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LIGA DE ENSINO DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO UNIVERSITÁRIO DO RIO GRANDE DO NORTE


HISTÓRIA DO DIREITO I - 2019.1
PROFESSOR Me. LUIZ FELIPE PINHEIRO NETO

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Ponto IV – DIREITO NA IDADE MÉDIA

“Identifico, no momento presente, o historiador do direito com a imagem do marinheiro,


cismado na proa do seu navio acerca do rumo a tomar, quando, em plena imensidão
oceânica, ninguém o olha, mas ele domina perfeitamente a linha do horizonte”
(Rui Miguel de Figueiredo Marcos)

1. Contexto Histórico: fim da antiguidade/queda de Roma, Alta Idade Média (séculos


VI a XII), Baixa Idade Média e Tempos Modernos (séculos XII a XVIII), época
Contemporânea (1789 até a atualidade);
2. Direito Canônico: Jurisdição eclesiástica (origens, apogeu e decadência), fontes do
direito, codificações do direito canônico e ensino e doutrina;
3. Direito Celta;
4. Os Direitos Germânicos;
5. O direito na Alta Idade Média: Direito romano, fontes do direito nas monarquias
germânicas, legislação da monarquia franca;
6. O Direito feudal;
7. O Direito na Baixa Idade Média.

1. CONTEXTO HISTÓRICO
1.1. FIM DA ANTIGUIDADE / QUEDA DE ROMA
• Século IV d.C.: Divisão do Império Romano no Império do Ocidente (Roma) e
no Império do Oriente (Constantinopla), em um território que se espalha da Ibéria
e Inglaterra ao Danúbio, passando pelo norte da África e parte da Ásia ocidental.
• Deslocamento dos povos germânicos e eslavos do norte do império, em
decorrência de pressões de povos vindos da Ásia central.

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• “Queda” do Império Romano do Ocidente no século V, enquanto o Império do
Oriente (ou Bizantino) dura até o século XV, conservando o direito romano
(codificações justinianéias).
• “No Império Romano, uma religião nova, pregada por Cristo e pelos seus
discípulos no século I, impôs-se no Século IV; o Império torna-se cristão. Um
sistema jurídico próprio da comunidade dos cristãos, o direito canônico,
desenvolve-se à margem do direito romano, sem absorver; instala-se um sistema
dualista – direito laico e direito religioso – que se vai manter até o século XX.”
(Gilissen)
• Retirada do Cristianismo da semiclandestinidade e sua legalização – 313, Edito
de Tolerância de Milão (Imperador Constantino)
• Direitos verificados no início da Idade Média:
▪ Direito Romano (sobrevivendo no direito bizantino);
▪ Direito Canônico (em seu nascedouro);
▪ Direitos Germânicos;
▪ Direitos Eslavos;
▪ Direito Celta.

1.2. ALTA IDADE MÉDIA (Séculos VI a XII)


• “A alta Idade Média é um período de desconstrução e construção. Por isso mesmo
ele é cheio de vieses e detalhes. Neste tempo da História europeia os homens
tiveram que conviver com o fim do mundo que conheciam, o mundo romano, e,
ao mesmo tempo, com a construção de um novo mundo, agora tendo como
elementos as culturas germânicas e a Igreja (Católica).” (Lages)
• Expansão do Império Bizantino no sudeste da Europa principalmente com
Justiniano (Século VI) e encontros violentos com os povos eslavos no norte e
muçulmanos no sul (século VII), que dominam grande parte da Ásia, norte da
África e se expandem até a Península Ibérica e a Gália.
• Nos antigos domínios do Império Romano do Ocidente, se instalam reinos
germânicos: Visigodos, Burgúndios, Francos, Ostrogodos e Lombardos, com
aplicação do direito romano à população de origem romano e dos direitos de
origem germânica aos povos “invasores”, mantendo-se, contudo, alguns direitos
germânicos fora da esfera de influência romana (direitos escandinavos ou
normandos, dos anglos e dos saxões).
• Expansão do reino dos francos entre os séculos VI a IX, tornando-se um império
sob Carlos Magno (Império Carolíngio - 800), com tentativas de unificação do
direito. Posterior enfraquecimento do Império e desmembramento, com os
regimes político e social tornando-se feudais, especialmente na França e na
Alemanha (e em menor grau na Itália e na Inglaterra).

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• “Durante dois a três séculos – fim do século IX ao século XII -, o direito feudal
domina na Europa Ocidental; ele não desaparecerá definitivamente senão nos fins
do século XVIII em França e na Bélgica, e, quanto à Alemanha, no século XIX.”
(Gilissen)
• Direitos verificados na Alta Idade Média:
▪ Direito Muçulmano (sudoeste);
▪ Direito Bizantino (sudeste);
▪ Direito Romano (ainda entre os séculos VI a VIII);
▪ Direitos dos povos germânicos, tornados sedentários (Visigodos,
Francos, Lombardos, Anglos, Saxões, Normandos...);
▪ Direito do Império Carolíngio (Séculos VIII-IX);
▪ Direito dos povos Eslavos no Leste;
▪ Direito Feudal;
▪ Direito Canônico.

1.3. BAIXA IDADE MÉDIA E TEMPOS MODERNOS (Séculos XII a XVIII)


• “A Baixa Idade Média é o período no qual, superados os momentos de integração
dos dois mundos que sem encontraram no início da Idade Média (o mundo romano
e o germânico), o que se considera medieval consolidou-se e, ao mesmo tempo,
começou a se transformar para daí a alguns séculos por fim ao medievo.” (Lages)
• Consolidação da instituição considerada símbolo da Idade Média: o feudalismo.
• Reforço dos poderes de reis e senhores feudais, especialmente na França,
Inglaterra e Aragão, com enfraquecimento do feudalismo e formação de sistemas
jurídicos próprios de cada território, com base em costumes locais, legislações
real ou senhorial e decisões judiciais ou senhoriais.
• Formação progressiva dos Estados Modernos e consolidação dos direitos estatais.
• Manutenção do Império Carolíngio, modificando-se até virar o Sacro Império
Romano-Germânico, enfraquecendo, contudo, a partir do século XIII, com o
fortalecimento de principados, cidades autônomas e Estados pontifícios,
especialmente na Itália e na Suiça (Confederação dos Cantões).
• Assim, há uma grande multiplicidade de sistemas jurídicos e nem todos se
desenvolveram da mesma forma, observando-se fatores políticos, econômicos e
sociais.
• Renascimento do direito romano na Europa a partir do século XII, a partir da
Itália, passando pela França, Alemanha, Espanha e Polônia e pouco chegando à
Inglaterra, formando-se a divisão ente o direito europeu do continente (e da
Escócia) e o direito inglês (common law).
• Grande importância do Direito canônico até sua decadência, que inicia na época
da Reforma (Século XVI).

