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O título do filme icônico de Glauber Rocha serviria bem para enquadrar a situação que
vivemos neste segundo turno das eleições presidenciais no Brasil. Estamos diante de uma
perspectiva de horror, representada pela possibilidade de reeleição do criminoso
psicopata Bolsonaro: o Dragão da Maldade. Isso nos levaria a uma destruição tão grande
das chamadas instituições republicanas e das estruturas administrativas ligadas à
educação, à ciência, à cultura, ao meio ambiente e à segurança dos setores
eufemisticamente denominados de vulneráveis, que ou implantaria de forma mais estável
um já esboçado regime fascista à moda contemporânea ou, mesmo que essa fase fosse
depois superada, ainda deixaria um monte de escombros sobre o já arrasado solo social
brasileiro: uma condição de atraso e dependência que levaria gerações para ultrapassar,
ou pior, que poderia até se tornar nosso modo permanente de existir. No lado oposto
temos um herói popular: Lula, o Santo Guerreiro que, independentemente de qualquer
crítica que possa lhe ser feita, representa a única possibilidade de determos esse processo
destrutivo já iniciado e de retomarmos uma trajetória de reconstrução institucional e
social. Estamos diante de uma encruzilhada de alcance histórico inigualável.
No entanto, por mais vital, como de fato é essa decisão, seu resultado não altera – na
melhor das hipóteses atenua - uma condição essencial do Brasil: sua subalternidade em
relação ao capital internacional e a exploração sistemática, estrutural e histórica, assim
como a exclusão da grande maioria da sua população dos mínimos benefícios permitidos
pela evolução das condições de vida em nossos tempos. Só uma verdadeira revolução –
política, social e econômica - mudará a essência dessas condições. Por isso, este texto
não tratará dessa escolha imediata, mas do que nos espera no momento seguinte ao
resultado das eleições. E daí para a frente.
O Brasil – os dois terços da população que praticamente definem o que é este país - vive
na miséria. Segundo o dicionário: um estado de carência absoluta de meios de
subsistência. Miséria também é um estado de alma: uma situação permanente de
indigência, de penúria, acompanhado de enorme sofrimento, infelicidade, desgraça. A
luta pela sobrevivência em seus níveis mais básicos não favorece o tirocínio ou o juízo
moral: as opções éticas e a compreensão da vida social tendem para as escolhas que
permitam a alimentação, o abrigo, a segurança. Ou, em muitos casos, apenas a ilusão
desse abrigo e segurança. Ainda mais: os que escapam desses limites também estão
presos na instabilidade de sua condição – as fronteiras de pobreza no Brasil oscilam
conforme os governos e os ciclos econômicos – e apresentam esse perfil ideológico de
medo da pobreza que, como bem definiu Paulo Freire, favorece uma espécie de
consciência necrófila, transformando a frágil superação da condição de oprimido pela
necessidade de, por sua vez, reproduzir a opressão. A base social mais ampla da
psicopatia bolsonarista se enquadra nessa explicação freiriana.
Mas a grande maioria não está sequer nessas regiões limítrofes, e sim nas situações mais
graves de carência. A miséria, a luta diária pela sobrevivência básica, também trazem
uma dificuldade extrema de formular um projeto próprio de emancipação, de poder
compreender, ter consciência de seu papel na sociedade complexa e na história. A luta
pela sobrevivência, com alguma frequência, vira competição; e esta facilita, empurra ao
crime.
Tanto para Freire como para Gramsci, a consciência de classe é um processo em relação
constante com práticas de luta social; elas é que constroem a hegemonia de valores
contrários à exploração do trabalho, de emancipação e de solidariedade. A definição de
uma nova ordem social e moral se dá no próprio processo da sua construção. É na luta
que aponta para, ou resulta em novas formas de relação social e na construção de
instituições, isto é, de formas de organização, de valores morais, comportamentos e
normas com que vão se tecendo as bases e a estrutura uma nova sociedade, com novas
formas de convivência entre as pessoas, de administração e distribuição da produção, de
definição de valores e projetos para o futuro da humanidade.
