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de resto, bastante polêmica. Essa dificuldade está associada ao fato de o
Estado absolutista fazer parte do processo de transição do feudalismo ao
capitalismo, não sendo possível identificá-lo de imediato como feudal ou
capitalista. De nossa parte, mais do que defini-lo como feudal ou capitalista,
pretendemos expor algumas visões sobre o Estado absolutista e indicar de que
modo o Estado se insere no processo de transição.
Uma das proposições mais frequentes, embora superficial, sobre o tema é
de que a burguesia comercial aliou-se aos monarcas para promover a
constituição dos Estados Nacionais. Tal aliança se justificava pela oposição
que existiria entre burguesia comercial e nobreza feudal. A fragmentação
política típica da época feudal havia criado unidades autônomas em grande
número, o que dificultava a circulação mercantil (em suma, o particularismo
apontado por Hecksher). Por exemplo, o transporte de mercadorias entre dois
pontos da Europa exigia a passagem por várias unidades políticas autônomas
(principados, ducados, condados etc.), com a cobrança, em cada uma delas, de
pedágios e outros tributos. Além disso, a diversidade de moedas também
tornava mais difícil o comércio entre as várias regiões. A unificação de uma
área mais ou menos vasta num Estado centralizado, reduziria os problemas
decorrentes da excessiva fragmentação política. Nesse sentido, é plausível
afirmar que havia alguma oposição de interesses entre nobreza feudal e
burguesia comercial em certas esferas da atividade econômica, justificando a
ligação entre monarcas absolutos emergentes e burguesia comercial. Ou seja, a
burguesia daria seu apoio a um nobre pertencente a uma velha dinastia
monárquica (ou a qualquer nobre com a pretensão de se tornar rei) na luta
contra a nobreza feudal. Por seu turno, o rei (ou aquele que pretendia se tornar
rei) dependia de recursos, em grande parte fornecidos pela burguesia
comercial. Leo Huberman indica algumas razões para essa aliança:
Era a presença de senhores diferentes em diferentes lugares ao longo das estradas comerciais que
tornava os negócios tão difíceis. Necessitava-se de uma autoridade central, um Estado nacional. Um
poder supremo que pudesse colocar em ordem o caos feudal. […] O rei fora um aliado forte das
cidades na luta contra os senhores. Tudo o que reduzisse a força dos barões fortalecia o poder real.
Em recompensa pela sua ajuda, os cidadãos estavam prontos a auxiliá-lo com empréstimos de
dinheiro. […] O rei foi grato aos grupos comerciais e industriais que lhe possibilitaram contratar e
pagar um exército permanente, bem equipado com as últimas armas. Repetidas vezes recorreu à
nascente classe de homens de dinheiro para empréstimos e doações. (HUBERMAN, 1980, p.80-81)
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oposição entre nobreza feudal e burguesia comercial, pois, em certa medida,
os lucros da burguesia provinham das vendas que realizavam para a nobreza,
não havendo interesse em destruir os fundamentos sobre os quais se assentava
a riqueza aristocrática. Não se trata, portanto, de uma oposição radical, mas
sim de um conflito localizado em torno dos direitos cobrados pela autoridade
feudal. Por outro lado, não se deve esquecer que os Estados Nacionais também
reduziam a autonomia das cidades (e da burguesia mercantil na gestão dos
negócios municipais) ao estabelecerem um poder centralizado. Ou seja, a
hipótese de aliança entre o monarca absoluto e a burguesia mercantil, com
base apenas nas vantagens comerciais de um território unificado, se funda
num aspecto específico, embora importante, da época. Desse modo, essa
forma simplificada de ver o Estado absolutista deixou de ser considerada em
estudos mais recentes e aprofundados do tema.
Uma conhecida referência de F. Engels a respeito da monarquia absoluta
nos séculos XVII e XVIII sugere entendimento distinto do anterior, a partir do
confronto de sua concepção geral de Estado com o que observa no
Absolutismo:
Como o Estado nasceu da necessidade de conter o antagonismo das classes, e como, ao mesmo
tempo, nasceu em meio ao conflito delas, é, por regra geral, o Estado da classe dominante, classe
que por intermédio dele, se converte também em classe politicamente dominante e adquire novos
meios para a repressão e exploração da classe oprimida. […] Entretanto, por exceção, há períodos
em que as lutas de classes se equilibram de tal modo que o Poder do Estado, como mediador
aparente, adquire certa independência momentânea em face das classes. Nesta situação achava-se a
monarquia absoluta dos séculos XVII e XVIII, que controlava a balança entre a nobreza e os
cidadãos […]. (ENGELS, 1987, p.193-194)
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feudal (ANDERSON, 1985). Vejamos como Anderson defende essa tese.
