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UNIVERSIDADE DE FORTALEZA - UNIFOR

CIÊNCIA POLÍTICA

UNIDADE III – Os clássicos da Política

1. Maquiavel
2. Hobbes
3. Locke
4. Montesquieu
5. Rousseau
6. O Federalista

1 . Maquiavel e a fundamentação da política moderna: bases teóricas da


secularização do Estado.

Maquiavel e o pensamento político.

Maquiavel (1469-1527) é um dos mais originais pensadores do renascimento, uma figura


brilhante mas também algo trágica. Durante os séculos XVI e XVII, o seu nome será
sinónimo de crueldade, e em Inglaterra o seu nome tornou ainda mais popular o diminutivo
Nick para nomear o diabo, não havendo pensador mais odiado nem mais incompreendido do
que Maquiavel. A fonte deste engano é o seu mais influente e lido tratado sobre o governo, O
Príncipe, um pequeno livro que tentou criar um método de conquista e manutenção do poder
político.

A vida de Maquiavel cobriu o período de maior esplendor cultural de Florença, assim como
o do seu rápido declínio. Este período, marcado pela instabilidade política, pela guerra, pela
intriga, e pelo desenvolvimento cultural dos pequenos estados italianos, assim como dos
Estados da Igreja, caracterizou-se pela integração das rivalidades italianas no conflito mais
vasto entre a França e a Espanha pela hegemonia européia, que preencherá a última parte do
século XV e a primeira metade do século XVI. De fato, a vida de Maquiavel começou no
princípio deste processo - em 1469, quando Fernando e Isabel, os reis católicos, ao casarem
unificaram as coroas de Aragão e Castela, dando origem à monarquia Espanhola.

Maquiavel era filho de um influente advogado florentino, e durante a sua vida viu florescer a
cultura e o poder político de Florença, sob a direção política de Lourenço de Médicis, o
Magnífico. Veria também o crepúsculo do poder da cidade quando o filho de Lourenço e seu
sucessor, Piero de Médicis, foi expulso pelo monge dominicano Savonarola, que criou uma
verdadeira República Florentina. Quando Savonarola, um fanático defensor da reforma da
Igreja, foi também ele expulso do poder e queimado, uma segunda república foi fundada por
Soderini em 1498. Maquiavel foi secretário desta nova república, com uma posição
importante e distinta. A república, entretanto, foi esmagada em 1512 pelos espanhóis que
instalaram de novo os Médicis como governantes de Florença.
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Maquiavel parece não ter tido uma posição política clara. Quando os Médicis retomaram o
governo, continuou a trabalhar incansavelmente para cair nas boas graças da família. O que
prova que, ou era extraordinariamente ambicioso, ou acreditava de fato no serviço do estado,
não lhe importando o grupo ou o partido político que detinha as rédeas do governo. Os
Médicis, de qualquer maneira, nunca confiaram inteiramente nele, já que tinha sido um
funcionário importante da república. Feito prisioneiro, torturaram-no em 1513 acabando por
ser banido para a sua propriedade em San Casciano, mas esta atuação dos Médicis não o
impediu de tentar novamente ganhar as boas graças da família. Foi durante o seu exílio em
San Casciano, quando tentava desesperadamente regressar à vida pública, que escreveu as
suas principais obras: Os discursos sobre a primeira década de Tito Lívio, O Príncipe, A
História de Florença, e duas peças. Muitas destas obras, como O Príncipe, foram escritas
com a finalidade expressa de conseguir uma nomeação para o governo dos Médicis.

A extraordinária novidade, tanto dos Discursos como do Príncipe, foi a separação da


política da ética. A tradição ocidental, exatamente como a tradição chinesa, ligava tanto a
ciência como a atividade política à ética. Aristóteles tinha resumido esta posição quando
definiu a política como uma mera extensão da ética. A tradição ocidental via a política em
termos claros, de certo e errado, justo e injusto, correto e incorreto, e assim por diante. Por
isso, os termos morais usados para avaliar as ações humanas eram os termos empregues para
avaliar as ações políticas.

Maquiavel foi o primeiro a discutir a política e os fenômenos sociais nos seus próprios termos
sem recurso à ética ou à jurisprudência. De fato pode-se considerar Maquiavel como o
primeiro pensador ocidental de relevo a aplicar o método científico de Aristóteles e de
Averróis à política. Fê-lo observando os fenômenos políticos, e lendo tudo o que se tinha
escrito sobre o assunto, e descrevendo os sistemas políticos nos seus próprios termos. Para
Maquiavel, a política era uma única coisa: conquistar e manter o poder ou a autoridade.
Tudo o resto - a religião, a moral, etc. -- que era associado à política nada tinha a ver com
este aspecto fundamental - tirando os casos em que a moral e a religião ajudassem à conquista
e à manutenção do poder. A única coisa que verdadeiramente interessa para a conquista e a
manutenção do poder manter é ser calculista; o político bem sucedido sabe o que fazer ou o
que dizer em cada situação.

Com base neste princípio, Maquiavel descreveu no Príncipe única e simplesmente os meios
pelos quais alguns indivíduos tentaram conquistar o poder e mantê-lo. A maioria dos
exemplos que deu são falhanços. De fato, o livro está cheio de momentos intensos, já que a
qualquer momento, se um governante não calculou bem uma determinada ação, o poder e a
autoridade que cultivou tão assiduamente fogem-lhe de um momento para o outro. O mundo
social e político do Príncipe é completamente imprevisível, sendo que só a mente mais
calculista pode superar esta volatilidade.

Maquiavel, tanto no Príncipe como nos Discursos, só tece elogios aos vencedores. Por esta
razão, mostra admiração por figuras como os Papa Alexandre VI e Júlio II devido ao seu
extraordinário sucesso militar e político, sendo eles odiados universalmente em toda a
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Europa como papas ímpios. A sua recusa em permitir que princípios éticos interferissem na
sua teoria política marcou-o durante todo o Renascimento, e posteriormente, como um tipo de
anti-Cristo, como mostram as muitas obras com títulos que incluíam o nome anti-Maquiavel.
Em capítulos como «De que modo os príncipes devem cumprir a sua palavra» (cap. XVIII)
Maquiavel afirma que todo o julgamento moral deve ser secundário na conquista,
consolidação e manutenção do poder. A resposta à pergunta formulada mais acima, por
exemplo, é que:

«Todos concordam que é muito louvável um príncipe respeitar a sua palavra e viver com
integridade, sem astúcias nem embustes. Contudo, a experiência do nosso tempo mostra-nos
que se tornaram grandes príncipes que não ligaram muita importância à fé dada e que
souberam cativar, pela manha, o espírito dos homens e, no fim, ultrapassar aqueles que se
basearam na lealdade».

Pode ajudar na compreensão de Maquiavel imaginar que não está a falar sobre o estado em
termos éticos, mas sim em termos cirúrgicos. É que Maquiavel acreditava que a situação
italiana era desesperada e que o estado Florentino estava em perigo. Em vez de responder ao
problema de um ponto de vista ético, Maquiavel preocupou-se genuinamente em curar o
estado para torná-lo mais forte. Por exemplo, ao falar sobre os povos revoltados, Maquiavel
não apresenta um argumento ético, mas cirúrgico: «os povos revoltados devem ser amputados
antes que infectem o estado inteiro.»

O único valor claro na obra de Maquiavel é a virtú (virtus em Latim), que é relacionado
normalmente com «virtude». Mas de fato, Maquiavel utiliza-a mais no sentido latino de
«viril», já que os indivíduos com virtú são definidos fundamentalmente pela sua capacidade
de impor a sua vontade em situações difíceis. Fazem isto numa combinação de carácter,
força, e cálculo. Numa das passagens mais famosas do Príncipe, Maquiavel descreve qual é a
maneira mais apropriada para responder a volatilidade do mundo, ou à Fortuna, comparando-
a a uma mulher: «la fortuna é donna». Maquiavel refere-se à tradição do amor cortesão, onde
a mulher que constitui o objeto do desejo é abordada, cortejada e implorada. O príncipe ideal
para Maquiavel não corteja nem implora a Fortuna, mas ao abordá-la agarra-a virilmente e
faz dela o que quer. Esta passagem, já escandalosa na época, representa uma tradução clara da
idéia renascentista do potencial humano aplicado à política. É que, de acordo com Pico della
Mirandola, se um ser humano podia transformar-se no que quisesse, então devia ser possível
a um indivíduo de caráter forte pôr ordem no caos da vida política.

Natureza Humana e História

A partir de estudos de história e da sua experiência política, Maquiavel mantém um


dialogo “com os homens da antiguidade clássica e sua prática levam-no a concluir que
por toda parte, e em todos os tempos, pode-se observar a presença de traços humanos
imutáveis. Daí afirmar, os homens são ingratos, simuladores, covardes ante os perigos,
ávidos de lucro” (Os Clássicos da Política, p. 19), levando este quadro à desordem da
sociedade.
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Para o pensador italiano, a única forma de enfrentar e tentar domesticar a natureza


humana é o exercício do poder político, ainda que se trate de uma forma de
domesticação precária e transitória. E para combater este estado de coisas decorrente da
natureza humana há duas formas: o Principado e a República. A escolha de uma ou
outra forma se dá de acordo com a situação concreta da sociedade, ou seja:

“Quando a nação encontra-se ameaçada de deterioração, quando a corrupção alastrou-


se, é necessário um governo forte, que crie e coloque seus instrumentos de poder para
inibir a vitalidade das forças desagregadoras e centrífugas. O príncipe não é um ditador;
é, mais propriamente, um fundador do Estado, um agente da transição numa fase em
que a nação se acha ameaçada de decomposição”.

E continua:

“Quando, ao contrário, a sociedade já encontrou sua forma de equilíbrio, o poder


político cumpriu sua função regeneradora e educadora, ela está preparada para a
República”.

A situação em que se encontrava a Itália da época de Maquiavel impunha um Príncipe


para realizar a unificação e regeneração.

Maquiavel inaugura a era do realismo político na gestão da pólis, e não a política


idealizada pelos antigos e medievos. Essa característica de autor realista, pragmático
provoca uma grande confusão na imagem que as pessoas têm do precursor dos cientistas
políticos. Para se ter uma compreensão aproximada da obra de qualquer autor é
necessário contextualizar historicamente sua vida e obra.

Não existe um indivíduo indefinido, universal, comum a todos os quadrantes, o que


existem são pessoas fortemente influenciadas pelo meio em que vivem: “eu sou eu e
minha circunstâncias” (Ortega e Gasset), ou ainda, a realidade forma a outra metade do
meu eu.

Tratando-se de um homem de sua época, “o diplomata florentino reflete em seus


escritos todas as transformações”, a visão moralista da política, contaminada por ideais
cristãos é substituída por uma visão racional e realista; Maquiavel mais do que um
filósofo político “é comumente designado como o fundador da ciência política”, tendo
sido o primeiro a fazer do estudo do poder seu objeto de estudo: as condições da
conquista e do exercício do poder, o sucesso ou malogro daqueles que o cobiçam é o
material do “O Príncipe”. Para tanto ele abandona um viés normativo dos antigos e
medievos que diziam como a política deveria ser; como a política construiria uma
sociedade justa, e faz uma análise fria dos fatos. Platão é um exemplo de idealismo
com uma postura normativa, prescrevendo regras; na idade média essa tendência
continua com a diferença que os teóricos tinham forte apelo teocrático, no cristianismo.
Maquiavel empreende uma ruptura de tudo isso.
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Uma síntese da visão de Maquiavel: “O Poder é fotografado em plena ação, em pleno


movimento, em pleno realismo de cores com as quais se apresenta. Longe de colocá-lo
como uma derivação das forças de Deus, e longe mesmo de descrevê-lo dentro de
utópicas conformações, suas análise do poder é centrada no que efetivamente é e de
acordo com o que se pratica em sociedade.” (Vinicius Barros, p. 59, Novo Manual de
Ciência Política)

O “Príncipe” é um manual de estratégia política que tanto pode servir para os bons
quanto para os maus: “Maquiavel diz apenas que, para alcançar o bem comum, meta
maior em qualquer Estado, pode-se ter que praticar o mal em alguns momentos.
Destarte, qualquer grupo que pretenda conquistar o poder e mantê-lo, a fim de realizar o
bem público, terá que usar dos artifícios ditos maquiavélicos”.

