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SENHORIO

·vários volumes seriam insuficientes para a análise historiográfica daqui-


lo que os medievalistas chamaram o "senhorio", um tipo de poder não
estatal, próximo, rude e privatizado. A pr6pria palavra dominium, e as de
sua família, não tem nenhuma conotação particular nas fontes medievais, e
é normal que o historiador dabore o conceito, apresentando-o em seguida
para discussão.
Extremamente amplo, o conceito de senhorio aplica-se de fato a vários
objetos hist6ricos. Ele pode ser tanto um domínio rural e uma célula da vida
social de enorme pujança, na qual os homens aproximam-se de seu chefe,
quanto o despotismo de um castelão, gerador de fratura social. Pode ser a re-
lação de homem a homem entre um senhor medieval·e seu servo, relação ne-
gociável e personalizada como aquela com um "vassalo de nível inferior", que
~s distingue do senhor e do escravo da teoria antiga. É a relação fundiária es-
tabelecida, a diversos títulos, entre o possessor de uma terra e seus "tenancci-
ros",1 uma partilha dos direitos de propriedade e um encadeamento de ele-
mentos reais e pessoais que desafiam os princípios do direito moderno, mas
que não chegam a surpreender os apreciadores da antropologia. Mais tarde,
ap6s a grande mutação do século XII, ele pode consistir na administração im- .
placável, porém legal, do todo ou de parte de um "senhorio de aldeià' pelos
agentes (ministeriais) do nobre senhor que detém o título e a torre. Tal socie-
dade é tecida por uma série de relações de poder de grande complexidade, que
criam diversos tipos de "senhorio". Por outro lado, a história medieval é lon-
ga e rica, e sob a marca da continuidade do poder nobre, apoiado pela ideo-
logia cavaleiresca, há, de fato, inúmeras e sucessivas mutações.
Estas são freqüentemente descritàs como "nascimentos do senhorio", que
cada historiador entende de forma diferente, escalonando-as do século Ili ao

1. Em francês tenanciers, cujos correspondentes às vezes usados em português (rendeiro,


tenente etc.) têm acepçóes que alteram o sentido técrúco da palavra, surgida em 1461
por derivação de tenance (século XID, por sua vez vinda do verbo tener (fins do século
X), saído do latim popular tenire, "ter em inãos", "manter", "possuir" etc. Em razão dis-
so é que propomos o neologismo "tenanceiro". (HFJ)
Diciontlrio 'Ji:111tl1ico do cidmtc Metlicvnl · ·nhorio

