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Introdução

No que se diz respeito a questões sociais, a séculos o ser humano encontrou nos
livros uma forma de retratar e até mesmo denunciar os problemas que englobam a
sociedade em que vive.

Nas obras “O Cortiço” e “Quarto de Despejo”, não é diferente. Enquanto Carolina


Maria de Jesus retrata a sua realidade e seu dia a dia denunciando os problemas
que encontra na sociedade, Aluísio Azevedo cria personagens e por meio deles
denuncia assuntos como: preconceitos, poder, dinheiro, sexo e a exploração entre
os homens.

Apesar de serem obras parecidas, acabam tomando um rumo diferente em relação


às denúncias sociais, Carolina retrata em seu diário, principalmente a fome que ela e
seus filhos passavam, acompanhado da sua revolta com a falta de oportunidades e
falta de empatia do outro. Aluísio Azevedo prefere retratar assuntos como a
promiscuidade e orgulho do ser humano, como João Romão, que quer a todo custo
se tornar cada vez mais rico para ser tornar um homem da alta sociedade assim
como seu vizinho Miranda.

Observações dos contextos e fontes históricas

Carolina Maria de Jesus foi uma escritora e catadora de papel que morava na favela
do Canindé. Por morar dentro da favela, temos a visão perfeita para tentarmos
compreender as ações humanas, principalmente em locais como a favela, onde o
ser humano é vítima e se encontra em um estado de extrema fragilidade, que por
sua vez pode afetar em seus pensamentos e suas ações. Para Carolina, por mais
frágil que fosse a situação da pessoa, isso não era motivo para tomar rumos em sua
vida como crime, prostituição, etc.

A autora deixa claro em seu diário que mesmo em um contexto de fome e pobreza,
ela jamais deixou os caminhos que considerava digno, porém, na favela nem todos
pensavam assim, Carolina retrata em vários momentos pessoas que tomaram o
rumo do crime por exemplo, e praticavam roubos até mesmo dentro da favela, mas
mesmo assim, tendo um olhar equilibrado, não os vitimizando completamente, nem
criminalizando totalmente, visto que a escritora sabia exatamente como é viver uma
vida onde desde o nascimento, se tem poucas ou até nenhuma oportunidade pelo
simples fato de ter nascido e crescido dentro da favela.

Dentro desse contexto de pobreza e miséria, entendemos pela visão passada pela
autora, que os problemas dentro da favela não se resumem a criminalidade e
pobreza, mas a sociedade que vive nesse triste contexto também sofre de vários
outros problemas como a degradação de pessoas e famílias por conta do vício. No
livro, a autora chega a citar até mesmo uma família onde todos os integrantes eram
viciados no álcool, e por consequência, sofriam por uma falta de oportunidades
ainda maior além de também ter intrigas e conflitos entre si mesmo com frequência.

Em “O Cortiço” o ambiente em geral apesar de possuir algumas diferenças, não é


totalmente diferente, pois o contexto de pobreza e miséria também acaba sendo
retratado com grande frequência nas duas obras, visto que Carolina Maria de Jesus
era uma moradora do núcleo da favela, e o principal ambiente da obra de Aluísio
Azevedo, o cortiço, era uma ambientação coletiva, feita de pequenas casinhas
geralmente divididas por dentro onde a maioria de pessoas ou famílias que
alugavam eram de baixo status social e pobres.

Apesar de retratar esse contexto de pobreza com um pouco menos de intensidade


do que na obra de Carolina, ainda podemos ver diversas semelhanças em eventos
que aconteciam na favela do Canindé e em eventos que aconteciam no cortiço de
Botafogo. Nesses dois locais, podemos ver que, mesmo em extremas condições de
pobreza e miséria onde supostamente a tristeza reinaria 24 horas por dia, essas
pessoas encontram festas como uma espécie de válvula de escape. Nos dois
ambientes, as pessoas mesmo que pobres, organizavam festas com certa
frequência com o que tinham. Na obra de Aluísio, conseguimos ler mais detalhes
sobre acontecimentos dessas festas, que acabam por ter grande importância na
história e desenvolvimento do
livro, já no livro “Quarto de
Despejo”, não conseguimos
ter essa visão detalhada,
temos apenas uma visão mais
geral, já que Carolina não
participava com frequência
destas festas, visto que a mesma, achava que já estava velha demais para participar
desses eventos e também tinha uma visão de que essas festas se resumiam em
situações que as pessoas se reuniam somente para beber e se embriagar,
esquecendo momentaneamente da tristeza vivida naquela favela, não tendo assim,
grande importância para a autora, que julgava como perda de tempo.

