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Departamento de História

A TEORIA DO PROCESSO CIVILIZADOR DE NORBERT ELIAS


E A SUA CONTRIBUIÇÃO PARA A HISTÓRIA DA
VIOLÊNCIA NO OCIDENTE

Aluno: Jonas Thobias da Silva Dias Martini


Orientador: Marcelo Gantus Jasmin

Introdução
No final do ano de 2016, em uma reunião de pesquisa, foi discutido o texto Reflexiones
sobre la violencia [5], do teórico político John Keane. Diante do problema intelectual de
pensar a violência do século XX a partir de teorias clássicas, o autor busca analisar as visões
cânones acerca da violência política e confrontá-las com a experiência até então ímpar que
esse tempo apresentou. Keane procura argumentar que, para além da “parte democrática e
pacífica” do mundo, há uma “zona onde reina a anarquia violenta”, que parece escapar à
monopolização da violência legítima de Estado. Aqui, a “civilização” e a “estabilidade” são
constantemente solapadas por golpes, guerras e repressões violentas.
Frente a tal problema, achou-se conveniente refletir um pouco mais sobre a questão da
civilização, na tentativa de melhor compreender o modo pelo qual esse conceito pode ser
relacionado com o de violência. Dando destaque à interlocução com Norbert Elias,
especialmente estabelecida por Keane na secção El proceso de civilización, buscou-se ampliar
a discussão que o autor traz em seu texto. Esse sociólogo alemão, cuja produção teórica se
insere no século XX, desenvolveu uma teoria sobre processos civilizadores, que, de uma
maneira geral, representam a alteração do comportamento humano tanto pelo controle social,
quanto pelo autocontrole individual.
Lançada à investigação sobre a sociedade europeia, a teoria eliasiana destaca no
magnum opus do autor, O Processo Civilizador [2], uma transformação ocorrida entre os
séculos XII e XVIII no habitus europeu que marginalizou gestos, palavras e sentimentos, que
foram aos poucos sendo considerados violentos. Segundo Elias, esse “processo” não pode ser
desvinculado da centralização do Estado Moderno, através da monopolização fiscal e da
violência legítima, nem do aumento e da diferenciação das funções sociais, levando à
ampliação da interdependência entre os indivíduos e ao maior rigor exigido nas relações
sociais. Nestas, as explosões emocionais que incluem a violência, seriam mais controladas
diante das constantes tensões da vida social.
Assim, depois de reunidas algumas conclusões acerca da teoria de Georges Sorel –
pesquisada anteriormente – viu-se por bem realizar uma pesquisa sobre obra de Norbert Elias,
buscando nela contribuições à história e delimitações conceituais da violência. Ainda em
estágio inicial, esse percurso já conta com o estudo dos dois volumes de O Processo
Civilizador [2], bem como do livro A Sociedade de Corte [1] do mesmo autor. Além disso, foi
feito um levantamento biográfico e outro bibliográfico de Elias, auxiliados por comentadores
e pelo próprio teórico na edição intitulada Elias por ele mesmo [3].
Alguns dos resultados obtidos foram apresentados em intervenções nas reuniões
quinzenais da pesquisa, bem como no “Seminário Especial em Teoria, Historiografia e
História Intelectual”, com o tema “Civilização e Violência”, ministrado pelo orientador na
Pós-Graduação. No que se refere à pesquisa extra individual, foi elaborada uma planilha que
ordenou a bibliografia da pesquisa Conceitos de Violência Política levantada até o momento,
com cerca de 500 entradas, sendo metade desse montante colocada por mim.
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Objetivos e justificativa
Através da análise da teoria de Norbert Elias, cujas obras já estudadas foram produzidas
na Europa durante a década de 1930, este trabalho objetiva contribuir para a hipótese da
pesquisa intitulada Conceitos de Violência Política: a Teoria Política e a Primeira Guerra
Mundial. Esta pretende argumentar que as experiências vividas no início do século XX
alteraram uma autorreferência humana produzida pela modernidade europeia, que supunha
viver um processo civilizatório capaz de marginalizar o uso da violência para a resolução de
conflitos políticos. O estudo da teoria eliasiana em questão almeja inserir a visão de um autor
sobre como se deu a produção de tal autorreferência e auxiliar a compreensão acerca da
participação da violência nesse processo, assim como fomentar as leituras de civilização no
curso da referida pesquisa.
Além disso, como pode ser observado, a presente investigação situa-se na produção
teórica europeia do século XX. Os trabalhos de Elias aqui mobilizados foram elaborados no
entre guerras e tratam de uma “sociologia histórica” que pretende estudar o conceito de
civilização como uma “autoconsciência” ocidental. Nas investigações do autor, a violência
aparece como uma experiência marginalizada por essa “autorreferência” entre os séculos XII
e XVIII. Hipoteticamente falando, parece que Elias quer resgatar os estudos sobre o conceito
de civilização em meio à sua crítica – proposta, por exemplo, por Sigmund Freud – diante
espetacularização da violência produzida pela contemporaneidade de sua escrita.
Nesse sentido, justifica-se a introdução da teoria de Norbert Elias no percurso da
pesquisa proposta. Isso não apenas com o limitado estudo que já se apresenta, mas também
com os trabalhos posteriores de Elias, onde ele parece querer continuar a discussão acerca dos
conceitos de civilização e violência em temporalidades mais próximas do seu tempo. Espera-
se poder dar sequência a esta investigação com essas obras para que se possa ampliar o debate
sobre tais conceitos, sem perder de vista a relevância deste para a nossa contemporaneidade.

