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ALEXANDRA KOLLONTAI
SUMÁRIO
As Relações entre os Sexose a Luta de Classes ................................... 4
O Dia da Mulher................................................................................. 30
O Comunismo e a Família .................................................................. 37
A mulher já não depende do homem ............................................ 38
Da família gentílica aos nossos dias ............................................... 39
O capitalismo destruiu a velha vida familiar ................................. 41
Trinta milhões de mulheres suportam uma carga dupla .............. 42
Os trabalhadores aprendem a existir sem vida familiar ................ 44
O trabalho caseiro não é mais uma necessidade .......................... 45
O trabalho industrial da mulher no lar .......................................... 46
A mulher casada e a fábrica........................................................... 47
Os afazêres individuais estão fadados a desaparecer ................... 49
A aurora do trabalho caseiro coletivo ........................................... 50
A criação dos filhos no sistema capitalista .................................... 52
Os filhos e o Estado Comunista ..................................................... 53
A sobrevivência da mãe assegurada.............................................. 56
O matrimônio deixará de ser uma cadeia ..................................... 56
A família como união de afetos e camaradagem .......................... 58
Se acabará para sempre a prostituição ......................................... 59
A igualdade social do homem e da mulher ................................... 61
O Trabalho Femininono Desenvolvimento da Economia .................. 63
A Família e o Estado Socialista........................................................... 78
A família e o trabalho assalariado da mulher ................................ 79
A família no passado ...................................................................... 80
2 | Alexandra Kollontai
A atual forma da família ................................................................ 81
A decadência da família atual ........................................................ 82
No capitalismo, um verdadeiro presídio ....................................... 83
Mulheres Militantes nos Dias da Grande Revolução de Outubro ..... 86
TEXTOS ESCOLHIDOS| 3
AS RELAÇÕES ENTRE OS SEXOS
E A LUTA DE CLASSES
1911
4 | Alexandra Kollontai
Entre os múltiplos problemas que perturbam a humanidade,
ocupa, indiscutivelmente, um dos primeiros postos, o problema
sexual. Não há uma só nação, um só povo em que a questão das
relações entre os sexos não adquira cada dia um caráter mais
violento e doloroso. A humanidade contemporânea passa por
uma crise sexual aguda. Uma crise que se prolonga e que,
portanto, é muito mais grave e difícil de resolver.
TEXTOS ESCOLHIDOS| 5
velhos costumes familiares, dar novo impulso às normas
tradicionais da moral sexual. “É preciso destruir todas as
proibições hipócritas prescritas pelo código da moral sexual
corrente. E chegado o momento de se abandonar esta velharia
inútil e incômoda... A consciência individual, a vontade individual
de cada ser é o único legislador em uma questão de caráter tão
íntimo” — ouve-se esta afirmação nas fileiras do individualismo
burguês. “A solução para os problemas sexuais só poderá ser
encontrada com o estabelecimento de uma nova ordem social e
econômica, com uma transformação fundamental de nossa atual
sociedade” — afirmam os socialistas. Precisamente, porém, este
esperar pelo amanhã não indica que tampouco nós conseguimos
apoderar-nos do fio condutor? Não deveríamos, pelo menos,
encontrar ou localizar este “fio condutor” que promete
desvendar o nó? Não devemos encontrá-lo agora, neste exato
momento? O caminho a seguir nesta investigação nos oferece a
mesma história das sociedades humanas, nos oferece a história
de luta ininterrupta de classes e dos vários grupos sociais, em
oposição por seus interesses e tendências.
6 | Alexandra Kollontai
dominar sem limitações, e em seu lugar emergia uma nova força
social, a burguesia ascendente, que crescia e se desenvolvia cada
vez mais, com maior impulso e poder.
TEXTOS ESCOLHIDOS| 7
Porém, durante esta época de transição, tão viva e cheia de
colorido, a crise sexual, apesar de revestida de caráter crítico, não
se apresentou de uma forma tão grave e ameaçadora como em
nossa época. Isto se deveu ao fato de que, durante os gloriosos
dias do Renascimento, durante aquele novo século, iluminado
pela nova cultura espiritual, que coloria o agonizante mundo da
Idade Média, pobre de conteúdo, apenas uma parte
relativamente reduzida da sociedade experimentou a crise sexual.
O campesinato, camada social mais considerável da época, do
ponto de vista quantitativo, sofreu as consequências da crise
sexual de forma indireta, quando, por lento processo secular se
transformavam as bases econômicas em que esta classe se
fundamentava, isto é, unicamente à medida em que evoluíam as
relações econômicas.
8 | Alexandra Kollontai
desabavam sobre sua cabeça, que abalavam até o solo que
pisavam, a classe camponesa, em geral, e particularmente, os
camponeses russos tentaram conservar, durante séculos e
séculos, em sua forma primitiva, os princípios essenciais de seu
código moral sexual.
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a classe trabalhadora deve levar em conta em sua luta para a
conquista da sociedade futura, deve estar, necessariamente, o
estabelecimento de relações sexuais mais sadias e que, portanto,
tornem a humanidade mais feliz.
10 | Alexandra Kollontai
invencível alheamento moral. A terrível solidão que o homem
sente nas imensas cidades populosas, nas cidades modernas tão
irrequietas e tentadoras; a solidão, que não é dissipada pela
companhia de amigos e companheiros, é que o impulsiona a
buscar, com avidez doentia, a sua ilusória alma gêmea, num ser
do sexo oposto, visto que só o amor possui o mágico poder de
afugentar, embora momentaneamente, as angústias da solidão.
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nossa refinada psicologia individualista, que com tanto cuidado a
dominante ideologia burguesa cultivou. A humanidade
contemporânea, como disse, acertadamente, Meisel-Hess, é
muito pobre em potencial de amor. Cada um dos sexos busca o
outro com a única esperança de conseguir a maior satisfação
possível de prazeres espirituais e físicos para si. Cada um utiliza o
outro como simples instrumento. O amante ou o noivo não pensa
nos sentimentos, no trabalho psicológico que se efetua na alma
da mulher amada.
