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CONSTRUÇÃO DO ESTADO MODERNO E LIBERALISMO – PARTE I

O Estado moderno configurou-se pelo monopólio de fazer e aplicar leis, cunhar moedas, recolher impostos, gerir a
administração dos serviços públicos, ter um exército e ser o único a dispor do uso legítimo da força. Essas mudanças
já se implantavam desde o final do século XIV na maior parte das monarquias nacionais europeias com o
fortalecimento do poder real.

O Príncipe (Nicolau Maquiavel)

Durante o período medieval, o poder político era concebido como presente divino. Os teólogos elaboraram suas
teorias políticas baseados nas escrituras sagradas e no direito romano. No período do Renascimento, os clássicos
gregos e latinos passaram a lastrear o pensamento político. Maquiavel, no entanto, elaborou uma teoria política
totalmente inédita, fundamentada na prática e na experiência concreta. "O Príncipe" sintetiza o pensamento político
de Maquiavel. A obra foi escrita durante algumas semanas, em 1513, durante o exílio de Maquiavel, que tinha sido
banido de Florença, acusado de conspirar contra o governo. Mas só foi publicada em 1532, cinco anos cinco anos
depois da morte do autor. Como tinha sido diplomata e homem de estado, Maquiavel conhecia bem os mecanismos
e os instrumentos de poder. O que temos em "O Príncipe" é uma análise lúcida e cortante do poder político, visto por
dentro e de perto.

Os fins justificam os meios

A Europa passava então por grandes transformações. Uma nova classe social, a burguesia comercial, buscava espaço
político junto à nobreza, ao mesmo tempo em que assistia a um movimento de centralização do poder que daria
origem aos Estados absolutistas (Portugal, Espanha, França e Inglaterra). Em "O Príncipe" (palavra que designa todos
os governantes), a política não é vista mais através de um fundamento exterior a ela própria (como Deus, a razão ou
a natureza), mas sim como uma atividade humana. O que move a política, segundo Maquiavel, é a luta pela conquista
e pela manutenção do poder. A primeira leitura que se fez dos escritos de Maquiavel tomou o livro como um manual
de conselhos práticos aos governantes. A premissa de que "os fins justificam os meios" (frase que não é de Maquiavel,
no entanto) passou a nortear a compreensão da obra. Daí a reputação de maquiavélico dada ao governante sem
escrúpulos.

O pensamento político contemporâneo

Podemos dividir a obra política de Maquiavel (O Príncipe) em quatro partes: classificação dos Estados; como conquistar
e conservar os Estados; análise do papel dos militares e conselhos aos políticos para manutenção do poder. Dizemos
que Maquiavel é o fundador do pensamento político contemporâneo, pois foi o primeiro a pintar os fatos "como
realmente são" e não mais "como deveriam ser".
Maquiavel argumentava que o ser humano é sempre guiado por seus interesses pessoais e é, por natureza, um ser
ingrato, volúvel, egoísta, vingativo, covarde, traiçoeiro, independentemente da época e modelo social no qual está
inserido. Por isso, frisou que o ideal seria que o líder fosse amado e temido ao mesmo tempo, mas como isso
seria impossível justamente pela natureza humana, logo, era preferível ser temido do que amado.
O pensador afirma que para um líder conquistar e permanecer no poder é necessário ser bem visto. Para construir
essa boa imagem, ele cita algumas características que o líder deve não necessariamente ter, mas sim parecer ter:

• Integridade; Misericórdia; Humanidade; Sinceridade; Religião.

“Maquiavel que viveu e escreveu na passagem do século XV para XVI, dizia que o príncipe não
precisava de fato ter todas as qualidades imaginadas pelas pessoas, mas deveria se esforçar ao
máximo para “parecer tê-las. Devia “disfarçar bem” sua natureza mais “animal” (a raposice por
exemplo) e ser um “grande simulador e dissimulador”. (AURÉLIO, 2019. p 27).