Metodologia
De modo geral, o caráter metodológico desta pesquisa está em consonância com o da
chamada história dos conceitos. Essa forma de pensar a história se interessa pela observância
sincrônica e diacrônica do uso dos termos em textos e teorias encarados como fontes numa
determinada conjuntura. Através da significação atribuída aos conceitos por seus atores, pode-
se chegar a uma melhor compreensão da experiência contemporânea ao seu emprego,
respeitando as circunstâncias em que foram formulados e evitando anacronismos e/ou falhas
interpretativas.
A metodologia empregada para a apreensão inicial, ainda em curso, da teoria de Norbert
Elias sobre o processo civilizador e o estabelecimento de sua relação com o tema da violência
consiste na leitura de suas obras e de suas principais fontes documentais, na leitura dos
críticos e analistas de sua produção, levantamento bibliográfico do autor, esboço biográfico
intelectual do mesmo, pesquisa das interlocuções presentes nos textos de Elias e/ou nos de
seus comentadores (com destaque para Sigmund Freud, Max Weber e Georg Simmel).
Segue um breve resumo do tratamento já obtido no curso deste ano de pesquisa, seu
atual estágio e as previsões de trabalho:

O Processo Civilizador [2]


Publicado originalmente em alemão no ano de 1939 com o título Über den Prozess der
Zivilisation. Soziogenetische und psychogenetische Untersuchungen, o livro possui dois
volumes e é o trabalho mais citado de Norbert Elias. No entanto, sua recepção não parece ter
sido imediata, uma vez que só receberá tradução décadas mais tarde. No Brasil, a editora
Zahar publicou uma edição entre 1990-1993. Por ser a obra mais conhecida de Elias, foi a
primeira a ser incorporada pela pesquisa.
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No prefácio, Elias delimita o tema fundamental de seu trabalho, a saber, “os tipos de
comportamento considerados típicos do homem civilizado ocidental” [ELIAS, 1994, p. 13], e
formula o problema em questão a partir do que ele chama de “lei sociogenética”. Por ela, não
se pode compreender a “psicogênese” individual sem que a “sociogênese” da “civilização”
seja levada em consideração. Isso porque os indivíduos passam em sua curta história “através
de alguns dos processos que a sociedade experimentou em sua longa história” [ELIAS, 1994,
p. 15]. Assim, Elias justifica a sua investigação trazendo a questão de O Processo Civilizador:

