No entanto, esses casos
podem se beneficiar de uma estratégia proactiva. A gestão de casos judiciais
ambientais requer uma metodologia explícita que articule o envolvimento das várias
partes interessadas e incorpore conhecimentos multidisciplinares. Esta abordagem
serve como um veículo importante para alcançar os princípios fundamentais de
protecção ambiental no julgamento, especialmente onde há um desequilíbrio entre
aqueles que o degradam e aqueles que sofrem da degradação, em termos da
capacidade de litigar.

A questão da boa gestão processual está intrinsecamente ligada à necessidade de


agilizar os processos para lidar com a elevada quantidade de informação que
normalmente envolve os litígios ambientais. É nesse contexto que todas as acções
que possam contribuir para uma maior celeridade processual, assumem relevância

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para ajudar a solucionar rapidamente os litígios, tendo em conta a particular atenção
que a defesa do ambiente deve assumir.

A celeridade processual deve ser entendida como o mecanismo que os processos


devem trilhar nos tribunais e os procedimentos que ajudam a evitar a solicitação de
provas ou a prática de actos desnecessários, que trazem mais morosidade ao
trabalho. Desse modo, consegue-se solucionar os litígios mais rapidamente. Em
suma, o objectivo é ser o mais rápido possível sem que haja prejuízo ou riscos para
outras instituições essenciais no âmbito jurídico, como é o caso do devido processo
legal, da ampla defesa e do contraditório. O resultado será a economia e eficiência já
que é garantida a produção do máximo de resultados com o mínimo de esforços.

Assim, a celeridade processual garante a efectividade das actividades e assegura que


o tempo previsto na lei para a análise dos processos seja cumprido. Na prática, essa
medida representa menos burocracia, melhor gestão dos documentos e maior
integração dos processos, que podem ser desmembrados em diferentes arquivos para
facilitar a avaliação.

A principal relevância da celeridade processual é a de garantir o adequado direito à


justiça, que ultrapassa a simples possibilidade de comparecer em juízo, abrangendo
também a tutela jurisdicional apropriada e efectiva. Desse modo, garante-se a
efectividade plena do âmbito jurídico. Em outras palavras, esse é o alcance perfeito
da finalidade processual. Segundo os autores Watanabe et al. (1985, p. 109), “a
celeridade é indispensável para o eficaz cumprimento da missão pacificadora do
poder judiciário e do escopo de dirimir litígios, que justifica a própria jurisdição nas
mãos do Estado.

Dessa forma, o princípio da celeridade assegura as garantias do texto constitucional,


além de auxiliar e complementar a função jurisdicional. Ou seja, é o aprimoramento
do serviço jurídico de acordo com os interesses, dificuldades e necessidades dos seus
utentes.

O recurso a mecanismos alternativos de resolução de disputas, como mediação e


arbitragem, também podem ser uma boa alternativa para garantir uma boa gestão
processual em face de litígios ambientais.

Nos termos do disposto na Lei n. ° 11/99, de 8 de Julho,247 estão previstos como


meios alternativos de resolução de disputas a possibilidade de recurso os seguintes
instrumentos248:
• A arbitragem;
• A conciliação; e
• A mediação.
O recurso a estes meios de resolução de diferendos, principalmente para acelerar
acordos para a determinação de medidas de reparação, compensação e/ou
indemnizações em virtude dos danos ambientais, pode ser uma alternativa a
considerar para fazer com que os envolvidos assumam as suas responsabilidades

247 Complementada pelos artigos 1508 e seguintes do CPC.


248 Cf. Artigo 5. ° da Lei n. ° 11/99, de 08 de Julho.

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relativas aos direitos e deveres ambientais, e busquem em conjunto consensos que
vão fortalecer as relações de confiança e credibilidade entre as partes em benefício
do ambiente. Para o caso particular do ambiente, dos meios acima previstos na lei,
o recurso a arbitragem para acelerar acordos pró-ambiente, é uma possibilidade que
deve ser tomada em consideração pelos magistrados, tomando em linha de conta que
o procedimento judicial para este efeito é normalmente caracterizado pela
morosidade, burocracia e formalidades do processo judicial, o que tarda o desiderato
de protecção do ambiente.

Recorde-se que é mais caro e difícil remediar os danos ambientais sofridos do que
impedir que ocorram em primeira instância. Portanto, às vezes a recuperação
completa de uma tragédia ambiental simplesmente não é possível.
Consequentemente, um sistema de justiça que demora a responder pode,
contrariamente ao princípio da prevenção, exacerbar os problemas ambientais.

Qual é a diferença entre julgar um caso ambiental e julgar um caso criminal?


”O magistrado criminal olha para trás tentando descobrir o que foi provado sobre o
que aconteceu, enquanto o magistrado ambiental pergunta-se sobre o que acontecerá
no futuro como resultado de minha decisão”

a) Gestão eficaz de casos em questões ambientais

O Tribunal tem o dever primordial de garantir a resolução eficiente dos assuntos que
lhe são submetidos. O magistrado em casos ambientais é responsável pela quitação
expedita dos negócios do Tribunal. Portanto, o magistrado determina a estratégia
diária de gestão do fluxo dos casos do Tribunal. A gestão dos casos envolve tanto a
equipe judiciária (incluindo o juiz), quanto o(s) litigante(s), os réus e processo(s)
simplificado(s) para adjudicação.
Os objectivos de uma gestão eficaz dos casos pelo tribunal são:
i) Garantir o tratamento justo de todas as partes;
ii) Promover a resolução rápida, eficiente e rentável dos casos;
iii) Melhorar a qualidade do processo litigioso e dos seus resultados;
iv) Manter a confiança do público no Tribunal;
v) Usar eficientemente os recursos judiciais, jurídicos e administrativos
disponíveis; e,
vi) Alcançar o objectivo da legislação pertinente.

b) Características essenciais de uma gestão eficaz dos casos em questões


ambientais

O objectivo central da gestão de casos no contexto ambiental é garantir uma


determinação justa, rápida e barata de todas as acções para evitar o agravamento das
condições ambientais. A gestão judicial eficaz tem geralmente as seguintes
características:
a) Identificação numa fase precoce, das questões em disputa e incentivo à
resolução por negociação ou uso de processos alternativos de resolução de
disputas (RAL);

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b) Planificar o decurso do processo logo após o seu início, de modo a que as
partes e o advogado estejam mais cientes dos acontecimentos que irão ocorrer,
bem como do tempo e custo prováveis envolvidos;
c) Redução do atraso e custos dos processos interlocutórios;
d) Supervisão judicial dos casos mais complexos por meio de instruções e
conferências, programadas para ocorrerem em pontos críticos do andamento
desses casos. Em consulta com o advogado e as partes, o Tribunal
estabelecerá as etapas da audição prévia e especificará os calendários
associados para atender às necessidades de tais casos;
e) Monitorização das datas para garantir que os acontecimentos ocorram
conforme o cronograma previsto, para que haja progresso ordenado no sentido
da sua conclusão. A preparação das partes é facilitada e, sempre que possível,
é encorajada uma rápida resolução.

c) Visita ao sítio e local em questão

Em muitos casos, é útil que o Tribunal visite o local do litígio e envolva pessoas que
vivem perto do local como amigos do tribunal. Em geral, a tomada de posição ajuda
o Tribunal a compreender melhor as provas apresentadas perante ele. O Tribunal
conferirá normalmente com as partes sobre a visita ao local, o calendário, uma
sugestão de itinerário e outros pormenores relevantes que as partes ou o Tribunal
possam levantar.

Se algum ponto de vista a apresentar ao Tribunal informações adicionais ou


diferentes das fornecidas pelo Tribunal, ou informações que não tenham sido
tratadas de forma correcta ou precisa nos meios de prova, e o Tribunal considerar
que essas informações podem influenciá-lo na sua decisão, as partes serão
consultadas para garantir que tenham a oportunidade de explicar ou comentar as
informações em causa antes de o processo ser determinado.

d) Boas práticas em gestão de processos

As boas práticas na gestão de casos ambientais podem incluir:


• Análise das queixas na fase inicial para determinar a jurisdição,
• Avaliação de casos para identificação precoce de questões e se a resolução
alternativa de litígios é mais eficaz
• Audiência de um processo ambiental através de uma conferência judicial
preliminar e
• Solicitar o parecer das autoridades locais, regionais e centrais ou de institutos
técnicos independentes.

e) Gestão de peritos

É uma prática recomendada ter regras e procedimentos para “gerir” (controlar) o


testemunho e as provas dos peritos com vista a promover a máxima fiabilidade e
eficiência.

As técnicas incluem:

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• Os magistrados aconselham previamente os peritos das partes de que o seu
dever é para com o tribunal, e não para com as partes que os pagam, que juram
dizer toda a verdade e que devem ser imparciais - ou estarão sujeitos a
desconsideração;
• Exigência aos peritos sobre uma questão que se reúnam com o secretário ou
gestor do processo - sem as partes nem os seus consultores - para discutir e
identificar áreas de acordo e desacordo;
• Encomendar aos peritos uma declaração escrita conjunta sobre uma questão
que indique claramente as suas áreas de acordo e desacordo, para que a
audição só possa abordar estas últimas;
• Fornecer essa declaração a todas as partes e ao advogado antes da audição ou,
em alternativa, pedir a cada perito que prepare uma declaração escrita de
pontos de vista distribuída antes da audição;
• Sequenciamento dos peritos considerando um problema de cada vez; e,
• Partilha de procedimentos inovadores de gestão por peritos em conferências
internacionais e em publicações.

f) Resolução alternativa de litígios (RAL)

Em termos gerais várias formas de RAL são particularmente adequadas para resolver
muitas disputas ambientais. As técnicas de RAL são frequentemente muito rentáveis
quando comparadas com uma audiência completa no Tribunal, podendo também ser
alcançados resultados fora da jurisdição do Tribunal numa audiência através de
acordos laterais que não farão parte de um despacho proferido pelo Tribunal.

Os tipos de MARC que podem ser oferecidos pelo Tribunal incluem:


• Conciliação;
• Mediação;
• Conferências de testemunhas especializadas;
• Arbitragem;
• Determinação de peritos; e,
• Conferências de resolução judicial.

Para ter perspectivas razoáveis de êxito, é importante uma boa preparação e


contributos. Se os processos de RAL forem recusados pelas partes ou se se resiste a
uma abordagem cooperativa, é provável que o processo seja instaurado para
audiência o mais cedo possível. É amplamente reconhecido que os processos de RAL
são os que oferecem mais valor quando são abraçados de forma construtiva, uma
vez que oferecem flexibilidade, uma abordagem baseada nos interesses, a
propriedade da resolução do litígio e são muitas vezes mais propícios à preservação
das relações entre as partes. Durante todas as fases de um processo, o Tribunal
espera que as partes continuem a abordar a possibilidade de recurso aos RAL numa
base objectiva e a utilizá-los de forma construtiva. Mesmo nos casos em que os
processos de RAL podem não produzir uma resolução completa, podem ser utilizados
como meio para restringir e resolver questões.
Os processos em que os RAL tenham sido bem-sucedidos serão frequentemente
remetidos a um juiz com um pedido de emissão de um despacho de consentimento.

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Todas as partes nas sessões de RAL devem ser representadas durante todo o
processo por uma pessoa ou pessoas com autoridade da parte para resolver o litígio.
Qualquer parte que deseje não fazer-se representar deve notificar por escrito o
Tribunal e todas as outras partes na sessão de RAL, no prazo mínimo de sete dias.
O juiz que facilita a mediação terá poder discricionário para decidir se a parte pode
participar, excepto com base no seu representante com autoridade para resolver o
litígio, o que dependerá da existência de razões especiais no contexto da sessão em
causa.
A mediação e outros processos de RAL podem, por vezes, produzir, para além da
resolução do processo efectivamente perante o Tribunal, resultados que estão fora
da jurisdição do Tribunal. Estas questões adicionais não devem ser incluídas num
projecto de despacho de consentimento, devendo antes ser registadas num acordo
separado que poderá ser executório noutras instâncias. A negociação directa,
formal ou informal, desde que seja orientada de forma construtiva, deverá também
ser sempre considerada pelas partes.

Inserir a perspectiva dos Meios Alternativos de Resolução de Conflitos em


Moçambique

Apresentar casos Nacionais (nos casos que nos foram entregues não temos
nenhum que se aplica)

Exercícios
1. Discuta os vários métodos de gestão de casos que podem ser aplicáveis na
adjudicação de casos ambientais no seu país
2. …

Sumário da Unidade 4
1. Boas práticas em gerenciamento de casos
2. Formas de resolução alternativa de disputas
3. Gestão de Peritos em Tribunais
4. ...

Referências Bibliográficas:
1. H.K. Woolf, Access to Justice (Final Report to the Lord Chancellor on the civil justice
system in England and Wales) London 1996;
2. H.K. Woolf, Access to Justice (Interim Report to the Lord Chancellor on the civil justice
system in England and Wales) London 1995;
3. J. Wood, ‘The Changing Face of the Case Management: The New South Wales
Experience, Paper, Aug. 1994;
4. Mahoney, et al “Changing Times in Trial Courts,” National Center for State Courts,
Williamsburg 1988.

Websites
https://www.environmentcourt.govt.nz/assets/Documents/Publications/2014-
ENVC-practice-notes.pdf

Page 147 of 187


https://www.environmentcourt.govt.nz/assets/Documents/Publications/2017-
Report-of-the-Registrar-of-the-Environment-Court.pdf
https://core.ac.uk/download/pdf/46710868.pdf

Page 148 of 187


MÓDULO III
Principais Áreas de Litígios Ambientais

Descrição do Módulo

O ambiente tem várias áreas ou componentes, como a água, a terra, o ar, a flora e a
fauna, bem como o ser humano. No contexto de África, estes recursos constituem os
alicerces do desenvolvimento socioeconómico. O objectivo deste módulo é melhorar
o conhecimento e a compreensão da natureza das violações de leis específicas
seleccionadas, sempre que a adjudicação seja a linha de acção adequada. Outro
objectivo é chamar a atenção do juiz ou magistrado para o facto de o apoio a medidas
de execução, como a criminalidade ambiental, os direitos humanos e a boa gestão
dos resíduos, ser fundamental para a protecção do ambiente.

Unidade 1: Crimes Ambientais


O objectivo desta unidade é permitir que o magistrado aprecie os meandros do crime
ambiental: A sua definição, os aspectos técnicos envolvidos e as questões de
julgamento.