Como o livro “Quarto de Despejo’’ é um diário, não conseguimos muito bem


classificar e comparar alguns quesitos quanto a narrativa com “O Cortiço”, porém
podemos ver algumas semelhanças na narrativa de Aluísio, que se encontram
também no dia a dia da autora do diário. Podemos citar por exemplo, o
determinismo, muito presente nas duas obras, tendo grande importância
principalmente na obra de Carolina, já que a mesma retrata diversos acontecimentos
de pessoas que acabaram tendo sua personalidade totalmente determinada pelo
meio de pobreza e miséria que vivia, um exemplo também muito claro do
determinismo que podemos encontrar na obra de Aluísio, é o caso de Jerônimo, que
era um homem bom, mas acaba caindo em um meio corrupto, que acaba por
transformar o homem.

Podemos ir além de exemplos específicos das obras e tratar do efeito do


determinismo na sociedade em geral que nos é apresentada pela visão desses 2
autores. Se houvesse uma importância verdadeira para com o pobre desde a
estrutura social em si, teríamos pessoas saindo das favelas para uma condição
melhor cada vez mais, pois já existe um vício na sociedade, infelizmente muitas
pessoas acabaram não tendo educação de qualidade por conta da situação vivida,
então acabam por terem grande influência negativa naquelas pessoas que querem
mudar e fazer algo diferente, mas acabam sendo determinadas pelo meio em que
vivem, porém, cabe deixar claro também a visão de que essas pessoas não
necessariamente são maldosas e contribuem negativamente por pura e espontânea
vontade, pois as mesmas, acabam sendo vítimas de uma sociedade que não as
valoriza e um sistema que acaba por beneficiar somente os mais ricos e enxergar
os mais pobres como um povo que não gera lucros e é desprezível.

Assim, entramos em uma contradição, já que muitas vezes o mais pobre é


determinado pelo meio em que vive, porém quem acaba determinando como é esse
meio, é uma boa parte dos mais ricos e políticos. Esse tema, ainda é infelizmente
muito atual, apesar da data de publicação dos dois livros, o triste contexto social
apresentado nas obras, ainda pode ser encontrado na sociedade, em São Paulo por
exemplo, segundo a Agência Mural existem exatas 1728 favelas no estado e cerca
de 400 mil famílias e mais de 2 milhões de pessoas vivendo em condições de
pobreza e miséria nessas favelas, já no país inteiro, o IBGE chegou a identificar
mais de 6300 favelas, onde pessoas sofrem diariamente pela má distribuição de
renda no país e um sistema que beneficia somente o lado dos mais ricos.

Os cortiços que por sua vez, também


acabam abrigando em sua maioria
pessoas pobres, são grande problema
para a sociedade e esse acaba sendo
um assunto muito complicado, já que os
cortiços costumam ser um grande
problema habitacional, pois por precisar
abrigar um grande número de pessoas,
diversas irregularidades acabam sendo encontradas nas estruturas dos cortiços,
sendo um risco à vida das pessoas que neles moram e também dos habitantes das
redondezas, porém, geralmente as pessoas que vão para os cortiços, estão lá por
última opção. Além dos problemas já citados, os cortiços também apresentam
diversos outros problemas como aluguéis exorbitantes, exploração aos habitantes,
desrespeito entre as pessoas, proliferação de doenças, entre outros.

Infelizmente, tanto as pessoas das favelas como as dos cortiços, não possuem uma
perspectiva de mudança em relação a estrutura e higiene dos locais em que vivem,
já que não têm recebido a devida atenção de órgãos públicos e sociedade.

Carolina não deixa de retratar e denunciar esses assuntos também, a autora relata
com frequência situações que a levam filosofar sobre essa diferença e também
esquecimento dos órgãos públicos em relação aos pobres. Os políticos também não
saíram impune em seu livro, esses eram também muito criticados por Carolina,
segundo ela, para os políticos o povo das favelas não tinha utilidade senão em
épocas de eleição, esse era o único momento que políticos chegavam na favela com
uma falsa aparência de intimidade com o povo pobre e também com falsas
promessas que tocavam o coração dos mais pobres, segundo ela também, o povo
pobre servia como uma espécie de escada, que os mais ricos precisavam subir para
alcançar o alto padrão e descartando tudo que era maléfico e desnecessário para si
nos pobres. Ela acreditava que isso nunca iria mudar, que esse pensamento já
estava enraizado e viciado na sociedade, essa falta de perspectiva de mudança na
sociedade ajuda a para que Carolina veja como única solução de sua vida, sair do
quarto de despejo, que já estava manchado com falta de empatia e atenção da
sociedade, e essa mancha, já não era mais possível limpar.