“[..] de que forma a sociedade extremamente descentralizada de princípios da Idade


Media, na qual numerosos guerreiros de maior ou menor importância eram os
autênticos governantes do território ocidental, veio a transformar-se em uma das
sociedades internamente mais ou menos pacificadas, mas extremamente belicosas,
que chamamos de Estados? Que dinâmica de interdependência humana pressiona
para a integração de áreas cada vez mais extensas sob um aparelho governamental
relativamente estável e centralizado?” [ELIAS, 1994, p. 16, grifo meu].

“Aqui, tenta-se revelar algo dos processos históricos concretos que, desde o tempo
em que o exercício da força era privilégio de um pequeno número de guerreiros
rivais, gradualmente impeliu a sociedade para essa centralização e monopolização
do uso da violência física e de seus instrumentos.” [ELIAS, 1994, p. 17].

No primeiro volume, Elias discorre acerca da “sociogênese” dos conceitos de


“civilização” e de “cultura”, expondo suas diferentes concepções na Alemanha e na França.
De maneira geral, para o autor, mesmo se referindo a fatos diversos, o conceito de civilização
“expressa a consciência que o Ocidente tem de si mesmo”. [ELIAS, 1994, p. 24]. Também no
primeiro volume, Elias insere exemplos encontrados nos manuais de etiqueta de como o
comportamento europeu medieval vai sendo transformado em atitudes menos “emocionais” e
mais “polidas”, sobretudo, nos espaços de interação social. Ao tratar das “mudanças na
agressividade”, Elias escreve:

“Nesta área emocional - a do teatro das colisões hostis entre homens -, ocorreram,
como em todas as outras, as mesmas transformações históricas. Não importando em
que ponto se situa a Idade Media nessa transformação, bastará estudar aqui o padrão
de sua classe governante secular, os guerreiros, como ponto de partida, a fim de
ilustrar o padrão geral desse desenvolvimento. A liberação das emoções em batalha
durante a Idade Media não era, talvez, tão desinibida como no período anterior das
Grandes Migrações. Mas era bastante franca e desinibida, em comparação com a
medida dos tempos modernos. Neste último, a crueldade e a alegria com a destruição
e o tormento de outrem, tal como a prova de superioridade física, foram colocadas
sob um controle social cada vez mais forte, amparado na organização estatal. Tosas
essas formas de prazer, limitadas por ameaças de desagrado, gradualmente vieram a
se expressar apenas indiretamente, em uma forma "refinada". E só em épocas de
sublevação social ou quando o controle social e mais frouxo (como, por exemplo,
em regiões coloniais) elas se manifestam mais direta e livremente, menos
controladas pela vergonha e a repugnância.” [ELIAS, 1994, p. 191].

No segundo volume de O Processo Civilizador, Norbert Elias mostra como da dinâmica


da feudalização, concernente em uma menor interdependência entre os indivíduos, que,
portanto, encontravam uma maior liberdade para expor suas paixões e sentimentos, chega-se a
uma diferenciação das funções sociais que aumenta a interdependência, exigindo mais rigor e
precisão nas relações. De acordo com o autor, esse processo acompanha a formação do Estado
moderno, na medida em que a monopolização fiscal, que permite ao príncipe retribuir seus
servidores em moeda e não mais em terras, e da violência favorece os mecanismos de controle
social e de autocontrole individual.
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Na primeira parte deste volume, Elias percorre a história da formação do Estado,


sobretudo, francês mostrando como forças centralizadoras e descentralizadoras concorriam
para legitimar a soberania de um senhor. Partindo da dinâmica da “feudalização”, o autor
destaca que a disputa sobre a terra entre a nobreza guerreira, o clero e o príncipe foi se
complexificando, ainda mais com o surgimento da burguesia. Diante dessa situação, o
príncipe vai ganhando cada vez mais legitimidade, mantendo a competição entre a classe em
ascensão e a nobreza transformada em cortesã, até centralizar o seu poder. O que interessa a
esta pesquisa diz respeito a caracterização que Elias faz dessa “nobreza de espada” em
aristocracia de corte:

