Você está na página 1de 7

UNIVERSIDADE ESTADUAL DA PARAÍBA

DEPARTAMENTO DE LETRAS E ARTES


CURSTO DE LETRAS – LINGUA PORTUGUESA
DOCENTE: ANACÃ RUPERT MOREIRA CRUZ E COSTA AGRA
DISCENTE: SARAH VICENTE CABRAL DA SILVA
NARRATIVA NA LITERATURA PORTUGUESA

ANÁLISE DA OBRA “AMOR DE PERDIÇÃO” E RELAÇÕES HISTÓRICAS,


SOCIOCULTURAIS E ARTISTICOS-LITERÁRIAS

Campina Grande

2021
O Romantismo – Contexto histórico social e político.
Toda escola literária representa um período histórico bem como suas marcas políticas,
sociais e culturais; dessa maneira, as obras e os escritos recebem entre as linhas da
narrativa da prosa e na voz do eu lírico da poesia, registros sócio históricos que apontam
para a realidade em que se insere a escola literária. Diante dessa perspectiva,
buscaremos a princípio compreender brevemente a fase em que se manifesta o
aparecimento do romantismo, especialmente em Portugal.
No início do século XIX, Portugal encontra-se em processo de insatisfação e
transformação econômica, política e social em consequência da Revolução Francesa
(1789) que coloca em crise as monarquias absolutistas perante ao Liberalismo que trará
sua própria doutrina sociopolítica e uma ascensão à burguesia, que agora terá poder e
protagonismo econômico e político. Esse fato histórico, era reposta das ideias
Iluministas que se fortaleceram durante o século XVIII anulando a fé, supervalorizando
a razão e fazendo assim, enfraquecer as alianças entre as igrejas e as monarquias da
Europa.
Temerosos em relação a invasão francesa, por decorrência do Bloqueio Continental, em
1808 a corte portuguesa transfere-se rumo ao Brasil, e a nação portuguesa é tomada pela
invasão Napoleônica que anos depois será vencida pelo combate do general inglês
Beresford que passa a governar o país. Nesse recorte histórico no qual é marcado pela
invasão francesa, dominação inglesa e o trono vazio pela ausência do rei é que nasce o
Romantismo, haja vista essa conturbação Massaud Moisés afirma:
Enquadrado em um momento tão crítico para a história de Portugal,
entende-se por que a aceitação da reforma romântica não foi pronta
nem calorosa: só a acalmia trazida pela Regeneração permitirá o
florescimento do ideário romântico entre os letrados portugueses.
(MOISÉS, 2013, p.164)