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entre os sexos, relações que já começaram a se manifestar e que
estão baseadas também, em dois princípios novos: liberdade
absoluta, por um lado, e igualdade e verdadeira solidariedade
entre companheiros, por outro. Entretanto, por enquanto, a
humanidade tem que sofrer, ainda, a solidão moral e não há
outro remédio senão sonhar com uma época melhor na qual
todas as relações humanas se caracterizem por sentimento de
solidariedade, que serão possíveis por causa das novas condições
da existência. A crise sexual é insolúvel sem que haja uma
transformação fundamental da psicologia humana; a crise sexual
só pode ser vencida pela acumulação de potencial de amor. Mas,
essa transformação psíquica depende completamente da
reorganização fundamental das relações econômicas sobre os
fundamentos comunistas. Se recusarmos esta velha verdade, o
problema sexual não terá solução.
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velhos costumes de casta, mesclados com os princípios em
decomposição da família burguesa e individualista; a vergonha do
adultério, a vida em concubinato entre o sogro e a nora e a
liberdade absoluta para a jovem solteira. Sempre a mesma moral
dupla. As formas atuais de união entre os sexos são contraditórias
e complicadas, de tal modo, que nos interrogamos como é
possível que o homem que conservou em sua alma a fé na
firmeza dos princípios morais possa continuar admitindo essas
contradições e salvar esses critérios morais irreconciliáveis, que
necessariamente se destroem um ao outro. Precisamente, o
trabalho a realizar consiste em fazer com que surja essa nova
moral: é preciso extrair do caos as normas sexuais contraditórias
da época presente, as premissas dos princípios que
correspondem ao espírito da classe revolucionária em ascensão.
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conseguiu com perfeição inocular essa ideia na psicologia
humana. O conceito de propriedade dentro do matrimônio vai
hoje em dia muito além do que ia o conceito da propriedade nas
relações sexuais do código aristocrático. No curso do longo
período histórico que transcorreu sobre o signo do princípio de
casta, a ideia da posse da mulher pelo marido (a mulher carecia
de direitos de propriedade sobre o marido) não se estendia além
da posse física, mas sua personalidade lhe pertencia
completamente.
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ser amado, com uma crueldade e uma falta de delicadeza que
será incompreensível à humanidade fritura. Da mesma forma
pretendemos fazer valer nossos direitos sobre o seu eu espiritual
mais íntimo. O amante contemporâneo está disposto a perdoar
mais facilmente ao ser querido uma infidelidade física do que
uma infidelidade moral e pretende que lhe pertença cada
partícula da alma da pessoa amada, que se estenda mais além
dos limites de sua união livre. Considera tudo isto como um
desperdício, como um roubo imperdoável de tesouros que lhe
pertenciam, exclusivamente e, portanto, como um saque
cometido à sua revelia.
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consequentemente, do conteúdo da carta procedente de uma
terceira pessoa que só tem relação com um dos esposos e se
converte em propriedade comum. Uma intimidade desse gênero
só se pode adquirir como resultado de uma verdadeira união
entre as almas no curso de uma longa vida em comum, de
amizade posta à prova. O que se busca, em geral, é legitimar essa
intimidade, baseando-se na ideia equivocada de que comunhão
sexual entre dois seres é suficiente para estender o direito de
propriedade sobre o ser moral da pessoa amada.
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cozinheira (fato que, aliás, se dá com bastante frequência) e
chegue, inclusive, a casar-se com ela. Modificará a sociedade
burguesa por este fato sua conduta em relação à personalidade
desse homem? Porá em questão sua personalidade? Duvidará de
suas qualidades morais? Naturalmente, não. Agora vejamos outro
exemplo: uma mulher pertencente à sociedade burguesa, uma
mulher respeitável, considerada, uma professora, médica ou
escritora; uma mulher, em suma, com personalidade, se enamora
de um criado e chega ao clímax do escândalo, consolidando esta
questão com um matrimônio legal. Qual será a atitude da
sociedade burguesa em relação a esta pessoa até agora
respeitada? A sociedade, naturalmente, a mortificará com seu
desprezo. Mas, será muito mais terrível se seu marido, o criado,
possui uma bela fisionomia e outros atrativos de caráter físico.
Nossa hipócrita sociedade burguesa julgará sua escolha da
seguinte forma: até onde desceu essa mulher?
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A sociedade contemporânea vai muito mais longe que a
ordem antiga na tutela que exerce sobre a mulher. Não só lhe
prescreve casar-se unicamente com homens dignos dela, como
lhe proíbe, inclusive, que chegue a amar um ser que lhe é
socialmente inferior. Estamos acostumados a ver como homens,
de nível moral e intelectual muito elevado, escolhem para
companheira de vida uma mulher insignificante e vazia, sem
nenhum valor comparado ao valor do esposo. Apreciamos este
fato como completamente normal e que, portanto, não merece
sequer nossa consideração. Tudo que pode suceder é que os
amigos “lamentem que Ivan Ivanitch tenha se casado com uma
mulher insuportável”. O caso varia tratando-se de uma mulher.
Então, nossa indignação não tem limites e a expressamos com
frases como a seguinte: “Como é possível que uma mulher tão
inteligente como Maria Petrovna possa amar uma nulidade assim!
Teremos que pôr em dúvida sua inteligência. ”
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moral da mulher. Em troca, quando valorizamos a personalidade
do homem, fazemos por antecipação uma total abstração de seus
atos no que diz respeito às relações sexuais.
20 | Alexandra Kollontai
Mas, não será essa condição prévia uma utopia desprovida
de base, utopia na qual os idealistas sonhadores baseiam suas
considerações ingênuas? Tentemos aumentar o potencial de
amor da humanidade. Acaso os sábios de todos os povos, desde
Buda e Confúcio até Cristo, não se entregaram desde tempos
remotos a essa tarefa?