“Os governantes desse grande e pesado setor agrário do mundo medieval, os


cavaleiros, dificilmente seriam controlados em sua conduta e paixões por cadeias
monetárias. Deles, a maior parte conhecia um único fido de sustento - e, portanto,
uma única dependência direta: a espada. No máximo, só o perigo de serem
fisicamente vencidos, a ameaça militar de um inimigo visivelmente superior, isto é,
a compulsão direta, física, externa, e que podia leva-los à moderação. A parte isso,
suas afeiçoes tinham livre e ilimitada expressão em todos os terrores e alegrias da
vida. O tempo deles - e o tempo, como a moeda, é função da interdependência social
- era sujeito apenas superficialmente a continua divisão e regulação impostas pela
dependência em relação a outras pessoas. O mesmo se aplicava a suas paixões. Eram
selvagens, cruéis, inclinados a explosões de violência e, de igual modo,
abandonavam-se a alegria do momenta. Podiam fazer isso. Pouco havia na situação
em que viviam que os e impelisse a adotar moderação em seus atos. Pouco em seu
condicionamento os forçava a desenvolver o que poderíamos chamar de urn
superego rigoroso e estável, como função da dependência e das compulsões
originarias de outras pessoas e que ne1es se transformassem em autodisciplina.”
[ELIAS, 1994, p. 70].

Na segunda parte do volume 2, Norbert Elias caracteriza o processo civilizador como


“uma mudança na conduta e sentimentos humanos”, que para ele não é racional no sentido de
que se dá a longo prazo e que, por isso, não pode ser planejada por um grupo específico de
homens, ao passo que também não pode ser considerada irracional, sendo que possui uma
ordem e estrutura que podem ser estudadas. Uma questão que perpassa toda a obra é por que
essa “mudança” se deu modelando a personalidade humana de maneira “civilizadora”. A
“resposta” de Elias é que as funções sociais ao longo do período estudado sofreram maior
pressão da competição. Tal fato fez com que elas se diferenciassem e aumentassem em
quantidade. Disso resulta uma ampliação da interdependência entre elas e uma maior precisão
e rigor sendo exigidos nas relações. Assim, a classe descrita acima não poderia mais se
comportar da mesma forma.
Além do controle social, dado quer pelas relações sociais, quer pela força do Estado
monopolizador da violência legítima, o autocontrole individual consciente e inconsciente
(diálogo com Sigmund Freud) também participou do processo. Dessa maneira, a violência
física vai sendo excluída do cotidiano desses homens. Contudo, ela de modo algum
desaparece, segundo Elias: foi trazida para dentro dos indivíduos e levando às mais diversas
provocações. Elias cita momentos de perturbação, insensibilidade, sonhos, manifestações
artísticas como exemplos da decorrência da repressão dessa violência. Para ele, a vida não se
torna mais pacífica, a pressão acontece na sociedade, entre os indivíduos sem as “explosões
emocionais anteriores ao processo”.

“Até a época em que o controle dos instrumentos de violência física - armas e tropas
- passou a ser altamente centralizado, as tensões sociais explodiam repetidamente
em ações belicosas. Determinados grupos sociais, comunidades de artesãos e seus
senhores feudais, cidades e cavaleiros, enfrentavam-se como centros de poder que -
o que só Estados faziam mais tarde - teriam que sempre estar dispostos a resolver
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pela força das armas suas divergências de interesses. Os temores despertados nessa
estrutura de tensões sociais ainda podiam ser liberados fácil e frequentemente pelo
apoio militar e pela força física direta. Com a gradual consolidação dos monop6lios
de poder e a crescente interdependência funcional entre nobreza e burguesia, tudo
isso mudou. As tensões [sic] se abrandaram. Só em raras ocasiões eram resolvidas
pela violência física. Por isso mesmo, manifestavam-se segundo uma pressão
constante, que cada membro individual da nobreza teria que absorver pessoalmente.
Com essa transformação nos relacionamentos, os temores sociais deixaram de
parecer chamas que rebentam de repente, ardem com intensidade e logo se
extinguem, mas apenas para ressurgirem com a mesma rapidez, tomando-se, em vez
disso, uma espécie de fogo de monturo, cujas chamas não se veem e raramente
irrompem a vista de todos.” [ELIAS, 1994, p. 70].