E para arrematar:

“É dupla a originalidade no tratamento conferido por Maquiavel à política: em primeiro


lugar, ele defende o uso da força bruta, recusando uma perspectiva que limita o
exercício do poder à persuasão. Para compreende esse elogio da violência, é necessário
ressaltar a maneira como Maquiavel vê o ser humano: ávido, interesseiro, invejoso,
ciumento, insaciável em seus desejos, ingrato, inconstante, dissimulado, mentiroso e
covarde; o indivíduo que inaltece é o que foge a esta mediocridade; a segunda
originalidade está na distinção, levada até as últimas conseqüências, efetivada entre a
virtude política e as virtudes próprias da vida privada” (Isabel de Assis, Teoria Política
Moderna, p.24).
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2. Thomas Hobbes e a teologia política.


Individualismo mitológico, contratualismo e concepção autoritária do Estado.
Ênfase na autoridade, na segurança e renúncia aos direitos naturais.

O tópico sobre Thomas Hobbes que segue abaixo foi extraído do artigo da professora
Dayse Braga Martins, que pode ser encontrando em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?
id=2117. Cuida-se o texto abaixo de uma cuidadosa visão da obra de Hobbes e merece a
transcrição.

O estado natural de Thomas Hobbes e a necessidade de uma instituição política e


jurídica

Dayse Braga Martins

Este trabalho é dedicado ao estudo da Filosofia de Thomas Hobbes, uma filosofia afeita,
sobretudo à política.

Ao longo deste trabalho tentamos sempre desmistificar interpretações equivocadas


feitas por alguns autores da filosofia de Hobbes.

Defensor do absolutismo estatal do Rei, Thomas Hobbes criou uma teoria que
fundamenta a necessidade de um Estado Soberano como forma de manter a paz civil.

Em sua construção hipotética partiu do contrário, ou seja, iniciou sua teoria a partir dos
homens convivendo sem Estado, para depois justificar a necessidade dele. Esse estágio
do convívio humano sem autoridade, onde tudo era de todos, recebe o nome de estado
natural.

A conseqüência deste estado natural é a ameaça da manutenção da humanidade, que


leva os homens a pactuarem entre si, transferindo o direito de autodefesa existente no
estado natural para o Estado, que garante a efetividade do contrato.

Além da sua inteligente construção teórica que justifica a necessidade do Estado


Soberano, Thomas Hobbes inovou em diversos pontos da política, a serem analisados
no decorrer deste trabalho.

O FILÓSOFO THOMAS HOBBES

Este breve relato da vida de Thomas Hobbes, possibilitará uma melhor compreensão de
sua filosofia:
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Thomas Hobbes, nasceu na Inglaterra, em Westport, Malmesburry, em 05 de abril de


1588, vindo a falecer em 04 de dezembro de 1679. Seus pai, um vigário humilde,
entregou-lhe, ainda criança, ao tio, que lhe proporcionou uma boa educação.

Teve a oportunidade de, desde os sete anos de idade, estudar os clássicos com Robert
Latimer. Interessando-se pelo estudo, aos quatorze anos, Hobbes ingressou na
universidade de Oxford, "Magdalen Hall", foi um estudante mediano. Nesta época,
morre Elizabeth I e assume seu primo Jaime I, iniciando a dinastia dos Stuart.

Depois de formado, com vinte anos, foi indicado para ser preceptor do filho de uma
família de prestígio. Naquela época os filhos de famílias ricas tinham uma espécie de
professor particular, era o chamado preceptor. Esta profissão não rendia muitos ganhos,
mas Hobbes pôde usufruir do conforto da casa e da vasta biblioteca, possibilitando o
aprofundamento de seus conhecimentos. Além disso, viajou pela França e Itália, onde
aperfeiçoou seus idiomas.

Em 1629, Hobbes foi o primeiro a traduzir para o inglês a obra "Guerra do Peloponeso",
do importante historiador grego, indicado como inventor da história racionalista,
Tucídides. A partir daí, o filósofo começa a mostrar suas tendências políticas.

Além do acesso aos pensamentos racionalistas de Tucídides, Hobbes foi secretário de


Francis Bacon, empirista, e, em suas viagens, leu a obra de Euclides, racionalista; teve
oportunidade de discutir, através do Padre Mersenne, com René Descartes; e depois, na
Itália, esteve com Galileu.

Com este conhecimento eclético, Hobbes formulou sua própria metodologia para a
fonte do conhecimento, o empirismo racionalista. Esta metodologia original foi aplicada
em sua ciência política, ao analisar os fatos sociais, deduzindo conceitos, nominando-os
e, por fim, pondo-os em uma ordem sistematizada. Esta transformação de conceito para
palavra é o chamado nominalismo.

Hobbes fazia construções lógicas, deduzidas dos conceitos formulados da realidade da


natureza humana.

Sempre mostrou grande interesse pelos problemas sociais, sendo fiel defensor do
despotismo político. É o que comprova seus escritos: "Elementos de Lei Natural de
Política"(publicado em 1640, época em que voltou para França em decorrência de
atritos políticos); "O Cidadão"(publicado em 1642. Fala do homem em seu estado
natural.); "Leviatã" (publicado em 1651). Era preceptor do príncipe de Gales, que
depois veio a ser Rei Carlos II da Inglaterra).

Apenas a título de informação, "Leviatã" é um monstro bíblico citado no Livro de Jó,


40-41, muito poderoso, sem medo de nada e com um coração de pedra. Hobbes atribui a
uma de suas obras mais importantes o nome deste monstro bíblico, Leviatã,
comparando-o ao Estado.
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Depois de tantas lutas políticas, tendo sido alvo de muitas perseguições, dentre outros,
por acharem suas obras "O Cidadão" e o "Leviatã" ateístas, aos setenta e dois anos,
Hobbes volta aos estudos dos clássicos e suas traduções. Seus últimos anos de vida
foram de paz.

Thomas Hobbes faleceu em 1679, com noventa e um anos. E, só dez anos depois de sua
morte, as idéias liberais que tanto combatia triunfaram.

O CARÁTER HIPOTÉTICO DA TEORIA

A teoria de Hobbes é por vezes mal interpretada. E, para melhor entender sua teoria,
antes de nos aprofundarmos, vamos tentar resolver esta problemática, analisando um
trecho do livro de Paulo Nader, "Filosofia do Direito" (4):

"... em Leviatã (1651), o filósofo inglês partiu da crença no chamado status naturae,
durante o qual os homens teriam vivido em constante medo diante das ameaças de
guerra. Nessa fase que aconteceu à formação da sociedade não haveria em favor do
status societatis se fizera por conveniência, pelo interesse em se obter garantia e tutela."

Paulo Nader fala na "crença" de Hobbes num "status naturae". Esta palavra "crença"
leva os leitores a pensar que o estado natural de Hobbes é um fato histórico. Ocorre que
toda sua teoria é uma construção hipotética, criada somente na sua mente.

Daí a importância de conhecer as fontes originais dos autores a serem estudados. Não só
porque alguns intérpretes destorcem os pensamentos dos autores, mas também, porque
são obscuros, deixando uma grande margem de erro para o leitor leigo no assunto.

Assim, importante sempre lembrar que tudo que falarmos sobre a teoria de Hobbes –
estado natural, estado de natureza dos homens- é sempre hipoteticamente, dentro da
teoria criada por ele.

1ª ETAPA DA TEORIA HIPOTÉTICA DE HOBBES: A NATUREZA HUMANA

Ao fazer a decomposição do Estado para sua análise, estuda-se seu elemento, que é o
homem. Hobbes estuda o homem no seu estado natural, sem interferência de nenhuma
autoridade. Ele imagina os homens convivendo sem Estado.

Hobbes analisa a natureza humana dentro da sua teoria hipotética sobre o prisma
realista. Ele não estuda a essência dos homens, mas sim, as condições objetivas dos
homens no seu estado natural.

A convivência dos homens sem um Estado que os tutele, acarreta uma igualdade
aproximada que leva à "guerra de todos contra todos".
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Neste estado de natureza todos os homens têm direito a todas as coisas. E, sabendo que
os bens são escassos, quando duas pessoas desejarem um só objeto indivisível, estas são
livres para lutar com todas as armas para satisfazer seu desejo.

A igualdade dos homens no estado de natureza da teoria de Hobbes é a igualdade no


medo, pois a vida de todos fica ameaçada. Esta igualdade é na capacidade de um
destruir o outro. Nem o mais forte está seguro, pois o mais fraco é livre para usar de
todos os artifícios para garantir seus desejos e sua vida.

"Todos são iguais no ‘medo recíproco’, na ameaça, que paira sobre a cabeça de cada
um, da ‘morte violenta’. Os homens ‘igualam-se’ neste medo da morte." (5)

A "guerra de todos contra todos" pode ser melhor entendida, também, com as palavras
do próprio autor, que no livro "Leviatã" (6) escreve:

"Portanto tudo aquilo que é válido para um tempo de guerra, em que todo homem é
inimigo de todo homem, o mesmo é válido também para o tempo durante o qual os
homens vivem sem outra segurança senão a que lhes pode ser oferecida por sua própria
força e sua própria invenção. Numa tal situação não há lugar para a indústria, pois seu
fruto é incerto; consequentemente não há cultivo da terra, nem navegação, nem uso das
mercadorias que podem ser importadas pelo mar; não há construções confortáveis, nem
instrumentos para mover e remover as coisas que precisam de grande força; não há
conhecimento da face da Terra, nem cômputo do tempo, nem artes, nem letras; não há
sociedade; e o que é pior do que tudo, um constante temor e perigo de morte violenta. E
a vida do homem é solitária, pobre, sórdida, embrutecida e curta."

A teoria de Hobbes é também mal interpretada quanto a sua concepção antropológica. A


exemplo do professor da Universidade de Bonn, Hans Welzel, que em sua obra
"Derecho Natural y Justicia Material"(7), afirma:

"Todas estas fuentes tan diversas robustecen la idea pesimista que Hobbes tiene del
hombre como un ser dinámico y peligroso como un lobo, que, al revés que los otros
lobos, no tiene instintos sociales, y sólo es animado por el ansia de dominación sobre
los demás."

Em sua teoria hipotética, Hobbes não tem uma concepção pessimista do homem, e sim,
uma visão realista.

No estado natural onde os homens encontravam-se numa total insegurança era


impossível haver moralidade, os homens teriam que estar sempre preparados para a
guerra, sob pena de comprometer seu bem mais precioso, a vida.

Contudo, quando o homem passa a viver numa sociedade, com uma autoridade para lhe
reger, as tensões se acabam e, em conseqüência, os homens vivem relativamente bem,
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pois a desconfiança que existia entre os homens em seu estado de natureza era racional,
e não como alguns autores afirmam, homem essencialmente mal.

O PACTO SOCIAL

O maior desejo do homem é manter sua vida. Hobbes atribui a este desejo o nome de
instinto de conservação. No estado natural a vida está em constante ameaça.

Os homens, em decorrência do instinto de conservação, guiados pela razão, são levados


a pactuarem entre si(8):

"(...)a condição preliminar para obter a paz é o acordo de todos para sair do estado de
natureza e para instituir uma situação tal que permita a cada um seguir os ditames da
razão, com a segurança de que outros farão o mesmo."

