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Nº 200332
De acordo com Marc Bloch, tanto os primeiros escrito representada numa época remota,
tinha desaparecido antes dos primeiros monumentos escritos. Do mesmo modo, a ordem
senatorial constituía apenas uma oligarquia dispersa e frágil. Ora estas castas, que iam
buscar o seu orgulho a reminiscências antigas, naturalmente não se renovavam. Nos
novos reinos, os motivos vivos de desigualdade entre os homens livres eram dum tipo
diferente: a riqueza com o seu corolário, o poder; e o serviço do rei. Tanto um como
outro destes atributos, pelo facto de passarem muitas vezes, na prática, de pai para,
filho, nem por isso deixavam de manter a porta aberta a ascensões ou a prescrições
igualmente bruscas. Por uma restrição de sentido altamente significativa, na Inglaterra,
desde o século IX ou X, só os presentes próximos do rei conservavam o direito ao nome
de aetheling.
A História das famílias dominantes, na primeira idade feudal, não tinha característica
tão saliente como a brevidade da sua genealogia, o antepassado mais antigo que se
conhece é um conde bávaro, cuja filha casou com Luís o Pio. A linhagem dos condes de
Toulouse surgiu no reinado de Luís o pio; a dos marqueses de Ivrée, mais tarde reis de
Itália, no tempo de Carlos, o Calvo; a dos Liudolfíngios, duques de Saxe, depois reis da
França Oriental e imperadores, sob Luís, o Germânico, os Bourbons, provenientes dos
Capetos, são provavelmente hoje a dinastia mais velha da Europa; no entanto, que
sabemos nós das origens do seu antepassado, Roberto, o Forte, que, assassinado em 866
Sabemos apenas o nome do pai e que talvez tivesse sangue saxão 240. Como se,
invencivelmente, atingida a curva fatal do ano 800, a obscuridade se fizesse lei.
Na verdade, não basta aqui incriminar o mau estado das nossas fontes. Decerto que, se
as cartas dos séculos IX e X fossem menos raras, descobriríamos mais algumas
filiações. Na verdade, transmitidas durante séculos por uma tradição puramente oral, as
genealogias dos camponeses da Islândia são muito mais bem conhecidas por nós do que
as dos nossos barões medievais.
Todavia, esta guerra tão amada tinha as suas estações mortas. Mesmo então, a classe
dos cavaleiros diferençava-se das suas vizinhas por um género de vida propriamente
nobiliário.
Na Itália, na Provença, no Languedoc, perdurava a marca milenária das civilizações
mediterrânicas, cuja estrutura tinha sido sistematizada por Roma, nas antigas cidades
romanas - como Reims, ou Tournai - grupos de cavaleiros parecem ter vivido muito
tempo, alguns dos quais, sem dúvida, estavam ligados às cortes episcopais ou abaciais.
Foi somente a pouco e pouco e como consequência duma diferenciação mais avançada
das classes que os meios cavaleirescos, fora da Itália ou da França meridional, se
tornaram quase inteiramente estranhos à vida das populações propriamente urbanas.
Apesar das características comuns da vocação militar e do género de vida, o grupo dos
nobres de facto, e depois, de direito, esteve sempre muito longe de constituir uma
sociedade de iguais. Profundas diferenças de fortuna, de poder e, consequentemente, de
prestígio estabeleciam entre eles uma verdadeira hierarquia, mais ou menos habilmente
expressa, primeiro pela opinião e, mais tarde, pelo direito consuetudinário ou pela lei.