Compondo sua primeira geração (1825-1840) os autores Almeida Garret com o poema
“Camões” e Alexandre Herculano mais à frente em 1836 com a prosa “A voz do
profeta”, abrem o hall dos autores que fariam parte dessa grande escola literária. Garret
e Herculano traria consigo a responsabilidade de ascender o sentimento pela pátria no
povo lusitano, como forma de unir e fortalecer a nação; sendo assim, o nacionalismo
surge como aspecto que se tornaria um forte atributo dos escritos românticos
principalmente nessa primeira fase do romantismo. Contudo, vale evidenciar que as
origens do romantismo encontram-se na Alemanha, França e Inglaterra que conforme as
palavras Moisés (2013, p.165) “à França coube não só o papel de coordenação, mas
também de caixa de ressonância e difusão do movimento”. O romantismo abre uma
cultura liberal, não somente na política mas na ética moral que reverbera na sociedade e
na estética romântica. Por falar em estética, veremos no tópico a seguir os aspectos
principais da prosa e poesia Romântica.
Características do Romantismo – 2ª geração – Ultrarromantismo.
René de Chateaubriand, escritor do Pré-romantismo, denominou de “Mal do século”
(em francês: mal du siècle) a segunda geração do romantismo, como tentativa de
denominar uma geração em crise com suas crenças e valores, crise esta oriunda do
contexto histórico na Europa no século XIX, vista no tópico anterior. Essa crise
permeou e afetou os escritos literários da época, isto é, a estética romântica.
No campo da estética, o romantismo contrapõe o Classicismo atado ao Arcadismo. O
romântico não segue uma forma, os versos em sua poesia é livre e branco, além de não
ser erudita bem como a prosa; individualista, os escritos dessa escola literária remete
sempre a uma introspecção e consequentemente ao egocentrismo que subsiste em um
universo particular no qual o os personagens da prosa e o eu lírico da poesia, sentem a
derrota do ego que lhes produz frustação e tédio; o mundo subjetivo e pessoal é
supervalorizado e as expressões e opiniões são sempre postas; a retomada da idade
média é presente e constante, as narrativas heroicas e cavalescas demarcam essa
característica; como fuga da realidade, a imaginação, os sonhos e o saudosismo do
passado compõe os aspectos da escrita romântica; em detrimento da razão do
Classicismo, o romantismo é extremamente sensível e tudo é exageradamente marcado
pelo sentimentalismo a tudo que envolve a narrativa da prosa e na poesia; a melancolia,
o tédio e escapismo por meio da morte/suicídio representa com veemência o romântico.
Essa melancolia oriunda do poeta inglês Lord Byron, que influencia o romantismo com
o Byronismo, abarca todas as características de enfado, descontentamento e desalento
dessa escola literária, o que a torna conhecida como a geração do “Mal do século”.
Frisando esse último aspecto, a onda de suicídio nesse período cresceu ao ponto em que
os jornais da época fizeram campanha na tentativa de diminuir a prática suicida de
escapismo.
Esses aspectos caracterizam o sujeito romântico como o um sujeito “narcisista”, um
indivíduo em que o mundo volta-se para si constantemente, ou melhor, vive em torno de
si e em qualquer tentativa de perceber e encarar o externo ele assim os vê como reflexo
de si mesmo. O romantismo é de uma estética jovem e por isso é semanticamente
rebelde e ingênua, segundo Massaud (2013, p.170) “Instável, complexo, rebelde, jogado
por sentimentos opostos, numa irrefreável mobilidade, o romântico cultiva atitudes
feminoides e adolescentes.”
No romantismo, não há final feliz, a felicidade consiste na morte, o morrer literalmente
por amor. O amor inalcançável, o impossível, o sofrer e as provas de amor possuem o
eu lírico e os protagonistas das narrativas, numa constante queda e decadência pessoal
resultantes do amor mortal.
Na segunda geração romântica prevalecem os escritores: Soares de Passos e Camilo
Castelo Branco, sendo o segundo, o autor da obra “Amor de perdição” (1861) a ser
analisada no último tópico. Para o próximo tópico, iremos conhecer a história e
trajetória de Camilo Castelo Branco.
Camilo Castelo Branco – Um breve percurso biográfico.
Camilo Castelo Branco (1825-1890), Português nascido em Lisboa, em um povoado
denominado Mártires, ficou órfão bem cedo ao 2 anos de idade e ainda na infância
perdeu o pai aos 10 anos, foi então criado pela tia Rita que, no futuro se tornaria
personagem de uma de suas maiores obras, “Amor de Perdição”. Camilo tornou-se um
dos mais influentes escritores portugueses e foi um dos primeiros a viver
exclusivamente do que escrevia; contribuiu como historiador, romancista, crítico e
assim, conquistou o título de 1º visconde de Correia Botelho, título este concedido pelo
rei D.Luís I. A escrita de Camilo era autentica e aclamada pelo público, ainda que,
movido pela moda da época, o escritor conseguiu manter sua originalidade.
Ao longo da sua breve jornada, Camilo viveu altos e baixos em relação aos seus amores,
e sua história é tão intensa quanto suas narrativas. Aos 16 anos, o escritor conhece uma
camponesa, Joaquina Pereira, casa-se e tem uma filha com ela, mas após 2 anos deixa a
filha e a esposa. No ano seguinte, ingressa na Escola Médico-Cirúrgica na cidade do
Porto, porém não consegue concluir os estudos porque a vida boemia lhe impede disso;
neste tempo, Camilo conhece Patrícia Emília, que inclusive é sua prima, foge com ela e
com isso é acusado de rapto e adultério, levando-lhe à prisão. Com Patrícia Emília, ele
também casa e tem uma filha, mas não diferente da primeira esposa, com 2 anos de
