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Alessandra Oliveira. Filosofia.

A revolução de Maquiavel.
Diferentemente dos teólogos, que formularam teorias políticas com base na Bíblia e no
Direito Romano, e diferentemente dos contemporâneos renascentistas, que se baseavam
nos filósofos greco-romanos, Maquiavel partia da experiência real de seu tempo.
Como diplomata e conselheiro dos governantes de Florença, presenciou as lutas europeias
de centralização monárquica, o ressurgimento da vida urbana na Europa e, com ela, a
ascensão da burguesia comercial das grandes cidades. Ao mesmo tempo, viu uma Itália
fragmentada, dividida em reinos, ducados, repúblicas e cidades dirigidas pela Igreja.
A compreensão e a interpretação do sentido dessas experiências históricas convenceram
Maquiavel de que as concepções políticas antigas e medievais não eram capazes de
abarcar verdadeiramente o que é o poder. Tornara-se necessária, sobretudo para a Itália e
para Florença, uma nova concepção da sociedade e da política, que levasse em conta a
observação direta dos acontecimentos. Foi com isso em mente que escreveu O príncipe.
1. Maquiavel não admitia um fundamento anterior e exterior à política (Deus, Natureza ou
Razão).Toda cidade (isto é, toda sociedade), dizia ele, está originariamente dividida entre o
desejo dos grandes de oprimir e comandar e o desejo do povo de não ser oprimido nem
comandado. Essa divisão evidencia que a cidade não é uma comunidade homogênea
nascida da vontade divina, da ordem natural ou da razão humana. Na realidade, a
sociedade é constituída de lutas internas que a obrigam a instituir um polo superior -o poder
político- que possa unificá-la e dar-lhe identidade. Assim, a política nasce das lutas sociais e
é obra da própria sociedade para dar a si mesma unidade e identidade.
2. Maquiavel não aceitava a ideia da boa comunidade política constituída para o bem
comum e a justiça. Como vimos, ele considerava a divisão social entre os grandes e o povo
o ponto de partida da política. Essa imagem de comunidade una, indivisa, homogênea e
voltada para o bem comum, dizia Maquiavel, é uma máscara com que os grandes recobrem
a realidade social para enganar, oprimir e comandar o povo, como se todos tivessem os
mesmos interesses e fossem irmãos e iguais numa bela comunidade.
A finalidade da política não é a justiça e o bem comum, e sim, como sempre souberam os
políticos, a tomada e manutenção do poder. O verdadeiro príncipe sabe tomar e conservar o
poder e, para isso, jamais se alia aos grandes, pois estes também querem o poder para si.
Por isso, ele deve aliar-se ao povo, que espera do governante a imposição de limites ao
desejo de opressão e mando dos grandes. A política não é a lógica racional da justiça e da
ética, mas a lógica da força transformada em lógica do poder e da lei.

3. Maquiavel recusava a figura do Bom Governo encarnada no príncipe virtuoso, portador


das virtudes cristãs, das virtudes morais e das virtudes principescas. Em vez disso,
introduziu a ideia de virtù como conjunto das qualidades políticas do dirigente para tomar e
manter o poder, mesmo que para isso precisasse usar a violência, a mentira, a astúcia e a
força. A tradição afirmava que o governante devia ser amado e respeitado pelos
governados. Maquiavel declarava que o príncipe não precisa ser amado; o que ele
realmente precisa é não ser odiado.
Isso significa, em primeiro lugar, que o príncipe deve ser respeitado e temido, o que só é
possível se não for odiado. Em segundo lugar, que não precisa ser amado, pois isso o faria
um pai para a sociedade - e um pai conhece apenas um tipo de poder, o despótico. A
virtude política do príncipe, sua virtù, aparecerá na qualidade das instituições que souber
criar e manter e na capacidade que tiver para enfrentar as ocasiões adversas - aquilo que
Maquiavel chamou de fortuna (a boa ou a má sorte).
4. Maquiavel não aceitava a divisão clássica dos três regimes políticos (monarquia,
aristocracia, democracia) e suas formas corrompidas ou
ilegítimas:tirania,oligarquia,demagogia/anarquia.Também não aceitava que o regime
legítimo fosse o hereditário, enquanto o ilegítimo fosse o usurpado por conquista. Qualquer
regime político poderia ser legítimo ou ilegítimo. Para Maquiavel, todo regime político em
que o poderio de opressão e comando dos grandes supera o poder do príncipe e esmaga o
povo é ilegítimo. Caso contrário, é legítimo. Assim, Maquiavel condicionou a legitimidade ou
ilegitimidade ao único princípio que deveria reger a política: o poder do príncipe deve ser
superior ao dos grandes e estar a serviço do povo.
O príncipe pode ser monarca hereditário ou por conquista. Também pode ser todo um povo
que, pela força, conquista o poder e o exerce democraticamente. Qualquer desses regimes
políticos será legítimo se for uma república, e não despotismo ou tirania, isto é, só é legítimo
o regime no qual o poder não está a serviço de desejos e interesses particulares.

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