Crimes Ambientais
A definição do termo "crime ambiental" ainda não foi objecto de acordo universal. As
directrizes do PNUA sobre o cumprimento e a aplicação dos acordos multilaterais em
matéria de ambiente 249 definem, contudo, crime ambiental como "as violações ou
infracções às leis e regulamentos nacionais em matéria de ambiente que um Estado
determine estar sujeito a sanções penais ao abrigo das suas leis e regulamentos
nacionais". O relatório de 2016 do PNUA-INTERPOL sobre "O aumento da
criminalidade ambiental" descreve a criminalidade ambiental como as actividades
ilegais destinadas a beneficiar indivíduos, grupos ou empresas da exploração, dano,
comércio ou roubo de recursos naturais, incluindo, entre outros, os crimes graves e
o crime organizado transnacional.

Os crimes ambientais geralmente se refere a qualquer violação de uma lei nacional


ou de convenções aplicáveis. Apresentam-se a seguir alguns dos principais crimes
ambientais em África:

249 Disponível em http://www.ecolex.org/server2.php/libcat/docs/LI/MON-074178.pdf

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• Depósito ilegal de resíduos perigosos;
• Degradação de zonas húmidas;
• Poluição da água, do ar, do solo, do ruído;
• Infracções relacionadas com as avaliações de impacto ambiental;
• Mineração ilegal;
• Comércio ilegal de animais selvagens ou troféus;
• Exploração ilegal de madeira e o seu comércio associado;
• Pesca ilegal, não declarada e não regulamentada (IUU);
• Comércio ilegal de produtos químicos controlados;
• Queima e comércio ilícito de carvão vegetal.

Existem outros tipos de crimes ambientais que estão a surgir, por exemplo, no
comércio de carbono e na gestão da água.250. Não obstante a gravidade dos crimes
ambientais, as consequências imediatas de um delito individual podem não ser
óbvias. No entanto, e contrariamente à noção popular, os crimes ambientais têm
efectivamente vítimas. O público e o ambiente de uma nação sofreram e continuam
a sofrer danos graves devido aos actos dos poluidores: morte, doença grave,
ferimentos e danos materiais, todos eles resultantes de actos dos infractores
ambientais.
a) Adjudicação de crimes ambientais

A ausência comum de uma prova concreta ("smoking gun") nos casos ambientais
complica a tarefa dos promotores e dos magistrados. Embora os efeitos imediatos e
de curto prazo dos crimes ambientais possam parecer negligenciáveis ou
imperceptíveis, os danos a longo prazo podem ser muito graves. De acordo com
Donald Mielke,251 então Procurador Distrital nos EUA, "um criminoso ambiental
pode tornar-se o próximo assassino em massa, ainda que os cancros, os defeitos de
nascença e outros problemas que provoca possam demorar anos a aparecer ".

O magistrado é, portanto, chamado a exercer uma prudência adicional e a ter em


conta numerosos desafios e aspectos práticos durante a audiência e a tomada de
uma decisão num caso de crime ambiental. Alguns destes desafios e aspectos são
destacados a seguir.

Senegal

Ministério Público contra Sarr e Eloi, Supremo Tribunal de Dakar (Maio 2014). Neste
caso, os réus foram acusados de comércio de produtos de marfim. Foram detidos
com mais de 332 peças de marfim na sua posse. O Ministério Público processou-os
por comércio ilegal de troféus de espécies protegidas e, à luz das provas, condenou-

250 INTERPOL (2012). Environmental Crime – INTERPOL Disponível em http://www.interpol.int/Crime-


areas/Environmental-crime/Environmental-crime
251 Enquanto compareceu perante o Subcomité sobre Substâncias Tóxicas, Supervisão Ambiental,

Investigação e Desenvolvimento da Comissão do Ambiente e das Obras Públicas do Senado dos Estados
Unidos" (15 de Novembro de 1989), p. 2.

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os a uma pena de prisão de três meses e ao pagamento de uma multa de cinco
milhões de francos CFA.

b) Desafios comuns na adjudicação de crimes ambientais

Em praticamente todas as jurisdições, um oficial de justiça que lida com um caso de


crime ambiental é obrigado a enfrentar os seguintes desafios:
• Pressão da comunidade empresarial contra processos criminais movidos
contra empresas e seus funcionários;
• Os problemas técnicos de determinação dos danos efectivos do acto ou
omissão reclamados "para além de qualquer dúvida razoável"”
• Limitações de recursos que dificultam ao funcionário judicial a apreciação
adequada das provas apresentadas e, por vezes, o acompanhamento da
execução da decisão do tribunal.
• Pressões públicas e de grupos de interesses especiais - estas podem incluir o
clamor para acelerar a instrução dos processos ou a resistência à acusação
em apoio das empresas arguidas.
• Atitudes dos magistrados - Alguns magistrados consideram que os processos
ambientais são tratados de forma mais adequada por meios civis ou
administrativos do que pela via do julgamento penal.
• Táticas de defesa - O uso generalizado de táticas dilatórias de julgamento por
advogados de defesa para réus ambientais permite que as empresas
continuem operando em violação às leis ambientais, aguardando julgamento
final.
• Atitude dos procuradores - Muitos procuradores podem inicialmente resistir
a envolver-se em casos ambientais porque consideram que estes casos são
irremediavelmente complicados e impossíveis de vencer. Os procuradores
terão de ultrapassar formidáveis obstáculos de atitude e conceitos errados
sobre crimes ambientais se quiserem alargar o seu papel.

c) Aspectos práticos no julgamento de crimes ambientais

Os crimes ambientais assumem várias formas e embora NÃO sejam exactamente


iguais, existem geralmente alguns aspectos comuns aos quais o funcionário judicial
deveria estar vivo. Estes são discutidos a seguir;

i. Análise das provas

Pode haver dificuldades práticas na análise de provas de uma infracção ambiental,


devido à natureza da infracção. Por conseguinte, o funcionário judicial terá de
considerar questões sobre:
• o tipo de provas apresentadas;
• veracidade e credibilidade das provas;
• informação histórica da empresa ou indivíduo suspeito:

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• etc

ii. Tipos de prova apresentados

Os tipos de provas normalmente recolhidos em processos ambientais incluem


amostras de água, solo ou outro material para análise laboratorial, documentos e
depoimentos de testemunhas e outras partes envolvidas. No entanto, é frequente
recolher-se o tipo errado ou provas insuficientes, mesmo quando existe uma ampla
oportunidade para recolher informações adequadas. Isto reflecte frequentemente
uma má compreensão dos procedimentos penais por parte das autoridades de
controlo. Contudo, o Tribunal pode, a pedido de uma parte ou oficiosamente, emitir
uma ordem de inspecção pelo Tribunal, desde que a inspecção possa ser relevante
para a resolução adequada da infracção penal perante o Tribunal.

iii. Adjudicação ou solução de caso

O procurador pode negociar um acordo de defesa ou o processo pode ser julgado. Em


algumas jurisdições, a grande maioria dos casos é resolvida antes do julgamento. As
penas variam entre penas de prisão, multas e liberdade condicional, dependendo da
limpeza dos danos ambientais. Em algumas jurisdições, os arguidos condenados
também podem ser impedidos de celebrar contratos com o governo, o que pode impor
a uma empresa infractora dificuldades económicas muito graves, mesmo ruinosos.

Crimes Ambientais na Legislação Moçambicana


Em Moçambique, a legislação nacional incorporou explicitamente a criminalização
de comportamentos anti ambientais, com a aprovação Lei n.º 35/2014, de 31 de
Dezembro, que formalizou a revisão do Código Penal (CP) de 1886, ao tipificar nos
artigos 349.º a 357.º do Capitulo II (Crimes contra o Ambiente) do Título IV (Crimes
de Perigo Comum), nos termos expostos na tabela abaixo:

Tipo de Crime Sanção


Pesquisa e exploração ilegal de recursos minerais – Pena de prisão de 2 a 8 anos de prisão maior e multa
art. 349.º CP correspondente
Disseminação de enfermidades - art. 350.º CP Pena de prisão de não inferior a 1 ano e multa
correspondente
Substâncias tóxicas e nocivas a saúde – art. 351.º CP Pena de prisão e multa correspondente
Exploração ilegal de recursos florestais – art. 352.º CP Pena de prisão e multa correspondente
Abate de espécies protegidas ou proibidas – art. Pena de prisão de 8 a 12 anos e multa correspondente
353.º CP
Poluição – art. 354.º CP Pena de prisão e multa correspondente
Poluição com perigo comum – art 355.º CP Em caso de dolo, pena de prisão maior de 8 a 12 anos
e em caso de negligência, pena de prisão nunca
inferior a 4 anos.

Inclui-se neste rol, o Crime de queimada florestal 252, tipificado na lei de Florestas e
Fauna Bravia, que prevê pena de prisão até 1 ano e multa correspondente, e o Crime
de Armas Proibidas 253 tipificado na Lei da Protecção, Conservação e Uso Sustentável
da Diversidade Biológica, que prevê pena de prisão maior de 12 a 16 anos e multa

252Cf Artigo 40.° da Lei n. ° 10/99, de 07 de Julho (Lei de Florestas e Fauna Bravia).
253Cf Artigos 61 da Lei n.º 16/2014, de 20 de Junho, revista e republicada pela Lei n.º 5.2017, de 11
de Maio.

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correspondente, e dos crimes tipificados no artigo 62 da mesma lei que também
prescrevem penas de prisão maior de 8 a 12 anos e multa correspondente, para a
quem praticar qualquer dos actos nele previstos, conforme transcrição abaixo.

Tipo de Crime Sanção


Abater, sem licença, qualquer elemento das espécies protegidas ou proibidas da fauna e Pena de prisão
flora, incluindo as espécies constantes na lista dos Anexos I e II da CITES maior de 12 a 16
Chefiar, dirigir, promover, instigar, criar ou financiar, aderir, apoiar, colaborar de forma anos de prisão
directa ou indirecta, grupo, organização ou associação de duas ou mais pessoas que, maior e multa
actuando de forma concertada, pratique conjunta ou separadamente o crime de abate ou correspondente
destruição das espécies protegidas ou proibidas da fauna e flora, incluindo as espécies
constantes na lista dos Anexos I e II da CITES ou a exploração ilegal de recursos minerais nas
áreas de conservação e zona tampão
Sem permissão legal, extrair recursos florestais e faunísticos, puser a venda, distribuir,
comprar, ceder, receber, proporcionar a outra pessoa, transportar, importar, exportar, fizer
transitar ou ilicitamente detiver animais, produtos de fauna ou preparados das espécies
protegidas ou proibidas, incluindo as espécies constantes na lista dos Anexos I e II da CITES.
Caçar, nos meses que pelas normas for proibido o exercício da caça, ou que, nos meses que Pena de prisão
não forem defesos, caçar por modo proibido pelas mesmas normas maior de 8 a 12
Sem permissão legal converter, transformar, mudar o carácter original de partes orgânicas anos de prisão
de qualquer espécie animal ou arvoredo legalmente protegida, com o objectivo de ocultar maior e multa
ou dissimular a sua origem ilícita, passagem, transporte, posse, importação, exportação ou correspondente
de auxiliar a pessoa implicada nas infracções contra o meio ambiente a escapar das
autoridades da lei e eximir-se das suas responsabilidades
Puser veneno ou qualquer substância letal ou nociva a saúde animal no meio ambiente, em
alimentos ou água dos rios, lagos, charcos ou qualquer local onde os animais possam beber
Colocar fogo e por este meio destruir no todo ou em parte, floresta, mata ou arvoredo
dentro das áreas de conservação e ou zona tampão
Praticar artes de pesca proibidas por lei, particularmente uso de explosivos, substâncias
tóxicas, venenosas ou equivalentes ou com recurso a rede varredoura ou armadilha mais
estreita que a que for limitada pela entidade pública ou pescar por qualquer outro modo
proibido pelas mesmas posturas ou regulamentos, ou ainda que pescar espécies protegidas

Na jurisdição mineira inclui-se a Pesquisa e Extracção Ilícita de Minerais 254 tipificado


na Lei de Minas, que prevê penas de prisão de 2 a 12 anos nos termos do Código
Penal, e Tráfico de Produto Mineral 255, tipificado na Lei de Minas, que prevê pena de
prisão maior de 8 a 12 anos.

Importa realçar que no presente Código Penal256, o legislador estabeleceu a


possibilidade da responsabilização penal de pessoas colectivas257 pela prática deste
tipo de crimes, sendo punidas com pena de multa e exclusão temporária de acesso
aos benefícios do Estado, se penas mais graves não couberem, se os crimes forem
cometidos em seu nome e no seu interesse, pelos titulares dos seus órgãos ou seus
representantes.

Ministério Público vs Caçadores Furtivos


Em 2016 o Ministério Público nos distritos de Mueda, Muidumbe e Nangade intentou
processos de crimes ambientais de caça furtiva de elefantes e hipopótamos e de exploração
ilegal de madeira.

254 Cf Artigo 79.° da Lei n.º 20/2014, de 18 de Agosto.


255 Cf Artigo 80.° da Lei n.° 20/2014, de 18 de Agosto.
256 Cf Artigo 354.°, n.° 4 CP.
257 Cf Artigo 30.° CP e 357 CP.

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Em 2018 o Ministério Público no distrito de Magude, província de Maputo, intentou 10
processos de crimes ambientais de caça furtiva de rinoceronte contra 20 cidadãos. As
decisões do tribunal distrital foram favoráveis ao Ministério Público. Mediante os casos
foram efectuadas prisões, pagamentos de caução de liberdade condicional e medidas de
coacção de liberdade provisória mediante termo de identidade e residência. Casos acima
das competências do tribunal distrital foram remetidos ao Ministério Público para efeitos
de procedimentos ulteriores.

Ministério Público vs Administração Marítima


Em 2016 a Administração Marítima realizou uma campanha de abate de tubarões na Baia
de Inhambane para combater um surto ataques destes animais aos seres humanos. O
Ministério Público intentou junto do Tribunal Administrativo da província intimações para
a abstenção dos actos. O Tribunal Administrativo deu provimento aos pedidos do Ministério
Público.