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A condição miserável de grande parte da população brasileira, assim como sua herança
histórica de exclusão e exploração extremas não facilitam a tarefa de compreensão e
construção de novas instituições, de uma nova sociedade. É mais difícil pensar em deter
a destruição do planeta quando não se tem água para beber, ser solidário quando se
buscam restos de comida (e, no entanto, exemplos de solidariedade são tão comuns
entre os que pouco têm). Por isso podem florescer as crenças que situam a felicidade
num mundo imaginário, místico e sempre por vir, iminente mesmo. Mas que, na verdade,
nunca chega.
A formação das classes subalternas criadas com o capitalismo, nos países centrais
inicialmente, foi marcada pela superexploração, pela violência e por níveis de miséria e
fome que não são nada estranhos à experiência de seus equivalentes na população
brasileira contemporânea. O proletariado foi expulso do campo, concentrando-se nas
áreas urbanas, juntando-se a outros pobres como massa disponível para o trabalho fabril
– que caracteriza o capitalismo sobretudo do século 19 – e para a prestação de serviços
à burguesia e seus servidores mais aquinhoados. Reunidos em grandes contingentes nas
fábricas, convivendo e partilhando uma mesma condição – e sendo, ao mesmo tempo, a
base principal da formação do capital - o operariado se tornou uma força política e formou
a vanguarda política dos segmentos populares. Durante mais de um século, foi essa
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vanguarda que conduziu as lutas e as maiores conquistas das classes trabalhadoras, entre
elas a grande revolução que deu origem à União das Repúblicas Soviéticas.
Depois da 2a. Guerra Mundial outros segmentos também tiveram um protagonismo mais
decisivo: os camponeses na constituição da República Popular da China, e muitos setores
populacionais unidos em revoluções anticoloniais e socialistas na África, principalmente,
mas também na Ásia e na América Latina.
O Brasil tem uma história própria, dependente, e construída com relativamente menos
protagonismo popular que o das nações mais avançadas do sistema. Mesmo assim criou
uma sociedade civil forte o bastante para, no período referido, derrubar a ditadura.
Grande e significativa vitória, mas não o suficiente para construir uma democracia
vigorosa ou estável. E mesmo essa sociedade civil comparativamente frágil também
experimentou o refluxo e o enfraquecimento de suas instituições. O Partido dos
Trabalhadores, que foi uma espécie de cume da fase de avanço popular, não conseguiu
apontar caminhos realmente sólidos, indispondo-se logo de início com a Constituinte – o
outro ponto alto das lutas populares e democráticas –, e paulatinamente adaptando-se
às exigências e costumes da via político-institucional à moda brasileira, enfraquecendo
as bases populares organizadas e mesmo comprometendo seu próprio prestígio. Seus
governos, de conquistas significativas – de fato, os melhores de toda a nossa história
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republicana -, ao mesmo tempo não ajudaram a organizar os trabalhadores nem
estabeleceram instituições sólidas sob o controle das maiorias. Outros partidos, como o
histórico Partido Comunista, se desconjuntaram: uma parte substancial simplesmente
aderiu, transformando-se em complemento de partidos liberais ou ainda mais à direita, e
uma pequena parte busca uma recomposição partidária e ideológica coerente, mas sem
conseguir superar, ainda, a irrelevância política e social. O PCB de hoje divide esse espaço
de isolamento com outros partidos nanicos: PSTU, PCO, UP. A cisão dos anos 60 do velho
Partidão, o PCdoB, é mais importante que esses no campo parlamentar, mas também é
mais uma força auxiliar do PT do que uma agremiação partidária com propostas claras,
além das que se referem ao aparato político institucional. O que Gramsci, em referência
a Maquiavel, chamava de “príncipe moderno”: o intelectual coletivo capaz de conduzir a
construção e estabelecimento de uma nova hegemonia, é no Brasil um conjunto de forças
ainda muito dispersas e que sequer conseguem estabelecer uma unidade operacional
numa eleição como a que estamos vivendo. Essa unidade, aliás, teria dado à classe
trabalhadora a vitória no primeiro turno das votações. Faltou o PSOL
Como votar com consciência política, social, histórica, se essa discussão não é a principal A
da campanha eleitoral? E mais, se mesmo essa questão, quando muito, só aparece na composição
campanha eleitoral, a mais curta da história recente? As ruas, por sua vez, foram do
Congresso
crescente e nitidamente melhor aproveitadas pelos setores reacionários. O carisma éa
fascista do Führer, do Duce ou do Mito; a apropriação muito bem sucedida dos grandes indicação
símbolos nacionais (bandeira, suas cores, a própria Seleção de futebol), além do uso mais
concreta
escancarado das instituições e dos recursos públicos (em certos casos, até com a dessa falta
anuência das esquerdas parlamentares) mostraram-se, em geral, mais eficazes – ainda de
que traficadas - para mobilizar maiores e/ou mais visíveis manifestações nas ruas, sem consciência
que a contestação das múltiplas ilegalidades do processo tenha conseguido mostrar a
mesma efetividade.
