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Idade Média I

Organização trifuncional da sociedade


A Sociedade Carolíngia e medieval dividia-se, grosso modo, entre Clérigos e
Leigos. Durante os primeiros séculos colocava-se a questão sobre de que forma se
haveria de dividir a sociedade de uma melhor forma. Adalbéron de Laón, no século XII,
foi quem conseguiu definir mais claramente a situação. Dividiu-a em 3 grandes
grupos/ordens – Nobreza, Clero e Povo. Em latim, e isto é extremamente importante –
Bellatores, Oratores e Laboratores, respetivamente. Apesar de tudo, não é uma divisão
nova. Os povos indo-europeus já se organizariam desta forma. Cada individuo teria a
sua função na sociedade definida pela Ordem a que pertencia. E as 3 Ordens zelam
umas pelas outras, precisamente através dessas funções. Os Oratores – a palavra vem de
orar – deviam rezar pelos outros todos, interceder por eles e pelos restantes junto de
Deus. Os Bellatores, - a palavrar vem de bélico – incumbidos da arte da guerra, da força
militar, devem zelar pela proteção de todos os outros. Por sua vez, os Laboratores – a
palavra vem de laborar, trabalhar – devem produzir tudo o que é necessário para o bom
funcionamento da sociedade, mas sobretudo são quem sustenta as restantes duas ordens.
Relativamente ao Clero, os clérigos dos séculos VIII e IX, dentro do Império
Carolíngio, trabalhavam ao serviço de Carlos Magno. O próprio Clero está dividido em
2 grandes partes, essencialmente – Clero Secular e Clero Regular. O Clero Secular, onde
se inseriam os párocos que deviam ministrar os sacramentos aos paroquianos nas suas
paróquias, mas também os bispos, com vários raios de ação extremamente importantes
dentro do governo da sua diocese, entre outras, as visitações para controlar o que se ia
passando nas paróquias da sua diocese, mas serviriam também como conselheiros do
Imperador. Já o Clero Regular, que vivem sob uma regra em clausura, deve fazer
missionação, espalhando a mensagem de Cristo e também rezar e interceder pelas almas
dos defuntos junto de Deus.
Os grandes, os Bellatores, têm desde logo influência política e económica, até por
estarem perto do Imperador e por exercerem poderes públicos, operam sob laços de
vassalidade, tendo dependentes, mas dependendo ao mesmo tempo do Imperador. O seu
poder económico poderia crescer de diversas formas. Poderia ser através dos dotes que
vinham nos casamentos, que a sua noiva traria, mas também pelas heranças familiares.
Outras formas seriam através de honores, ou honras – basicamente bens doados a título
precário como recompensa por algum serviço -, ou através de benefícios – que são os
bens doados a título vitalício através de uma enfeudação. Desta forma conseguem
adquirir mais património, sobretudo fundiário – são as villae.
Por seu lado, a restante população, que seria maioritária, os chamados pequenos,
trabalham nas villae, nas terras do senhor. Dentro deste enorme e heterogéneo grupo há
duas divisões jurídicas, entre Livres e Não-Livres. Os Livres poderiam ser proprietários
de bens, mas continuavam a pertencer à grande camada do povo, pagando os impostos
na mesma. Os Não-Livres estariam igualmente divididos em 3 camadas – os Escravos,
os Colonos e os Servos. Os Escravos, que seriam em número bastante mais reduzido do
que teriam sido durante a Antiguidade e do que viriam a ser mais tarde durante a Época
Moderna, eram propriedade de alguém. As leis canónicas impediam que cristãos fossem
reduzidos à condição de escravos, logo a sua maioria seriam cativos de guerra,
principalmente islâmicos, mas sobretudo seriam os eslavos – os sclavus em latim, daí o
termo escravo – que eram pagãos. Alguns Escravos acabavam a ser libertados,
conseguindo a sua alforria. Já Colonos e Servos, sendo ambos Não-Livres, tinham uma
enorme diferença entre eles. Os Colonos eram pessoas que tinham nascido Livres, mas
por qualquer razão tiveram de se colocar na dependência de algum senhor, que depois
lhe entregava uma pequena propriedade/terra para eles trabalharem. Geralmente era na
busca de proteção após perderem os seus bens e ficarem sem rendimentos. Os Servos
eram tal como os Colonos, com a grande diferença de que nunca tinham sido Livres, ou
seja, nasceram Não-Livres e a trabalhar a terra do Senhor.