Será que este caso estará bem inserido aqui??? Foi transferido para aqui

Exercícios
1. Selecione um processo criminal ambiental típico perante o tribunal, identifique
e discuta os principais ingredientes / contagens que são puramente
ambientais.
2. Criar diretrizes de sentença que incentivem suficientemente a dissuasão na
prática de crimes ambientais
3. .…

Sumário da Unidade 1
1. As disposições legais do crime ambiental são encontradas nas leis ambientais
e nas leis penais
2. O principal objetivo da aplicação da lei sobre crimes ambientais é restaurar o
meio ambiente e garantir a integridade dos recursos
3. A importância de um sistema sólido de acusação e multa que crie um ambiente
propício para o combate ao crime ambiental.
4. .…

Referências Bibliográficas:
Convenções Regionais Africanas e Internacionais
• CITES (the Convention on International Trade in Endangered Species of Wild Fauna
and Flora)
Leituras Adicionais (Websites)
http://www.unodc.org/res/cld/bibliography/environmental-crime-the-trafficking-of-wildlife-and-
timber_html/TOC12_fs_environment_EN_HIRES.pdf

Page 154 of 187


Unidade 2: O Ambiente e os Direitos Humanos
O objectivo desta unidade é que o magistrado aprecie a a relação entre ambiente e
direitos humanos. Um ambiente saudável é fundamental para o gozo de todos os
direitos humanos e está intimamente ligado ao direito à saúde, ao bem-estar e à
dignidade. A primeira ligação que pode ser empiricamente assumida entre direitos
humanos e ambiente é que um ambiente saudável e adequado é necessário para o
pleno gozo dos direitos humanos. Desta forma, o ambiente é tratado como uma
condição prévia ou pré-requisito para a satisfação de um vasto espectro de direitos
humanos, como a vida, a saúde, a alimentação, a água e a privacidade, bem como
os direitos culturais. O exercício dos direitos humanos, como o direito à informação,
à participação e à reparação, contribui para promover e assegurar a protecção do
ambiente. A utilização de uma abordagem baseada nos direitos para enquRALar as
questões conduz a melhores resultados que têm em conta a base dos requisitos
humanos, a igualdade e a não discriminação, a participação significativa, o
empoderamento e a responsabilização.

A maioria dos países africanos incorporou agora nas suas constituições e noutras
leis os direitos humanos sobre o ambiente, quer como obrigação estatal de proteger
o ambiente, quer como direito a um ambiente seguro, saudável e ecologicamente
equilibrado. Desta forma, os governos estão a tornar-se mais proactivos no
envolvimento do ambiente nos mecanismos de protecção a nível nacional,
"reconhecendo assim a importância de um ambiente saudável, quer como um dever
do Estado, quer como um direito”.

Deste modo, o ambiente e os direitos humanos podem ser clarificados de três


perspectivas :
• Em termos de direitos civis e políticos, pode ser utilizado por indivíduos ou
grupos para obter "acesso à informação ambiental, a recursos judiciais e a
processos políticos”;
• Tratar o ambiente como um direito económico ou social como um direito de
"segunda geração", tal como a saúde e a habitação;
• Tratar o ambiente na perspectiva da "terceira geração" ou dos direitos de
solidariedade que exigem que os governos "proporcionem os recursos, as
competências e a tecnologia necessários para a realização dos objectivos
ambientais.

A jurisprudência relativa aos direitos humanos e ao ambiente pode ser destilada para
identificar obrigações específicas do Estado relevantes neste domínio, por exemplo,
os deveres de respeitar, proteger, cumprir e promover. A definição factual específica
dos casos é, no entanto, importante para determinar a responsabilidade do Estado.
Nesta perspectiva, é possível distinguir duas grandes áreas na jurisprudência,
nomeadamente a poluição ambiental e a extracção de recursos naturais.

É de notar que o conceito de igualdade entre as gerações levanta questões difíceis


para os juízes. Tendo em conta a natureza frequentemente muito técnica dos
problemas ambientais e a dificuldade dos juízes em determinar a definição adequada

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de saúde para as gerações presentes, o problema só se agrava quando os juízes
devem também considerar as gerações futuras ainda não nascidas e, portanto, sem
representação jurídica.

O direito a um ambiente limpo


Kwanza Estates Ltd vs. Serviço de Vida Selvagem do Quênia, HCCC 133 de 2012. O autor
da acção queixou-se de que o réu começou a tinha começado a colocar uma casa de banho
pública sem a devida consideração. O autor afirmou que isso poderia ter consequências
ambientais se o efluente fosse jogado no mar. Isso também causaria uma desvalorização
da propriedade do autor. O autor afirmou ainda que não tinha sido efectuada uma
avaliação do impacto ambiental e que não havia qualquer licença da autoridade nacional
de gestão ambiental. O autor solicitou medidas cautelares.
O réu, por outro lado, alegou que as casas de banho e os chuveiros eram necessários para
preservar o ambiente da praia pública. Declarou ainda que a construção não foi feita na
propriedade do autor da acção. O réu enfatizou ainda que tinha o direito de usar o
ambiente em benefício do povo do Quénia.
Ao chegar à sua decisão, o Tribunal salientou o direito a um ambiente limpo e saudável,
os princípios do desenvolvimento sustentável e a participação pública. O Tribunal também
declarou que construções como esta, que visam proteger o ambiente, devem seguir o
devido processo e exigir uma Avaliação de Impacto Ambiental. Por conseguinte, foi
concedida uma injunção para evitar a poluição até que fosse demonstrado que a
construção não teria um impacto ambiental negativo sob a forma de poluição.

O direito a um ambiente limpo e saudável (direito à vida)


No caso histórico Waweru v. Republic, (2006) 1 K.L.R. 677, 682 (H.C.K.), o Supremo
Tribunal do Quénia interpretou o "direito à vida" na Seção 71 da antiga Constituição para
incluir o direito a um ambiente limpo e saudável. Em Waweru, a questão centrou-se em
torno dos resíduos tóxicos que estavam a ser libertados para o ambiente por fossas
sépticas que foram instaladas por um grupo de proprietários de parcelas no município de
Kiserian. O tribunal declarou que "o direito a um ambiente limpo é inerente ao acto de
criação, não obstante a recente reafirmação nos Estatutos e nas Constituições do
mundo"..

a) Direitos ambientais processuais

Se o gozo dos direitos humanos depende da protecção do ambiente, a protecção do


ambiente depende do exercício de certos direitos humanos, tais como o direito à
informação, a participação do público na tomada de decisões e o acesso à justiça. O
cumprimento efectivo da legislação e das normas ambientais exige o conhecimento
das mesmas, bem como das condições ambientais.

Permitir que as pessoas potencialmente afectadas participem nos processos de


tomada de decisão relativos a actividades prejudiciais pode prevenir ou atenuar os
danos ameaçados e contribuir para o apoio público à acção ambiental, bem como
conduzir a melhores decisões coerentes com o desenvolvimento sustentável. Caso a
actividade prossiga e sejam sofridos danos, o acesso à justiça pode permitir a
recuperação ou reparação do ambiente danificado.

Em geral, os direitos humanos processuais - acesso à informação, participação do


público na tomada de decisões e acesso à justiça - ligados à protecção do ambiente

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têm merecido a maior atenção nos instrumentos jurídicos e na jurisprudência, bem
como nas políticas. O reforço destes direitos processuais ajudará a desenvolver o
desenvolvimento sustentável.

b) Quadro jurídico em matéria de Direitos Humanos em África

A relação entre direitos humanos e protecção do ambiente foi desenvolvida pela


jurisprudência a nível regional e global. Os tribunais e outros organismos
internacionais têm interpretado os direitos humanos substantivos no sentido de
incorporar, implicar ou implicar uma protecção ambiental adequada. Os tribunais
internacionais também desenvolveram e elaboraram direitos processuais, que são
potencialmente poderosos no combate à degradação ambiental.

A Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos, assinada em Banjul em 26 de


Junho de 1981, por exemplo, contém várias disposições adicionais relacionadas com
os direitos ambientais. O artigo 24º estabelece explicitamente que "todos os povos
têm direito a um ambiente geral satisfatório e favorável ao seu desenvolvimento". O
artigo 21º prevê que "todos os povos disporão livremente das suas riquezas e recursos
naturais" e acrescenta que este direito deve ser exercido no "interesse exclusivo dos
povos" garante a cada indivíduo o direito de gozar do melhor estado de saúde física
e mental possível. O artigo 7º trata dos direitos processuais e prevê que "cada
indivíduo tem o direito de fazer ouvir a sua causa". Ambos os direitos são relevantes
no contexto ambiental, dadas as ligações entre a qualidade ambiental e a saúde
humana e o papel dos direitos processuais na protecção dos direitos ambientais.

O artigo 24º da Carta de Banjul e outras disposições do Tratado conduziram a uma


jurisprudência importante sobre o conteúdo dos direitos ambientais. A Comissão
Africana dos Direitos do Homem e dos Povos decidiu casos relativos à poluição e à
exclusão dos povos indígenas das suas terras reservadas à conservação da natureza.
Concluiu que o direito ao ambiente é um direito justificável que deve ser integrado e
equilibrado com o direito ao desenvolvimento.

Na decisão de Endorois, a Comissão Africana dos Direitos do Homem e dos Povos


reconheceu que a ligação entre o povo Endorois e as terras em que outrora viveram
estava directamente relacionada com os seus direitos humanos, incluindo o direito
de praticar livremente a religião, a cultura, o desenvolvimento, de dispor dos recursos
naturais e dos bens.

Direitos humanos
Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos v República do Quénia, Pedido do
Tribunal Africano dos Direitos do Homem e dos Povos nº 006/2012. A comunidade Ogiek
da floresta de Mau no Quénia recorreu ao Tribunal Africano dos Direitos do Homem e dos
Povos para obter reparação por ter sido expulsa pelo governo das suas terras ancestrais e
o tribunal ouviu o seu caso com base no facto de este denunciar violações graves e maciças
dos direitos humanos. O Tribunal Africano decidiu que o Governo queniano violou os
direitos do povo indígena Ogiek quando o expulsou das suas terras que deveria ter
protegido e assegurado, tal como previsto na Carta Africana dos Direitos do Homem e dos
Povos.

Direitos ao desenvolvimento económico e social

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O Tribunal de Justiça da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental
(CEDEAO) Ibadan, o Projecto de Direitos Socioeconómicos e Responsabilização (Requerente)
e a República Federal da Nigéria (Réu). Sentença N ° ECW / CCJ / JUD / 18/12. Em 2012,
o Tribunal de Justiça da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental
condenou a Nigéria por não regulamentar as empresas multinacionais cujas actividades
de extracção de petróleo degradaram o Delta do Níger. Projecto de Direitos
Socioeconómicos e Responsabilidade alegadamente violado pelos arguidos dos direitos à
saúde, ao nível de vida adequado e ao desenvolvimento económico e social da população
do Delta do Níger e da não aplicação, pelos arguidos, de leis e regulamentos de protecção
do ambiente e de prevenção da poluição.
Os Direitos Socioeconómicos e a Responsabilidade Social alegaram que o Delta do Níger
tem uma enorme riqueza sob a forma de terra, água, floresta e fauna que foram sujeitas a
uma extrema degradação devido à prospecção petrolífera. Evitou que o Delta do Níger
tenha sofrido durante décadas com os derrames de petróleo, que destroem as culturas e
prejudicam a qualidade e a produtividade dos solos que as comunidades utilizam para a
agricultura e contaminam a água que as pessoas utilizam para a pesca, o abastecimento
de água potável e outros fins domésticos e económicos. Que estes derrames, que resultam
da má manutenção das infra-estruturas, de erros humanos e de uma consequência de
vandalismo deliberado ou roubo de petróleo, empurraram muitas pessoas para uma
situação de pobreza e privação, alimentaram conflitos e conduziram a um sentimento
generalizado de impotência e frustração. O Conselho afirmou ainda que as actividades
devastadoras das indústrias petrolíferas no Delta do Níger continuam a prejudicar a saúde
e a subsistência da população da região, a quem é negado o acesso adequado à água
potável, à educação, aos cuidados de saúde, à alimentação e a um ambiente limpo e
saudável.

A relação entre Direitos Humanos e ambiente há muito que é reconhecida no sistema


das Nações Unidas (ONU), apesar de esta não estar reflectida na Declaração
Universal dos Direitos Humanos258. Esta interdependência é reconhecida na
Declaração de Estocolmo sobre Ambiente Humano e Desenvolvimento, adoptada em
1972 pela ONU, reafirmada na Declaração do Rio (1992), vinte anos mais tarde.
Actualmente o sistema das Nações Unidas reconhece que, ao lado da dignidade e
justiça, desenvolvimento, cultura, género e participação, o ambiente constitui um
dos seis temas transversais dos direitos humanos, pois é cada vez mais evidente que
degradar o ambiente pode prejudicar os direitos das pessoas a uma vida segura e
saudável259.

Em Moçambique, a questão do respeito pelos direitos humanos tem garantia


constitucional, pois o legislador260 conferiu dignidade constitucional e consagrou
como direitos fundamentais de todos os cidadãos de forma particular, todos os
direitos constantes dos seguintes instrumentos internacionais relativos a direitos
humanos:
• Declaração Universal dos Direitos do Homem
• Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos.

258 Adoptada pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas a 10 de Dezembro de 1948
259 Cf. Artigo III da Declaração Universal dos Direitos Humanos, segundo o qual “Todo ser humano tem
direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal”.
260 Cf. Artigo 43.° da CRM

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Deste modo, há que ter em atenção que o exacerbar dos fenómenos humanos
conducentes a fenómenos extremos derivados de mudanças climáticas, podem
afectar de várias formas os direitos humanos fundamentais tais como os direitos à
vida261, propriedade 262, reparação/compensação por danos263 e igualdade de
tratamento perante a lei264.

Em casos de danos ou ameaças ao ambiente, os direitos acima elencados podem, de


acordo com estudos científicos elaborados sobre mudanças climáticas265, ser
afectados pela ocorrência cada vez mais frequente de eventos climáticos extremos
com cada vez maior frequência, tais como tempestades e inundações, vagas de calor,
secas e incêndios florestais espontâneos, com consequências nefastas para a vida e
outros bens humanos. Pesquisas realizadas pela Organização Mundial da Saúde,
estimam que as mudanças climáticas já são responsáveis por 150 mil mortes anuais,
desde 1970, derivadas de uma maior incidência da desnutrição, da diarreia e da
malária, o que desde logo coloca em causa o direito fundamental a vida. As
propriedades individuais como a habitação, podem ser afectadas de várias maneiras.
Tendo em conta que mais de 40% da população mundial vive e produz nas zonas
costeiras, o propalado aumento do nível do mar poderá ter efeitos dramáticos sobre
bens e propriedades, pelo potencial de surgimento de desabrigados, e deslocamentos
populacionais destas regiões para regiões mais altas. Isso poderá ter consequentes
implicações sobre o sistema tradicional de reparação/compensações de danos sobre
as propriedades e, tendo em conta a necessidade de tratamento igualitário perante a
lei que todos merecem, as questões do ambiente não podem mais ser desassociadas
dos direitos humanos, uma vez que são inegáveis as relações de interdependência
existentes entre o direito à vida266 e o direito a um ambiente267 equilibrado, de modo
a que se garanta a qualidade de vida e dignidade da pessoa humana. Nesse diapasão,
imprescindível é destacar que a educação ambiental tem um papel fundamental para
fomentar a sustentabilidade equitativa, devendo ser um processo de aprendizagem
permanente, baseado no respeito a todas as formas de vida.

Os direitos humanos estão ligados ao valor da pessoa, sua dignidade e liberdade.


Uma sociedade somente poderá existir plenamente se representar os anseios de
todos os seus cidadãos e respeitar seus direitos fundamentais, incluindo aí o direito
de ter uma vida digna, o que implica necessariamente a sua existência num ambiente
saudável.