Novamente, Norberto Bobbio, consegue exprimir fielmente o primeiro passo para a


transformação do estado de natureza em Estado Civil, que é a criação da lei natural pela
razão(9):

" O estado de natureza, como dissemos, é a longo prazo intolerável, já que não assegura
ao homem a obtenção do ‘primum bonum’, que é a vida. Sob forma de leis naturais, a
reta razão sugere ao homem uma série de regras (...), que têm por finalidade tornar
possível uma coexistência pacífica."

A Lei Natural é formada por diversas regras, dentre elas Hobbes destaca, no Leviatã as
seguintes(10):

1ª) "procurar a paz e segui-la";

2ª) "por todos os meios que pudermos, defendermo-nos a nós mesmos";

3ª) "Que os homens cumpram os pactos que celebrarem";

4ª) "gratidão";

5ª) "complacência", "que cada um se esforce por acomodar-se com os outros";

6ª) "perdão", "Que como garantia do tempo futuro se perdoem as ofensas passadas,
àqueles que se arrependam e o desejem";

7ª) "Que na vingança (isto é, a retribuição do mal com o mal) os homens não olhem à
importância do mal passado, mas só à importância do bem futuro";
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8ª) "Que ninguém por atos, palavras, atitude ou gesto declare ódio ou desprezo pelo
outro";

9ª) "Que cada homem reconheça os outros como seus iguais por natureza"

Como se pode observar, as regras da Lei de Natureza são ditames morais elaboradas
pela reta razão, que quer dizer a possibilidade do homem de agir da melhor forma para
atingir os fins desejados.

Ocorre que, para estas regras terem efetividade têm que ser cumpridas por todos.

As leis naturais em si são válidas, mas não tem eficácia garantida, pois elas obrigam in
foro interno, não têm alguém que obrigue a cumpri-las . Os princípios naturais só têm
eficácia ou se forem positivadas ou se existir uma autoridade que obrigue o seu
cumprimento.

Para acabar com a insegurança entre os homens e fazer cumprir a Lei Natural é
fundamental e indispensável a presença de um Estado que esteja acima do interesse dos
cidadãos para garantir a paz civil.

Pedimos vênia para fazer uma citação um pouco extensa, pois não conseguiríamos
explicar a necessidade do poder soberano no pacto social de forma mais clara do que o
próprio filósofo(11):

"A única maneira de instituir um tal poder comum, capaz de defendê-los das invasões
dos estrangeiros e das injúrias uns dos outros, garantindo-lhes assim uma segurança
suficiente para que, mediante seu próprio labor e graças aos frutos da terra, possam
alimentar-se e viver satisfeitos, é conferir toda sua força e poder a um homem, ou a uma
assembléia de homens, que possa reduzir suas diversas vontades, por pluralidade de
votos, a uma só vontade. O que eqüivale a dizer: designar um homem, ou a uma
assembléia de homens, como representante de suas pessoas, considerando-se e
reconhecendo-se cada um como autor de todos os atos que aquela que representa sua
pessoa praticar ou levar a praticar, em tudo o que disser respeito à paz e segurança
comuns; todos submetendo assim suas vontades à vontade do representante, e suas
decisões a sua decisão. Isto é mais do que consentimento, ou concórdia, é uma
verdadeira unidade de todos eles, numa só e mesma pessoa, realizada por um pacto de
cada homem com todos os homens, de um modo que é como se cada homem dissesse a
cada homem: ‘Cedo e transfiro meu direito de governar-me a mim mesmo a este
homem, ou a esta assembléia de homens, com a condição de transferires a ele teu
direito, autorizando de maneira semelhante todas as suas ações’. Feito isto, à multidão
assim unida numa só pessoa se chama Estado, em latim, civitas".

O Pacto da teoria hipotética de Hobbes é feito entre todos os cidadãos, que renunciam
ao direito de autodefesa. O Estado está fora do contrato.
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CIÊNCIA POLÍTICA

Os cidadãos se privam da liberdade do estado natural de fazer justiça com as próprias


mãos e transferem esse direito renunciado ao Estado.

A função do Estado é de garantidor da paz civil. Ele está acima dos homens, como
beneficiário dos direitos dos cidadãos. Os cidadãos são para o Estado súditos. O Estado
tem o poder soberano.

O PODER SOBERANO

Soberania para Hobbes é o poder que está acima de tudo e de todos. Assim o Estado
Soberano está acima das leis e acima da Constituição, sendo um poder absoluto e
indivisível.

Mais uma vez, Norberto Bobbio fala com precisão das características do Estado
Soberano(12):

"O poder estatal não é verdadeiramente soberano e, portanto, não serve à finalidade para
a qual foi instituído se não for irrevogável, absoluto e indivisível. Recapitulando, pacto
de união é:

a)um pacto de submissão estipulado entre os indivíduos, e não entre o povo e o


soberano;

b)consiste em atribuir a um terceiro, situado acima das partes, o poder que cada um tem
em estado de natureza;

c)o terceiro ao qual esse poder é atribuído, com todas as três definições acima o
sublinham, é uma única pessoa."

Contudo, apesar do súdito ter que obedecer a tudo que o soberano mandar, existe uma
exceção: o súdito pode resistir ao perigo da morte. Esta exceção tem uma explicação
muito razoável, pois como poderia o homem não conservar sua própria vida, seu bem
inalienável, já que o poder soberano vem da reta razão, por sua vez, advinda do instinto
da auto conservação? Isto seria uma incoerência. Logo todos os homens têm o direito de
resistir a qualquer ato do Estado que ameace a conservação da sua vida.

AS FORMAS DE GOVERNO

O poder soberano pode ser adquirido de duas formas: pela livre vontade dos cidadãos,
que é chamado de Estado Político/Estado por Instituição; ou pela imposição aos
cidadãos, que são obrigados a acatar sob pena morte, é o Estado por Aquisição.

O Estado por instituição, na política de Hobbes, pode ser governado por três espécies:
pela Monarquia, governo de uma pessoa; por uma Democracia, governo popular, de
todos; e pela Oligarquia, governo de poucos.
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A Monarquia é a melhor forma para de se governar um Estado Soberano. Hobbes


defende a autoridade absoluta do rei com única forma de se exercer um poder soberano,
já que este é uno e indivisível. A Oligarquia seria possível, mas poderia acarretar a
descontinuidade do exercício do poder soberano. A Democracia era inviável, porque
fatalmente iria acarretar a dissolução do poder soberano.

A Democracia para Hobbes é diferente da concepção de Democracia da nossa


Constituição. A Democracia que se fala na CF/88 é a representativa, já a de Hobbes é a
democracia direta, como explica Denis L. Rosenfield, no prefácio de De Cive(13):

"(...) Com efeito, Hobbes tem em vista uma forma de democracia direta, tal como era
exercida na Grécia clássica, e não o que hoje entendemos por democracia indireta ou
governo representativo. Assim, a democracia exigiria um alto grau de politização, sendo
suscetível das mais diferentes formas de instabilização proveniente da retórica dos
demagogos."

CONCLUSÃO

Thomas Hobbes foi um filósofo político inovador, que formulou construções teóricas
muito inteligentes.

Dentre as várias contribuições de Thomas Hobbes para a ciência política e jurídica, vale
ressaltar:

RACIONOLISMO E EMPIRISMO

Contemporâneos de Thomas Hobbes, Francis Bacon, empirista, e René Descartes,


racionalista, marcaram suas épocas com o antagonismo de suas filosofias. Os empiristas
radicais como Bacon defendiam a idéia de que a única fonte do conhecimento é a
experiência, enquanto que os racionalistas afirmavam que o conhecimento com validade
universal só se dá através da razão.

Hobbes revolucionou ao formular suas teorias possibilitando a convivência destas duas


correntes antitéticas: sua filosofia é formulada através de um raciocínio correto dos
fenômenos.

ESTADO NATURAL E ESTADO SOCIAL

Para defender sua concepção política, Hobbes cria um teoria, desenvolvida por um
método resolutivo-compositivo, que justifica a necessidade do Estado, partindo da
análise da convivência dos homens sem autoridade.

A análise do estado de natureza dos homens teve caráter realista ao mostrar a


necessidade de uma autoridade política com leis positivas. Entretanto Hobbes foi
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idealista ao não observar a possibilidade do abuso do poder por parte do Soberano. Ele
afirmava que a separação dos poderes iria enfraquecer a unidade estatal e defendia um
Estado com poderes ilimitados, acima da constituição e das leis civis.

ESTADO - CRIAÇÃO DE DEUS x CRIAÇÃO HUMANA

O momento histórico vivido por Thomas Hobbes, era marcado por uma grande
interferência da Igreja no Estado, tinham o Estado como uma criação da vontade de
Deus. O Estado era criado porque era da vontade de Deus. Hobbes mais uma vez foi
autêntico em seu pensamento. Ele afirmava que o Estado era uma criação do homem,
não tinha qualquer relação com a vontade de Deus, era um ato puramente humano.

A prova do Estado ser leigo é o contrato social, que demonstra ser a criação do Estado
nada mais do que pura vontade política, criado pelo pacto entre os homens, um ser
artificial, independente da vontade divina.

LEI NATURAL E LEI CIVIL

A relação entre Lei Natural e a Lei Civil na teoria de Hobbes e sua concepção jus
naturlista e jus positivista poderia ser estudada exclusivamente em outro trabalho, mas
vamos enfocá-lo de forma resumida .

Hobbes, sempre a frente de sua época, apesar de pertencer à história do direito natural,
antecipa as tendências do direito positivo do século XIX e, apesar de serem correntes
antagônicas, atribuiu às leis naturais e civis de sua teoria hipotética características jus
naturalistas e jus positivistas.

Para Hobbes não existem dois direitos, mas apenas um, que é o direito positivo.
Contudo reconhece a lei natural como fundamento do direito positivo, sendo obrigatória
a lei natural somente quando em conformidade com a lei positiva.

NOTAS

1. Thomas Hobbes, O Leviatã , "Vida e Obra", p. XIX.

2. Thomas Hobbes, De Cive , Prefácio, p. 10.

3. Thomas Hobbes, O Leviatã, p.30.

4. Paulo Nader: "Filosofia do Direito". 7ª Edição, Editora Forense, Rio de Janeiro, 1999,
página 132.

5. Thomas Hobbes: De Cive, p. 27.


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6. Thomas Hobbes, Leviatã, p. 76.

7. Hans Welzel: "Derecho Natural y Justicia Material", p. 146.

8. Norberto Bobbio: Thomas Hobbes, p. 40.

9. Ibid, p. 40.

10. Thomas Hobbes, Leviatã, p. 78/95.

11. Thomas Hobbes, O Leviatã, p.105.

12. Norberto Bobbio, Thomas Hobbes, p. 43.

13. Thomas Hobbes, De Cive, Prefácio, p. 37/38.


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3. LOCKE COMO “PAI DO LIBERALISMO”

Vida e Obra:

John Locke (29 de agosto de 1632 — 28 de outubro de 1704), filósofo inglês e ideólogo
do liberalismo, é considerado o principal representante do empirismo britânico e um dos
principais teóricos do contrato social.

Locke rejeitava a doutrina das idéias inatas e afirmava que todas as nossas idéias tinham
origem no que era percebido pelos sentidos. Escreveu o Ensaio acerca do Entendimento
Humano, onde desenvolve sua teoria sobre a origem e a naturezade nossos
conhecimentos.

Dedicou-se também à filosofia política. No Primeiro tratado sobre o governo civil,


critica a tradição que afirmava o direito divino dos reis, declarando que a vida política é
uma invenção humana, completamente independente das questões divinas. No Segundo
tratado sobre o governo civil, expõe sua teoria do Estado liberal e a propriedade
privada.