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• “O direito bizantino manteve-se no Sudeste até ao século XV, o direito
muçulmano no Sul da Espanha até a mesma época, seguidamente no Sudeste da
Europa, no quadro do Império Turco.” (Gilissen)
• Grandes sistemas Jurídicos na Europa dos Séculos XII a XVIII:
▪ Direitos romanistas;
▪ Common Law inglês;
▪ Direitos Eslavos;
▪ Direito Bizantino;
▪ Direito canônico;
▪ Direito Muçulmano.

1.4. ÉPOCA CONTEMPORÂNEA (1789 até a atualidade)


• Era das Revoluções: Revolução Americana (1776) e Revolução Francesa (1789).
• Desaparecimento dos últimos vestígios do feudalismo (e do Antigo Regime),
reconhecimento de liberdades públicas, passagem da soberania dos reis e
príncipes para a nação (conceito recém construído), unificação do direito e
fortalecimento deste nas mãos do Estado (com a consolidação da lei como
principal fonte do direito) e início da constitucionalização do direito.
• Continuação da divisão entre o direito europeu continental romanista (transferido
para suas colônias e mantido nelas, já independentes, como na América Latina) e
o common law da Inglaterra, que é transferido para suas colônias e mantido nos
Estados Unidos, mesmo independentes.
• “O nacionalismo dos sistemas jurídicos tem a tendência a recuar a partir dos
meados do século XX; um direito europeu está em vias de elaboração, pelo menos
no quadro limitado dos países do Mercado Comum. Um novo sistema jurídico
nasceu no Leste da Europa, na sequência da Revolução Russa em 1917. Sob a
égide da doutrina marxista-leninista, a Rússia e, depois de 1945, outros países,
procuram transformar a sociedade capitalista em sociedade comunista, sem
Estado e sem direito; segundo esta doutrina, uma fase intermediária é necessária
no quadro dos Estados socialistas.” (Gilissen)
• Grandes sistemas jurídicos consolidados na Europa:
▪ Common Law;
▪ Direitos romanistas;
▪ Direitos socialistas.

2. O DIREITO CANÔNICO
• “A Igreja foi (...) uma força onipresente no desenvolvimento financeiro e jurídico
da Europa. Como maior latifundiário, estava comprometida com a defesa do

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feudalismo, e com toda a sua autoridade auxiliou na repressão das revoltas de
camponeses que varreram o continente. Denunciava como hereges ou trancafiava
em mosteiros todos aqueles que desejavam restabelecer a imagem de urna Igreja
comunal, apostólica.” (Tigar e Levy)
• O Direito da Igreja Cristã, especialmente da Igreja Católica, que desempenhou na
Europa medieval um forte poder temporal e uma grande influência religiosa e
cultural, sendo um direito religioso, como o hebraico, o hindu e o muçulmano,
retirando suas regras de preceitos divinos revelados em seus Livros sagrados, mas
se diferenciando dos demais direitos teológicos por entender a noção do direito
em separado dos comportamentos religiosos, rituais e morais.
• “(...) é chamado de canônico por causa da palavra “canon” que em grego significa
regra.” (Lages)
• “Os cânones são regras jurídico-sagradas que determinam de que modo devem
ser interpretados e resolvidos os vários litígios. Mais que regras, são leis, isto é,
são verdades reveladas por um ser superior, onipotente, e a desobediência, muito
mais que uma infração, é um pecado. Os cânones são os desígnios de Deus,
transformados em regras a serem seguidas sem questionamento pelos homens.”
(Wolkmer)
• Principais períodos do direito canônico:
▪ Fase ascendente (séculos III a XI – Alta Idade Média);
▪ Fase do apogeu (séculos XII e XIII – Fim da Alta Idade Média e
Início da Baixa);
▪ Fase da decadência (A partir do século XIV, acelerando a partir do
século XVI, na esteira da Reforma Protestante e laicização dos
Estados)

• Neste período (especialmente entre os séculos VIII e XV), na Europa Ocidental,


a Igreja visava impor sua concepção de mundo, com uma tendência universalista
que deu a seu direito um caráter unitário, um direito canônico único e comum em
todos os países e regiões da Europa Ocidental, com centralização da leitura do
direito pelo Papa, sendo ainda, por boa parte da Idade Média, o único direito
escrito (e erudito), ao passo que o direito laico era predominantemente
consuetudinário.
• O Direito canônico foi objeto de diversos trabalhos doutrinários, mais ainda que
o direito laico, construindo-se uma ciência do direito canônico.
• Predominância do uso do direito canônico (de larga influência romana) na
regência de temas de direito privado, mesmo em relações laicas, o que o tornou
base de muitas disposições de direito civil moderno.

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• Este direito continua, na atualidade, a reger relações entre os membros das
comunidades cristãs (em especial no clero) em consonância ao direito secular,
orientando ainda relações privadas em países como Irlanda e Espanha.

• O principal marco do início do poder político e social da Igreja é 313, com a


liberdade dos cristãos dada por Constantino, passando pouco tempo depois esta a
ser a religião oficial do Estado, com a proibição das demais, tornando-se a Igreja
uma instituição do Estado, organizando-se territorialmente a partir da organização
típica do Império Romano1.
• O Império Bizantino se torna uma teocracia, com o imperador acumulando
poderes temporal e espiritual.