século XII. Sob esta expressão, o historiador narra os diversos desdob, .11, 11 111, Ü PARADIGMA E AS FONTES
do poder nobre e cavaleiresco, quase sempre em períodos de crise ou d , 1111
quecimento do Estado central e, com ele, do direito erudito. Desde o s 11111 Subjaz a todos os livros modernos o vigoroso paradigma de um período
Salviano de Marselha fustiga com veemência a tirania de pessoas privad,1 , 111 Íi ·udal inteiramente entregue a senhores castelões independentes e, por conse-
desviam, em benefício pessoal, os impostos e a justiça. A aristocracia g.1111 ,, q üência, à violência social. Ele representa, em nossa história, o caos inicial, a
mana solapa a ordem pública com sua dureza e violência sem freio. 1 ,111 sclvageria cujo reflexo precede e justifica, como na mitologia de um povo "pri-
adianta aplaudir a resistência dos bagaudas2 ou a ascensão dos bárbaro:;? I· mitivo", suas instituições atuais. O ano 1000 é o ano zero da França, momen-
últimos não deixarão, na verdade, de se unir à referida aristocracia ... to de todos os males, cuja supressão demandará, em seguida, a enérgica ação
No século VII, assiste-se ao declínio dos Merovíngios. Seria est o 11 11 da Igreja e dos reis.
mento crucial para o advento do "regime senhorial"? Sim, segundo FuM 1 1 Os séculos do senhorio castelão foram incontestavelmente uma época de
Coulanges e, mais recentemente, Chris Wickham, considerando o d •11 v11I guerras privadas. O paradigma extrai sua força da importante parte de verda-
vimento das imunidades, das corvéias dominiais e das clientelas vassáli ·a de que existe nisso, e fornece assim as referências de que o conhecimento his-
Contudo, na história da França, é sobretudo a derrocada final d prn l , tórico necessita. Da mesma forma que na época anterior (carolíngia), a classe
carolíngio (877-884) que faz soar a hora do "senhorio", isto é, do "feud,111 dominante define-se no período feudal como uma cavalaria. Mas ela já não é
mo", pois ele não se distingue verdadeiramente do "feudo" a não ser a p .111 11 conduzida à guerra régia, e sequer, entre 911 e 1095, à guerra contra os não
de uma data recente. Daí em diante, os castelos fortificados simbolizam cristãos do exterior. Daí as lutas intestinas de uma cavalaria cujas grandes ma-
tabelecem materialmente o poder e a autarcia suspeita dos "feudais". Para <·1 , nobras são travadas na própria região, tomando como pontos de apoio e alvo
a partir dos anos 860 a sombra do feudalismo propaga-se pela paisagem p 1 os castelos cada vez mais numerosos e aperfeiçoados (com outeiros e torres).
sociedade da França, e se tornará ainda mais densa, segundo alguns autor , Mas estas lutas são guerras totais? O paradigma dos "séculos de ferro"
quando por volta do ano 1000 a madeira vier a substituir a pedra [na 0 11 não nos habilita a observar os inumeráveis pactos que as interrompem, entre
trução de castelos]. Entretanto, insinua-se em meio às sombras um raio de 111 , outros o da "paz de Deus". Ele é enganador se nos conduz a um balanço ge-
Ao pé dos castelos, os monges rezam e prosperam. Durante trezentos an 1 , ral extremamente nefasto por comparação com outras épocas. O estudo de
mas sobretudo após o ano 1000, seus escritos (diplomas, crônicas ou narr:111 George Duby sobre o Mâconnais (1953) traz várias correções a esta impres-
vas de milagres) relatam observações surpreendentes sobre o "mau senhorio" são desastrosa, fazendo-nos redescobrir, enquadrada nos principais castelos,
Os poderosos do castelo exigem maus costumes, taxas e direitos de justiça, r uma sociedade um pouco menos "feudal" (porque submetida à sua verdadei-
correndo à força. Alguns dias, entretanto, são dedicados ao arrependimento ra complexidade) e, sobretudo, "menos conturbada do que se afirmou" (pos-
aos dons, e comportam-se então como cavaleiros cristãos, reverenciando o to que dominada por uma elite de herdeiros, hábil para certos compromissos) .
"senhores" (seniores) do claustro. Contudo, em sua obra, ele recorre ao tema tradicional da ascensão de um mau
Essa época (850-1150) é considerada a mais "senhorial" da história d,1 senhorio às expensas da ordem pública: a "independêncià' do castelão faz dele
França. Vou evocar aqui, a título de exemplo, o interesse e as dificuldades d.1 um tirano em sua terra porque apenas uma autoridade superior seria capaz de
descrição e da história do "senhorio castelão", em torno do qual tudo pare impor-lhe limites. Transpondo esse tema para além da periodização corrente
então gravitar. (860-920), coloca o "desmembramento" entre 980 e 1030, e não mais de um
reino, mas de cada "região" (pagus) na qual um conde hereditário havia feito
até então, bem ou mal, perdurar a justiça. O incômodo nesta nova cronolo-
gia da revolução feudal é que ela não corresponde mais a nenhum aconteci-
2. Camponeses revoltados contra a ordem social romana e esmagados por Maximiano mento decisivo, repousando tão-somente sobre ~ma mutação documental
em 285 . (HFJ) cuja interpretação é contestável.
l iciondrio t:1111/tiro do Oridmte Medievnl S 11'1 0,io