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As instituições geradoras de valores, os aparelhos de hegemonia, segundo Gramsci - dos
partidos políticos aos sindicatos, das associações de bairro e de movimentos sociais aos
cineclubes -, foram em grande parte abandonadas, ou desprovidas de muitas de suas
práticas e atribuições pelas esquerdas, pelas vanguardas políticas, sociais e culturais. O
convívio nas organizações proletárias e populares, a construção coletiva da identidade de
classe (da qual faz parte essencial a compreensão da importância das questões raciais,
de gênero e outras, como também da defesa do planeta) nas práticas e lutas do cotidiano
foi deixado sobretudo às igrejas mais conservadoras, que se dedicaram a isso com afinco.
E às mídias, que também intervêm profundamente na vida diária de todos. É inclusive
exemplar como essas duas coisas se somam: proselitismo religioso e mídias audiovisuais.
Proletariado ou público
Tal como o ambiente da fábrica, os espaços comunitários – com exceção, claro, dos
estabelecidos pelas igrejas, especialmente as evangélicas – também perdem relevância,
em boa medida para as mídias, que substituem o convívio direto pela interação virtual e
automatizada. É unânime a consideração de que as mídias hoje constituem os principais
veículos de comunicação, de formação e de socialização, em seus espaços cada vez mais
“íntimos”, regulados por sistemas automáticos organizados para a produção de
informação para os donos dos meios de produção: o Capital, a classe dominante. Embora
existam iniciativas de resistência, elas são extremamente minoritárias. A própria estrutura
das plataformas em que estão instalados esses espaços virtuais é concebida para se
apropriar e, na maioria dos casos, neutralizar ou cooptar essas iniciativas, especialmente
as de maior público, através de sua monetização. Discussão da última reunião: em que consistem os
novos espaços, formatos e estilos das novas mídias?
O outro aspecto essencial desse sistema é que sua produção de lucro se dá pela venda
de dados de seus consumidores a anunciantes – os metadados -, num processo
cumulativo ininterrupto de coleta de informações as mais diversas: de interesses e hábitos
de consumo, de locomoção, mas também financeiros, de saúde e muitos outros. Com
isso, o Capital pode cada vez mais aperfeiçoar e sintonizar sua comunicação com esse
público, com esses consumidores, esse proletariado expandido. Além desse controle das
informações sobre as necessidades e anseios do público, os mesmos dados servem para
o controle político e social, e para a repressão mesmo, no que hoje se chama de
“capitalismo de vigilância”.