• A partir do desmembramento do Império do Ocidente (século V), o poder


temporal enfraqueceu e a Igreja não está mais submetida ao Estado, tornando-se
em muitos lugares uma autoridade comum a fiéis de diferentes Estados e feudos,
influenciando (e não mais se submetendo) governantes.
• Estabelecimento de estreita aliança entre o papado e os primeiros Carolíngios,
retirando dos Papas sua legitimidade (em retribuição, concedem-se os estados
temporais do papa, na Itália). Há um breve momento de inversão no poder, com
Carlos Magno, mas a relação volta a pender para as autoridades eclesiásticas com
seus sucessores.
• Há alguns embates entre a Igreja e o Sacro Império nos séculos XI e XII, como
na “Questão das Investiduras” (poder para conferir títulos eclesiásticos), a qual é
vencida pelo papado.

• Apogeu do poder pontifical nos séculos XII e XIII, com a acepção que os reis
detêm um poder concedido pela Igreja, que pode exomungá-los. Não há uma
teocracia direta, pois o Papa só pode exercer pode temporal em seus domínios,
mas pode se falar em indireta, pela clara subordinação.
• Conflitos entre reis e a Igreja na Inglaterra e na França, entre outros lugares,
diminuem o poder do Papa, crise que é aumentada com o Cisma do Ocidente
(divisão do papado entre Avinhão e Roma).

• As concordatas são utilizadas para reger (durante a Idade Média e ainda as épocas
moderna e contemporânea) as relações entre Igreja e Estados.

1
Um arcebispo para cada província, um bispo para cada civitas (que se torna uma diocese ou
episcopado) e dentro delas, submetidas ao bispo, as paróquias, com o trabalho de padres no domínio
religioso e diáconos no domínio laico (administração de bens).

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• As concordatas são convenções estabelecidas entre os poderes religioso e
temporal (ou secular) para organizar a intervenção do Estado na nomeação de
altos funcionários eclesiásticos, além de outras questões patrimoniais e políticas.
• Concordata de Worms (1122): princípio da separação dos poderes espiritual e
temporal.

• A Constituição Belga de 1831 estabelece um regime próximo à separação


completa entre Igreja e Estado (abolindo as concordatas e proibindo a intervenção
de um ente no outro), embora ainda haja muitos pontos de conexão (como a
remuneração dos ministros de culto pelo Estado belga).
• Na França, a Lei de 09 de Dezembro de 1905 separa completamente Estado e
Igreja, com a proibição de remuneração e subsídio de culto.

2.1. A JURISDIÇÃO ECLESIÁSTICA


2.1.1. ORIGENS
• Nos ensinamentos de Cristo e nas Cartas de Paulo são aconselhados certos
princípios, como a busca da conciliação e arbitragem da comunidade cristã, com
a excomunhão do membro que não se submeta à decisão desta comunidade, que
teria caráter supremo, ao mesmo tempo em que buscavam se esquivar dos juízes
romanos (época de semiclandestinidade do cristianismo).
• “O poder jurisdicional da Igreja tem portanto uma dupla origem: arbitral e
disciplinar.” (Gilissen)
• A partir de 313, Constantino favorece o desenvolvimento da jurisdição episcopal,
permitindo às partes submeterem-se voluntariamente à decisão dos bispos, com
mesmo peso de um julgamento do Estado, sendo reconhecida sua competência
penal nos séculos IV e V para todas as infrações religiosas ou espirituais (fé,
dogma, sacramentos, disciplina...).
• Aparece no Século V o privilegium fori em relação aos clérigos, que só poderiam
ser julgados (em qualquer matéria_ pelos tribunais da Igreja.
• “Na época carolíngia, em virtude de uma confusão crescente entre o espiritual e o
temporal, a Igreja atribuiu-se uma certa competência nas questões temporais que
se relacionassem, mais ou menos diretamente, com matérias a clavibus2,
sobretudo com aquelas que dissessem respeito aos sacramentos. Foi assim que os
tribunais eclesiásticos se tornaram os únicos competentes para todas as questões
relativas ao casamento. (...)” (Gilissen) – se estendendo para questões
relacionadas à legitimidade de filhos, divórcio, etc...

2
Relacionadas às chaves da Igreja.

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2.1.2. APOGEU (séculos X a XIV)
• Decadência das jurisdições laicas em decorrência do enfraquecimento do poder
real pelo feudalismo e apogeu da Igreja na maior parte da Europa Ocidental.
• Os tribunais eclesiásticos tornaram-se competentes para julgar (quanto aos
sujeitos):
▪ Eclesiásticos, que possuíam o privilegium fori, que era absoluto e
irrenunciável, aplicável a qualquer matéria.
▪ Cruzados;
▪ Membros das universidades (professores e estudantes), posto que
todas elas eram eclesiásticas até o século XVI;
▪ Miserabiles personae (viúvas e órfãos), quando pedissem proteção
à Igreja.
• Também fora determinada a competência ratione materiae (quanto às matérias de
direito civil e direito penal):
▪ No Direito Penal, julgar-se-iam todas as pessoas que tivessem
cometido infração contra a Igreja (como heresia, apostasia,
simonia, sacrilégio, feitiçaria) ou outros crimes, que atentassem
mesmo que indiretamente contra regras canônicas (como adultério
e usura);
▪ No Direito Civil, seriam julgados casos de benefícios eclesiásticos
(rendimentos atribuídos a um clérigo), casamento e matérias
conexas (como separação e filhos), testamentos (quando
continham legado pio a favor de uma instituição eclesiástica) e não
execução de promessa feita sob juramento.
• O processo aplicado perante os tribunais eclesiásticos era diferente do praticado
nos tribunais laicos à época:
▪ No campo penal, desenvolve-se inicialmente um processo
acusatório (nos moldes romanos), firmando-se o processo oficioso
(inquisitorial) nos finais do século XII, sendo largamente aplicado
pelo Santo Ofício contra as heresias.
▪ No campo civil, o processo era essencialmente escrito, iniciando
por um pedido escrito (libellus) do queixoso a um oficial, que
convocaria o réu, e na presença de ambos o libelo seria lido, com
possibilidade do réu oferecer exceções, que seriam examinadas,
firmando-se um contrato judiciário. Após, as partes submetiam-se
à produção de provas e seriam julgados por um juiz.

