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Administrativo
1º Semestre
Nos primórdios da formação do Estado, o poder de imperium situava-se no seio da própria Sociedade. A
comunidade política medieval constituía um “universo pluricêntrico” (o “Estado de Justiça”), onde
nenhuma figura abstrata (Estado, Nação, Povo), nenhuma pessoa concreta (rei, príncipe, imperador) recebia o
encargo de representar os interesses comuns do grupo que preenchia uma certa zona territorialmente
delimitada.
A comunidade era um complexo de organizações com fins diversos, que se cruzavam entre si,
equilibrando-se predominantemente através de laços de subordinação pessoal. A noção de comunidade
alimentava-se da subordinação a um direito imanente que assinalava a cada uma daquelas variadas
figuras um seu próprio estatuto, um catálogo de privilégios e obrigações.
A Época Medieval vai do século V ao século XV. Mas deixando de parte a Alta Idade Média, entre os
séculos X a XIII ainda não existem as realidades institucionais de Estado e de Administração Pública.
No entanto, estava presente a ideia de interesse público. No século X já eram sentidos como interesses
comuns ou gerais das comunidades medievas as necessidades de defesa e de justiça.
Mas como é que se satisfaziam estes interesses se não existia qualquer realidade próxima da atual Administração Pública?
Este período é caracterizado pela estrutura socioeconómica do Feudalismo, que assentava em laços de
fidelidade pessoal, os chamados laços de vassalagem. O poder era detido e exercido por pessoas físicas: o
senhor, ou suserano, adquiria poder sobre outros homens, os vassalos, os quais se submetiam a uma
situação de sujeição em troca de proteção. O senhor sobrepunha-se ao vassalo de forma pessoal, e não da
forma institucionalizada, ou seja, as relações de poder eram eminentemente pessoais, dado que o poder
não estava ainda institucionalizado.
Inexistia, pois, a realidade hoje designada Administração Pública, em consequência nomeadamente do
carácter não institucionalizado da sociedade política, da ausência de uma unidade que servisse de
referência ao interesse público e de um aparelho organizado que tivesse como função a sua realização.
O poder do senhor feudal sobre os demais apenas subsistia enquanto se mantivesse essa ligação de
fidelidade entre as pessoas físicas do suserano e dos seus vassalos. Se o suserano morresse reformulava-se
uma nova relação entre cada vassalo sobrevivo e outro senhor, emergindo um novo e distinto poder.
Assim, as necessidades de justiça e de defesa, que correspondiam aos interesses comuns ou gerais, eram
satisfeitas pelo senhor feudal.
É de realçar, ainda na época medieval, três experiências que prenunciam a moderna Administração
Pública:
2. Maior significado apresenta a Igreja. Esta instituição impunha-se em toda a Europa, através de um
modelo hierárquico de tipo piramidal, ocupando o Papa o topo da pirâmide, e os párocos das aldeias a
base: estes últimos recebiam ordens e instruções do escalão imediatamente superior. Verifica-se
também na Igreja uma distribuição racional de funções (clero secular, ordens religiosas com distintas
vocações e atividades).
Uma primordial importância oferece o cariz institucional da Igreja. Os seus poderes eram exercidos de
forma institucional, porque estavam desligados das pessoas físicas dos seus titulares.
Desta estrutura da Igreja, existem aspetos importantes que influenciaram a Administração Pública:
3. Quanto aos exércitos de mercenários, eram organizações militares profissionalizadas que ofereciam os
seus serviços a grandes senhores feudais, a troco de uma elevada remuneração. Eram compostos por
unidades homogéneas, mas diversificadas nos seus componentes, as quais conjugavam esforços para a
concretização de um plano militar lógico e previamente concebido.
Estes também se estruturavam hierarquicamente: a utilização da cadeia de comando transformava
cada um destes exércitos num corpo uno, com uma “cabeça” e membros que obedeciam às ordens
emanadas do “cérebro”. Esta planificação e estruturação hierárquica eram fundamentais para alcançar
a vitória.