Assim, para Maquiavel, um bom líder deve se ater a duas constantes: virtude e fortuna. A virtude está
relacionada à competência, habilidade, conhecimento e a busca da excelência em tudo que está ao seu alcance
como representante do povo. Já a fortuna significa o que acontece sem que se tenha controle, é imprevisível,
inesperado.
Outro pensamento trabalhado pelo autor no livro O Príncipe é de que o Estado deve ser laico, ou seja, a Igreja não
deve influenciar as ações do governo. Isso foi frisado por Maquiavel, pois durante a Idade Média a Igreja detinha muito
poder e influência nas decisões políticas.
Ele acreditava que a separação das organizações era imprescindível para se construir um Estado justo para todos. Tal
separação não significa que o líder não possa ser religioso, aliás, isso é louvável, mas ele não pode permitir que o
governo seja regido pelos preceitos cristãos e amarras teológicas.

E por que ainda estudamos Maquiavel?

Para o filósofo Luiz Felipe Pondé, “Maquiavel continua causando horror porque continua atual”. Para ele, a política é
ainda mais idealizada e mentirosa do que na época Renascentista e, por isso, ainda é necessário trazer Maquiavel para
os debates democráticos e contemporâneos. Justamente, porque estudar esse autor ajuda a sociedade a
compreender e discernir melhor entre a prática e a teoria política.
A relevância da obra O Príncipe deve ser interpretada como a experiência de fatos passados que podem ajudar a
educar e ampliar nosso olhar da realidade mesmo depois de 400 anos.
Para Rousseau, filósofo francês e teórico político de prestígio, o escrito de Maquiavel permitiu que a sociedade
identificasse as estratégias utilizadas pelos príncipes para se defender.
As ideias de Maquiavel são atemporais e adaptáveis a qualquer época porque contêm aspectos fundamentais da
civilização humana. Ao comparar seus escritos com a política na contemporaneidade, podemos observar o fato de
muitas figuras conseguirem a posição que almejavam aparentando serem ideais para tal.
Parecendo serem bons, justos, incorruptíveis e fazendo promessas que o povo quer ouvir, mas dada certas
circunstâncias de certo momento, se mostrarem totalmente diferentes das promessas que fizeram.
Como avalia o cientista político Fernando Filgueiras, da Universidade Federal de Minas Gerais, “Se pegarmos os últimos
governantes, talvez o que não tenha seguido o caminho descrito por Maquiavel tenha sido Fernando Collor. Ele usou
suas armas para conquistar o poder, mas não soube se manter no cargo”.
No livro “O Príncipe – Uma Chave de Leitura”, escrito pelo professor de filosofia política da Universidade de New South
Wales, Miguel Vatter, há uma boa ressalva. Apesar da tendência de comparamos as ideias de Maquiavel com “políticos
maldosos”, a verdade é que os ensinamentos do autor também estão presentes na conduta do “bom político”. No
livro, Vatter também traz exemplos de temas modernos para ilustrar as ideias de Maquiavel, como: globalização,
poderio americano e famosas campanhas políticas.
Por fim, outro ponto interessante da política atual quando comparamos com o manual de boa conduta de Maquiavel
é o fato de muitos candidatos levarem a política para o âmbito religioso, preferencialmente para àquela religião que
possui mais adeptos. No caso do Brasil, por exemplo, isso pode ser percebido pela influência da religião evangélica na
política. Segundo a jornalista Andrea Dip que escreveu o livro- reportagem “Em nome de quem? A bancada evangélica
e seu projeto de poder (2015)”, a bancada evangélica do Brasil é formada por mais de 90 parlamentares de partidos
distintos e esse número só tem a crescer.
Nessa perspectiva, vale lembrar também que o lema de campanha do presidente Jair Bolsonaro foi “Brasil acima de
tudo, Deus acima de todos”. De acordo com a reportagem do portal GHZ, o uso da religião foi um ponto fundamental
para o sucesso da eleição do presidente em 2018.
Além de "O Príncipe", Maquiavel deixou outras obras, como o "Discurso sobre a Primeira Década de Tito Lívio", "A
Arte da Guerra" e "Histórias Florentinas". Deixou também uma peça de teatro, "A Mandrágora", que se tornou um
clássico do repertório teatral de todos os tempos.

QUESTÕES:

1) Explique como Maquiavel define o homem.


2) Explique a ideia de Maquiavel de virtude e fortuna.
3) Por que Maquiavel defende que o Estado dever ser laico?
4) As ideias de Maquiavel são atemporais. Explique por quê.

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