• Na questão penal, se verifica que até os séculos XII e XIII, o julgamento era
baseado em provas consideradas “irracionais”, não sendo explicáveis pela razão,
mas sim ao julgamento divino, por meio de ordálias como provas de ferro em

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brasa ou de água ou óleo fervente (ordálias unilaterais) ou combates (ordálias
bilaterais).
• “Uma outra forma de provas por ordálios era a chamada “prova do cadáver”, que
consistia em fazer o acusado tocar o defunto sem que este sangrasse.” (Lages)
• Estes julgamentos irracionais foram condenados pela Igreja a partir do IV
Concílio de Latrão, em 1215, mas ainda sobreviveram pela Europa por muitos
séculos.
• Passou-se então, na Igreja, ao uso de prova racional, como testemunhos e
confissão, mas, no sistema inquisitivo ou inquisitorial, poder-se-ia usar até mesmo
a tortura para obtê-los.

2.1.3. DECADÊNCIA (a partir do século XIV)


• Perda de influência do Direito Canônico, que passa a se limitar às questões
religiosas, devido a causas internas e externas, como a divisão pela Reforma
Protestante (com perda de poder nos atuais Países Baixos, Inglaterra e boa parte
da Alemanha) e a laicização do Estado mesmo onde o catolicismo se mantenha
como predominante, com rejeição da intervenção da Igreja e fortalecimento de
órgão políticos e judiciários próprios.
• Ordonnance de Villers-Cotterêts (1539): retira-se da Igreja a competência para
julgamento de qualquer matéria que não espiritual.
• “Nos séculos XIX e XX, os tribunais eclesiásticos perderam toda a competência
exclusiva e até concorrente, mesmo relativamente ao clero, salvo evidentemente
nas questões disciplinares internas da Igreja.” (Gilissen)

2.2. FONTES DO DIREITO


• “As fontes do Direito canônico são o ius divinum (conjunto de regras que podem
ser extraídas da Bíblia, dos escritos dos doutores da Igreja e da doutrina patrística),
a própria legislação canônica (formada pelas decisões dos Concílios e dos escritos
dos papas – chamados decretais), os costumes e os princípios recebidos do Direito
Romano.” (Lages)

IUS DIVINUM
• O Direito extraído das “Sagradas Escrituras” (Antigo e Novo Testamento),
escritos dos apóstolos e “Doutores da Igreja”, como Santo Agostinho e São
Gregório.
• Grande influência do Direito Oriental e do Direito Grego.

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LEGISLAÇÃO CANÔNICA
• Decisões eclesiásticas, que formavam “a fonte viva” do Direito Canônico, muitas
vezes reunidas em coleções canônicas.
• Dividem-se entre Concílios e Decretos papais.
• Concílios: Destaque-se, por exemplo, o Concílio de Trento, que se pôs à Reforma
(trazendo mudanças no direito canônico, como no casamento). Além dos concílios
gerais, existem inúmeros concílios regionais, provinciais e diocesanos.
• Decretos dos Papas (decretais ou constituiones): “(...) escritos dos papas,
respondendo a uma consulta ou a um pedido emanado de um bispo ou de uma alta
personagem eclesiástica ou laica.” (Gilissen)

COSTUMES (jus non scriptum – Direito não escrito)


• Como no Direito Romano, os costumes tem lugar menor no Direito Canônico,
sendo usado suplementarmente ou então como fonte local de direito, mas
raramente como fonte geral.
• “Na Idade Média, os canonistas construíram alguns princípios para reconhecer o
caráter obrigatório do uso jurídico: para ser válido, o costume canônico deve
obedecer, então, às condições seguintes: ser seguido desde há um certo tempo (30
anos pelo menos), ser razoável (isto é, não ofender a razão), ser legítimo (isto é,
ser conforme ao direito divino, aos decretos e ao ensino autorizado pela Igreja).”
(Gilissen)

PRINCÍPIOS DO DIREITO ROMANO


• O Direito Romano é supletivo ao canônico, especialmente em questões da teoria
das obrigações e processo civil, pois a Igreja Católica se desenvolveu no Império
Romano e absorveu seu direito e formalismos.
• Deixa-se de aplicar o Direito Romano se for contrário ao Ius Divinum, aos
decretos e aos decretais.

2.3. CODIFICAÇÕES DO DIREITO CANÔNICO


ANTERIORES AO SÉCULO XII
• “Verdadeiros códigos de direito canônico só foram redigidos a partir do século
XII. No entanto, a partir do século III, aparecem numerosas coleções de textos
canônicos. Embora fossem obra de particulares, algumas coleções foram no
entanto reconhecidas oficialmente pelas autoridades eclesiásticas.” (Gilissen)
• “O hábito de reunir em compilações mais ou menos extensas os principais textos
de direito canônico, persistiu no decurso dos séculos X, XI e XII, numa época em

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que em todos os outros domínios da vida Jurídica do Ocidente, as fontes escritas
do direito tinham desaparecido quase completamente; o direito canônico
permaneceu então como o único direito escrito.” (Gilissen)

CORPUS IURIS CANONICI


• Decreto de Graciano (1140)
• Decretais de Gregório IX (1234)
• Livro Sexto (1298)
• Clementinae (1314)
• Extravagantes de João XXII (1324) e Extravagantes Comuns (século XV)

2.4. O ENSINO E A DOUTRINA


• “O ensino do Direito canônico estava inicialmente anexo ao ensino da teologia. O
desenvolvimento do estudo do direito romano em Bolonha e a importância tomada
pelo Decreto de Graciano levaram assim, nos finais do Século XII, a que se
formassem escolas do direito canônico, a par das escolas de direito romano.”
(Gilissen)
• Desenvolvimento de escolas em Bolonha, Montpellier, Toulouse, Orleães, e
posteriormente universidades ibéricas e alemães.
• Desenvolvimento dos métodos de glosadores, comentadores, decretistas e
decretalistas.
▪ Os Decretistas são os que tomaram o Decreto de Graciano como
base dos seu trabalhos.
▪ Os Decretalistas, são aqueles que consagraram principalmente o
comentário das Decretais de Gregório IX.