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A complexa evolução das relações econômico-sociais, que se
verifica diante de nossos olhos, que transtorna todas as nossas
concepções sobre o papel da mulher na vida sexual e destrói os
fundamentos da moral sexual burguesa, traz consigo dois fatos
que, à primeira vista, parecem contraditórios. Por um lado,
observamos os esforços infatigáveis da humanidade para adaptar-
se às novas condições da economia social transformada, esforços
que tendem ou a conservar as formas antigas, dando-lhe um
novo conteúdo (manutenção da forma exterior do matrimônio
indissolúvel e monógamo, mas ao mesmo tempo, o
reconhecimento de fato da liberdade dos esposos), ou ao
contrário a aceitação de novas formas que tragam em seu
interior, ao mesmo tempo, todos os elementos do código moral
do matrimônio burguês (a união livre na qual o direito de
propriedade dos dois esposos unidos livremente ultrapassa os
limites do direito de propriedade do matrimônio legal). Por outro
lado, não podemos deixar de assinalar o aparecimento, vagaroso,
porém invencível, de novas formas de união entre os sexos.
Novas, não tanto pela forma, como pelo caráter que anima os
seus preceitos.
22 | Alexandra Kollontai
humanidade da crise sexual, tem, necessariamente, que
abandonar os bairros onde habitam as elites, com sua refinada
psicologia individualista, e olhar as casas amontoadas dos
operários, nas quais, em meio à obscuridade e, ao horror gerados
pelo capitalismo, surgem, apesar de tudo, fontes que vivificam o
amor e abrem caminho a um novo tipo de entendimento entre
homens e mulheres.
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Tudo isto contribui para que o operário contraia matrimônio
com maior idade. Entretanto as necessidades fisiológicas não
levam em conta o estado do bolso. São necessidades vitais das
quais não se pode prescindir e o operário solteiro, tanto quanto o
burguês solteiro, resolve seu problema na prostituição. Este fato
é um sintoma da adaptação passiva da classe operária às
condições desfavoráveis de existência. E, por causa do nível
bastante baixo dos salários, a família operária vê-se obrigada a
resolver o problema do nascimento dos filhos do mesmo modo
que as famílias burguesas.
24 | Alexandra Kollontai
Isto não quer dizer, de modo algum, que as outras classes e
camadas da sociedade, principalmente a dos intelectuais
burgueses que, pelas condições de sua existência social, se
encontra mais próxima da classe operária, não se apoderem dos
elementos novos que o proletariado cria e desenvolve. A
burguesia, impulsionada pelo desejo instintivo de injetar vida
nova às suas formas agonizantes, e diante da impotência de suas
diversas formas de relações sexuais, aprende rapidamente novas
formas com a classe operária. Mas, desgraçadamente, nem os
ideais nem o código da moral sexual, elaborados gradativamente
pelo proletariado, correspondem à moral das exigências
burguesas de classe. Portanto, enquanto a moral sexual, nascida
das necessidades da classe operária, converte-se para ela num
instrumento novo da luta social, os modernismos de segunda
mão que dessa moral extrai a burguesia, não fazem mais do que
destruir, definitivamente, as bases de sua superioridade social.
TEXTOS ESCOLHIDOS| 25
classe proletária. O fator de subordinação de um membro desta
classe social a um outro é o mesmo que o conceito de
proletariado. Não convém, de modo algum, aos interesses da
classe revolucionária atar um de seus membros, visto que cada
um de seus representantes, independentes diante de tudo, tem a
incumbência e o dever de servir aos interesses de sua classe e
não aos de uma célula familiar isolada. O dever do membro da
sociedade proletária é antes de tudo contribuir para o triunfo dos
interesses de sua classe, por exemplo, atuar nas greves e
participar em todo o momento da luta. A moral com que a classe
trabalhadora julga todos estes atos caracteriza com perfeita
clareza a base da nova moral.
26 | Alexandra Kollontai
mulher afastada da luta social? A moral da classe exige, a custo
inclusive da felicidade individual, a custo da família, a participação
da mulher na luta pela vida que transcorre fora dos muros de seu
lar. Manter a mulher em casa, colocar em primeiro lugar os
interesses familiares, propagar a ideia dos direitos de propriedade
absoluta de um esposo sobre sua mulher, são atos que violam o
princípio fundamental da ideologia da classe operária, que
destroem a solidariedade e o companheirismo, que rompem a
união de todo o proletariado. O conceito de posse de uma
personalidade sobre a outra, a ideia de subordinação e de
desigualdade dos membros de uma só e mesma classe, são
conceitos que contrariam a essência do conceito de
camaradagem, que é o princípio mais fundamental do
proletariado. Este princípio básico da ideologia da classe
ascendente é o que dá colorido e determina o novo código em
formação da moral sexual do proletário, pelo qual se transforma a
psicologia da humanidade, chegando a adquirir uma acumulação
de sentimento de solidariedade e de liberdade, ao invés do
conceito de propriedade: uma acumulação de companheirismo
ao invés dos conceitos de desigualdade e de subordinação.
TEXTOS ESCOLHIDOS| 27
no fundo mais do que uma superestrutura. Enquanto não se
experimenta a total transformação da base econômica, não pode
haver lugar para ela. Como se uma ideologia, seja qual for o seu
gênero, não se formasse até que se produzisse a transformação
das relações econômico-sociais necessárias para assegurar o
domínio da classe que a gerou! A experiência da história ensina
que a ideologia de um grupo social e, consequentemente, a moral
sexual se elaboram durante o próprio processo da luta contra as
forças sociais que se lhe opõem.
28 | Alexandra Kollontai
se em poderoso instrumento, que reforce a posição de combate
da classe revolucionária. Por que não utilizar este instrumento no
interesse da classe operária, em sua luta para o estabelecimento
do regime comunista e, por sua vez, também, estabelecer
relações novas entre os sexos, que sejam mais perfeitas e felizes?
TEXTOS ESCOLHIDOS| 29
O DIA DA MULHER
1913
30 | Alexandra Kollontai
O quê é o dia da Mulher? É realmente necessário? Será que
é umha concessom às mulheres da classe burguesa, às feministas
e sufragistas? Será que é nocivo para a unidade do movimento
operário? Estas questons ainda se escuitam na Rússia, embora já
nom no estrangeiro. A vida mesma deu umha resposta clara e
eloqüente a tais perguntas.