Época Moderna ("o Estado sem Direito"), em especial, a sub-época do “Estado de Polícia”
O feudalismo termina nos séculos XIV/XV, iniciando-se, com os descobrimentos portugueses, o período de
expansão da Europa que viria a ditar a consolidação das modernas nações.
A emergência das nações europeias, e a verificação das condições religiosas, sociais, económicas e
espirituais próprias da modernidade propiciaram a racionalização da vida social, ditando o nascimento do
Estado moderno (com os seus três elementos: povo, território e poder político) e da sua Administração,
através do triplo processo de institucionalização, concentração e territorialização do poder em torno da
Coroa.
Com efeito, sobreveio a necessidade da criação de poderes unos aptos a administrar tão vastos territórios.
É neste contexto que emerge a figura da coroa como instituição (a coroa que se mantém sobrevivendo à
morte física da pessoa do rei). Com a definição das fronteiras, todos os senhores feudais passam a servir
exclusivamente o respetivo monarca, tornando-se seus súbditos.
E como é que o monarca faz chegar o seu poder a todo o território? Através da criação de um corpo de
funcionários ao seu serviço e dotados pelo rei dos necessários poderes de autoridade – um aparelho
administrativo. Este já não cuida apenas dos negócios atinentes ao domínio privado do monarca, mas
também e sobretudo dos interesses gerais do reino.
O aparelho administrativo adota um modelo que tem por base uma pirâmide que se vai alargando do
topo para a base, estando o Rei no topo e na base o funcionário do concelhio ou local. Os poderes vão
diminuindo progressivamente do topo para a base: as pessoas que estão no topo da pirâmide humana
têm maiores poderes do que as pessoas que estão na base pirâmide de poderes, dispondo o superior
hierárquico da totalidade das competências dos seus subalternos.
Com a centralização do poder nos monarcas e a criação de um aparelho administrativo que começa a
assumir as tarefas necessárias à satisfação dos interesses imputáveis a toda comunidade, dá-se o declínio
das corporações (que vão perdendo o poder de controlo do acesso à profissão) e das demais figuras
medievais, como os municípios e as regiões, que cuidavam desses interesses com cunho “particularista”.
Mas é sobretudo nos séculos XVII e XVIII que se assiste à consolidação do Estado (“Estado de Polícia”) e da
Administração Pública, em detrimento das estruturas e instituições sociopolíticas de origem medieval.
Com a progressiva assunção pelo monarca de um poder absoluto nivelador do corpo social e fortemente
intervencionista, deu-se o desenvolvimento da Administração pública estadual: criaram-se órgãos gerais
(com jurisdição em todo o território do reino), consolidou-se e cresceu exponencialmente um corpo
organizado de funcionários profissionais e incrementou-se uma atividade intensa e variada desta máquina
para satisfação de interesses públicos. Os funcionários régios intervêm em todas as áreas da sociedade,
sendo meros executantes da vontade real: através deles o rei domina a sociedade a todos os níveis.
O despotismo do monarca é esclarecido e não aceita por isso outra limitação que não a do Direito
Natural, ou seja, a ditada pela sua própria consciência. Em tese geral, o único limite para a atuação do
Estado acaba por ser a vontade do monarca, que não admite uma sujeição a regras jurídicas exteriores.
Vigorando então normas avulsas que seriam qualificadas como sendo de Direito Constitucional (por
exemplo, as regras de sucessão ao trono) ou de Direito de Administrativo (como era o caso, no direito
português, dos “embargos de execução”), ou ainda institutos “desgarrados” como o expediente do “Fisco”
(um instrumento privado ou privatístico vigente nos principados germânicos de compensação pela lesão de
interesses particulares de ordem patrimonial, que está na origem do atual instituto da responsabilidade
civil da Administração), estava-se todavia muito longe ainda da realidade que viria a emergir com o Estado
de Direito, de um corpo homogéneo e sistematizado de normas limitadoras do poder político e
administrativo.