No tempo em que as obrigações vassálicas conservavam ainda todo o seu vigor, foi
mesmo ao escalonamento das homenagens que se foi buscar, de preferência, o princípio
da classificação. Pelo menos, quando a palavra, comum a todo o domínio romano, era
usada no seu sentido estrito. Não mandar sobre os vilãos, ou mandar apenas neles: isto
era só ter direito a uma medíocre consideração. Praticamente, esta situação jurídica
coincidia quase sempre com uma fortuna das mais modestas, uma vida miserável de
pequeno fidalgo rural, votado à aventura. Vejamos, no Erec, de Chrétien de Troyes, o
retrato do pai da heroína - «muito pobre era a sua corte» - ou, no poema de Gaydon, o
do «vavasseur» de grande coração e de rude armadura; fora da ficção, a indigente casa
senhorial donde se evadiu, em busca de golpes de espada e de despojos, um Robert
Guiscard; a mendicidade dum Bertrand de Bom; ou ainda estes cavaleiros que diversas
cartas dum cartulário provençal nos descrevem providos dum mansus como único
feudo, isto é, do equivalente a uma tenure camponesa. Por vezes, dizia-se também,
quase no mesmo sentido, «bachelier», literalmente «homem jovem». Esta era,
natuiralmente, a condição normal de muitos jovens ainda não «acasados», [Pg 369] ou
ainda só insuficientemente dotados. Por vezes, esta situação prolongava-se até tarde
Desde que o nobre se tornava o chefe de outros nobres, via-se crescer em
dignidade. Depois de ter enumerado as diversas indemnizações devidas ao cavaleiro,
ferido, feito prisioneiro ou maltratado de qualquer modo: «mas desde que ele tenha
outros dois cavaleiros estabelecidos nas terras de sua honra e mantenha outro na sua
dependência», dizem os Costumes de Barcelona, «o ajuste será a dobrar» 309. Se a
nossa personagem reúne sob a sua bandeira uma larga tropa de fiéis armados, é «senhor
de pendão e caldeira». Olhando para cima, se se constatar que nenhum outro grau o
separa do rei ou do príncipe territorial, ao qual presta directamente homenagem, chama-
se-lhe também «tenant en chef», «captai» ou barão. Esta última palavra, tomada de
empréstimo das línguas germânicas, tinha primeiro passado do seu primitivo sentido de
«homem» ao de «vassalo»: depois de ter prestado a sua fé a um senhor, isso não era
reconhecer-se como «homem» daquele? Depois, ganhou-se o hábito de aplicar o termo,
mais especialmente, aos principais vassalos dos grandes chefes. Nesta acepção, não
exprimia senão uma muito relativa supremacia, em relação aos outros fiéis do mesmo
grupo. O bispo de Chester ou o senhor de Bellême tinham os seus barões, tal como os
reis. Mas, poderosos entre os que o eram, ou feudatários mais importantes das
monarquias eram, na linguagem usual, os «barões» sem mais nada.
309 Usatici, c. 6.
Quase sinónimo de «barão» - de facto, empregado por alguns textos como sendo o seu
exacto equivalente -, provido, no entanto, desde a origem, dum conteúdo jurídico mais
preciso, o termo pair, «par», pertencia, propriamente, ao vocabulário das instituições
judiciárias. Um dos mais caros privilégios do vassalo era o de ser apenas julgado, na
corte do seu senhor, pelos outros vassalos deste. Como a igualdade resultava da
semelhança do vínculo, o «par» decidia assim da sorte do «par». Mas, entre as
personagens que detinham os seus feudos directamente do mesmo senhor, havia alguns
muito diversos pelo poder e pela consideração. Podia admitir-se que, extraindo
argumentos duma pretensa conformidade de submissão, o «gentil hommem» menos
importante obrigasse o rico «senhor de pendão e caldeira» a curvar-se perante as suas
sentenças? Mais uma vez as consequências dum estado de direito embatiam com o
sentimento de realidades mais concretas. Cedo, portanto, criou-se o hábito, em muitos
sítios, de reservar aos primeiros de entre os fiéis a faculdade de participarem nos
processos que envolviam os seus verdadeiros iguais em dignidade; e também a de
exprimirem o seu conselho, nos casos graves. O círculo dos «pares», por excelência,
limitou-se, assim, muitas vezes, por meio de recurso a um número tradicional ou mítico:
sete, como os almotacés nas jurisdições públicas da época carolíngia; doze, como os
Apóstolos. Existiam círculos de pares em senhorios médios - tal como o dos monges do
Mont-Saint-Michel, por exemplo - tal como nos grandes principados, como a Flandres;
e a epopeia imaginava os de França agrupados, em número apostólico, em torno de
Carlos Magno.
Mas outras designações ainda, que se limitavam a acentuar o poder e a riqueza, enchiam
a boca dos cronistas ou dos poetas, quando eles evocavam as figuras dos grandes
aristocratas. «Magnats», «poestatz», «demeines», pareciam àqueles dominar de muito
alto a multidão dos cavaleiros. Pois os antagonismos de categoria eram, na verdade,
muito abruptos, até no próprio interior da nobreza. Quando um cavaleiro ofende um
outro cavaleiro, dizem os Usos (Costumes) catalães, se o culpado é «superior» à vítima,
não poderia exigir-se dele, pessoalmente, a homenagem expiatória310. No Poema do
Cid, os genros do herói, provenientes duma linha condal, consideram um casamento
desigual desposarem as filhas dum simples fiel: «Nós nem devíamos sequer tomá-las
como concubinas, a não ser que no-lo pedissem. Para dormirem nos nossos braços, elas
não eram nossas iguais.» Inversamente, as memórias do «pobre cavaleiro» picardo,
Robert de Clary, na quarta cruzada, conservaram-nos o amargo eco dos rancores
longamente alimentados pelo «comum do exército» contra «os altos-homens», «os
ricos-homens», «os barões».
Entre os clérigos e os leigos, a fronteira não era, na idade feudal, esta linha precisa e
firme que a reforma católica, no tempo do Concílio de Trento, se esforçaria por traçar.
Todo um mundo de «tonsurados», . O clero, não deixava de ser, eminentemente, uma
classe jurídica, pois caracterizava-se, no seu conjunto, por um direito muito particular e
por privilégios de jurisdição ciosamente defendidos.