Assim, como pode ser observado, a violência ocupa um lugar especial na análise de
Elias sobre “o processo civilizador”. A presente obra funcionou e funciona como a base para a
pesquisa da teoria eliasiana, uma vez que a sua argumentação nas demais produções do autor
parece levar seus conceitos para estudos posteriores.

A Sociedade de Corte [1]


A Sociedade de Corte, apesar de publicada apenas em 1969, tem sua origem na tese
intitulada O Homem da Corte. Uma Contribuição para a Sociologia da Corte, da Sociedade
de Corte e da Monarquia Absolutista, formulada em 1933 para a habilitação de Elias na
Universidade de Frankfurt. No entanto, o concurso do qual participou foi interrompido devido
às leis nacional-socialistas de impedimento profissional aos judeus. De todo modo, como
pode ser percebido, trata-se de um trabalho anterior à teorização do processo civilizador e
que, por isso, tem seu valor para a compreensão do percurso intelectual do autor. Além disso,
permite verificar as observações de Elias sobre a confluência de bens e pessoas à corte, sobre
a diferenciação das funções sociais e sobre a hierarquização rígida que estrutura a sociedade
estudada. As concepções metodológicas do autor ficam também evidenciadas em sua crítica à
historiografia mobilizada e na proposta de análise sociológica que sugere.
A edição brasileira de 2001 de A Sociedade de Corte traz um prefácio escrito por Roger
Chartier. Esse texto pode ser considerado relevante para a pesquisa porque insere a visão de
um historiador sobre uma obra que tem em seu primeiro capítulo uma forte crítica de um
sociólogo sobre a produção historiográfica. Para Norbert Elias, os historiadores de seu tempo
se preocuparam com ações individuais singulares, muitas vezes se atendo a homens que não
estão inseridos em uma “figuração”, ou seja, sem um envolvimento profundo de
interdependência social. Segundo Chartier, Elias mobiliza uma historiografia que já passou
por um processo de questionamento e que até hoje continua sendo revista. No entanto, de
acordo com o historiador, a obra de Elias não pode ser negligenciada, sobretudo, por esses
pesquisadores de história interessados no social. Contudo, deve haver a ressalva de que a
teoria eliasiana em questão deve ser inscrita em seu tempo, mas escutada no presente – o que
realmente está sendo proposto no presente trabalho.
Para Elias, algo que poderia ser encarado como marginal pelos estudos sociais
acadêmicos como as estruturas de habitação, etiqueta, arte e outras particularidades podem se
revelar de fundamental importância para o entendimento da sociedade estudada. Assim ele
desenvolve sua investigação sobre a sociedade aristocrática de corte sempre em comparação
com a sociedade burguesa ascendente. A incorporação desta classe diz respeito ao interesse de
Elias em mostrar que o comportamento e o modo de vida da aristocracia europeia de corte, em
especial a francesa, se esforça por se distinguir das classes “mais baixas”, o que intensifica a
competição, mesmo não sendo eximida a teia de interdependência entre elas:
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“[..] O que hoje em dia aparece como luxo, numa consideração retrospectiva, não é
nada supérfluo numa sociedade assim estruturada [...]. Numa sociedade em que cada
manifestação pessoal tem um valor socialmente representativo , os esforços em
busca de prestígio e ostentação por parte das camadas mais altas constituem uma
necessidade se pode fugir. Trata-se de um instrumento indispensável à
autoafirmação social, especialmente quando - como é o caso da sociedade de corte –
todos os participantes estão envolvidos numa batalha ou competição por status e
prestígio. Um duque tem que construir uma casa de maneira que expresse: sou um
duque e não um conde. O mesmo vale para todos os aspectos do seu estilo de vida.
[...] Um duque que não mora da maneira como um duque deve morar , e que
portanto não pode mais cumprir as obrigações sociais que seu título supõe,
praticamente deixa de ser um duque.” [ELIAS, 2001, p. 83].