Não obstante a expressão “Estado de Polícia” (que não tem o mesmo significado de Estado policial,
referente aos regimes totalitários), este será hoje sinónimo de “Estado Administrativo”. Todo este
processo foi conformado por uma ética de serviço público ditada de cima: o monarca absoluto, que a si
próprio se considerava como o primeiro dos servidores da coisa pública, não pretendia desenvolver uma
atividade arbitrária e de proveito pessoal, mas sim de incremento civilizacional do Estado.
Época Contemporânea
O Estado de Direito, que surge em reação ao “Estado de Polícia”, ao Estado do “despotismo iluminado”,
implanta-se na Europa na primeira metade do século XIX, estando assente nos seguintes princípios:
Sistema de governo representativo.
Princípio da igualdade.
O período do Estado Liberal de Direito caracteriza-se por uma redução dos poderes do Estado e pela
libertação da sociedade. A Administração Pública constitui-se como uma administração genuinamente
estadual, dirigida ao desempenho das tarefas específicas do Estado:
A administração da justiça.
As relações externas.
É de realçar, no entanto, que no respeitante à administração municipal, com a conquista pela burguesia de
uma forte posição no interior da ordem estatal, surgem as primeiras definições de administração
autónoma (territorial), que a consideravam como “um elemento de ligação entre o Estado e a Sociedade”.
A conceção liberal de Estado parte da “subordinação do Estado ao Direito". A lei é agora entendida como
regra necessariamente geral e abstrata, enquanto expressão da racionalidade e já não da vontade de um
soberano. Ela é também e ainda autodefinição de interesses pela comunidade política afirmada no
Parlamento, por um acordo de vontades esclarecidas que constitui a expressão da vontade geral.
O conceito de lei adotado pelo Estado de Direito resulta de um repositório histórico de variados
contributos:
Dimensão material e universal da lei como “lei boa e justa”, racional, virada para o bem comum,
sempre presente no pensamento ocidental.
Hobbes – salienta os momentos voluntarista e positivo da lei: a lei como vontade e ordem.
Locke – acentuação da lei geral e abstrata como instrumento de liberdade, de guia para homens livres
que atuam no seu próprio interesse, e em virtude de tais características como proteção da vida,
liberdade e propriedade dos súbditos contra o arbítrio do soberano.
Montesquieu – estabelece a ligação da lei ao poder legislativo das assembleias representativas, no
quadro do princípio da separação de poderes.
Rousseau – entende que a lei é um instrumento de atuação da igualdade política. A lei “duplamente”
geral, quanto ao objeto e quanto à origem: é dirigida a todos e é fruto da vontade igual de todos.
A lei distingue-se agora nitidamente dos demais atos normativos: para além da generalidade e da
abstração, são elementos característicos da lei a eficácia externa e a identificação do seu objeto próprio
com a liberdade e propriedade dos cidadãos.
O Parlamento é tido como o fórum de representação da sociedade, por contraposição aos outros dois
poderes cuja legitimidade é apenas indireta. Este passa a beneficiar de uma tripla reserva de lei:
Uma reserva de Parlamento, através do monopólio atribuído a este órgão da produção normativa.
Uma reserva de função legislativa, decorrente do conceito material de lei: apenas é considerada lei
a norma que contenda com a liberdade e propriedade dos cidadãos.
Uma reserva de Direito: a lei escrita do Parlamento é a única fórmula admitida de criação de
Direito.
O Direito Administrativo, que concretiza a subordinação do Estado à lei, nasce com o Estado de Direito:
trata-se de um direito especial, relativo à Administração Pública, que visa proteger os particulares (a sua
vida e segurança, a sua liberdade e a sua propriedade) contra as autoridades administrativas.
O princípio da legalidade administrativa, nos termos do qual a Administração apenas pode atuar por
meios jurídicos e sempre com sujeição a uma lei prévia, constitui a expressão da submissão do Estado ao
Direito.
