Você está na página 1de 3

Apreciação Crítica

«O Noivo», conto pertencente à grande obra Contos Impopulares, de Agustina


Bessa-Luís, possui características, como o nome da obra indica, que vai além de um
conto popular, destacando o incomum da narração. Na trajetória da obra, entende-se o
percurso que vai entre o ser e o humano, não só duma personagem, mas sim de uma
ideia, pelo que ao longo deste, transmite a conceção de um noivo que luta pela vontade
da sua paixão dentro do estatuto social que o abraça.

Esta grande obra de Agustina, publicada no século passado, teve um enorme impacto
nos leitores que conheciam o seu trabalho, já que se focou no romance desde 1948. Ler
ficção proveniente da autora tem sido curioso, uma vez que os contos presentes na obra,
na sua generalidade, não possuem um final fechado, como o nosso em análise, mas vão
tendo continuidade na sua essência até o fim da obra, sendo para a época um tanto
inovador. Ainda assim, esperávamos que tivesse uma ação final mais concreta entre a
personagens do noivo e a noiva, pois o final aberto deixa muitas expectativas perante o
que poderia acontecer ou não. Voltaria o noivo à cidade burguesa em busca do sucesso?
Conseguiria ultrapassar os obstáculos e permanecer com a noiva, mesmo que fosse na
zona rural? Estas são algumas curiosidades que o final aberto nos despertou.

É interessante como, apesar da sua escrita para esta estância que se enquadra entre os
anos 1951 a 1953, entrou no modismo do neorrealismo (corrente literária que surgiu
para a época), quando a autora não era tão comprometida com as correntes literárias.
Contudo, é admirável que não se baseou completamente na constituição política nem
nos problemas relativos ao socialismo (erro muito comum nas obras de outros autores
contemporâneos), mas sim teve certas características oriundas do marxismo ao velar
pelas desigualdades que afetavam às sociedades desfavorecidas, pois este conto surge
logo da culminação da II Guerra Mundial; tendo também a presença da caracterização e
evolução do homem como sua humanidade, aspeto bastante relevante, dado que retrata
estas peculiaridades indiretamente na escrita do conto como também tenta estampar essa
realidade que presenciava e causava-lhe receio.

Ao lermos esta narrativa, pode-se aproveitar o facto de sentir a inserção da noção


dentro do ambiente físico da trama que expressa fortemente a situação económica da
personagem principal (o noivo), dando enfase na sua submersão na pobreza em
contraste à sociedade burguesa da época, acentuada de forma detalhada com recurso
muitas vezes à enumeração, e descrevendo essa realidade pungente da miséria.

O recurso à metáfora no início do conto «as tílias muralhavam sobre as suas cabeças»
foi esplêndido, pois dá origem a esta conotação de luta por parte do protagonista a esta
paixão, em virtude de que a tília é aquela árvore sagrada com poderes mágicos, que
segundo os germânicos, protegia os guerreiros, sendo um sinal de proteção para esta
figura, que o seu combate fundava-se na dicotomia do rural com a cidade, visto que para
o pobre (proveniente da zona rural) «cada viagem significava para si uma política de
privações, de cálculos, de economias, de riscos financeiros».

Por outro lado, temos a presença da comparação («do que se ele fosse o próprio
Marco Polo regressado de Catay») ao ponderar o regresso do noivo à sua hospedagem,
estrutura principal que traz ainda mais significado a esta decadência económica num
certo número de pessoas que vivia na sociedade dos anos cinquenta.

Graças ao estilo da autora, o conto despertou diversas emoções em nós, associadas


com a identificação com o noivo que, inserido nesse estatuto social, ainda sonhava em
tocar o horizonte ao ter uma consciência de poder bastante enraizada, e em simultâneo,
por ter esta arma invencível no que se refere ao amor ou paixão que só a sua vontade
por ela permitia que fosse mais visionário e corajoso («Fatídicos noivados da paixão,
eles são os carrascos e os redentores do mundo. São, acima de tudo, a reminiscência
talvez dum estado divino que o homem pretende reconquistar»).

A escrita intrinsecamente na narração foi ótima, pois a utilização de palavras foi


adequada, ao igual que a sua linguagem, simbolismos e alusões, que fez com que o
conto fosse original e não permanecesse na trama básica, por obra de não só transmitir o
sentido do amor, mas ir mais além ao conduzir à realidade destes anos na sociedade
portuguesa e a condição humana à que o homem enfrentava-se na privação ou paupérie,
incitando por sua vez ao pensamento moral sobre o que é o homem e o que é a
humanidade.
Mensagem com a atualidade

A mensagem que nos deixa O Noivo, não fica só impregnada na sociedade dos anos
cinquenta, mas sim continua até a nossa quotidianidade, pois a sua ideia permanece
extremadamente ligada tanto ao contorno social que faz e modifica ao homem como à
sua simplicidade. Com isto, pode-se destacar o fator mais essencial da obra, sobre o
contraste de estatutos da classe-média e também da classe-alta com a classe-baixa ou
mais encarecida em outros términos, salientando a imensa pobreza de muitas pessoas no
país, que tanto para a época como agora seguem existindo, talvez em menor dimensão,
mas que continuam a atrasar a nação e pôr em causa a vitalidade humana, como o preço
que têm aqueles que lutam pela sobrevivência dia após dia. Esta ideia é expressa por
Agustina Bessa-Luís através de um sentimento disfórico, ao usar o recurso à adjetivação
múltiplas vezes para a descrição da miséria à que a humanidade está exposta
constantemente e por muitas vezes é obviado.

De outra forma, também temos os atos sociais que a mendicidade também obriga, que
no conto é mencionado de forma indireta como a prostituição («para quem a nudez é um
estado natural, para que o imoral não é mais que um hábito, e os costumes uma forma
de ser moral»), que ainda na sociedade atual evidencia-se e permanece como um sinal
de carência económica, pois os seus praticantes incessantemente precisam de uma via
de escape aos seus problemas económicos («um odor a imundície, de corpo humano que
a pobreza marcou com esse estigma de descomposição em vida, mais odioso que a
própria doença e que a morte»).

Noutro ponto de vista, no conto aborda-se as relações humanas que apesar de terem
evoluído até agora, continuam sendo as mesmas, como aquelas de gratidão e
confidencialidade, neste caso, presenciada entre o noivo e o hospedeiro, no qual o ser
humano estabelece laços e pode ser até mais dependente do que de uma família, neste
contexto, enquadra-se as relações de amizade que o homem cria por necessidade de
interdependência («uma espécie de gratidão, traduzida em camaradagem expansiva, em
confidências e generosidades que, muitas vezes, um ente do mesmo sangue, que habita
sob o mesmo teto, não logra conhecer durante uma vida inteira»).

Você também pode gostar