Inserir a Perspectiva Moçambicana

Jurisprudência Nacional sobre Direitos Humanos e Ambiente (sem dados)

Exercícios
Um requerente instaura um processo com vista a obter a declaração de que o
fabrico, distribuição, utilização, venda, eliminação de sacos de plástico,
recipientes de plástico, embalagens plásticas para alimentos com menos de 100

261 Cf. Artigo 40.° CRM


262 Cf. Artigo 82.° CRM
263 Cf. Artigo 58.° CRM
264 Cf. Artigos 35.° e 36.° CRM
265 Vide Relatórios do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC).
266 Cf. Artigo 40.° da CRM
267 Cf. Artigo 90.° da CRM

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mícrones violam os direitos dos cidadãos a um ambiente limpo e saudável. Discuta
a legislação aplicável no seu país e os elementos essenciais das violações dos
direitos humanos no contexto da sua legislação e políticas nacionais.

Sumário da Unidade 2
1. Concentração nos tratados, declarações e leis nacionais aplicáveis ao país;
2. Como membros da comunidade internacional e dos organismos regionais, os
países têm a obrigação de agir em conformidade com os princípios dos
instrumentos ratificados;
3. Afirmar a necessidade de promover os direitos humanos e o ambiente no
âmbito das respectivas políticas nacionais como uma questão de
desenvolvimento;
4. .…

Referências Bibliográficas:

Convenções Regionais da África e Internacionais


• The African Charter on Human and Peoples' Rights (also known as the Banjul
Charter)
• Protocol to establish the African Court on Human and Peoples’ Rights.
• Constitutive Act of the African Union
• African Union
• The African Court on Human and Peoples’ Rights
• Pan-African Parliament
• African Commission on Human and Peoples’ Rights
• African Charter on the Right and Welfare of the Child
• Protocol to the African Charter on Human and People’s Rights on the Rights of
Women in Africa
• Universal Declaration on Human Rights

Leituras Adicionais
1. Alter, Karen J. and Gathii, James Thuo and Helfer, Laurence, Backlash Against
International Courts in West, East and Southern Africa: Causes and Consequences
(August 5, 2016). 27 European Journal of International Law, 293-328 (2016); iCourts
Working Paper Series, No. 21; Duke Law School Public Law & Legal Theory Series No.
2015-19.
2. Atapattu, S., ‘The Right to a Healthy Life or the Right to Die Polluted?: The Emergence
of a Human Right to a Healthy Environment Under International Law’ in Dinah
Shelton (ed), Human Rights and the Environment, (Edward Elgar Publishing, 2011) vol
I.
3. Boyle, A., ‘Human Rights or Environmental Rights? A Reassessment’ in Dinah Shelton
(ed), Human Rights and the Environment, (Edward Elgar Publishing, 2011) vol I.
Available at http://www.law.ed.ac.uk
4. Handl, G., ‘The Human Rights and Protection of the Environment: A Mildly
“Revisionist” View’ in in Dinah Shelton (ed.), Human Rights and the Environment,
(Edward Elgar Publishing, 2011) vol I.

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5. Daniel Abebe, "Does International Human Rights Law in African Courts Make a
Difference?" 56 Virginia Journal of International Law 527 (2017).

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Unidade 3: Julgamento de Litígios sobre os Recursos
Naturais
Os recursos naturais desta Unidade referem-se a florestas, água doce, costeira e
marinha, vida selvagem (animais e plantas), minerais. A unidade é criada para
sensibilizar o juiz e o magistrado para a natureza e magnitude do desafio ambiental
e para o papel que o poder judicial desempenha na interpretação, aplicação e
execução dos regimes jurídicos nacionais e internacionais destinados a resolver estes
problemas ambientais.

Considerando a premissa constitucional da soberania do Estado sobre os recursos


naturais268, no nosso sistema jurídico os litígios sobre o acesso e utilização de
recursos naturais terão tendência a ser dirimidos pela jurisdição administrativa, pois
terá tendência a se relacionar com os processos de aquisição por particulares do
correspectivo direito de explorar comercialmente os recursos em questão, partindo
do postulado legal de que sendo os recursos naturais pertença do Estado, este é que
tem a prerrogativa de determinar as condições de acessibilidade dos mesmos para a
satisfação de interesses meramente ou maioritariamente privatísticos.

É pois neste âmbito, que há necessidade de tomar em consideração na análise de


diferendos relacionados com recursos naturais um manancial de legislação
específica para cada categoria de recurso natural, principalmente a que está ligada
as condições para a obtenção da permissão legal para o uso ou extracção
(licenciamento) de tal recurso, bem como para o facto de esta normalmente
prescrever, a par de direitos, um variado leque de obrigações para os utilizadores dos
recursos naturais com fins comerciais, cuja não observância consubstanciar
infracções normalmente sancionadas com recursos a coimas e perdas de direitos
adquiridos ao abrigo da mesma.

São enumerados a seguir os principais aspectos que deverão ser considerados na


análise de cada categoria de recursos naturais.

Subunidade 3 (a): Recursos hídricos e pesqueiros


A Unidade explora as leis e políticas que tratam da gestão dos recursos hídricos e da
poluição da água. A situação dos recursos hídricos em África. Quais são as principais
fontes de poluição da água; quais são as ameaças significativas da poluição da água;
quais são os principais utilizadores da água e porque é que precisamos de proteger
as nossas águas de múltiplas ameaças são algumas das questões que também devem
ser examinadas. Por último, a unidade investiga as respostas judiciais para a
protecção da água.

a) A Situação da Água em África

É imperativo que o magistrado que a população humana global depende apenas de


2,4% da água doce, que 1,1 mil milhões de pessoas não têm acesso a água potável,
que 2,6 mil milhões de pessoas não têm acesso a instalações sanitárias adequadas

268 Cf Artigo 98.° da CRM

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e que, até 2025, mais de 3 mil milhões de pessoas irão enfrentar a escassez de água.
(Programa Mundial de Avaliação da Água 2006).

A sustentabilidade dos recursos hídricos de África está ameaçada tanto por


fenómenos naturais como por factores humanos. As ameaças, entre outras, são:
• Multiplicidade de bacias hidrográficas transfronteiriças;
• Mudança e variabilidade climática;
• Crescente escassez de água, diminuição de alguns corpos de água e a
desertificação;
• Governação inadequada;
• Esgotamento dos recursos hídricos através da poluição, degradação ambiental
e desflorestação; e,
• Aumento da procura de água devido ao aumento da população.
Há duas questões principais que exigem uma intervenção judicial nos recursos de
água doce. A primeira é sobre a utilização dos recursos de água doce. As intervenções
judiciais dizem respeito à protecção da fonte dos recursos, à captação de água -
utilização excessiva (produção e consumo) e à obstrução do fluxo. A segunda
intervenção judicial envolve o licenciamento e a poluição.

África do Sul

Pukka Chukka Farms CC vs. Departamento de Assuntos Hídricos e Florestas 269; Neste
caso, o autor da acção contestou a decisão do Departamento de Assuntos Hídricos e
Florestais de lhe recusar uma licença de actividade de redução do fluxo de água
(SFRA) relativamente a uma florestação que pretende estabelecer para fins
comerciais. O autor contestou a recusa do Departamento de Assuntos Hídricos e
Florestais perante o Tribunal da Água e fundamentou o seu recurso com o facto de
o impacto da exploração prevista no ambiente ser limitado devido à sua localização
numa zona isolada ao longo da costa. Além disso, o autor indicou que a recusa criou
uma situação discriminatória porque seu vizinho recebera uma licença da SFRA para
as mesmas actividades.

O Tribunal considerou que a decisão do Departamento de Assuntos Hídricos e


Florestais estava perfeitamente fundamentada e razoável no que diz respeito à
protecção do ambiente e do interesse do demandante. Além disso, o Tribunal
considerou que não tinha havido discriminação porque o pedido do vizinho do autor
já tinha sido aceite antes do estudo que foi utilizado como base científica para
justificar a recusa.

França

A França não prevê na sua Constituição o direito à água, mas a Lei da Água francesa,
adoptada em 1992, estipula que a utilização da água pertence a todos.270 Num
acórdão de 1996, o Tribunal Regional de Roanne condenou uma empresa de
distribuição por interrupção ilegal do abastecimento de água, com o fundamento de
que um fornecedor que não tenha sido pago deve requerer ao tribunal o mandado de

269 http://www.saflii.org/za/cases/ZAWT/2010/2.html
270 Lei nº 92-3, de 3 de Janeiro de 1992, sobre a água, ("Jornal Oficial", 4 de Janeiro de 1992, 187).

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execução.271 Embora não constitucionalmente protegida, tal decisão tornou o direito
à água potável uma realidade juridicamente protegida.

Paquistão

F.K. Hussain v. Union of India, 1990. O Supremo Tribunal de Kerala está preocupado
com a situação especial em algumas ilhas de coral onde os recursos hídricos são
escassos e a intrusão de água salgada nas águas subterrâneas constitui uma grande
preocupação. A administração tinha desenvolvido um esquema para aumentar o
abastecimento de água através da extracção de mais águas subterrâneas. Os
peticionários acreditavam que uma extracção tão alargada iria perturbar o equilíbrio
da água doce e conduzir à salinidade das águas subterrâneas. O tribunal seguiu esta
argumentação e considerou que a acção administrativa constituiria uma infracção
ao disposto no artigo. 21, uma vez que o direito à vida é muito mais do que o direito
à existência animal. ... "O direito à água doce e o direito ao ar livre são atributos do
direito à vida, pois estes são elementos básicos que sustentam a própria vida".

Caso Suomotu: Iftikhar M. Ch. C.J Khiljji Arif Hussain e Tariq Parvez J.J (em relação
ao Fornecimento de Água Contaminada para Rawalpandi a partir da Barragem de
Rawal) 2013 SCMR 594. Direito a ter água potável, necessidade de instalação de
estações de tratamento de água. Cidadãos pobres que utilizam água contaminada
que causou número de doenças. Chefes dos Tribunais ambientais a nomear pelo
Secretário Chefe Provincial para que as violações da legislação ambiental possam ser
verificadas. Garantia de que não só o distrito de Rawalpindi, mas também as pessoas
de toda a província de Punjab devem obter água potável.

Despacho: O Governo do Punjab não compreende como lidar com as questões


ambientais e quem está autorizado a nomear os Tribunais para verificar as violações
do direito ambiental. O secretário deve tomar medidas imediatas para serem
concluídas num prazo não superior a 30 dias e, se necessário, deve fixar a
responsabilidade sobre os funcionários responsáveis pelo atraso na execução dessas
instalações. O secretário principal Punjab tem instruções para se interessar
pessoalmente na nomeação dos responsáveis por essa violação da Avaliação
Ambiental, podendo ser verificado se as pessoas estão a obter água limpa para beber.

ALLAH DITTA vs. DCO2009 CLD 825. Neste caso, os efluentes das instalações
químicas estavam a cair na água, causando perigo para os animais e habitantes, e a
EPA descobriu que mais tarde a fábrica não constituía uma ameaça para o ambiente,
mas os inquiridos foram avisados para manterem o seu projecto amigo do ambiente
e foram iniciados processos contra a fábrica por actos ilegais já cometidos, que
continuariam e seriam decididos com base no mérito.

Argentina

O caso Menores Comunidad Paynemil 1997 diz respeito à poluição da água por metais
pesados por uma companhia petrolífera, que resultou na contaminação dos aquíferos
em que a comunidade Paynemil autóctone de Neuquen dependia para o

271Relatório preliminar apresentado por Hadji Guisse à Sub-Comissão para a Promoção e Protecção
dos Direitos Humanos, E/CN.4/Sub.2/2002/10, em 11.

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abastecimento de água. Estudos de saúde revelaram níveis elevados de metais
tóxicos no sangue e na urina das pessoas. A Defensoria Pública das Crianças
apresentou uma "acción de amparo" (um procedimento acelerado) contra o Governo
que considerou ter violado a sua obrigação de proteger o direito à saúde. O Tribunal
declarou que o Governo não tinha tomado quaisquer medidas razoáveis para resolver
o problema da poluição, apesar de ter sido informado da situação que ameaçava a
saúde da comunidade Paynemil. Assim, ordenou ao Governo que fornecesse 250
litros de água potável por pessoa por dia e que assegurasse o fornecimento de água
potável por meios adequados no prazo de 45 dias.
Esta ordem mostra a estreita relação das diferentes obrigações na distinção
tripartida. Depois de o Governo ter violado a sua obrigação de proteger a comunidade
Paynemil da poluição causada pela instalação petrolífera, tem a obrigação de cumprir
o direito à água, pelo menos sob a forma de uma medida provisória. No entanto, a
longo prazo, será necessário encontrar uma solução sustentável que impeça a
poluição das fontes de água potável pela instalação petrolífera, o que, mais uma vez,
está relacionado com a obrigação de protecção.

Nepal

Em LEADERS, Inc. v. Godawi Marble Industries, 1995, (supremo tribunal do Nepal),


foi considerado que uma operação de extracção de mármore que contaminava o
abastecimento de água e o solo violava o direito constitucional dos residentes das
redondezas à vida e à água potável.