TEXTOS ESCOLHIDOS| 31
troca de um salário, forçadas a entrar no mercado laboral por
necessidade, porque o seu marido ou pai estava no desemprego,
os trabalhadores vam começar a reparar em que deixar atrás as
mulheres entre as fileiras dos "nom-conscientes" era danar a sua
causa e evitar que avançasse. Que nível de consciência posui
umha mulher que senta no fogom, que nom tem direitos na
sociedade, no Estado ou na família? Ela nom tem ideias próprias!
Todo se fai segum ordena o seu pai ou marido...
32 | Alexandra Kollontai
Os socialistas em cada país começam a demandar umha
protecçom especial para o trabalho das mulheres, seguranças
para as maes e os seus filhos, direitos políticos para as mulheres e
a defesa dos seus interesses.
TEXTOS ESCOLHIDOS| 33
O partido apoia estas demandas e luita por elas. Estas
necessidades das mulheres trabalhadoras som parte da causa dos
trabalhadores como classe.
34 | Alexandra Kollontai
As feministas burguesas estám luitando para conseguir
direitos políticos: também aqui os nossos caminhos se separam.
Para as mulheres burguesas, os direitos políticos som
simplesmente um meio para conseguir os seus objectivos mais
comodamente e com mais segurança neste mundo baseado na
exploraçom dos trabalhadores. Para as mulheres operárias, os
direitos políticos som um passo no caminho empedrado e difícil
que leva ao desejado reino do trabalho.
TEXTOS ESCOLHIDOS| 35
36 | Alexandra Kollontai
O COMUNISMO E A FAMÍLIA
1920
TEXTOS ESCOLHIDOS| 37
A mulher já não depende do homem
Se manterá a família em um Estado comunista? Persistirá na
mesma forma atual? São estas questões que atormentam, nesse
momento, à mulher trabalhadora e a seus companheiros, os
homens.
38 | Alexandra Kollontai
particularmente aquelas que consideram o marido como o
"provedor" da família, como o único sustento da vida, a essas
mulheres que não compreendem que devem acostumar-se a
buscar e a encontrar esse sustento em outro lugar, não na pessoa
do homem, mas sim na pessoa da sociedade, do estado.
TEXTOS ESCOLHIDOS| 39
que a única forma de família que se considerava normal era a
chamada família genésica, aquela em que a cabeça da família era
a mãe-anciã, em torno da qual se agrupavam, na vida e no
trabalho comum, os filhos, netos e bisnetos.
40 | Alexandra Kollontai
praticam, como a sanção divina, enquanto que, por sua parte,
qualificam de "pecaminosos" muitos de nossos costumes e leis.
TEXTOS ESCOLHIDOS| 41
guiaria na vida? Triste sorte a dos órfãos naqueles tempos; era o
pior destino que alguém poderia ter.
42 | Alexandra Kollontai
também à porta da fábrica. Ano a ano, dia a dia, foi crescendo o
número de mulheres pertecentes à classe trabalhadora que
abandonavam suas casas para engrossar as fileiras das fábricas,
trabalhando como operárias, dependientas, oficinistas, lavadeiras
ou empregadas.
TEXTOS ESCOLHIDOS| 43
Portanto, a mulher se esgota como consequência dessa tripla
e insuportável carga que com frequencia expressa com gritos de
dor e lágrimas.
44 | Alexandra Kollontai
horas de sono, começa novamente para a mulher sua pesada
carga. Não pode, portanto, sorpreender-nos, portanto, o fato de
que, devido a essas condições de vida, se desfaçam os laços
familiares e a família se dissolva cada dia mais. Pouco a pouco vai
desaparecendo tudo aquilo que convertia a família em um todo
sólid, tudo aquilo que constituía suas bases de apoio, a família é
cada vez menos necessária a seus próprios membros e ao estado.
As velhas formas familiares se convertem em um obstáculo.
TEXTOS ESCOLHIDOS| 45
ocupações, todas úteis e necessárias, não só para a vida da família
em sí, mas também para a de todo o Estado.
46 | Alexandra Kollontai
bastante das atividades da mulher enquanto dona de casa.
Porque, na realidade, a mulher de outros tempos não se limitava a
preparar purês para ela ou sua família, suas mãos produziam
muitos outros produtos de riqueza como telas, linho, manteiga,
etc., coisas que podiam ser levadas ao mercado e ser
consideradas como mercadorias, como coisas de valor.
TEXTOS ESCOLHIDOS| 47
podem ser adquiridos na venda mais próxima. Antes, todas as
garotas tinham que aprender a tecer suas roupas. É possível
encontrar em nossos tempos uma jovem operária que faça suas
roupas? Em primeiro lugar, carece do tempo necessário para tal.
O tempo é dinheiro e não há ninguém que queira perdê-lo de
uma maneira improdutiva, quer dizer, sem obter nenhum
proveito. Atualmente, toda a mulher operária prefere comprar
suas roupas a perder tempo fazendo-as.
48 | Alexandra Kollontai
Os afazêres individuais estão fadados a desaparecer
A família atualmente consume sem produzir. As tarefas
essencias da donda de caso se reduziram a quatro: limpeza (do
chão, dos móveis, etc.); cozinha (preparação d comida), lavar a
roupa e as vestimentas da família.
TEXTOS ESCOLHIDOS| 49
cômoda; o marido viria com vontade de jantar a noite e seus
filhos voltaríam sempre pra casa com os sapatos cheios de barro...
O trabalho da dona de casa tem a cada dia menos utilidade, é
cada vez mais improdutivo.
50 | Alexandra Kollontai
Está crescendo o número de estabelecimentos desse tipo em
todos os países, inclusive os capitalistas. Na realidade, se pode
dizer que desde há meio século aumentam a cada dia em todas as
cidades da Europa; crescem como cogumelos depois da chuva de
outono. Porém, enquanto sob o sistema capitalista, somente
pessoas com bolsas bem cheias podem permitir-se ao gosto de
comer nos restaurantes, em uma cidade comunista estarão ao
alcande de todo mundo.
