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DIREITO CONSTITUCIONAL

(NEO)CONSTITUCIONALISMO

Por: Juliana Figueiredo

- Alocação do Direito Constitucional


• O direito constitucional costuma ser alocado dentro do ramo do direito público. José
Afonso da Silva observa que o direito constitucional “configura-se como Direito Público
fundamental por referir-se diretamente à organização e funcionamento do Estado, à
articulação dos elementos primários do mesmo e ao estabelecimento das bases da
estrutura política”;
• O direito é uno, indivisível e indecomponível, sendo a divisão em ramos do direito
meramente didática;
• A classificação dicotômica (público e privado) pode ser atribuída a Jean Domat, porém,
com a forte influência do direito constitucional sobre o privado, parece mais adequado
falar em um direito civil-constitucional. Ademais, a superação da rígida dicotomia entre o
público e o privado fica mais evidente diante da tendência de descodificação do direito
civil (microssistemas como o Código de Defesa do Consumidor, a Lei de Locações, Lei de
Alimentos etc).

- Constitucionalismo

• Canotilho identifica vários constitucionalismos (o inglês, o americano e o francês),


preferindo falar em “movimentos constitucionais”. Em seguida define como uma “... teoria
(ou ideologia) que ergue o princípio do governo limitado indispensável à garantia dos
direitos em dimensão estruturante da organização político-social de uma comunidade.
Nesse sentido, o constitucionalismo moderno representará uma técnica específica de
limitação do poder com fins garantísticos.”;
• Kildare Gonçalves Carvalho vislumbra tanto uma perspectiva jurídica como sociológica.
Em termos jurídicos, reporta-se a um sistema normativo, enfeixado na Constituição, e que
se encontra acima dos detentores do poder; sociologicamente, representa um
movimento social que dá sustentação à limitação do poder, inviabilizando que os
governantes possam fazer prevalecer seus interesses e regras na condução do Estado;
• André Ramos Tavares estabelece 04 (quatro) sentidos para o constitucionalismo:

1ª acepção: movimento político-social com origens históricas bastante remotas


que pretende, em especial, limitar o poder arbitrário;

2ª acepção: imposição de que haja cartas constitucionais escritas;


3ª acepção: para indicar os propósitos mais latentes e atuais da função e
posição das constituições nas diversas sociedades;

4ª vertente mais restrita: o constitucionalismo é reduzido à evolução histórico-


constitucional de um determinado Estado.

- Evolução histórica:

• A história da Europa pode ser dividida em 04 (quatro) grandes “eras”: Idade Antiga; Idade
Média; Idade Moderna; e Idade Contemporânea;
• Canotilho, sem se preocupar com as “eras”, estabelece, mais simplificadamente, 02 (dois)
movimentos constitucionais: o constitucionalismo antigo e o constitucionalismo moderno
(movimento político, social e cultural que, sobretudo a partir de meados do século XVIII,
questiona os planos político, filosófico e jurídico os esquemas tradicionais de domínio
político, sugerindo, ao mesmo tempo, a invenção de uma forma de ordenação e
fundamentação do poder político);
• Constitucionalismo na Antiguidade: Karl Loewenstein identificou, entre os hebreus, o
surgimento do constitucionalismo (Estado teocrático: limitação do poder político ao
assegurar aos profetas a legitimidade para fiscalizar os atos governamentais que
extrapolassem os limites bíblicos); mais tarde, nas Cidades-Estados Gregas, a democracia
constitucional;
• Constitucionalismo na Idade Média: Magna Carta de 1215 (constitucionalismo medieval);
• Constitucionalismo na Idade Moderna: o Petition of Rights (1628); o Habeas Corpus Act
(1679); o Bill of Rights (1689); e o Act of Sttlement (1701). Além dos pactos, existiram os forais
ou cartas de franquia (documentos que buscavam resguardar direitos individuais de
determinados homens, não tinham um caráter universal);
• Constitucionalismo norte-americano: “Além dos contratos de colonização” (Compact e
as Fundamental Orders of Connecticut), a Declaration of Rights do Estado de Virgínia, de
1776, seguida pelas Constituições das ex-colõnias britânicas da América do Norte,
Constituição da Confederação dos Estados Americanos, de 1781, são indícios do
constitucionalismo na América;
• Constitucionalismo moderno (durante a Idade Contemporânea): predominância das
constituições escritas como instrumento para conter arbítrios; 02 (dois) marcos históricos →
Constituição norte-americana de 1878 e a francesa de 1791; constitucionalismo liberal Comentado [J1]: Gerará concentração
marcado pelo individualismo, absenteísmo estatal, valorização da propriedade privada e de renda e exclusão social, fazendo com
proteção do indivíduo (influenciou bastante as Constituições brasileiras de 1824 e 1891); que o Estado passe a ser chamado para
evidencia-se aquilo que a doutrina chamou de 2ª geração de direitos (documentos evitar abusos e limitar o poder
marcantes → Constituição do México de 1917 e a de Weimar de 1919, influenciando a econômico.
brasileira de 1934)
• Constitucionalismo contemporâneo (durante a Idade Contemporânea): está centrado
naquilo que Uadi Lammêgo Bulos chamou de “totalitarismo constitucional, consectário na Comentado [J2]: Os textos sedimentam
noção de Constituição programática” (ex.: CF/88). Ademais, partindo dessa concepção um importante conteúdo social,
de normas programáticas, André Ramos Tavares, apoiado no pensamento de Dromi, estabelecendo normas programáticas
enaltece o constitucionalismo da verdade e identifica 02 (duas) categorias (normas que Comentado [J3]: Metas a serem atingidas
pelo Estado, programas de Governo)
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jamais passam de programáticas e são praticamente inalcançáveis pela maioria dos
Estados; e normas que não são implementadas por simples falta de motivação política
dos administradores e governantes);
• Constitucionalismo do futuro: o que esperar? José Roberto Dromi diz que o
constitucionalismo “deve estar influenciado até identificar-se com a verdade, a
solidariedade, o consenso, a continuidade, a participação, a integração e a
universalidade”, sendo a Constituição do “por vir”; Para Lenza, o constitucionalismo do
futuro terá de consolidar os chamados direitos humanos de 3ª dimensão, estabelecendo
um equilíbrio entre o constitucionalismo moderno e alguns excessos do contemporâneo.