Índia

O Supremo Tribunal da Índia mencionou o direito à água nos seguintes casos:


i. Charan LalSahu v. União da Índia 1990 AIR 1480 e Subhash Kumar v.
Estado de Bihar e outros 1991 AIR 420. O Tribunal observou em Subhash
Kumar que o direito à vida nos termos do art. 21 " inclui o direito a
desfrutar da água e do ar livres de poluição para o pleno gozo da vida ".
ii. Vellore Citizens Welfare Forum v. Union of India, (1996) AIR 2715. O
processo baseia-se numa petição de interesse público apresentada ao
Tribunal pelo Vellore Citizens Welfare Forum. O Fórum estava
preocupado com a poluição da água causada por mais de 900 curtumes
no Estado de Tamil Nadu que descarregavam efluentes não tratados em
campos agrícolas, vias navegáveis e terrenos abertos. Os efluentes
acabaram no rio Palar, que era a principal fonte de abastecimento de água
aos habitantes da zona. Como resultado, não havia água potável
disponível para os residentes.

b) A Situação da Água Em Moçambique

Em Moçambique, para o licenciamento da utilização sustentável de recursos


hídricos, há que tomar em consideração os seguintes diplomas legais:
• Lei n.º 16/91, de 03 de Agosto (Lei das Águas), sendo de referenciar os
artigos 7.°,11.°, 21.°, 27.°, 32.°, 35.°, 39.°, 40.°, 56.°, 67.° e 71.°, que
prescrevem os princípios fundamentais de gestão, condições e tipos de
usos admissíveis, atribuições e registo de licenças e concessões e descarga

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de efluentes, condições de revogações de licenças e concessões e
licenciamento para extracção de inertes nos leitos e margens.
• Regulamento de Licenças e Concessões de Águas, aprovado pelo Decreto n.º
43/2007, de 30 de Outubro, sendo de referenciar os artigos 4.°, 5.°, 9.° e
22.°, 23.°, 36.°, 40.°, 42.°, 56.°, 67.°, 71.°, 90.°, 97.° e 98.°, que prescrevem
os princípios fundamentais, objectivos para a gestão de águas, pedidos e
requisitos para os para o uso e aproveitamento de concessão de águas,
extracção de inertes e despejo de efluentes, conflitos de utilização e sua
solução incluindo as Infracções e suas penalizações.
• Regulamento dos Sistemas Prediais de Distribuição de Água e de Drenagem
de Águas Residuais, aprovado pelo Decreto n.º 15/2004, de 15 de Julho,
sendo de referenciar os artigos 10.°, 11.°, 83.°, 91.°, 92.° e 101.°, que
prescrevem os pRALões de qualidade da água distribuída, regras para a
prevenção da contaminação, lançamento de efluentes permitidos e
interditos bem como regras para a prevenção da poluição.
• Regulamento sobre a Qualidade da Água para o Consumo Humano,
aprovado pelo Diploma Ministerial n.º 180/2004, de 15 de Setembro e
Regulamento sobre a Qualidade da Água Engarrafada destinada ao
Consumo Humano, aprovado pelo Decreto n.º 39/2006, de 27 de Setembro,
que prescrevem os pRALões de qualidade que a água deve ter para ser
considerada potável (adequada para o consumo humano) e consequente
passível de disponibilização comercial incluindo as instituições
responsáveis pela sua certificação.

Para o licenciamento da utilização sustentável de recursos pesqueiros, há que tomar


em consideração os seguintes diplomas legais:
• Lei n.º 22/2013, de 01 de Novembro (Lei das Pescas) sendo de referenciar
os artigos 5.°, 16.°,17.°, 29.°, 39.°, 50.°, 62.°, 74.°, 98.° e 103.°, que
prescrevem os princípios fundamentais de gestão, zonas de conservação
dos recursos pesqueiros, regras de protecção do ambiente aquático,
classificação, conflitos e direitos pesqueiros, concessão e revogação de
licenças pesqueiras, infracções e penalizações aplicáveis.
• Regulamento Geral da Pesca Marítima (REPMAR), aprovado pelo Decreto n.º
43/2003, de 10 de Dezembro, sendo de referenciar os artigos 9.°, 10.°, 11.°,
26.°, 73.°, 74.°, 98.°, 109.°, 115.°, 118.°, 126.°, 131.°, 135.° e 164.°, que
prescrevem limites e volumes admissíveis de captura, abandono na água e
identificação das artes de pesca, classificação das embarcações,
comunicação de descargas no mar, áreas protegidas, tipos de licenças e
sua revogação, transbordo em alto mar, abandono das águas jurisdicionais
e infracções.
• Regulamento da Pesca Recreativa e Desportiva, aprovado pelo Decreto n.º
5/99, de 31 de Agosto, sendo de referenciar os artigos 4.°, 5.°, 6.°, 7.°, 10.°,
14.°, 15.°, 19.°, 28.° e 31.°, que prescrevem as normas de gestão e
ordenamento da actividade de pesca recreativa e desportiva, tipos de
embarcações e artes de pesca admissíveis, regras de protecção de espécies
e troféus pesqueiros, licenciamento e deveres dos pescadores bem como as
infracções e penalizações respectivas.

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Jurisprudência Nacional

Comunidade local e Ministério Público vs Vale Moçambique (empresa mineira)


Na realização das suas actividades a empresa mineira Vale Moçambique polui o ar com a
emissão de partículas sólidas de poeira na atmosfera. Em 2018 a comunidade local no
distrito de Moatize reclama da situação diante de várias autoridades administrativas. O
Ministério Público na província de Tete efectuou diligências de auscultação à comunidade
e à empresa mineira para avaliar a situação e emitiu recomendações para que esta
implementasse medidas de mitigação da poluição do ar em conformidade com a lei
ambiental

Será que este caso está bem inserido aqui???

Exercícios
Dez queixosos, a 10 quilómetros de distância de uma zona industrial, abriram de
novo um processo contra uma fábrica de refrigerantes, alegando dores de
estômago múltiplas devido a descargas do estabelecimento. Alegam também que
as suas culturas foram afectadas devido à indisponibilidade de água do rio. A
defesa da fábrica demandada é que estas não são a causa de doença nem a
disponibilidade de água a jusante. A fábrica dispõe de licenças de captação e
descarga de água. EnquRALe e discuta as questões jurídicas para determinação e
as prováveis decisões judiciais utilizando a lei aplicável no seu país.

Sumário da Subunidade 3 (a)


1. Os recursos de água doce enfrentam múltiplas ameaças na África.
2. O licenciamento e as licenças são pontos importantes para a adjudicação de
captações de água e a descarga de resíduos.
3. Análise pelos tribunais das decisões administrativas relativas à gestão dos
recursos hídricos.
4. Causas nos processos relativos à água.
5. …

Referências Bibliográficas

Convenções Regionais da África e Internacionais


• Transboundary freshwater Spatial Database and Register. (2018). Retrieved 17 01,
2018:
http://transboundarywaters.science.oregonstate.edu/content/data-and-datasets
• United Nations Environment Programme. (2010). Africa Water Atlas. Nairobi: Earth
Print.
• RAMSAR Convention
www.iucn.org/dbtw-wpd/edocs/eplp-023.pdf
• United Nations Framework Convention on Climate Change, 1992 (UNFCCC)
https://unfccc.int/key_documents/the_convention/items/2853.php
• Stockholm Declaration, 1972
http://www.asiapacificforum.net/support/issues/acj/references/right-to-
environment/downloads/additional-background-material/Stockholm.pdf/view

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• Rio Declaration, 1992
http://www.asiapacificforum.net/support/issues/acj/references/right-to-
environment/downloads/additional-background-material/Rio.pdf/view

Subunidade 3 (b): Recursos marinhos e costeiros


A unidade examina as principais questões que se colocam aos recursos marinhos
e costeiros em África e chama a atenção do juiz ou do magistrado para a
necessidade de adjudicar o contrato. O facto de os recursos marinhos e oceanos
serem recursos partilhados levanta questões de direito internacional que o juiz
tem de conhecer.

Os oceanos cobrem mais de 70% da superfície do planeta e uma clara maioria do


volume total que se sabe sustentar a vida. As actividades humanas estão a
esgotar os recursos vivos marinhos e costeiros e a degradar os ecossistemas de
formas por vezes irreversíveis, ameaçando o bem-estar económico e a saúde das
comunidades e dos Estados em todo o mundo.

Com um valor estimado do "produto marinho bruto" oceânico em 24 biliões de


dólares, o continente africano, rodeado por dois mares (Mediterrâneo e Mar
Vermelho) e dois oceanos (Atlântico e Índico), com 38 Estados costeiros e
insulares, tem uma costa de 45.649 km, extensas zonas económicas exclusivas
(ZEE), grandes ecossistemas marinhos e uma vasta riqueza em recursos costeiros
e marinhos. As zonas costeiras africanas suportam uma diversidade de habitats
e recursos, englobando mangais, costas rochosas, praias arenosas, deltas,
estuários e zonas húmidas costeiras, recifes de coral e lagoas. Mais de 90% das
importações e exportações de África são efectuadas por via marítima e portuária.

As principais ameaças à saúde, produtividade e biodiversidade do ambiente marinho


resultam das actividades humanas que ocorrem em terra, nas zonas costeiras e
ainda mais no interior, mas o ambiente marinho também está ameaçado porque as
utilizações tradicionais do mar se intensificaram e diversificaram.

Existem três áreas principais do ambiente marinho e costeiro que precisam da


atenção do magistrado, nomeadamente:
a) Descarga de resíduos: por descarga entende-se qualquer eliminação
deliberada de resíduos ou outras matérias provenientes de navios, aeronaves,
plataformas ou estruturas construídas pelo homem no mar. Não inclui a
eliminação de resíduos ou outras matérias resultantes do funcionamento
normal de embarcações, aeronaves, plataformas ou outras estruturas
artificiais no mar ou da colocação de matérias no mar para fins diferentes da
eliminação.
b) Poluição em terra: é definida como poluição das zonas marítimas devido a
descargas por estabelecimentos costeiros ou provenientes de qualquer outra
fonte situada em terra ou em estruturas artificiais, incluindo a poluição
transportada dos rios para o mar. Aproximadamente 70% da poluição
marinha provém directamente de fontes terrestres.

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c) Protecção dos recursos marinhos vivos: Nos últimos anos, a biodiversidade
marinha tem-se tornado cada vez mais ameaçada devido à poluição
proveniente de fontes terrestres e outras, à sobre-exploração, à introdução de
espécies exóticas, ao desenvolvimento costeiro e às alterações climáticas
globais.

a) Ambiente Marinho e Tribunais


Os instrumentos nacionais e internacionais relativos à poluição do ambiente
marinho tendem a distinguir quatro categorias de poluição intencional:
i. a poluição causada por navios, proveniente da utilização normal dos
oceanos ;
ii. a poluição deliberada e a grande descarga de resíduos, na sua maioria
industriais;
iii. a poluição resultante da exploração ou do aproveitamento dos fundos
marinhos;
iv. a poluição de origem terrestre, proveniente de descargas directas no oceano
ou transportada para o mesmo por rios.
Os problemas surgem nos processos perante os juízes relativos à
responsabilidade, poluição, licenciamento, direitos tradicionais e outras
preocupações. Os casos relativos ao ambiente marinho surgem em tribunais
nacionais em vários contextos:
• Pesca ilegal;
• Contrabando de espécies marinhas ameaçadas, tais como corais, peixes
tropicais, baleias e tubarões;
• Poluição das águas costeiras;
• Espionagem;
• Pirataria.

Vários casos interpostos no Tribunal Internacional do Direito do Mar dizem respeito


à pesca ilegal e à exigência de libertação imediata de navios apreendidos. Um dos
casos mais importantes, o processo relativo à conservação e exploração sustentável
das unidades populacionais de espadarte no Oceano Pacífico Sudeste (Chile vs. CE)
foi suspenso após as partes terem chegado a acordo. Outro, o Processo Grand Prince
(Belize contra França) terminou quando se descobriu que Belize não era o Estado de
pavilhão do navio apreendido

Poluição marinha
In re Oil Spill de Amoco Cadiz, na costa da França, em 16 de Março de 1978, nº MDL376
(N.I. 1988), 1988 U.S.Dist. A LEXIS 16832 abordou as alegações feitas pela França,
cidades e vila lesadas, indivíduos, agricultores, pescadores e grupos de protecção
ambiental, discutindo várias categorias de danos:
• Operações de limpeza efectuadas por funcionários públicos. O tribunal aceitou o
pedido de indemnização pelos custos da limpeza, na medida em que os
funcionários públicos, incluindo os funcionários eleitos e os militares, demoravam
tempo a abandonar as suas funções habituais ou faziam horas extraordinárias
para prestar assistência.
• Restauração da linha costeira e dos portos. As despesas para estes fins foram

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incluídas.
• Perda de reputação e de imagem pública das cidades. Esta alegação pressupunha
que os turistas que normalmente teriam visitado as comunas para férias e outros
fins recreativos se deslocavam a outros locais devido à deterioração das praias. O
tribunal rejeitou a queixa, considerando que esta era mais precisamente coberta e
mensurável nas queixas individuais apresentadas por hotéis, restaurantes,
parques de campismo e outras empresas.
• Prejuízos ecológicos. O tribunal não concedeu indemnizações por danos causados
à biomassa, à totalidade da vida no mar e no fundo da zona afectada, considerando
a questão complexa, atenuada, especulativa e baseada numa cadeia de
pressupostos. O tribunal considerou também que não tinha de chegar a esta
questão, uma vez que os danos se destinavam a res nullius e que ninguém tinha
legitimidade para reclamar uma indemnização. Os argumentos franceses segundo
os quais o Estado poderia invocar um interesse jurídico na protecção do domínio
público marítimo foram considerados pouco persuasivos. Além disso, o tribunal
decidiu que os danos causados aos ecossistemas já tinham sido plenamente
reconhecidos nas reivindicações dos pescadores e das associações de pescadores,
com base na redução das suas capturas e nos lucros daí resultantes. No que
respeita aos programas governamentais franceses de recuperação dos
ecossistemas, o Tribunal apenas autorizou as despesas efectuadas para
reintroduzir espécies que sofreram a poluição e as suas consequências, concluindo
que, se as experiências iniciais fossem úteis, o programa não deveria ser mais
financiado pelos réus.

b) A protecção dos recursos marinhos e pesqueiros em Moçambique

Para a protecção dos recursos marinhos e costeiros em Moçambique, há que tomar


em consideração os seguintes diplomas legais:

• Lei n.º 4/96, de 04 de Janeiro (Lei do Mar), sendo de referenciar os artigos 8,


9.°, 13.°, 19.°, 20.° e 30.°, que estabelecem os limites da zona contígua ao mar
territorial, zona económica exclusiva e plataforma continental, o domínio
público hídrico e os poderes da autoridade marítima nacional sobre
embarcações estrangeiras.

• Lei n.º 5/96, de 04 de Janeiro (Lei dos Tribunais Marítimos), sendo de


referenciar os artigos 1.°, 2.°, 3.°, 4.° e 8.°, que prescrevem a jurisdição, alçada,
competência territorial e em matéria civil do tribunal.

• Regulamento sobre a Prevenção da Poluição e Protecção do Ambiente Marinho


e Costeiro, aprovado pelo Decreto n.º 45/2006 de 30 de Novembro, sendo de
referenciar os artigos 5.°, 8.°, 15.°, 17.°, 18.°, 21.°, 24.°, 26.°, 27.°, 33.°, 37.°,
38.°, 40.°, 43.°, 44.°, 48.°, 51.°, 52.°, 53.°, 54.°, 55.°, 60.°, 61.°, 62.°, 65.°, 69.°,
70.°, 82.° e 84.°, que prescrevem medidas para a recolha e tratamento de
resíduos em navios e plataformas no mar, deposição de resíduos gerados em
navios, proibição de descargas de substâncias nocivas no mar, competências
das autoridades marítimas para evitar a poluição, medidas para a prevenção
da poluição marítima e costeira por fontes baseadas em terra, regras para a
gestão das praias, incluindo proibição de apanha de conchas, corais e peixes
ornamentais, proibição do abate de flora costeira nativa (mangais), infracções
e penalizações.