TEXTOS ESCOLHIDOS| 51
A criação dos filhos no sistema capitalista
Que sobrará da família quando desaparecerem todos as
tarefas do trabalho caseiro individual? Todavía teremos que lidar
com o problema dos filhos. Porém, no que se refere a essa
questão, o Estados dos Trabalhadores acudirá em auxílio a família,
substituindo-a, gradualmente, a Sociedade tomará conta de todas
aquelas obrigações que antes recaíam sobre os pais.
52 | Alexandra Kollontai
Porém, o fazia na realidade? Mais justo sería dizer que é na rua
onde se criam os filhos do proletariado. Os filhos da classe
trabalhadora desconhecem as satisfações da vida familiar,
prazeres dos quais participamos nós com nossos pais.
TEXTOS ESCOLHIDOS| 53
enfermarías e postos de saúse para os doentes ou que precisam
de cuidado especial, restaurantes, refeitórios gratuitos para os
estudantes nas escolas, livros de estudo gratuitos, roupas e
calçado para as crianças dos estabelecimentos de ensino. Tudo
isso não demonstra suficientemente que a criança sai do marco
estreito da família, passando o peso de sua criação e educalçao
dos pais à coletividade?
54 | Alexandra Kollontai
Os capitalistas se dão conta, perfeitamente, de que o velho
tipo de família, em que a esposa é uma escrava e o homem o
responsável pelo sustento e bem-estar da família, de que uma
família desse tipo é a melhor arma para afogar os esforços do
proletariado pela sua libertação, para debilitar o espírito
revolucionário do homem e da mulher proletários. A preocupação
pela qual pode passar a sua família priva o operário de toda sua
firmeza, lhe obriga a transigir com o capital.-Que nos farão os
proletários quando seus filhos tiverem fome?
TEXTOS ESCOLHIDOS| 55
A sobrevivência da mãe assegurada
Vemos agora, uma vez que não se precisa atender à criação e
educação dos filhos, que é o que ficará das obrigações da família
com respeito a seus filhos, particularmente depois que haja sido
aliviada da maior parte dos cuidados materiais que trazem
consigo o nascimento de um filho, ou seja, à excepção dos
cuidados que exige um filho recém nascido quando todavía
necessita de atenção de sua mãe, enquanto aprende a andar,
agarrando-se às roupas de sua mãe. Nisso também o Estado
Comunista sai em auxílio da mãe trabalhadora. Já não existirá a
mãe oprimida com um bebê nos braços. O Estado dos
Trabalhadores se encarregará da obrigação de assegurar a
subsistência a todas as mães, estejam ou não legitimamente
casadas, desde que amamente seu filho; instalará por todas parte
casas de maternidade, organizará em todas as cidades e em todos
os povos creches e instituições semeçhantes para que a mulher
possa ser útil trabalhando para o Estado enquanto, ao mesmo
tempo, cumpre suas funções de mãe.
56 | Alexandra Kollontai
os trabalhos domésticos que anteriormente eram outros tantos
pilares que sustentavam a família como um todo social. Os
cuidados da limpeza, etc., da casa? Também parece que
demonstrou sua inutilidade. Os filhos? Os pais proletários já não
podem atender a seus cuidados; não podem assegurar nem sua
sobrevivência nem sua educação.
TEXTOS ESCOLHIDOS| 57
a aqueles que sejam capazes de apreciar e compreender essas
alegrias. Se pode, portanto, chamar isso de destruição da família
por violência ou separação a força da mãe e o filho?
58 | Alexandra Kollontai
matrimônio ficará purificado de todos seus elementos materiais,
de todos os cálculos de dinheiros que constituem a repugnante
mancha da vida familiar de nosso tempo. O matrimio se
transformará de agora em diante na união sublime de duas almas
que se amam, que se professem fé mútua. Uma união desse tipo
promete a todo operário, a toda operária, a mais completa
felicidade, o máximo de satisfação que pode caber a criaturas
consciente de si mesmas e da vida que a rodeia.
TEXTOS ESCOLHIDOS| 59
propriedade privada, desaparecerá automaticamente o comércio
da mulher.
"Esses são meus filhos. Eles são os únicos a quem devo toda
minha atenção maternal, todo meu afeto. esses são filhos teus;
são os filhos do vizinho. Não tenho nada a ver com eles."
60 | Alexandra Kollontai
A igualdade social do homem e da mulher
O Estado dos Trabalhadores tem necessidade de uma nova
forma de relação entre os sexos. O carinho estreito e exclusivista
da mãe por seus filhos tem que ampliar-se até dar conta de todos
os filhos da grande família proletária.
TEXTOS ESCOLHIDOS| 61
cheios de fé se entreguem ao trabalho da reconstrução da
sociedade humana para fazê-la mais perfeita, mais justa e mais
capaz de assegurar ao indivíduo a felicidade a que tem direito.
62 | Alexandra Kollontai
O TRABALHO FEMININO
NO DESENVOLVIMENTO DA ECONOMIA
1921
TEXTOS ESCOLHIDOS| 63
Em sua busca por novas formas de economia e novos modos
de vida que atendam aos interesses do proletariado, a república
soviética inevitavelmente cometeu uma série de erros, e por
diversas vezes teve de corrigir e mudar sua linha. Porém, na
esfera da criação socializada e da proteção da maternidade, a
república operária, desde seus primeiros meses de existência, tem
traçado o caminho correto para as mudanças futuras. E, nessa
esfera, uma revolução profunda e fundamental está em curso.
Neste país, onde a propriedade privada foi abolida e onde a
política é ditada pelo desejo de apurar o nível da economia geral,
agora é possível lidar com problemas que eram insolúveis sob o
sistema burguês.
64 | Alexandra Kollontai
mas, principalmente, do interesse da economia nacional, ao longo
da transição para um sistema socialista: é necessário resgatar as
mulheres do gasto de energia improdutivo no ambiente familiar
para que tal energia seja utilizada de modo eficiente para o
benefício coletivo; é necessário proteger sua saúde a fim de
garantir à república operária um fluxo de trabalhadores saudáveis
no futuro. No Estado burguês, não é possível tratar a questão da
maternidade dessa forma: as contradições de classe e a falta de
unidade entre os interesses de economias privadas e da economia
nacional se tornam impedimentos. Em uma república operária,
por outro lado, na qual as economias individuais estão se
dissolvendo na economia geral e as classes estão se
desintegrando e desaparecendo, tal solução para a questão da
maternidade é uma exigência da vida, é necessária. A república
operária enxerga as mulheres, primeiramente, como membros da
força de trabalho, como unidades de trabalho vivo; a função da
maternidade é vista como algo de grande importância, como uma
função complementar que não é familiar e privada, mas social.