2.5. O PROCESSO INQUISITORIAL – O SANTO OFÍCIO


• “(...) O sistema inquisitivo é regido pelo princípio inquisitivo, ou seja, pela
concentração de poderes na autoridade judicial e na idéia do juiz como
protagonista da gestão da prova.” (Madeira)
• A característica fundamental do sistema inquisitório, em verdade, está na gestão
da prova, confiada essencialmente ao magistrado que, em geral, no modelo em
análise, recolhe-a secretamente, sendo que “a vantagem (aparente) de uma tal
estrutura residiria em que o juiz poderia mais fácil e amplamente informar-se
sobre a verdade dos fatos – de todos os factos penalmente relevantes, mesmo que
não contidos na ‘a acusação’ – dado seu domínio único e onipotente do processo
em qualquer das suas fases”. O trabalho do juiz, de fato, é delicado. Afastado do
contraditório e sendo o senhor da prova, sai em seu encalço guiado essencialmente

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pela visão que tem (ou faz) do fato (Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, “O
Papel do Novo Juiz no Processo Penal”).
• O sistema de apreciação de provas é o da prova legal (ou taxativa), obedecendo a
valoração das provas a rigorosos critérios que podem atrapalhar a análise da
verdade real.

• Fim do Direito Romano - Direito germânico – Direito Canônico - Regimes


monárquicos.
• Direito canônico enquanto auge do sistema inquisitivo – instituição do Tribunal
da Inquisição (ou Santo Ofício), por volta do século XIII.
• Predominou até a Revolução Francesa, quando os novos postulados de
valorização do homem e movimentos filosóficos que surgiram na época
repercutiram no processo penal, removendo paulatinamente as características do
modelo inquisitivo (Lopes Jr).

• Monopólio do poder de punição pelo Estado.


• O juiz concentrava em suas mãos as funções de acusar e julgar,
comprometendo, assim, sua imparcialidade (vide a função dos Inquisidores).
• Não há uma estrutura dialética ou contraditória.
• O processo é regido pelo sigilo, de forma secreta, longe dos olhos do povo e não
há o contraditório nem a ampla defesa, pois o acusado é mero objeto do processo
e não sujeito de direitos, não se lhe conferindo nenhuma garantia.
• O acusado é tratado como objeto da persecução e não como sujeito de direitos.
• Há desigualdade de armas e oportunidades (entre acusação e defesa) e
inexistência de contraditório pleno.
• O sistema inquisitivo demonstra total incompatibilidade com as garantias
constitucionais que devem existir dentro de um Estado Democrático de Direito.
• “O denominado processo inquisitivo não foi e, obviamente, não pode ser, um
verdadeiro processo. Se este se identifica como actum trium personarum, em que
ante um terceiro imparcial comparecem duas partes parciais, situadas em pé de
igualdade e com plena contradição, e apresentam um conflito para que aquele o
solucione atuando o direito objetivo, algumas das características que temos
indicado próprias do sistema inquisitivo levam inevitavelmente à conclusão de
que esse sistema não pode permitir a existência de um verdadeiro processo.
Processo inquisitivo se resolve assim em uma contradição entre termo.” (Juan
Montero Aroca, apud Rangel)

2.6. GLOSADORES
• Pode-se, no fenômeno jurídico, demarcar o surgimento da especificidade do
estudo do Direito com a escola dos Glosadores na Itália.

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• Surgimento da Universidade de Bolonha.
• As duas escolas se formaram ao longo dos séculos XII e XV, despreocupadas com
o direito justinianeu, na medida em que sabiam se tratar de direito racional.
• Tinham como texto tradicional o corpus de direito romano enquanto ratio scripta.
As escolas influenciaram seriamente, inúmeras áreas do direito, processo civil e
penal, o segundo materializado em algumas inovações do direito canônico.
• No direito comercial, ajudaram nas justificativas às práticas e invenções dos
mercadores.
• Influíram também, em matérias de direito internacional, em direito de família, uso
da terra, pessoas jurídicas (“teoria das corporações e suas autonomias”).

GLOSADORES
• Tiveram um trabalho mais tímido, limitado, em relação ao texto.
• Mesmo sendo conhecedores de todo o conteúdo dos textos, suas glosas eram
comentários que seguiam a ordem do texto.
• “Não queriam usá-lo na vida prática, queriam comprová-lo como instrumento de
razão da verdade da autoridade”.
• O iniciador desta tradição, Irnério, consolidou o Corpus Iuris Civilis de Justiniano,
além de editor de uma cópia, foi também autor de um formulário notarial e de um
ensaio sobre as ações.
• Os integrantes desta escola, dada o baixo nível de conhecimento da população
medieval, se apropriaram de um papel proeminente dentro da sociedade, já que
eram capazes de ler, escrever, redigir documentos em jargão jurídico.
• Considerados novos clérigos, estamento insurgente, respeitado e até temido, nas
comunas e cidades, por serem conselheiros de senhores e mercadores, usufruindo
de seus treinamentos na nova arte do “direito douto”.
• Obra desta mesma escola, temos por Acúrsio, une todas as glosas anteriores e une-
as na chamada “Magna Glosa”. Produzindo assim, uma autoridade a mais,
tornando possível conhecer o direito não somente em sua literalidade, mas
também, por meio de Acúrsio.
• Os glosadores, determinam um estilo relativamente simples de estudo, inicial,
com grande reverência ao texto romano.
• Só os juristas do século XIV, com um saber mais consolidado, tinham mais
liberdade, enorme avanço legislativo sobre o costume, possuíam diversas copias
dos textos romanos, até mesmo pela reforma gregoriana da Igreja.

