1. A aristocracia medieval era caracterizada pelo comando sobre homens, poder sobre terras e atividade guerreira.
2. O termo "aristocracia" é preferível a "nobreza", sendo esta última a forma consolidada da aristocracia no fim da Idade Média.
3. A Igreja teve um papel importante no estabelecimento do ritual de adubamento dos cavaleiros e na canalização da atividade guerreira da aristocracia para fins justos, como a proteção da Igreja.
Descrição original:
A feudalidade e a organização da aristocracia (algumas considerações)
Título original
A Feudalidade e a Organização Da Aristocracia (Algumas Considerações)
1. A aristocracia medieval era caracterizada pelo comando sobre homens, poder sobre terras e atividade guerreira.
2. O termo "aristocracia" é preferível a "nobreza", sendo esta última a forma consolidada da aristocracia no fim da Idade Média.
3. A Igreja teve um papel importante no estabelecimento do ritual de adubamento dos cavaleiros e na canalização da atividade guerreira da aristocracia para fins justos, como a proteção da Igreja.
1. A aristocracia medieval era caracterizada pelo comando sobre homens, poder sobre terras e atividade guerreira.
2. O termo "aristocracia" é preferível a "nobreza", sendo esta última a forma consolidada da aristocracia no fim da Idade Média.
3. A Igreja teve um papel importante no estabelecimento do ritual de adubamento dos cavaleiros e na canalização da atividade guerreira da aristocracia para fins justos, como a proteção da Igreja.
A feudalidade e a organizao da aristocracia, Jrme Baschet (algumas
consideraes)
1. Pode-se considerar que a aristocracia, classe dominante no Ocidente
medieval, caracterizada pela conjuno do comando dos homens, do poder sobre a terra e da atividade guerreira. 2. A utilizao do termo aristocracia prefervel a nobreza. A nobreza, como grupo social e no como qualidade, apenas a forma tardia e consolidada da aristocracia medieval. 3. verdade que a caracterizao como nobre (nobilis: conhecido, e depois bem-nascido) frequente, mas somente no fim da Idade Mdia que se pode conferir uma verdadeira pertinncia noo de nobreza tal como ns a concebemos espontaneamente, quer dizer, como categoria social fechada e definida por um conjunto de critrios estritos (dentre os quais o sangue tem um papel primordial). 4. Ser nobre , antes de tudo, uma pretenso a se distinguir do comum, por um modo de vida, por atitudes e por sinais de ostentao que vo da vestimenta aos modos mesa, mas sobretudo por um prestgio herdado dos antecedentes. A nobreza , de incio, essa distino que estabelece uma separao entre uma minoria que exibe sua superioridade e a massa dos dominados, confinados a uma existncia vulgar e sem brilho. 5. A absoro da nobreza pela cavalaria tal que se torna difcil reivindicarse nobre sem ser cavaleiro e a designao como miles termina por ser considerada at mais valorosa do que a antiga terminologia de nobilis ou princeps. Sem tal abertura, de resto cuidadosamente limitada, um grupo social to reduzido como a aristocracia teria rapidamente sido levado ao declnio, ou at mesmo extino. 6. A aristocracia feudal repousa, portanto, sobre um duplo fundamento discursivo. Ela definida, de incio, pelo nascimento: -se nobre porque de origem nobre, quer dizer, na medida em que se pode fazer prevalecer o prestgio social de seus descendentes. Trata-se de uma insero herdada. Mas medida que a cavalaria ganha importncia e identifica-se com a nobreza, trata-se, ao mesmo tempo de uma insero adquirida que supe a assimilao de valores do grupo e de competncias fsicas que permitem receber o adubamento. 7. A Igreja teve um papel importante no estabelecimento do ritual de adubamento, que poderia muito bem derivar da liturgia de bno da atribuio das armas aos reis e aos prncipes, atestada durante a Alta Idade Mdia, depois transformada e aplicada a personagens de nvel mais baixo, como os protetores das igrejas e os casteles do sculo XI.