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• Lei n.º 16/2014, de 20 de Junho, revista e republicada pela Lei n.º 5.2017, de
11 de Maio, sendo de referenciar os artigos 4.°, 13.°, 18.°, 20.°, 45.°, 48.°, 53.°
e 54.°, que prescrevem os princípios fundamentais, classificação,
responsabilização e penalizações conducentes a uma boa protecção da
conservação da biodiversidade marinha.

Jurisprudência Nacional (sem dados)

Acho que o caso da pesca de tubarão impedida pelo MP faz mais sentido aqui!!!!

Exercícios
1. Um processo judicial que envolve um queixoso que reclama uma indemnização
e uma indemnização do requerido devido às acções do requerido para
eliminação de esgotos e efluentes industriais no mar. O queixoso alega ainda
que, devido à acção da demandada, a tartaruga marinha migrou afectando o
turismo e a destruição de mangais, zonas de reprodução e recifes de coral.
2. Determine as questões de adjudicação no âmbito da sua jurisdição nacional,
incluindo o direito internacional aplicável em matéria de ambiente.…

Sumário da Subunidade 3 (b)


1. Compensação dos danos ambientais em matéria marinha e costeira.
2. Valores ecológicos, económicos e sociais.
3. Poluição marinha ao abrigo do direito ambiental nacional e internacional.
4. …

Referências Bibliográficas:

Convenções Africanas e Internacionais sobre o Ambiente Marinho


• Convention for the Protection of the Marine Environment and the Coastal Region of
the Mediterranean (MAP-Barcelona Convention) and its protocols.
• Convention for Cooperation in the Protection and Development of the Marine and
Coastal Environment of the West, Central and Southern Africa region (Abidjan
Convention) and its protocols.
• Convention for the Protection, Management and Development of the Marine and
Coastal Environment of the Western Indian Ocean region.
• Regional Convention for the Conservation of the Red Sea and of the Gulf of Aden
Environment (Jeddah Convention) and its protocols.
• 1969 United Nations Convention on the Law of the Sea
• The United Nations Convention on the Law of the Sea (UNCLOS), also called the Law
of the Sea Convention, signed 10 December 1982, effective 16 November 1994.
• Convention on the Law of the Non-navigational Uses of International Watercourses
was adopted by the General Assembly of the United Nations on 21 May 1997
• Gathii, James Thuo (2016) "Saving the Serengeti: Africa’s New International Judicial
Environmentalism," Chicago Journal of International Law: Vol. 16: No. 2, Article 3

Leituras Adicionais

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• The case of dispute concerning delimitation of the maritime boundary between
Ghana and Côte d'Ivoire in the Atlantic Ocean:
https://www.informea.org/sites/default/files/court decisions/C23_Judgment_23.09.2017_corr.pdf

Subunidade 3 (c): Recursos florestais e faunísticos


Esta unidade está fortemente relacionada com a unidade sobre crimes ambientais,
uma vez que a maior parte das intervenções judiciais necessárias para combater os
crimes contra a vida selvagem está contida nessa unidade. Neste contexto, a vida
selvagem diz respeito às plantas (florestas) e aos animais que vivem no meio
selvagem.

Uma das maiores ameaças à vida selvagem em África vem de fora do continente,
onde um mercado negro florescente de marfim, corno de rinoceronte, madeira e
outras espécies levou a uma crise de caça furtiva no continente africano. As florestas
tropicais africanas são afectadas pela limpeza feita para fins agrícolas, como a
plantação de culturas ou o pastoreio de gado, a exploração florestal, a construção de
estradas, a urbanização, a exploração mineira e petrolífera e os incêndios. Estima-
se que o tráfico ilegal de animais selvagens gere actualmente mais de 10 mil milhões
de dólares por ano, acompanhando de perto o comércio de droga, o comércio de
armas e o tráfico de seres humanos. Ao remover insustentavelmente espécies
cobiçadas do meio selvagem, as comunidades que dependem dessas espécies para a
subsistência ou o ecoturismo serão negativamente afectadas pelo esgotamento das
populações. O comércio ilegal de espécies selvagens tem:
• Caça furtiva de algumas das espécies mais icónicas da África;
• Comunidades roubadas de rendimentos relacionados com a vida
selvagem;
• A vida dos cidadãos em perigo; e,
• Financiou alguns dos grupos terroristas mais brutais de África.

O marfim retirado de um elefante em África viaja ao longo de uma elaborada cadeia


comercial que abrange países, oceanos e continentes e compreende uma rede de
caçadores furtivos, traficantes, fixadores, alfinetes reais e consumidores. A luta
contra o comércio ilegal da vida selvagem, que envolve milhares de milhões de
dólares, exige a cooperação entre agências no seio do governo, o reforço da aplicação
da lei, legislação punitiva, maior educação e um compromisso dos governos, das
organizações não-governamentais, do sector privado, das comunidades e dos
cidadãos locais no sentido de trabalharem em conjunto.
O comércio ilegal de animais selvagens envolve caçadores furtivos, agentes
armados não estatais das nações de origem, grupos criminosos internacionais e
corrupção institucional em cadeias de redes globais e uma série de agentes
envolvidos em países da procura - desde sindicatos do crime organizado e agentes
não estatais até autoridades legítimas.

Ao longo dos anos, têm sido aplicados acordos, leis e regulamentos ambientais
multilaterais, tais como o Acordo de Lusaca sobre a Aplicação Cooperativa da
Legislação em Matéria de Comércio Ilegal da Vida Selvagem e a Convenção sobre
o Comércio Internacional das Espécies da Fauna e da Flora Selvagens Ameaçadas

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de Extinção (CITES), para proteger as espécies ameaçadas, regular o comércio
transfronteiriço e proibir o comércio de outras espécies que correm o risco de ser
sobreexploradas, embora com um êxito misto. Para combater a ameaça, uma
informação melhor e partilhada permitirá aos governos combater mais
eficazmente este crime transnacional, bem como reforçar a aplicação da
legislação nacional e regional e invocar sanções mais rigorosas contra os
traficantes e comerciantes ilegais.
a) Tribunais para a protecção de florestas e da vida selvagem

Alguns dos acórdãos mais conhecidos da legislação ambiental envolveram esforços


para proteger as florestas contra o abate insustentável. Ver, por exemplo, Minors
Oposa, Sup. Ct., Filipinas, Awas Tingni Case, Inter-Am. Ct. Hum. Rts.

Uganda

Os interesses conflituantes das florestas e da agricultura prepararam o terreno


para Sibaji Waiswa v. Kakira Sugar Work Ltd (Tribunal Superior de Uganda, Jinja,
nº 6/2001). Enquanto o processo principal sobre a reserva florestal de Butamira
estava pendente, o réu entrou na reserva florestal contestada, arrancando
árvores e destruindo regularmente viveiros de sementes, o que resultou em danos
irreparáveis para o ambiente. O peticionário solicitou uma injunção temporária:
(a) impedir o réu de desenraizar a floresta para estabelecer uma plantação de
cana-de-açúcar; e (b) impedir os agentes do réu de despejar, intimidar, ameaçar
ou de alguma forma interromper ou destruir a utilização e ocupação da reserva
florestal pelos residentes até à eliminação da acção principal ou até nova ordem
judicial. O Tribunal considerou que a concessão de uma indemnização não podia,
por si só, compensar adequadamente os alegados danos ambientais e concedeu
uma injunção de seis meses enquanto a acção principal estivesse pendente ou
até que o Governo apresentasse uma solução duradoura, consoante o que
ocorresse primeiro.

Quénia

No recurso criminal nº 34 de 2016, John Kiunjuri Kamau (recorrente) versus a


República do Quênia (recorrido), o recorrente foi encontrado sem licença na posse
de um troféu de vida selvagem, nomeadamente, quatro peças de bolota de
elefante, em 17 de Julho de 2014, e foi acusado perante o Tribunal do Magistrado
Principal, Nanyuki, de infracção por posse de troféu de vida selvagem contrária
à Lei de Conservação e Gestão da Vida Selvagem. Foi condenado após julgamento
e condenado a pagar uma multa de 20 milhões de Ksh e, em falta, a cumprir uma
pena de 5 anos. O tribunal salientou que os elefantes são actualmente
considerados como a espécie mais ameaçada do mundo. Por esse motivo, o
tribunal considerou que a sentença do tribunal de primeira instância não pode
ser contestada e negou provimento ao recurso.

Litígio civil relativo à Lei de Conservação Florestal, desenvolvido no caso Ambica


Quarry Works versus Estado de Gujarat e outros (Índia, AIR 1987 Sc1073), quando o
Governo do Estado rejeitou um pedido de renovação de um contrato de exploração
mineira ao abrigo da seção 2 da Lei, que que exige autorização do Governo Central
para utilizar as áreas florestais para fins não florestais. O recurso centrou-se na
questão de encontrar o equilíbrio adequado entre a necessidade de explorar os

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recursos minerais existentes nas zonas florestais, a preservação do equilíbrio
ecológico e a contenção da deterioração ambiental. O Supremo Tribunal rejeitou o
recurso porque a fundamentação subjacente à lei era o reconhecimento das graves
consequências da desflorestação, incluindo os desequilíbrios ecológicos, com o
objectivo de evitar a continuação da desflorestação. Neste caso, a renovação dos
arrendamentos mineiros não ajudaria a recuperar as zonas desmatadas e muito
provavelmente conduziria a uma maior desflorestação. O Tribunal considerou que o
seu principal dever era para com a comunidade. Por conseguinte, a sua obrigação
para com a sociedade deve prevalecer sobre a sua obrigação para com os indivíduos.

Corte ilegal de madeira e desmatamento


M / S Aziz Timber Corp. e outros contra Estado de Jammu e Caxemira através do Secretário-
Chefe e outros (Índia, O.W.P. No. 568-84 / 96). Em 1996, o Supremo Tribunal proibiu a
remoção de quaisquer árvores cortadas e deu instruções ao Secretário-Chefe do
Estado de Jammu e Caxemira para assegurar o cumprimento rigoroso e fiel desta
ordem. Além disso, o Tribunal declarou expressamente que a proibição de abate
substitui qualquer licença ou autorização concedida por qualquer autoridade ou
ordem emitida por qualquer outro tribunal do país. Em resposta, o Conservador
Principal das Florestas do Jammu e Caxemira emitiu um despacho proibindo a
circulação de madeira para além do Jammu e Caxemira, a menos que a origem da
madeira fosse "genuína" e que as disposições da Lei das Florestas do Jammu e
Caxemira fossem estritamente respeitadas.

Paquistão (Referências de Casos)


- Roedad Khan Vs. Federation of Pakistan and 41 others. Writ petition no.642 of
1990
- M.D Tahir, advocate and others Vs. Provincial Government through its secretary,
Forest Department, Lahore and another. 1995 CLC 1730
- Asfand Yar Khan Vs. Chief Commissioner Islamabad Capital Territory,
Islamabad and 3 others. 1996 SCMR1421
- Tanvir Arif Vs. Federation of Pakistan 1999 CLC 981 (Sindh High Court)
- M.D Tahir Vs. Wapda and others. 2000 MLD 851
- Dr. Nasim Hasan Shah. PLD 1992 Journal 21
- Sheri Vs. Province of Sindh. 2001 YLR 1139

Índia (Referências de casos)


- Goa Foundation v Konkan Railways Corporation AIR 1992 Bom. 471

b) A protecção da fauna e flora em Moçambique

Em Moçambique, para a protecção dos recursos florestais e faunísticos, há que tomar


em consideração os seguintes diplomas legais:

• Resolução n.° 23/2020, de 27 de Março, que aprova a aprova a Política


Florestal e sua Estratégia de Implementação

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• Lei n.º 10/99, de 07 de Julho (Lei de Florestas e Fauna Bravia), sendo de
referenciar os artigos 3.°, 5.°, 6.°, 10.°, 11.°, 12.°, 14.°, 20.°, 27.°, 29.°, 32.°, e
39.°, que postulam princípios fundamentais, medidas de protecção, regimes
de exploração sustentável, períodos de defeso e infracções e penalizações,
para o uso de recursos florestais e faunísticos.

• Regulamento da Lei de Florestas e Fauna Bravia, aprovado pelo Decreto n.º


12/2002, de 06 de Junho, sendo de referenciar os artigos 39.°, 44.°, 46.°, 48.°,
79.°, 82.° e 114.°, que postulam medidas complementares as acima
postuladas para a extinção de direitos de uso, restrições a caça, instrumentos
e meios admissíveis para a caça, reposição de recursos florestas e faunísticos
bem como o regime das transgressões e penalizações.

• Lei n.º 16/2014, de 20 de Junho, revista e republicada pela Lei n.º 5.2017, de
11 de Maio (Lei da Protecção, Conservação e Uso Sustentável da Diversidade
Biológica), que complementa os regimes legais acima descritos no que tange
aos princípios fundamentais da responsabilização e penalizações
conducentes a uma gestão sustentável dos recursos florestais e faunísticos.

Jurisprudência Nacional(sem dados)


Será que podemos encontrar casos de exploração de madeira (operação tronco,
etc)???

Exercícios
No caso do Ministério do Ambiente contra Maria Mwema Ltd, a queixosa, uma
empresa madeireira, contestou uma decisão tomada pelo Ministério do Ambiente
de retirar as suas licenças de exploração florestal sobre uma floresta específica. A
queixosa contestou a decisão, alegando que a decisão era arbitrária e ilegal. O
Ministério do Ambiente tinha revogado a licença florestal por razões ambientais
de gestão sustentável das florestas, uma vez que a empresa estava a extrair
madeira para além das condições de licenciamento aceites. O caso está perante
si.
Determine a revisão administrativa deste caso, as questões ambientais
(florestas) para determinação e o interesse público.