COMENTADORES

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• Composta por aqueles que se tornaram conselheiros dos príncipes, das comunas e
dos particulares, emitindo pareceres e auxiliando na harmonização dos direitos
locais, espalhados pela cristandade.
• Por meio do Ius Commune, se esforça em conciliar os direitos locais, acaba por
viabilizar a convivência das tradições feudais com as novas tendências da vida
europeia, monetarização da vida, comércio, e proporciona uma certa
flexibilização nas transferências de terras e sucessões.
• Os comentadores, antecedidos por sucessores dos glosadores, são do século XIII
e XIV, são possuidores de tarefas mais práticas e mais livres, na medida em que
tratam dos temas sem seguir à risca os textos, e respondem à indagações e
consultas, tem grandes nomes, como: Cino de Pistóia (1270-1336), Bártolo de
Sassoferrato (1314-1357), entre outros. Bártolo, compositor de tratados e
comentários, escreveu sobre diversas áreas do direito, privado e público, redigiu
um tratado sobre o governo das cidades (Tractatus de Regimine Civitatum, entre
1355-1357). A geração intermediária entre os comentadores e glosadores, já
discutia livremente as glosas, segundo Solmi. A influencia da escola de Bolonha
se dá como cultural, seus alunos influirão na cultura jurídica das sociedades,
criando sua própria maneira de estudar o direito (mos italicus). Se conflitam com
os humanistas no pé de que não buscam o texto romano puro, mas sim seu valor
contemporâneo, usando do que se possuía advindo da Antiguidade, para seus
próprios interesses de pesquisa. Existentes também na França (mos gallicus), onde
combateram a Igreja, à serviço do Rei. Na Alemanha, criaram uma classe de
juristas comuns independentes de fronteiras geográficas. Na Itália foram
conselheiros dos Podestá e Signorie, arbitrando disputas territoriais. Se
constituíram diplomatas e administradores, fornecendo aos príncipes a “teoria da
soberania”, cobertura ideológica e politica. Puderam redigir documentos e criaram
um aparelho administrativo.

3. O DIREITO CELTA
• Foram identificados diversos povos celtas espalhados pela Europa desde a Idade
de Ferro, como no caso da Irlanda e parte da Gália, e pouco antes da conquista
romana (cerca de 50 a.C.), como no caso dos povos belgas (Nérvios, Menápios e
Mórinos), ocupando regiões das atuais Bélgica e França.
• Os celtas foram, em sua maioria, povos ágrafos que não chegaram a constituir um
Estado, mas possuidores e defensores de seu território.
• Poucos grupos celtas escaparam da romanização e tiveram registros escritos,
como o caso dos Betrões (Inglaterra e oeste da França), Galeses e Irlandeses (que
possuem até hoje uma grande influência da cultura céltica).

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• “No antigo direito celta, o poder jurídico pertencia à classe sacerdotal, os druidas;
uma das suas doutrinas principais era a proibição absoluta de confiar a tradição,
jurídica ou religiosa, à escrita. A interdição druídica da escrita não desapareceu
senão pela cristianização que se efetuou na Irlanda do século VI ao século VIII da
nossa era; a tradição jurídica foi então objeto de redações, mas estas não
sobreviveram; não são conhecidas senão por cópias posteriores, muitas vezes
influenciadas pelo direito canônico. Os comentários e as glosas que acompanham
abundantemente as cópias testemunham geralmente uma má compreensão da
língua.” (Gilissen)
• Principais e mais antigas compilações consuetudinárias irlandesas: Senchus Mor
no século VII e o Livro de Aicill.
• Um exemplo de adaptação cristianizada da cultura céltica é o mito do Rei Arthur.

4. OS DIREITOS GERMÂNICOS
• Os povos que invadem o Império Romano eram principalmente originários da
região da Germânia, sendo povos isolados em cidades e aldeias.
• “Para os Germanos não existem nem Estado nem cidades do tipo romano, mas
comunidades: tribo, clã, (sippe) e família, que são as estruturas da sua vida política
e social (...) A tribo, comunidade de família e de aldeia, é dirigida por uma
aristocracia de nascimento ou de valor (na guerra), que possui a maior parte da
terra (...)” (Pierre Riché)
• Principal Instituição: a família.
• Oralidade – era um direito basicamente consuetudinário.
• “Quando estes povos invadiram o Império Romano, algumas tribos
estabeleceram-se como reinos e, algumas delas para um melhor controle da
população romana conquistada, portanto diferente e acostumada com direito
escrito, perceberam a necessidade de confeccionar um direito escrito, outros
reinos optaram por manter a qualquer custo seus costumes e, portanto, a sua
legislação. Estes são os Direitos das Monarquias Germânicas.” (Lages)

5. O DIREITO NA ALTA IDADE MÉDIA


• Destituição do último imperador romano do Ocidente (476) e queda de Roma,
com o estabelecimento dos povos germânicos, indo da Península Ibérica
(Visigodos) ao sudeste da Gália, Itália (Ostrogodos) e Renânia e norte da França
(Fracos), dominados por reis,

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5.1. O DIREITO ROMANO
• “Embora o último imperador do Ocidente seja destituído em 476, a influência
romana não deixou, no entanto, de se fazer n o Ocidente. A organização
administrativa e religiosa conserva aí as características da época romana durante
vários séculos. O direito privado romano permanece o direito das populações
romanizadas enquanto que os invasores germanos mantêm os seus costumes
ancestrais; aplica-se pois a personalidade do direito, pelo menos durante alguns
séculos.” (Gilissen)
• “No sistema de personalidade do direito, cada indivíduo vive segundo seu direito,
isto é, dentro do grupo social (...) ao qual pertence. (...) A aplicação do princípio
da personalidade do direito implica a necessidade de determinar que direito é
aplicável a cada indivíduo e de resolver os conflitos que podem nascer entre as
pessoas permanecentes a dois sistemas jurídicos diferentes. As regras que nascem
desta época estão na origem dos princípios que sobrevivem no direito
internacional privado moderno.” (Gilissen)
• Aplica-se o direito ao grupo social, transmitido pelo pai a seus filhos legítimos,
incluindo a mulher solteira (que passa ao grupo do marido no casamento).
• Em conflito de pessoas de direitos diferentes, aplicava-se em geral a regra do réu.
• Em certas regiões da Europa, havia menor presença do direito romano – divisão
futura entre o direito consuetudinário (de maior influência germânica) e o direito
escrito (maior influência romana).
• Aplicação das COMPILAÇÕES romanas, embora o direito romano ainda tenha
uma tímida evolução (direito romano vulgar, com o domínio de costumes locais,
suplantando-se progressivamente textos da época clássica).