A importância deste estudo para a pesquisa sobre o conceito de violência em Norbert


Elias e o que este contribui para a história da violência no ocidente está na análise da
sociedade que corresponde uma etapa fundamental no processo civilizador de acordo com
Elias, ao menos no que se refere à marginalização da violência física do comportamento.
Quando este, como ficou expresso, se torna necessariamente mais refinado diante na
necessidade de “autoafirmação” da sua posição social, a violência não pode encontrar
manifestação senão nos espaços reservados a ela – que certamente não são a mesa, a casa, a
vida na corte.

Norbert Elias por ele mesmo [3], Dossiê Norbert Elias [8] & Norbert Elias: A Política e a
História [4]
A leitura Norbert Elias por ele mesmo deu sequência à pesquisa. A validade desta obra
está na composição do retrato biográfico intelectual do autor, importante para inseri-lo em seu
tempo e verificar as interlocuções que estabelece. Consiste em uma longa entrevista e cinco
notas biográficas sobre o que o escritor “aprendeu”, onde ele fala sobre a sua infância,
juventude, judeidade, seus mestres, a formação de seu pensamento, além da recepção tardia de
sua obra – que, para alguns de seus comentadores, será fundamental para as escolhas que
Elias toma em sua teoria.
O Dossiê Norbert Elias consiste no resultado de seminários que foram realizados no
Brasil por ocasião do centenário de Norbert Elias e reúne artigos de antropólogos e sociólogos
relevantes para pensar a teoria do autor e, por isso é inserida aqui. A primeira, Heloísa Pontes,
argumenta que a metodologia científica de Elias possui um caráter inovador, interdisciplinar e
que rompe com preceitos rígidos da ciência social, por exemplo, acerca das explicações micro
e macrossociológicas, ambas presentes no autor. Depois, Frederico Neiburg realiza um artigo
de caráter fundamental a esta pesquisa na medida em que trabalha com o conceito de
violência em Elias. Para ele, à revelia das concepções “negativas” da violência, conceituada
em oposição à pacificação, Elias propõe uma “análise sociologicamente positiva da
violência”, que é circunscrita na teoria de modo a produzir conhecimento sobre a sociedade.
Jessé Souza produz em Dossiê Norbert Elias um artigo que compara Elias e Weber
apontando que ambas as teorias leem processos no ocidente que caminham para o controle
dos afetos e dos “sentimentos humanos”, embora o segundo dedica-se ao debate intercultural
enquanto o segundo não reflete a especificidade ocidental por oposição a outras culturas. O
sociólogo Leopoldo Waizbort, organizador do dossiê, defende que a teoria eliasiana tem seus
fundamentos metodológicos derivados da sociologia de Georg Simmel, na medida em que
analisa processos de interdependência social entendo-o como um conjunto de relações entre
as “partes” e o “todo”, a unidade. Ao entender que Elias elabora uma “sociologia da
concorrência”, o artigo auxilia a presente pesquisa. Sergio Miceli argumenta ao fim do Dossiê
que Elias “revoluciona” a sociologia primeiro renovando a agenda clássica dos “pais
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fundadores” e na linguagem, revendo os conceitos “cânones” dos estudos sociais, sendo


postos em “reconstrução” e em “transformação”.
Norbert Elias: A Política e a História consiste em uma seleção de textos que se
dedicam a inserir Norbert Elias no tempo e no espaço. Organizada por Alain Garrigou e
Bernard Lacroix, a obra se dedica não apenas à biografia intelectual de Elias, mas também ao
tratamento de seus conceitos. Ainda em processo de seleção de quais os artigos mais
relevantes à pesquisa – sendo, certamente, já elencado o de Jacques Defrance sobre Violência
e esporte em Elias, intitulado O Gosto pela Violência –, Norbert Elias: A Política e a História
se debruça sobre toda a produção de Elias, sendo importante desde já como suporte à
continuidade da pesquisa.