Os benefícios eram doados pelo Imperador ao grande Senhor como recompensa
por serviços prestados por este, sobretudo serviços militares, em troca de vassalagem.
Passavam a estar obrigados a jurar fidelidade ao Imperador e em troca recebiam
proteção deste. Este laço ficaria para a vida na teoria. Na prática nem sempre foi assim.
Os laços poderiam ser quebrados por traição do vassalo ao Senhor, por crime ou se o
vassalo entender que o Senhor agiu com injustiça para com ele por qualquer motivo. O
fim do Império Carolíngio acaba por ser o resultado destas quebras nos laços de
vassalidade e também da falta que começam a sentir em termos de benefícios a
conceder. A certa altura, as conquistas de terras pela guerra acabam e deixava de haver
território para conceder em benefício. Os vassalos, que dependem destes benefícios,
acabam por procurar prestar vassalagem a outro Senhor que lhes conseguisse oferecer
novos benefícios. Estes laços de vassalidade acabam por se multiplicar e um vassalo
consegue ser vassalo de mais do que um Senhor. Isto criava problemas, caso dois
Senhores com vassalos em comum entrassem em guerra. O vassalo iria ter de optar por
um dos dois Senhores para estar ao lado. Para isso foi criada a Homenagem Lígia. Ao
Senhor que o vassalo prestava esta Homenagem Lígia, era o seu Senhor principal. Um
outro problema que contribuiu para o fim do Império Carolíngio foi a hereditariedade
patrimonial. Isto porque geralmente os benefícios, sendo bens doados a título vitalício,
acabavam por voltar para o património do Senhor quando o seu Vassalo que os tinha
recebido morria. Só que isto deixou de acontecer na prática. Os herdeiros do vassalo
acabavam a herdar estes benefícios e o Senhor nunca mais os via serem-lhe devolvidos.
O problema que isto gerava é que, enquanto o pai, e primeiro vassalo, tinha prestado
homenagem ao Senhor e estava obrigado à sua fidelidade, o filho e herdeiro deixava de
estar, precisamente porque recebe os bens em herança e não por doação, não estando
obrigado à homenagem e posterior fidelidade. O laço material acabava por se tornar
muito mais importante que a palavra dada. Deixava de ser um benefício e passava a ser
um feudo.

Feudalismo
O Feudalismo assentava em laços entre Senhores e Homens-Livres. Era
exclusivamente entre Homens-Livres esta relação feudo-vassálicas. Havia um menos
poderoso que se colocava na dependência do mais poderoso. Feudalismo e
Senhorialismo, embora apareçam muitas vezes como sinónimos, são conceitos
diferentes. O Feudalismo era praticado entre Nobres. O Senhorialismo entre Nobres e
Não-Nobres. A cerimónia responsável por firmar este laço feudo-vassálico chamava-se
Homenagem. Era um ritual de enorme significado. A Homenagem tinha um caráter
voluntário, mesmo que na prática nós percebemos que nem sempre se sucedeu dessa
forma. O ritual consistia em algumas fases que poderiam ocorrer durante a mesma
cerimónia. Falo do immixtio mannum, que consistia em o Senhor colocar as mãos sob
as mãos do vassalo. Falo também do juramento, onde o vassalo proferia um juramento
com a mão sob um objeto simbólico, geralmente um livro litúrgico ou sob um relicário
– onde se guardavam as relíquias de um santo. Igualmente existiam o beijo da paz e a
investidura. O beijo da paz, tal como o nome indica, era um beijo entre Senhor e
Vassalo que carateriza todo este simbolismo de fidelidade e respeito mútuo. Podia ser
um beijo na boca, algumas iluminuras mostram-no. A investidura era a oferta de um
objeto pelo Senhor ao Vassalo que simbolizaria o benefício que estava a ser doado pelo
primeiro ao segundo. Por exemplo, poderia ser um cetro.