Na realidade, o condado manteve-se na França, após O fim do século IX, nas redes e nos sistemas de castelos já existentes, que_ assim se ampliam. O
como quadro estável de uma certa comunidade política constituída pelo con- grande lobo mau do século XI não é um simples falcão empoleirado em sua
de, pela nobreza e pelo alto clero, e como tal permaneceria mesmo depois do l rre ou sua colina artificial, mas o magnata que "possui" ou "dominà', como
ano 1000. E é em meio a este cenário que se deve refletir sobre o senhorio cas- , e diz, vários castelos, em parte ou na sua totalidade. Tal senhorio nos é reve-
telão, com sua justiça que, como a do condado, visa a manutenção da paz en- lado por volta do ano I 000, por ocasião de conflitos em zonas sensíveis, e com
t~e os ~obr_es (cavaleiros). Conhecemos sobretudo sua relação com os senho- um adversário monástico subitamente mais impetuoso.
nos de igreias, com base em fontes que se tornam um pouco mais densas, mas O "costume" pareceu aos historiadores modernos o próprio princípio do
ao m_esmo tempo bastante parciais. Considerado a partir deste ângulo, se- "mau senhorio", novo e perverso, oposto ao direito, "propriamente senhorial".
0
nhono castelão com freqüência parece pernicioso.
e fato, o tom é sempre mais ou menos negativo, menos com Marc Bloch,
mais com George Duby. O costume não é instável, submetido ao acaso das
As DUAS FACES DO CASTELÃO
relações de força? Há, igualmente, um pouco de ingenuidade em opô-lo, de
fo rma radical, a nosso direito. Há também arrogância em negar às sociedades
O "mau senhorio" é um tema bem anterior ao ano I 000. Desde sécu- tradicionais todo sentido da lei. O costume é direito. Como bem o destacou,
O
lo V, Santo Agostinho fornece o motivo da horda de salteadores que legitima no século XI, Abbon de Fleury e Yves de Chartres, estabelecendo ap~nas uma
o seu poder a posteriori (A Cidade de Deus XIX 12) 0 q e · fi ·1·
. . , , , u permite ragi izar distinção hierárquica entre os costumes e a lei fundamental, escrita ou não.
ante_cipadamente todas as legalidades medievais e modernas! Há, em seguida,
Afinal de contas, a própria rejeição dos "maus" costumes supõe a existência
S~viano de Marselha e, sobretudo, os veementes e reiterados protestos de dos bons. Da mesma forma, a censura aos "tiranos", aos "malfeitores" que do-
Hmcmar, arcebispo de Reims (845-882), contra os "poderosos" que não ces-
sam de oprimir os "pobres". minam os castelos vizinhos aos mosteiros é feita para pleitear contra eles na
instituição judiciária (jamais aniquilada) e em face da opinião social (sempre
. Em um contexto de pleno progresso da reforma, vários dos grandes mos- um elemento de pressão), isto é, no interior de um sistema de valores parti-
teiros do ano 1000 (Cluny, Fleury, Saint-Victor de Marselha ... ) lançam uma
lhado pelos próprios malfeitores. Diante dos normandos, os monges fugiam
no~a campanha de denúncia dos poderosos. Sua cultura jurídica e moral deve
com suas relíquias; diante dos senhores castelões, eles as exibiam e faziam-nas
~UI-to à época de 1:incmar. Contudo, vários tópicos são inovadores nesta po-
produzir milagres para obter justiça. .
le~ica que, na realidade, desenvolve-se em faixas cronológicas muito longas e
Estes tiranos dos outeiros ou das torres, coisa estranha, são mais malfei-
:anadas, confo~~e os casos. A palavra de ordem consiste na rejeição dos tores quanto mais seus conflitos com os mosteiros (ou catedrais) são mais ru-
maus costumes . Trata-se, por vezes, de taxas senhoriais recebidas desde mui-
des e intermináveis! Bem próximo a Conques e a Lobbes, famílias perversas e
to tempo, como os direitos de justiça e proteção que podem ser entrevistos
bandos de salteadores sucumbem à vingança de Deus e dos santos, que des-
desde o fim do século IX, vinculados ou não a um castelo. Mas a reforma dos
troem o seu castelo. Porém, em geral, o tirano de hoje torna-se um generoso
m~nges t~~na-os mais exigentes, tanto em relação aos outros como a eles pró-
doador de amanhã. O temor de Deus e, possivelmente, um interesse comum
~nos. Os maus costumes" são tão distanciados da regra e do espírito monás-
de classe produzem, entre ele e os monges, um gentlemen's agreement... Neste
ticos quanto aqueles da reverência devida pelos vizinhos laicos. Outros "m
,, . aus momento (extremamente fugaz), o diploma e a crônica glorificam a sua no-
costumes , atmgem as ter~as recentemente cedidas aos monges pelos nobres,
breza e fazem reluzir sua condição de cavaleiros.
por testamento." Os herdeiros d~st~s se queixam e tentam recuperar algumas
Torna-se, pois, uma pessoa de bem, "portador do gládio da milícia secu-
rendas. Outros maus costumes amda, são o efeito, abundantemente descri-
lar". O século XI reemprega, aqui, o vocabulário do serviço público. Por pou-
t~ a~ longo do período, da construção de um novo castelo: 0 da colina artifi-
co se acreditaria estar em Roma. E, apesar disso tudo, o paradigma tradicio-
ci~ e uma tecnologia nova em fins do século X, e pode servir à causa dos her-
nal encerra elementos positivos, que nos obrigam a representar um contexto
deiros lesados ... Creio, sobretudo, que ela se insere em geral nos castelos, ou
diferente, a elaborar o raciocínio por articulações (mundo rural, direito erudi-