casamento Camilo também rompe a relação e abandona filha e esposa. Cinco anos após,
ele conhece o grande amor da sua vida, Ana Plácido, que já estava prometida a um rico
comerciante brasileiro e ela casa-se com o comerciante; com isso, apaixonado por seu
impossível amor, Camilo entra numa crise, passa a ficar depressivo e diante disso busca
na vida religiosa uma salvação ingressando em um seminário no Porto, nesse seminário
conhece uma freira e tem um caso com ela, e assim é expulso do seminário. Nessa vida
tão conflituosa entre amores, paixões e prisões, oito anos após ele reencontra seu grande
amor, Ana Plácido, entregam-se dessa vez um ao outro, tornam-se amantes e comentem
o adultério, como resultado: ambos vão parar na cadeia.
Nesse intervalo de tempo, é que ele escreve sua obra mais importante “Amor de
Perdição” (1861), uma novela passional robusta pela narrativa de desequilíbrio
sentimental; o amor proibido compõe a temática central da história. Nessa obra, Camilo
revela sua escandalosa história de amor e adultério com Ana Plácido. Em suma, os
conflitos da sua vida lhe rendeu inspiração para bons escritos.
Tomado por uma vida caótica, contrai uma sífilis e é acometido por uma cegueira
irreversível. Com muitas perdas de entes queridos, dores e uma jornada de vida bastante
conflituosa, comete suicídio atirando na sua própria cabeça no ano de 1890 aos 65 anos
de idade.
Em Camilo Castelo Branco, temos 137 obras ultrarromânticas, de linguagem acessível e
fiel aos costumes populares da época, relacionando as ficções da sua narrativa com
questões emocionais e psicológicas. Camilo foi então, um grande nome da literatura
portuguesa. No próximo e último tópico, correlacionaremos “Amor de Perdição” aos
aspectos da escrita do Romantismo.
Amor de Perdição – Uma importante obra do Romantismo lusitano.
Essa obra de Camilo Castelo Branco é uma obra tipicamente romântica, especialmente
da segunda geração, ou seja, uma obra ultrarromântica. Nada mais marcante nessa
estética literária, do que os traços e narrativas trágicas, dramáticas e morte por amores e
assim é “Amor de Perdição”, o título da obra por si só já sugere um amor que gera dor,
perda e decadência. Ainda que a obra ficou conhecida como “Romeu e Julieta” lusitano,
o amor proibido pelas famílias entre Simão e Teresa, que torna toda a narrativa uma
exagerada tensão resultado de um louco e proibido amor, Simão ainda é, em relação a
Romeu, um personagem intensamente mais sofrido pelo amor, consequentemente ele
não assume a ilusão do amor perfeito como sentimento, segundo Garcez (1992,p.19) :
“Simão não personifica o mito do amor eterno e absoluto de modo tão perfeito quanto
Romeu, pois na tragédia shakespeariana este prova da prerrogativa de não se ver
provado durante muito tempo.” A tragédia pelo amor, na narrativa ultrarromântica é
extensamente sofrida.
A evidenciar sobretudo os personagens protagonistas que são marcados pelo estereótipo
romântico. O protagonista Simão Botelho é um típico herói romântico, capaz de tudo
por sua amada Teresa que a conhece no abrir de uma janela de frente a sua casa, e é
brutalmente atingindo por um amor eterno e profundo. Simão, transformou-se de um
garoto rebelde a um jovem virtuoso e exemplar, motivo pelo amor avassalador. “Simão
Botelho amava. Ai está uma palavra única, explicando o que parecia absurda reforma
aos dezessete anos.” (p.18) Teresa por sua vez, é também a típica personagem feminina
do romantismo, delicada e doce, porém heroica ao lutar por seu amor. “É mulher
varonil, tem força de caráter, orgulho fortalecido pelo amor, despego das vulgares, se
são apreensões a renúncia que uma filha faz do seu alvedrio às imprevidentes e
caprichosas vontades de seu pai.” (p.24)
Esse amor posto à prova constantemente, põe a vida de Simão em risco, o pai de Teresa
planeja matá-lo e ele como um personagem tipicamente romântico, herói e capaz de
tudo pelo seu amor não desiste de encontrar-se com Teresa do dia do aniversário da
moça, mesmo sabendo do risco de ser pego. “Não há baliza racional para as belas, nem
paras as honrosas ilusões, quando o amor as inventa.” (p.28) Esse amor capaz de pôr-se
em risco, é o amor que compõe as narrativas ultrarromânticas.
Sem deixar de mencionar a personagem Mariana, uma moça que aparece na narrativa
como filha do ferreiro João da Cruz que protege e cuida do Simão, essa moça é a
referência mais pura de amor e sofrimento que a obra expõe; Mariana se apaixona por
Simão durante os dias em que ele se hospeda da casa dela, mesmo sabendo do amor de
Simão pela Tereza, o intenso amor de Mariana por ele faz com que ela ponha-se em
felicidade só pelo fato da felicidade do amado, mesmo que isso signifique que a
felicidade dele não seja o amor por ela.
Vale mencionar que mesmo numa obra ultrarromântica Camilo retrata relances pré-
realistas, no romantismo o personagem heroico do amor, sempre é muito rico e
socialmente farto, neste caso, Simão encontra-se por vezes em falta financeira a ponto
de ser ajudado e receber dinheiro do ferreiro João da Cruz, nessa ideia da necessidade
financeira de um herói romântico se um breve traço realista. Segue recorte da conversa
entre Mariana e o seu pai, ao descobrir a falta de dinheiro de Simão:
“-Desconfio duma coisa, rapariga.
- O que é, meu pai?
- O nosso doente, está sem dinheiro.
- Por quê? O pai como sabe isso?
- É que ele pediu-me a carteira para tirar dinheiro e ela pesava como uma bexiga de
porco cheia de vento. Isto bole-me cá por dentro! Queria oferecer-lhe dinheiro, e não sei
como há de ser. (p.50-51)”