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As maiores corporações do mundo se apropriam dos dados de todos que frequentam
suas plataformas – Google, Facebook, YouTube, Netflix, etc. - ou que adquirem seus
produtos – Apple, Microsoft, Amazon – ou, em muitos casos, as duas coisas juntas. Esses
dados das vidas de todos e de cada um são, por direito, privados. De fato, definem a
própria privacidade no campo das relações sociais contemporâneas. No entanto, eles são
apropriados sem nenhuma compensação, sem autorização e sem controle por parte do
público. Essa apropriação é muito semelhante à da mais-valia, do sobrevalor produzido
pelo trabalho que não é restituído integralmente ao trabalhador, mas apropriado pelo
capitalista que o emprega. Por isso, vejo uma identidade crescente entre o conceito de
público – receptor e consumidor de todas as mídias – e o proletariado, isto é, o conjunto
de assalariados e outros dependentes do capital. Em ambos os casos estamos designando
uma mesma população, que tem como característica principal não ter a propriedade dos
meios de produção: hoje tanto os de sua própria vida material, como também do seu
imaginário, da sua vida no campo simbólico – ou espiritual. A questão teórica da produção no campo
simbólico, na superestrutura
Embora a fala pudesse ser incluída num campo do áudio, e muitos meios de comunicação
sejam também visuais – a pintura, a fotografia, mesmo a escultura –, convencionamos
chamar de meios ou mídias audiovisuais os que envolvem recursos técnicos definidos,
principalmente mecânicos e eletrônicos, em sua criação e uso. O cinema, que como
sistema de captação e projeção de imagens (ainda sem som) se consolida no final do
século 19, e que, no final dos anos 20 (um pouco depois do uso generalizado do rádio)
passa também a reproduzir o som, pode ser considerado a base do paradigma
audiovisual. Em boa medida, outros meios audiovisuais já estavam em desenvolvimento
ao mesmo tempo que o cinema: o rádio e outras formas de reprodução e transmissão do
som, e mesmo a televisão, que só vai se tornar predominante depois da 2ª. Guerra
Mundial. Objeto das discusões de Elsaesser, Williams e Martín-Barbero, especialmente
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A evolução técnica experimenta um salto qualitativo com a introdução da tecnologia
digital, que redefine a produção, difusão e consumo, ou recepção, dos meios audiovisuais
mais ou menos um século depois da “invenção” do cinema. Penso que poderíamos falar
em duas revoluções: uma começando com o cinema (cujo desenvolvimento é bem
anterior, desde a invenção da fotografia, ou mesmo antes), na última década do século
19, e outra, a digital, com generalização dessa tecnologia e a constituição da rede mundial
de computadores. Mas o paradigma audiovisual, enquanto tal, começa e se define com
o cinema.
De certa forma, sempre existiram públicos: desde que os homens se comunicam em suas
comunidades. Mas hoje, quando falamos em público, estamos nos referindo aos públicos
do nosso tempo. De fato, com a generalização quase absoluta dos aparelhos digitais
conectados numa rede planetária, o público contemporâneo praticamente se confunde
com o conjunto da população da Terra. Público também remete à ideia de ser público de
alguma coisa, isto é, de um espetáculo de qualquer tipo, mas também, em outros níveis,
das mídias: o público leitor, público de cinema, de televisão, etc. Até chegarmos ao
público total, esse que chamei de público contemporâneo, que se confunde com a ideia
de povo, de proletariado.
E por que essa identificação? Porque se o público é sempre público de alguma coisa, seu
papel social ainda seria, num certo sentido, dependente, subalterno a quem produz
aquela “alguma coisa”: o espetáculo e os outros produtos industriais (livro, cinema,
televisão, internet, etc.). Como o proletariado, como já foi dito anteriormente, o público
não detém os meios de produção daquilo de que é público.
Mas a coisa é mais complicada. Ou dialética. Ainda que ocupe essa posição formalmente
subalterna, as mensagens, os sentidos de que o público é público, se constituem
socialmente através e apenas através de sua adoção ou apropriação pelo público. Como
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já demonstrou Bakhtin, os sentidos variam o tempo todo, não numa relação dualista, tipo
emissor-receptor, mas numa espiral de interação permanente, que não tem começo, não
tem um lado principal: o emissor de uma mensagem (ou de um enunciado, como diria
Bakhtin), dos sentidos nessa mensagem, já é produto de um repertório constituído; e sua
mensagem e sentidos serão reconstituídos e ressignificados pelo interlocutor, ou pelo
público. Esse é um processo permanente, que varia também segundo os contextos
históricos e sociais, em ambientes de classe, de território, etc. De certa forma, como
todos os participantes nesse processo – receptores/emissores/receptores - estão
inseridos num público geral, podemos dizer que o público não é apenas o público de
alguma coisa, mas o sujeito dialético, o autor em última instância daquilo de que é,