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Diciontfrio 7i:mtftico do cidmtc Medieval · ·nh ri

to marginalizado, guerra privada), sem as quais o pensamento históri O f11 desdenharam toda legalidade. Nós os tomamos por usurpadores de soberania
ameaçado. Um Lancelin de Beaugency, um Rotrou du Perche e um Hu ,111 1 , penas por causa dos esbirros do cardeal de Richelieu (um Galland, um Mé-
Lusignan não são funcionários de um Estado antigo, mas senhores do s ulu 1,eray). Com efeito, nos anos de 1630 reivindica-se para o rei o monopólio da
XI, emancipados e possuidores de uma "honra" claramente patrimoniali1.1.f oberania no reino, considerando-se, retrospectivamente, os "príncipes" do
São, literalmente, cavaleiros (milites) cujo poder é ambivalente, ao m , passado como usurpadores. Insiste-se, pois, em denegri-los com base em con-
11111
tempo predador e regulador. Em tribunais castelões, vê-se ao longo de wdo 11 siderações anacrônicas, e em fazer pesar a história da França sobre suas costas.
século XI, fazem arbitragens entre os cavaleiros que freqüentam seus cast lo
ou entre eles e as igrejas.
DIFICULDADES DE UMA DESCRIÇÃO

Ü MAIS BELO DOS TÍTULOS


A partir do castelo, dizem-no ainda hoje, um verdadeiro bando faz sua
lei reinar sobre a região, impondo seu imposto e estabelecendo uma espécie
A cavalaria faz somente guerras, e valoriza sua legitimidade. O pod •t .t de pequeno Estado predatório. São estes, em linhas gerais, os termos de Flach
fato é, no final das contas, muito mais frágil do que uma autoridade 0 11 (1884), autor que inspirou Duby em sua descrição da região de Mâcon no sé-
grada. Se "o sen hono· " repousasse apenas sobre a força bruta, seria ab ohu
I
culo XI, e ele não está completamente errado. Pois o castelo importante não
mente desgastante para os próprios senhores.
é feito só de uma habitação, e não é mais propriedade de apenas uma família.
Quem, por exemplo, afirma que os castelões não desejavam outro I h 11 111 É necessário distinguir toda uma série de "costumes" exigidos em nome da or-
que o de "senhor doméstico", à maneira do carvoeiro? O paradigma ou as frn dem pública (como a proteção, "chamada assim ironicamente", segundo um
1
tes? Seguramente, apenas o primeiro. É este que anseia por um chefe d 1,,11 1 documento de Saint-Denis escrito em 1005) dos "costumes" relacionados à
do ou um déspota autônomo, fechado no seu orgulho como em seu torr 11 propriedade do solo. Os primeiros parecem consistir em um direito da cava-
inexpugnável, repetindo a si mesmo frases como "Não sou rei, nem prfn ip , laria dominante quando se sobrepõem aos segundos, exigidos por um mostei-
tampouco duque ou conde; sou o senhor de Coucy". Ora, isto não é maiNdo ro, possuidor do solo, dos seus "tenanceiros" (que são, por isso, seus homens
que uma divisa forjada posteriormente, uma representação de um sonh 111 11 próprios). Os direitos de proteção vinculam-se sempre, em grau maior ou me-
demo. De toda forma, no século XI, muitos senhores castelões são cond •~ 011 nor, a um castelo e, portanto, ao "senhorio castelão". Mas tal quadro decorre
viscondes, e outros são amplamente reconhecidos como "príncipes" ou (1111 de um verdadeiro princípio, ou apenas do fato de que todo cavaleiro, isto é,
sul) comtors de seus castelos. Todos são ao menos saudados como caval iro todo notável de uma região dominava um ou vários castelos importantes,
0

no primeiro escalão dos hóspedes nobres das regiões nas quais são as fêni mesmo que não possuísse suas próprias fortalezas?
1:"fá uma forte legitimidade social e política inerente a um simples tf1111 11 A perspectiva de Flach pode induzir a erro, uma vez que o grupo cava-
cavale1resco. Desde 999 reina em Rochecorbon (perto de Tours), "Corl 011 leiresco não constitui um verdadeiro bando, oriundo do exterior e estabeleci-
1

n_obilíssimo cavaleiro pela graça de Deus". Ser cavaleiro é pertencer a uma ~11 do em uma "castelanià' como se fora terra conquistada. Na pessoa dos cava-
c1edade ampla, à elite de um lugar (pagus), reagrupada com freqüência em 1111 leiros do castelo abordamos a própria sociedade local, seus elementos mais evi-
no de um duque _o u -~e um conde poderoso, formando uma vasta rede d po1 dentes, lá instalados com suas divisões e diferenças internas. São estes deten-
rentesco e de soc1ab1hdade a despeito dos conflitos internos, isto é, das rd 1 tores de direitos sobre o solo que, além do mais, podem adquirir costumes de
ções conflituosas que perpassam a sociedade cavaleiresca. Quanto ao "pela ,1 outro tipo, cuja origem pode ser muito rapidamente esquecida e cujo próprio
ça de Deus", apenas no século XV o rei interpretou expressões semelha111 pretexto muda: é o que se vê em Mont-Saint-Jean (Borgonha) nos anos 1070.
co~o um desafio à sua soberania. No século XI, toda a hierarquia social, LOdu De qualquer forma, é incomum, no século XI, que o verdadeiro proprietário
o sistema das três ordens é estabelecido, mantido e defendido pela graça cl de um senhorio fundiário ("alódio", villa) não detenha também a justiça infe-
Deus. Os senhores daquela época jamais reivindicaram a independência, n 111 rior e superior sobre seus camponeses. Os próprios mosteiros cedem aos con-
l iciondrio 'li:111d1iro do O itlmte Mrt/i,:111,/
Scnhori