- Neoconstitucionalismo
• Também chamado de constitucionalismo pós-moderno ou pós-positivismo;
• É uma nova perspectiva em relação ao constitucionalismo (desenvolvida a partir do
século XXI);
• Deriva da doutrina constitucional espanhola e italiana (FERNANDES, Bernardo Gonçalves.
Curso de Direito Constitucional. 8ª ed.)
• Busca-se a eficácia da Constituição, deixando o texto de ter um caráter meramente
retórico e passando a ser mais efetivo;
• Kildare anota que a perspectiva é de que “ao constitucionalismo social seja incorporado
o constitucionalismo fraternal e de solidariedade”;
• Para Walber de Moura Agra, o “neoconstitucionalismo tem como uma de suas marcas a
concretização das prestações materiais prometidas pela sociedade, servindo como
ferramenta para a implementação de um Estado Democrático Social de Direito”. Ele (o
neoconstitucionalismo) pode ser considerado um movimento caudatário do pós-
modernismo. Dentre as suas características podem ser mencionadas:
a) positivação e concretização de um catálogo de direitos fundamentais
b) onipresença dos princípios e das regras
c) inovações hermenêuticas
d) densificação da força normativa do Estado
e) desenvolvimento da justiça distributiva;
• No constitucionalismo moderno a diferença entre normas constitucionais e
infraconstitucionais era apenas de grau, no neoconstitucionalismo a diferença também é
axiológica;
• O caráter ideológico do constitucionalismo moderno era apenas o de limitar o poder, o
caráter ideológico do neoconstitucionalismo é o de concretizar os direitos fundamentais;
• No neoconstitucionalismo, supera-se a ideia de Estado Legislativo de Direito, passando a
Constituição a ser o centro do sistema; busca-se a concretização dos valores
constitucionais e garantia de condições dignas mínimas;

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• Para Dirley da Cunha Júnior, “... foi marcadamente decisivo para o delineamento desse
novo Direito Constitucional, a reaproximação entre o Direito e a Ética, o Direito e a Moral,
o Direito e a Justiça e demais valores substantivos...”;
• Barroso aponta 03 (três) marcos fundamentais que definem a trajetória do direito
constitucional para o atual estágio de “novo”: o histórico, o filosófico e o teórico;
a) histórico: formação do Estado constitucional de direito
b) filosófico: pós-positivismo e a reaproximação do Direito com a ética
c) teórico: conjunto de mudanças → força normativa da Constituição, a expansão da
jurisdição constitucional e o desenvolvimento de uma nova dogmática da
interpretação constitucional
• Marcas do “novo direito constitucional” ou neoconstitucionalismo: princípios de natureza
instrumental → supremacia da Constituição, presunção de constitucionalidade das
normas e atos do poder público, interpretação conforme a Constituição, unidade,
razoabilidade e efetividade;