Estudou medicina, ciências naturais e filosofia em Oxford, principalmente as obras de Bacon e


Descartes. Em 1683 John Locke fugiu para Holanda. Voltou à Inglaterra quando Guilherme de
Orange subiu ao trono, em 1688. Faleceu em 28 de outubro de 1704. Locke nunca casou
ou teve filhos.

Locke viveu no século XVII na Inglaterra, período marcado pelo antagonismo entre a
Coroa e o Parlamento, aquele controlado pela dinastia Stuart (absolutista) e este último
defensora do liberalismo, representada por uma burguesia ascendente. Locke era
contrário aos Stuart.

Mas o que é liberalismo e porque Locke é considerado o pai do liberalismo?

Norberto Bobbio, um dos principais estudiosos do tema assim conceitua o liberalismo:

“Historicamente, os pensadores liberais defenderam, contra o Estado, duas liberdades


naturais. Na época do capitalismo nascente, lutaram a favor da liberdade econômica: o
Estado não deveria se intrometer no livro jogo do mercado que, sob determinados
aspectos, era visto como um Estado natural, ou melhor, como uma sociedade civil,
fundamentada entre contratos entre particulares. Aceitava-se o Estado somente na figura
de guardião, deixando total liberdade (laisser faire, laisser passer)” (Dicionário de
Política, Bobbio, p. 693, tomo II).

Há outros conceitos mais didáticos:


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“Liberalismo pode ser definido como um conjunto de princípios e teorias políticas, que
apresenta como ponto principal a defesa da liberdade política e econômica. Neste
sentido, os liberais são contrários ao forte controle do Estado na economia e na vida das
pessoas”.

O pensamento liberal teve sua origem no século XVII, através dos trabalhos sobre
política publicados pelo filósofo inglês John Locke. Já no século XVIII, o liberalismo
econômico ganhou força com as idéias defendidas pelo filósofo e economista escocês
Adam Smith.

Podemos citar como princípios básicos do liberalismo:

- Defesa da propriedade privada;


- Liberdade econômica (livre mercado);
- Mínima participação do Estado nos assuntos econômicos da nação (governo limitado);
- Igualdade perante a lei (estado de direito);

Na década de 1970 surgiu o neoliberalismo, que é a aplicação dos princípios liberais


numa realidade econômica pautada pela globalização e por novos paradigmas do
capitalismo.

Os dois tratados sobre o governo civil:

Cuida-se da principal obra de Locke, escrita provavelmente entre 1679 e 1680, mas só
foi publicado na Inglaterra em 1690, após o triunfo da revolução gloriosa – que foi o
movimento que assegurou a vitória do Parlamento sobre a realeza e instituiu uma
monarquia limitada, triunfando o liberalismo sobre o absolutismo com a aprovação do
Bill of Rights.

“O segundo tratado é um ensaio sobre a origem, extensão e objetivo do governo civil.


Nele, Locke sustenta a tese de que nem a tradição nem a força, mas apenas o
consentimento expresso dos governados é a única fonte do poder político legítimo.
Locke tornou-se célebre principalmente como autor do segundo tratado, que, no plano
teórico, constitui um importante marco da história do pensamento político, e no nível
histórico concreto, exerceu enorme influência sobre as revoluções liberais da época
moderna” (Os Clássicos da Política, p. 84)

Em síntese, seguem alguns pontos principais da obra de Locke:

a) ESTADO DE NATUREZA: para Locke, ao contrário de Hobbes, o Estado de


Natureza era uma situação real e historicamente determinada “pela qual passara, ainda
que em épocas diversas, a maior parte da humanidade e na qual se encontravam ainda
alguns povos, como as tribos norte-americanas” (p. 84), mas este estado de natureza não
parecia com o estado de guerra de Hobbes, baseado na insegurança e no medo. Para
Locke, neste estado de natureza reinava uma relativa paz, concórdia e harmonia.
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b) PROPRIEDADE: ao contrário de Hobbes, para quem a propriedade não existe no


estado de natureza, na doutrina de Locke as pessoas desfrutavam de razão e
propriedade, e cuidando-se de uma instituição anterior à sociedade, é um direito
natural do indivíduo que não pode ser violado pelo Estado.

c) CONTRATO SOCIAL: apesar do estado de natureza ser relativamente pacífico, há


inconvenientes como a violação da propriedade que “na falta de lei estabelecida, de juiz
imparcial e de força coercitiva para impor a execução das sentenças, coloca os
indivíduos singulares em estado de guerra contra os outros” (p. 86). Essa situação leva
os indivíduos a estabelecerem livremente entre si o contrato social que realiza a
passagem do estado de natureza para o estado civil. Difere de Hobbes a doutrina de
Locke porque naquele há um pacto de submissão e neste um pacto de consentimento.

d) SOCIEDADE CIVIL: depois de estabelecido o pacto social, o próximo passo é


escolher a forma de governo: por um, por poucos ou por muitos ou ainda um governo
misto, como se viu na Inglaterra após a revolução gloriosa, ou seja, a coroa
representando o princípio monárquico, a Câmara dos Lordes o oligárquico e a Câmara
dos Comuns o democrático. Para Locke, o governo não possui outra finalidade além
de conservar a propriedade privada. Em resumo: “o livre consentimento dos
indivíduos para o estabelecimento da sociedade, o livre consentimento da comunidade
para a formação do governo, a proteção dos direitos de propriedade pelo governo, o
controle do executivo pelo legislativo e o controle do governo pela sociedade, são, para
Locke, os principais fundamentos do estado civil” (p.87).

e) DO PODER LEGISLATIVO:

“Uma vez que o grande objetivo do ingresso dos homens em sociedade é a fruição da
propriedade em paz e segurança, e que o grande instrumento e meio disto são as leis
estabelecidas nessa sociedade, a primeira lei positiva e fundamental de todas as
comunidades consiste em estabelecer o poder legislativo enquanto primeira lei natural
e fundamental, que deve reger até mesmo o poder legislativo” (p. 100)

“O poder legislativo é o que tem o direito de estabelecer como se deverá utilizar a força
da comunidade no sentido da preservação dela própria e dos seus membros” (101)

f) DA TIRANIA:

Da mesma forma que a usurpação consiste no exercício do poder no lugar de outro, a


tirania é o exercício do poder para além do direito, o que não pode caber a pessoal
alguma. Ensina Locke: “Onde quer que a lei termine, a tirania começa. Em quem quer
que em autoridade exceda o poder que lhe foi dado pela lei, e faça uso da força que tem
sob as suas ordens para levar a cabo sobre o súdito o que a lei não permite, deixa de ser
magistrado e, agindo sem autoridade, pode sofrer oposição como qualquer pessoa que
invada pela força o direito de outrem”
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g) DA DISSOLUÇÃO DO GOVERNO:

A primeira maneira de dissolver a união entre o os integrantes da comunidade é a


invasão de uma força estranha, que venha conquistar; neste caso, como não há força
para manter a união, cabe a cada um voltar ao estado em que se encontrava antes, com a
liberdade de agir por conta própria e prover à própria segurança. “é no legislativo que se
unem e combinam os membros de uma comunidade para formar um corpo vivo e
coerente, se um homem ou mais de um chamar a si a elaboração de leis, sem que o povo
tenha nomeado para assim o fazerem, elaboram leis sem autoridade, a que o povo, em
conseqüência, não está obrigado a obedecer”. (p. 109) Esta – a segunda maneira de
dissolver o governo – agirem o legislativo ou o príncipe contrariamente ao encargo que
receberam. E quem julgará se o príncipe ou legislativo agem contrariamente ao encargo
recebido? O povo será o juiz.
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4. MONTESQUIEU. O ESPÍRITO DAS LEIS. DIVISÃO DE PODERES.

Biografia

Charles de Montesquieu foi um importante filósofo, político e escritor francês.


Nasceu em 18 de janeiro de 1689, na cidade de Bordeaux (França). É considerado
um dos grandes filósofos do iluminismo.

Montesquieu nasceu numa família nobre francesa. Estudou numa escola religiosa
de oratória. Após concluir a educação básica, foi estudar na Universidade de
Bordeaux e depois em Paris. Nestas instituições teve contato com vários
intelectuais franceses, principalmente, com aqueles que criticavam a monarquia
absolutista.

Com a morte do pai em 1714, retornou para a cidade de Bordeaux, tornando-se


conselheiro do Parlamento da cidade. Nesta fase,viveu sob a proteção de seu tio, o
barão de Montesquieu. Com a morte do tio, Montesquieu assume o título de
barão, a fortuna e o cargo de presidente do Parlamento de Bordeaux.

Em 1715, Montesquieu casou-se com Jeanne Lartigue. Tornou-se membro da


Academia de Ciências de Bordeaux e, nesta fase, desenvolveu vários estudos
sobre ciências. Porém, após alguns anos nesta vida, cansou-se, vendeu seu título e
resolveu viajar pela Europa. Nas viagens começou a observar o funcionamento da
sociedade, os costumes e as relações sociais e políticas. Entre as décadas de 1720
e 1740, desenvolveu seus grandes trabalhos sobre política, principalmente,
criticando o governo absolutista e propondo um novo modelo de governo.

Em 1729, enquanto estava em viagem pela Inglaterra, foi eleito membro da Royal
Society.

Montesquieu morreu em 10 de fevereiro de 1755, na cidade de Paris.

Visão política e idéias

- Era contra o absolutismo (forma de governo que concentrava todo poder do país
nas mãos do rei).

- Fez várias críticas ao clero católico, principalmente, sobre seu poder e


interferência política.

- Defendia aspectos democráticos de governo e o respeito às leis.

- Defendia a divisão do poder em três: Executivo, Legislativo e Judiciário.


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Obras principais: Cartas Persas (1721) ; O Espírito das Leis (1748); -


Contribuições para a Enciclopédia (organizada por Diderot e D'Alembert)

O conceito de lei:
Montesquieu contribuiu para a adoção de lei científica nas ciências humanas, que até
aquele momento a noção de lei “compreendia três dimensões essencialmente ligadas à
idéia de lei de Deus”, ou mais claramente, “as leis eram simultaneamente legítimas
(porque expressão da autoridade), imutáveis (porque dentro da ordem das coisas) e
ideais (porque visam uma finalidade perfeita) (in Os clássicos, p. 114).

O autor define lei como “relações necessárias que derivam da natureza das coisas” e
assim rompe com a tradicional submissão da política à teologia:

“Montesquieu está dizendo, em primeiro lugar, que é possível encontrar uniformidades,


constâncias na variação dos comportamentos e formas de organizar os homens, assim
como é possível encontrá-las nas relações entre os corpos físicos. Tal como é possível
estabelecer as leis que regem os corpos físicos a partir das relações entre massa e
movimento, também as leis que regem os costumes e as instituições são relações que
derivam da natureza das coisas. Mas aqui se trata de massa e movimento de outra
ordem, a massa e o movimento próprio da política, que poderiam corresponder se
precisássemos levar adiante a metáfora, a quem exerce o poder e como ele é exercido.
São esses como veremos a natureza e princípio de governo, bases da tipologia de
Montesquieu” (Clássicos, p. 115)

O autor, no entanto, não se preocupa com as leis que regem as relações entre indivíduos,
mas sim as leis e instituições criadas para reger as relações entre os homens, ou seja, o
objeto de estudo de Montesquieu é o espírito das leis, isto é, as relações entre as leis
positivas e diversas coisas, tais como clima, as dimensões do Estado, a organização do
comércio, as relações entre as classes; procura explicar as leis e instituições humanas,
sua permanência e modificações, a partir de leis da ciência política.

Os três governos.

A grande preocupação do autor é com a estabilidade dos governos e para isso há um


retorno à problemática de Maquiavel, mas o que deve ser investigado não é a existência
das instituições – como o fazem os autores contratualistas como Hobbes e Locke – mas
sim como elas funcionam.