8. Entre os sculos X e XII, os castelos so os pontos de ancoragem em
torno dos quais se define o poder aristocrtico e o termo miles serve, agora, para categorizar o conjunto daqueles que realizam direta e exclusivamente a dominao social de um espao organizado pelos castelos. O castelo o corao a um s tempo prtico e simblico do poder da aristocracia, de sua dominao sobre as terras e os homens. 9. Se a funo defensiva evidente, e at, mesmo exibida, o castelo , a princpio, um lugar de habitao para o senhor, seus prximos e seus soldados. 10. A principal atividade da aristocracia, e a mais digna a seus olhos, seguramente a guerra. O sistema da faide associa episdios guerreiros limitados, cuja finalidade menos matar do que capturar inimigos a serem trocados por um resgate, e uma prudente procura de compromissos negociados. 11. A guerra do tipo faide menos o sinal de um caos social incontrolvel do que uma prtica que permite a reproduo do sistema senhorial, mobilizando as solidariedades no seio da aristocracia, regulando in fine as lutas entre senhores concorrentes, mas tambm manifestando quanto os camponeses, principais vtimas das pilhagens, tm necessidade da proteo de seus senhores. 12. Atestados a partir do incio do sculo XII, os torneios so uma outra maneira de exibir o estatuto dominante da aristocracia e de regular as relaes em seu seio. Demonstraes de fora destinadas a impressionar, so batalhas ritualizadas, que renem vrias equipes, provenientes de regies diferentes e que, em geral, se opem de modo a reproduzir as tenses entre as faces aristocrticas. 13. Prova de proeza que pe em igualdade modestos cavaleiros e grandes prncipes, o torneio , para os especialistas mais reputados, procurados e pagos pelas melhores equipes, a ocasio de receber grandes somas de dinheiro; por vezes, ele permite que os filhos cadetes, desprovidos de herana sejam recompensados com um casamento com uma herdeira de alta posio e adquiram, assim, uma posio social invejvel. 14. Mas tais prticas, que permitem aristocracia redistribuir parcialmente as posies em seu seio, especialmente atravs do acesso ao casamento, suscitam vivas condenaes por parte da Igreja a partir de 1130. Esta enfatiza que os torneios fazem correr em vo o sangue dos cristos e desviam os cavaleiros dos combates justos que legitimam sua misso. 15. A caa outra prtica condenada pela Igreja. Ela manifesta, aos olhos de todos, o prestgio do nobre cavalgando, dominando a natureza e o territrio. Livre para passar com sua tropa e sua matilha de cachorros por todos os lugares que lhe convierem, ele afirma seu poder sobre o conjunto do espao senhorial, e particularmente sobre as matas e os espaos incultos, objetos de grandes litgios com os aldeos.
16. Todas as atividades da nobreza tm ao mesmo tempo, uma finalidade
material e uma significao simblica, visando manifestar prestgio e hegemonia social. 17. medida que se aprofunda a unificao do grupo cavaleiresco, consolida-se tambm seu cdigo de valores. 18. Os primeiros desses valores so a proeza, quer dizer, a fora fsica, a coragem e a habilidade no combate e, de maneira mais especfica sociedade feudal, a honra e a fidelidade, sem esquecer um slido menosprezo pelos humildes, muitas vezes comparados montaria que o nobre cavalga e conduz segundo sua vontade. 19. A tica da aristocracia repousa tambm sobre a prodigalidade. Ao contrrio da moral burguesa da acumulao, um nobre distingue-se pela sua capacidade de despender e distribuir. Ele se entrega facilmente rapina pelas costas de seus vizinhos, de modo que os no-nobres o descrevem como um rapace vido e cheio de cobia. 20. No entanto, se o nobre comete o butim, para poder se vestir com mais ornamentos, para oferecer festas mais suntuosas, para manter uma corte mais numerosa que aumente seu prestgio, para manifestar sua generosidade em relao aos pobres. 21. Para o nobre, trata-se de distribuir e de consumir com excesso e ostentao, para melhor afirmar sua superioridade e seu poder sobre os beneficirios de sua prodigalidade. 22. Mas esses valores essenciais no demoram a se revelar insuficientes, pois, muito cedo, a Igreja exerce um papel importante na estruturao da cavalaria e sua unificao em torno de um mesmo ideal. Isso supe distinguir entre os maus cavaleiros, realizadores de pilhagens, tirnicos e mpios, e aqueles que pem sua fora e sua coragem a servio de causas justas, tais como a proteo da Igreja e a defesa dos humildes. 23. Durante as assembleias da paz de Deus, no fim do sculo x e, depois, ao longo dos sculos seguintes, a Igreja tenta obter dos guerreiros que eles no ataquem aqueles, clrigos ou simples laicos, que no podem se defender e que respeitem certas regras, tais como o direito de asilo nas igrejas e a suspenso dos combates durante os domingos e as principais festas. 24. Pouco a pouco, a Igreja insiste tambm sobre os inconvenientes das guerras entre cristos e esfora-se para desviar o ardor combativo da nobreza contra os infiis muulmanos. 25. A aristocracia beneficia-se de um importante acrscimo de legitimidade, pois, ao mesmo tempo que os clrigos se esforam para canalizar e enquadrar a atividade e a ideologia cavaleirescas, eles afirmam que o ofcio das armas foi desejado por Deus e se mostra necessrio, desde que seja posto a servio de fins justos.