des, aos senhores cast 1-


. . e oes ou a seus agentes apenas os casos de al .
amda assim a contragosto, tentando subtrair des . . . - ta JU,\1 1\,1, 111 imaginar, por exemplo, que se_ possa deter um castelo ou uma terra sem
servos. Os não nobres - ·u1 d ta Junsd1çao seus vcrd:1 1c 11 11 direito de aliená-los à vontade, o que no entanto é extremamente freqüente
sao J ga os e governado "ald . " ( .
castelo, daí seu nome de vil- s na e1a vzlla), . ri.l o li 11 > século XI. Predominam os direitos de uso sobre os de abuso. De maneira
aos.
g ral, as servidões que pesam sobre um homem e seus bens são mais numero-
N~o é absolutamente necessário crer que no século X o .
vre era Julgado na circun . - d . . campe 111.11 0 li \:1s do que na época moderna, sobretudo depois de 1789, e é a toda esta at-
scnçao e uma vzguerz ( bd . . - d
seja, em uma 1·urisdiça-o p '61" e su 1v1sao o pag111) , 111 mosfera mental e sociojurídica que se chama "feudalismo" ou "ordem senho-
u ica, e que em seg "d -
destruiu este tribunal e d b UI a a mutaçao do an < 10111 rial", expressões mais imprecisas do que propriamente erradas.
esmem rou o pauu 1 . .
viguerie era, no século X fc ~--s _em caste amas pnvatiz. d.1 A "honrà' de um senhor castelão, como a de um conde ou a de um ca-
, apenas uma re erenc1a que e "d fc .
nada, e nem sequer subst"t íd Q ' . m segm a o1 ab.11 11111 valeiro de menor envergadura, tem, portanto, qualquer coisa de compósita.
I u a. uanto a castelama t , ['
como circunscrição territorial no séc 1 XI , ,es a so se ar1r11 1.111 s historiadores interpretam-na de várias formas, de acordo com o aspecto
além do .. u o . Portanto, ha apenas a par i m que privilegiam. Para os membros da velha escola, trata-se de uma dependên-
pagus, que efenvamente subsiste Na r al"d d 1
na França central concentram-se no a us. a " e t,, a e, nos séculos X < • , 1, ia feudal; para Duby, é um "senhorio banal". Ambas interpretações são, ao
de), além das "honras" d " í . P '-gd honra do conde (ou do vi~u111 mesmo tempo, verdadeiras e falsas, porque demasiado parciais.
os pr nctpes e castel " d
0
Senhorio banal? O termo é, de fato, muito ·mal escolhido, e não extraí-
: : :1~:=a~:: :;s~:ah_gnrer~s emfc verdadeiros te;:itóeri:: ~r~:m:i!gr ,~:: I I do das próprias fontes. No Mâconnais há apenas uma alusão ao ban, em
1 1a - e etua-se gradual •
mento dos quadros adm· . . mente ao rttmo do forr.tl • 1 1095, em um ato pontifício relativo ao "ban de Cluny", senhorio completo
m1strat1vos pro { 1 .
século XI (com os rebostes ., ~ess_o sens _ve a partir de meado~ do do abade sobre a própria área do mosteiro, o burgo e algumas localidades vi-
concluído no alvor:cer do s~ci::i:f~;;: vzguzers e diversos tipos de agcr11t· ) zinhas (uma banlieue, "subúrbio"). A justiça sobre os não nobres, o ban que
No século XI, a "honra" castelã é os arrasta ao moinho são exercidos mais pelo senhor do solo do que pelo do