Para tanto, o autor verifica o funcionamento político das instituições sobre dois
aspectos: a natureza e o princípio de governo

a) a natureza de governo trata de saber quem detém o poder:


• monarquia um só governa por meio de leis fixas e instituições;
• república, governa o povo no todo ou em parte (repúblicas aristocráticas);
• despotismo, governa a vontade de um só.
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b) o princípio de governo é a paixão que o move, ou seja, é o modo de funcionamento


do poder, saber-se como ele é exercido, mais do que por quem é exercido.
• Honra é o princípio da monarquia, é uma paixão social que corresponde a um
sentimento de classe, a paixão da desigualdade, o amor ao privilégio e
prerrogativas que caracterizam a nobreza;
• Virtude é o princípio da república, é uma paixão política que nada mais é do que
o espírito cívico, a supremacia do bem comum sobre os interesses particulares.
• Medo é o princípio do despotismo, onde não há regra a ser seguida, mas tão-
somente a vontade do déspota.

Separação dos poderes em Montesquieu (* Extrato da minha dissertação de


mestrado, denominada “Judicialização da Política” e Governabilidade
Democrática no Âmbito do Poder Local)

O Barão de Montesquieu (Charles-Louis de Secondat, ou simplesmente


Charles de Montesquieu, senhor de La Brède), dos autores clássicos que trataram
do tema da separação dos poderes, foi o que mais fama granjeou e mais
influência espalhou, seja entre os próprios franceses, seja entre os
estadunidenses ou ingleses, com a publicação da obra O Espírito das Leis, em
1748, apesar de aconselhado a não publicar esse livro por causa de defeitos
apontados pelo “comitê de amigos cultos” da época.

A classificação de Montesquieu acerca dos poderes do Estado é a


seguinte: Legislativo, que fazia as leis; Poder Executivo, das coisas que
dependam do Direito das Gentes (paz, guerra, segurança), que é o Poder
Executivo do Estado e, por fim, o Poder Executivo, das coisas que dependem
do Direito Civil (punição de criminosos, julgamento de conflitos de
interesses), a saber, o poder de julgar.

O autor, considerando que é próprio da natureza humana abusar dos


poderes de que dispõe, toma por base essa peculiaridade para propor a
separação dos poderes, com a idéia de que um poder tem capacidade “de
barrar ao outro de modo a forçar um acordo, e vice-versa, criando a moderação
nas decisões e gestão do Estado”, o que acabava esse arranjo por forçar os
“integrantes dos poderes a caminhar para um acordo, do contrário o resultado
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1
poderia ser a paralisia” Afinal, Montesquieu “via na divisão dos poderes
2
muito mais um preceito de arte política do que um princípio jurídico”

O autor de O Espírito das Leis inova em relação a Locke ao tratar da


possibilidade de um poder controlar o outro e esses controles seriam na lição
de Luis Gustavo Melo Grohmann: i) o veto do Executivo sobre o Legislativo e
ii) a compensar a impossibilidade do veto do Legislativo sobre o Executivo, a
capacidade que aquele teria de punir os funcionários deste poder. É importante
ressaltar, no entanto, que a doutrina da separação de poderes tem viés liberal,
na medida em que se tratava de estratagema para impedir a concentração do
poder na pessoa do rei em detrimento dos interesses dos ricos, senhores de
propriedades, ou seja, a separação de poderes, assim, não era invocada em
nome do povo, mas da elite que se opunha ao Estado. O cidadão a que se
refere o Barão de Montesquieu não é a imensa massa sem rosto denominada
povo:

A liberdade política, em um cidadão, é esta tranqüilidade


de espírito que provém da opinião que cada um tem sobre
a sua segurança; e para que se tenha esta liberdade é
preciso que o governo seja tal que um cidadão não possa
temer outro cidadão. Quando, na mesma pessoa ou no
mesmo corpo de magistratura, o poder legislativo está
reunido ao poder executivo, não existe liberdade; porque
se pode temer que o mesmo monarca ou o mesmo senado
crie leis tirânicas para executá-las tiranicamente.
Tampouco existe liberdade se o poder de julgar não for
separado do poder legislativo e do executivo. Se
estivesse unido ao poder legislativo, o poder sobre a vida
e a liberdade dos cidadãos seria arbitrário, pois o juiz
seria legislador. Se estivesse unido ao poder executivo, o
juiz poderia ter a força de um opressor. Tudo estaria
perdido se o mesmo homem, ou o mesmo corpo dos
principais, ou dos nobres, ou do povo exercesse os três
poderes: o de fazer as leis, o de executar as resoluções
públicas e o de julgar os crimes ou as querelas entre os
1
GROHMANN, Luís Gustavo Mello. op. cit. 2001, p.80.
2
FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. O Judiciário frente à divisão dos poderes: um
princípio em decadência? Revista USP. São Paulo. Dossiê Judiciário nº 21, mar/abr/mai de
1994, p. 93.
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3
particulares.

Em verdade, toda a história do Estado Liberal, destaca Bobbio, é a busca


incessante da realização do princípio da limitação do poder, uma obsessão
liberal. Esse controle de um poder em relação ao outro remete ao tema da
relação entre poder e direito, discussão travada entre dois pontos de vista: de
um lado aqueles que admitem a preexistência do poder (soberania, sumo
poder) em relação ao direito ou à ordem jurídica, que não existiria sem um
poder que a mantivesse viva (Bobbio). Em contraposição a esse ponto de vista,
existem aqueles que reduzem o Estado a uma ordem jurídica, ou seja, antes
existe o direito e depois há o poder, aquele controlando este, aquele
domesticando este último, a teoria normativista de Kelsen. E opina Bobbio
sobre o assunto:

Contudo, que se trate apenas de dois pontos de vista


distintos, que não eliminam a ligação indissolúvel dos
dois conceitos, pode ser provado pelo fato de que o
problema fundamental dos teóricos da soberania sempre
foi apresentá-la não como um simples poder, como um
poder de fato, mas como um poder de direito, isto é,
como um poder também ele autorizado e regulado, como
os poderes inferiores, por uma norma superior, seja esta
de origem divina, seja uma lei natural ou então uma lei
fundamental (hoje diríamos constitucional), derivada da
tradição ou de direito consuetudinário. O problema
fundamental do normativista, ao contrário, é mostrar que
um sistema normativo pode ser considerado direito
positivo apenas se existirem, em várias instâncias, órgãos
dotados de poder capazes de fazer respeitar as normas
que o compõem. O poder sem direito é cego, mas o
direito sem poder é vazio. 4

O tema da domesticação do poder – ou seja, a submissão da Política ao


Direito –, origina-se nas revoluções francesa e estadunidense quando se
pretendeu superar a dicotomia entre Estado e sociedade civil, passando o

3
MONTESQUIEU, Charles de Secondat, Baron de. O espítito das leis. São Paulo: Martins
Fontes, 1993, Livro XI, capítulo VI.
4
BOBBIO, Norberto. Teoria geral da política. 12. ed. Rio de Janeiro: Campus, 2000. p.
239-240.
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poder a pertencer ao povo e a legitimação a ocorrer na forma da representação.


Nesse contexto consolidam-se a Teoria da Separação dos Poderes e a Teoria da
Soberania Popular, bem como a forma republicana, o sistema representativo e
o regime democrático. Nas palavras de Luiz Moreira, “Essas restrições tinham
como propósito limitar o arbítrio estatal, garantindo o fortalecimento das
demais esferas de modo a fortalecer a sociedade civil e assegurar legitimidade
material e formal às ordenações estatais.” 5

O principal instrumento moderno de domesticação do poder é o controle


jurisdicional da constitucionalidade das leis, realizada por um órgão integrante
do Poder Judiciário, como sucede no Brasil, ou tribunais constitucionais, como
é o modelo europeu. O alemão Carl Schmitt, escrevendo no período entre
guerras e referindo-se à situação da República de Weimar, criticou o
liberalismo e repudiou o controle jurisdicional, argumentando que esse tipo de
controle jurisdicional caracteriza um Estado Judicialista onde a política fosse
submetida ao controle dos tribunais. De acordo com Bercovicci, “muito da
resistência de Carl Schmitt ao controle judicial de constitucionalidade está
ligado à sua concepção de Constituição. A constituição só é válida, para
Schmitt, quando proveniente de um poder constituinte e estabelecida por sua
6
vontade.” Em outras palavras, a essência da Constituição é a vontade política
do poder constituinte.

O controle da constitucionalidade realizado pelo Parlamento, de igual


modo, recebe crítica de Schmitt, haja vista que a composição fragmentária dos
integrantes do Poder Legislativo impede o surgimento de uma força que se
ponha acima das forças que debatem no Parlamento. Segundo Bercovicci,
referindo-se à Schmitt,

[...] a fé no parlamentarismo é fruto do liberalismo, não


5
MOREIRA, Luiz . Sobre a reeleição. Disponível em
<www.gomesuchoua.adv.br/publicacoes /Sobre%20a%20reelei%C3%A7%C3%A3o.pdf>
Acesso em: 15 de maio de 2008.
6
BERCOVICCI. Gilberto. Carl Schmitt, o Estado total e o guardião da Constituição.
Revista Brasileira de Direito Constitucional. São Paulo, nº 1, jan./jun. – 2003, p. 196.
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da democracia. A característica essencial da democracia,


segundo Carl Schmitt, é a homogeneidade do povo. A
democracia de massas tenta realizar a identidade entre
governantes e governados, provocando o fim do dualismo
liberal entre Estado e Sociedade: o Estado passa a ser a
auto-organização da sociedade. 7

Essa concepção de Schmitt demonstra sua preferência por um Estado


“Decisionista” em contraposição a um Estado “Deliberativista”, porquanto o
deliberativismo praticado no Parlamento, onde representantes de parcialidades
defenderiam interesses de grupos diferentes, jamais resolveria a crise da
Alemanha de Weimar, às vésperas da subida ao poder do Partido Nacional-
Socialista Alemão dos Trabalhadores. De outro lado, o decisionismo político
seria a exclusão da tomada das decisões de todos os outros agentes sociais -
como os partidos políticos -, fruto de uma reflexão antidemocrática, mas
necessária, na sua óptica, para manutenção de um Estado forte.

Negado que foi ao Parlamento e ao Judiciário o papel de responsável


pelo controle da constitucionalidade, a teoria de Schmitt aponta o presidente
do Reich como guardião da Constituição porque eleito diretamente por todo o
povo alemão, ou seja, o “Presidente era o centro de um sistema plebiscitário e
capaz de fazer frente ao pluralismo dos grupos sociais e econômicos
8
representados no Parlamento.” O presidente do Reich era o garante da
Constituição e da unidade do povo alemão. Cuida essa teoria (de privilegiar o
Poder Presidencial em detrimento do Poder Parlamentar) de uma visão
conservadora de Estado que contribuiu para a derrocada do sistema que
antecedeu aos horrores do nazismo. Sobre o controle da constitucionalidade e
quem deva figurar como guardião da Constituição, é importante mencionar o
fato de que mais importante do que saber se o controle deva ser realizado pelo
cortes de justiça, membros do Parlamento ou presidentes, é evitar que esse
controlador/guardião passe a sentir-se senhor da Constituição e não seu
guardião.
7
Id. ibid. p. 197.
8
BERCOVICCI, Gilberto. op. cit. 2003, p. 198.
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5. ROUSSEAU E O RESGATE DA ÉTICA DO BEM-COMUM.