TEXTOS ESCOLHIDOS| 65
pesado tão intensamente sobre as mulheres, reconhecendo,
assim, que a responsabilidade de criar os pequenos deixa de ser
uma função da família privada e passa a ser uma função social do
Estado. A maternidade passa a ser vista sob uma nova ótica. O
poder soviético vê a maternidade como uma responsabilidade
social. O poder soviético, com base nesse princípio, esboçou uma
série de medidas para remover o fardo da maternidade das costas
das mulheres e transferi-lo para as do Estado. O poder soviético
se responsabiliza pelo cuidado do bebê e pelo sustento material
da criança através do subdepartamento de Proteção da
Maternidade e da Infância (chefiado pela camarada V.P.
Lebedeva) e da seção do Narkompros (o Comissariado de
Educação) dedicada à criação socializada.
66 | Alexandra Kollontai
de tudo, é transformar as condições de vida a fim de tornar
absolutamente possível que uma mulher seja, ao mesmo tempo,
mãe e trabalhadora, além de preservar o bebê para o futuro da
república, cercando-o do cuidado e da atenção necessários. Desde
os primeiros meses de existência da ditadura do proletariado na
Rússia, o poder operário e camponês tem sido bem-sucedido em
sua missão de cobrir todo o país com uma rede de instituições
que visam à proteção da maternidade e à criação socializada das
crianças. A mãe e a criança se tornaram um objeto de atenção
especial na política soviética. Ao longo dos primeiros meses da
revolução, durante os quais ocupei o posto de Comissária do Povo
do Bem-Estar Social, eu considerava como minha missão
primordial estabelecer o rumo que a república operária deveria
tomar na esfera da proteção dos interesses da mulher enquanto
unidade de trabalho e enquanto mãe. Nesse período, a secretaria
dedicada à proteção da maternidade foi estabelecida e passou a
organizar modelos de “palácios da maternidade”. A partir de
então, a camarada Vera Pavlovna Lebedeva tem trabalhado com
competência e entusiasmo, e a causa da proteção da maternidade
floresceu e fincou raízes profundas. Desde o início de sua
gestação, a mulher trabalhadora recebe assistência do poder
soviético. Agora, há centros de atendimento à gestante e à
lactante por todos os cantos da Rússia. Nos tempos do czar,
existiam apenas seis centros de atendimento; agora, nós temos
cerca de 200 deles e 138 lactários.
TEXTOS ESCOLHIDOS| 67
algum, que a mulher deve trocar as fraldas, dar banho no bebê ou
sequer permanecer ao lado do berço. A obrigação social da mãe
é, acima de tudo, dar à luz um bebê saudável. A república
operária deve, portanto, oferecer à gestante as condições mais
favoráveis possíveis; e a mulher, por outro lado, deve obedecer a
todas as regras de higiene ao longo de sua gestação, lembrando-
se de que, durante esse período, ela não é mais dona de si, mas,
sim, está a serviço do coletivo, “produzindo” no interior de seu
próprio corpo uma nova unidade de trabalho, um novo membro
da república operária. A segunda obrigação da mulher é
amamentar seu bebê; apenas depois dessa etapa a mulher tem o
direito de dizer que cumpriu com suas obrigações. As outras
incumbências relativas aos cuidados dedicados à nova geração
podem ser desempenhadas pelo coletivo. Obviamente, o instinto
maternal é forte, e não há necessidade de suprimi-lo. Contudo,
por que limitar esse instinto apenas ao amor e à criação de seu
próprio filho? Por que não permitir que esse instinto com
potencial valioso para a república operária se desenvolva sem
restrições e alcance seu ponto mais alto, quando a mulher não só
cuida de seus próprios filhos, mas desenvolve uma afeição por
todas as crianças?
68 | Alexandra Kollontai
de seu sentimento e sua compreensão comunistas, ficará tão
chocada com tais atos egoístas e antissociais quanto nós ficamos
ao ler sobre a mulher da sociedade pré-histórica que amava seus
filhos, mas era capaz de comer crianças de outras tribos. Ou,
utilizando outro exemplo bastante frequente: a mãe que se
recusa a amamentar seu bebê para evitar o trabalho de cuidar
dele. E será que nós podemos permitir que o número de crianças
abandonadas na Rússia soviética continue crescendo na atual
proporção?
TEXTOS ESCOLHIDOS| 69
fácil for para as mães combinarem trabalho e maternidade,
menor será o abandono de crianças.
70 | Alexandra Kollontai
resta à mãe apenas um direito natural e inalienável: o direito de
dar à luz uma criança.
TEXTOS ESCOLHIDOS| 71
durante esse período, a sua separação não é recomendável.
Vocês sabem bem, camaradas, com que satisfação as
trabalhadoras e até mesmo as esposas de importantes servidores
do Estado aproveitam sua estadia nos lares de gestantes, onde
serão atendidas com amor e terão paz. Nós não precisamos nos
valer de métodos de agitação para convencer as mulheres a
utilizarem os lares de gestantes. O nosso problema é a limitação
dos recursos materiais da Rússia; nós somos pobres, o que torna
difícil ampliar a nossa rede, a fim de cobrir toda a área da Rússia
operária com tais “postos de atendimento” para operárias e
camponesas. Infelizmente, ainda não há um só lar de gestantes
nas áreas rurais, e, de modo geral, nós fizemos apenas o mínimo
possível para atender às mães camponesas. Na verdade, tudo que
fizemos por elas foi organizar creches para o período de férias, o
que torna mais fácil para a mãe camponesa sair para trabalhar nas
plantações, sem que o seu bebê sofra. Ao longo de 1921, foram
inauguradas 689 creches desse tipo, atendendo a 32.180 crianças.