também, público. E, como o proletariado, que não detém os meios de produção, mas é
o produtor real e concreto de toda a riqueza, o público é o criador, o autor de todos os
sentidos. O público é, na atualidade, a expressão no campo simbólico do que o conceito
de proletariado exprime nos campos econômico e social. Explorar a homologia entre empresário e autor
Se o cinema foi muito importante naquela fase do capitalismo, seu papel já evoluiu no
pós-guerra com a televisão e, no final do século, com a internet. Atualmente, as mídias
ampliam e redefinem o papel do cinema e o conceito de público. O público continua sendo
a expressão do proletariado no plano do simbólico, mas ambos mudaram. De fato, a
transformação das formas de trabalho – em boa medida devido à revolução digital – é
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uma das grandes características do tempo que estamos vivendo. Muitas formas de
produção, inúmeras profissões, diversos ofícios estão desaparecendo, ou sendo
profundamente transformados e reorganizados. A revolução digital não acabou; as
revoluções não “acabam”, mas diluem-se e se integram a uma nova situação, com suas
próprias condições a serem, por sua vez, superadas. Hoje a mídias não são apenas
importantes, no sentido que o cinema inicialmente instituiu: agora elas penetram,
interferem e interagem, de forma inaudita e própria, na vida de todos e de cada um. Em
escala muito maior e numa proximidade, numa intimidade, poderíamos dizer, inédita. E
é nesse campo, hoje o mais importante, que a direita, mesmo que superficialmente,
parece ter uma dianteira.
E os cineclubes?
Os cineclubes não surgiram nos anos 20, como afirma quase que um consenso – no
entanto desinformado e equivocado -, mas junto com o cinema, no processo de luta pela
apropriação dos sentidos produzidos pela nova linguagem, na afirmação da nova mídia.
À medida que o público se formava (processo que se consolida por volta do final da
primeira década do século 20), também evoluíam suas formas de resistência ao cinema
que se organizava para dar mais lucro e melhor entreter e controlar as massas que ele,
ao mesmo tempo, ajudava a formar.
Isso porque o cinema morreu, metaforicamente. Apenas de certa forma, claro, é preciso
frisar. O cinema – na verdade o filme de ficção ou documentário (excluindo todas as
outras formas de cinema) exibido em sala escura para um grupo de espectadores
relativamente pequeno – já não é o formato ou o espaço mais relevante, nem
economicamente nem quanto à participação do público. O espaço simbólico disputado
pelos setores populares é o espaço das mídias: a televisão, o computador, os celulares.
O modelo cinéfilo não (se) dá conta das mídias, não integra as mídias. O cineclubismo –
como outras instituições geradoras de valores, outros aparelhos de hegemonia – corre o
risco de morrer, como o cinema “morreu”. Ou definhar numa relativa irrelevância cultural
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e social, limitado a públicos muito reduzidos e a setores da sociedade que não são tão
fundamentais nem para o próprio cinema nem para a transformação da sociedade. É
preciso um novo tipo de cineclube, para novos tempos e novos desafios. No Brasil, o modelo
dominante é o cineclube
universitário
O cineclube no terceiro turno (no Brasil e no mundo)
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outras instituições que atraiam ou reúnam grupos normalmente afastados ou excluídos
de formas de entretenimento mais crítico ou de formação mesmo. E mais, cineclube não
é uma atividade eventual, um encontro cultural mensal: nesta época de presença
permanente e ubíqua dos celulares, o cineclube deve ser uma organização complexa, que
também esteja presente na dimensão cotidiana e virtual do seu público.
Uma revolução, entretanto, no seu sentido mais pleno, não é feita por entidades culturais
ou educacionais. Certamente também não é resultado de eleições, especialmente da
forma como são realizadas hoje no Brasil e em outras “democracias ocidentais”. São
muitos os exemplos – e os nossos são bem recentes – de governantes progressistas
eleitos e logo derrubados pela violência fascista (Salvador Allende, no Chile) ou por ardis
“parlamentares”, como aconteceu com Fernando Lugo, no Paraguai, e com Dilma Roussef E agora no
Peru...
no Brasil – ou pela combinação dos dois, como com Evo Morales, na Bolívia. Mas também
não acontece “nas ruas”, exceto em estágios muito avançados de luta, quando esse tipo
de manifestação é geral, avassalador, impossível de ser detido. Mesmo assim, geralmente
isso acontece em combinação com outras ações – sobretudo a greve geral. A mobilização
para uma transformação radical da sociedade precisa ser conduzida por uma direção
política capaz de liderar a edificação das novas instituições que vão constituir uma nova
sociedade. Essa força de mobilização ampla e radical e a capacidade de formar uma
direção experiente e capaz é produto da combinação necessária de todos esses níveis de
ação e organização. Cada um deles é essencial, mas só em conjunto podem produzir uma
transformação radical e plena.