. . d , para os contemporâneos .1 castelo. Este último os detém somente sobre uma parte do próprio castelo e
eia tme iata e sintética O d" . . , uma evr c 11
· pro 1g10so Réczt des Pacte. /C. :1
de Lusignan e o conde de p . . 'S l' onventz/ entre J luttu do burgo. A própria expressão "senhorio banal" chegou até Duby de uma teo-
cebe-se que sob esta expre º}tters, nos anos 1020, não fala de outra coisa! I' r ria forjada por historiadores que o entendiam como o ban régio, no intuito de
nhorio, emblema do homssao en~ontra-se, ao ~esmo tempo, o feudo e o insistir sobre a origem pública, regaliana de certos direitos senhoriais. Ora, o
. em e nqueza matenal, função pública e .
mo . . . Contudo, é extremam d ·c, ·1 d patrnu erro está em considerar a justiça no seu conjunto e sobre todos (como se os
ente 1nc1 escrever est . d h
que se refere a seu princípt·o . e npo e onra, tan w 1111 próprios reis da Alta Idade Média jamais os tivessem tido!). Em compensação,
quanto aos seus d1spos"ti
com a escassez das fontes· n- h, . , . I vos concretos. Sofr ruo é verdade que a "honrà' castelã não é essencialmente um senhorio do solo ha-
· ao a mventanos compl t fal ,
referências em zona de atrit d . e os, e tam ate m ~11111 bitado e cultivado; ele concentra todos os espaços de tipo público: além do
. o com etermmado senhorio de i re. E
categonas modernas mostram r . - g Jª· n ., .i próprio castelo, a floresta que freqüentemente está nos seus limites, os rios e
tem razão: com b sua~ , i~1taçoes. A velha escola do século 1 as estradas, a feira que se realiza cada semana na encruzilhada próxima dele,
ase em nossos cntenos confu d . d .
nia e propriedade. E contud , . , n e-se m ev1damente sob ·1 • enfim, as igrejas. Os principais agentes de um senhor castelão são, no século
' o, e preciso aprenderm 1
destas noções. Não há no século XI . os a esc arecer cada u11 1 XI, os monteiros ou guardas florestais e os receptores de pedágios, guardas de
plenas e integrais e si~ o t , propnedades ou soberanias abstra1,1 ' estradas e de mercados, além daqueles que intervêm em seu nome nas terras
(Duby o dizia m~ito be;:)· r oda adparte, verdadeiros laços de relações so i.11 dos mosteiros para dispensar, em princípio, proteção e justiça.
. a posse e uma terra ou d
põe sempre uma relaça-o entr d" d mesmo e um castelo ~11 E quanto à castelania como dependência feudal? Não é evidente, com
e iversos etentores d d" · .
os mesmos, e concorrentes (alternados ou . e trettos, ~uer SeJam d efeito, que os senhorios fundiários ("alódio", vil/a) sejam todos detidos como
h
tipos diferentes que nós mes _ d" p~tt! ados), quer seJam direitos ti feudo pelo senhor castelão em sua esfera de influência. Alguns o são, e sobre-
mos nao tssoctamos mais · Quase na-o conse 111
tudo entre ele e os senhores do solo, que são cavaleiros do castelo, produz-se
Scnh o1io
Di io111frio 'fi:mtltico do cidi:1/t/: Medieval