- Novo constitucionalismo democrático latino-americano: Estado plurinacional e


intercultural
• Também chamado de constitucionalismo andino ou indígena;
• Trata-se de necessária e real transformação estrutural que visa reconhecer o direito à
diversidade cultural e à identidade e, assim, rever os conceitos de legitimidade e
participação popular;
• Esse modelo de constitucionalismo pluralista pressupôs rupturas paradigmáticas, muito
bem delimitadas por Raquel Yrigoyen Fajardo:
a) colonialismo (ideologia da “inferioridade natural dos índios”
b) constitucionalismo liberal (construção do Estado-nação pelo “monismo jurídico”)
c) constitucionalismo social-integracionista
d) constitucionalismo pluralista (Yrigoyen Fajardo reconhece 03 ciclos marcantes e que
ensejaram importantes reformas constitucionais nos países latino-americanos: a) ciclo
multicultural; b) ciclo pluricultural; e c) ciclo plurinacional)

- Constitucionalismo popular (Tushnet) e os papéis das Supremas Cortes e Tribunais


Constitucionais nas Democracias Contemporâneas (Barroso)
• Constitucionalismo popular pode ser definido sob a perspectiva de que o povo – e não os
juízes – seriam melhores e mais adequados intérpretes da Constituição;
• Os papéis desempenhados pelas Supremas Cortes e Tribunais Constitucionais são divididos
em: contramajoritário; representativo; e iluminista
a) contramajoritário: de acordo com Barroso, os juízes das cortes superiores que jamais
receberam um voto popular, podem sobrepor a sua interpretação da Constituição à que
foi feita por agentes políticos investidos de mandato representativo e legitimidade

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democrática. Essa circunstância gera uma aparente incongruência no âmbito de um
Estado democrático, a teoria constitucional deu o apelido de “dificuldade
contramajoritária” Comentado [J4]: Barroso sugere correção
b) papel representativo: muito embora os juízes não sejam eleitos pelo povo, em algumas terminológica:
situações, as decisões da Corte estará muito mais na linha da vontade popular do que a contralegislativa/contracongressual/cont
raparlamentar
lei ou o ato normativo editado pelo Parlamento. Em certos contextos, as Cortes acabam
sendo mais representativas dos anseios e demandas sociais do que as instâncias políticas Comentado [J5]: “crise de legitimidade,
tradicionais (razões: qualificação técnica dos julgadores + vitaliciedade + inércia + representatividade e funcionalidade do
motivação das decisões judiciais) Parlamentares”
c) papel iluminista: conforme entende Barroso “ao longo da história, alguns avanços
imprescindíveis tiveram de ser feitos, em nome da razão, contra o senso comum, as leis
vigentes e a vontade majoritária da sociedade”. Essa atuação do Poder Judiciário, no
sentido de “empurrar a história na direção do progresso social”, superando bloqueios
institucionais, caracteriza o papel iluminista das Cortes. Comentado [J6]: O termo iluminista está
• Cuidado: o papel contramajoritário pode dar lugar a uma ditadura do Judiciário; o papel sendo empregado para identificar
representativo pode desandar para um populismo judicial; e a função iluminista poderá decisão que não corresponde à vontade
do Congresso Nacional nem ao
atrasar a história.
sentimento majoritário da sociedade,
- Constitucionalismo democrático mas ainda assim é vista como correta,
justa e legítima
• O constitucionalismo democrático assegura tanto o papel dos representantes do povo e
da cidadania mobilizada no cumprimento da Constituição, como papel dos tribunais no
exercício de sua função de intérprete;
• O constitucionalismo democrático não procura retirar a Constituição dos tribunais (ao
contrário do constitucionalismo popular), pois reconhece o papel essencial das Cortes em
fazer valer os direitos constitucionais previstos.

- Transconstitucionalismo
• Pode ser definido como o entrelaçamento de ordens jurídicas diversas (estatais,
transnacionais, internacionais e até mesmo supranacionais) em torno dos mesmos
problemas de natureza constitucional;
• Autor do tema: Marcelo Neves;
• O transconstitucionalismo pode ocorrer ente ordens jurídicas da mesma espécie ou
espécies diferentes, ou mesmo entre uma pluralidade de ordens jurídicas que podem
estar envolvidas simultaneamente na solução de um caso.

- “Constitucionalismo Abusivo” (David Landau)


• Também chamado de “legalismo autocrático” e “democracia iliberal”
• Fenômeno do uso de mecanismos de mudança constitucional que acabam corroendo
(erodindo, enfraquecendo) a ordem democrática → retrocesso democrático;
• Não se trata do uso da força, como pode ser observado nos períodos ditatoriais ou nos
regimes implantados após o golpe militar, nos quais a ruptura constitucional é evidente,

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mas da transformação da ordem constitucional com mudanças sutis e que podem chegar
até mesmo ao controle indireto da Suprema Corte;
• Não se confunde com o Constitucionalismo Autoritário descrito por Tushnet.

Referência: LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 25ª ed. São Paulo: Saraiva
Educação, 2021.

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