Para as mães que trabalham em fábricas e escritórios, foram
abertas creches nas fábricas e nas instituições, além daquelas
disponíveis a nível distrital e municipal. Não creio ser necessário
enfatizar a enorme importância dessas creches para as mães. O
problema é que nós não temos creches suficientes e não
podemos atender a um décimo da demanda.
72 | Alexandra Kollontai
para crianças em idade escolar, clubes infantis e, finalmente,
casas-comunas infantis e colônias de trabalho para crianças. O
sistema de educação social também inclui refeições gratuitas para
as crianças em idades pré-escolar e escolar. Vera Velichkina
(Bonch-Bruyevich), revolucionária até o fim da vida, lutou com
unhas e dentes por essa medida, cuja introdução, como já é
sabido, nos ajudou bastante ao longo dos duros anos da guerra
civil e livrou muitas crianças proletárias da fome e da morte em
sua decorrência. A atenção do Estado às crianças fica também
evidente na distribuição de leite gratuito, de rações especiais para
os mais jovens e de roupas e sapatos para as crianças
necessitadas. Todos esses projetos estão longe de serem
completos; na prática, nós atendemos apenas a uma pequena
parcela da população. Contudo, até o momento, nós não
conseguimos libertar o casal de todas as dificuldades envolvidas
na criação dos filhos, não porque seguimos na direção errada,
mas porque nossa pobreza nos impede de cumprir tudo que foi
planejado pelo poder soviético. O rumo geral da política sobre a
maternidade está correto, mas nossa falta de recursos nos freia.
Até o momento, foi conduzido um número ainda modesto de
experimentos. Ainda assim, eles deram resultados e
revolucionaram a vida familiar, introduzindo mudanças
fundamentais nas relações entre os sexos. Essa é uma questão
que discutiremos em outra ocasião.
TEXTOS ESCOLHIDOS| 73
para o coletivo dos trabalhadores. Ao mesmo tempo, é
importante preservar não apenas os interesses da mulher, mas
também a vida da criança, e isso se torna possível à medida que
se permite que a mulher combine trabalho e maternidade. O
poder soviético tenta criar uma condição na qual a mulher não
precise se prender a um homem a quem despreza apenas por não
ter para onde ir com seus filhos, na qual a mulher não precise
temer pela sua vida e pela vida de seu filho. Na república operária,
não são os filantropos, com sua caridade humilhante, mas os
operários e camponeses, companheiros na criação de uma nova
sociedade, que se esforçam para ajudar a mãe trabalhadora e se
empenham para amenizar o fardo da maternidade. A mulher que
suporta a provação de reconstruir a economia em pé de igualdade
com o homem, a mulher que lutou na guerra civil, tem o direito
de exigir, nesse momento tão importante de sua vida, no
momento em que ela presenteia a sociedade com um novo
membro, que a república operária, o coletivo, assuma a
responsabilidade de prover ao futuro do novo cidadão.
74 | Alexandra Kollontai
Eu gostaria de dizer algumas palavras sobre uma questão
que é intimamente ligada ao problema da maternidade – a
questão do aborto, e o posicionamento da Rússia soviética em
relação a ela. Em 20 de novembro de 1920, a república operária
sancionou uma lei que abolia as punições atreladas ao aborto.
Qual é a motivação por trás dessa nova atitude? A Rússia, afinal,
não sofre de superprodução de trabalho vivo, mas sim de sua
falta. A Rússia é esparsa, e não densamente povoada. Toda e
qualquer unidade de força de trabalho é preciosa. Por que, então,
estabelecemos que o aborto não é mais uma infração penal? A
hipocrisia e a intolerância são opostas à política proletária. O
aborto é um problema ligado à questão da maternidade e, do
mesmo modo, tem origem na posição insegura ocupada pelas
mulheres (não falamos aqui da classe burguesa, para a qual o
aborto tem outros motivos – a resistência a “dividir” uma
herança, a sofrer o mínimo de desconforto, a sair de forma ou
perder alguns meses da temporada, etc.).
TEXTOS ESCOLHIDOS| 75
compreenderem que dar à luz é uma obrigação social. O poder
soviético, portanto, permitiu que o aborto seja realizado
livremente e em condições clínicas.
76 | Alexandra Kollontai
TEXTOS ESCOLHIDOS| 77
A FAMÍLIA E O ESTADO SOCIALISTA
Fonte: Partido da Causa Operária
Direitos de Reprodução: licenciado sob uma Licença
Creative Commons.
78 | Alexandra Kollontai
A família e o trabalho assalariado da mulher
Conservar-se-á a família no Estado comunista? Será esta a
mesma e com a mesma missão que tem hoje? Eis aqui uma
questão que atormenta a mulher da classe operária, e do mesmo
modo os seus companheiros, os homens. Nestes últimos tempos
este problema ocupa particularmente os espíritos no mundo dos
operários, e isto não deve surpreender-nos, já que a vida muda
ante os nossos olhos; vêem-se desaparecer pouco a pouco os
antigos costumes; toda a existência da família proletária organiza-
se de modo novo; de modo insólito e estranho, afirmam alguns.
Todavia, o que mais fez refletir a mulher nas presentes
contingências é que o divórcio foi facilitado na Rússia dos
Sovietes. Com efeito, em virtude do decreto dos comissários do
povo de 18 de dezembro de 1917, o divórcio deixou de ser um
luxo, apenas acessível aos ricos; para o futuro, a mulher operária
não deverá solicitar durante meses, ou durante anos, um
passaporte separado para reconquistar sua independência e
afastar-se de um marido bruto ou bêbado, que a enche de
pancada. Para o futuro, o divórcio far-se-á no espaço de uma
semana, ou, no máximo, duas semanas. Mas precisamente esta
facilidade de divórcio, tão abençoado pelas mulheres infelizes no
matrimônio, é o que espanta as demais, especialmente as que
estão habituadas a considerar o marido como seu único sustento
na vida, e que não compreendem que a mulher deve acostumar-
se a procurar e encontrar o seu sustento em outra parte, não na
pessoa do homem, mas na coletividade, no Estado.