5.2. AS FONTES DO DIREITO NAS MONARQUIAS GERMÂNICAS


• “Como antes da época das grandes migrações, o direito dos povos germânicos
permanece sobretudo tendo como base o costume, mas não exclusivamente. A lei
aparece já como fonte de direito na época dos primeiros reis das monarquias
germânicas instaladas no quadro geográfico do antigo Império Romano,
designadamente nos Visigodos e nos Francos, e isso provavelmente por influência
dos precedentes romanos.” (Gilissen)
• Verifica-se no direito da Europa Ocidental a legislação real (mais tarde imperial)
que a princípio é única para o reino ou império, mas também direitos nacionais
(sobretudo consuetudinários) dos diversos povos reunidos sob a autoridade dos
reis francos.
• Por oposição às compilações de direito romano, chamavam-se estas leis dos povos
germânicos de leges barbarorum (leis dos bárbaros).

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5.3. LEGISLAÇÃO NA MONARQUIA FRANCA
• O Reino Franco é o principal reino da Alta Idade Média, tanto no reinado dos
Merovíngios, quanto no governo carolíngio (de Carlos Martel, a principalmente
Carlos Magno).

6. O DIREITO FEUDAL
• “Pode-se entender por feudalidade um tipo de sociedade baseado numa
organização muito particular entre os homens: laços de dependência de homem
para homem estabelecendo uma hierarquia entre os indivíduos. Um homem ,
ovassalo, confia-se a outro homem, que escolhe para seu amo, e que aceita esta
entrega voluntária. O vassalo deve ao amo a fidelidade, conselho e ajuda militar
e material. O amo, o senhor, deve a seu vassalo fidelidade, proteção, sustento. O
sustento pode ser assegurado de diversas maneiras. Geralmente faz-se através de
concessão ao vassalo duma terra, benefício ou feudo.” (Fourquin)
• “O feudalismo é varacterizado por um conjunto de instituições das quais as
principais são a vassalagem e o feudo. Nas relações feudo-vassálicas, a
vassalagem é o elemento pessoal: o vassalo é um homem livre comprometido para
com o seu senhor por um contrato solene pelo qual se submete ao seu poder e se
obriga a ser-lhe fiel e a dar-lhe ajuda e conselho (consilium et auxilium), enquanto
o senhor lhe deve proteção e manutenção. A ajuda é geralmente militar (...)”
(Gilissen)
• “O feudo é o elemento real das relações feudo-vassálicas; consiste numa tenência,
geralmente uma terra, concedida gratuitamente por um senhor ao seu vassalo, com
vista a garantir-lhe a manutenção legítima e dar-lhe condições ao seu senhor o
serviço adquirido.” (Gilissen)
• “Nos Estados nascidos nas partilhas sucessivas do Império Carolíngio, o regime
feudal chegou a seu completo desenvolvimento nos séculos X, XI e XII”, época
em que as instituições feudo-vassálicas dominaram a organização política e social
das regiões das atuais França, Alemanha, Itália e Espanha cristã, e em certa parte
na Inglaterra (Gilissen)
• É importante observar que o feudalismo não se desenvolve cronologicamente de
maneira homogênea em toda a Europa
• Economia agrícola e fechada.

6.1. FONTES DO DIREITO FEUDAL


• Pouca produção legislativa entre o fim do século IX e século XII (França).

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• “Antes de mais o desaparecimento de toda a atividade legislativa (com algumas
reservas, sobretudo para a Inglaterra e para o período otoniano na Alemanha). Em
França, por exemplo, o rei já não é capaz de impor a sua vontade em todo o reino.
Embora esteja no topo da hierarquia feudal, não tem muito poder sobre ela; a
maior parte do reino está nas mãos de grandes senhores (...). O poder real está
desmembrado em benefício desses grandes vassalos; e muitas vezes o próprio
poder desses grandes feudatários está desmembrado em benefício de seus
vassalos. O próprio poder judicial passou das mãos do rei para as dos seus vassalos
e subvassalos.” (Gilissen)
• Autoridades real e senhorial mantidas em parte pelo Direito Canônico, única fonte
de direito escrito da época.
• “Os Séculos X e XI foram séculos sem escritos jurídicos: nem leis, nem livros de
direito, nem sequer atos reduzidos a escrito. Os contratos tão numerosos que estão
na base dos laços de dependência de homem para homem (vassalagem, servidão)
e dos direitos sobre a terra (feudos, foros, etc) raramente eram reduzidos a escrito;
quando muito, algumas instituições eclesiásticas (...) mandaram redigir os atos
(sobretudo doações) que lhes interessavam (...)” (Gilissen)
• O costume acaba por ser a única fonte do direito laico, mas é um direito sobretudo
territorial, variando de aldeia a aldeia – “O parcelamento territorial do direito
consuetudinário é favorecido pela divisão do poder entre as mãos dum grande
número de senhores, pelo desenvolvimento do sistema dominial, no quadro da
economia fechada.” (Gilissen).

6.2. CONTRATO FEUDO-VASSÁLICO


• O Feudalismo é baseado em um contrato pessoal pactuado por ritos e
formalidades, a concessão do feudo feita por um Senhor ao vassalo, com a
definição de obrigações recíprocas.
• As cerimônias de pactuação tinham o nome de Investidura (entrega do benefício
– o feudo ao vassalo, representando normalmente uma porção de terra, com
castelo, portagem, magistratura...), Fé (Juramento de fidelidade do Vassalo ao
Senhor) e Homenagem (ato de autoentrega do Vassalo ao Senhor)
• Este contrato gerava o poder do Senhor sobre o vassalo, podendo cobrar dele
fidelidade (abster-se de atos hostis ou perigosos contra o senhor), auxilium (ajuda
militar e material), além de também auxiliar em conselhos convocados pelo
Senhor (consilium), mas também obrigações de proteção e sustento (direto ou
indireto).
• Um Vassalo também poderia ter seus próprios vassalos, que não necessariamente
estariam ligados ao seu primeiro senhor.