A Administração passa a estar sujeita a normas que lhe são impostas, já não pelo monarca, mas de fora,
ou seja, por um outro poder do Estado independentizado do executivo, isto é, pelo Parlamento.
c) O liberalismo económico
O Estado de Direito Liberal propugna a separação entre Estado e sociedade, sendo o principal objetivo
reduzir o Estado e as tarefas a assumir por ele a uma expressão mínima.
Este modelo reflete-se na atividade económica. Para a teoria económica liberal, a economia autorregula-
se, não precisando de se regular pelo Direito: há uma ordem económica, e não uma ordem jurídica
económica. A vida económica é deixada ao livre jogo dos agentes económicos, que a modelam e
conformam através de instrumentos jurídicos exclusivamente fornecidos pelo Direito Privado.
Qualquer intervenção dos poderes públicos no mercado seria arbitrária e atentatória da liberdade
individual, para além de conduzir ao desperdício, pela simples razão de não se guiarem tais poderes pelo
critério do lucro (o que se traduz na ineficiência).
Diferentemente do Estado de Polícia, o Estado Liberal não tem fins próprios: com a sua atividade visa
apenas assegurar a coexistência dos cidadãos e garantir a possibilidade de cada um por si alcançar o
próprio bem-estar, através do livre desenvolvimento da sua atividade económica individual.
Negativa – ausência de fins positivos próprios e, por conseguinte, de um dever fazer, de uma
assunção de funções e tarefas viradas para a realização desses fins.
Formal – ausência de conteúdo das normas jurídicas, as quais se limitam a fixar o quando geral e as
condições de realização das atividades individuais.
A ordem jurídica é neutra no respeitante ao conteúdo e fins dos contratos celebrados sob a sua égide,
assim como à função e destino da propriedade privada que garante e regula (os quais são deixados à livre
disposição dos respetivos titulares).
Jurídica – “no sentido de que a característica essencial da sua atividade é o tratar-se de uma
atividade jurídica”: compete ao Estado, através do Direito, “estabelecer o quadro geral das regras
dentro do qual a liberdade individual de cada cidadão possa coexistir com a liberdade dos demais”.
O papel do Direito é, portanto, o de proporcionar as condições necessárias para que a liberdade económica
individual se possa exercer em toda a sua plenitude, com os razoáveis limites do exercício da liberdade.
Por conseguinte, o Direito Público não se interessa pela economia, preocupando-se apenas com a
salvaguarda da ordem pública: ele só tem o objetivo de garantir a segurança e as demais condições
necessárias ao desenvolvimento dos negócios privados fruto da livre iniciativa económica dos indivíduos.
O modelo jurídico do Estado Liberal não gira em torno do Direito Público: “a ordenação que se pretende
da realidade económica leva-se a cabo de forma principal através de normas de Direito Privado”, de
acordo com os postulados do capitalismo. Os instrumentos deste processo são a liberdade contratual e
princípio da autonomia da vontade privada.
É certo que cabia ao Direito Público zelar pelo interesse coletivo, mas não lhe competia intervir na esfera
privada da atividade económica, já que que os interesses da coletividade eram realizados
espontaneamente através do livre jogo da iniciativa e do risco individuais, permeáveis tão só ao Direito
Privado comum e Comercial.
A ordem jurídica do liberalismo assenta no contrato e num direito de propriedade tendencialmente absoluto.
Os primeiros interesses a serem objeto de tutela jurídica no Estado Liberal são os dos proprietários: “estes
respondem em grande medida a uma configuração estática da titularidade do seu direito patrimonial”.
Dá-se a abolição dos institutos jurídicos tradicionais que estratificavam e condicionavam a propriedade
plena, com base em critérios singularizados e, frequentemente, de privilégio, sendo tais institutos
substituídos por disposições de carácter geral e abstrato, normalmente inseridas em códigos que tornam a
propriedade num direito absoluto ou ilimitado e tendencialmente pleno.