É certo que a crise feudal conduziu ao enfraquecimento da nobreza feudal,
condição para a ascensão de um monarca que absorveu algumas das
prerrogativas daquela nobreza. Porém, para Anderson, esse fato não implica
uma oposição radical entre nobreza e monarquia. Pelo contrário, ele vê o
Estado absoluto como um instrumento para a manutenção da ordem feudal. A
crise feudal foi marcada por revoltas que induziram algumas mudanças, como
a transformação da corveia – obrigação de trabalho na terra do senhor – em
pagamentos em dinheiro. Anderson entende que essa mudança reduzia a
capacidade de controle do senhor feudal sobre o camponês, pois enfraquecia a
unidade entre a exploração econômica e a coerção político-legal que era, até
então, exercida ao nível do próprio feudo. Em outras palavras, a relação entre
senhor feudal e servo comportava, ao mesmo tempo, a extração do excedente
de trabalho camponês (em que a corveia aparecia de modo mais evidente) e a
submissão do camponês a uma ordem político-legal em que o senhor era
absoluto (pois, em seu domínio, ele detinha, numa analogia imprecisa, o poder
executivo, o judiciário e, em certa medida, o legislativo).
Com a comutação da corveia por pagamentos em dinheiro, essa unidade foi
enfraquecida, colocando o poder dos senhores feudais em risco. Embora não
se tratasse ainda de uma relação tipicamente contratual (entre duas pessoas
juridicamente livres e iguais), o pagamento em dinheiro tornava mais tênue o
vínculo que unia o camponês ao senhor. Como o camponês não trabalhava
mais na terra do senhor feudal, o poder de coerção do senhor se enfraquecia.
Nessa situação, ao Estado absolutista, centralizado e militarizado, cabia
assumir a coerção político-legal, garantindo aos senhores feudais a
continuidade de sua dominação sobre o campesinato.
De forma sintética e contundente, afirma Anderson que o Estado
absolutista foi “[…] um aparelho reforçado de poder real, cuja função política
permanente era a repressão das massas camponesas e plebeias na base da
hierarquia social” (ANDERSON, 1985, p.19).11
É evidente que, para Anderson, o Estado absolutista é um estado feudal,
diferente, em sua forma, do “estado” feudal típico, exatamente porque a forma
da relação entre servo e senhor também se modificou (envolvendo agora o
pagamento de obrigações feudais em dinheiro).12
Apesar de feudal, o Estado absolutista provocou conflitos com a
aristocracia, pois sua consolidação exigia a absorção de atribuições e recursos
antes sob domínio da classe feudal. Em contrapartida, a nobreza obtinha
ganhos econômicos especialmente sob a forma da liberação de suas terras das
restrições típicas da vassalagem medieval. Assim, a propriedade da terra, antes
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sujeita a uma hierarquia de proprietários e de deveres, foi substituída
progressivamente por uma propriedade plena da terra, paralelamente à
eliminação das restrições antes existentes.
Porém, a aristocracia ainda enfrentava, na época do Absolutismo, um
segundo antagonista: a burguesia mercantil urbana. As cidades medievais e a
burguesia mercantil foram um contrapeso à dominação da aristocracia feudal,
seja em sua luta pela autonomia municipal, seja como um refúgio de homens
livres no meio da população servil. No entanto, apesar de Anderson considerá-
lo feudal, ou seja, destinado primeiramente à manutenção da dominação
feudal e a conter a revolta camponesa, entende que o Estado absolutista não
entrava em conflito com o capital mercantil. Mais do que isso,
[…] o Estado feudal absolutista era, no entanto, contínua e profundamente sobredeterminado pela
expansão do capitalismo no seio das formações sociais compósitas do período moderno inicial. Tais
formações eram, naturalmente, uma combinação de diferentes modos de produção sob a dominância
– em declínio – de um deles: o feudalismo. Todas as estruturas do Estado absolutista revelam,
portanto, a influência à distância da nova economia em ação no quadro de um sistema mais antigo
[…]. (ANDERSON, 1985, p.39)
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capitalista de produção” (ANDERSON, 1985, p.39-40).
Essas ações não eram incompatíveis com a natureza feudal do Estado
absolutista, pois o fortaleciam ao mesmo tempo que beneficiavam a burguesia.
No entanto, permanecia o caráter feudal do Estado: garantia a supremacia
social da aristocracia e sua dominação sobre as massas. Em suma:
O domínio do Estado absolutista era o da nobreza feudal, na época de transição para o capitalismo.
O seu fim assinalaria a crise do poder de sua classe: o advento das revoluções burguesas e a
emergência do Estado capitalista. (ANDERSON, 1985, p.41)13
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ao capitalismo:
A função do Estado absolutista não é precisamente a de operar nos limites fixados por um modo de
produção, mas a de produzir relações não-ainda-dadas de produção – as relações capitalistas – e
liquidar as relações feudais de produção: a sua função é de transformar e fixar os limites do modo
de produção. (POULANTZAS, 1971, p.192)
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