Na obra de Aluísio Azevedo, é retratado por meio do personagem João Romão, uma
visão um pouco mais individualista sobre esse assunto, já que o personagem não
ligava muito para a pobreza da sociedade em si, mas ligava para sua condição
financeira, João Romão não era extremamente pobre, porém, estava disposto a
fazer quase tudo para subir sua condição e status social assim como o de seu
vizinho Miranda, com o qual tinha uma certa inveja, ocasionando em alguns
pequenos conflitos, afinal João Romão era um homem orgulhoso e não estava
disposto a perder essa “disputa”.

Contextos que mostram as realidades sociais abordadas nas obras

Primeiro, antes de começar a desenvolver o assunto do capítulo, é preciso explicitar


que as obras possuem uma forma de retratar sua visão da sociedade um pouco
diferente, no livro de Carolina, nós temos uma visão direta de uma pessoa que vivia
no núcleo da favela, assim, ela estava em contato direto com todas aquelas
situações de pobreza, fome, miséria e injustiça diariamente. Assim, existe um
contexto muito importante que nos ajuda a compreender a visão de Carolina, esse
contexto seria o seu dia comum, aquele dia que não ocorre nenhuma novidade,
podendo ser positiva ou negativa, mas por que essa situação é tão importante para
a retratação social da obra? Isso se dá pois são nesses dias que nós conseguimos
ver como a favela e a vida lá dentro realmente é.

Por não morar na favela, muitas pessoas acabam tendo uma visão da vida lá dentro
da televisão, uma visão um pouco “maquiada” da realidade lá dentro, porém,
mostrando seu dia a dia, podemos ver que na favela onde Carolina morava, a fome
e miséria reinavam quase todos os dias, e nada praticamente era feito pela
sociedade em geral para solucionar isso, portanto, esse contexto é um grande
contribuinte para a revolta que tanto nos é mostrada vindo só coração da autora.
É quanto a forma de passar essa visão que os dois livros se diferem bastante,
enquanto em “Quarto de Despejo” temos essa visão de dentro da favela, que
denuncia a sociedade em geral, na obra “O Cortiço”, temos uma visão que se
aprofunda um pouco mais na personalidade e nos estereótipos dos personagens,
existindo até mesmo uma comparação implícita no livro desses personagens com
animais. Porém, mesmo com essa visão um pouco mais aprofundada do indivíduo, o
autor não deixa de criticar a sociedade e sua estrutura em geral. Por meio desse
recurso psicológico de cada personagem, o autor acaba tendo margem para
denunciar a sociedade por meio de suas decisões e pensamentos, que geralmente
nesse livro retratam temas como a pobreza, promiscuidade, exploração, orgulho,
entre outros.

Dado essa “introdução”, agora temos mais liberdade para tratar contextos que
mostram as realidades sociais abordadas nas obras com mais clareza.

Com o entendimento de que a pobreza extrema no Brasil hoje atinge cerca de 27


milhões de pessoas, piorando todos os anos de 2014, podemos compreender que
esse contexto de pobreza e miséria denunciados nos livros, não se encontram
somente nas escrituras, mas estão presentes na realidade diária de milhões de
brasileiros, daí surge grande parte da importância dessas obras, elas são formas de
denúncia e revolta de uma população que em grande parte não possui voz na
sociedade.

O caráter das pessoas, assunto se grande importância nas duas obras, também nos
ajudam a entender parte da sociedade e sua estrutura.

O significado da palavra caráter, pode ser resumido em um termo que descreve os


traços morais da personalidade das pessoas. Mas por qual motivo o caráter humano
nos ajuda a compreender esse contexto social?

Existem milharas de estudantes e pesquisadores que acreditam que a filosofia


determinista ajuda a explicar o motivo pelo qual existem cidadãos que mesmo em
situação de extrema pobreza, não possui empatia pelo próximo e/ou está disposto a
fazer de tudo para passar por cima dos outros. Sendo assim, essas pessoas de
acordo com a filosofia determinista, seriam vítimas de ações tomadas no passado,
que tirariam a liberdade individual daquelas pessoas.
Apesar dessa visão, algo muito interessante pode ser observado nas obras,
nenhuma delas chega a vitimizar totalmente essas pessoas, entendendo que apesar
de serem vítimas de um sistema maior do que podemos imaginar, não é justificável
tomar essas atitudes como normal para si, equilibrando assim, esse olhar crítico.

Explicando melhor onde a filosofia determinista se encaixa nesse contexto, se pode


dizer que a sociedade acabou sendo estruturada dessa maneira por conta dos

líderes desse sistema, que não necessariamente se esqueceram dos pobres, mas
os deixam assim pois beneficia esses líderes do sistema.

Ter uma sociedade onde a desigualdade se renda é muito presente, acaba por
beneficiar o lado da moeda. Além disso, se for retirado a voz do lado mais pobre,
isso significaria que o lado dos mais ricos não corre nenhum risco.

Portanto, esse problema não é causa somente do cidadão comum e da maioria da


população, mas é principalmente culpa daqueles que governam.

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