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O Estado Absolutista

O absolutismo, durante os tempos modernos (1453-1789)

caracterizou-se pela concentração da autoridade política na figura do soberano,

o monarca absoluto. Tal concepção política tem sua origem no processo de

formação do Estado moderno ocorrido nos últimos séculos da Idade Média na

Europa Centro-Ocidental.

Quando do apogeu do Feudalismo na Europa, na Alta Idade

Média, a despeito da autoridade política estar concentrada nos monarcas, na

realidade esta era exercida pelos senhores feudais. A soberania dos reis

esbarrava nos privilégios dos nobres, posto que gozavam de autoridade e

poderes absolutos em seus domínios. Ou seja, o poder, na prática, era

descentralizado, sendo a autoridade do rei circunscrita às terras de seu

domínio real e efetivo.

A crise do feudalismo e decadência da nobreza, que

marcaram a Baixa Idade Média foi acompanhada pelo renascimento do

comércio, a formação da burguesia e o ressurgimento das cidades. Todavia, as

cidades eram então controladas pelos senhores feudais e a burguesia

dominada pelos nobres. O feudalismo e os privilégios dos nobres eram, pois,

um nítido óbice ao crescimento das cidades, ao enriquecimento da burguesia e

à expansão dos negócios.

Frente a essa realidade, apenas a força e a autoridade de

uma monarquia centralizadora seriam capazes de, suprimindo a nobreza e a

independência dos feudos, promover a unificação territorial dos países, impor


obediência à sua população e proteger a burguesia. Dessa maneira,

incrementar-se-ia a prosperidade do comércio.

O arcabouço político-filosófico para que todo o poder e

autoridade fosse concentrada na pessoa do monarca, o que significava a

completa identificação entre este e o Estado, veio com pensadores do jaez de

Jean Bodin, criador da doutrina da soberania do Estado, interpretada como “o

poder supremo sobre os cidadãos e súditos, sem restrições determinadas

pelas leis”. Para Bodin, os súditos deviam obediência passiva ao monarca, cuja

autoridade era concebida por Deus. Hugo Grotius, um dos fundadores do

direito internacional, em sua obra “Do direito da paz e da guerra”, asseverava

que somente a autoridade ilimitada do soberano poderia preservar a ordem

interna da sociedade.

Contrapondo-se a essas concepções políticas atreladas à

emanação do poder soberano das próprias mãos de Deus, posta-se Thomas

Hobbes. Em seu livro Leviatã, afirmava que, no estado de natureza, imperava

originalmente “a guerra de todos contra todos”; dizia ainda que, para extirpar a

violência e a anarquia vigentes os homens firmaram um pacto, o “contrato

social”, no qual abdicavam de sua liberdade em troca da segurança oferecida

pelo Estado, tendo a soberania deste sobre os súditos tornado-se absoluta.

Ocorre que, como apontamos, divergia Hobbes dos pensadores supra-citados

na medida em que descartava a idéia de que a autoridade do rei era concebida

por Deus. Para o filósofo, o rei era o baluarte do Estado e o detentor da

soberania, sendo sua autoridade despótica, entretanto, oriunda não de uma

escolha divina, mas sim dos poderes absolutos que o povo lhe conferira.
Essa conjuntura levou à formação de uma aliança entre a

burguesia e a realeza no final da Idade Média, a qual substituiu a

descentralização feudal pelo centralismo monárquico.

A política econômica desenhada pela aliança realeza-

burguesia exigia um rígido controle do Estado sobre todas as atividades. O

Absolutismo baseava-se, pois, em um forte intervencionismo estatal e dirigismo

econômico.

Emerge assim no final do século XVI, com o surgimento do

Estado unitário, o conceito de soberania sobreposta aos demais poderes

sociais, aglutinando em uma única instituição (o monarca) o monopólio do

Direito e da força.

O surgimento da soberania, entretanto, não veio a alterar as

características básicas do feudalismo, sobretudo as econômicas, o que se

depreende das palavras do constitucionalista Martin Kriele (1980, p. 76-77):

A teoria da soberania só podia impor-se na prática se conectada a


algum poder existente, a saber, àquele que havia demonstrado ser o
mais forte. Este era, em princípio, segundo a situação, o poder do
Rei. (...) Se tratava, pois, de comprovar se o Rei efetivamente tinha
os batalhões mais fortes. Essa luta pelo poder estava na lógica das
coisas, e na França foi levada a cabo de forma sangrenta na fronde.
Na França o Rei resultou ser de fato o mais forte. Isto se devia
essencialmente ao fato de o Rei calcar seu poder não apenas na
nova teoria da soberania, mas também, na legitimidade fundada nos
velhos direitos. Era reconhecido como Rei por seus súditos não
porque era soberano no sentido da teoria da soberania, mas em
virtude de ser Rei no sentido do direito tradicional. Desta maneira,
pôde utilizar sua posição de poder, que devia ao direito, para
incrementar de tal modo o seu poderio que pôde, ao final, ignorar
estas bases jurídicas.