Quando o Senhor doava o feudo ao Vassalo, guardava para si o dominium e o
Vassalo ficava com o usufruto. A relação entre os dois era bilateral. O Senhor devia
conceder ao Vassalo ajuda material e militar quando necessário. Já o Vassalo estava
obrigado a servir militarmente o Senhor quando chamado a tal na sua hoste, mas
também de forma monetária se solicitado. Poderiam ser ajudas para resgastes se o
Senhor estivesse como cativo de guerra, poderiam ser ajudas para o casamento do
Senhor ou para o Senhor casar uma filha, poderiam se ajudas de custo quando o Senhor
partia em cruzada ou para os custos da manutenção da cavalaria, mas também poderia
ser através de assistência judicial, servindo como testemunha a favor do Senhor quando
este se envolvia num processo judicial.
A partir do século XI, este processo todo começa a originar problemas. Há cada
vez mais senhores poderosos, mais ricos, com mais terras e mais vassalos, o que
acabava por se revelar impraticável. A multiplicação das Homenagens levou a criar dois
mecanismos de Homenagem – a reserva de Homenagem e a Homenagem Lígia. O bem
doado acabava por ser mais importante que a palavra jurada e isso reflete outro
problema deste sistema, com a instituição então da hereditariedade dos bens
patrimoniais.
Na cidade, a estrutura social é diferente. O que vimos até agora serve como
exemplo para o que se passava no campo. Na cidade tudo se conjuga mais em torno do
poder económico. A Nobreza não está muito presente na cidade, numa primeira fase. No
caso da Península Ibérica, a Nobreza começa a chegar mais à cidade a partir do fim da
Reconquista, que é quando ficam sem formas de obter riqueza, pois a guerra de fossado
deixa de se fazer. Passam a procurar na cidade, através sobretudo de atividades
comerciais, formas de continuar a prosperar. O Clero, por sua vez, existe na cidade. Há
bispos e há cónegos e que servem a comunidade. A administrar a cidade temos as elites
urbanas, compostas muitas vezes por nobres que se estabelecem na cidade ou por
mercadores com grande capacidade económica. O grosso da população citadina era
composto pelo Povo, a trabalhar nos mesteres ou na agricultura, quando havia espaços
para tal nas cidades. Por fim, é importante referir a existência dos excluídos e dos
indigentes, que seriam pessoas pobres, mendigos, inválidos, doentes, etc, e que não
serviriam a comunidade.

Economia Feudal
Com as invasões dos séculos IX e X, de muçulmanos, normandos e magiares
essencialmente, vemos uma nova tendência de ruralização da Sociedade. As cidades
começam a despovoar e as pessoas procuram o campo e a dependência dos grandes que
dominam esse espaço geográfico. As atividades económicas e comerciais típicas das
cidades sofrem um enorme retrocesso. A Nobreza que está fixada no campo, começa a
dominar cada vez mais espaços jurisdicionais. As pessoas que vivem na sua
dependência trabalham essencialmente na agricultura. Há grandes e pequenas
propriedades no campo. As grandes são as villae e as pequenas ou são os alódios –
pequenas propriedades que pertencem a Homens-Livres -, ou são tenures – pequenas
propriedades entregues pelos Senhores ao Colonos para eles as trabalharem. Todo este
espaço geográfico se organiza em torno da dependência de Homens Não-Livres para
com o seu Senhor e tem o nome de Senhoria. A Senhoria tem 2 dimensões – a senhoria
fundiária, que é o espaço em si – e a senhoria banal – que são os direitos e jurisdições
que o Senhor tem nesse espaço.