Logo abaixo do clero secular, os curas das paróquias rurais, mediocremente instruidos e
dotados de magros rendimentos, entre as personagens familiares do folclore aldeão. De
tal modo que, neste caso, a palavra classe não estava longe de poder ser entendida na
dinastias de padres, na Inglaterra de Thomas Becket, não parecem ter sido muito mais
raras do que, nos nossos dias, nos países ortodoxos, as linhagens de popes.
Quanto a um regime de salariado, sabe-se demais que nem é bom pensar nisso. Era
forçoso, portanto, que, tal como o cavaleiro de que fala Raimon Lull 321, o monge e o
padre vivessem à custa do «suor» dos outros homens. O próprio cura d
Vilãos e burgueses
Sobrevivências e revivescências
Cultura e classes sociais Sendo, uma língua de cultura, em que medida o latim medieval
era a língua de uma aristocracia? Até que ponto, por outras palavras, o grupo dos
litterati se confundia com o dos chefes? Quanto à Igreja, não temos dúvidas. Não tem
importância que o mau sistema das nomeações tenha, aqui e além, elevado ignorantes a
primeiros lugares. Os cursos episcopais, os grandes mosteiros, as capelas dos soberanos,
em resumo, todos os estados-maiores do exército eclesiástico, contaram sempre clérigos
instruídos, os quais, aliás muitas vezes, de origem baronal ou cavaleiresca, haviam sido
formados nas escolas monásticas e sobretudo nas escolas catedrais. No que se refere ao
mundo laico, o problema é mais delicado.
Nem mesmo nas suas horas mais sombrias devemos imaginar uma sociedade hostil à
partida a qualquer alimento intelectual. O testemunho mais seguro de que geralmente se
considerava útil a um condutor de homens o acesso ao tesouro de reflexões e de
memórias de que a escrita, ou seja, o latim, era a chave, reside na importância atribuída
por muitos dos soberanos à instrução dos seus herdeiros. Roberto, o Pio, «rei sábio em
Deus», tinha sido aluno do ilustre Gerberto, em Reims; Guilherme, o Conquistador,
tomou um clérigo para preceptor do seu filho Roberto. Entre os grandes da terra,
encontravam-se verdadeiros amigos dos livros: Otão III, educado a bem dizer, por sua
mãe, princesa bizantina, que trouxera da sua pátria os hábitos de uma civilização muito
mais apurada, falava correntemente o grego e o latim; Guilherme III da Aquitânia, tinha
reunido uma bela biblioteca, onde muitas vezes o viam ficar a ler pela noite adiante 70.
Recorde-se o caso, de modo algum excepcional, daqueles príncipes que, primeiramente
destinados à Igreja, haviam conservado da sua primeira aprendizagem alguns dos
conhecimentos e das inclinações próprios do meio clerical: tais como, por exemplo,
Balduíno de Bolonha, rude guerreiro, apesar disso, que cingiu a coroa de Jerusalém.
Na origem, vemos o visconde Archambaud, o qual, para vingar a sua mãe abandonada,
mata um dos filhos da segunda união de [Pg. 159] seu pai; depois, muitos anos
decorridos, alcança o perdão do pai matando um cavaleiro que, outrora, havia
infligido ao velho senhor um ferimento incurável. Por sua vez, deixa três filhos.
A estrutura da linhagem
O Ocidente na era feudal só conhecia vastas gentes, fortemente unidas pelo sentimento,
verdadeiro ou falso, de uma descendência comum, e por isso, delimitadas com muita
precisão, na sua faixa extrema, fora das terras autenticamente feudalizadas: nas margens
do Norte, Geschlechter, da Frisia ou do Dithmarschen; no Oeste, tribos ou clãs célticas.
Segundo tudo indica, grupos desta natureza tinham ainda existido entre os Germanos da
época das invasões: tais como os farae lombardos e francos, dos quais mais do que uma
aldeia, italiana ou francesa, continua ainda hoje a usar o nome; tais, também, como as
genealogiae alamanas e bávaras que alguns textos nos apresentam como possuidoras de
terras. Mas estas unidades demasiado extensas, pouco a pouco, haviam-se desfeito.
Não devemos imaginar, desde o longínquo tempo das tribos, uma emancipação regular
do indivíduo. Pelo menos no continente, parece bem que, na época dos reinados
bárbaros, as alienações foram muito menos dependentes da boa vontade dos próximos
do que deveriam tornar-se durante a primeira idade feudal. O mesmo se passou
relativamente às disposições em caso de morte. Nos séculos VIII e IX, tanto o
testamento romano, como diversos sistemas desenvolvidos pelos costumes germânicos,
permitiam ao homem dispor ele próprio, com uma certa liberdade, da devolução dos
seus hens. A partir do século XI, excepto na Itália e na Espanha - uma e outra, como
sabemos, excepcionalmente fiéis aos ensinamentos dos velhos direitos escritos