- Vida e Obra

• Jean-Jacques Rousseau (Genebra, 28 de Junho de 1712 — Ermenonville, 2 de Julho de


1778) foi um filósofo suíço, escritor, teórico político e um compositor musical
autodidata. Uma das figuras marcantes do Iluminismo francês, Rousseau é também
um precursor do romantismo. 1719: Daniel Defoe publica Robinson Crusoé, uma das
principais influências literárias de Rousseau.
• 1745: Une-se a Thérèse Levasseur, com quem tem cinco filhos, que são
abandonados.
• 1749: Escreve o "Discurso sobre as Ciências e as Artes"
• 1755: Publica o "Discurso sobre a origem da desigualdade" e o "Discurso sobre a economia
política".
• 1762: Publica Do Contrato Social em abril e o Emílio, ou Da Educação em maio.
• 1776: Escreve os Devaneios de um Caminhante Solitário. Declaração da
Independência das colônias inglesas na América.
• 1778: Rousseau termina de escrever os Devaneios. Morre em 2 de julho e é
enterrado em Ermenonville. Seus restos mortais foram traslados para o Panteão em
1794. Morte de Voltaire.

- Linha mestra do pensamento

Rousseau é o filósofo iluminista precursor do romantismo do século XIX. Foi


característico do Iluminismo, o pensamento de que a sociedade havia pervertido o
homem natural, o "selvagem nobre" que havia vivido harmoniosamente com a natureza,
livre de egoísmo, cobiça, possessividade e ciúme. Este pensamento já está em
Montaigne.

Em seu Discours sur l'origine et les fondements de l'inégalité parmi les hommes (1755),
ele dá uma descrição hipotética do estado natural do homem, propondo que, apesar de
desigualmente dotado pela natureza, os homens em uma dada época eram de fato iguais:
eles viviam isolados um do outros e não estavam subordinados a ninguém; eles
evitavam uns aos outros como fazem os animais selvagens. De acordo com Rousseau,
cataclismas geológicos reuniram os homens para a "idade de ouro" descrita em vários
mitos, uma idade de vida comunal primitiva na qual o homem aprendia o bem junto
com o mal nos prazeres do amor, amizade, canções, e danças e no sofrimento da inveja,
ódio e guerra. A descoberta do ferro e do trigo iniciou o terceiro estágio da evolução
humana por criar a necessidade da propriedade privada.

Rousseau recebe críticas principalmente de Voltaire, que diz: "ninguém jamais pôs tanto
engenho em querer nos converter em animais" e que ler Rousseau faz nascer "desejos de
caminhar em quatro patas" mas o propósito de Rousseau é de combater os abusos e não
repudiar os mais altos valores humanos.
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Sua teoria política é sob vários aspectos uma síntese de Hobbes e Locke. Foi o ferro e o
trigo que civilizaram os homens e arruinaram a raça humana....Do cultivo da terra, sua
divisão seguiu-se necessariamente....Quando as heranças cresceram em número e
extensão ao ponto de cobrir toda a terra e de confrontarem umas com as outras, algumas
delas tinham que crescer as custas de outras... A sociedade nascente deu lugar ao mais
horrível estado de guerra. Posteriormente Rousseau propôs que esse estado de guerra
forçou os proprietários de terra ricos a recorrer a um sistema de leis que eles impuseram
para proteger sua propriedade.

Rousseau não pretendia que o homem retornasse à primitiva igualdade, ao estado


natural, mas, em um artigo encomendado por Diderot para a "Enciclopédia" e publicado
separadamente em 1755 como Le Citoyen: Ou Discours sur l'economie politique, ele
busca meios de minimizar as injustiças que resultam da desigualdade social. Ele
recomendou três caminhos: primeiro, igualdade de direitos e deveres políticos, ou o
respeito por uma "vontade geral" de acordo com o qual a vontade particular dos ricos
não desrespeita a liberdade ou a vida de ninguém; segundo, educação pública para todas
as crianças baseada na devoção pela pátria e em austeridade moral de acordo com o
modelo da antiga Sparta; terceiro, um sistema econômico e financeiro combinando os
recursos da propriedade pública com taxas sobre as heranças e o fausto.

Estão no pensamento de Rousseau aquelas linhas que serão logo a seguir características
do movimento romântico que caracterizou a primeira metade do século XIX: A
valorização dos sentimentos em detrimento da razão intelectual, e da natureza mais
autêntica do homem, em contraposição ao artificialismo da vida civilizada. Sua
influencia no movimento romântico foi enorme.

Alguns conceitos úteis para entender o pensamento de Rousseau:

Vontade Geral: pode-se dizer que a vontade geral é aquela que dá voz aos interesses que
cada pessoa tem em comum com todas as demais, de modo que, ao ser atendido um
interesse seu, também estarão sendo atendidos os interesses de todas as pessoas.
Segundo descreve Machado, a vontade geral é aquela que traduz o que há de comum em
todas as vontades individuais, ou seja, o “substrato coletivo das consciências”
(ROUSSEAU 11, p. 49). Ou ainda, é o fator unificador da multiplicidade dos
contratantes, representando, dessa forma, o coração da democracia no Contrato social
(PEZZILLO 9, p. 77). No entanto, para que essa noção seja melhor compreendida, há
que se tratar também da noção de vontade particular, vontade corporativa e vontade
todos. (Marcio Morena Pinto, in A noção de vontade geral e seu papel no pensamento
político de Jean-Jacques Rousseau, disponível em
http://www.fflch.usp.br/df/cefp/Cefp7/pinto.pdf)

É justamente por essa razão que Rousseau afirma que a liberdade natural é limitada pela
força e a civil tem como limite a vontade geral, pois a primeira consiste na liberdade
que pertence a cada indivíduo, enquanto ente independente e solitário em relação aos
demais, que encontra na liberdade do outro uma força que limita a sua, enquanto a
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segunda, que se refere aos cidadãos, considerados partes de um corpo moral coletivo,
constituído pelo pacto social, está voltada para o interesse comum.

Contrato Social: Apesar da crítica que Rousseau faz acerca da perda da liberdade do
homem quando vive em sociedade, não há como a humanidade retroceder àquele
estágio, é necessário então trocar aquela liberdade pela liberdade do cidadão, “faz-se
isso mediante um ato associativo, que cria a entidade social e no qual todos cedem
direitos e se tornam súditos, mas ao mesmo tempo ganham direitos na condição de
cidadãos e participantes do corpo soberano. Isto é o ‘contrato social’, mas a maneira
como o soberano deverá expressar-se, através de leis e atos de governo, é deixada para
um processo de elaboração constitucional. Enquanto todos puderem ser ao mesmo
tempo súditos e cidadãos participantes haverá liberdade” (Ian Adms, Pensadores
Políticos Essenciais, p. 72).

Estado de Natureza: Na visão de Rousseau, o ser humano no estado de natureza não


eram criaturas essencialmente racionais e sociáveis, e sim como indivíduos livremente
solitários, que só ocasionalmente se aproxima um dos outros, impulsionados pelo amor-
próprio e pela simpatia. Devido à pressão popular, essa liberdade natural e idílica foi
destruída; introduziu-se então a propriedade privada, cuja exploração gerou a
desigualdade e todos ou outros males da sociedade. Se os seres humanos são
naturalmente livres no estado de natureza, como poderão ser livres em sociedade?
Como podem os homens viver em sociedade e ainda assim viverem humanamente?
Esse é o problema que Rousseau se propõe a resolver em “O Contrato Social” (Ian
Adms, Pensadores Políticos Essenciais, p. 71).

Teoria política. No Du contrat social Rousseau desenvolveu os princípios políticos que


estão sumarizados na conclusão do Émile.

Começando com a desigualdade como um fato irreversível, Rousseau tenta responder a


questão do que compele um homem a obedecer a outro homem ou por que direito um
homem exerce autoridade sobre outro. Ele concluiu que somente um contrato tácito e
livremente aceito por todos permite cada um "ligar-se a todos enquanto retendo sua
vontade livre". A liberdade está inerente na lei livremente aceita. "Seguir o impulso de
alguém é escravidão, mas obedecer uma lei auto-imposta é liberdade".

Há uma diferença entre o pensamento de Rousseau e o de Locke, que também afirmou a


liberdade do homem como base de sua teoria política. Locke admite a perda da
liberdade quando afirma que "o homem, por ser livre por natureza,...não pode ser
privado dessa condição e submetido ao poder de outro sem o próprio consentimento"...
enquanto para Rousseau o homem não pode renunciar à sua liberdade. Esta é uma
exigência ética fundamental.

Rousseau considera a liberdade um direito e um dever ao mesmo tempo. "...todos


nascem homens e livres"; a liberdade lhes pertence e renunciar a ela é renunciar à
própria qualidade de homem.
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O princípio da liberdade é direito inalienável e exigência essencial da própria natureza


espiritual do homem".

O contrato social para Rousseau é "Uma livre associação de seres humanos inteligentes,
que deliberadamente resolvem formar um certo tipo de sociedade, à qual passam a
prestar obediência mediante o respeito à vontade geral. O "Contrato social", ao
considerar que todos os homens nascem livres e iguais, encara o Estado como objeto de
um contrato no qual os indivíduos não renunciam a seus direitos naturais, mas ao
contrário entram em acordo para a proteção desses direitos, que o Estado é criado para
preservar.

O Estado é a unidade e como tal expressa a "vontade geral", porém esta vontade é posta
em contraste e se distingue da "vontade de todos", a qual é meramente o agregado de
vontades, o desejo acidentalmente mútuo da maioria.

John Locke e outros tinham assumido que o que a maioria quer deve ser correto.
Rousseau questionou essa postura, argumentando que os indivíduos que fizeram a
maioria podem, na verdade, desejar alguma coisa que está contrária aos objetivos e
necessidades do estado, para com o bem comum. A vontade geral é para assegurar a
liberdade, a igualdade, e justiça dentro do estado, não importa a vontade da maioria, e
no contrato social (para Rousseau uma construção teórica mais que um evento histórico
como os pensadores do Iluminismo tinham freqüentemente assumido) a soberania
individual é cedida para o estado em ordem que esses objetivos possam ser atingidos.

Por isso a vontade geral dota o Estado de força para que ele atue em favor das teses
fundamentais mesmo quando isto significa ir contra a vontade da maioria em alguma
questão particular.

Rousseau reforça o contrato social através de sanções rigorosas que acreditava serem
necessárias para a manutenção da estabilidade política do Estado por ele preconizado.
Propõe a introdução de uma espécie de religião civil, ou profissão de fé cívica, a ser
obedecida pelos cidadãos que depois de aceitarem-na, deveriam segui-la sob pena de
morte.

Foi grande a influência política que tiveram as idéias de Rousseau na França. Os


princípios de liberdade e igualdade política, formulados por ele, constituíram as
coordenadas teóricas dos setores mais radicais da Revolução Francesa e inspiraram sua
segunda fase, quando foram destruídos os restos da monarquia e foi instalado o regime
republicano, colocando-se de lado os ideais do liberalismo de Voltaire e Montesquieu
(1689-1755). O mais notável nessa república projetada era o disposto para banir
estranhos à religião do estado e punir os dissidentes com a morte.
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6. O FEDERALISTA. DOUTRINA ESTADUNIDENSE. FEDERALISMO:


GÊNESE

O artigo reproduzido abaixo, cujos três autores são mestrandos da UECE sintetiza o
pensamento dos autores que americanos que no ano de 1788 publicaram, sob
pseudônimo, uma série de artigos na imprensa de Nova York em favor da ratificação da
Constituição dos Estados Unidos pelos estados americanos.

“O Federalista”: gênese de uma nova forma de governo1

Resumo: A obra O Federalista é uma série de 85 artigos, argumentando em favor da


ratificação da Constituição dos Estados Unidos. Representa a estruturação do Estado
americano e a implementação de uma nova forma de governo até então nunca vista. A
questão da liberdade sai do campo da teoria, passando para a prática. Palavras-chave:
Federalista. Federalismo. Governo. Liberalismo.