' i.1 das autoridades superiores? A onipresença dos "co~tumes" senh~riais teste:
a partilha dos direitos do senhorio castelão, de caráter um pouco mai · pulill ,11unha o esforço de apropriação da região pela cavalana em seu conJunto, tan
co. Assim, a cavalaria da área, sediada no castelo, recebe como feud p , 1 ue ela detém as armas, quanto porque se acredita nela. Mas estou co~- 11
das florestas, dos mercados e das igrejas (repartição dos "ganhos do brm", ui 10 porq
'd d
· d l
e naro houve nem tirania nem terronsmo e c asse: a g ,
uerra pn-
v •nc1 o e qu
serva Duby) . Por outro lado, a autoridade superior conserva um certo di, 1 . d f: qu'"entemente incomoda os agentes senhoriais. Já se afirmou, a exau~-
de vigilância, e o senhor castelão deve, naturalmente, homenagem e fid 11,1 v.1 a re d' d · r h
i: do Estado central e do direito eru 1to e1xava as maos -
de ao conde, e com freqüência (maior do que se afirmou) tem a obriga~ .111 1 1.1o, que a rraqueza 'al~
res Mas assim ela não os priva de um sustentáculo potenc1 .
abrir-lhe as portas de seu castelo. vres aos castelo · d (é l
O castelo fortificado data apenas do início do Estado mo e_rno ~ cu o
XIII), que apoiou com suas finanças os grandes ~arões. O ~en~o~10 m~s ~o~
Nestas condições, é impossível um verdadeiro despotismo de sua 1.111
Incompletamente emancipado do conde, o senhor castelão não é portanto 111 r ' também aquele que indiretamente apoia os func1onanos r~g1os.