Mas, num segundo momento, opera-se o reconhecimento de uma “propriedade dinâmica”, “apoiada no
sistema de produção e no tráfico mercantil que, inclusive, passará a ser protegida com preferência sobre a
dos proprietários em sentido estrito”, acabando a tutela jurídica do comerciante, do industrial e do
financeiro por prevalecer sobre a do proprietário.
Em sede de fontes de direito, é atribuído valor coercivo geral às regras promulgadas pelas grandes
empresas, ou seja, às condições gerais de contratação por estas impostas.
Nos finais do século XIX generaliza-se o sufrágio universal, organizam-se os primeiros partidos políticos de
massas e começam-se a movimentar os grupos de interesse (sindicatos e outros).
É com a Primeira Grande Guerra Mundial que surgem as primeiras atividades estaduais de envergadura:
os Estados apossam-se da direção da economia para fazer face à guerra, e no final da guerra mantêm
importantes poderes de intervenção na vida económica.
Mas é sobretudo com a crise de 1929 que se iniciam com carácter sistemático as políticas económicas
dirigistas e o chamado Estado-Providência. Estas políticas teorizadas por J. M. Keynes foram
implementadas nos EUA por F. D. Roosevelt (foi o chamado New Deal) e ainda, de algum modo, na
Europa, quer sob regimes democráticos, quer sobretudo sob a égide dos regimes autoritários e
intervencionistas.
No período do entre guerras emergem as chamadas Constituições de transição (do Estado Liberal para o
Estado Social), cujos textos já assinalam ao Estado a prossecução de tarefas e fins de carácter económico,
atribuindo-lhes consideráveis poderes de intervenção nas atividades económicas: a Constituição alemã de
Weimar de 1919, a Constituição Portuguesa de 1933, a Constituição Italiana de 1947 e a Constituição da
República Espanhola de 1933.
Completando o que já se iniciara com a Primeira Grande Guerra Mundial, especialmente o período do
entre guerras, “assistiu-se, quer durante as hostilidades de 1939-1945, quer particularmente no pós-
guerra, ao crescente interesse do Estado na economia, substituindo-se de vez o tradicional abstencionismo
pelo comprometimento público na economia”.
A partir sobretudo da década de 50 do século XX, por decalque da descentralização territorial, verifica-se a
multiplicação das administrações institucionais, quer de tipo associativo, quer de tipo fundacional,
dinamizando-se um processo de descentralização imprópria, dita técnica, funcional ou por serviços.
Tudo isto foi possível devido a uma era de intensa prosperidade entre meados/finais da década de 40
(após a Segunda Guerra Mundial) e meados/finais da década de 70 (após as crises petrolíferas). Foram
trinta anos de crescente e contínua prosperidade do mundo ocidental, período em que o Estado Social
conheceu o seu apogeu, em que os poderes públicos chamaram a si a maioria das atividades hoje
designadas de interesse económico geral (de produção e distribuição dos bens e serviços essenciais ao
bem-estar das populações).
Foi sobretudo nessa época que se construíram novas infraestruturas (ou se completaram ou
desenvolveram a um nível nunca antes atingido redes já existentes) e se erigiram a partir delas os grandes
serviços públicos, nos sectores dos transportes públicos, das telecomunicações (serviços postais, telefones
e televisão) e da energia (da eletricidade, carvão, derivados do petróleo e gás natural).
Essas atividades económicas (ex novo ou pela via da nacionalização das empresas privadas que operavam
nesses sectores), passaram a ser exploradas por empresas públicas, em regime de monopólio legal, sendo
quando muito objeto de concessão a privados, mas sempre sob direta supervisão dos poderes públicos.
Em suma, e em consequência desta postura intervencionista do Estado, aparece uma administração social
ou de prestação, uma Administração de serviço público, a par da tradicional Administração de
autoridade.