Atual estágio e intenções futuras


Como já foi colocado na introdução deste relatório a pesquisa da teoria eliasiana
continua. O presente estágio dedica-se na reunião e seleção das fontes utilizadas por Elias.
Está sendo lida e fichada, por exemplo, uma compilação das Memórias de Saint-Simon,
intitulada A Corte de Luiz XIV: memórias de um cortesão [7] e Os Caracteres [6] de La
Bruyère, ambos cortesãos. Esse trabalho tem por interesse uma maior aproximação da
pesquisa com as fontes mobilizadas por Elias e a marcação da presença da violência, do
comportamento e atitudes ali presentes.
É de intenção realizar o mesmo tratamento com os manuais de etiqueta presentes no
volume um de O Processo Civilizador. A atenção da pesquisa, ao que se pretende, se voltará
para os escritos mais recentes de Elias, sobretudo, Os Alemães: a luta pelo poder e a evolução
do habitus nos séculos XIX e XX, onde o autor parece de debruçar sobre os chamados
“processos descivilizadores”. Além disso, se procurará estabelecer um maior diálogo entre
Elias e Freud, uma interlocução que parece ser muito presente nas obras mencionadas, porém
pouco citada. A importância desse debate está em pensar não apenas o conceito de violência,
mas também o de civilização na produção teórica do início do século XX.

Considerações finais
A presente pesquisa permitiu uma melhor compreensão de como a violência legítima
fora banida do habitus europeu através de um processo civilizador, tal como ele fora
entendido pelo sociólogo alemão Norbert Elias. De acordo com este, ao longo dos séculos XII
e XVIII, a formação do Estado e o aumento da interdependência social favoreceram essa
exclusão, na medida em que mecanismos de coerção e de autocontrole do comportamento
foram sendo desenvolvidos. Além disso, este trabalho pode ampliar o debate conceitual
acerca do tema da civilização, sendo esta entendida aqui como aquilo que expressa a
consciência que o Ocidente tem de si mesmo. É de interesse prosseguir na pesquisa da teoria
eliasiana, através da análise de outros trabalhos do autor focando, sobretudo, nos chamados
“processos descivilizadores”.

Referências
1 - ELIAS, Norbert. A Sociedade de Corte: investigação sobre a sociologia da realeza e da
aristocracia de corte. Rio de Janeiro: Zahar, 2001. 312 p.
2 - ELIAS, Norbert. O Processo Civilizador. 2 vols. Rio de Janeiro: Zahar, 1994. 584 p.
3 - ELIAS, Norbert. Elias por ele mesmo. Rio de Janeiro: Zahar, 2001. 166 p.
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4 – GARRIGOU, Alain. LACROIX, Bernard (orgs). Norbert Elias: a Política e a História.


São Paulo: Perspectiva, 2010. 248 p.
5 – KEANE, John. Reflexiones sobre la violência. Madrid: Alianza Editorial, 2000. 166 p.
6 – LA BRUYÈRE, Jean de. Os Caracteres. Lisboa: Sá da Costa, 1941. 243 p.
7 – SAINT-SIMON, Duc de (Louis de Rouvroy). A corte de Luiz XIV: memórias de um
cortesão. Rio de Janeiro: José Olympio, 1944. 377 p.
8 – WAIZBORT, Leopodo (org). Dossiê Norbert Elias. São Paulo: Edusp, 1999. 157 p.

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