TEXTOS ESCOLHIDOS| 79
A família no passado
Não se deve dissimular a verdade: a família normal do
passado, em que o homem era tudo e a mulher não era nada - já
que ela não tinha nem vontade, nem dinheiro, nem tempo para si
mesma - esta família está se modificando dia a dia, e podemos
afirmar que já passou. Mas isto não deve espantar-nos. Seja por
erro, seja por ignorância, estamos dispostos a fingir que tudo à
nossa volta continua imóvel, quando na realidade tudo muda. "Foi
sempre assim e assim continuará". Não há nada tão errado como
este provérbio. Basta ler como viviam os homens no passado e
logo nos damos conta de que tudo está submetido a mudanças e
que não há nada fixo e invariável, quer se fale dos costumes, quer
das organizações políticas. E a família, nas diversas épocas da
humanidade, mudou várias vezes de forma, e no passado foi
muito diferente do que estamos habituados a ver hoje. Houve um
tempo em que se conhecia somente uma forma de família: a
família genética, quer dizer, aquela que tinha como chefe uma
velha mãe, à volta da qual se agrupavam os filhos, os netos, os
bisnetos para trabalharem juntos. Noutra época conheceu-se a
família patriarcal, presidida pelo pai-patrono, cuja vontade era lei
para os demais membros da família. Todavia, também nos nossos
dias se podem ver em algumas aldeias estas famílias camponesas.
Com efeito, ali os costumes e as leis da família não são os mesmos
que os do operário da cidade; nas aldeias afastadas dos grandes
centros ainda se encontram muitos costumes que já
desapareceram nas famílias do proletariado urbano. A forma da
família e seus usos variam segundo os povos. Há povos (por
exemplo os turcos, os árabes, os persas, etc.) onde a lei admite
80 | Alexandra Kollontai
que um só marido tenha várias mulheres. Houve, e há ainda,
povos onde o uso tolera absolutamente o contrário, quer dizer,
que uma mulher tenha vários maridos. E, ao contrário do costume
habitual do homem dos nossos dias, que exige que a jovem
permaneça virgem até o seu matrimônio legítimo, havia povos em
que a mulher se vangloriava de ter muitos amantes e usava nos
braços e nas pernas tantos anéis quantos amantes possuía...
TEXTOS ESCOLHIDOS| 81
A família, na sua forma atual, não é outra coisa senão uma
das ruínas do passado. Sólida, encerrada em si mesma e
indissolúvel, já que se considera como tal o matrimônio
abençoado pelo pope , era também necessário que assim fosse
para todos os membros. Se a família não tivesse existido, quem
teria alimentado, vestido e educado as crianças e quem as teria
guiado através da vida? A sorte do órfão era no passado a pior de
todas as sortes. Na família a que estamos acostumados, o marido
trabalha e mantém a mulher e os filhos, enquanto a mulher se
ocupa da casa e educa os filhos, de acordo com o que pensa desta
missão.
82 | Alexandra Kollontai
ganhar dinheiro; também a mãe tinha que entrar pelas portas das
fábricas ou das oficinas. E ano após ano vê-se aumentar o número
de mulheres da classe operária que desertam da casa, quer para
engrossar as fileiras das operárias, nas fábricas, quer para servir
como jornaleiras, lavadeiras, domésticas, etc. Segundo um cálculo
efetuado antes da guerra mundial, contaram-se nos Estados da
Europa e da América sessentas milhões de mulheres que
ganhavam a vida com um trabalho independente. Durante a
guerra esta cifra aumentou consideravelmente. Quase metade
destas mulheres são casadas e por aqui se vê qual deve ser a vida
da família, quando a esposa e mãe vai para o trabalho e está fora
de casa durante oito horas por dia, que com o trajeto chegam a
dez. A casa está descuidada, necessariamente; os filhos crescem
descuidados pela vigilância materna, abandonados a si mesmos e
expostos aos perigos da rua, onde passam a maior parte do
tempo.
TEXTOS ESCOLHIDOS| 83
milhões de operárias sob o julgo capitalista durante o
florescimento da grande indústria...
84 | Alexandra Kollontai
ser o único amparo da família. Neste sentido, a operária é igual ao
homem; aprendeu a ganhar a vida para si mesma e até, às vezes,
para o marido e filhos. Fica a casa e a educação, assim como a
criação dos filhos de tenra idade.
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MULHERES MILITANTES NOS DIAS DA GRANDE
REVOLUÇÃO DE OUTUBRO
Fonte:Partido da Causa Operária
Direitos de Reprodução: licenciado sob uma Licença
Creative Commons.
86 | Alexandra Kollontai
As mulheres que participaram na Grande Revolução de
Outubro – quem eram elas? Indivíduos isolados? Não, havia
multidões delas; dezenas, centenas e milhares de heroínas
anônimas que, marchando lado a lado com os operários e
camponeses sob a Bandeira Vermelha e a palavra-de-ordem dos
Sovietes, passou por cima das ruínas do czarismo rumo a um novo
futuro...
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alguma coisa significativa estava acontecendo, e que nós somos
todos pequenas engrenagens na única classe revolucionária.
88 | Alexandra Kollontai
Entretanto, fora deste mar de mulheres de lenços e toucas
surradas inevitavelmente emergem as figuras daquelas a quem os
historiadores devotarão atenção particular, quando, muitos anos
depois, eles escreverem sobre a Grande Revolução de Outubro e
seu líder, Lênin.
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todos aqueles que entravam em contato com a companheira do
grande líder da Revolução de Outubro.
90 | Alexandra Kollontai
relação ao sofrimento de seus camaradas ela demonstrava a
sensibilidade e a receptividade que só se encontram em uma
mulher com um coração afetuoso e nobre.
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trabalhavam ao seu lado lembrarão por por muito tempo de
Konkordia Samoilova. Ela era simples nos costumes, simples na
aparência, exigente na execução das decisões, severa com ela
mesma e com os outros.
92 | Alexandra Kollontai
preparação para a revolução e que foi morta pelos Cossacos no
primeiro front Vermelho próximo a Petrogrado?
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