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democraticamente, e direções eleitas regularmente. A própria palavra cineclube em seus
usos mais correntes, passou a designar apenas uma atividade - a exibição de um ou mais
filmes (no caso dos curtas-metragens) acompanhada de debate ou palestra – e não a
instituição organizada. Fala-se em “fazer um cineclube” a tal hora, em tal lugar; não em
organizar um cineclube, permanente, sistemático, representativo.
A grande maioria dos cineclubes que assim se denominam no Brasil e, entre eles, os de
maior organização e assiduidade, está instalada nas universidades. A instituição e os
programas de verbas e bolsas de extensão acadêmica também são um elemento
Alex Santos
fundamental para a manutenção dessas atividades. É nesses ambientes, sem dúvida,
onde melhor se realiza a proposta de exibição de filmes de alguma forma “alternativos”
e a discussão de suas características estéticas, narrativas, políticas, entre outras. Há
alguns cineclubes que são mesmo oficiais, mantidos por uma universidade e dirigidos por
professores alocados também nessa função; estão entre os mais ativos e influentes. Coxiponense
Nos anos 70 e 80, num contexto de fortalecimento da sociedade civil contra a ditadura
militar, os cineclubes se reconheciam e se estruturavam como um movimento social e
cultural e se organizavam também em comunidades populares, junto a movimentos
sociais – inclusive étnicos e de gênero – e alguns sindicatos. Com os dois governos de
Lula e a criação do programa Cultura Viva, depois seguido pelo Cine Mais Cultura
(exclusivo para a exibição), o governo investiu bastante em seus projetos de exibição de
filmes brasileiros em comunidades populares – mas já sem as características Crise com o
organizativas dos cineclubes do século passado. Depois dessas duas experiências, em Cine+Cultura
seus momentos históricos, o cineclubismo de certa forma refluiu para o tipo de inserção
social que (sempre) tivera até o início da Ditadura – e que tem em quase todo o mundo:
nas classes médias cultas. Mais nuançado nos países centrais, "desenvolvidos"
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surgimento até a crise iniciada no terço final do século 20. Esse paradigma, que informa
e influencia todas as outras formas de organização com origem no público, consiste na
forma coletiva e democrática de organização e na ausência de finalidade de lucro, isto é,
de apropriação privada dos resultados econômicos que a organização eventualmente
produzir. O objetivo desse paradigma de organização é a apropriação integral do cinema
pelo público organizado. Esse modelo, contudo, só será realmente novo – será a
atualização da proposta cineclubista - se incluir em sua organização e propósitos a
articulação com as mídias audiovisuais, sendo o cinema “apenas” uma delas, ainda que
uma espécie de paradigma ele também, nas bases das inovações e diferenciações nas
linguagens desenvolvidas em outras mídias.
O novo modelo de cineclube deve integrar todas as mídias num processo unificado de
atividades orgânicas e críticas nos campos da informação, da formação e educação, do
entretenimento produtivo, da preservação da memória e das identidades e da
diversidade. Deve saber ocupar, organizar e gerir as dimensões presenciais e virtuais de
suas atividades. Articular a dimensão comunitária, local, de base, e a dimensão social,
planetária, em redes.
O objetivo político do novo tipo de cineclube, aquele que pode ajudar a construir uma
novo modelo de comunicação e uma nova sociedade, é superar e substituir as instituições
vigentes: alienantes, controladoras, de dominação. Em uma palavra: capitalistas. O
objetivo político do novo tipo de cineclube é a substituição/superação da sala comerciais
de cinema, das televisões e das redes sociais. O objetivo político do novo tipo de cineclube
não é modesto, não é fácil e não é simples. É apenas indispensável.
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Algumas referências no texto:
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