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• A princípio, o contrato não poderia ser rompido (contratos, como juramentos,
eram sagrados e eternos), mas na prática poderia ser quebrado de forma “ilícita”,
pela força ou interesses de uma das partes.
• O contrato poderia ser quebrado sem ocorrência de ilegalidade se houvesse a
devolução do feudo por parte do vassalo,.
• “Como tudo relativo a contratos na Idade Média, era feito mediante ritual, o
rompimento do contrato feudo-vassálico não era exceção. Quando um vassalo
(justa ou injustamente) desejava deixar claro o rompimento unilateral do contrato,
ele o fazia de acordo com o desafio, que poderia ser simplesmente atirar uma
flecha ou uma luxa em direção ao senhor (não para acertá-lo).” (Lages) – o mesmo
poderia ocorrer se o Senhor quisesse romper o contrato, desde que ouvido o
conselho de sua corte.
• “A doação do benefício, se feita junto com os direitos de natureza pública (como
a de cunhar moedas e fazer justiça), deixava claro a quem pertencia o direito de
justiça naquele feudo, contudo na maior parte das vezes o senhor continuava
nominalmente a deter a jurisdição em toda a sua propriedade, incluindo aí os
feudos que tinham sido dados em benefício.” (Lages)
• Com o tempo, a jurisdição do senhor passa a ser exercida em conjunto com o
Conselho de Vassalos, e em algumas cidades (especialmente no fim da Idade
Média) podia haver a instalação de cortes, especialmente criminais.

6.3. PROPRIEDADE E POSSE NO CONTRATO FEUDO-VASSÁLICO


• Confusão entre propriedade e posse.
• “Gashoff afirma não poder ser discutível o direito de propriedade do senhor sobre
a terra que concede em benefício, a menos que ele próprio a tenha em benefício
e, portanto, a tenha recebido das mãos de outro senhor. Contudo, o direito de
dispor da terra foi cada vez mais sendo restringido ao senhor em detrimento do
vassalo.” (Lages)
• “Então podemos supor com uma certa precisão que o feudo, como benefício,
embora propriedade do senhor e em usufruto do vassalo, não era um bem
alienável, por nenhuma das partes, muita embora pudesse, em parte ou no todo,
tornar-se um benefício a ser dado a um homem livre que se tonaria vassalo do
vassalo do proprietário.” (Lages)
• Por ter caráter pessoal, via de regra o contrato feudo-vassálico teoricamente
excluía a hereditariedade, embora fosse comum a sucessão, mediante novo
juramento (do sucessor)

7. O DIREITO NA BAIXA IDADE MÉDIA

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• “O Direito canônico atinge o apogeu da sua autoridade nos séculos XII e XIII.
Encontra-se nesta época mais ou menos sistematicamente codificado (Graciano,
Gregório IX). É objeto de trabalhos importantes de juristas formados nas
universidades que surgem. Exerce uma influência profunda sobre o
desenvolvimento de certas partes do direito consuetudinário laico,
designadamente o processo. A decadência do direito canônico começa no século
XIV, com o Grande Cisma do Ocidente e a laicização do direito.” (Gilissen)
• Considerável mudança na estrutura da sociedade medieval no século XIII, com a
colocação das instituições feudo-vassálicas para um segundo plano
(especialmente na França, na Lotaríngia e na Inglaterra), com alargamento do
poder do rei e de príncipes territoriais,
• Surgimento do conceito de Estado Moderno (como dotado de soberania) também
no século XIII.
• Desenvolvimento de uma organização administrativa estatal, substituindo a
hierarquia feudal, desenvolvimento de grandes cidades como centros de comércio
e indústria (muitas vezes com um direito próprio), consolidando a substituição da
economia fechada por uma economia de troca e manufatura.
• A lei reaparece como principal fonte do direito, embora ainda haja importância
dos costumes, especialmente no direito civil. Contudo, por necessidade de
segurança jurídica, este costume será reduzido a escrito, com as recolhas e
doutrina do direito.
• Renascimento do Direito Romano, com compilações (especialmente na Itália),
estudos nas universidades e posterior infiltração na prática, com sua recepção
como direito subsidiário na maior parte dos países da Europa Ocidental (por volta
dos séculos XV e XVI).
• “O século XIII vê também sistemas de provas racionais substituírem as provas
irracionais, tais como as ordálias e os duelos judiciários. As partes deixam de
recorrer a Deus para resolver os seus conflitos; pedem a juízes, ou mesmo a
árbitros, para investigarem a verdade e decidirem tendo em conta regras de direito.
Justiça e equidade aparecem como fundamentos do direito.” (Gilissen)
• “A formação de um direito objetivo sobrepõe-se, no século XIII, ã massa de
direitos subjetivos.” (Gilissen)

Próximo Ponto:
V. DIREITO MUÇULMANO
Este material não substitui a doutrina, sendo mero fichamento orientador do conteúdo
ministrado em sala de aula.
O aluno deverá pautar seus estudos pela leitura da doutrina, jurisprudência e legislação.
Referências (literatura obrigatória):

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CASTRO, Flávia Lages de. História do Direito Geral e do Brasil. 3ª edição. Rio de
Janeiro: Ed. Lumen Júris, 2006.
GILISSEM, Jonh. Introdução histórica ao direito. 7. ed. Lisboa: Caloustre Gulbenkian,
2013.
WOLKMER, Antônio Carlos. Fundamentos da história do direito. 8. ed. Belo Horizonte:
Del Rey, 2014.

Referências (literatura complementar):


ALTAVILA, Jayme de. Origem dos direitos dos povos. 11. ed. São Paulo: ICONE, 2006.
ALVES, José Carlos Moreira. Direito Romano. 16 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014.
COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. 6ª ed. São
Paulo: Saraiva, 2008.
COULANGES, Fustel. A cidade antiga. 2. ed. São Paulo: Hemus, 2003.
LOPES, José Reinaldo de Lima. O Direito na História: Lições Introdutórias. Max
Limonad, 2002.
MARCOS, Rui de Figueiredo, MATHIAS, Carlos Fernando e NORONHA, Ibsen.
História do Direito Brasileiro. 1 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014.
NASCIMENTO, Walter Vieira do. Lições de história do direito. 15. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2011.
PALMA, Rodrigo Freitas. História do Direito. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2011.
REALE, Miguel. Horizontes do Direito e da História. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 1999.

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