Dá-se por isso uma atenuação da separação Estado-sociedade: a Administração deixa de ser a portadora
de uma lógica estranha à sociedade, passando a prestar bens e serviços, a contratar e a utilizar inclusive
formas organizativas e de atuação de direito privado: é a chamada Administração de Concertação. A
Administração abre-se também à participação dos administrados (Administração participada), seja a título
consultivo, seja mesmo por associação ao exercício do poder administrativo.
O princípio da legalidade da administração transmuta-se num mais lato princípio de juridicidade, através
da sujeição da Administração também aos direitos fundamentais e aos princípios gerais de Direito
Administrativo, e já não como princípio de legalidade estrita.
Quanto à alteração das características da lei: a generalidade e a abstração deixam de integrar o conceito
de lei, admitindo-se em certos casos, como atos próprios da função legislativa, a lei-individual e a lei-
medida.
Dá-se o fim da reserva de lei enquanto reserva de função legislativa, pela impossibilidade de se manter
um conceito material de lei referido apenas à liberdade e propriedade dos cidadãos. A lei passa a ser
também instrumento de definição dos interesses públicos a cargo da Administração, fenómeno que
adquire uma especial importância precisamente no domínio do Direito Administrativo da economia.
Finalmente, importa assinalar que o próprio princípio da separação de poderes sofre uma significativa
transformação. Com efeito, dilui-se a fronteira entre o poder Legislativo e o poder Executivo.
O século XX assiste ao fim da reserva lei enquanto reserva de Parlamento: o Governo recebe poderes
normativos e até competência legislativa normal.
Dá-se por outro lado um reforço do poder judicial, que passa a controlar não apenas a legalidade da
atuação administrativa, mas mais amplamente a sua juridicidade. Alarga-se o domínio do juridicamente
relevante, deixando a lei de ser a única fórmula de criação do Direito: é o desaparecimento da reserva de
lei enquanto reserva de criação de Direito.
Último quartel do século XX e primeira década do século XXI: contexto global da crise do Estado Social
ou Administrativo
Para essas mudanças concorreram uma série de causas, sendo relevante destacar o primeiro choque
petrolífero (que se deu no início dos anos setenta do século XX), que abalou profundamente as economias
ocidentais.
A primeira resposta ao declínio económico que se seguiu a esta crise surgiu no mundo anglo-saxónico, com
a verdadeira revolução política e ideológica iniciada no final da década de setenta pelo Presidente norte-
americano Ronald Reagan e pela Primeira-Ministra britânica Margaret Tatcher.
Os bons resultados económicos alcançados pelos governos americano e britânico nas décadas de oitenta e
noventa contagiaram as políticas económicas e de reforma administrativa de muitos outros países, tendo-
se iniciado nesta época o declínio do Estado-Providência implantado no segundo pós-guerra.
Esta mudança assumiu uma especial relevância na China, cuja economia se liberalizou radicalmente
(apesar se ter mantido a vertente ditatorial do regime, cerceadora das liberdades políticas e de expressão).
Com a adesão à União Europeia dos países europeus que se libertaram da esfera de influência da extinta
URSS, e em geral com o incremento do comércio mundial pressionado pelas mudanças políticas referidas
(sobretudo no âmbito do GATT/OMC), as economias da Europa Ocidental abriram-se muito mais à
concorrência dos produtos (e da própria força de trabalho qualificada) provenientes do resto do mundo.
A internacionalização das economias dos países europeus teve como principal consequência a deslocação
dos centros de decisão nacionais em importantes matérias para fora do âmbito estadual.
No mundo ocidental deixou o Estado de dispor dos tradicionais meios de intervenção conjuntural na
economia para minorar os efeitos de contextos internacionais adversos – e as adversidades seguiram-se de
facto à maior abertura aos mercados externos de produtos, serviços e capitais e ao derrube de barreiras
alfandegárias.
Logo na década de setenta do século XX, os Estados europeus ocidentais e as respetivas empresas
começaram a não poder suportar as notórias ineficiências dos seus pesados sectores empresariais
públicos, assim como a excessiva rigidez da sua legislação laboral e as elevadas despesas sociais com os
seus trabalhadores.