26. Existem inumerveis conflitos e rivalidades entre clrigos e cavaleiros, e
os valores de uns e outros esto longe de convergir em todos os pontos, como o lembra principalmente a oposio clerical caa e aos torneios, ocupaes favoritas dos nobres. 27. No centro das divergncias, pode-se identificar, de uma parte, a violncia guerreira, que a Igreja condena quando ameaada por ela e aprova quando serve a seus interesses, e, de outra parte, a sexualidade e as prticas matrimoniais, objeto de concepes conflitantes (segunda parte, captulo V). Mesmo nesses terrenos, uma vez passada a primeira metade do sculo XII, as tenses tornam-se menos agudas e as aproximaes acentuam-se. Um exemplo o amor corts (Baschet prefere finamors). 28. O fn'amors a afirmao de uma arte refinada do amor, que contribui para marcar a superioridade dos nobres e distingui-los dos dominados, cujo conhecimento do amor s pode ser vulgar ou obsceno. 29. O finamors contm tambm uma dimenso subversiva. Ele inverte a norma social de submisso da mulher em benefcio de uma exaltao desta, que assume, em face do seu pretendente, a posio de um senhor feudal em relao a seu vassalo: atravs da relao amorosa, a fidelidade vasslica que , ento, exaltada ou posta prova. 30. O amor corts , ento, uma ascese do desejo, mantido irrealizado tanto tempo quanto possvel para, com isso, crescer em intensidade e ser sublimado pelos feitos cavaleirescos realizados em nome da amada. O fin'amors enseja, assim, um culto do desejo, um amor do amor: convencido de que a paixo cessa quando atinge o seu objetivo, faz de sua impossibilidade a fonte do mais alto jbilo. 31. No fim do sculo XII, e mais tarde, o nobre que deseja manter sua posio, ou mesmo se distinguir aos olhos de seus pares, no pode mais se contentar em ser um bravo (corajoso e forte), ele deve ser tambm sbio, o que, alm da obrigao vasslica de ser homem de bom conselho, supe incorporar uma tica marcada pelo ensinamento clerical e reconhecer que a dominao no pode se legitimar apenas pela fora, mas impe tambm a preocupao com a justia e o respeito dos valores espirituais promovidos pela Igreja. 32. Entretanto, mesmo entre os dominantes, nem todas as concesses de bens ganham a forma do feudo e a vassalidade apenas um dos tipos de lao ao lado dos pactos de amizade, juramentos de fidelidade, associaes entre senhores laicos e monastrios etc. que asseguram as solidariedades e a distribuio do poder no seio da aristocracia. 33. No se pode, entretanto, subtrair toda a importncia da relao vasslica, que formaliza entre os dominantes (ela pode incluir tambm os prelados) um lao de homem para homem, entre um senhor e seu vassalo. Trata-se de uma relao ao mesmo tempo muito prxima e hierrquica, que se colore de um valor quase familiar.