Introdução
Inúmeros teóricos abordaram o tema “formas de governo”. Porém, e até então, não
havia desapego às práticas da antiguidade. Neste sentido, pensadores que trataram e
defenderam o federalismo, além de avançarem para uma nova forma de governo,
inovaram, saindo da teoria, passando para a praticidade, com a sua implementação,
tomando a questão da liberdade com novo foco e sob uma nova ótica, originados com as
discussões decorrentes da aprovação da Constituição Americana no século XVIII.

A obra O Federalista é uma série de 85 artigos argumentando em favor da ratificação a


Constituição dos Estados Unidos. É o resultado de reuniões que ocorreram na Filadélfia
em 1787 para a elaboração da Constituição Americana. Essas reuniões renderam vários
artigos publicados em Nova York, assinados por Publius. O propósito: ratificar a
Constituição Americana. Nem sempre, assim, a produção da ciência política adveio da
simples pesquisa. Ressalte-se ainda que se “tratava de uma polêmica: a Publius opunha-
se Brutus, que era o pseudônimo sob o qual se apresentavam os antifederalistas”
(LEONEL, 2007). Antes de entrarmos no tema que nos dispomos a comentar, é
extremamente importante fazermos de forma bem sucinta uma síntese a respeito dos
principais filósofos que sustentam a teoria política moderna. Então, vejamos:

Nicolau Maquiavel (1469-1527): Este pensador foi o fundador da ciência política


moderna e não aceitava a divisão clássica dos três regimes políticos (monarquia,
aristocracia e democracia). Defendia que qualquer regime político pode ser legítimo e
ilegítimo, sendo o valor que media a legitimidade e a ilegalidade – a liberdade. O poder
do príncipe deve ser superior aos “grandes” (aristocratas e ricos) e estar a serviço do
povo, ou seja, separa o ethos moral do ethos político. Maquiavel rejeita a tradição
idealista de Platão, Aristóteles e Santo Tomás de Aquino e segue a trilha inaugurada
pelos historiadores antigos, como Tácito, Políbio, Tucídides e Tito Lívio. Seu ponto de
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partida e de chegada é a realidade concreta. Daí a ênfase na verità effettuale – a verdade


efetiva das coisas. Esta é sua regra metodológica: ver e examinar a realidade tal como
ela é, e não como se gostaria que ela fosse (SADEK, 2004).

Thomas Hobbes (1588-1679) foi o teórico da “Soberania Estatal”. Defendia um


contrato que desse origem a um Estado Absoluto. Sua teoria tenta explicar a paz e, com
isso, justificar a existência do Estado. Provoca uma ruptura com as tradições do
feudalismo. Foi o grande influenciador dos federalistas, uma vez que a chave para
entender o seu pensamento é o que ele diz do estado de natureza. Hobbes é um
contratualista, quer dizer, um daqueles filósofos que, entre o século XVI e o XVIII
(basicamente), afirmaram que a origem do Estado e/ou da sociedade está num contrato:
os homens viveriam, naturalmente, sem poder e sem organização, que somente
surgiriam depois de um pacto firmado por eles, estabelecendo as regras de convívio
social e de subordinação política (RIBEIRO, 2004).

John Locke (1632-1704) foi um teórico liberal. Teoriza que o homem possui
originariamente direitos naturais que devem ser defendidos pelo Estado, como o direito
à propriedade. É considerado o fundador do Empirismo2. Como filósofo, é conhecido
pela “teoria da tábula rasa” do conhecimento. Influenciou a Revolução Americana, cuja
declaração de independência foi alicerçada sobre os direitos naturais e o direito a
resistência para fundamentar a ruptura das colônias com a Inglaterra (MELLO, 2004).

Charles de Montesquieu (1689-1755), fundador da teoria dos três governos e dos três
poderes, base do constitucionalismo moderno. Autor da obra O Espírito das Leis, na
qual elabora conceitos sobre formas de governo e exercício da autoridade política que se
tornaram pontos doutrinários básicos da ciência política. Ofereceu aos constituintes
americanos as bases do ideal do federalismo (ALBUQUERQUE, 2004).

Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), teórico contratualista. Para Rousseau, a


soberania reside no povo. O homem era, para esse filósofo, um ser desconfiado. Em sua
descrição do Contrato Social, afirmava que este tinha a finalidade de organizar os
indivíduos, após a passagem de seu estado de natureza. Postulava que “encontrar uma
forma de associação que defenda e proteja, com toda a força comum, as pessoas e os
bens de cada associado, e pela qual cada um, unindo-se a todos, só obedece, contudo, a
si mesmo, permanecendo assim tão livre quanto antes” (NASCIMENTO, 2004).

Isto posto, podemos ter uma visão ampla dos pensadores e de suas ideias, que vieram a
servir de base para a argumentação federalista e também dos confederados. Alguns
teóricos influenciaram bem mais, outros menos. Mas a efetivação da liberdade estava
presente no contexto da revolução americana, bem como nas discussões para aprovação
de uma nova ordem política.

1 O Contexto Histórico de “O Federalista”


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Os fatos sociais não surgem por acaso. É necessária a existência de um ambiente que
possibilite a implantação de um processo de mudança. Dentro desse ambiente,
encontramos a correlação de forças internas e externas que condicionam todo o
processo. No final do século XVIII, havia um crescente descontentamento das colônias
americanas com o governo inglês, e treze colônias já não tinham representatividade no
parlamento daquele país. Como consequência, ocorreu a Guerra da Independência
americana (1775-1783), tendo sido elaborada uma Constituição que caracterizava o
novo país como uma Confederação.

Dentro daquele contexto, várias causas levaram à Guerra da Independência. Uma delas
foi a Revolução Industrial, que possibilitaria uma maior abrangência mercantil. Outro
fator foi a Guerra dos Sete Anos (Inglaterra X França), uma luta entre as duas potências
por áreas de influência na América. A guerra foi vencida pela Inglaterra, mas, foi muito
onerosa. Para reparar os gastos, a Inglaterra promoveu arrocho do pacto colonial, tendo
como consequência lógica o início de uma tensão social entre a colônia e a metrópole.
Com o propósito de se buscar um meio termo para essas tensões sociais é que os
congressos começam a ser realizados (em 1774, ocorre o primeiro, na Filadélfia), sem
caráter separatista.

Na Convenção da Filadélfia, também conhecida como Convenção Constitucional,


ocorrida em 1787, que tinha como propósito inicial rever os artigos da Confederação, os
federalistas James Madison e Alexander Hamilton tinham a intenção de criar um novo
governo, não apenas “articular” a permanência do que existia. Em seu artigo VII, a
Constituição dizia que só entraria em vigor com a aprovação de nove estados
participantes. A proposta dos federalistas era substituir a Confederação pelo
Federalismo, criando assim, uma nova forma de governo ainda não experimentada por
nenhuma nação. O que distinguia as propostas? A Confederação é uma associação de
Estados soberanos, usualmente criados por meio de tratados, mas que pode
eventualmente adotar uma constituição comum. A principal distinção entre uma
Confederação e uma Federação é que, naquela, os estados constituintes não abandonam
a sua soberania, enquanto que, nesta, a soberania é transferida para a união federal.

1.1 Principais Teóricos do Federalismo

Deter-nos-emos a fazer uma breve síntese da atuação dos defensores do federalismo que
vieram, por intermédio de seus artigos, no intuito de ratificar a Constituição Americana,
a fundamentar a construção de uma nova ordem liberal. Traçamos, a seguir, um breve
perfil:

Alexander Hamilton (1755-1804): foi o primeiro secretário do Tesouro dos Estados


Unidos e, como John Jay, foi conselheiro de George Washington, primeiro presidente
dos Estados Unidos da América (EUA) em 1789. Foi o criador da infraestrutura
financeira dos Estados Unidos.
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James Madison (1751-1836): foi um dos fundadores do Partido Republicano, junto


com Thomas Jefferson (que foi eleito presidente dos EUA em 1808). É chamado de
“Father of the Constitution”.
John Jay (1745-1829): co-autor da Constituição de seu estado natal, promulgada em
1777 e importante fonte de ideias para a Constituição Federal. Presidiu o congresso
continental em 1778. Foi o principal arquiteto do tratado de paz com a Grã-Bretanha,
tornando-se em seguida o presidente da Suprema Corte dos EUA. Depois de dois
mandatos como governador de Nova York, retirou-se da vida pública.

Os autores de O Federalista não concordavam entre si em muitos pontos, mas possuíam


um acordo de defender a Constituição elaborada pela Convenção Federal, uma vez que
a consideravam incontestavelmente superior à vigente, sob a tutela dos artigos da
Confederação. Em suma, a nova Constituição propunha a reestruturação do Estado
Nacional Americano, passando os Estados Unidos a ser uma República Federativa,
presidencialista, adotando o princípio dos três poderes (Legislativo, Executivo e
Judiciário), fundamentando-se no ideal de liberdade e universalidade. Segundo Limongi
(2004, p.270), um dos eixos estruturados de O Federalista é o ataque à fraqueza do
governo central instituído pelos artigos da Confederação. Cita Alexander Hamilton que
afirma, em O Federalista, n. 15, que nem se chegou, propriamente, a criar um governo,
uma vez que estavam ausentes as condições mínimas a garantir sua existência. Podemos
reiterar a afirmação na passagem que vem a seguir: Governar implica o poder de baixar
leis. É essencial a idéia de uma lei que ela seja respaldada por uma sanção ou, em outras
palavras, uma penalidade ou punição pela desobediência. [...] Essa penalidade, qualquer
que seja, somente pode ser aplicada de duas maneiras: pelos tribunais ou ministros da
justiça ou pela força militar; [...] A primeira [forma de aplicação] só pode evidentemente
incidir sobre indivíduos; a outra recairá necessariamente sobre grupos políticos,
comunidades ou Estados.

A Constituição teve por base as ideias dos pensadores liberais ingleses que
apresentamos no início do artigo. Esses teóricos são mais bem compreendidos se
observados por dois pontos de vista: econômico, posto que defendem a livre-iniciativa
e a ausência de interferência do Estado no mercado; sob o ponto de vista político:
podem ser entendidos como defensores de uma nova forma de organização do poder,
contrária ao Absolutismo, proposta pelos iluministas franceses (Liberdade, Igualdade e
Fraternidade).

Para Josênio Parente (1994), os principais mentores dos teóricos federalistas foram
Hobbes e Montesquieu. Os artigos Publius colocam uma questão bastante moderna: a
fundação de um governo popular numa sociedade sem castas.

2 Sobre o embasamento teórico federalista

Os artigos publicados pelos federalistas são fundamentadores da teoria política base


para a nova Constituição Americana. Sabe-se que Montesquieu, membro de uma
tradição teórica que se inicia em Maquiavel e culmina em Rousseau, aponta para uma
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incompatibilidade entre governos populares e tempos modernos. Os “antifederalistas”


usavam esta argumentação para combater o texto constitucional apresentado, propondo
a criação de três ou quatro confederações, como o tamanho ideal (LIMONGI, 2004).

Incompatível por quê? Montesquieu apontava que a necessidade de se manter grandes


exércitos e a predominância das preocupações com bem-estar material faziam das
grandes monarquias a forma de governo mais adequada daqueles tempos. Assim, as
condições ideais exigidas pelos governos populares seriam: um pequeno território,
possuir cidadãos virtuosos, amantes da pátria e surdos aos interesses materiais.

O grande desafio dos defensores do federalismo era desmistificar tais modelos de


pensamento: primeiramente desmentir os dogmas da incompatibilidade da existência de
governos populares, que vem desde Maquiavel, Montesquieu e permanecem em
Rousseau, ou seja, numa longa tradição. Em segundo lugar, os federalistas deveriam
trabalhar a ratificação dos ideais contemplados na nova Constituição, em decorrência do
contexto da época, em que se apresentava um forte desenvolvimento do espírito
comercial. Desta forma, os federalistas não viam impedimento para a constituição de
governos populares. E, tampouco, esses dependiam da virtude do povo ou precisavam
permanecer confinados em pequenos territórios, sob pena de serem sobrepujados pelos
seus vizinhos militarizados.