Ainda sobre o perfil da personagem Mariana, por vezes denominada “O anjo da


compaixão” (p.110) ao perder seu pai, dedica a vida inteira para seguir e viver para o
seu amor, Simão Botelho, ela vai à prisão com ele e é exilada para Índia junto com ele
também. Nessa revolução de amor de Mariana por seu amado, vale sobretudo destacar
que essa decadência de vida de Simão ao ponto de ser preso e exilado do seu país, é
resultado do homicídio que ele cometeu ao matar Baltazar (personagem, primo de
Teresa, prometido em casamento a ela). Simão matou por amor e vive uma vida
deserdado pelos pais e decadente, também como resultado do seu insano amor por
Teresa de Albuquerque, esta por sua vez, mandada pelo seu pai para um convento, para
viver uma vida longe do seu amado Simão.

Teresa morre no convento, ao ver Simão partir no navio ao exilio. Simão morre doente
no navio ao receber a notícia que Teresa viera a falecer “Acabou-se tudo!.. – murmurou
Simão. – Eis-me livre... para a morte...” (p.106) Para um ultrarromântico, perder o seu
amor é perder a vida. Como mencionado no segundo tópico dessa análise, para o
romântico, não há final feliz. Ao morrer no navio e ser jogado em alto mar pelos
marujos envolto de um lençol, Mariana atirou-se junto ao amado. “E, antes que o baque
do cadáver se fizesse ouvir na água, todos viram, já pôde segurar Mariana, que se atirara
ao mar.” (p.112). Mariana é o típico perfil do personagem romântico que busca a morte
e o suicídio por causa de um amor exagerado, a vida não lhe faz mais sentido. “Viram-
na, um momento, bracejar, não para resistir à morte, mas para abraçar-se ao cadáver de
Simão, que uma onda lhe atirou aos braços” (p.112). Essa personagem assume um
papel no qual a mulher romântica tem, ela é livre e independente do seu sentimento,
consciente e decidida das suas próprias escolhas movida pelo amor, Korfmann afirma:

Apesar de se constatar ainda uma certa tendência para a distribuição de papéis


masculinos e femininos, foram os romances românticos que introduziram a
mulher como sujeito autônomo em relação a seus sentimentos, concedendo-lhe
o “privilégio” de rejeitar ou aceitar o amor declarado, sem direito de revogação
do lado masculino. (KORFMANN.2002, p.85)

Como visto, “Amor de Perdição” é uma obra que prevalece as características


românticas, ressaltadas nesta análise o amor exagerado, a melancolia que permeia o
enredo, a morte, o homicídio e o suicídio como consequência desse amor. Por fim, os
personagens principais envolvidos nessa história de amor de perdição, pagaram um
preço mortal.
REFERÊNCIA BIBLIOGRAFICA

BRANCO, Camilo Castelo. Amor de Perdição. Editora Scipione Ltda. São Paulo,
1999.
GARCEZ, Maria Helena Nery. Acerca das designações dos agentes em "Amor de
perdição”. Colóquio: Letras. 1992.

KORFMANN, Michael. O romantismo e a semântica do amor. Fragmentos, número


23, p. 083/101 Florianópolis/ jul - dez/ 2002
MOISÉS, Massaud. A literatura portuguesa. São Paulo: Cultrix, 2008.

Você também pode gostar