34. O vassalo o homem de seu senhor e se engaja a servi-lo conforme as
obrigaes do costume feudal. Este varia fortemente segundo as pocas e as regies, mas trs aspectos tornam-se essenciais ao servio vasslico: 34. 1. A obrigao de se incorporar s operaes militares empreendidas pelo senhor (por um tempo de incio flutuante, mas que tende a ser reduzido a quarenta dias por ano, ao que se acrescenta um perodo de guarda do castelo senhorial). 34. 2. A ajuda financeira (em diversas circunstncias que o senhor considera poder decidir segundo seu alvitre, mas, em seguida, limitada, sobretudo na Frana e na Inglaterra, aos casos de adubamento e de casamento dos filhos, de pagamento de um resgate, de partida para as cruzadas ou peregrinao). 34. 3. O dever de bem aconselhar o senhor. 35. Entre essas trs obrigaes importantes, a primeira particularmente determinante, pois a base principal sobre a qual se formam os exrcitos feudais. Em troca, o senhor deve a seu vassalo proteo e respeito; ele lhe demonstra sua solicitude (e, ento, tambm a sua superioridade) por meio de presentes e assume geralmente a educao dos filhos do vassalo, que deixam a casa paterna durante a adolescncia para dever junto ao senhor. 36. Enfim, e sobretudo, o senhor prov o seu vassalo de um feudo que lhe permite manter sua posio e preencher suas obrigaes. Mais do que um bem ou uma coisa, o feudo deve ser considerado a concesso de um poder senhorial, que pode dizer respeito a uma terra e seus habitantes, mas pode tambm limitar-se a um direito particular, por exemplo, o de exercer a justia, de recolher uma taxa ou cobrar um pedgio. 37. A relao vasslica instituda por um ritual, a homenagem, que, em sua forma clssica, parece caracterstica, sobretudo, das regies ao norte do Loire. Pode-se decomp-la em trs partes principais. 38. A homenagem propriamente dita consiste em um engajamento verbal do vassalo, que se declara o homem do senhor, seguido do gesto da immixtio manuum, pelo qual o vassalo ajoelhado, pe suas mos juntas entre as do senhor. 39. A segunda parte do ritual, denominada fidelidade, consiste em um juramento prestado sobre a Bblia, e um beijo entre vassalo e senhor, por vezes na mo, mas com mais frequncia na boca (osculum), segundo um uso corrente na Idade Mdia. 40. Finalmente (terceira parte), ocorre a investidura do feudo, expressa ritualmente pela entrega de um objeto simblico, tal como um punhado de terra, um basto, um galho ou um ramo de palha.
41. Como bem demonstrou Jacques Le Goff, o ritual de vassalagem instaura,
de maneira visvel e concreta, uma hierarquia entre iguais, estruturando, assim, as diferenas internas de uma classe que, em seu conjunto, se quer acima do homem comum. 42. preciso, ento, reconhecer extrema diversidade regional, que se pode evocar apenas brevemente aqui (no existe uma feudalidade, mas feudalidades, sublinha Robert Fossier). 43. Os laos feudo-vasslicos so vtimas de seu sucesso e sua eficcia tende a diminuir medida que seu uso mais frequente e que a rede de dependncias vasslicas faz-se mais densa. 44. Uma das principais dificuldades aparece quando se torna corrente um nobre prestar homenagem a vrios senhores diferentes. Essa pluralidade de homenagens, bem atestada desde o sculo XI, vantajosa para os vassalos, mas atrapalha a boa realizao do servio vasslico e pode mesmo pr em causa o respeito fidelidade jurada a partir do momento em que se tenha de servir dois senhores rivais entre si. 45. Por fim, a evoluo mais perigosa reside no fato de que o controle do senhor sobre os feudos que outorga atenua-se incessantemente. Se se tratava, no incio, de uma concesso feita pessoalmente ao vassalo e destinada a ser recuperada quando de sua morte, o feudo cada vez mais transmitido em herana pelo vassalo aos seus descendentes. 46. Finalmente, o senhor conserva o direito de punir as faltas dos vassalos e at mesmo a possibilidade de confiscar o feudo (direito de arresto) em caso de falta grave. Mas, na prtica, a confiscao cada vez mais difcil de realizar e limitada aos casos de traio flagrante ou de agresso direta contra o senhor. 47. Em geral, a transmisso hereditria dos feudos modifica o equilbrio da relao entre senhores e vassalos, distende o lao pessoal estabelecido entre eles, restringe as exigncias senhoriais e contribui para uma crescente autonomizao dos vassalos.