senhor absoluto, mesmo porque os cavaleiros de seus castelos mantêm 111 1 1 nao e . , · M amda as-
. cm.dad o co m as hipóteses demasiado contestatanas .. • • as,
preciso E
uma relação equilibrada. Eles o apóiam, mas também podem desequilibr 1
sim, mantém-se a dúvida sobre se, na Idade Média, o que é ruim para o sta-
São suas próprias guerras privadas que preservam sua preeminência, e no 11
do sempre é bom para o senhorio.
tanto ele custa a apaziguá-las. Foi preciso a passagem das relíquias de ';1111
Ursmer, em 1060, pelos castelos flamengos para pôr fim às suas querelas. A111
da assim, por quanto tempo? De seus vassalos, um senhor não faz o qu lh DOMINIQUE BARTHÉLEMY
apraz. E também não de seus agentes (ministeriais), pois necessita perm:111 11 Tradução de Mário Jorge da Motta Bastos
temente deles, e sua servidão ritualizada dificilmente basta para reduzir 11
"arrogâncià'. Enfim, nada é menos seguro do que a passividade campon
diante de todo este sistema. Quando, nos anos 1080, os monges de Saint Au
bin de Angers fazem uma lista dos abusos dos agentes do senhor de M1111 REMISSÕES
treuil-Bellay, o dossiê permite sobretudo entrever os rústicos astuciosos 111 Castelo - Cavalaria - Feudalismo - Idade Média - Nobreza - Ordem(ns) -
submissos. Os vilãos do século XI são cabeças-duras, e a brutalidade senh 11 1
Violência
talvez seja a marca de uma certa impotência diante deles.

ESTADO, SENHORIO, ANACRONISMO


Orientação bibliográfica

Portanto, os paradigmas que sustentam o conhecimento históric pn BARTHÉLEMY, Dominique. La Sociéti dans k comti de Vendôme de l'an mil au )(J1.tf: sieck. Paris, 1993.

dem, igualmente, deformá-los, como ocorre quando um fenômeno medi La mutation de l'an mil a-t-elk eu lieu?. Paris, 1997.

é desfigurado por sua caricatura moderna. O senhor castelão do século 1, ---· · ~ F Xle siecle" Archivum
"Note sur le titre seigneurial (dominus ou senzor castr,,. en rance au .
personagem central de um sistema social ramificado, é transformado em d Latinitatis Medii Aevi, t. LIV, p. 131-58, 1996.
pota isolado, em uma quimera. Mézeray sustentava, em 1643, que os m 11 BLOCH, Marc. A Sociedade feudal [1939-1940]. 2. ed. Lisboa: Edições 70, 1987.
tros do folclore francês eram inspirados nos senhores castelões daquela épm ,_ d "t d )(! à la fin du ;,ae sieck. Croissance et mutations d'une
BONNASSIE, Pierre. La Catawgne u mz teu u
Não se poderia tratar justamente do inverso? E se fosse a concepção de M -, sociiti. Toulouse, 1975-1976. 2 v.
ray acerca deles que provinha do folclore? .
DUBY, Georges. Economza rura e
l vida no campo no Ocidente medieval [1962]. Tradução portuguesa.

Entretanto, não se trata de afirmar que todas as nossas concepções h t Lisboa: Edições 70, 1987-1988. 2 v.
• vrt! XI'" ·, 1- dans la réuÍon mâconnaise [1953]. 2. ed. Paris, 1971.
dadas são enganosas. Como não ver a violência difusa em toda a socied d , - - - · La Soczéti aux Ar et r sz,cies ,,-
antes e depois do ano 1000? Como deixar de relacioná-la à relativa defici 11

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