Na dimensão da senhoria fundiária existem dois espaços delimitados. A reserva e
o manso. A reserva era o local onde se fazia uma exploração direta, ou seja, era o local
onde o Senhor obrigava os Homens a trabalhar para ele gratuitamente, tendo de lhe
entregar toda a produção aí realizada. Era feito por uma determinada camada que estava
a isso obrigada através de um imposto – a corveia, que consistia em obrigar os
dependentes do Senhor a trabalhar na reserva durante um período de dias pré-
determinado. Na reserva geralmente situavam-se as habitações senhoriais ou até o
castelo, mas também os meios de produção e de transformação que pertenciam ao
Senhor, como o moinho, o lagar ou o forno, e que os seus dependentes poderiam usar
para si através de um pagamento ao Senhor. Já o manso era o local da senhoria onde os
dependentes do senhor habitavam e trabalhavam para a sua subsistência. Apesar de
trabalharem para si, os habitantes da senhoria no manso, enquanto dependentes do
Senhor, deveriam pagar na mesma os impostos da sua própria produção, mas ao
contrário da reserva, pelo menos podiam reservar uma parte da produção para a sua
subsistência, enquanto na reserva ia tudo para o senhor e era uma obrigação. Contudo, o
manso estava dividido em 3 dimensões. O manso Livre, onde habitavam os dependentes
que não estavam obrigados a trabalhar na reserva do senhor. O manso Servil, onde
habitavam os servos que estavam obrigados a servir na reserva. E o manso Emancipado,
onde os servos estariam inicialmente obrigados a trabalhar na reserva, mas que a certa
altura deixam de estar, emancipam-se. O tipo de manso não se definia pelas pessoas que
nele habitavam, nos 3 casos podiam habitar colonos, escravos ou servos, ou mesmo
Homens-Livres, sem nenhum problema.
Dentro da dimensão da senhoria banal, o seu significado gira em torno do direito
de ban, que se exemplifica pelos direitos sociais e fiscais que o Senhor tem sobre os
seus dependentes. As pessoas, juridicamente, ou eram servos – não-Livres –, ou eram
vilãos – pessoas livres que se tinham colocado na dependência do Senhor. Ambos os
estatutos preveem o pagamento de direitos fiscais ao Senhor. Vou apresentar alguns
exemplos destes deveres fiscais dos dependentes para com o Senhor. Temos então o
Censo que era pago por amanharem o manso, por trabalharem nele. Também a talha, um
pagamento de uma percentagem pré-determinada da produção feita no manso pelo
dependente. Podia ser 50%, mas poderia ser mais e menos, dependia. Temos a
formariage e que era um pagamento obrigatório feito ao Senhor quando um seu
dependente decidia casar com alguém que habita outra senhoria. Isto levava as pessoas a
casarem dentro da própria senhoria, precisamente para evitar este pagamento. Temos as
banalidades, o tal pagamento feito ao Senhor pelo usufruto, por parte dos dependentes,
dos meios de produção e de transformação situados na reserva e pertencentes ao Senhor.
O caso de fornos, moinhos para moer o pão, etc. As taxas de justiça e que eram pagas ao
Senhor por este ministrar a justiça dentro da Senhoria em casos judiciais, como se
fossem os custos de tribunal. Temos o imposto da mão morta, que se baseava no
pagamento ao Senhor de um imposto para reaver o património de um homem a quem o
Senhor tinha confiado algum bem e que, à sua morte, reverteria para o Senhor. Eram os
herdeiros do dependente falecido quem pagavam. Depois, dentro do conjunto de
impostos que eram pagos em trabalho, temos a corveia, que em Portugal eram as jeiras,
e que implicavam então o trabalho do dependente na reserva do Senhor num
determinado número de dias pré-estabelecidos e gratuitamente, revertendo então toda a
produção lá realizada para o Senhor.

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