Certo é que a perda de poder dos senhores feudais para a

burguesia e o surgimento das cidades possibilitaram a concentração de poder

nas mãos do Rei de forma absoluta e soberana, todavia, o modelo de


regulação perdurou os mesmo, posto fundar-se no personalismo do exercício

do poder de regramento social e no patrimonialismo.

No entanto, aludida continuidade não impediu a ocorrência de

mudanças na economia, as quais fizeram com que a regulação econômica

sofresse significativas alterações.

A proliferação das cidades e a conseqüente aglomeração

populacional, a multiplicação dos meios de comunicação e transporte e das

técnicas comerciais, demandaram a instituição de um corpo administrativo apto

a dar conta da organização da vida urbana, tendo em vista viabilizar as obras

de infra-estrutura – notadamente de transporte e de segurança – necessárias à

implementação das novas atividades econômicas, e a cobrança de impostos

por meio de contribuições dispares das até então adotadas pelo sistema de

rendas dos vassalos.

As atividades ou funções político-administrativas

desenvolvidas, incluindo a arrecadação tributária, embasava-se direta ou

indiretamente na autorização do monarca, a qual era expedida como

disposição de seu direito patrimonial. Tais autorizações são o embrião das

atuais concessões de serviços públicos e de uso de bens públicos, sendo do

Rei as rendas oriundas dessas atividades, posto ser ínfima a distinção entre o

Estado e aquele. Pertinente, no bojo de mencionadas considerações, a célebre

síntese do regime Absolutista expressa nas palavras de Luís XIV, Rei da

França, que declarava: O Estado sou eu.

O Estado Absolutista ocupava-se de criar meios e

instrumentos que desenvolvessem a economia, sendo responsável ainda pela

subsistência da população. Com esse desiderato, os administradores do


Estado eram incumbidos de zelar pela lealdade das transações comerciais e

pela melhoria das condições econômicas da nação.

Todavia, observou-se que, a ruína da Idade Média,

acompanhada pelo guarnecimento da figura do rei (monarca absoluto),

conduziu à perda do poder por parte daquele que era seu legítimo titular,

fazendo com que seu exercício fugisse aos anseios da sociedade 1, dado à

primazia das doutrinas absolutistas de direito divino, endossadas por Jean

Bodin e Jacques Bossuet2.

Ante preditas considerações, ainda que afetadas por sua

superficialidade, depreende-se sem maiores esforços o quão precárias eram as

condições da massa nesse período histórico; haja vista ter emergido o regime

absolutista do choque de idéias políticas encabeçadas por classes

privilegiadas, corporificadas por estratos sociais minoritários, nitidamente

desvinculadas dos interesses da maioria, e porque não dizer, da própria

sociedade.

Não causa estranheza, portanto, afirmar-se que mesmo tendo

a proteção ao consumidor sempre existido nos sistemas jurídicos que

almejavam o equilíbrio entre as partes envolvidas nas relações comerciais –

desde o instante em que mostrou-se praticável a supressão das necessidades

imediatas da sociedade no âmbito das relações comerciais – a mesma não

encontrara no sistema político ora em comento campo fecundo para a sua

1
Além do mais, uma mera análise perfunctória remete-nos à constatação de que o exercício do
poder fatalmente leva ao abuso, como observavam Maquiavel e Montesquieu.
2
Formulou a doutrina do absolutismo de direito divino durante a corte de Luís XIV, tendo
escrito A política inspirada nas Sagradas Escrituras. Afirmava que o monarca era o
representante de Deus e, dessa feita, responsável tão somente perante Ele por seus atos.
Bossuet dizia que “o trono real não é o trono de um homem, mas o trono do próprio Deus”; “o
rei vê de mais longe e de mais alto; deve acreditar-se que ele vê melhor, e deve obedecer-se-
lhe sem murmurar, pois o murmúrio é uma disposição para a sedição”.
consecução (OLIVEIRA, 2003, p. 40-41), restando afetada sua finalidade de

promoção do bem-comum.

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