Passaram-se, pois, a debater as respetivas exportações (sobretudo as de produtos com menor valor
acrescentado) com a concorrência de mercadorias oriundas dessas zonas do mundo agora produzidas e
transformadas por uma mão-de-obra já razoavelmente qualificada.
O mais gravoso efeito deste processo que se acelerou sobretudo a partir da década de noventa para as
economias ocidentais foi a desindustrialização e consequente e progressivo declínio do crescimento
económico, que resultou de duas “migrações económicas” inversas com recíproca influência, em jeito de
círculo vicioso.
A primeira dessas “migrações” foi a fuga do grosso da atividade industrial para outras paragens
(nomeadamente para a Ásia) onde os custos de produção eram acentuadamente inferiores (em parte
devido a menores custos de contexto, nomeadamente ambientais, urbanísticos e sócio laborais) –
deslocação do investimento propiciada pela liberalização universal da circulação de capitais.
E a segunda “migração económica” foi a entrada nos mercados dos países ocidentais das mercadorias
produzidas no oriente, que vão apresentando melhorias progressivas de qualidade e que são vendidas
a preços imbatíveis.
O estertor da indústria causou inúmeros problemas às economias e por consequência às finanças públicas
dos países ocidentais, como o desequilíbrio da balança comercial, o agravamento do desemprego e a
consequente quebra das receitas tributárias e aumento das despesas públicas sociais.
Tudo isto obrigou enfim a profundas transformações do quadro jurídico da economia e das finanças
públicas, acabando por se traduzir na imperiosa e inadiável necessidade de sucessivos cortes estruturais na
despesa pública, na “desregulamentação” no domínio da segurança social, na flexibilização das leis
laborais, na privatização das empresas públicas e “no avanço do mercado como instrumento de decisão
económica”.
Todas estas medidas de redução da despesa pública e de aumento da eficiência do sector público
subsistente e da economia em geral, não obstante os bons resultados conseguidos sobretudo na década de
oitenta, não foram suficientes para reequilibrar as finanças públicas dos Estados ocidentais, tendo-se
mesmo assim agravado muitíssimo o défice público (e por consequência a dívida pública), sobretudo nas
duas últimas décadas do século XX.
Ora, a progressiva e acelerada deterioração das finanças públicas obrigou estes Estados a recorrer ao
mesmo ritmo a empréstimos ao exterior para conseguirem manter pelo menos o essencial do modelo de
Estado Social, Administrativo ou Infraestrutural. Até que, atingindo alguns Estados da zona euro patamares
insustentáveis de endividamento, eclodiu, em 2009, a chamada crise da dívida soberana, que afetou não
apenas a zona euro, mas também toda a União Europeia.
Último quartel do Século XX e primeira década do séc. XXI: a reforma do Estado Social ou Estado
Administrativo
A reforma do Estado Administrativo ou Estado Providência que tem vindo a ser levada a cabo nas três
últimas décadas pelos Estados ocidentais para tentar contrariar a progressiva debilitação das finanças
públicas continuou-se a guiar por critérios de eficiência, passando no campo social e laboral por uma maior
flexibilidade da legislação laboral e por maior racionalização do sistema de segurança social e, no campo
económico, sobretudo pela privatização de organizações e tarefas públicas.
Privatização formal – é a chamada “fuga para o Direito Privado”, que se processa através da adoção
pelas organizações públicas de formas jurídico-organizativas privadas, com vista à total submissão ao
Direito Privado, quer da atividade dos novos entes, quer mesmo da sua organização e funcionamento.
Como pano de fundo destas privatizações temos a criação de entidades reguladoras independentes
(autoridades administrativas independentes) cuja missão é assegurar a livre concorrência entre os
operadores (públicos e privados, ou só privados) que agora desenvolvem essas atividades económicas, e os
direitos dos utentes dos bens e serviços de “interesse económico geral”: é a passagem do Estado
prestador ao Estado regulador.