Vale registrar que, em relação à forma de governo, a teorização de Montesquieu ainda


está ligada a exemplos da antiguidade (Monarquia) e voltada às questões correntes da
Europa. Os federalistas não reproduzem os argumentos dos teóricos clássicos.
Defendem uma inovação: a República Federativa. Nesse aspecto, queremos chamar a
atenção para a questão geográfica. Naquela época, quais nações vizinhas teriam o
poderio bélico para intimidar os Estados Unidos como uma presa fácil? Outra questão
que destacamos é que, efetivamente, existe um “oceano” separando a Europa dos
Estados Unidos. Assim, as influências dos teóricos não impactavam, com a mesma
repercussão, a ex-colônia inglesa, como atingiam as correlações de força no âmbito da
Europa.

3 A Questão do Mérito

Pela primeira vez, a teorização sobre os governos populares deixava de se mirar nos
exemplos de forma de governo da antiguidade, iniciando-se, assim, seu caráter
eminentemente moderno. Segundo Limongi (2004, p. 247), o raciocínio desenvolvido
por Hamilton deixa entrever o desdobramento necessário. A única forma de criar um
governo central, que realmente mereça o nome de governo, seria capacitá-lo a exigir o
cumprimento das normas dele emanadas. Para que isso se efetivasse, seria necessário
que a União deixasse de se relacionar apenas com os estados e estendesse o seu raio
deação diretamente aos cidadãos. vEm O Federalista n. 2 (JAY apud LIMONGI, 2004,
p. 258) tratando sobre as vantagens naturais da União, diz que “nada é mais certo do
que a indispensável necessidade de um governo, e é igualmente inegável que, quando e
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como quer que ele seja instituído, o povo deve ceder-lhe alguns de seus direitos
naturais, a fim de investi-lo dos necessários poderes”.

Torna-se evidente que a nova Constituição seria o contrato que regeria a relação Estado/
povo ou governo e governado. Os poderes estariam nas mãos de homens que
governariam o Estado. Segundo Limongi (2004, p. 249), “todo homem que detém o
poder tende dele abusar”. Neste momento, os defensores do federalismo se aproximam
de Montesquieu, uma vez que apontam a necessidade de um poder para frear outro
poder. Neste sentido, O Federalista faz uma relação com a natureza humana: “se os
homens fossem anjos, não seria necessário termos governos” (MADISON, O
Federalista, n. 51, apud LIMONGI, 2004, p. 272). Mas é da natureza humana ter
ambições, interesses e desejos. Para reiterarmos as posições federalistas sobre a
natureza humana, recorremos mais uma vez a Limongi (2004, p. 263):

Na medida em que a razão do homem continuar falível e ele puder usá-la à vontade,
haverá sempre opiniões diferentes. Enquanto subsistir a conexão entre o raciocínio e o
amor-próprio, suas opiniões e paixões terão uma influência recíproca umas sobre as
outras; e as primeiras serão objetos aos quais as últimas se apegarão. Para Silva (2003,
p. 1), os defensores do federalismo reconhecem a fraqueza e maldade da natureza
humana. É fácil notar como, para eles, uma sociedade não tem como sobreviver pacífica
e eticamente sem que haja pressões, ameaças e punições declaradas para possíveis
desvios. Partindo disso, provam que um grupo de homens não está livre de tais
problemas e demonstram que estados também precisam ser policiados (cf. SILVA,
2003).

4 O Governo como controlador do Governo

Para Madison, A fim de lançar os devidos fundamentos para a atuação separada e


distinta dos diferentes poderes do governo [...] é evidente que cada um deles deve ter
uma personalidade própria e, consequentemente, ser de tal maneira constituído que os
membros de um tenham a menor ingerência possível na escolha dos membros dos
outros. Para que esse princípio fosse rigorosamente observado, seria necessário que
todas as designações para as magistraturas supremas do executivo, do legislativo e do
judiciário tivessem a mesma fonte de autoridade – o povo [...]. (O Federalista, n.51,
apud LIMONGI, 2004, p. 272). No mesmo artigo (O Federalista, n. 51), Madison diz:
Ao constituir-se um governo – integrado por homens que terão autoridade sobre outros
homens –, a grande dificuldade está em que se deve, primeiro, habilitar o governante a
controlar o governado e, depois, obrigá-lo a controlar-se a si mesmo [...]. Assim, para
frear a relação de poder entre as esferas do executivo, legislativo e judiciário, ressalta
ainda que [...] os membros de cada um dos três ramos do poder devem ser tão pouco
dependentes quanto possível dos demais. Neste sentido, Madison continua: Todavia, a
grande segurança contra uma gradual concentração de vários poderes no mesmo ramo
do governo consiste em dar aos que administram, a cada um deles, os necessários meios
constitucionais e motivações pessoais para que resistam às intromissões dos outros. [...]
A ambição deve ser utilizada para neutralizar a ambição. Os interesses pessoais serão
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associados aos direitos constitucionais. [...]. Em outras palavras, um poder deve


controlar o outro ou as pessoas devem controlar as outras. Assim, os interesses privados
de cada cidadão devem ser uma sentinela dos direitos público (O Federalista, n. 51,
apud LIMONGI, 2004, p. 273).

Mas como seria possível distribuir para cada um dos poderes instrumentos iguais de
autodefesa? Segundo Madison (O Federalista, n. 51, apud LIMONGI, 2004, p. 274), no
governo republicano predomina a autoridade do Legislativo, apontando um caminho: A
solução [...] está em repartir essa autoridade entre diferentes ramos e torná-los —
utilizando maneiras diferenciadas de eleição e distintos princípios de ação — tão pouco
interligados quanto o permitir a natureza comum partilhada por suas funções e a
dependência em relação à sociedade.

Surgem desta forma, dentro da estrutura do governo republicano, a figura da Câmara de


Deputados e o Senado, ambos com atribuições distintas. Continuando, Madison (O
Federalista, n. 57, apud LIMONGI, 2004, p. 280) argumenta que: A Câmara dos
Deputados é o lugar onde os cidadãos se fazem representar, e o Senado é onde os
Estados têm voz igual, para discutir assuntos de interesse da federação. Isso garante a
proporcionalidade e a igualdade, e ainda possibilita um controle interno do mais
poderoso dos três poderes da União.

Para proteger o Executivo do poder do Legislativo, é atribuído o poder do veto absoluto,


que O Federalista considerava uma defesa com a qual deveria ser armado o Executivo.
Mas reconhece que talvez não seja seguro nem eficiente. Com relação ao Poder
Judiciário, Hamilton, no artigo n. 78 (O Federalista, apud LIMONGI, 2004, p. 275),
afirma que é o mais fraco dos três poderes. O Federalista nos mostrar que: A
independência integral das cortes de justiça é particularmente essencial em uma
Constituição limitada. Ao qualificar uma Constituição como limitada, [...] que ela
contém certas restrições específicas à autoridade legislativa [...]. Limitações dessa
natureza somente poderão ser preservadas na prática através das cortes de justiça, que
têm o dever de declarar nulos todos os atos contrários ao manifesto espírito da
Constituição. Os juízes serão os guardiões da liberdade. A vitaliciedade no cargo, com o
tempo tiraria qualquer dependência em relação à autoridade que o nomeou. O
Federalista afirma que não haverá liberdade se o poder judiciário estiver sob jugo de
outros ou junto a eles.

5 As Facções e as Formas de Controle

As facções foram caracterizadas como a principal ameaça ao destino dos governos


populares. Madison, em O Federalista, n. 10, defende a idéia de não eliminá-las, mas de
eliminar seus efeitos. Pelo ideal de liberdade defendido pelos federalistas, não se pode
evitar o surgimento das facções. Madison as define como: [...] um grupo de cidadãos,
representando quer a maioria quer a minoria do conjunto, unidos e agindo sob um
impulso comum de sentimentos ou de interesses contrários aos direitos dos outros
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cidadãos ou aos interesses permanentes e coletivos da comunidade (O Federalista, n.


10, apud LIMONGI, 2004, p. 262).

Afirma Madison que existem dois processos para remediar os malefícios das facções:
um, pela remoção de suas causas; outro, pelo controle de seus efeitos. Para combater as
causas, deveria ser destruída a liberdade, que é a essência de sua existência. Mas,
fazendo desta maneira, estaria aplicando um remédio que seria pior do que a própria
doença. Outro caminho apontado por Madison para combater as causas das facções
seria fazer com que todos os cidadãos tivessem os mesmos sentimentos, opiniões e
interesses. Assim, os federalistas acreditam que as facções devem existir, mas sem
prejudicar a liberdade. A unificação de opiniões diferentes dos homens também é
apontada como uma solução impraticável por Madison, ao afirmar que “a diversidade
das aptidões humanas, nas quais se originam os direitos de propriedade, não deixam de
ser um obstáculo quase insuperável para uma uniformidade de interesses” (O
Federalista, n. 10, apud LIMONGI, 2004, p. 263). Nesse sentido, “a conclusão a que
somos levados é a de que as causas da facção não podem ser removidas e de que o
remédio a ser buscado se encontra apenas nos meios de controlar os seus efeitos”
(MADISON, O Federalista, n. 10, apud LIMONGI, 2004, p. 265), pois o autor
afirmava que o remédio é fornecido pelo princípio republicano, e entendia “república
como um governo no qual se aplica o esquema de representação – abre uma perspectiva
diferente e promete a cura que estamos buscando”

Neste contexto, o tamanho da república servia como meio para repelir facções ou filtrar
o facciosismo. Mais cidadãos eleitores, melhor discernimento, mais grupos de interesses
reduziriam as chances de conspiração. A representação dividiria responsabilidades
locais, estaduais e federais, e poderia realizar o interesse comum contra facções
majoritárias oprimindo minorias, exercitando o povo sobre as razões pelas quais teria
vantagens em controlar sua própria paixão. Assim, os vários corpos legislativos se
completariam, vigiando um ao outro, e os federalistas integrariam república e federação.
Madison insistiu em que, na democracia direta, as pessoas devem reunir-se todas; na
república, atuam por representação (LEONEL, 2007).

Conclusão

É incontestável a inovação da teoria defendida pelos federalistas. Igualmente é inegável


que eles efetivamente lançaram as sólidas bases do liberalismo. É neste momento que a
ciência política encontra-se com a modernidade. Com efeito, nota-se que algumas
inovações são implantadas com O Federalista. Viabilizam-se, entre outras, algumas
categorias conceituais: República: Res publica (latim) – coisa pública, forma de
governo na qual o povo é soberano. Federação: união entre Estados independentes para
formar uma única entidade soberana, formando o Estado Federal que está dotado de
características próprias (BOBBIO; MATTEUCCI; PASQUINO, 1995). Pode-se, assim,
observar que, com a separação dos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, o
governo passa a controlar o próprio governo, e o povo é a expressão superior da defesa
UNIVERSIDADE DE FORTALEZA - UNIFOR

CIÊNCIA POLÍTICA

intransigente da Constituição. Atua permanentemente como se fora “sentinela”,


defensor contumaz dessa nova ordem democrática.

Job Duarte Morais. Mestrando da UECE


Eliete Nascimento Borges. Mestranda da UECE
João Nascimento Borges Filho. Mestrando da UECE

VÍDEO-AULAS:

https://www.youtube.com/watch?v=WCvaCn2P7j0 (Formação dos Estados Nacionais)

https://www.youtube.com/watch?v=jz3AcQLx2_0 (síntese de Hobbes, Locke e Rousseau)

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