Sumário da subunidade 3 (c)


1. Direito internacional do ambiente na conservação da fauna e da flora selvagem;
2. Comércio ilegal de animais selvagens e tribunais;
3. Equilíbrio entre a conservação da vida selvagem e a exploração dos recursos
naturais;
4. Revisão judicial das acções administrativas relativas à vida selvagem ;
5. …

Referências Bibliográficas:

Convenções Africanas e Internacionais sobre a Biodiversidade

Page 176 of 187


• 1996 Lusaka Agreement on Co-operative Enforcement Operations Directed at Illegal
Trade in Wild Fauna and Flora.
• 1967 Phyto-Sanitary Convention for Africa.
• Declaration on Land Issues and Challenges in Africa.
• The Organisation of Africa Unity's Model Law - the Protection of the Rights of Local
Communities, Farmers and Breeders, and for the Regulation of Access to Biological
Resources. An Explanatory Booklet by J. A. Ekpere
• Africa Union 2015. African Union Practical Guidelines for the Coordinated
Implementation of the Nagoya Protocol in Africa
• International Plant Convention Rome, 1951
• Convention on Trade in Endangered Species (CITES), 1973
• Convention for the Protection of the world cultural and Natural Heritage, 1972
• Convention on the Conservation of Migratory Species of Wild Animals (CMS), 1979
• Conservation of African-Eurasian Migratory Water birds (June 16, 1995),
• Convention on Biological Diversity (CBD), 1992
• Cartagena Protocol on Bio-safety to the CBD June 2001
• U.N. Framework convention on Climate change, 1992
• 1972 UNESCO Convention Concerning the Protection of the World Cultural and
Natural Heritage.
• 2001 International Treaty on Plant Genetic Resources for Food and Agriculture

Leituras Adicionais (Websites)


http://www.chathamhouse.org/sites/default/files/public/Research/Africa/0214Wildlife.pdf
https://www.awf.org/sites/default/files/media/Resources/Facts%20%26amp%3B%20Brochures/Wildlife%20traf
ficking%20booklet_lower-res.pdf

Subunidade 3 (d): Recursos das Zonas Húmidas


Esta subunidade trata das medidas legais de protecção das zonas húmidas. É
indispensável que o magistrado conheça o funcionamento e se aproprie da
importância das zonas húmidas para o equilíbrio dos sistemas ecológicos e possa
dirimir de forma consistente os litígios que surgem nesta jurisdição de modo a
promover a preservação do meio ambiente.

As zonas húmidas são particularmente importantes; desempenham um papel vital


no ciclo da água, ajudando a reabastecer os lençóis freáticos e a manter a qualidade
da água. São ecossistemas altamente produtivos, habitados por um grande número
de espécies vegetais e animais. Muitas espécies marinhas dependem das zonas
húmidas costeiras para a sua reprodução, crescimento ou nutrição durante parte ou
durante todo o seu ciclo de vida. Nas últimas décadas, as operações de drenagem,
os assentamentos humanos, a expansão agrícola, industrial e da construção, bem
como a seca e outras actividades de aterro, reduziram consideravelmente a extensão
e as funções ecológicas das zonas húmidas.

Muitos Estados africanos promulgaram leis para designar e proteger as zonas


húmidas. Apesar ou talvez por isso, foram apresentados às autoridades judiciais
casos relativos ao âmbito da protecção concedida e à suspensão ou sanção de

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actividades incompatíveis com a protecção das zonas húmidas. Ver: France,
Tribunal administratif de Caën, 9 de abril de 1996, Association Manche-Nature,
R.J.E., 1996/3, 339; Maurício, Environment Appeal Tribunal, Processos nºs 4/95
e 5/95, Michel C. Ramiah / Marie L. Autard; França, Cour d'appel de Poitiers, 9 de
janeiro de 1997, R.J.E., 19973, 423.

África do Sul

Van Huyssteen e outros contra Ministro do Ambiente e Turismo e outros 1996 (1)
SA 283 (C). Os réus propuseram a construção de uma siderurgia numa parcela
de terreno agrícola em Saldanha, perto do Parque Nacional da Costa Oeste e da
Lagoa Langerian e solicitaram à administração provincial do Cabo Ocidental a
reorganização do terreno ao abrigo do Plano de Uso da Terra, Portaria 15 de 1985
(c). As zonas húmidas da lagoa eram protegidas pela Convenção de Ramsar sobre
as Zonas Húmidas de Importância Internacional, da qual a África do Sul era parte
contratante. O Erf 2121 Langebaan estava situado em frente à lagoa e era
propriedade do Witterdrift Trust, cujos administradores eram os três primeiros
requerentes. O quarto requerente juntou-se na sua capacidade pessoal de
beneficiário fiduciário. Os administradores pretendiam construir uma casa de
férias ou uma casa permanente na propriedade fiduciária. O parecer de peritos
foi dividida sobre se o moinho proposto seria ambientalmente indesejável. Os
recorrentes pediram uma injunção temporária e a condenação do recorrido a
disponibilizar cópias de todos os documentos relevantes para a fábrica proposta
e a nomear uma comissão de investigação para avaliar os efeitos ambientais. O
tribunal considerou que as recorrentes não tinham o direito de obrigar a primeira
recorrida a nomear uma comissão de inquérito ao abrigo do S. 151 (1) da Lei da
Conservação do Ambiente de 1989; mas as recorrentes, ao abrigo do S. 23 da
Constituição, tinham o direito de exigir documentos solicitados com o objectivo
de proteger os seus direitos à propriedade fiduciária, potencialmente ameaçada
pela fábrica proposta. Por conseguinte, foi concedida uma injunção.

O Director: Mineral Development, Gauteng Region, Sasol Mining (Pty) Ltd verses
Save the Vaal Environment, Ronsand Ranch (Pty) Ltd, Giovanni Alberto Mario
Ravazzotti, Susan Sellschop, Lynne Dale Green. Um recurso sobre a questão de
saber se os interessados, que pretendam opor-se a um pedido do titular dos
direitos mineiros de uma licença de exploração mineira, têm o direito de levantar
objecções ambientais e de ser ouvidos pelo primeiro recorrente, que é o
funcionário designado para conceder ou recusar essa licença ("o Director"). As
preocupações ambientais suscitadas pelo demandado são: a destruição da zona
húmida de Rietspruit, a ameaça à flora e à fauna, a poluição, a perda da
qualidade da água e a diminuição do valor das propriedades. Os principais
direitos ou interesses materiais em que os inquiridos se baseiam (e que, segundo
eles, seriam prejudicados por uma decisão negativa do Director) são os direitos
constitucionais em matéria de ambiente. Os recorrentes declararam que a
simples emissão de uma licença de exploração mineira pelo director não pode ter
qualquer efeito tangível e físico sobre o ambiente. O tribunal considerou que a
exploração mineira tinha prejuízos enormes para o ambiente e para os sistemas
ecológicos. O tribunal acrescentou ainda que a Constituição, ao incluir os direitos

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ambientais como direitos humanos fundamentais e justificáveis, com as
necessárias implicações, exige que as considerações ambientais sejam
devidamente reconhecidas e respeitadas nos processos administrativos. O
recurso é julgado improcedente com fixação das custas.

Zimbábue

Augar Investments OU contra Min. De Meio Ambiente e Outro (HC 1017/14) [2015]
ZWHHC 278 (25 de março de 2015). Nos termos do n.o 1 do artigo 113.o da Lei de
Gestão Ambiental, capítulo 20:27, o Ministro do Ambiente pode declarar qualquer
zona húmida como sendo ecologicamente sensível e impor limitações ao
desenvolvimento nessa zona ou nas suas imediações. A secção 113 da EMA tem a
seguinte redacção:
(1) O Ministro pode declarar qualquer zona húmida como sendo ecologicamente
sensível e pode impor limitações ao seu desenvolvimento dentro ou em torno dessa
zona.

Despacho: (2) As comunicações gerais eram de facto ultra vires a Lei de Gestão
Ambiental, que no nº 1 do artigo 113º apenas previa uma declaração de que uma
zona húmida era uma zona "ecologicamente sensível". O n.o 1 do artigo 113.o
pressupunha a existência de uma zona húmida. A definição de "zona húmida" era
clara. É uma questão de facto, não de direito, se um pedaço de terra é uma zona
húmida. Nem todas as zonas húmidas são ecologicamente sensíveis e a declaração
de uma zona húmida como ecologicamente sensível deve certamente basear-se no
estudo científico e na determinação dessa sensibilidade ecológica. Uma zona húmida
não se tornará ecologicamente sensível só por ter sido declarada como tal.

Uganda

Amooti Godfrey Nyakana V. Nema, procurador-geral, advoga a coalizão para o


desenvolvimento e o meio ambiente, alerta ambiental, Greenswatch, Uganda Wildlife
Society, The Environmental Action Network. Nos casos em que o Tribunal
Constitucional do Uganda decidiu a favor da Autoridade Nacional de Gestão
Ambiental e de seis outros (inquiridos) sobre se as disposições da Lei Nacional do
Ambiente do Uganda (relativas a ordens de restauração) estão em conflito com a
constituição e o direito à propriedade privada. A casa do peticionário em construção
numa zona húmida foi demolida pela Autoridade Nacional de Gestão do Ambiente
em 2004. Um dos juízes alegou que "as zonas húmidas não podiam ser concedidas
a particulares/entidades porque o Estado detém tais recursos naturais em confiança
para os cidadãos e que estes devem ser preservados para benefício público, neste
caso o ambiente".

a) Protecção das terras húmidas em Moçambique

Em Moçambique, para a protecção dos ecossistemas de terras húmidas, que têm


importância vital para a renovação da vida de diversas espécies animais, devido a
sua abundância em nutrientes, há que tomar em consideração os seguintes diplomas
legais:
• Lei n.º 19/2007, de 18 de Julho (Lei do Ordenamento do Território), onde se
destacam os artigos 4.°, 10.° e 23.° que prescrevem os princípios

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fundamentais, instrumentos e garantias dos particulares em sede do
ordenamento territorial.
• Regulamento da Lei do Ordenamento do Território, aprovado pelo Decreto n.º
23/2008, de 01 de Julho, onde se destacam os artigos 4.°, 31.°, 34.°, 48.°, 68.°
e 82.°, preceitos que estabelecem normas complementares ao diploma acima,
especificamente no que se refere aos planos distritais de uso da terra,
qualificação dos solos, expropriações para efeitos de ordenamento territorial.
• Regulamento Geral de Aquacultura, aprovado pelo Decreto n.º 35/2001, de 13
de Novembro, onde se destacam os artigos 5.°, 6.°, 24.°, 26.° e 32.°, que
estabelecem os requisitos que o espaço territorial deve possuir para a
instalação de estabelecimentos de aquacultura, os usos admissíveis para a
terra e água nesses locais, incluindo para a libertação dos efluentes e
conservação dos mangais.
• Regulamento sobre a Prevenção da Poluição e Protecção do Ambiente Marinho
e Costeiro, aprovado pelo Decreto n.º 45/2006, de 30 de Novembro, sendo de
referenciar o artigo 65.°, que prescrevem medidas específicas para a
conservação das terras húmidas.

Jurisprudência Nacional(sem dados)

Exercícios
Propriedades escolares versus Autoridade Nacional de Gestão do Ambiente, neste
caso, o queixoso contestou a decisão da Autoridade Nacional de Gestão do
Ambiente (NEMA) por lhe ter recusado a concessão da licença necessária para o
seu projecto imobiliário numa parcela de terreno que possuía na margem do lago.
A NEMA tinha recusado conceder uma autorização ao queixoso porque o terreno
em causa na margem do lago era uma zona húmida e, por conseguinte,
necessitava de uma aplicação rigorosa da lei para evitar danos irreversíveis no
frágil ecossistema.
➢ Determine as questões de adjudicação de acordo com a sua legislação
nacional. Na sua decisão sobre este caso, indique as soluções disponíveis
para proteger os recursos das zonas húmidas.

Sumário da subunidade 3 (d)


1. Avaliação do impacto ambiental nas zonas húmidas;
2. Licenças nas zonas húmidas;
3. Equilíbrio entre conservação e desenvolvimento das zonas húmidas;
4. ...

Referências Bibliográficas:

Convenções Africanas e Internacionais sobre a Biodiversidade


• Wetlands and Waterfowl Habitat (Ramsar);
• 1972 World Heritage Convention;

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• 1973 Convention on International Trade in Endangered Species of Wild Fauna and
Flora (CITES);
• 1979 Convention on Migratory Species (CMS);
• 1982 Convention on the Law of the Sea (UNCLOS);
• 1995 Straddling and Migratory Fish Stocks;
• 1997 International Watercourses Convention;
• 2000 Cartagena Protocol on Biosafety;
• 2002 Bonn Guidelines on Genetic Resources

Subunidade 3 (e): Recursos minerais


Os minerais e os metais são materiais essenciais para o funcionamento das
sociedades e economias modernas. Os minerais oferecem grandes oportunidades
económicas aos países ricos em recursos naturais. No entanto, o processo de
extracção mineira cria desafios e riscos para o bem-estar das pessoas e para o
ambiente. Um desafio fundamental é gerir as actividades mineiras de uma forma que
contribua para - e não comprometa - o desenvolvimento sustentável.

A gestão das actividades mineiras em todas as fases, da exploração ao encerramento


das minas, exige uma séria consideração dos impactos sociais e ambientais. Os
quRALos jurídicos e contratuais que regem a actividade mineira são frequentemente
elaborados com pouca consideração pela sustentabilidade ambiental e pelo bem-
estar das comunidades afectadas. Os direitos das comunidades locais e dos povos
indígenas a terem uma palavra a dizer nas decisões sobre os projectos mineiros não
são muitas vezes concretizados.

Em África, a maioria dos países considera a exploração mineira uma actividade


económica importante e está a produzir minerais para um mercado internacional
fora de África. O continente africano contribuiu com 6,5% das exportações mundiais
de minerais em 2011, a partir da extracção de 20% da área terrestre mundial. O US
Geological Survey (USGS) classifica África como a maior ou segunda maior reserva
mundial de bauxite (a principal fonte de alumínio), cobalto (utilizado para fazer ligas
e baterias), e diamantes industriais (necessários para cortar materiais duros),
manganês (o elemento anticorrosivo no aço), rocha fosfática (um ingrediente-chave
nos fertilizantes), metais do grupo da platina (um componente primário nos
catalisadores automóveis), carbonato de sódio (um elemento na produção de vidro),
vermiculite (um componente em materiais à prova de fogo) e zircónio (utilizado no
fabrico de materiais cerâmicos resistentes ao calor) (KPMG, 2012). A extracção
mineira de cerca de 60 produtos minerais representa actualmente cerca de 20% da
actividade económica africana, enquanto os minerais constituem a segunda maior
categoria de exportação do continente, com 10% do total das exportações do
continente apenas excedidas pelos hidrocarbonetos.

As questões importantes no sector mineiro em África:

• Ambiental (durante as operações, reabilitação, pós-encerramento),


• Social (comunidades de acolhimento/conteúdo local),
• Direitos fundiários (reinstalação, expropriação),
• Questões laborais (direitos laborais/planos sociais e laborais),

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• Empresas e direitos humanos (transparência, responsabilidade das
empresas),
• Tratados internacionais de investimento (arbitragem).

Em alguns países africanos, os problemas ambientais e as questões sociais causados


pela exploração mineira têm sido fonte de protestos e conflitos entre as empresas
mineiras e as comunidades nas zonas mineiras. A exploração mineira tem sido
frequentemente associada à desflorestação, à degradação dos solos, à poluição
atmosférica, à perturbação do ecossistema, e violações dos direitos humanos. Por
exemplo, as greves e mortes nos principais campos de platina e de ouro na África do
Sul nos últimos anos puseram em evidência os impactos sociais e as incertezas que
rodeiam o sector mineiro estratégico do país. Para limitar os impactos sociais e
ambientais da exploração mineira, os intervenientes da indústria e os governos
devem procurar uma parceria mais inclusiva e transparente, incentivando a
participação do público nas comunidades mineiras.

O impacto mais notório da exploração mineira é a alteração da forma do solo causada


pela limpeza da vegetação, pela remoção do solo superficial e pela eliminação de
grandes quantidades de resíduos. Os resíduos mineiros incluem geralmente os
resíduos rochosos, a camada superficial, as escórias e os rejeitos nas superfícies
terrestres, ao passo que os resíduos mineiros são compostos por áreas despojadas,
fossos a céu aberto, estacas de solo solto, resíduos rochosos e camadas superficiais,
terrenos subsidiados, barragens de rejeitos e outras terras degradadas pelas
instalações mineiras (Wong 2003; Li 2006; Sikaundi 2013; Venkateswarlu et al.
2016). Para além de alterarem a paisagem natural, os rejeitos metálicos das minas e
a sobrecarga das reservas representam graves riscos de poluição para o ambiente,
para a saúde humana e para a agricultura. A poluição das águas subterrâneas
devido à drenagem ácida das minas (AMD) e as infiltrações provenientes da
eliminação dos resíduos das minas são as preocupações ambientais mais comuns
(Sracek et al. 2010; Likus-Cies'lik et al. 2017).

As intervenções judiciais nas actividades mineiras dizem principalmente respeitoÇ


• à revisão das avaliações e auditorias de impacto ambiental,
• às condições de licenciamento/permissões,
• às operações em que os direitos humanos à saúde e ao ambiente são
afectados,
• à eliminação e descarga de resíduos mineiros,
• ao princípio do poluidor-pagador, entre outros;

Zâmbia

Nyasulu e o./ Konkola Copper Mines Plc, Conselho Ambiental da Zâmbia e o. (2007
/ HP / 1286) [2011] ZMHC 86 (31 de dezembro de 2010). Trata-se de uma acção
intentada por 2000 demandantes residentes em Chingola, cuja fonte de água era
um ribeiro em que a primeira demandada descarregava a afluência da sua
exploração mineira. O segundo e terceiro demandados eram repositórios de
obrigações legais. O segundo demandado, alegadamente, não efectuou ou
negligenciou a inspecção ou supervisão das condutas em questão, a fim de
cumprir regularmente as normas aceitáveis exigidas e assegurar que não

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ocorressem fugas ou derrames. O terceiro demandado não tomou medidas
adequadas para atenuar e controlar os efeitos da poluição do abastecimento de
água através da manutenção de reservas de água suficientes. Isto causou grande
dor e sofrimento aos queixosos, uma vez que a autoridade local cobra montantes
enormes de taxas ao primeiro requerido, de que os queixosos devem beneficiar.

Decisão: o primeiro réu foi considerado imprudente e não teve em conta a vida
humana, animal e vegetal. Um milhão de Kwacha (K1m) como indemnização
punitiva, num total de 10 mil milhões de Kwacha (K10 mil milhões de Kwachas).
Isto serve para dissuadir outros que podem descarregar substâncias venenosas
sem diminuir a sua potência para não causar danos ao ambiente, seres
humanos, animais, etc.

Gana

Center for Public Law Interest Law e Outro v Agência de Protecção Ambiental e outros.
Facto No. A (En) 1/20015. Entregue em 27 de Março de 2009. O Supremo Tribunal de
Justiça intentou uma acção do Grupo de Interesse Público para obrigar os arguidos;
a Agência de Protecção do Ambiente, a Comissão de Minerais e uma empresa mineira
a não cumprirem as suas obrigações legais ao abrigo das Leis Mineira e Mineral do
Gana e o Supremo Tribunal assim o decidiram:

• Que o terceiro réu não cumpriu as suas obrigações legais de minimizar a


degradação do ambiente durante e após a cessação das suas operações e/ou
actividades em Bonteso, no Gana;
• Que o terceiro réu não cumpriu a sua obrigação legal de reabilitar as áreas
afectadas ao causar a sua degradação;
Que o 1º e o 2º réus têm a obrigação legal obrigatória de monitorizar e controlar as
actividades do 3º réu para assegurar que as operações minerais e/ou actividades
comerciais sejam realizadas sem infringir as suas obrigações legais. São
solidariamente responsáveis perante as pessoas prejudicadas pelos danos e prejuízos
causados ao ambiente e às suas propriedades em resultado do incumprimento dos
arguidos. O Tribunal não pode ordenar uma injunção de urgência dirigida aos
requeridos, pelos motivos indicados no corpo do acórdão. Os demandantes têm
legitimidade lícita e são altamente recomendados para prosseguir com esta acção.

Quénia

Na questão da Comunidade Local da Bacia de Carvão de Mui [2015] eKLR. Na questão


de uma Petição Constitucional de Peter Musokya e outros contra o Ministério da
Energia e outros, Petição Constitucional n.º 305 de 2012, os Peticionários instaram
a que fosse efectuada uma Avaliação de Impacto Ambiental antes da concessão da
exploração de carvão, em conformidade com a Constituição, no artigo 69. Os
peticionários instaram o Tribunal a considerar que o facto de não ter sido efectuada
uma Avaliação de Impacto Ambiental torna toda a transacção ilegal e que o Tribunal
a deve declarar como tal. O Tribunal tomou conhecimento de que não foi concluída
uma Avaliação de Impacto Ambiental e que o Governo cumprirá as disposições do
Regulamento de 2003 relativo à avaliação e auditoria ambiental.

Paquistão

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Secretário-Geral do Oeste do Paquistão União dos Mineiros de Sal vs. Diretor de
Indústrias e Desenvolvimento Mineral 1994 SCMR 2061. O peticionário apresentou
uma queixa contra a poluição da fonte de abastecimento de água aos residentes e
trabalhadores mineiros, uma vez que a água venenosa que saía das minas poluía o
reservatório de água. Neste tribunal foi efectuada uma inspecção e foi decidido que
a água disponível do sistema municipal de abastecimento de água não era de boa
qualidade, tendo a petição sido considerada susceptível de ser mantida, uma vez que
a aplicação do direito fundamental e as ordens foram aprovadas, impedindo as partes
e as autoridades de cometerem tal violação para cumprirem os deveres estatutários,
foi feita ao abrigo do artigo. O nº 3 do artigo 184º da Constituição do Paquistão foi
mantido.

África do Sul (Referências de casos)

- Lascon Properties (Pty) Ltd v Wadeville Investment Co (Pty) Ltd and Another
1997 (4) SA 578 (W)

a) O regime jurídico da exploração dos recursos minerais em Moçambique

Para a exploração de recursos minerais em Moçambique há que se tomar em


consideração os seguintes diplomas legais:
• Lei n.º 20/2014, de 18 de Agosto (Lei de Minas), onde se destacam os artigos
2.°, 5.° e 30.°, 32.°, 62.°, 68.° e 78.° que prescrevem os princípios fundamentais,
formas de autorização, gestão ambiental para o uso de recursos minerais,
condições de transferência de recursos para o exterior, envolvimento das
comunidades e justa indemnização decorrente de actividades mineiras,
incluindo as infracções e penalizações.
• Regulamento da Lei de Minas, aprovado pelo Decreto n.º 31/2015, de 31 de
Dezembro, sendo de referenciar os artigos 10.°, 11.°, 36.°, 44.°, 59.°, 85.°, 97.°,
115.°, 124.°, 132.°, 133.° e 138.°, que postulam medidas complementares ao
diploma acima, no concernente ao aproveitamento da terra nas áreas de
mineração, inspecções da actividade, condições de exportações de amostras,
extinção de direitos de mineração, responsabilização por infracções e sua
penalização.
• Regulamento Ambiental para a Actividade Mineira, aprovado pelo Decreto n.º
26/2004, de 20 de Agosto, que aprova o regime especial para o licenciamento
ambiental para a actividade mineira em oposição ao regime geral aprovado
pelo Decreto no 54/2015, de 31 de Dezembro.
• Lei n.º 21/2014, de 18 de Agosto (Lei dos Petróleos), onde se destacam os
artigos 4.°, 7.°, 8.°, 11.°, 28.°, 42.°, 54.°, 55.°, 56.°, 57.°, 66.°, 67.° e 69.° que
prescrevem o papel do Estado em matérias de operações petrolíferas,
entendimento do conceito de justa indemnização aos afectados pelas
operações petrolíferas, tipos de contratos admissíveis, regras para os
reassentamentos, regras de protecção e responsabilidades ambientais,
resolução de disputas e as infracções.
• Regulamento de Operações Petrolíferas, aprovado pelo Decreto n.º 34/2015,
de 31 de Dezembro, 3.°, 25.°, 28.°, 30.°, 36.°, 40.°, 46.°, 63.°, 68.°, 89.°, 90.°,

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113.°, 114.° e 117.°, que prescrevem as competências do Ministro dos
Recursos Minerais e Energia em matéria de operações petrolíferas, normas
para a extinção de direitos petrolíferos, planos de desenvolvimento petrolífero,
responsabilidades em matéria de reassentamentos e compensações derivadas
de operações petrolíferas, medidas de protecção ambiental incluindo
infracções e penalidades.
• Regulamento Ambiental para Regulamento Ambiental para Operações
Petrolíferas, aprovado pelo Decreto n.º 56/2010, de 22 de Novembro, que
aprova o regime especial para o licenciamento ambiental de operações
petrolíferas em oposição ao regime geral aprovado pelo Decreto n° 54/2015,
de 31 de Dezembro.

Jurisprudência Nacional(sem dados)

JINDAL e Vale (Tete)????

Exercícios
1. Um curso de água subterrânea nas minas de ouro já extintas não está a ser
contínua e adequadamente bombeada das minas e está a causar perdas de
vida em grande escala e destruição de habitats com perdas económicas e de
emprego catastróficas. As águas subterrâneas primitivas são abundantes nos
aquíferos dolomíticos da zona e constituem uma componente valiosa do
recurso hídrico global do país. As minas foram encerradas há 30 anos. A
empresa que assumiu o controlo das minas desafectadas está disposta a
bombear água das minas. Discuta os direitos constitucionais e os direitos
legais a um ambiente livre de poluição nas operações mineiras e as obrigações
legais da autoridade ambiental e dos novos proprietários das minas no seu
sistema jurídico, enquanto fala sobre a directiva nacional ao abrigo da secção
anti-poluição da Lei Nacional da Água exige que a bombagem continue e obriga
os proprietários das minas a contribuir para o custo.
2. Os réus são de uma empresa mineira envolvida na exploração e extracção de
diamantes. Na condução das suas actividades de extracção e exploração, os
arguidos descarregam os seus resíduos e efluentes não tratados no rio Ozi a
intervalos de aproximadamente duas semanas. Além disso, os arguidos
descarregam os seus resíduos humanos não tratados num rio afluente. Estas
descargas poluem fortemente os rios, o que resulta no assoreamento, na
formação de lama, na sujidade e no carregamento de depósitos químicos e
metálicos, incluindo ferro, crómio e níquel. Os queixosos são habitantes das
aldeias ribeirinhas que vivem nas margens dos rios Ozi. Dependem fortemente
destes rios para a sua subsistência, incluindo a utilização das águas para
beber, tomar banho, regar o gado, jardinagem e pesca. Em consequência da
poluição, a água dos rios deixou de estar apta para os fins supramencionados.
Além disso, a poluição tem destruído a vida aquática como os peixes e
perturbado o ecossistema dos rios. Essas descargas expõem os queixosos a
riscos de doenças contaminantes, como o cancro, a cólera, a febre tifóide, a
fluorose dentária e esquelética. Discutir as questões jurídicas e de adjudicação
neste caso.

Sumário da subunidade 3 (e)

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1. Os princípios globais e básicos que regem as actividades mineiras no que
respeita à protecção, preservação e utilização dos recursos naturais;
2. Identificação das principais características das actividades mineiras que
prejudicam ou degradam o ambiente;
3. Identificação dos objectivos constitucionais e estatutários de combate à
poluição relacionados com as medidas ambientais preventivas da actividade
mineira, incluindo a sua reabilitação ou recuperação;
4. .…

Referências Bibliográficas:

Convenções Regionais da África e Internacionais


• African Mining Vision adopted by the Head of State Summit in February 2009
• 2016 Protocol on Mining in the Southern Africa Development Community
• Directive /DIR.3/5/09 2009: Economic Community of West African (ECOWAS)
Directive on Harmonisation of Guiding Principles, Policies on Mining
• United Nations Environment Programme. Africa Waste Management Outlook, 2018
• Bello, I.A., Ismail, M.H. and Kabbashi, N.A. (2016) Solid waste management in Africa:
A Review. International Journal of Waste Resources.
http://dx.doi.org/10.4172/2252-5211.1000216.
• International Covenant on Civil and Political Rights
• International Covenant on Economic, Social and Cultural Rights,
• ILO Convention No. 169 on the Rights of Indigenous Peoples,
• United Nations Declaration on the Rights of Indigenous Peoples and
• UN Guiding Principles on Business and Human Rights.

Leituras Adicionais e Websites


https://www.informea.org/sites/default/files/court-
decisions/In%20the%20Matter%20of%20the%20Mui%20Coal%20Basin%20Local%20Community.pd
f
• Cortec Mining Kenya Limited v Cabinet Secretary Ministry of Mining & 9 others [2017]
eKLR.
https://drive.google.com/file/d/1dC_vPkSnLAfzUdjOhwg3gdFyKhDZRgdO/view
• Mpumalanga Tourism and Parks Agency and Another v Baberton Mines (Pty) Ltd and
Others (216/2016) [2017] ZASCA 9; [2017] 2 All SA 376 (SCA); 2017 (5) SA 62 (SCA)
(14 March 2017)
https://www.informea.org/sites/default/files/court-decisions/Mpumalanga%20%20Case%20-
%20Supreme%20Court%20of%20Appeal%20Judgement.pdf
https://www.informea.org/sites/default/files/court-
decisions/ZELA%20%26%20Ors%20v%20Anjin%20%26%20Ors%20HH%20523-15.pdf
• Forbes and Thompson (Bulawayo) (Pvt) Ltd versus S. Musasiwa and Environmental
Management Agency
https://www.informea.org/sites/default/files/court-
decisions/Forbes%20%26%20Thompson%20v%20Musasiwa%20%26%20EMA%20HH-
B%202014.pdf
• Watte Gedera Wijebanda v. Conservator General Of Forests And Others

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https://www.informea.org/sites/default/files/court-
decisions/Watte%20Gedera%20Wijebanda%20v.%20Conservator%20General%20Of%20Forests%20
And%20Others.pdf
• Complaint relating to Violations of Fundamental Rights and Duties arising from
Forced Evictions of Artisanal Miners from Afrika Mashariki Gold Mine, Tarime
https://www.elaw.org/resources/text.asp?ID=2043&page=1

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